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Venício da Cunha Fernandes
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras,
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 05 Nº 08 – v. 1– 2009
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SUMÁRIO
1 Herdeiros do mundo antigo: a paidéia e a areté gregas hoje 3
Ailton Pereira Morila e Regina Célia Mendes Senatore
2 Identidades fragmentadas em Bebel que a cidade comeu (2001) 9
Aparecida de Castro Pordeus e Mariana Sbaraini Cordeiro
3 O silêncio como estratégia do inconsciente 16
Clarice Pimentel Paulon e Leda Verdiani Tfouni
4 O estudo do narrador nas notícias sobre o mensalão 24
Cynthia Mara Miranda
5 O Deus das mascaradas num concurso de cartas marcadas: uma leitura d’as rãs, de 32
Aristófanes – Eliane Santana Dias Debus
6 A literatura infantil com temática africana e afro-brasileira: algumas reflexões - Elika 38
da Silva
7 No cenário da escola (re) vemos a disciplina versus indisciplina escolar Ernesto 46
Candeias Martins
8 Música nativista e imaginários gauchescos: sobre cantar opinando - Fernanda Marcon 56
9 Uma analise de gênero: o papel da mulher na sociedade da República Rio-grandense 65
(1836-1845) e seus reflexos na educação de meninas
Itamaragiba Chaves Xavier e Giana Lange do Amaral
10 Professor de língua portuguesa ou educomunicador? reflexões sobre a representação 73
do professor de LM no século XXI - Keity Cassiana Seco Bruning
11 Representações da identidade nacional na antologia de ensaios intérpretes do Brasil: 82
um enfoque discursivo - Luciana Cristina Ferreira Dias
12 Uma reflexão sobre a violência escolar - Mirian Teresa de Sá Leitão Martins 91
13 À margem em the bluest eye de Toni Morrison: negritude e testemunho 100
Mirna Leisi Lopes
14 A teoria da estética da recepção e a arte cinematográfica - Monalisa Pivetta da Silva 108
15 Os gêneros do discurso e as práticas de linguagem em língua portuguesa 116
Nívea Rohling da Silva
16 O ensino de história no curso técnico em farmácia: a problematização da 130
medicalização como uma experiência de pesquisa e análise da sociedade
Pâmella Passos Deusdará, Clara Dias e Gabriela Aguieiras
17 Análise de atividades de leitura e escrita em língua inglesa em contextos de ensino 138
diferenciados - Pricila Gaffuri e Renilson José Menegassi
18 A fragmentação da identidade em Midnight’s Children, de Salman Rushdie 150
Shirley de Souza Gomes Carreira
19 Cordialidade e nepotismo: uma investigação empírica - Thiago Abreu de Figueiredo 159
20 O funcionamento da memória discursiva em a second life petista 168
Welisson Marques
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Abstract: Paidéia is a ancien greek concept with diverse meanings. We still use it today. But
we can exactly think about Paidéia in the present time? Or in other words: can we consider
ourselves heirs from this greek tradition? In the search to reflect on this question, the
present work looks for to rescue meanings of the Paidéia Greek and its intrinsic relation
with the concept of areté, and still some transformations that the same ones had suffered
throughout history, to retake the question, reformulated: which is areté that we want?
Key-words: Paideia, areté, ancien greek education.
O testamento, dizendo ao herdeiro o que será seu de direito, lega posses do passado
para um futuro. Sem testamento, ou, resolvendo a metáfora, sem tradição – que se
selecione e nomeie, que transmita e preserve, que indique onde se encontram os tesouros e
qual o seu valor – parece não haver nenhuma continuidade consciente no tempo, e
portanto, humanamente falando, nem passado nem futuro, mas tão-somente a sempiterna
mudança do mundo e o ciclo biológico das criaturas que nele vivem.” Hanna Arendt
(1972).
Da Areté à Paidéia
Palas Atenas, a donzela de Zeus, em Diomedes infunde força e coragem sem par,
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para que entre os Argivos pudesse sobressair mais que todos e glória imortal conquistasse.
Ilíada, canto V 1-3.
Os trechos acima demonstram bastante bem um dos ideais gregos: a areté. Segundo
Jaeger (2001, p. 23), areté é “o mais alto ideal cavalheiresco, unido a uma conduta seleta e
palaciana”. Honra, valor, espírito de luta, sacrifício, sagacidade e capacidade são algumas
das proposições da areté grega.
Em relação ás estirpes, meu filho, supera-te Aquiles; mas és mais velho do que ele.
Em vigor ele muito te excede. Dá-lhe, portanto, conselhos prudentes, admoesta-o e o
instrui, que, para o bem dele próprio, por ti há de ser conduzido.” (Ilíada, XI: 786-789)
Se é pelos atos que Aquiles se sobressaia, Peleu o fazia pela palavra. Pelos atos ou
pelas palavras, as mais efêmeras atitudes humanas, a areté se concretizaria.
Mas a areté não era inicialmente transmissível. Era uma qualidade inata. Reservada a
aristocracia, aos deuses e até mesmo aos cavalos de raça. Segundo Jaeger (2001, p.24) “o
homem ordinário não tem areté”.
O nobre torna-se heróico por suas palavras ou por seus feitos. Pela manifestação da
areté, portanto. E esta manifestação torna-o imortal. Seus feitos e palavras serão
rememorados e se perpetuarão por gerações. Neste sentido, a areté individual torna-se um
bem coletivo e mais ainda, fundante da própria concepção de história grega.
E é somente com Pitágoras que a areté se torna paidéia. Ao lado de bens não
transmissíveis como força, beleza, saúde, e dos transmissíveis como cargo, propriedade em
que o doador perde o que transmite, existe um bem que se transmite sem se perder: a
educação. Esta interpretação “abre o caminho para a concepção da educação dos jovens
como ‘fundamento’ da sociedade” como observou Manacorda (1996, p. 47)
Assim com os sofistas a areté torna-se técnhe política, prática, portanto. Para Sócrates
a virtude (inseparável do saber, da episteme) era a parte da areté transmissível, não como
técnica, mas como dialogo gerador de conhecimento, como possibilidade de relembrar as
Formas.
A Paidéia na história
A Paidéia hoje
Este assunto é, na realidade, difícil de definir; como outros conceitos muito amplos
(por exemplo, filosofia ou cultura), resiste a ser colocado numa fórmula abstrata. (...) É
impossível se desviar do emprego de formulações modernas tais como civilização, cultura,
tradição, literatura ou educação. Mas nenhuma delas coincide realmente com os que os
gregos entendiam como paidéia. Cada um destes termos se reduz a expressar um aspecto
daquele conceito geral, e para abarcar o campo do conjunto do conceito grego seria
necessário empregar todos de uma vez.
A Paidéia como herança, passada de uma geração à outra pode ser o início desta
apropriação do termo nos dias atuais. O “salto de tigre” em direção ao passado, a partir do
presente, como bem observou Benjamin (1984), é mais do que oportuno. Buscar as raízes
histórico-filosóficas da Paidéia grega é necessário para que nos incluamos como legítimos
herdeiros.
Mas tomemos outros sentidos. A extrema velocidade com que novos conteúdos
vão sendo incorporados ao conhecimento, e a fragmentação e a especialização do saber nos
remete a uma tentativa de retomar a educação integral. Ciência sem filosofia, história sem
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Mas afinal, qual a nossa areté, ou melhor, qual a areté que queremos deixar como
Paidéia para as gerações vindouras? Solidariedade, razão comunicativa, participação política
e social, igualdade, primado da responsabilidade? Ou nos atemos em seus opostos
burgueses como individualismo, dogma, representatividade, hierarquia e ética do
presentismo?
Antes de nos debruçarmos sobre a Paidéia precisamos repensar, portanto esta areté.
Só assim poderemos nos tornar herdeiros dela, como nos ensina Arendt (1972).
Cortez, 2006.
SEVCENKO, N. A corrida para o século XXl: no loop da montanha-russa. São Paulo: Cia. Das
Letras, 2001.
JAEGER, W. Paideia: los ideales de la cultura griega. 15ª ed. México: Fondo de Cultura
Económica, 2001.
ARISTÓTELES. Política. Rio de Janeiro: Edições de Ouro. 1965.
[1] Bacharel em História, mestre e doutor em educação pela FEUSP. Docente do Centro
Universitário Central Paulista – UNICEP. E-mail: apmorila@gmail.com
[2] Graduada em Pedagogia, mestre e doutora em educação pela FCLAR – Unesp. Docente da
Unesp. E-mail: rcsenatore@gmail.com
[3] E não propriamente um herói, visto que herói era um semi-deus, ou seja, fruto de um
relacionamento de um deus com um mortal.
[4] Ressalta-se, como fez Sevcenko (1987) que o ideal de imitação (imitatio) não é mera repetição,
mas inspiração.
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IDENTIDADES FRAGMENTADAS EM
BEBEL QUE A CIDADE COMEU (2001)
Resumo: Em virtude da mudança estrutural por que passou a sociedade moderna no final
do século XX: divisão da cultura de classes, gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade,
que forneciam sólidas localizações do indivíduo na vida social, verificamos uma mudança
nas identidades pessoais, com o abalo da idéia de sujeitos integrados, originando, assim, o
sujeito pós-moderno. Pesquisando a presença deste sujeito na narrativa Bebel que a cidade
comeu, de Loyola Brandão, na personagem Bebel, confirmamos que a sociedade, assim
como a personagem ficcional, encontra-se achatada pela indecisão e falta de perspectivas de
vida, debatendo-se em busca do sonho e do amor.
Palavras-chaves: sujeito pós-moderno; Bebel que a cidade comeu, identidades.
Abstract: Due to the structural change wich the modern society has gone through at the
end of XX century: division of culture classes, gender, sexuality, ethnicity, race and
nationality, that provided person solid location in the life society, we checked a change the
personal identities wich the shock of the integrated subjects ideas, so the pos modern
subject. Searching the presence of this subject in the narrative " Bebel que a cidade comeu"
by Loyola Brandão in the character "Bebel", we confirmed that the society as well as the
fictional character is found flatted by indecision and the lack life prospects, pursuing his
dream and love.
Keywords: pos modern subject, Bebel que a cidade comeu, identities.
1 – Introdução
2 – Sujeito pós-moderno
Outra questão é que o autor moderno procura, por vezes, omitir o narrador, e este,
submergindo na inconsciência da personagem, faz com que o fluxo psíquico o substitua e,
consequentemente, a ordem lógica do romance clássico. As situações são mescladas no
enredo, sem que tenham um “início, meio e fim” (ROSENFELD, 1996, p. 84), e a abolição
do tempo cronológico possibilita a fidelidade do acontecimento.
