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Sementeia: um coletivo de sementes crioulas no litoral do Paraná

Sementeia: a comunity banc of eirloom seeds in Paraná coast


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CARVALHEDO, André Amaral ; MORGAN, Lunamar Cristina
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UFPR Litoral, andre.amaralca@gmail.com; UFPR Litoral, lunamarcristina@gmail.com.br

Eixo temático:Biodiversidade e Bens Comuns dos Agricultores e Povos e


Comunidades Tradicionais;

Resumo
As sementes são direito, bem comum e cultura dos povos e, para uma comunidade
saudável e soberana, são uma necessidade básica. Dotadas de imensa variabilidade
genética, adaptadas localmente e cultivadas por inúmeras gerações, as crioulas - da
paixão, da fartura, da resistência - são as sementes que nos pertencem e pertencemos a
elas. Sementeia é um banco de sementes comunitário, de gestão participativa, ao qual
qualquer pessoa tem acesso e pode doar e retirar sementes. O projeto busca criar e
fortalecer feiras, encontros e coletivos que valorizam e abordam a importância das
sementes crioulas e sua diversidade. Busca também facilitar o diálogo de saberes com o
tema dentro de escolas do campo e da cidade, junto à academia e comunidades
tradicionais, pois sabemos da necessidade de qualquer pessoa que se alimenta interagir
com o tema, independente da proximidade que tem do cultivo.
Palavras-Chave: agrobiodiversidade; soberania alimentar, agricultura
Keywords: agrobiodiversity, food sovereignty, agriculture

Contexto

“Nos opomos a que se privatizem e patenteiem os materiais genéticos


que dão origem à vida, à atividade camponesa, à atividade indígena. Os
genes, a vida são propriedade da própria vida. Nós os camponeses a
temos protegido, cuidado dela com uma educação clara de geração em
geração, com um profundo respeito a natureza. Somos nós, os
camponeses, que realizamos o melhoramento genético e a nossa maior
contribuição é a evolução de cada uma das espécies.”(CANCI, 2002)

O mercado das sementes as vê como lucro e investem um enorme esforço para


controlar sua posse, vendendo tecnologias que julgam melhores mas que na
realidade só causam dependência dos(as) agricultores(as), como o hibridismo, a
transgenia e os insumos tóxicos que são ofertados como pacotes para uma boa
colheita. “O poder sobre a vida instala-se como modo de administrar populações,
levando em conta sua realidade biológica fundamental” (FURTADO & CAMILO,
2016).
O movimento crescente da agroecologia vem no intuito de garantir a autonomia e
soberania de comunidades para amenizar as constantes injustiças e

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desigualdades que o modelo vigente impõe. Tendo a produção de alimento como
base dessa luta as sementes crioulas são um pilar para que toda a cadeia de
produção seja garantida. As sementes crioulas são de onde germinam qualquer
sociedade saudável e fazem parte do bem comum e cultura dos territórios.
A agroecologia é uma união entre ciência, movimento e prática, que estabelece
princípios a fim de garantir a continuidade da vida no planeta Terra. Trabalha com
várias ações, entre elas, o respeito às leis da natureza, utilização sustentável dos
recursos naturais, resgate e preservação da agrobiodiversidade e a união entre
saber popular e acadêmico. Para a agroecologia as pessoas são sujeitas do
processo e não objetos de trabalho. Como é o caso das guardiãs e dos guardiões
das sementes crioulas, conscientes da sua importância e parte desse movimento
a favor da co-criação da vida.

Descrição da Experiência

O banco de sementes Sementeia, é resultado do Projeto de Aprendizagem (PA)


