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David H.

Bayley

PADRÕES DE
PoLICIAMENTO
Uma Análise Comparativa Internacional

TRADUÇÃO

Renê Alexandre Belmonte

FORO NEV- Núcleo de


FOUNDATION Estudos da Violência-USP

É vedada a reprodução e a distribuição.


Título do original em inglês
Patteri1S of Policing: A Compara tive !nternational Analysis

Copyright© 1985 by Rutgers, The State University

Dados Intern acionais de Cata logação na Publicação (CIP )


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Bayley, David H.
Padrões de Poli ciamen to Uma Aná lise Int ernacional
Comparativa I David H. Bayley ; tradução de Renê Alexan -
dre Belmonte. - São Paulo: Editora da Universidade de São
Paulo, 200 I. - (Polícia e Sociedade; n.l)

Título do origin al : Patterns of Policing: A Comparative


International Analysis
Bibliografia
ISBN : 85 -314-0636-6
I. Polícia- Estud os interculturais I. Título. 11. Série.

01-3055 CDD -363.2

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I. Policiamento : Serviços socia is 363 .2

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A POLÍCIA NA VIDA POLÍTICA

O papel que a polícia desempenha na vida política dos países provavelmente


atraiu mais atenção do que qualquer outro tópico nos estudos comparativos de poli-
ciamento. As razões são óbvias .' A polícia está para o governo, assim como a lâmina
está para a faca @ caráter do governo e a ação policial são virtualmente indis-
tinguív~ O governo é reconhecido como autoritário quando sua polícia é repressora
e como democrático quando sua polícia é controlada. Não é por coincidência que os
regimes autoritários são chamados de "Estados policiais".~ atividade policial é crucial
para se definir a extensão prática da liberdade h uma~. Além disso, l manutenção de
um controle social é fundamentalmente uma questão polític~JNão apenas ela define
poderosamente o que a sociedade pode tornar-se, mas é uma questão pela qual os
governos têm um grande interesse, porque sabem que sua própria existência depen-
de disso Por todas essas razões, a polícia entra na política, querendo ou nã~
Além da associação da polícia com o governo ser motivo de excitação durante o
estudo das forças policiais, colocando-as no centro político, também cria um proble-
ma intelectual significativo. Se o caráter da atividade policial é um indicador crucial
da natureza dos regimes, então o papel que a polícia desempenha politicamente não
pode ser explicado em termos de caráter do regime. É repetitivo dizer que o papel
policial repressivo na política é causado pela existência de um governo não-demo-
crático, quando se sabe que o regime não é democrático porque a polícia está desem-
penhando um papel repressivo na política. Devemos ter cuidado para evitar esse tipo
de círculo vicioso. Pela mesma razão, tentar explicar as variações da presença da polí-
cia na política é audacioso, porque a menos que haja cuidado, a natureza do governo

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é que prestará contas dessa presença, o que tem sido a questão clássica da análise po- com colarinho branco (Brenan, 1943, p.30). A polícia japonesa dos dias atuais é res-
lítica desde Aristóteles. Por outro lado,~ando o caráter do governo é analisado sem ponsável pela aplicação de leis que regulam o processo eleitoral, tais como o uso de
a presença das ações policiais, e sim pela extensão da participação, estrutura, repre- alto-falantes em locais públicos, a distribuição de material de campanha e os pedidos
sentatividade social, entre outros aspectos, fica perigosamente fácil assumir que a e gastos de fundos de campanha. Embora a presença policial seja escrupulosamente
polícia faz aquilo que o governo necessita. (O único meio de escapar deste truísmo é equilibrada, seria fácil abusar de tais poderes.
assumir, mais uma vez, o peso intelectuâfde explicar as diferenças dos imperativos ~ma vez que a polícia em todo o mundo tem o poder de regular o comporta-
que controlam os regimes. As relações recíprocas entre os governos e a polícia for- mento em locais públicos, em nome da segurança e ordem, os encontros políticos,
mam um tópico importante demais para ser ignorado, mas representam uma passa- passeatas e demonstrações ficam sob escrutínio polici~Normalmente é exigido que
gem lógica que impede uma generalização dramática. os organizadores notifiquem a polícia e obtenham sua aprovação. A polícia pode sim-
Este capítulo irá explorar primeiramente os meios pelos quais a polícia afeta a plesmente dar a permissão, como na Dinamarca, onde apenas um comício foi proibi-
vida política, buscando especialmente os padrões de envolvimento que persistem his- do desde 1938, ou podem causar atrasos infindáveis ou rejeição pura e simples, como
toricamente em lugares diferentes. Será então dada uma atenção especial para a des- nas Filipiqas (Grã-Bretanha, Universidade Policial, 1974). Na Itália, entre o final do
coberta das circunstâncias que encorajam a participação policial, evitando as dedu- século dezenove e começo do vinte os comissários e questores- chefes de polícia das
ções fáceis do caráter do regime nas ações policiais. províncias - proibiram reuniões, acabaram com passeatas, confiscaram pôsteres e
prenderam manifestantes de modo a garantir o domínio do partido governista
(Adams e Barile, 1961, Police College, 1974, pp. 217 -218; Fried, 1963, cap. 3). Duran-
FORMAS DE PARTICIPAÇÃO POLICIAL te o Império Germânico todos os clubes e sociedades precisavam entregar cópias de
suas constituições, bem como uma lista dos seus funcionários para a polícia . A polí-
0- polícia afeta a vida política de seis modos gerais, cada um contendo diversas cia precisava ser notificada com uma antecedência de vinte e quatro horas de todas as
variações. Primeiro, a polícia freqüentemente determina quem pode participar da reuniões públicas sobre assuntos políticos (Fosdick, 1915 [ 1975], p. 76). A regulação
política através de suas decisões quanto a prisões, detenção e exíli2JTais práticas po- policial nem sempre é restritiva. Na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, a polícia
dem ser usadas contra seus adversários políticos sistematicamente, como na ex-União tem protegido grupos impopulares, tais como os partidos nazistas, garantindo seu
Soviética, ou acidentalmente, como no Paquistão. Mais sutilmente, a justiça criminal direito de realizar reuniões públicas. Na Índia e demais países eles defenderam o di-
pode ser usada apenas para ameaçar e frustrar os adversários. Os políticos da oposi- reito dos grevistas de fazerem piquetes, colocando-se firmemente contra os interes-
ção em diversos países freqüentemente afirmam que policiais fazem falsas acusações ses de grupos poderosos.
e aplicam leis menores mais rigidamente contra eles, fazendo com que percam tem- A liberdade não apenas de se associar com outros, mas também de falar e escre-
po e dinheiro em longas defesas. Uma justiça criminal ramificada nas mãos de uma ver sobre o que se quiser são essenciais para uma competição política livre. A
determinada polícia pode tornar a vida bastante complicada para cidadãos cum- regulação desses processos através da censura freqüentemente é confiada à polícia. É
pridores da lei. assim na Rússia dos dias atuais, seguindo uma tradição imemorial; era assim no Im-
~gundo, a polícia de diversos países tem uma autoridade explícita para regular pério Germânico pós-1872, onde cópias de todos os jornais e periódicos tinham que
processos políticosf Isto toma diversas formas. Durante o século dezenove, a polícia ser submetidos à polícia. Esta podia confiscar sem julgamento qualquer publicação
americana freqüentemente era responsável pelas eleições. Uma vez que eram contro- cujo conteúdo encorajasse a desobediência às leis, incitasse ódio social, ameaçasse a
ladas pelos partidos políticos, às vezes "deixavam de perceber" pessoas que votavam ordem pública ou mostrasse desrespeito para com o imperador ou o príncipe de uma
duas vezes ou intimidavam as pessoas para que elas não votassem (Richardson, 1970, região (Fosdick, 1915 [1975], p.76).
p. 36). Por volta de 1930, a polícia espanhola escolhia quem poderia votar ou não A polícia afeta os processos políticos não apenas pelo que ela pode fazer, mas
através de uma crua divisão social, proibindo o voto de quem não possuísse camisas também pelo que ela deixa de fazer. Quando grupos adversários usam a força uns