Assim sendo, Loyola Brandão (2001) cria uma estrutura que realça a inserção do
passado ao presente e mesmo ao futuro “no monólogo interior da personagem que se
debate na sua desesperada angústia, vivendo o tempo do pesadelo” (ROSENFELD, 1996,
p. 83).
Através desta técnica, as angústias das personagens nos são reveladas. Notamos isto
quando Bernardo, junto de Bebel, distancia-se e seu inconsciente rompe na narração,
deixando de ser narrado como “ele” e passando “a manifestar-se na sua atualidade imediata,
em pleno ato presente, como um EU que ocupa totalmente a tela imaginária do romance”
(ROSENFELD, 1996, p. 84, grifo do autor):
Você fala e fala, Bebel. Hoje te deu um acesso de papagaio. Não te ouço.
Não ouço ninguém. A não ser eu mesmo. Estou o tempo todo pensando
em mim. O que posso fazer? Não aprendi a sair de dentro. Sou o resumo
de duas coisas: eu e meu livro. Penso nele, durmo com ele. Se preciso, me
sacrifico por ele. Tenho que ser alguma coisa. E só através dos livros.
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Não sei fazer mais nada. Nem tenho capacidade para ganhar dinheiro. Se
te contasse estas coisas, Bebel, ia ser melhor para mim. Saía de dentro
(BRANDÃO, 2001, p. 225-6)[1].
Além destes apontamentos, Franco (1998), em seu artigo O romance de resistência nos
anos 70, comentando sobre Bebel que a cidade comeu, evidencia a estreita relação entre
literatura e jornalismo, quando da incorporação de manchetes e notícias de jornais ou da
televisão em sua estrutura, assim como panfletos políticos, frases de publicidades, e outras
mais. Assim, percebemos que a narrativa, fazendo uso desta inovação, promove, realmente,
uma renovação no romance.
a.) O início
Dessa maneira Bebel, morena bonita, quer ser famosa. Inserida na sociedade dos
anos 60, a personagem encontra-se no início da revolução sexual, que inseriu a mulher no
mercado de trabalho e ao sexo livre e também do movimento feminista que, em busca de
defesa da cidadania, promoveu um deslocamento radical de perspectiva que contestou “a
família, a sexualidade, [...] expandiu-se para incluir a formação das identidades sexuais e de
gênero [...] questionou a noção de que os homens e as mulheres eram parte da mesma
identidade, a ‘Humanidade’, substituindo-a pela questão da diferença sexual” (HALL, 2006, p.
46-6, grifo do autor).
Assim, Bebel ciente de que é dona de suas ações, faz uso do que possui. Como tem,
nas palavras de Marcelo, “um corpo que vou te contar” (p. 142), usa-o como moeda para
conseguir seus objetivos, seja diante de um simples fotógrafo ou de alguém que lhe
possibilite maiores ostentações, como um diretor de TV que, acredita, pode levá-la ao
estrelato: “- No programa de hoje, entro na primeira fila. O diretor de TV mete um plano
atrás do outro de mim.[...] Na semana que vem, pego programa melhor, em horário nobre”
( p. 40).
Sucesso?
Dessa maneira podemos pensar nas relações de gênero, pois, segundo Flax (1992),
há dois tipos de pessoas - homem / mulher - e que “as relações de gênero têm sido (mais)
definidas e (precariamente) controladas por um de seus aspectos inter-relacionados – o
homem” (1992, p. 228). O poder que Bebel aparenta ter possibilita-lhe um confronto entre
dominada X dominadora. Se por momentos Bebel sente-se usada, por outros sente a
inversão de papéis e tem a sensação de alcançar um endeusamento, dominando todos ao
seu redor. Tanto que quanto à liberdade sexual que usufrui, desabafa: “uma mulher não
pode ter desejo. Só os homens. Uma mulher não pode querer dormir com quem ela quiser.
É isso que eu faço. Se tenho vontade de um cara, vou com ele” (p. 223).
167). Mesmo no momento de optar pela segurança junto de Marcelo ou pela continuação
de seus sonhos, acaba por esquivar-se do amor, na desculpa de que gosta “que fiquem em
volta de mim.[...] Vivo no meio de um círculo e é quentinho onde estou. Eles [...] fazem
tudo que eu quero. [...] Não posso ficar isolada pelo amor de um homem só”(p.72). Assim,
neste círculo em que se defronta com várias identidades, conhece Bernardo e distancia-se
de Marcelo.
A queda
O tempo passa e Bebel encontra-se deprimida, ciente de que seu fracasso como
estrela de TV está em vias de se concretizar, “Ela começava a ser bagaço e dentro de pouco
tudo estaria terminado” (p. 201).
Assim, conforme o olhar de Bernardo, ela vai decaindo fisicamente cada vez mais,
no “rosto um pouco balofo [...] os olhos não eram mais claros, enormes, brilhantes” (p.
250); “será que [Bebel] consegue ver o próprio rosto? A papada que está nascendo? As
duas rugas debaixo dos olhos? Será que ela quer se ver de verdade?” (p. 252); “Bebel estava
gorda. Mais alguns anos e se tornaria uma senhora (p. 389) [...] os seios de Bebel estão
caídos. Em dez anos será uma bela lavadeira” (p. 390).
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O mundo não perdoa e o público exige sempre novos ídolos, por isso Bebel, no
final do romance está acuada diante da realidade hostil que a cerca, vencida e sentenciada a
viver distante de seus sonhos, contradizendo tudo o que a sua fantasia criou, passando a ser
objeto possuído e identificada como um ser excluído da sociedade. Comprovamos que o
romance nos coloca a par da efemeridade do corpo, constatada pela morte da beleza da
personagem. Como ela mesma admite, “Foi pouco, minha mãe, como durou pouco! Nem
dois anos! O que houve, de repente?” (p. 255).
Em sua condição de sujeito construindo sua história, Bebel encontrou-se diante das
mudanças ocorridas na sociedade moderna, as quais abalaram profundamente as
referências dos indivíduos. Em virtude disto, a deteriorização de sua identidade,
simbolizada pela sua permissividade sexual, custou-lhe sua significação como ser humano.
Bebel sonhou... Ficou sem Bernardo... Ficou sem Marcelo... Ficou sem Dina... Comparada
a um avião que procura subir ao ponto mais alto, Bebel varou “o teto em busca do céu e se
despedaçara no caminho” (p. 74).
Considerações finais
Referências Bibliográficas
BRANDÃO, Ignácio de Loyola. Bebel que a cidade comeu. 6. ed. São Paulo: Global, 2001.
FLAX, Jane. Pós-modernismo e relações de gênero na teoria feminista. In: HOLLANDA, Heloísa Buarque
de (Org). Pós-modernismo e política. Rio de Janeiro: Rocco, 1992, p. 217-50.
FRANCO, Renato. O romance de resistência nos anos 70. Disponível em: http://
<http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/lasa98/Franco.pdf>. Acesso em 04 ago. 2008,
15:31:10.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução de Tomaz Tadeu da Silva e Guacira Lopes
Louro. 11 ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006.
HOLLANDA, Heloísa Buarque de (Org). Introdução: feminismo em tempos pós-modernos. In: ______.
Tendências e impasses: o feminismo como crítica da cultura. Rio de Janeiro: Rocco, 1994, p. 7-19.
ROSENFELD, Anatol. Reflexões sobre o romance moderno. In: ______. Texto/contexto. São Paulo:
Perspectiva, 1996. p. 75-97.
SANTIAGO, Silviano. O narrador pós-moderno. In: ______. Nas malhas da letra: ensaios. Rio de Janeiro:
Rocco, 2002. p. 44-60.
[1] Todas as vezes que nos referirmos à obra Bebel que a cidade comeu, usaremos somente o número das páginas,
de agora em diante.
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ABSTRACT: The question of silence is a challenge for the non-positivist sciences. Here
we introduce a study that is trying to relate Orlandi's tipology of silence (1992) to an
especial case of silence studied by Freud (1987). We bet that there are various stages
covered by Freud during his forgetting, and we introduce here the author´s three versions,
wherein he tries to explain the fact. We interpret this trajectory in terms of the three types
exposed by Orlandi. In this way, besides contributing to better understand the question of
silence, we also stablish a possible connection between Discourse Analysis and
Psychoanalyzis.
Key - Words: silence, unconscious, Discourse Analysis, Psychoanalyzis.
Introdução
silêncio pode-se inferir que ele possui caráter opaco, já que toda a interpretação dele
advinda é indireta, podendo-se dizer que os sentidos nele existentes passam por uma
espécie de refração para que cheguem a ser materializados linguisticamente.
Existe um outro tipo de esquecimento, o nº 2, criado por Pêcheux para dar conta
da possibilidade de reformularmos o que dizemos, utilizando outras palavras, ou então
corrigirmos um enunciado potencialmente ambíguo. Isto pode ocorrer, como estratégia do
sujeito, porque há, ao lado do dizer, uma série de paráfrases com as outras formas pelas
quais aquele mesmo conteúdo poderia ter sido dito. Assim, o sujeito tem a ilusão da
materialidade de seu pensamento. Por ser de natureza lingüística, o esquecimento nº 2 é
semi-consciente, e pode estar acessível ao sujeito sob certas condições.
A tipologia do silêncio
colocam; é onde o devir se impõe. Nele não há sentidos discretizados. Podemos compará-
lo ao real lacaniano (2003), já que em ambos encontra-se um impossível. O impossível é o
não simbolizável, é todo aquele sentido que não cabe no simbólico e faz com que, devido a
isso, exista uma falta permanente no discurso, conforme a máxima lacaniana Não é possível
dizer tudo.
Pode-se dizer, a partir da tipologia do silêncio acima mostrada que ele, em todas as
suas formas, trabalha os limites das formações discursivas, permitindo a movimentação do
sujeito pelos diferentes discursos, afetando assim, a sua subjetividade e todo o seu dizer. É
no silêncio que podemos observar a subjetividade inerente ao discurso, vendo os sentidos
que o sujeito produziu efetivamente, e quais ele decidiu “apagar”. Dessa forma, podemos
ter uma concepção de sujeito mais ampla, que se dá a partir da inserção do dito no não-
dito; uma concepção menos restrita à literalidade.
