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SEMENTES CRIOULAS: GENÉTICA, TRADIÇÃO E OPORTUNIDADE DE NEGÓCIOS

Maria Mercedes Bendati

Amarelão, Pururuca, Cinquentinha? Ou, quem sabe, Palha Roxa, Pichurum e Dente de
Ouro Amarelo?
Com nomes recolhidos do saber popular, variedades quase desaparecidas de milho
estão sendo redescobertas pela ciência. Preservadas nos cultivos domésticos, nas pequenas
propriedades rurais de diversas regiões do Estado, variedades não comercializadas de
conhecidos produtos agrícolas tem despertado o interesse tanto de pesquisadores quanto do
agronegócio.
Com a utilização das chamadas sementes crioulas, com grande diversidade de
tamanhos e cores, cultivares de milho, feijão, e melão, vem sendo cada vez mais utilizados na
agricultura, especialmente na familiar.
Para a professora Ingrid Barros, do Departamento de Horticultura e Silvicultura da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), é necessário conceituar o que é uma
semente crioula. Segundo a professora, essas sementes têm como fundamento uma relação
de tradição, “é um conceito da Antropologia, é preciso que haja quatro, cinco gerações que
trabalhem com essa semente e que a mantenham”. Como destaca Ingrid, a semente tem que
ter uma história de cultivo, em que um clã familiar ou uma comunidade selecionaram e
melhoraram as sementes nativas.
São também considerados crioulos, como explica Ingrid, os cultivares obsoletos, que
saíram de moda ou que não se prestam mais para o sistema de cultivo atual. Ela cita como
exemplo o feijão tico-tico. “Na década de 30 talvez ele fosse muito interessante, mas com os
novos procedimentos esse feijão ficou esquecido do grande processo de produção, mas
manteve-se na mão daqueles que o achavam bonitinho ou que gostavam daquele caldo
inesquecível”, comenta Ingrid.
Além do aspecto tradicional, a semente crioula tem uma outra característica. Como
destaca a professora Lúcia Franke, do Departamento de Forrageiras da UFRGS, essa semente
“é aquela que não teve nenhum tipo de modificação genética, não passou por tecnologia ou
produto químico, é a semente pura mesmo”.
Mas o cultivo desse tipo de variedades agrícolas tem sido ampliado em função de
diversos aspectos. Um deles é a questão ambiental. A partir da RIO 92 e com a agroecologia, os
cultivos tradicionais foram valorizados, ao se contraporem às sementes híbridas e à agricultura
com agroquímicos. As sementes híbridas ainda dominam o mercado, pois elas foram
melhoradas geneticamente, tem uma tecnologia para sua produção e custam portanto, mais
caro. No entanto, a planta com origem nessa semente, não se reproduz. O agricultor precisa
comprar um novo lote de sementes para o próximo plantio, o que gera uma dependência em
relação às grandes empresas.
Dessa forma, a semente crioula tem sido preservada nas comunidades também pela
autonomia que representa. Muitas das variedades mantidas dessa forma são adaptadas a
características locais, a micro-climas específicos ou condições de solo particulares.
Em instituições como a Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária (FEPAGRO),
desenvolvem-se pesquisas e também apoio para os agricultores. O engenheiro agrônomo João
Rodolfo Nunes, responsável pelo Banco de Sementes da instituição, ressalta que “é feito todo
um trabalho para capacitação e resgate de sementes com as comunidades, principalmente nas
unidades do interior”. Conforme o agrônomo, a “FEPAGRO também disponibiliza sementes de
polinização aberta, que são aquelas que foram melhoradas para uniformizar o material, mas
que podem ser multiplicadas pelo agricultor”, diferentemente das sementes híbridas.
A diversidade genética propiciada pelas sementes crioulas é também um dos
destaques da sua valorização. Para a professora Ingrid Barros, em certas culturas, o
melhoramento da espécie, na busca de certas características específicas, fez com que se
perdessem alguns genes, diminuindo a variedade genética. Para resgatar isso, só buscando
variedades crioulas, que ainda conservam esses genes. A manutenção do germoplasma é
fundamental, nesse e em outros casos.
Na pesquisa, surgem já linhas prioritárias para incentivo. O Programa de Aquisição de
Alimentos, do Ministério do Desenvolvimento Social, realizou no mês de maio uma reunião
aqui no Rio Grande do Sul, com diversas instituições da área, para criar uma proposta
envolvendo as sementes crioulas. Essas ações se inserem na Política Nacional de Segurança
Alimentar e Nutricional, que promove o acesso às populações em situação de insegurança
alimentar e a inclusão social e econômica no meio rural, através do fortalecimento da
agricultura familiar.
Portanto, as sementes crioulas terão um longo futuro pela frente. Além da tradição, da
preservação da diversidade genética, elas são um reconhecimento do saber das populações do
campo e representam uma oportunidade de negócio. E um negócio que interessa a todos, pois
incorpora as variáveis ambientais, de sustentabilidade e biodiversidade, temas muito atuais e
de repercussão para toda a sociedade.

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