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contra os outros, a polícia pode decidir a questão ficando de lado e deixando que 0 mitiu que a intimidação nazista criasse uma onda que levou Hitler ao poder e o mun-
mais forte vença. Muitos políticos indianos contratam brutamontes conhecidos como do para a guerra (Liang, 1970, pp. 93-95).
goondas para acabar com reuniões, intimidar os oponentes e estragar anúncios de Os Carabinieri italianos normalmente não conseguiam resistir à Squadrista de
campanha. Por volta de 1840, a polícia da cidade de Nova Iorque permitiu que o Gru- Mussolini, em parte porque simpatizavam com Mussolini e em parte porque o go-
po Espartano de Mike Walsh e o Clube Império de Isaian Rynder impedissem os sim- verno vacilava. Como na Alemanha, a população começou a esperar que os fascistas
patizantes de oponentes políticos de votar no dia da eleição (Richardson, 1970, p. 36). os salvass~m da bagunça que os próprios fascistas haviam deliberadamente criado.
Como a Frente Comunista repetidamente atacasse a polícia durante a República de Na Espanha de 1931 o comandante da Guardia Civil causou o colapso da ditadura de
Weimar, entre 1918 e 1933, enquanto os nazistas (Nazi Sturmabteilung - S.A.) não 0 Primo de Rivera e a criação de uma república quando decididamente impediu que
faziam, os policiais começaram a ver os nazistas como seus amigos. Como resultado, chegassem reforços para o rei (Brenan, 1943, p. 241). O desempenho policial foi in-
durante o clímax dos eventos do começo da década de 30, eles deixaram que os na- consistente durante a guerra civil: onde os comandantes locais eram leais, a polícia
zistas acabassem com os comunistas, acreditando que uma vitória nazista seria bené- ficou ao lado da república e contra os generais; onde não eram, a Guardia ficou ao
fica à ordem (Liang, 1970, pp. 94-95). A omissão pode ter um efeito tão mortal quan- lado do exército (Brenan, 1943, p. 216; Carr, 1966, p. 655).
to a ação, embora seja muito mais difícil de ser comprovada. J Considerando-se que a polícia é a primeira linha de defesa contra as tentativas
Finalmente,L.:._polícia influen~ia os processos políticos dando ajuda material em de s'eaerrubar um regime através da força, é curioso observar como existem poucos
disputas abertas por poder polítij Especialmente nos países menos desenvolvidos, ela estudos sobre ela durante esses divisores de água na história polít~Há, com certe-
às vezes fornece transporte para os políticos, leva os eleitores para os locais de eleição za, muito menos do que a respeito dos militares. Esta negligência relativa provavel-
e distribui material de campanha. Mesmo nos países desenvolvidos, a polícia tem sido mente é causada pelo fato de que a ação policial raramente é dramática; está muito
usada para organizar apoio eleitoral para governos, questões ou pessoas. ~ma vez que inserida nos processos rotineiros de governo. O clímax em momentos de virada his-
a polícia representa uma rede abrangente, pronta e penetrante, a tentação em usá-la, tórica decisiva acontece em parte porque a polícia desempenhou seu papel e falhou.
especialmente pelos governos encarregados, é quase sempre irresistível ~ Para usar uma metáfora militar, a polícia possui pouca ligação com os conflitos polí-
{~rceiro, quand~ .os governos são confrontados por uma vi~lenta oposição or- ticos. Na hora em que a escolha sobre o envolvimento da força pode ser determinan-
gamzada, a ação pohClal pode decidir que lado será o venced~Durante o princípio te, sua coesão freqüentemente tem sido destruída, sua lealdade comprometida e sua
da Revolução Francesa em 1789, os policiais não ofereceram resistência às aglomera- eficácia desgastada.
ções urbanas e simplesmente tiraram seus uniformes e desapareceram. Em 1851, / Quarto, a polícia influencia a política através de atividades clandestinas, tais
quando Napoleão III causou a queda do governo existente, a polícia desempenhou o co~espionagem e provocaçõ~ Provavelmente as formas mais notórias de inter-
papel oposto, engendrando um golpe não-violento que foi descrito como "uma in- venção policial na política, essas práticas são a marca dos "estados policiais".
tensificada ação policial, possibilitada pelo exército" (Bramstedt, 1945, p. 37). Duran - Infelizmente, a terminologia usada para descrever tais operações é desajeitada e
te a libertação de Paris em agosto de 1944, o quartel da polícia tornou-se um ponto incorreta. Polícia secreta e polícia política são termos pejorativos, normalmente usa-
de resistência organizada, com a polícia lutando contra os alemães. A polícia de Ber- dos para descrever os agentes do governo que clandestinamente influenciam os re -
lim manteve-se indecisa no que se refere à atividade revolucionária em diversos perí- sultados políticos. O primeiro problema com estes termos é que os policiais não são
odos cruciais da história da Alemanha. Em 1848 eles inicialmente defenderam are - os únicos agentes do governo que secretamente espionam e perturbam as atividades
volução, mas rapidamente mudaram de lado quando o exército interveio a favor do políticas. O Renseignement Genereaux francês, o MI5 e a Divisão Especial, da Grã-
governo. Quando o Kaiser caiu em novembro de 1918, os recrutas da polícia desafia- Bretanha, a KGB da Rússia e o FBI e CIA nos Estados Unidos são comumente tachados de
ram ordens diretas para defender o regime (Liang, 1970, p. 27 e ss.). No começo da polícia "secreta" ou "política': Embora todos operem em parte secretamente e freqüente-
década de 30, sofrendo do que foi chamado de "exaustão política", como resultado de mente possuam usos políticos, também, nem todos podem ser considerados polícia.!uma
se encontrar entre os comunistas e os nazistas por quase uma década, a polícia per- polícia secreta, dando prosseguimento à discussão do Capítulo I, é uma agência ~o-