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O silêncio em Psicanálise
Taceo (calar-se) é descrito por Nasio como o silêncio da palavra não dita. Ou seja, é
aquilo que poderia ser dito, mas não foi enunciado, e que, em geral, provoca um
deslocamento do sujeito para outro lugar discursivo, que lhe permite significar aqueles
sentidos proibidos. Hernandez (op. cit.), citando Clarice Lispector (1998), chama-o de
“pequeno-silêncio”, termo utilizado pela escritora para falar sobre os breves, porém únicos
a serem suportáveis à mente humana, contatos com os nossos “si-mesmos”. Lacan, no
seminário anteriormente citado (1967), faz uma diferenciação que torna mais claro o
“pequeno-silêncio” proposto por Clarice Lispector, e o maior, que a escritora coloca como
insuportável: (...) sileo não é taceo. O ato de calar-se não libera o sujeito da linguagem, apesar de que a
essência do sujeito culmine nesse ato. (Lacan, 1967/ sd).
Taceo seria, portanto, uma estratégia do inconsciente para impedir que o sujeito
circule por certos significados não desejados, ou recalcados. Por não poder circular por
aquela zona de sentidos indesejáveis o sujeito se cala, ou “se esquece” do que iria dizer.
Podemos considerá-lo dentro da clínica psicanalítica como um mecanismo de defesa,
denominado por Freud de “ato falho”.
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A partir dessa breve explanação do silêncio, é possível ver que ele é uma forma
diferente da verbal de significar. Segundo Tfouni (1998, p.102) O silêncio, assim como o
inconsciente, possui uma opacidade enigmática, que não pode ser controlada nem totalmente discretizada
através das palavras. Ao mesmo tempo em que o homem teme o silêncio devido ao enigma que este
apresenta, também o utiliza para calar no outro, sentidos que não interessam.
Posteriormente, Freud não lembra de nada significativo que possa tê-lo feito
esquecer o nome do pintor. Então, retrocedendo aos assuntos anteriores, lembra que ele e
o estranho haviam conversado sobre os turcos que moravam na Bósnia e Herzegovina e
sobre seus costumes, como a sua extrema credibilidade para com médicos e sua resignação
perante a morte. Freud recorda-se, ainda, durante essa conversa, apenas mentalmente, de
uma anedota sobre turcos: a contradição que eles vivem entre a resignação perante a morte
e a extrema valorização do gozo sexual. Freud chega a lembrar de um médico colega seu
que lhe contou certa vez sobre o que um turco lhe disse: “Herr (senhor), quando isso acaba
(o gozo sexual), a vida não tem nenhum valor”. Freud recalca esse conteúdo, pois achou
que não eram coisas a se comentar com um estranho. Ele lembrou-se também que, quando
estava em Trafoi, recebeu a notícia do suicídio de um paciente, devido a distúrbios sexuais,
e.ao qual havia se dedicado muito.
Em uma análise de três relatos diferentes sobre este caso escritos por Freud
(conforme Billig, 2000), vê-se que há múltiplos silenciamentos e recalques, e que talvez
Freud os tenha “escondido” de si próprio e de seus leitores. Apresentaremos abaixo uma
breve descrição de cada um dos escritos de Freud a respeito, respeitando a ordem
cronológica, que, neste caso, tem importância muito grande para o estudo desse caso.
Em carta escrita para Fliess logo após o acontecimento, Freud (1898a) diz que esse
esquecimento ocorreu devido a lembranças infantis recalcadas que mobilizaram nele um
certo sentimento de angústia, gerado pelo sentimento da perda recente do pai, que o forçou
a mudar de assunto, e esse movimento para uma outra formação discursiva gerou o
esquecimento. Nessa carta, Freud comenta que quem o acompanhava nessa viagem era sua
cunhada e expõe menos detalhes da conversa tida com ela.
Ainda segundo Billig (2000), Freud (1898b), numa segunda versão do ocorrido,
explica seu lapso de memória a partir de uma perspectiva distinta da exposta a Fliess. De
acordo com Billig, o fato de Freud fazer uso de uma linguagem mais formal, por ser um
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artigo e não uma carta, possibilitou que fossem introduzidos elementos “literários” nesse
texto, como, por exemplo, a insinuação de uma maior distância de tempo entre a publicação
do artigo e sua viagem (que na verdade ocorreu 5 dias antes da submissão do artigo). Além
da mudança de estilo em sua escrita, Freud substitui sua cunhada (que estava com ele no
primeiro relato) por um “acompanhante de viagem” anônimo, relatando questões mais
atuais para explicar o esquecimento do nome do pintor. Assim, no artigo, ele remete o
esquecimento à lembrança sobre os turcos e a peculiar relação destes com a sexualidade,
lembrança essa que lhe ocorreu quando conversava com esse estranho sobre os costumes
dos turcos e sua relação com a morte. Em seguida, afirma que afastou a lembrança
relacionada à sexualidade porque não julgou apropriado falar desse assunto com um
estranho. Nesse mesmo artigo, Freud também cita um evento que ocorreu em Trafoi (a
notícia que recebeu sobre o suicídio de seu paciente); no entanto, não especifica o que
ocorreu, apenas coloca que recebeu uma notícia que o incomodou. Teríamos aí a regra da
AD dizer x para não dizer y, já que Freud explicou seu esquecimento através de outras
questões que não as colocadas na carta a Fliess (não que uma exclua a outra).
Pode-se interpretar esses três ensaios como uma tentativa de elaboração dos desejos
e fantasmas de Freud com os quais ele se deparou ao re-visitar esse fato em sua memória
para escrever os textos.
Podemos localizar nesse estudo de caso, os silêncios descritos por Eni Orlandi
(1992), comentados no início deste texto, e assimilá-los com os vários “graus de
consciência” propostos por Freud na primeira tópica, segundo a qual o psiquismo seria
formado por três sistemas: consciente, sub-consciente e inconsciente. Consciente de sua
escolha, ao omitir o fato de ser sua cunhada a acompanhante de viagem, estaria o silêncio
local, regido pela censura, regida pelos costumes e valores morais da época. No sistema
sub-consciente, podemos localizar o silêncio constitutivo, que se materializou pelo estilo
literário que utilizou para escrever o artigo, escolhendo palavras que localizassem o
acontecimento em um momento longínquo no tempo. O silêncio fundador, totalmente
inconsciente, poderia ser encontrado nas próprias questões que Freud retoma para explicar
seu esquecimento, descobrindo a cada re-elaboração novas pistas para a totalidade dos fatos
que corroboraram para o seu lapso de memória.
Isso mostra que devemos interpretar o discurso e o inconsciente humano além dos
dados visíveis e empiricamente controláveis, pois, da mesma forma que já foi dito acima, o
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Referências Bibliográficas
[1] Estas duas palavras vêm do latim; representam a primeira pessoa do singular dos verbos tacere e
silere.
[2] Formação discursiva, na teoria da Análise do Discurso, refere-se a um conjunto de enunciados
que se definem pela regularidade, e remetem a formações imaginárias, por antagonismo, conflito,
contradição, etc.
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Resumo
A narrativa está presente na comunicação jornalística como forma lingüística que dá
visibilidade e ordena a realidade. Sendo assim, é, pois, composta por vários elementos,
dentre eles, o narrador. Este artigo busca, então, identificar o narrador nas notícias sobre o
escândalo político brasileiro denominado mensalão, publicadas no jornal Folha de São Paulo,
no período de 6 a 12 de junho de 2005. A análise pragmática da narrativa jornalística
forneceu o suporte metodológico para a identificação do narrador nas notícias e, desse
modo, destacar, como resultados, a relação conflituosa e de disputa existente entre diversos
atores para assumir a condição de narrador.
Palavras-chave: mensalão, narrativa, narrador.
Introdução
O presente trabalho tem como objetivo identificar, por meio da análise pragmática
da narrativa jornalística, o narrador nas notícias provenientes da imprensa escrita. Para
Motta (2007), a análise pragmática da narrativa é o estudo dos princípios que regulam o uso
da linguagem na comunicação, ou seja, as condições que determinam tanto o emprego de
um enunciado concreto, por parte de um emissor concreto, em uma situação comunicativa
concreta, bem como sua interpretação por parte do destinatário.
não poderia fazer referências, tais como: noções como emissor, destinatário, intenção
comunicativa, contexto verbal, situação ou conhecimento do mundo.
Para a presente análise, que tem como foco o narrador nas notícias jornalísticas,
utilizamos como objeto de estudo um escândalo político brasileiro que ganhou visibilidade
em meados do ano de 2005, e que marcou a história recente da política brasileira, qual seja,
o mensalão[1]. A análise foi realizada a partir de um conjunto de notícias referentes ao
assunto, 121 ao todo, publicadas no jornal Folha de São Paulo no período de 6 a 12 de junho
de 2005.
Roland Barthes (1976) afirma que a narrativa está presente em todos os tempos,
lugares, sociedades e que ela começa com a própria história da humanidade. Vivemos, pois,
rodeados pelas narrativas, que podem ser encontradas no mito, na fábula, no conto, no
romance, na pintura ou no cinema.
Esses profissionais disponibilizam notícias que irão provocar efeitos estéticos como
indignação, emoção, surpresa, etc. Com todos esses elementos oferecidos pela comunicação
jornalística as pessoas podem construir narrativas para compreender o mundo real.
As narrativas dão sentido e significação à vida humana, uma vez que, por meio
delas, construímos o passado, presente e futuro. Conforme ressalta Motta (2005), narrar
não é contar ingenuamente uma história, é, antes, uma atitude argumentativa, um
dispositivo persuasivo de linguagem, posto que, quem narra quer, de fato, produzir certos
efeitos de sentido através da narração.
imprescindíveis para que a narrativa seja efetivada e habitam o mundo da história e exercem
diferentes papéis como: protagonistas, coadjuvantes ou figurantes.
Numa breve descrição das notícias analisadas, podemos ressaltar que a entrevista do
deputado Roberto Jefferson, no dia 6 de junho de 2005, antecedeu ao surgimento das
notícias sobre o mensalão. Já as notícias publicadas após a primeira entrevista estiveram
imbuídas em desvendar a denúncia, buscar provas e testemunhas, ouvir os envolvidos no
escândalo. Para identificar o narrador nas notícias elaboramos uma breve síntese dos
assuntos abordados nos respectivos dias, para fornecer uma cronologia do acontecimento
após a repercussão da primeira entrevista de Jefferson.