presente no Projeto Político Pedagógico (PPP) da Universidade Federal do
Paraná Setor Litoral (UFPR Litoral) em Matinhos-PR. O PA é um dos eixos da
metodologia de ensino por projetos da UFPR Litoral onde o/a estudante tem
autonomia para aprender a partir de um tema de seu interesse, no qual vai
desenvolver o estudo de forma auto-organizada e mediado por um docente. A
Sementeia é fruto de um PA desenvolvido pelo primeiro autor desse relato,
mediado primeiramente pelo docente Fernando Rabello e atualmente por Gilson
Drahmer. A concepção do projeto prevê a gestão coletiva, desde a coleta das
sementes até sua distribuição e reposição.
A Sementeia tem seu espaço físico em uma geladeira sem motor (Figura 1), que
fica alojada no segundo andar da UFPR Litoral. Ela foi artisticamente decorada e
no seu interior contém folhetos, livros e cartilhas falando do tema, fichas que
relatam a variedade e a histórias das sementes disponíveis no banco.
Foi feito um mapeamento para identificar os bancos de sementes crioulas que
estão próximos do litoral, chegando-se assim a AS-PTA de Palmeira-PR e
Coletivo Triunfo, região sul do estado. Feito o contato com o pessoal, houve o
convite de visitar o local, para conhecer e se aproximar de três famílias guardiãs,
as quais com alegria e rico conhecimento apresentaram suas propriedades e
deram explicações a respeito das sementes cultivadas em suas terras.
Um método importante que o coletivo buscou fortalecer foram idas às feiras e
encontros de sementes crioulas. As feiras que foi possível participar foram a 6ª
Festa Regional das Sementes Crioulas em Pinhais, 16ª Feira Regional de
Sementes Crioulas em São João do Triunfo e a 2ª Festa dos Guardiões de
Sementes Crioulas em Mandirituba. A partir desses ambientes se firmaram
vínculos tanto pessoais quanto institucionais em prol dessa luta.
Com idas a feiras e espaços para além da universidade visualizou-se a
necessidade de projetar um material de informação e divulgação das sementes
crioulas e da Sementeia. A partir dessa carência foi feito uma cartilha. Com uma
linguagem acessível e direta buscou-se contrapor e explicitar as diferenças entre

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as sementes convencionais/industriais, transgênicas e as crioulas. Além disso há
dicas de como se deve secar e armazenar as sementes para que elas tenham
uma maior durabilidade de germinação e também um informativo dinâmico dos
objetivos e funcionamento do banco proposto.
Para atingir esses objetivos, o coletivo se integrava às diversas saídas a campo
que o Setor Litoral proporciona. Para relatar, tiveram dois exemplos bem
positivos. Uma das saídas foi a uma família de agricultores que se situa na
colônia Santa Cruz, no município de Paranaguá, Seu Edgar e Dona Nira, onde no
terreno de 2,4 hectares eles produzem mais de 70 variedades de frutas, algumas
delas da Mata Amazônica, como o cacau e o cupuaçu. Em outra saída a campo,
foi feito um mutirão de manejo na área de coivara e o início de um SAF, junto a
comunidade indígena Araça-í, em Piraquara-PR, na qual foi disponibilizada uma
variedade de milho guaraní avaeté, adquirida na 16ª Feira Regional. Em ambos
os espaços ficaram também algumas variedades de feijão, arroz, e adubação
verde, como a crotalária e de guandu. A partir dessas saídas foi possível concluir
a demanda por qualidades de adubação, o que acabou sendo uma prioridade de
multiplicação nos espaços urbanos que estão inseridos integrantes do coletivo
Sementeia.

Figura 1 - Geladeira na UFPR Litoral Figura 2 - Atividade com as crianças nas escolas

O coletivo também se inseriu nos projetos de extensão que dialogam junto à


educação básica (Figura 2) . A atuação com as crianças do ensino básico é um
instrumento revigorante de aprendizado. Agregado ao projeto de extensão de
agroecologia nas escolas públicas, obteve-se a chance de incentivar o diálogo de
saberes das sementes em duas escolas do município de Paranaguá-PR, uma do
campo Luiz Andreoli, com uma turma multisseriada de crianças entre 5 e 13 anos,
na colônia Morro Inglês e a outra em Ponta do Caju chamada Sully da Rosa
Vilarinho com a turma do 5º ano. Dentro do projeto buscamos atividades práticas
e lúdicas/artísticas, com as sementes do Sementeia com as quais fizemos
diferentes tipos de ações, que despertaram nas crianças o conhecimento cultural
simbolizado pelas sementes. Além do próprio plantio nas hortas escolares com
sementes crioulas, foram feitas dinâmicas para instigar a agrobiodiversidade de