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rizada a usar a força física dentro da comunidade e a fazê-lo secretamentJ. A Agência gros, grupos pacifistas e a esquerda radical - de modo a atrapalhar suas atividades.
Central de Inteligência dos Estados Unidos, nesse caso, não foi planejada para ser nem Eles podiam usar seu acesso para semear discórdia, provocar ações imprudentes e
uma agência secreta nem política, embora o tenha se tornado durante as décadas de obstruir o funcionamento rotineiro. Eles também espalhavam informações falsas so-
1960 e 70, quando realizou uma vigorosa contra-espionagem nos Estados Unidos, bre essas pessoas e grupos, de modo a destruir suas reputações e por conseqüência
sobre a violação dos direitos de atuação. O FBI, entretanto, claramente é ambas as sua eficácia como agentes políticos (Associação Internacional dos Chefes de Polícia,
coisas - uma agência policial que trabalha secretamente para monitorar e, às vezes, 1976, cap.8). No caso mais famoso, o FBI tentou chantagear Martin Luther King, Jr.
mudar resultados políticos. Uma polícia política secreta, propriamente dita, pode ser (Halperin, et ai., 1976, pp. 111-115). Sob a intensa pressão pública gerada pela inves-
criada ao se atribuir a agências policiais existentes a responsabilidade por atividades tigação do congresso, o FBI comandou uma penetração provocativa, ao invés de pas-
clandestinas na política ou através da criação de organizações secretas para uso na siva, nos grupos políticos, interrompida em meados da década de 70 (J. Wilson, 1980).
política, cujos membros também tenham autoridade para aplicar restrições físicas. A A Rússia tem uma polícia política, centralizada, secreta e especializada há sécu-
raiz deste problema de terminologia é que não existe nenhuma palavra para descre- los. Desde que Ivan I criou a Oprichnina, no começo do século dezessete, os gover-
ver agentes governamentais políticos secretos que não façam parte da polícia. Nem nos russos têm dado um grande poder a agentes especiais cuja função principal é
"espião" nem "agente provocador" são adequados. Por outro lado, assim como nem coletar informações sobre a opinião pública, espionar quem possui opiniões contrá-
todos os agentes políticos secretos são policiais, nem todos os agentes da polícia se- rias ao governo e neutralizar ameaças ao regime. Eles trabalhavam independentemen-
creta interferem na política. As "forças de ataque" conjuntas federais, estaduais e lo- te da polícia pública normal e, exceto por curtos períodos de tempo, respondiam à
cais nos Estados Unidos, criadas para investigar e processar os crimes "organizados", autoridade política máxima, ao invés de responder aos ministros burocráticos. O
são um exemplo. Finalmente, "polícia política" não é necessariamente "polícia secre- modelo era a polícia secreta de Nicolau I, conhecida como Terceira Seção. Criada em
ta". As forças policiais freqüentemente operam de maneira bastante aberta, como vi- 1826, seu nome se refere a uma unidade dentro do supremo tribunal de justiça impe-
mos, ao afetar os processos políticos. Em resumo, então, os atributos de ser "política", rial (Monas, 1961, p. 62; Squire, 1968, pp. 48-62, 228 -230). A Revolução Bolchevique
"secreta" e "policial" nem sempre andam juntos, em qualquer combinação. Em parti- de 1918 não mudou essas tradições. Na ex-União Soviética a polícia secreta, agora
cular, o hábito de se associar objetivos secretos e políticos à polícia é danoso à com- chamada KGB, tem sido dirigida pelo Politburo, o conselho dirigente supremo do
preensão da manipulação tanto do policiamento quanto da política. Partido Comunista, exceto por um ano, imediatamente após a queda de Lavrenti
A polícia americana age em todos os níveis como uma polícia política secreta. Beria, quando o controle foi transferido para o Ministério do Interior 2 •
De modo a evitar ações violentas com motivação política, ela rotineiramente coleta A Sicherheitspolizei da Alemanha imperial e de Weimar e a Geheimstaatspolizei
secretamente informações sobre as atividades políticas. Um indicador da abrangência (Gestapo) de Hitler eram, ambas, polícias secretas. Eram ramificações da polícia cuja
dessa atividade foi revelada por investigadores do congresso, que descobriram que responsabilidade incluía operações ativas e passivas dirigidas a pessoas e processos
no começo da década de 70 o FBI possuía mais de meio milhão de arquivos de inteli- políticos. Enquanto ambas se localizavam dentro do Ministério do Interior em
gência, cada um deles representando um indivíduo ou um grupo; havia investigado Berlim, a Sicherheitspolizei possuía autoridade apenas no Estado da Prússia, enquan-
740 000 alvos subversivos nos vinte anos anteriores; e possuía 7 482 informantes de to a Gestapo possuía poderes em toda a Alemanha (Goedhard, 1954).
"guetos", além de 1 200 informantes de "inteligência interna", para quem pagava 7,4 A monitoração secreta e sistemática da opinião pública e da atividade política
milhões de dólares por ano'. Ainda mais perturbador para a opinião pública, o FBI tem sido uma função básica do policiamento francês há séculos. Ela é feita pelo
havia se infiltrado em um grande número de organizações que considerava subversi- Renseignement Generaux, que faz parte da Polícia Nacional. O controle é exercido
vas- incluindo o movimento de direitos civis, organizações racistas de brancos e ne- diretamente de Paris, passando por cima da cadeia de comando normal, que funcio -
na através do comissário e do chefe de polícia. Os ingleses, por outro lado, não de-
I. O Comitê Seleto do Senado para o Estudo das Operações do Governo com Respeito às Atividades de Inteligên-
cia, conhecido como o Comitê Church por causa de seu presidente, o Senador Frank Church. Para uma referên-
cia completa sobre os trabalhos do Comitê Church, ver Halperin et ai., 1976, cap. 3. 2. KGB significa Komitet Gosudarstvennyi Bezopastnost (Com itê para a Segurança do Estado) (Juviler, 1976).

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senvolveram uma polícia política secreta até 1884, quando uma Divisão Especial foi estes apóiem os interesses policia~ Acredita-se que J. Edgar Hoover, o primeiro dire-
criada dentro da Polícia Metropolitana de Londres (Critchley, 1967, p. 161). Embora tor do FBI, possuísse arquivos abrangentes potencialmente danosos a muitas pessoas
a espionagem, tanto dentro quanto fora do país, tenha sido documentada desde a públicas. Ele até mesmo dividiu algumas dessas informações excitantes com presiden-
época dos Tudor no final do século quinze, esses agentes não possuíam poderes para tes4. A crença na existência de tais informações, quer existissem ou não, pode ter feito
a aplicação da lei. Isso cabia aos magistrados 3 • Quando a Grã-Bretanha combinou com que muitas pessoas não manifestassem seu desacordo ccim o FBI, ainda que as
poderes policiais com vigilância política secreta de um modo burocrático, esta foi co- ameaças jamais tenham sido feitas explicitamente.
locada dentro de uma organização policial responsabilizável. Não foi criada uma for- A polícia ocasionalmente entra na arena política como porta-voz declarado de
ça separada, como a Rússia e a Alemanha Nazista fizeram. O departamento do MIS determinados assuntos. Nos Estados Unidos, por exemplo, ela iniciou consultas po-
também coleta e combina dados de inteligência políticos, mas se qualquer restrição pulares contra comissões revisionais, mobilizando apoio de modo tão bem sucedido
legal se faz necessária, cabe à polícia normal executá-la. O MIS, então, embora secre- que as comissões foram extintas em todos os casos (Walker, 1977, p.173). Na Grã-
to e político, não é polícia. Os detetives da Divisão Especial, também, ainda que se- Bretanha a Federação Policial abertamente se opôs ao homossexualismo, aborto e à
jam policiais, tradicionalmente passam a ação para os policiais comuns quando são abolição da pena capital (Reiner, 1980). O apoio policial é desejado porque nos países
necessárias ações ofensivas (Clayton, 1967, cap. 3). democráticos ele pode mobilizar uma votação em massa que pode determinar os re-
L9 fato é que todos os governos desenvolvem algum tipo de monitoração e presença sultados eleitorais. A polícia troca apoio eleitoral por apoio em questões de "lei e or-
secreta na vida polít5 Mas é um erro enorme dizer que todos os governos têm uma dem"5.
polícia secreta e/ou política. Os governos diferem em grande medida dos tipos de po- (Sexto, a polícia tem um considerável poder latente no que diz respeito a todas as
deres autorizados, do quanto mantêm em segredo, do alcance e escala das operações, e normas que necessitam de execução da lei como parte de sua implementação. Se a
da localização dessas operações no que diz respeito às organizações policiais. polícia não está disposta a aplicar as restrições necessárias, os programas podem não
l3_uinto, a polícia afeta a política diretamente ao se tornar protagonista da criação ser bem-sucedid~Esse foi o caso da limitação do dote na Índia, da proibição alcoó-
de diretrizes dentro dos gover~Em alguns países, como a União Soviética, o poder lica nos Estados Unidos e da reforma agrária em partes da América Latina. Mesmo a
policial é reconhecido através da representação nos altos conselhos do governo- como insinuação de que o apoio policial é problemático pode ser suficiente para desen-
a KGB no Politburo, como a Militzia nos Conselhos Ministeriais centrais e nas repúbli- corajar iniciativas normativas. No outro extremo, a polícia pode enfraquecer as nor-
cas. Em outros países, os policiais profissionais seniores são expressamente proibidos mas através de uma aplicação da lei cuidadosa demais, aplicando a lei tão mecanica-
de participar dos conselhos normativos gerais. Isto acontece nos Estados Unidos, Grã- mente que desperta a fúria popular. Embora seja raro, isso já aconteceu, como no
Bretanha, Índia e Japão. Embora eles tenham acesso total às lideranças governamen- caso das normas de trânsito nos Estados Unidos.
tais, não participam do desenvolvimento das normas que não abrangem sua área de Em resumo, a polícia pode afetar a vida política de seis formas importantes: de-
competência. É claro, a polícia pode também ter grande participação no governo atra- terminando quem são os atores políticos, regulando processos competitivos, defen-
vés de vias informais. Napoleão, Hitler e Stalin dependiam de seus chefes de polícia- dendo ou não regimes de ataques violentos, secretamente monitorando e manipulan-
Fouché, Himmler e Beria, respectivamente - para uma grande gama de informações, do grupos políticos, defendendo a polícia dentro e fora do governo e proporcionando
apoio e conselhos. É fácil abusar deste tipo de acesso secreto, à medida que a polícia se apoio material. Estes modos de participação, entretanto, não representam todas as
aproveita dos medos dos líderes políticos para seus próprios propósitos (Radzinowicz, áreas de atuação possíveis. Estas são apenas as seis maneiras principais de influência
1957, pp. 561-562).~ais inescrupulosamente ainda, a polícia pode afetar as normas
utilizando dados de inteligência secretos para chantagear políticos e oficiais para que 4. Halperin et ai., 1976, cap. 4. De acordo com evidências do Comitê Church, Hoover dividiu essas informações
com Roosevelt, Kennedy, )ohnson e Nixon. Truman e Eisenhower não são mencionados .
3. Deacon, 1969, caps. I e 2; Beloff, 1938, p. 141. Uma exceção pode ter sido Thomas de Veil, um magistrado londri- 5. Os oficiais de polícia podem usar suas carreiras como trampolins para um cargo político. Este não é um exemplo
no, que foi secretamente nomeado "juiz da corte" em 1729, tornando-se responsável pela proteção da corte, bem da polícia influenciando a política, uma vez que deixaram formalmente de fazer parte da polícia. Mesmo assim,
como pelo controle dos espiões do governo (Pringle, s.d., p. 62) . tais transformações garantem que um ponto de vista policial seja ouvido no âmbito político.