O jornal Folha de São Paulo publicou com exclusividade, no dia 6 de junho de 2005,
uma entrevista que tornou público o mensalão. Renata Lo Prete foi a jornalista que conduziu
a entrevista onde “Roberto Jefferson, presidente nacional do PTB, afirma que o tesoureiro do PT,
Delúbio Soares, pagava um “mensalão”a parlamentares em troca de apoio ao Congresso. Eram, diz, R$
30 mil mensais entregues a representantes do PP e do PL pelo menos até janeiro”. (Folha de São Paulo,
6 jun, p. 1).
Além da longa entrevista de Jefferson, esse dia também contou com outras matérias
que trançaram, por exemplo, o perfil de Jefferson como “petebista que liderou tropa de choque de
Collor”. (Folha de São Paulo, 6 jun, p. 4) bem como o de Delúbio Soares, denunciado por
Jefferson como operador do mensalão.“Delúbio Soares tem pretensão eleitoral”, afirmou o jornal
(Folha de São Paulo, 6 jun, p. 5). Outras matérias, ainda, destacaram que Jefferson avisou ao
presidente Lula sobre o mensalão e, outra, que Jefferson reconhecia a necessidade de uma
CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito.
entrevista concedida por Jefferson no jornal Folha de São Paulo e algumas conseqüências, em
decorrência das denúncias, começaram a ser desencadeadas como a mudança na diretoria
de algumas estatais como mostrou a matéria de capa “Governo aceita CPI e muda estatais”.
(Folha de São Paulo, jun, p.1). Outras matérias, ainda, destacaram a preocupação do
presidente Lula com o escândalo dentro do seu governo. Lula ao ser questionado por
jornalistas mencionou que iria “cortar na própria carne”, caso necessário. A metáfora fazia
uma alusão à punição de possíveis membros do governo envolvidos no escândalo.
Destaque-se, em adição, matérias que abordaram o aumento no tom das críticas por parte
da oposição, que destacaram o pedido de cassação ao deputado Roberto Jefferson, movido
pelo Partido Liberal - PL e, por fim, um destaque a movimentação pela instalação da CPI.
Delúbio Soares no quadro partidário. Após analisar as 121 notícias não identificamos a
presença de um único narrador nos enunciados do mensalão, mas a presença dos três
narradores apresentados por Motta (2007) como o narrador-mediador, o narrador-
testemunha e o narrador-personagem.
vozes de acordo com os seus interesses. O jornal organizou e priorizou discursos utilizando
uma linguagem indireta, quase sempre na terceira pessoa.
A posição do jornal Folha de São Paulo enquanto narrador ocorreu de uma forma
difusa, impessoal e discreta o que em muitas vezes dificultou a sua identificação imediata
no texto. Essa dificuldade foi superada quando percebemos que as notícias apresentavam
uma linguagem indireta e quase sempre na terceira pessoa o que possibilitou o
enquadramento do narrador no tipo mediador por conter tais características na linguagem.
Mesmo nos momentos que este narrador predominou notamos a presença de várias
personagens que em determinados momentos assumiram a narrativa e ganharam
autoridade ao conduzir a narrativa jornalística com seu discurso direto.
Considerações finais
Referencias bibliográficas
Barthes, Roland e outros (1971). Análise estrutural da narrativa. Petrópolis: Vozes, 1976.
Motta, Luiz G. “A análise pragmática da narrativa jornalística”. In: LAGO, C & BENETTI, M.
Metodologia de Pesquisa em Jornalismo. Petrópolis: Vozes, 2007.
_____. Narratologia – análise da narrativa jornalística. Brasília: Casa das Musas, 2005.
Traquina, Nelson. Jornalismo: questões, teorias, histórias. Lisboa: Veja, 1999.
Jornais
Folha de São Paulo. São Paulo, 6 de junho de 2005. Ano 85, número 27.823.
Folha de São Paulo. São Paulo, 7 de junho de 2005. Ano 85, número 27.824.
Folha de São Paulo. São Paulo, 8 de junho de 2005. Ano 85, número 27.825.
Folha de São Paulo. São Paulo, 9 de junho de 2005. Ano 85, número 27.826.
Folha de São Paulo. São Paulo, 10 de junho de 2005. Ano 85, número 27.827.
Folha de São Paulo. São Paulo, 11 de junho de 2005. Ano 85, número 27.828.
Folha de São Paulo. São Paulo, 12 de junho de 2005. Ano 85, número 27.829.
[1] O mensalão foi um neologismo, popularizado pelo então deputado federal Roberto
Jefferson em entrevista que deu ressonância nacional ao escândalo. O mensalão é uma variante da
palavra "mensalidade" usada para se referir a uma suposta "mesada" paga a deputados para
votarem a favor de projetos de interesse do Poder Executivo. . A palavra "mensalão" foi então
adotada pela mídia para se referir ao caso, sua primeira aparição na imprensa escrita foi no dia 6 de
junho de 2005, no jornal Folha de São Paulo. Disponível em:
[http://pt.wikipedia.org/wiki/Escândalo_do_mensalão]. Acesso em: 22 agosto 2007.
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Resumo
Este texto apresenta algumas reflexões sobre o discurso do comediógrafo
Aristófanes que, na peça As Rãs, combate satiricamente às idéias de Euripedes e Ésquilo,
ridicularizando suas ações e pensamentos.
Palavras-chave: As rãs, comédia, Aristófanes,
Abstract
This paper shows some reflections about the discourse of the comediographer
Aristophanes who, in the play “As Rãs”, satirically fights Euripedes and Ésquilo’s ideas,
ridiculing his actions and thoughts.
Keywords: Aristophanes, As Rãs, Literary Criticism.
A comédia, poesia imitativa norteadora deste processo de reflexão, não vai mais
imitar, como a tragédia, as ações de homens superiores - deuses, semideuses e heróis -
situados no espaço mítico, lendário e de caráter cívico, e, sim, imitar as ações de homens
inferiores - homens comuns - situados no tempo presente. Imitados não mais na
superioridade de caráter, “mas só quanto àquela parte do torpe que é o ridículo”
(ARISTÓTELES, 1973, p.118).
Hades cria, então, um concurso para julgar o talento dos dois poetas, tendo como
árbitro o deus Dioniso. O poeta cômico parodia, desta forma, os festivais públicos que
escolhiam a melhor peça através de juízes contratados pelo estado; o poeta que fosse
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A disputa no Hades também tem suas prerrogativas, haja vista que o expectador,
bem como o leitor, já sabe de antemão que o juiz tem o seu escolhido mesmo antes da
exposição. O que parece ser, num primeiro momento, um combate injusto torna-se uma
surpresa.
Dioniso, para dar início ao concurso, solicita aos participantes que façam suas
invocações aos deuses. Destaca-se aqui o lado religioso de Ésquilo que invoca Deméter, ao
contrário de Euripedes que vai invocar novos deuses - o “Éter”, a “Volubilidade da
Linguagem”, a “Fineza do Espírito” e o “Olfato Sutil”.[2]
Ésquilo, por sua vez, diz ter enobrecido tudo: criado personagens providos de
dignidade em ações elevadas, com linguagem sublime e figurinos adequados a deuses e
semideuses. E afirma que tentou incutir o caráter cívico na juventude, apresentando
tragédias cheias de espírito marcial, conseguindo manter a ordem e a subordinação;
enquanto Euripedes subverteu a ordem, incitando a corrupção juvenil pelo pensamento,
aguçando o espírito de insubordinação.
Dioniso, por fim, utiliza-se de uma balança, sugerida por Ésquilo, para julgar, pesar
literalmente a poesia e as expressões dos dois poetas. Nesta contenda, Ésquilo é o vencedor
por colocar coisas pesadas em seus versos (“morte”, “cadáver”, entre outros).
Questionados por Dioniso sobre o melhor conselho para a cidade de Atenas, a respeito de
Alcibíades, Euripedes tenta vencer pela persuasão, mas Dioniso dá vitória a Ésquilo.
O coro adverte o vencedor - Ésquilo- a não travar contato com Sócrates, que
desdenha a música e as partes mais importantes da arte trágica: “É loucura perder tempo
em conversas ociosas, em sutilezas frívolas”. Esta aversão a Sócrates será desenvolvida por
Aristófanes n’As nuvens[3].
Podemos dizer que n’As rãs existem quatro momentos de juízo crítico da produção
de Euripedes e Ésquilo, além, é claro, das emitidas por eles no embate. O primeiro
momento dá-se no diálogo entre Dioniso e Hércules. O deus, no prólogo, considera
Euripedes o modelo exemplar de poeta, astucioso, fecundo, “capaz de engendrar
pensamentos másculos” e “capaz de inventar expressões ousadas”. Hércules dá ganho de
causa a Ésquilo, considerando Euripedes tagarela, e acusando-o de dizer bobagens e de ser
inferior a Ésquilo e Sófocles.
Dioniso foi ao Hades buscar Euripedes, mas sai com Ésquilo e justifica o ato a
Euripedes utilizando parte de um verso seu retirado de Hipólito: “Minha língua juro, mas
escolho Ésquilo” (IDEM, p.287) que assim poderíamos traduzir “O coração prometeu,
mas a língua não prometera”. Podemos entender esta frase como uma sátira à descrença de
Euripedes à intervenção milagrosa das divindades presente nos registros épicos, pois ele já
deveria saber que não poderia acreditar totalmente no deus das mascaradas neste concurso
de cartas marcadas.
Referências
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Janeiro: Jorge Zahar, 1996.
_____. As nuvens. Trad. Gilda Maria Reale Starzynski. São Paulo: Abril Cultural, 1972.
ARISTÓTELES. Poética. Trad. Eudoro de Souza. São Paulo: Abril Cultural, 1973.
DEBUS, Eliane Santana Dias. Os discípulos e o comediógrafo: diálogo entre o bem e o
mal das idéias socráticas. In. Revista Querubim, Ano 4, n.06, 2008. (inserir endereço
eletrônico)
GRIMAL, Pierre. Dicionário da mitologia grega e latina. Trad. Victor Jaboville. 2.ed. Rio de
Janeiro: DIFEL, 1993.
HOMERO. Odisséia. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1960.
NUNES, Carlinda Fragale Patê. A comédia greco-latina: de Aristófanes e Menandro a
Plauto e Terêncio. In: SCHÜLLER, Donaldo; GOETTEMS, Miriam Barcellos. Mito:
ontem e hoje. Porto Alegre: Ed.UFRGS, 1990.