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variedades que existem e que não estão acostumados. Foi escolhido o feijão, por
contar com 30 variedades. Cada criança escolheu uma semente e foi a guardiã
dela, e depois de um ciclo, todos puderam dispor de uma enorme diversidade.
Infelizmente nem todas as crianças cuidaram das suas plantas e nem todas
germinaram mas a atividade foi de grande sucesso no que cabe à compreensão
da importância da biodiversidade e que observamos as diferentes utilidades que
as plantas possuem.
Na tentativa de trazer o diálogo sobre o tema para os espaços propostos pela
universidade, ou coletivos acadêmicos, o grupo se colocou na organização de
alguns eventos e sempre que pode envolveu as sementes crioulas na sua
programação. Um deles foi o III Encontro Regional dos Grupos e Agroecologia
(ERGA-Sul) aconteceu no pré assentamento do Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST) José Lutzenberger em Antonina-PR, durante os dias 8 a
12 de agosto de 2018. Nesse encontro o projeto propôs, em parceria com o
Coletivo Triunfo e a AS-PTA, representada pelos agricultores Silvestre de Oliveira
Santos, Antônio Carlos dos Santos, conhecido como Taborda e o técnico André
Jantara, a facilitação de uma roda de conversa sobre o papel e a importância das
sementes crioulas e seus guardiões e guardiãs, e como as organizações
comunitárias tendem a fortalecer esse processo; e se seguiu um espaço de troca
e aquisição de sementes e seus derivados.

Figura 3 - Abertura da Casa de sementes do Coletivo Triunfo

Também no segundo semestre do ano 2018 foram feitos dois mutirões com
mediação da docente Suzana Alvares, em Palmeira-PR, no sítio São Silvestre
que faz parte do Coletivo Triunfo, após o contato feito pela Sementeia se iniciou o
projeto de bioconstruir uma parte da Casa das Sementes que estava para ser
levantada nesse sítio, para abrigar as sementes do Coletivo Triunfo. À construção
com base de alvenaria foram somadas técnicas da bioconstrução como adobe,
‘cord wood’, bambu a pique, reboco natural e geotintas. Durante o processo de
construção foram trabalhados princípios de coletividade e da agricultura familiar e
camponesa, essa vivência oportunizou conhecer mais da cultura dessa região.
Desta forma, o coletivo que foi de Matinhos à Fernandes Pinheiro, construiu com

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a família do Sr. Silvestre e Sra. Terezinha um espaço para guardar as tão valiosas
sementes crioulas do coletivo. O coroamento do processo ocorreu no dia 01/12,
com o ato de inauguração da Casa de Sementes do Coletivo Triunfo, que contou
com cerca de 150 participantes na propriedade (Figura 3).
Através desse contato afetivo e de luta com As-PTA e Coletivo Triunfo houve dois
batizados, o da Sementeia e UFPR Litoral como parte do coletivo citado acima e
também de integrar a Rede de Sementes da Agroecologia PR (ReSA). A primeira
reunião na qual foi efetivado o batismo ocorreu em novembro de 2018 no
município de Francisco Beltrão, sudoeste do Paraná, e contou com a participação
de uma integrante do coletivo Sementeia.
No ano de 2019 houve junção entre dois PA, o da Sementeia e de Tempo natural,
estudo e prática da segunda autora, mediada por Gabriela Schenato Bica. Um
trabalho já realizado foi uma Roda de Conversa a respeito das épocas do plantio
a colheita, no Litoral paranaense, durante a XVI Festa Feira de Morretes-PR,
nessa roda dois agricultores estiveram compartilhando suas histórias e
ensinamentos.

Resultados

A partir da iniciativa do PA Sementeia, o tema das Sementes Crioulas se tornou


recorrente na UFPR Litoral e contribuiu também para atividades da educação
básica. As idas às feiras e festas, proporcionaram a ecologia de saberes, entre
academia e famílias guardiãs que traziam dos seus territórios as histórias
daquelas sementes em sua vida. Salientando a participação com bioconstrução
na Casa das Sementes do Coletivo Triunfo.
O projeto facilitou aquisição, dispersão e multiplicação das sementes, avaliando a
necessidade de melhorar as técnicas de armazenamento. O coletivo se integrou a
ReSA, o que possibilita trocas, diálogos e trabalhos com outros coletivos.
Todos esses resultados são meios para seguir na caminhada da agricultura
milenar, que traz na história a guarda da agrobiodiversidade e que se reconstrói
com a agroecologia no amor e luta das sementes crioulas. Em vários momentos
dessa caminhada junto a Sementeia, se ouviu dizer de um dos mestres
guardiões: “Sem semente crioula, não se faz agroecologia”.

Referências bibliográficas

CANCI, A. Sementes Crioulas: construindo soberania a semente na mão do


agricultor. Santa Catarina: Mclee, 2002.
FURTADO, R. N. & CAMILO, J. A. O. O conceito de biopoder no pensamento
de Michel Foucault. Revista Subjetividades, Fortaleza, 16(3): 34-44, dezembro,
2016.
LONDRES, F. Sementes da Diversidade: a identidade e o futuro da agricultura
familiar. Revista Agricultura, Rio de Janeiro. v. 11, n. 1, p. 4-8. Abril 2014.

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