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direta, ou seja, onde o objetivo político é conscientemente perseguido. Mas a polícia rável. Pouquíssimos países aprenderam a lição de que o que a polícia faz reforça ou
também influencia a política indiretamente. Embora isso raramente seja reconheci- subverte os valores do sistema político nacional. Um exemplo é o Japão, que usou a
do e menos ainda calculado, seus efeitos podem ser profundos. Vamos examinar di- polícia, o exército e as escolas conscientemente durante o período Meiji para estimu-
versas formas de influência indireta. lar uma mentalidade moderna em toda a nação. Outro exemplo é a Malásia contem-
Primeiro,E_ma vez que os policiais são a encarnação do governo, eles são os pro- porânea, onde a polícia é constantemente encorajada a servir de exemplo para uma
fessores mais páman~ntes dos valores cívicos na socieda~ Um estudo americano des- nova percepção moral destinada a educar a população como um todo.
cobriu que, para as crianças da escola primária, o governo é personificado pelo presi- B gundo, a polícia está em posição de influenciar grandemente a legitimidade
dente e pelos policiais (Easton e Denis, 1969, cap. 10). Mais tarde a importância dos do governo e dos processos que este emprega. Seu uso da força, em particular, pode
policiais declina à medida que as crianças aprendem mais sobre os trabalhos impes- ser de grande importância nas vidas dos indivíduos e pode moldar movimentos po-
soais do governo. As crianças que vêm de setores da população com uma profunda vi- lític~ Se os policiais normalmente são brutais, a hostilidade é redirecionada contra
são negativa em relação à polícia, como as negras e as hispânicas nos Estados Unidos, eles e contra o governo que eles representam . Francis Place, o "Radical de Charring
podem desenvolver, de modo significativo, visões a respeito do governo diferentes das Cross", percebeu que a brutalidade policial ao lidar com manifestantes funcionou a
visões das crianças de setores mais favoráveis à polícia (Bayley e Mendelsohn, 1969). favor dos extremistas e tirou de moderados como ele o controle dos movimentos da
~guns autores até mesmo sustentam que os policiais desempenham um papel classe trabalhadora. No que de outro modo pareceria paradoxal, credita-se a ele a
formador para a determinação do caráter nacio ~ Charles Reith atribui à polícia as invenção do avanço a pé dos policiais com cassetetes em substituição à cavalaria ar-
características inglesas exaltadas de ordem, cortesia e respeito à lei (1948, pp. 83 -89). mada com sabres (Reith, 1948, cap. 9). A moderação parece ter funcionado, uma vez
A população inglesa nem sempre foi respeitadora das leis e pacífica. Pelo contrário, que o embate entre a polícia e os manifestantes em Coldbath Field em 1833 foi a últi-
até o século dezenove era violenta e tumultuosa. Mudou, Reith argumenta, como re- ma vez que uma multidão saiu às ruas unicamente para desacreditar a polícia. Um
sultado do autocontrole, imparcialidade e sólido senso de humor demonstrados pela tratamento controlado das manifestações cartistas em 1839 e 1842 confirmou outra
Nova Polícia de Peel após 1829. Geoffrey Gorer, também, acredita que os ingleses vez a liderança moderada (Radzinowicz, 195 7, p. 251). Por outro lado, repetidos atos
internalizaram as normas dos policiais. Isto aconteceu porque o caráter nacional é de brutalidade da Guardia Civil na Espanha durante o século dezenove e princípio
modificado pela "seleção de pessoal das instituições que estão em contato perma- do século vinte trouxeram rebeliões contra os policiais e contra o governo, quase sem-
nente com as massas .. . e numa posição de autoridade" (Gorer, 1955). Acredita-se até pre gerando contra-ataques vingativos. A feroz repressão policial por volta de 1890,
que um estudo canadense tenha testado esta teoria. Skagway e Dawson eram duas especialmente ligada com os bombardeios anarquistas do Teatro Lido e da procissão
cidades da fronteira bruta do Rio Yukon no final do século dezenove, a primeira no de Corpus Christi em Barcelona, detonou represálias que incluíram o assassinato de
Alasca americano, a segunda nos Territórios a Nordeste do Canadá. Embora ambas três primeiros ministros durante os vinte anos seguintes. Uma Europa liberal reagiu
fossem habitadas pelo mesmo tipo de pessoas violentas, migrantes e insatisfeitas, à barbaridade policial com raiva e desprezo, reacendendo as lembranças da "Lenda
Dawson era reconhecida como sendo consideravelmente mais propensa às leis e à Negra" da Espanha durante a Inquisição (Carr, 1966, p. 441; Brenan, 1943, p. 74) . O
ordem. Atribui-se esta diferença ao exemplo disciplinado da Polícia Montada do Nor- extremismo político tornou-se inevitável numa situação em que a polícia lidava com
deste do Canadá (Morrison, 1974). sindicalistas comerciais de três modos: criando uma lista de "alvos" e pagando para
É revelador o fato de que os dois países em que se acredita que a polícia tenha matá-los, prendendo-os e atirando neles, sob o argumento de que haviam tentado
exercido os efeitos mais benéficos sobre o público - a Grã-Bretanha e o Canadá- são fugir e libertando-os da cadeia para que em seguida fossem mortos por pistoleros an-
os únicos dois países que usam os policiais como símbolos que representam as quali- tes que chegassem à segurança de seus bairros (Brenan, 1943, cap. 4). A legitimidade
dades essenciais de caráter nacional (L. Brown e C. Brown, 1973, p. 1927). O que ra- do governo republicano foi severamente enfraquecida em 1933, quando a Guardia
ramente se considera é que outras forças policiais estão tendo um efeito igualmente arrasou o vilarejo de Casas Viejas com bombardeio aéreo e executou vinte e cinco
grande, tanto nos nativos quanto nos estrangeiros, ainda que não de modo tão favo- camponeses. Este incidente começou quando camponeses de um grande latifúndio