[1] O dramaturgo português Gil Vicente, no século XV, vai retomar o tema mitológico com a sua
trilogia das barcas (Auto da barca do inferno, Auto da barca do purgatório e Auto da barca da glória). Na
mitologia grega, as almas atravessavam, para chegar ao Hades, o rio Letes na barca de Cáron “o
gênio do mundo infernal” que recebia como pagamento pelo serviço uma moeda (um óbolo).
[2] Na comédia As nuvens, Aristófanes descreve Sócrates invocando novos deuses, entre eles, o Éter.
[3] Tal tema foi desenvolvido por mim no artigo Os discípulos e o comediógrafo: diálogo entre o
bem e o mal das idéias socráticas, Revista Querubim, 2008.
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Elika da Silva
Graduada em Pedagogia
Unisul – Universidade do Sul de Santa Catarina
RESUMO
Este artigo tem como objetivo refletir sobre a literatura infantil que tematiza a
cultura africana e afro-brasileira levando em conta as demandas da Lei nº 10. 639 MEC, de
09 de janeiro de 2003, que instituiu a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-
brasileira e africana no currículo escolar do ensino fundamental, e a Lei n. 11.645, que
alterou a Lei nº 10.639/2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional,
para incluir, no currículo oficial da rede de ensino, a obrigatoriedade da temática “História e
Cultura Afro-Brasileira e Indígena”.
Palavras-chave: literatura infantil, cultura afro-brasileira, cultura africana, currículo escolar.
ABSTRACT
This article aims to reflect on the children's literature that edge to African culture
and African-Brazilian taking into consideration the demands of Law No. 10. 639 MEC,
from 09th January 2003, which imposed the disciplines of African-Brazilian and African
history and culture in elementary school, and the Law 11.645, which amended Law No
10.639/2003 establishing the guidelines and bases for national education, to include in the
official curriculum of the school system, "Afro-Brazilian and Indian History and Culture".
Key words: Children Literature, African-Brazilian Culture, African Culture, School
Curriculum.
Na atualidade existem vários livros infantis e juvenis que mostram a cultura africana
como suas danças, costumes, religiões, e outras. Podemos ler hoje histórias de princesas e
príncipes negros, assim como contos africanos e vários personagens negros em histórias
comuns do dia-a-dia das crianças. Debus (2006b, p.9) afirma que:
infância a partir do século XVIII e da necessidade de educá-la, o que por sua vez, decorreu
da centralização da sociedade em torno da família burguesa”.
Embora o conceito de infância, hoje tenha novos valores, ainda se encontram livros
que perpetuam valores conservadores e de dominação. A questão é que o mercado editorial
(escritores, editores, agentes culturais) nem sempre estão comprometidos com a qualidade,
mas sim com a quantidade de livros que irão vender. Por isso, a questão da representação
dos afrodescendentes na literatura infantil ainda é uma lacuna a ser preenchida, por mais
que a literatura infantil brasileira tenha contemplado o tema em suas narrativas, e apesar das
editoras e autores estarem mais preocupados com a questão étnica, ainda há muito a ser
conquistado, pois o que mais aparece ainda nos livros infantis, são os modelos de famílias
européias.
Infelizmente, nos acervos das escolas públicas essa literatura ainda não é muito
presente, apesar de ser instrumento de suma importância na contextualização desta cultura.
Existe no mercado editorial uma grande variedade de literatura infantil com essa temática, a
escola e o educador podem ter em suas mãos uma variedade de literatura infantil, capaz de
proporcionar aos seus alunos um conhecimento e reconhecimento da cultura africana e
afro-brasileira.
costumes, de sua fé, do cotidiano é a invenção da arte negra, que flui tal e
qual magia ritual, transformando o que não se consegue por meio de
formas técnicas.
A literatura tem uma participação em nossa vida, invade o nosso imaginário, pois
nela conhecemos e reconhecemos lugares e personagens que nos fascinam. Na literatura
brasileira, no entanto, o negro, por muito tempo, apareceu discriminado ou inferiorizado.
Sabemos que as narrativas para o leitor, principalmente jovens, influenciam muito seu
imaginário como um espaço de sonhos, emoções e imaginação. Toda obra literária também
transmite mensagens através das imagens ilustradas, imagens que fascinam os leitores e os
revelam uma visão de mundos diferentes. Lima 2005 (p. 101-102) argumenta que:
Sabe-se que por muito tempo a personagem negra recebeu papéis subalternos,
desde a sua representação no período da escravidão ao contemporâneo, em que se resume
ao papel de empregos de serviçais. Monteiro Lobato, apesar de ser um inovador da
literatura infantil brasileira, sempre trouxe em suas narrativas e ilustrações os
afrodescendentes em situações inferiorizadas.
Lima (2005 p. 103) ao examinar alguns livros em que aparecem personagens negros,
descreve que:
É pertinente que estejamos atentos ao que vem se produzindo neste sentido, pois
não basta integrar os afrodescendentes na literatura. A produção tem que ser de qualidade,
em uma sociedade assim como a nossa, na qual o acesso a livros é restrito a poucos torna-
se fundamental que a escola, muitas vezes sendo o único acesso ao livro que a criança tem,
e o educador sejam cautelosos com a seleção e movimentação do acervo de literatura
infantil com a temática africana e afro-brasileira, na biblioteca e com a leitura em sala de
aula.
Para que o livro seja uma obra que esclareça como os afrodescendentes são partes
integrantes na formação da nossa sociedade, não basta trazer personagens negras e falar
sobre preconceito. É importante levar em consideração como são trabalhados e ilustrados
estes livros; se apresentam ilustrações positivas de personagens negros; e se os conteúdos
abrangem o universo cultural africano e afro-brasileiro, obras onde habitem reis e rainhas
negras, deuses africanos, e outros, cujas leituras possam participar da construção da auto-
estima das crianças afrodescendentes.
Referências
[1] Este artigo foi construído a partir das reflexões desenvolvidas no Trabalho de Conclusão de
Curso “A literatura infantil com temática africana e afro-brasileira em uma escola pública de
Florianópolis ‘projeto Malungo’”, apresentado na Universidade do Sul de Santa Catarina, Curso de
Pedagogia 2008.1, sob orientação da professora Doutora Eliane Santana Dias Debus
[2] Joel Rufino dos Santos é um historiador, professor e escritor brasileiro. É um dos nomes de
referência sobre cultura africana no país. No título O soldado que não era, o autor traz a saga de
Maria Quitéria, de forma muito rica e interessante, proporcionando uma boa discussão sobre
preconceitos. (disponível em: www.pt.wikepedia.org.)
[3] Ana Maria Machado é uma conceituada escritora brasileira, ganhadora de vários prêmios da
literatura. No livro Do outro lado tem segredos, o menino Bino, vive em uma aldeia de
pescadores. Desde pequeno ajuda os pescadores, e aguarda o dia em que poderá ir ao mar junto de
todos. Aos poucos, vai descobrindo e aprendendo suas tradições e cultura. Ana Maria Machado em
muitas de suas obras nos presenteia com um pouco de nossa diversidade assim como o clássico,
Menina bonita do laço de fita. (Ibid)
[4] Como exemplo de autores brasileiros que vem trazendo em suas narrativas a questão étnica
racial com um novo olhar temos: Joel Rufino dos Santos, Rogério Andrade Barbosa. Ana Maria
Machado, Sonia Rosa, Osvaldo Faustino e muitos outros.
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Resumo
Hoje em dia a violência e a indisciplina adquiriu níveis de preocupação social e para
os agentes educativos. A segurança nas escolas e a promoção de relações de convivência
(socialização) constituem condições essenciais para a qualidade da educação/formação e
para a promoção da educação para a cidadania. O autor aborda em três pontos a temática
da indisciplina escolar. Enquanto, no primeiro ponto, se refere à fenomenologia da
indisciplina/violência, no contexto escolar, no segundo ponto analisa os modos de
prevenção e de construção da disciplina na sala de aula. Por último, propõe um programa
educativo de intervenção com estratégias e procedimentos práticos para a sala de aula.
Palavras Chaves: ‘bullying’ escolar, indisciplina, prevenção, disciplina na escola, modelos
educativos de intervenção.
Abstract
In the scene of the school disciplines we review it versus pertaining to
school indiscipline
Nowadays violence and indiscipline acquired levels highly preoccupying to the
society and to the educative agents. The security in schools and the promotion of
sociability relations constitute essential conditions to the quality of the
education/formation and citizenship education. The author approaches in three points the
thematic one of the pertaining to school indiscipline. While, the first point, refers to the
phenomenology of the indiscipline/violence, in the pertaining to school context, the
second point as analyzes the prevention ways and of construction of it disciplines in the
classroom. Finally, he considers an educative program of intervention with strategies and
practical procedures in the classroom.
Key-words: school ‘bullying’; indiscipline; prevention; discipline in school; educative
models of intervention.
Introdução
A escola intenta aplicar em direcções diversas algumas medidas sem ter, na maioria
das vezes, sido preparada para desempenhar tal papel. Sabemos que a escola cristaliza
algumas tensões da nossa sociedade e, por vezes, desmesuradamente, pois, é fábrica (espaço
escolar) e relógio (tempo escolar) do trabalho formativo dos alunos e da disciplina
colectiva, mas não é por si mesma um espaço de criação de violência, apesar de a
reproduzir, a distintos níveis (Etxeberria Balerdi, 2001: 121-128). O que se verifica em
muitas escolas é a indecisão dos responsáveis, em certos casos graves de indisciplina e
violência, na aplicação do Código Disciplinar, ou uma certa confusão entre disciplina e
autoritarismo ou autoridade e autoritarismo.
Nos últimos tempos tem surgido uma violência organizacional, com tendência a
serem criadas situações de conflito que geram oportunidades para estigmatizar a violência
de qualquer oponente. Certas forças da sociedade interagem para darem a impressão que a
insegurança cresce na sociedade (aumento da espiral dos crimes) e nas escolas. Os
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De facto, a violência é uma construção social que varia segundo o meio, a cultura e
o indivíduo, englobando uma diversidade de realidades e de aspectos muito específicos.
Relaciona-se com o conceito de comportamento anti-social, integrando neste sentido certas
condutas disruptivas dos sujeitos, que devem ser reprováveis através da escola. Os casos de
maior indisciplina e/ou violência escolar ocorrem entre os 10 – 12 anos e os 15 ou 16 anos.
Contudo, em Portugal, alguns inquéritos realizados nos últimos anos por diversos
sindicatos de professores e pelo próprio Ministério da Educação revelam que no 1.º Ciclo
(Ensino Básico) é onde há um certo aumento da indisciplina. Na prática a representação e
percepção destes fenómenos é bem patente nas afirmações dos professores, responsáveis
dos órgãos executivos e funcionários (Amado, 2001, p. 38-44).
É reconhecido por todos que teremos que compreender e construir a disciplina nas
nossas escolas, sendo essa uma tarefa de todos os agentes e actores educativos. Não basta
servirmo-nos dos estatutos disciplinares para admoestar, suspender ou punir os alunos. A
resposta tem que ser pedagógica e ético-moral. Os professores devem antecipar-se aos
acontecimentos ou conflitos geradores de indisciplina e violência escolar. De forma pro-
activa deverão definir uma série de técnicas e estratégias que levem os alunos a estarem
activos, ocupados dentro da sala de aula, evitando possíveis situações de disrupção ou de
conflito. Trata-se da aplicação de uma pedagogia diferenciada e da convivencialidade
relacional na escola. Para tal o professor deverá conhecer bem a turma e os alunos, através
de actividades organizadas em grupo e individualmente.
Distinguimos dois tipos de situações, que requerem dois tipos de ‘medidas’, perante
os comportamentos anti-sociais e/ou de indisciplina dos alunos nas aulas e nas escolas. Por
um lado há que tomar uma ‘medida global’ para com aqueles problemas comportamentais
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dos alunos, que implicam uma prevenção primária. Trata-se da necessidade de haver uma
convivência escolar (relações interpessoais, aprendizagem da convivência) que se converta
no núcleo da vida da escola. Deste modo, cada escola deverá analisar as relações de
convivência no seio da comunidade escolar (conflitos reais e potenciais) e no contexto do
currículo, incluindo todas as decisões curriculares propostas (Cerezo y Esteban, 1992, p.
136-140; Costa e Vale, 1980, p. 37; De Cauter, 1999, p. 13-17). Esta ‘medida globalizadora’
assume a questão da psicologia da convivência e da pedagogia das relações pedagógicas na
escola.
Efectivamente, o professor terá que ter em conta uma tríade de influxos na sua
acção educativa: a gestão da vida quotidiana da aula (democracia vivenciada com normas
aceites por todos); análise formativa dos valores nos alunos (vinculação da educação
emocional e sentimental com os valores morais); e análise do tipo de ensino-aprendizagem
implementado, observando a cooperação, o diálogo, as tomadas de decisão, a discussão e a
competitividade positiva dos alunos. Deste modo, o professor expandirá a inovação, a
reflexão e terá mais auto-estima na sua intervenção, conhecendo e compreendendo as
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necessidades e as expectativas dos seus próprios alunos dentro e fora da aula (Ortega y
Mora-Merchán, 2000, p. 11-18).
Reflexões finais
Enfim, uma escola que permita aos jovens viver a escolaridade como um momento
fundamental do desenvolvimento da sua personalidade e de competências, de espírito
criativo e crítico, ou seja, que se assuma como um espaço de aprendizagens e de formação
ao longo da vida, fomentando uma consciência cívica, solidária e de respeito pelas
diferenças.
Bibliografia
1980, p. 293
DE CAUTER, F. Methodology for developing projects involving general prevention. Leuven:
Onderzoeksgroep Jeugdcriminologie, 1999, p. 375
ESTRELA, M.ª Teresa Relação pedagógica, Disciplina e indisciplina na sala de aula. Porto: Porto
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Fernanda Marcon
Mestranda em Antropologia Social
Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social
Universidade Federal de Santa Catarina
Resumo
Podemos entender a música nativista como um caso específico de regionalismo
musical dentro das múltiplas expressões da música popular brasileira contemporânea; trata-
se de um repertório de canções oriundo do estado do Rio Grande do Sul, conhecido como
“música nativista gaúcha”. Nota-se a presença de um trânsito musical entre os países do
chamado Cone Sul latino-americano, apontando para a constituição de imaginários e
audições de mundo acerca do que os sujeitos entendem como “cultura gaúcha”. Assim, o
artigo pretende discutir a relação entre este tipo de produção musical no sul do Brasil e a
constituição de imaginários gauchescos que perpassam diferentes territórios e sonoridades.
Palavras-chave: música nativista, cultura gaúcha, imaginários sociais.
Abstract
We can understand the nativista music as a specific case of musical regionalism
within the multiple expressions contemporary Brazilian popular music; it is a repertoire of
songs originating from the state of Rio Grande do Sul, known as música nativista gaúcha.The
presence of a kind of musical traffic is noticed amongst the countries of the so-called
South Latin-American Cone, leading to what seems to be the constitution of world
imaginaries and auditions concerning what subjects understand as "gaucho culture". Being
so, the present article intends to discuss the relationship between this type of musical
production in the south of Brazil and the constitution of gauchesco imaginaries throughout
different territories and sonorities.
Key words: nativista music, gaucho culture, social imaginary.
Introdução
uma antropologia sem música e de uma musicologia sem homem”. Nesse sentido, a música nativista
não é tomada aqui como um “exemplo” de como pensam e vivem seus compositores,
instrumentistas, intérpretes; mas como agente, soando as vivências dos sujeitos e
constituindo modos de sentir o mundo.
De cultura gaúcha/gaucha
Começarei por uma discussão bastante comum aos pesquisadores deste tema, que
como mencionado acima, ainda encontram-se em desconforto ao analisar processos tão
diferenciados e ao mesmo tempo tão parecidos. Falo da constituição de um ator central,
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pelo qual perpassam narrativas de integração, fronteira, guerra, arte, entre outras, e que
marca um olhar bastante específico sobre uma região da América Latina: o gaúcho, gaucho.
Acentuando esta região geográfica, não pretendo que o leitor interprete apressadamente
que a entendo como uma “área cultural” aos moldes do que já foi bastante problematizado
na Antropologia. Faço referência a este mapa, pura e simplesmente, por sua dimensão
simbólica entre os sujeitos desta pesquisa. Nesse sentido, a intenção de minha menção a
esta região geográfica é demonstrar sua intensidade enquanto referencial de uma “origem”,
“matriz” de valores que passaram a se descortinar durante minha pesquisa de campo. O
primeiro deles, que soava estridentemente aos meus ouvidos, diz respeito à força com que a
terra natal, ou o “berço” poderia determinar a constituição de um temperamento
específico, um jeito de ser, olhar e ouvir a vida, diferenciado. É o que chamo de caráter
terrunho da produção de música nativista. Quero dizer que a terra em que nasce e cresce
uma pessoa, e no caso em análise, um músico nativista, lhe reserva uma personalidade
ímpar, que o condena a amá-la e projetá-la para onde quer que vá. Dentro dessa
perspectiva, encontrar raízes, ou pelo menos, uma “terra sagrada” por se referenciar, é algo
bastante valioso e significativo. É preciso anunciar mais uma pausa para explicar que
quando coloco os termos gaúcho e gaucho, separados por vírgula e não por uma conjunção,
quero dizer com isso que tanto não tento traduzir o segundo pelo primeiro, quanto não
pretendo investigá-los como se fossem a mesma palavra e com o mesmo significado. Minha
intenção é tentar entendê-los dentro de um universo simbólico - partindo de minha
pesquisa de campo – para que nem um nem outro sejam ignorados ou tomados como
objetos fechados, cada um em um local específico da análise. Como já afirmei, tratam-se de
processos em movimento, categorias em construção por diferentes sujeitos.
Hernández – um poema dividido em dois livros, “El gaucho Martín Fierro” (1872) e “La
vuelta de Martín Fierro” (1879) – não deve ser confundida com uma literatura feita por
gauchos, uma população eminentemente masculina, desenhada por diferentes autores,
cronistas, que concebe um consenso sempre problemático de que se tratavam de pessoas
errantes, que andavam pelos pampas e tinham como principal transporte e atividade o
cavalo e o gado. Seu caráter eminentemente popular, portanto, está atrelado a uma
produção da elite, entendendo-a aqui, como propuseram Borges e Guerrero, como uma
parcela letrada de escritores de Buenos Aires e Montevidéu, no Uruguai.[1] Como
mencionam os autores, é um equívoco pensar que a poesia gauchesca deriva imediatamente
da poesia dos payadores, ou improvisadores profissionais da campanha (como é conhecida a
região do pampa). Esta confusão se configura, principalmente, pela coincidência do metro
octossílabo e das formas estróficas (sextilha, décima, copla) da poesia gauchesca com as da
poesia payadoresca.(Borges & Guerrero, 2006: 11) Como mencionam Borges & Guerrero,
em algumas passagens de seu poema, Hernández parece demarcar exatamente de que
maneira se diferencia das improvisações dos payadores: [2]
Cabe supor que dois fatos foram necessários para a formação da poesia
gauchesca. Um, o estilo da vida dos gaúchos[3]; outro, a existência de
homens da cidade que se identificaram com ele e cuja linguagem habitual
não era demasiado diferente. Se tivesse existido o dialeto gauchesco que
alguns filólogos (em geral, espanhóis) estudaram ou inventaram, a poesia
de Hernández seria um pastiche artificial e não a coisa autêntica que
conhecemos.[4]
Ainda assim, não nos parece claro de quê população gaucha parte a inspiração para a
poesia gauchesca de Hernández. Afirmar simplesmente que eram homens que vagavam
pelos pampas, a lidar com gado e cavalos, não resolve o problema. De acordo com Élida
Lois (2004), a Argentina, em meados do século XIX, apresentava conflitos em torno das
terras pertencentes aos povos indígenas. Todo o território que pôde permanecer em poder
dos índios livres foi ganhando um enorme valor potencial na medida em que se
intensificava a atividade agropecuária. “El desierto”, como eram chamadas as terras dos
índios[5], passaram a agregar enorme valor e seus habitantes se tornaram o inimigo número
um da “civilização”. Nesse contexto, além das terras indígenas e as cidades e seus campos
circundantes, havia ainda um território vagamente definido: la frontera. Seus habitantes,
igualmente não definidos, povoaram o imaginário da poesia gauchesca e delimitaram um
personagem bastante específico: el gaucho.
Fierro – cruza fronteiras entre a oralidade e a escrita, entre a cultura popular e a cultura
letrada. Ao apropriar-se da voz do gaucho, mas ao mesmo tempo distanciando-se dela,
Hernández anda pelas bordas de um campo de tensões. (Lois, 2004: 39) Nesse sentido, a
literatura gauchesca constitui-se como um híbrido que, não livre de conflitos, mostra-se
como a “aliança de classes”, algo extremamente interessante dentro de um projeto de
consolidação do Estado-Nação.