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de Andaluzia, que acreditavam que o novo milênio havia chegado com o estabeleci- (c) através de censura
mento da república, foram até um posto local da Guardia e convidaram policiais para (d) através do consentimento por intimidação
cultivar a terra com eles. Os policiais se assustaram e responderam com tiros. Enfure- (e) através de apoio físico
cidos, os camponeses sitiaram o posto policial (Brenan, 1943, p. 247). Dois anos de-
pois, oficiais da Guardia foram retalhados até a morte em Oviedo, numa represália 3. Sobre regimes sendo atacados
explícita à reação exagerada da Guardia em Casas Viejas. Em circunstâncias como es- 4. Sobre normas
tas, que não se limitaram à Espanha, a desconfiança entre o governo e a população (a) através de participação formal
torna-se a norma, e confiar parece ser um ato de ingenuidade. (b) através de influência devido a acesso privilegiado
~ceiro, as forças policiais afetam a política indiretamente porque, devido à sua (c) através de ameaças de falta de apoio
rara visibilidade, acabam se tornando um tipo de demonstração dos problemas e (d) através de mobilização política
potenciais da nação - integração ou segregação das classes, castas, raças ou religiões;
emprego através do mérito ou favorecimentos; vida pública com honestidade ou B. Secreto
corrupção; e igualdade ou desigualdade perante~ leJ Potholm, 1969). 1. através de vigilância
l Quarto, as forças policiais contribuem para o desenvolvimento econômico do 2. através de manipulação
país. Podem fazê-lo através de contribuições com trabalho, como na Indonésia, ou
II. MoDos DE INFLUÊNCIA INDIRETA
equipamentos físicos, como na África. Também afetam o desenvolvimento através da
A. Através da socialização da população
demanda que geram por policiais cultos, líderes com estudos, habilidades técnicas,
B. Através da legitimação do governo
melhore.> estradas e redes de comunicação eletrônica, equipamentos e material cien-
C. Através de efeitos de demonstração
tíficos. De um modo geral, a polícia atua a favor do desenvolvimento, ansiosa para
D. Através da participação no desenvolvimento
utilizar o que é novo, de modo a estar equiparada com suas contrapartes profissio-
nais em outros paí~
{!!!:toda esta discussão não mencionei a contribuição principal da polícia, ou seja,
Deve estar claro agora que a polícia tem uma influência considerável na política,
a manutenção de processos previsíveis e ordeiros na vida da comunidade. A segurança
quer ela escolha usar essa influência, quer nem mesmo tenha a noção exata de sua
pública - uma frase batida, mas útil - é a base na qual todos os processos sociais se
importância. Os modos pelos quais ela afeta a política são muito mais variados do
apóia~A qualidade de vida e as conseqüentes reivindicações da população sobre o
que normalmente se supõem, como o resumo a seguir indica.
governo são definidos pelos julgamentos que a polícia faz de questões aparentemente
técnicas tais como prioridades da execução da lei, a ênfase dada à prevenção de crimes
I. MoDos DE INFLUÊNCIA DIRETA
ao invés de investigação, e a maneira como a atividade policial é realizada.
A. Aberto
1. Sobre as pessoas
(a) através de prisões REALIZANDO JULGAMENTOS COMPARATIVOS
(b) através de detenção
(c) através de exílio É importante fazer julgamentos sobre o papel relativo da polícia na política dos
países ou das comunidades de qualquer tipo. De fato, é inevitável entre pessoas sensí-
2. Sobre processos veis politicamente. Mas é difícil fazer tais julgamentos, por diversas razões.
(a) através da supervisão eleitoral Primeiro, não há informações confiáveis em número suficiente, especialmente -
(b) através da regulação de reuniões públicas e precisamente- nas comunidades onde a polícia desempenha um papel maior.

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A POLÍCIA NA V ID A POLÍTICA

Segundo, uma descrição comparativa deve lidar com diversos tipos de interferên- sentir que a intervenção partidária por parte da polícia na política é necessária. Fatores
cia. Esta ocorre de diversas maneiras, nem todas elas imediatamente óbvias. Se as pes- situacionais também podem enfraquecer o valor da neutralidade. O que a polícia deve
soas se baseiam em medidas de dimensões diferentes, desacordos a respeito do papel fazer, por exemplo, se a comunidade é confrontada por um ataque terrorista violento,
policial são inevitáveis. Mesmo quando questões similares são avaliadas, julgamentos cometido por pessoas dedicadas a acabar com a competição política? O governo italia-
gerais podem variar à medida que se atribui uma importância maior a um determina- no enfrentou isso com a milícia Fascista, o governo da Malásia com o Partido Comu-
do tipo de intervenção do que a outro. O que é possível dizer, resumidamente, sobre 0 nista e a República de Weimar com os nazistas e os comunistas. A justiça pode requerer
papel da polícia na política do país A, que possui uma vigilância clandestina sistemáti- o que pode parecer uma interferência partidária na política. A mesma questão pode
ca, mas sem assistência visível aos encarregados? E o país B, que proíbe a manipulação ser feita a respeito do IRA na Grã-Bretanha, do PLO em Israel, do RSS na Índia e da Ku
secreta dos resultados políticos, mas que institui cargos policiais nos conselhos mais Klux Klan nos Estados Unidos A necessidade de proteger pessoas inocentes, ao invés
altos do governo? Quando existem diversos tipos de análise, torna-se necessário esta- de esperar passivamente por distúrbios criminosos, faz com que a polícia às vezes tome
belecer algum sistema de pesos para ser possível realizar um julgamento geral. medidas secretas e, por vezes, preventivas. A neutralidade pode sair extremamente cara,
Terceiro, devem ser feitos julgamentos qualitativos sobre a natureza da interven- não apenas em termos de resultados políticos, mas também de vidas human3' Infeliz-
ção policial. A França, no tempo de Napoleão III e a União Soviética de Stalin foram, mente, os limites da neutralidade quase nunca são discutidos com cuidado. E mais
ambas, chamadas de "Estados policiais" (Payne, 1966; Bramstedt, 1945). Ambas tinham raramente ainda são transformados em matéria de diretriz públicaL9 resultado, em
intrincadas redes de espionagem, a opinião pública era monitorada de perto pelo gover- países com os mais diversos cunhos políticos, é que a polícia freqüentemente entra em
no e a competição pelo poder político era limitada demais. Mas a população francesa de ação sem nenhuma instrução, exceto sua própria crença do que deve ser feit~'
meados do século dezenove geralmente não era punida por suas crenças, os campos de Para analisar comparativamente as razões para as diferenças do papel policial na
concentração não existiam e as cartas raramente eram abertas. Certamente há uma dife- política em cada lugar, devemos ser capazes de descrever seu papel corretamente. A
rença brutal entre os "Estados policiais" dos Napoleões e o dos comissariados. análise enfrenta uma escolha: ou prosseguir desagregadamente, tratando cada aspecto
Quarto, a tarefa de se fazer julgamentos comparativos corretos é complicada pelas da interferência separadamente, ou simplificando a descrição, seja resumindo as diver-
discordâncias sobre moralidade, necessidade e a possibilidade de justificação de práti- sas leituras ou concentrando-se em apenas algumas e excluindo as demais. A segunda
cas semelhantes em locais diferentes. As pessoas criadas na tradição ocidental liberal estratégia é claramente a mais simples e será adotada aqui.t credito que haja três mo-
supõem que a polícia não deveria ajudar a determinar os resultados políticos; foram dos de interferência particularmente reveladores, assim como mais fáceis de serem
ensinados a acreditar que a polícia deveria se manter neutra. A polícia serve à lei, não analisados. Eles são: a freqüência com que a polícia restringe sem dissimulação os pro-
aos regimes; instituições, não pessoas. Por causa disso, quase qualquer interferência na cessos de competição política; a eficácia com que monitora a política clandestinamen-
vida política é condenada. Partindo dessa perspectiva, mesmo pequenas medidas de te; e a importância de sua presença formal em conselhos governamentais IPode-se per-
intervenção são vistas com horror. Mas objeções a tal neutralidade podem surgir de ceber que os países possuem, acredito, tradições distintas em cada umâCÍessas áreas. A
dois modos - ideológicos e situacionais. E ambos podem ser usados para aceitar a in- tarefa da análise será explicá-las em termos de fatores contextuais.
tervenção policial em um lugar, quando o mesmo não aconteceria em outro. Noções
reais de justiça ou de uma sociedade justa freqüentemente requerem que certos tipos
de pessoas sejam excluídas da influência política. Governos na Rússia, China e Cuba DETERMINANTES DA INTERVENÇÃO POLICIAL
usaram esta prerrogativa contra proprietários de terras, aristocratas e capitalistas. Di-
ferentes governos excluem outros tipos de pessoas, tais como membros de determina- Que condições são associadas com as tradições da interferência policial na políti-
das religiões, castas, tribos ou comunidades nacionais. A neutralidade da polícia é acei- ca, como indicado pelas atividades persistentes e abrangentes dos três tipos estipula-
tável quando é possível contar com o fato de que os procedimentos da política irão dos? Algumas pistas foram fornecidas por comparações multinacionais, usando dados
servir à visão dominante da justiça. Quando isto não ocorre, uma comunidade pode agregados no mundo contemporâneo. Usando informações da obra de Banks e Texto r,