É na década de 1980, porém, que todo este debate sobre a qualidade estética
introduzida pelos festivais nativistas na música regional gaúcha vai consolidar a polarização
entre tradicionalismo e nativismo, fazendo da identidade gaúcha um importante “móvel de
disputas”. (Oliven, 1992: 108) Isso porque, segundo Oliven, apesar dos contrastes entre os
movimentos, havia um substrato comum em jogo: quem teria competência e legitimidade
para afirmar o que é e o que não é “cultura gaúcha”. De um lado, o tradicionalismo dos
CTGs e sua cartilha bastante consolidada – com regras de composição, figurino e execução
- de outro, um movimento pautado em grandes festivais de música, interessado em inserir o
seu formato de cultura gaúcha em canções de qualidade – com boas letras (incluindo temas
mais “politizados” que falassem do êxodo rural, das questões latino-americanas, etc), bons
arranjos, bons instrumentistas e intérpretes. Também estava aí uma intenção de projetar
elementos reconhecidos como folclóricos no RS e dar a eles uma feição universal.
Considerações finais
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Bibliografia:
[1] Nota-se um processo bastante similar em outros países da América Latina, em que escritores
categorizados como “nacionalistas” e “regionalistas” se espelham em personagens populares para
compor seus romances. A diferença aqui, talvez, se dê em torno da linguagem utilizada. No caso de
Hernández, a voz do gaucho é confundida com a voz do autor, criando um vocabulário próprio,
muitas vezes considerado uma maneira de falar generalizadamente gaucha.
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Abstract
In this paper we analyze how the Farroupilha society, mostly dominated by men, a
realize woman in that social space and its impact on education of girls. The sources we use
in this study are: a bibliography on the subject, the letters of the participants of the
Farroupilha Revolution, edited by the Historical Archive of Rio Grande do Sul and the
newspaper O Povo, one of the official journals of the Government of the Rio-Grandense
Republic. We also use as source of research the Project of the Constitution of the Rio-
Grandense Republic and laws about citizenship and education. Our theoretical references
are: Alves, Le Goff, Louro, and Scott.
Keywords: Gender. Rio-Grandense Republic. Education.
Introdução
A nossa concepção de gênero está de acordo com Louro (2007, p. 210) que
considera gênero uma “construção histórica, produzida na cultura, cambiante, carregada da
possibilidade de instabilidade, multiplicidade e provisoriedade”. Salienta-se que a forma
como percebe-se hoje a questão de gênero não foi sempre assim e que pode mudar de
acordo com cada cultura.
As fontes que utilizamos neste estudo são: a bibliografia referente ao tema, as cartas
dos participantes da Revolução Farroupilha, editadas pelo Arquivo Histórico do Rio
Grande do Sul, conhecida pela historiografia por Coleção Varela (C.V.) e um dos jornais
oficiais do Governo da Republica Rio-grandense, O Povo. Usamos também como fonte de
pesquisa o Projeto da Constituição da República Rio-grandense (está em anexo em
FLORES, 1985) e leis sobre cidadania e Educação.
Torna-se necessário refletir sobre o uso dessas fontes. No que se refere aos jornais,
inicialmente, é importante salientar que a produção jornalística não está isenta das
perspectivas políticas, sociais, econômicas e culturais de quem a produz. Dessa forma a
utilização dos jornais como fonte de pesquisa é fundamental para percebermos a sociedade
do século XIX, pois ele se constituía num importante mecanismo de comunicação e com
demonstração explícita dos objetivos da classe dominante. Como aponta Alves (2006, p.
351), “o jornalismo desse tempo atuou com tenacidade na formação de hábitos,
pensamentos, costumes e opiniões, numa escala que, se não global, ao menos atingiu
grande parte das comunidades de então”.
Na análise das fontes, inclusive dos jornais, utilizamos a perspectiva de que elas são
fruto de um momento histórico, sendo necessário ao pesquisador se interar das forças em
luta naquele espaço de tempo, assim como também, a concepção de gênero. Referindo-se
às fontes, conforme Le Goff (2003, p. 535-536),
A mulher era preparada para o lar, para ser boa mãe e não para participar da vida
política. Conforme consta na lei de 18 de dezembro de 1838 (O Povo, 19/12/1838, n°32),
que dava direito ao estrangeiro de cidadania Rio-grandense, não consta a questão da
mulher. O único elemento que ressalta, é no artigo 5°, onde é explicitado que o estrangeiro
casado com uma Rio-grandense teria cidadania, mas no caso contrário, não.
Deve-se ressaltar que a cultura e a lei estão intimamente ligadas. Conforme Scott
(1990, p. 16), “a natureza recíproca do gênero e da sociedade e as maneiras particulares e
situadas dentro de contextos específicos, pelas quais a política constrói o gênero e o gênero
constrói a política”.
- A mulher para ser amada deve ter como primeira qualidade, um gênio
brando e dócil.
- Não há defeito maior do belo sexo do que a loquacidade, e a garrulice,
que são de ordinária filha da imprudência.
- Uma Senhora de honesto, e sisudo comportamento estranha a
consideração e o respeito do homem o mais licencioso (O POVO,
11/01/1840, n°134).
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É importante constatar que a mulher era, inclusive, vista como a culpada pelos
casamentos que não davam certo, sendo que seus descuidos poderiam acarretar a desordem
familiar, conforme consta no artigo publicado no jornal O Povo(25/01/1840, nº137):
Variedades.
- O imprudente ciúme de muitas mulheres envenena a doce união
conjugal e produz a desordem da família;
-a mulher viciosa é o maior tormento da vida; ela se faz pesada a todos
os que a cercam de perto;
- grande número de casamentos no mundo e a origem da desgraça de
muitas casas de famílias, pela leveza com que se trata este negócio de
tanta importância.
- Quantas mulheres loucas com suas dissipações têm reduzido seus
maridos e filhos à desgraça!
- A infelicidade das famílias é muitas vezes originada pela imprudência de
uma mulher;
- Mulheres loucas que só por interesses se ligam a homens velhos, ou
viciosos, ou atacados de enfermidades, que fazem ao depois a ruína de
seus inocentes filhos.
Outros elementos que aparecem são, por exemplo, o fato de que desde a infância
deveriam ser inculcados tais princípios e a mulher aparece como educadora da família,
2 – Educação de meninas
Nesta Lei a uma distinção de conteúdo para meninos e meninas, conforme consta
nos Artigos 6° e 12°,
Art. 6°
Os professores ensinarão a ler, escrever, as quatro operações de aritmética,
prática de quebrados, decimais e proporções, as noções mais gerais de geometria
prática, a gramática de língua nacional, e os princípios de moral cristã e da
doutrina da religião católica e apostólica romana, proporcionados à compreensão
dos meninos; preferindo para as leituras a constituição do Império e a História
do Brasil.
[...]
Art. 12°
As Mestras, além do declarado no Art. 6°, com exclusão das noções de geometria
e limitado a instrução de aritmética só as suas quatro operações, ensinarão
também as prendas que servem à economia doméstica; e serão nomeadas pelo
Presidentes em Conselho, aquelas mulheres, que sendo brasileiras e de
reconhecida honestidade, se mostrarem com mais conhecimento nos exames
feitos na forma do Art. 7º.
sua aula, assim como suas alunas, doutrina contraria a República. D.J. de Almeida manda
um oficio em 18 de julho de 1839, para o major Antônio Vicente da Fontoura, chefe geral
de polícia do município de Cachoeira para que este apure os fatos.
Podemos observar que esta mulher se posicionou contrária à ordem que estava
sendo instituída, como foi reprimida pelo controle do Estado, teve que ceder. Esse fato
demonstra que nem todas as mulheres aceitavam sua posição determinada pela sociedade
majoritariamente regida pelos homens e que a construção de gênero é num campo de luta.
Talvez neste momento histórico em que vivia Ana Francisca a sua capacidade de luta era
limitada, mas não nula. Conforme Scott (1990, p. 15),
CV 607.
Alegrete, 22 de novembro de 1842. Querida Bernardina, muito estimo
teres alugado casa para a ensinança de nossos filhos e para o mestre
dedicar-se juntamente na instrução de mais alguns rapazes cujos pais
queiram aproveitar a ocasião.
Nesta carta ele se refere à casa alugada por sua esposa para que um professor ensine
os filhos, não fazendo menção às filhas, mas na carta de 28 de dezembro fala de ambos:
CV 623.
Alegrete 28 de dezembro de 1842. Querida Bernardina [...] O mestre
pode em casa continuar o ensino de nossas filhas e na escola de nossos
filhos; eu espero que ele se esforce no adiantamento de todos.
3 – Conclusões preliminares
Por enquanto podemos expor que a sociedade Farroupilha percebia a mulher, como
sendo aquela que a sua função social era cuidar da casa, do marido e educar os filhos(as).
Assim sendo teve reflexo tanto na legislação quanto na Instrução de meninas. Deveriam ter
uma educação onde os conteúdos não fossem iguais ao dos meninos, ficando limitado ao
ler, escrever, as quatro operações aritméticas, a gramática da língua nacional, a moral cristã
e a doutrina da religião Católica e apostólica romana. Sendo acrescentado as prendas
domésticas, que preparava as meninas para a sua principal função social.
Por outro lado nem todas as mulheres aceitam esta função sem resistência. Sendo
assim podemos concluir que a formação da concepção de gênero se constrói num espaço
de luta que pode ser observado nos textos impressos da época.
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Abstract: this article analizes the Diretrizes Curriculares do Ensino Básico do Estado do
Paraná speeches, in Portuguese Language area. The goal is to show, by semiotic, how the
enunciator represents LP teacher. So, the present study observes any linguistics marks on
officials documents text and any datas of contexts, to prove the sensitive and cognitive
manipulation. These direct the teacher by natural way, to want the multiletramento in the
school, and makes the teacher to think that he shoud, can and knows to do this.
Keywords: multiletramento; oficials documents; teacher representation.
Introdução
Referencial teórico
Desse modo, procurou-se desvelar como o sujeito enunciador projetou seu texto,
na tentativa de direcionar o pensamento, os sentimentos e as ações de seu destinatário.