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Cross Polity Survey (Pesquisa Política Intercruzada) (1968), Phillip Coulter descobriu Rosenberg, 1958). Por outro lado, a polícia foi criada na Grã-Bretanha, Canadá e Estados
uma relação inversa moderadamente forte entre um papel policial ativo na política e o Unidos para gara;tir a paz real sob a lei comum ao invés de sustentar um determinado
desenvolvimento econômico. Ou seja, a polícia era mais ativa em países com uma ren- regime políticd. Nesses países as tradições policiais não foram marcadas pela necessidade
da per capita nacional baix~ A única outra associação significativa foi com o caráter de espionagem política ou repressão~ O ponto principal é ser mais provável que a polícia
político dos regimes. Outras variáveis- tais como homogeneidade lingüística, popula- desempenhe um papel ativo na política se foi criada inicialmente para defender os inte-
ção, urbanização, empregos no setor industrial e homogeneidade racial - mostraram, resses de regimes! Se o ímpeto para sua criação foram as necessidades de lei e ordem da
no máximo, relações muito fracas. A descoberta de que a atividade policial na política população em geral, então é provável que não sejam ativas politicamente.
e o caráter dos regimes estão relacionados não é tautológica, porque o caráter dos re- A questão da consolidação do poder dinástico pode ser resumida em termos de um
gimes foi operacionalizado sem referências às atividades policiais 7• Outro estudo base- princípio maior e mais poderoso. O fator específico que cataliza a entrada da polícia na
ado nesses mesmos dados nacionais cruzados descobriu que as atividades policiais na vida política é a violência em grupo, vista como ameaçadora às instituições dos poderes
política estão ligadas até certo ponto à centralização administrativa (Holmes, 1972, cap. estatais\A implicação é de que a insegurança criada pela criminalidade não leva a polícia
6). Embora pareça plausível que tanto o caráter do regime quanto o desenvolvimento à política; apenas a insegurança política tem esse efeito. E quanto mais cedo a crimi-
econômico sustentem a atividade policial na política, ao invés do contrário, a direção nalidade com relevância política, especialmente a violenta, acontece durante a formação
da causalidade não pode ser deduzida entre a atividade policial na política e a centra- do Estado, maiores as chances de que será criada uma tradição de interferência policial.
lização administrativa. Neste ponto torna-se necessária uma pesquisa mais profunda. A Rússia oferece um exemplo dramático. Ela enfrentou rebeliões sangrentas, golpes e
Juntas, as descobertas da pesquisa nacional cruzada contemporânea podem ser resumi- assassinatos desde que Ivan I subjugou os boiardos no século dezessete. O medo dos
das pelo seguinte:;um ativo desempenho policial na política é menos comum nos países czares de perderem a coroa e dos latifundiários de perderem suas propriedades se juntou
relativamente bem'clesenvolvidos economicamente, que têm regimes democráticos e são de modo a produzir uma aliança política que resultou na repressão sistemática de ele-
administrativamente descentralizados 8 • I mentos políticos dissidentes e dos servos que trabalhavam no campo (B. Moore, 1967,
f Que os regimes baseados numa paf'ticipação política limitada necessitam da polí- parte 3). O legado do controle policial se confirmou, ao invés de ser extirpado, durante a
cia para manter estes processos,ldesse modo dando à polícia um papel maior na vida Revolução Bolchevique e pela guerra civil que se seguiu. Os franceses também criaram
política( é algo óbvio: O que não é óbvio é por que há diferenças significativas da ativi- instituições policiais durante a violência contra um Estado em consolidação. Instituições
dade policial na política em países com sistemas de governo semelhantes. jEmbora o policiais especiais foram criadas na segunda metade do século dezessete, após os reis
caráter do regime claramente influencie o papel policial, são possíveis variações na tra- Bourbon serem confrontados com rebeliões regionais na Fronde em 1648 e 1649 (Gruder,
dição como resultado de outros fatores ! Quais são eles? /Um deles parece ser a maneira 1968). Por outro lado, a atividade policial na política da Prússia desenvolveu-se muito
pela qual o po~er estatal se consolidou territorialmente.\Por exemplo,f9_desenvolvimen- mais lentamente do que na Rússia ou na França, refletindo um padrão de consolidação
to policial na Austria, Rússia e França está intimamente ligado aos resultados conse- mais consensual. A violência interna começou a ameaçar o regime só no século dezenove,
guidos pela hegemonia dinástica pelos Habsburgs, Romanovs e Bombons, respectiva- mais notadamente em 1815 e 1848, sendo que as coerções mais severas à liberdade polí-
ment~. '(Payne, 1966, pp. 3-26; Radzinowicz, 1957, pp. 570-574; Squire, 1968, pp. 228-229; tica só foram aplicadas em 1878, após duas tentativas malsucedidas de assassinar o impe-
rador. Foram criadas leis que permitiram à polícia esmagar o Partido Democrático Social
6. Coulter, 1972. O valor lambda era de 0,54. A polícia foi dividida pelo Professor Banks em ativa ou inativa- variá-
e exilar seus membros 9 •
vel dicotômica- com base nas leituras gerais sobre cada país. A categorização foi impressionista, mas informada
(comunicação pessoal). A norma de que a violência grupal que ameaça a ordem política leva a polícia a
7. A operaciona lização do caráter do regime foi feita em termos de variáveis como a natureza do sistema eleitoral, interferir na política mais uma vez é confirmada pela experiência da Grã-Bretanha,
condição constitucional do regime, condição da legislatura, articulação de interesses, distribuição horizontal de
poderes e caráter da burocracia. Canadá e Estados Unidos. A Divisão Especial da Scotland Yard foi criada em 1884
8. Uma vez que se sabe que o desenvolvimento econômico e o caráter do regime estão associados - regimes demo-
cráticos tendendo a ser avançados economicamente - suspeito que uma análise mais aprofundada mostraria
que é o caráter do regime, e não o desenvolvimento econômico, o fator crucial. 9. A lei foi renovada quatro vezes antes de cair em 1889 (Eick, 1950, pp. 242-243 ).

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especialmente para lidar com a violência associada ao movimento pela independên- Vale destacar que tanto a subversão violenta quanto a ansiedade das elites ultra -
10
cia da Irlanda • O movimento cartista das décadas de 1830 e 1840, ainda que envol- passaram as fronteiras nacionais, como se fossem doenças contagiosas. As elites da
vendo um grande número de pessoas, não representava uma ameaça violenta ao sis- Europa e América do Norte reagiram mais ou menos ao mesmo tempo, encorajando
tema político, o que não quer dizer que não houvesse diversas pessoas que pensassem vigilância e atividades policiais frente ao crescimento dramático do número de greves,
diferente. As manifestações eram contidas sem violência, e a polícia não se infiltrava terrorismo e agitações, na virada do século, depois novamente, após a Primeira Guer-
secretamente. Os trabalhos de investigação eram realizados pelo Home Office, em- ra Mundial, e finalmente no final da década de sessenta. O jacobinismo no começo do
bora casuais e informais, feitos por pessoas individualmente, em sua maioria da clas- século dezenove e o comunismo após 1918 geraram a mesma sinergia internacional.
se alta. As autoridades estavam bastante preocupadas em não prejudicar a reputação Os governos podem, eles mesmos, gerar resistência popular através da exigência
crescente da Nova Polícia com um comportamento indevido (Mather, 1959, cap. 6). de mobilização que geram, que por sua vez levam a uma maior penetração policial. A
No Canadá, os serviços de inteligência política, realizados pela Polícia Montada Real Rússia é um exemplo clássico. Mal os bolcheviques haviam consolidado seu poder
do Canadá não eram intensivos até o começo da década de 20, quando se expandiu após a guerra civil, o governo iniciou uma onda de coletivizações e impiedosas desa-
bastante em resposta à crescente agitação trabalhista que se seguiu imediatamente propriações dos kulaks entre 1928 e 1933. Seguiu-se a isto um grande número de
após a Primeira Guerra Mundial, a greve geral de Winnipeg em 1919 e a "ameaça expurgos partidários e burocráticos entre 1934 e 1938, confirmando a posição da
vermelha" dessa época (L. Brown e C. Brown, cap. 3). Nos Estados Unidos a polícia polícia secreta como o braço direito de Stalin (Juviler, 1976, pp. 33-39; Conquest,
começou a realizar atividades repressoras secretas em meados de 1880, justificadas 1968, cap. 3). O mesmo acontece durante uma guerra, quando a resistência ao recru-
pela violência anarquista atribuída aos imigrantes europeus e ao crescente movimen- tamento militar, cobrança de impostos ou necessidade de racionamento geram uma
to trabalhista. Essa foi uma época turbulenta, com bombas explodindo em Chicago, vigilância intensificada em nome da defesa nacional.
repetidas manifestações violentas nas minas de carvão da Pensilvânia, 0 assassinato L~ssim, é mais provável que exista uma tradição de atividade policial na política
do Presidente McKinley e as tentativas de assassinato dos industriais J. Pierpont onde a criação e consolidação do Estado acontecem conjuntamente com a necessi-
Morgan e Henry C. Frick (Associação Internacional dos Chefes de Polícia 1976, p. 3). dade de mobilização que gera resistência violenta_J
Uma segunda onda de distúrbios e reações aconteceu após a Primeira Guerra Mun- Há outro fator que pode estar relacionado a variações de uma forma específica
dial. O medo da "ameaça vermelha" nos Estados Unidos produziu prisões e a perse- de intervenção policial na política: espionagem interna e vigilância. Considerando-se
guição de milhares de imigrantes, socialistas e sindicalistas, numa campanha condu- que os demais fatores tenham o mesmo peso).__ a polícia será mais ativa na coleta secre-
zida pelo promotor geral da nação. Funcionários encarregados da execução das leis ta de inteligência política em sociedades que possuem uma tradição de persistência
r
foram ativamente auxiliados por diversas associações de cidadãos, tais como a notó - de pensamento e crenças de direita:_:. Sempre me pareceu significativo que a palavra
ria Liga pela Proteção da América, que resultou numa caça às bruxas nacional (Asso- francesa para espião, que é mouchard, tenha surgido a partir do nome de Antoine de
ciação Internacional dos Chefes de Polícia, 1976, cap. 2). Durante as décadas de 20 e Mouchi, teólogo da Universidade de Paris, que foi nomeado inquisidor por Francis I
30 a infiltração policial nos sindicatos e grupos políticos de esquerda havia se torna- (1515-1547) (Radzinowicz, 1957, p. 544). Quando a comunidade exige conformida-
do rotineira, conduzida principalmente por agências locais, ao invés de federais. A de de pensamento, a penetração pública na vida social privada, ainda que não neces -
conexão entre a violência grupal direcionada contra a ordem política e a reação poli- sariamente pela polícia, não possui limite~ Líderes soviéticos, tanto quanto os czares
cial pôde ser vista ainda uma terceira vez durante a década de 60, quando distúrbios, russos, acreditavam que o pensamento era tão perigoso quanto a ação. Possuem uma
manifestações e ataques com bombas, desde tendo como origem problemas raciais desconfiança quase paranóica de opiniões não conformistas, especialmente daquelas
até descontentamento com a Guerra do Vietnã, levaram a uma grande intensificação que vêm do exterior (Florinsky, 1953, pp. 283-286). A polícia secreta russa tem agido
da atividade policial secreta, tanto ativa quanto passivamente. como agente de controle moral há gerações, acreditando que isto é necessário para

10. O nome original era "Divisão Especial Irlandesa" do CID. 11 . Para uma formulação mais antiga deste argumento, ver Bayley, 1975, p. 363.

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investigar, mais a fundo do que a ação policial permite, e descobrir se a família, reli- sarnento para a ação, mas também da ação para o pensamento. Atribui-se motivações
gião, ideologia, partido ou regime estavam sendo ameaçados por pensamentos ideológicas a pessoas que cometeram atos de violência ou contra a lei, freqüentemente
inapropriados. Um dos principais propósitos da Terceira Seção era a censura, tanto sem perceber o descontentamento palpável por trás deste ato. O perigo da ilegalidade
quanto o foi para a KGB. Como é diferente a tradição na Grã-Bretanha, e por conse- é aumentado pela associação com conspirações ideológicas. Cria-se um círculo vicio-
qüência nos Estados Unidos e Canadá, onde Elizabeth I teria falado: "Não irei cons- so que permite que qualquer ato ilegal seja desculpa para a vigilância policial. Assim,
truir janelas na alma dos homens". Mesmo que a Inglaterra, junto com o resto da durante a década de 60, a violência dos guetos em cidades americanas foi largamente
Europa, estivesse atrapalhada com o antagonismo religioso entre católicos e protes- atribuída a uma conspiração comunista, ao invés de se culpar a raiva contra a discri-
tantes, os ingleses ignoraram a Inquisição e criaram uma tradição onde os atos, não minação e condições miseráveis de vida. As idéias podem, de fato, germinar violência,
os pensamentos, eram o verdadeiro alvo da vigilância governamental. A espionagem mas a violência nem sempre é motivada ideologicamente.
interna foi realizada por Thomas Cromwell, o secretário de Estado de Henrique VIII, A polícia também pode ser encorajada a interferir na vida política devido mais a
enquanto o rei procurava romper relações com o papa. Espiões, informantes e agen- fatores relacionados a seus limitados interesses corporativos do que aqueles da socie-
tes de provocação foram usados intermitentemente tanto por protestantes quanto por dade como um todo. Parece lógico acreditar que é mais provável que a polícia seja
católicos, uns contra os outros, quando estavam no controle do governo, mas seu uso menos propensa à interferência na atividade política se ela se identifica com os ad-
rapidamente declinou com a resolução política sobre a questão religiosa com a Revo- versários do regime. Interesses pessoais e a simpatia dos policiais podem ser impor-
lução Gloriosa em 1688 (Tobias, 1972). Nos Estados Unidos também a insistência em tantes durante a confrontação política, a menos que contrabalançados por treinamen-
uma uniformidade religiosa teve vida curta e restringida às poucas colônias origi- to e disciplina; orientações ideológicas restringem ou impelem sua intervenção na
nais. Embora a perseguição religiosa tenha acontecido de tempos em tempos, não foi política. Nos Estados Unidos da virada do século, os recrutas da polícia tendiam a ser
por ordem do governo. A tolerância é o princípio que se tornou . mais sagrado na contra sindicatos e radicais, mesmo tendo vindo da classe trabalhadora (Richardson,
Constituição Americana (Lipset, 1963). 1970, pp. 200-201). Este não era o caso da Grã-Bretanha, o que explica, em parte, por
Em decorrência desses argumentos, era de se esperar que os Estados teocráticos que a polícia americana aparentemente estava mais disposta a agir secretamente con-
possuíssem uma espionagem policial mais intensa, considerando-se que os demais tra as organizações sindicais do que a polícia britânica. Os oficiais de polícia britâni-
aspectos fossem iguais, do que os seculares - assim como também seria provável que cos, apoiados pelas lideranças políticas, reconheciam que, para garantir a confiança
os países com divisões religiosas sérias e persistentes tivessem mais tradições de espio- na polícia, assim como conquistar a tolerância das classes mais baixas da população,
nagem policial do que os que não as têm. as táticas contra os movimentos da classe trabalhadora deveriam se manter escrupu-
A relação entre espionagem e postura de direita é complicada analiticamente, losamente imparciais dentro da lei (Miller, 1977).@ mbém é mais provável que a po-
porque pensamento e ação são empiricamente relacionados. Os regimes insistem em lícia interfira politicamente quando seus próprios interesses estão ameaçados Sua
conformidade não apenas porque o pensamento de direita é considerado moralmente recente mobilização política para derrubar as comissões de revisão civis nos Estados
imposto, mas também porque a ação de indisciplina está ligada ao pensamento. Uma Unidos e para aumentar os salários na Índia são exemplos disso. Não é de se surpreen-
vez que os pensamentos expressos indicam ações, uma prevenção bemsucedida exige der que a polícia americana tenha se infiltrado secretamente em grupos organizados
que estes recebam atenção. Esta foi a justificativa usada para intensificar a vigilância para investigar e expor os abusos de poder policial. O que ocorre daí é que a inter-
policial dos movimentos políticos nos Estados Unidos após as duas guerras mundiais, venção policial na política, por razões vistas como defensivas, tornam-se cada vez
assim como durante a agitação contra a Guerra do Vietnã.~ de - se esperar, portanto,
Nova York: "Infelizmente, a extensão das informações necessárias para prever com certeza qualquer evento com
que a espionagem policial seja mais ativa quando a oposição é violenta e expressa em
a mais remota das possibili dades de se criar desordem, levaram a polícia a desenvolver um sistema de inteligên-
termos ideológicos 12 , Freqüentemente, entretanto, o raciocínio vai não apenas do pen- cia que basicamente vigiava idéias políticas e sociais. A ideologia e participação dos grupos tornou-se extrema-
mente importante para a policia, que procurava saber o que as pessoas estavam pensando, de modo a conectar
isto com um potencial para a violência, desordem ou subversão" (Comitê de Serviço dos Amigos Americanos,
12. Nas pa lavras da Força Tarefa sobre os Arquivos Não-criminais da Polícia do Estado da Assembléia do Estado de 1979, p. 230).

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mais prováveis à medida que a polícia desenvolve instituições para expressar a soli- política e moldam os processos sociais, os quais, por sua vez, definem a vida política.
dariedade corporativa./É mais provável, então, que a polícia interfira na política quan- Mesmo quando a polícia mantém-se intencionalmente neutra em termos de interfe-
do a população expressa ativamente sua hostilidade para com a instituição, quando a rência direta, pode contribuir para a erosão da legitimidade política quando seu com-
auto-estima da polícia está baixa e quando se organiza para defender seus direitos I portamento é mercenário, brutal, arrogante ou secreto. Ao mesmo tempo, a organiza-
(Janowitz, 1960, pp. 426-438). ção da polícia não afeta a política. Quer a polícia seja única ou múltipla, centralizada
Em resumo, então,~ polícia irá desempenhar um papel mais ativo na política ou descentralizada, supervisionada por políticos ou por burocratas, autodisci-
quando a competição pelo poder político for deliberadamente restrita pelo governo; j plinadora ou não, com uma estrutura estratificada ou igualitária, e especializada ou
l se a polícia foi criada inicialmente para defender regimes políticos; se uma ordem não-especializada, nada disso faz diferença para a qualidade da vida política. A única
política existente é ameaçada pela violência social; e se há uma tradição cultural de exceção pode ser a criação de associações que visam defender os interesses da polícia.
insistência nas crenças de direit~~ interferência també~ é facilita~a se a própria Ainda assim os efeitos são bastante ambíguos.
polícia se identifica com os regimes e não com os adversános e acredita ser ela quem As palavras da Comissão Real sobre a Polícia britânica capturaram a essência da
está sendo atacada ou colocada numa posição de desvantagem:_\ questão:

A liberdade britânica não depende, e nunca dependeu, de ... qualquer forma específica
CONCLUSÃO de organização policial. Depende apenas da supremacia do Parlamento e da execução da lei.
Não aceitamos que o critério de que um estado policial é aquele onde a força policial de um
Ao longo deste livro surgiram questões sobre a relação entre os atributos poli- país é nacional, não local- se fosse este o ponto, a Bélgica, a Dinamarca e a Suécia seriam des-
critas como Estados policiais. O critério correto é se a polícia também responde perante à lei e,
ciais, tais como a centralização e seu papel na política, e o caráter dos governos. Nos
em última instância, a um Parlamento democraticamente eleito. É aqui, acreditamos, que é
capítulos anteriores descobriu-se que o caráter dos regimes é um fator formador do
possível encontrar a distinção entre o Estado livre e o Estado totalitário. Nos países nos quais o
desenvolvimento policial. Neste capítulo, foram descobertos padrões mútuos de in- termo Estado policial é aplicado negativamente, o poder policial é controlado pelo governo;
tervenção - a polícia afetando a política, a política afetando a polícia. Vamos agora mas eles são chamados assim não porque a polícia está organizada em nível nacional, mas por-
juntar ambos, claramente indo mais longe com os padrões específicos de interação. que o governo não reconhece nenhuma responsabilização perante um parlamento democrati-
L5? caráter dos regimes ~f~ta duas cara~teríst~cas do ~un~iona~~nto po~icial: a_c~n­ camente eleito e os cidadãos não podem contar com os tribunais para defendê-los. Nestes paí-
tralização do comando pohClal e a extensao da mterferenCla pohClal na v1da pohtlca. '\ ses, portanto, as fundações nas quais a liberdade britânica se apóia não existem (Comissão Real,
1962, p. 45).
[ ? caráter dos regimes não afeta, entretanto, a natureza das tarefas de~empenhadas
pela polícia, com exceção daquelas ligadas à política.~ão altera a quantidade de tare-
_...-
fas que não são de aplicação da lei ou a quantidade de administração auxiliar que ela
desempenha. O caráter dos regimes não afeta o número de forças sobrepostas que a
comunidade possui nem os mecanismos pelos quais a responsabilização policial é
alcançada.
Pelo contrário a polícia claramente afeta o tipo de governo que a comunidade
possui \ Devemos s;; cuidadosos aqui para evitar uma argumentação viciosa. Pode
parecer que a polícia afete o caráter do governo porque o que ela faz é, em si, um
indicador do caráter do governo. A repressão policial, por exemplo, é vista como re-
pressão do regime. Mas o comportamento policial possui conseqüências políticas
independentes. 'As ações policiais independentes afetam criticamente a competição

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