Este (não-sujeito) pode ser apreendido ainda sob duas perspectivas, um sujeito
programado para fazer (somático ou mecânico) sem refletir nem sentir sobre sua ação,
motivado pelos instintos, e/ou um sujeito movido pela sensibilidade psíquica, que faz
guiado pela paixão. Já o sujeito (pensante, reflexivo) seria competente para julgar tanto a
sua própria ação (prática reflexiva) quanto à ação alheia (intérprete/sancionador). Este
racionaliza o fazer por meio da observação e da lógica metodológica, deve ser convencido
intelectualmente a acreditar (crer) em uma veridicção, para só depois decidir se fará ou não
aquilo que lhe é proposto, ou seja, é o “lugar em que o irrefletido é compreendido e
conquistado pela reflexão” (COQUET, apud BERTRAND, 2003, p.263).
O discurso sobre o ensino de várias linguagens, como por exemplo, a canção, surgiu
explicitamente nos documentos oficiais há pelos menos vinte anos (Currículo Básico do
Paraná/1988, LDB/1996, PCNs/1995 - primeira versão etc.). Por isso, já foi bastante lido e
relido, geralmente de modo “natural”, por professores do Brasil inteiro.
O mundo se torna, desde essa época, cada vez mais global, sua cultura é
mundializada e os relacionamentos virtuais, isto é, a interação é realizada essencialmente
pelos gêneros sincréticos veiculados pelos equipamentos multimídia.
A partir desse panorama, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) postulam
que:
Seguindo esta mesma vertente, foi criada no Paraná, as Diretrizes Curriculares para
a Educação Básica, a qual é uma releitura do Currículo Básico de 1990. Este documento
estadual vem sendo escrito e reescrito desde 2002, tendo sua última versão lançada em
2008. Este se apresenta como um documento elaborado pelos próprios professores da rede
pública, ou seja, nascido da realidade escolar, e refletindo as necessidades e experiências
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As Diretrizes então, vem ratificar a mensagem que o governo já havia difundido por
meio da instalação dos “novíssimos” aparelhos, que são um dos principais veiculadores e
hibridizadores de outras formas de linguagem (música, dança, imagem etc.). Nesse sentido,
o discurso de implementação, evolução, modernização, inovação, revolução,
informatização, democratização da informação e inclusão digital são visíveis não só no
discurso dos documentos, mas também nos significados imanentes aos objetos (materiais e
culturais) que cercam os docentes. Tais ideologias são extremamente contagiantes e,
parecem, ser realmente transformadoras a qualquer pessoa (alunos, pais, administradores,
funcionários etc.) e aos professores de LM.
Para a teoria semiótica, o ato de aceitar as verdades textuais significa que o sujeito
fechou uma espécie de contrato fiduciário com o enunciador, sendo tentado,
posteriormente a realizar uma ação. Assim, a aceitação ideológica é o primeiro passo da
persuasão, ou seja, para o enunciador levar o sujeito-operador a fazer o que ele quer,
primeiro ocorre a manipulação, depois a capacitação (adquirir as competências modais de
saber e/ou poder realizar a performance) ou auto-capacitação do sujeito operador (saber
e/ou poder fazer), a performance ou ação prática e finalmente a sanção (o manipulador,
interpreta, julga e premia ou castiga a performance do sujeito operador).
Este documento que traz, em si, o chão da escola...p.5. O professor é seduzido pelo sentimento
de valorização de seu trabalho (metáfora acima), suas experiências e seu contexto profissional.
Representado como alguém que ajudou a fazer o documento, comparado aos especialistas citados,
alguém que faz e tem voz e vez. Assim ele é seduzido a utilizar o seu próprio documento, pois
partiu dele e de sua prática. Deverá, logicamente, ser lido e usado continuamente. Também fica
implícita a idéia de algo funcional e útil, pois foi um documento construído a partir das
necessidades/dificuldades docentes.
Há diversos gêneros que podem ser trabalhados em sala de aula ...cartaz...e-mail, blog,
orkut...p.33. O professor é provocado a diversificar e a ampliar seu objeto de ensino. Fica inferido,
pelo contexto, que é capacitado (sabe) para usar os equipamentos enviados às escolas pelo governo
estadual (TV multimídia, computadores, pen-drives, internet etc). É manipulado a provar que pode
dominar a língua e as linguagens. É desafiado a manusear os aparelhos, por meio um trabalho com
os gêneros sincréticos. Desafiado a ser corajoso, ousado, empreendedor e a provar capaz de
explorar outros recursos, códigos e gêneros.
O professor pode solicitar que os alunos transcrevam um trecho de novela...p 32. O professor é
seduzido pelo reconhecimento de que é uma autoridade, aquele que detém o saber e o poder, pois
só irá pedir aquilo que já domina cognitivamente.
É importante contemplar, ainda, na formação do leitor... o ato de ler envolve respostas a muitos
textos, em diferentes linguagens...sons, cores, imagens, versos, ritmos, títulos, gestos, vozes...uma leitura
profundada p.36 e 37. Os argumentos de causa e conseqüência provocam o professor a conhecer e
a trabalhar com gêneros diferentes, além dos verbais convencionais.
É importante, também, abrir espaço para as relações discursivas, propostas pelos alunos, como uma
notícia, uma música, um filme...p 41. O professor é envocado a ser dialético, receptivo, amigo e
moderno, caso ele entenda e compartilhe dos gêneros que fazem parte do contexto dos jovens. A
tentação está presente, pois se o professor for altruísta e pensar nos interesses dos alunos, será
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o estudante precisa conhecer e ampliar o uso dos registros socialmente...p 19. A realização
profissional é enfatizada com a presença do léxico estudante e socialmente (lembrando de inclusão
social). Por isso o professor é motivado a querer fazer algo, movido pela premiação da realização
profissional e pessoal (moral e ética). O estudante é o fraco e o excluído e o professor é seduzido
pela pressuposição de ser o herói libertador (o professor é levado a querer dever fazer algo pelo
estudante, do qual é responsável).
a tarefa de ensinar os alunos a expressarem suas idéias com segurança p.32. Manipulação por
tentação (sensação de dever cumprido, satisfação, prêmio da realização profissional), não por
vontade, mas pelo dever moral e ético (vocação).
Assim ele transmite uma imagem ao sujeito professor, construída pelos discursos
que envolvem o sentimento de respeito, aceitação, valorização e companheirismo por parte
dos gestores. Isso motiva, pois cria empatia e cumplicidade entre o enunciador e o seu
enunciatário, o qual é envolvido para se sentir estimulado a trabalhar, obviamente, com a
proposta dos gêneros verbais, não-verbais e sincréticos, cada vez que lê e ouve tais textos.
Considerações finais
No cerne deste estudo, está a preocupação em saber até que ponto as novas
responsabilidades e especificidades, relacionadas ao multiletramento, requeridas do
professor de Língua Portuguesa e emitidas pelos documentos oficiais desde 1988, com o
Currículo Básico até os dias atuais, com a divulgação das Diretrizes Curriculares da
Educação Básica do Paraná (2008), podem influenciar as auto-representações e,
conseqüentemente, as ações docentes desses profissionais.
Referências bibliográficas
ABSTRACT: Dealing with problems on language and identity in discourse studies this
current research analyzes discourse-constructed representations on Brazil in the essay
collection Silviano Santiago’s Intérpretes do Brasil. Since an anthology is a literary genre that
organizes knowledge on Brazil, the distinction between memory (archive) and
interdiscourse are highlighted.
Keywords: essay anthologies, discourse analysis, brazilian identity.
Introdução
Estudar uma antologia nos leva a pensar a respeito dos processos de sentidos
relacionados aos efeitos que uma dada produção cultural produz em termos de autoria,
trabalho intelectual de leitura e circulação por entre instituições e grupos sociais.
Também, mostra-se válido considerar os três processos dos quais fala Orlandi
(2001, p. 9), três momentos inseparáveis, do ponto de vista da significação da linguagem
que se relacionam à produção de antologias: constituição, formulação e circulação dos sentidos.
Neste sentido, as antologias mobilizam justamente esta relação com uma memória que é
convocada para a constituição da coleção, memória que se textualiza na sua formulação da
coleção com suas partes ou volumes estruturados, a partir de um dado modo de circulação
das antologias em nossa sociedade. Conforme Orlandi (200, 151), “os sentidos são como se
constituem, como se formulam e como circulam”
em que se estrutura como uma reunião de compilações de textos originais, postos nos
volumes na íntegra[1], textos esses selecionados por Silviano Santiago, organizador da obra,
o que configura uma espécie de edição de caráter memoralístico-documental a partir da
reunião de onze livros clássicos do pensamento brasileiro.
Além disso, o texto fundador (obra clássica) circula juntamente com uma
interpretação de um ensaísta legitimado, ou seja, temos ao lado da obra de um grande
intérprete um ensaio produzido por professores, pesquisadores, pensadores (os novos
intérpretes), convidados a falar tanto da obra quanto de seu autor, concebido como guia de
leitura.
autor para a emergência da coleção como obra. Destaca-se também o fato de que os
representantes oficiais ocuparem (também) um lugar de intelectuais, como Fernando
Henrique Cardoso e Francisco Weffort, o que se relaciona à perspectiva “iluminista” da
coleção.
arquivo para defender o que está ameaçado- de modo que o próprio acontecimento da
comemoração é também lugar de memória.
Num primeiro momento, em relação à capa da antologia, vale frisar que os três
volumes mantêm o mesmo padrão nas capas (capa dura) com referências ao título da obra,
à editora Nova Aguilar (parte lateral). Na parte interna da antologia, destacam-se a
qualidade do papel (papel bíblia), a presença de textos tais como: ensaios-guia de leitura
assinado por um especialista, dados biográficos do autor, índices onomásticos e a
apresentação na íntegra do texto clássico.
Em sintonia com Orlandi (1990, p. 106), pensando no papel dessas notas oficiais
que procuram significar a antologia, em meio à comemoração dos 500 anos do
Descobrimento do Brasil, “elas são índice de dispersão de sentidos e ao mesmo tempo são
instrumentos de definição”.
SD(6) Os muitos livros que temos e que envolvem, de maneira descritiva, ensaística
ou ficcional, o território chamado Brasil e o povo chamado brasileiro, sempre serviram a
nós de farol (e não de espelho, como quer uma teoria mimética apegada à relação estreita
entre realidade e discurso). Com sua ajuda e facho de luz é que temos caminhado, pois
eles iluminam não só a vasta e multifacetada região em que vivemos, como também a nós,
habitantes de ela somos (p.(XV)
SD(7) Deverão servir como reservatório infinito de luz para a constituição de
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De fato, nos dois breves textos que antecedem o ensaio de Santiago, há referências
à comemoração do quinto centenário do Descobrimento do Brasil atrelado ao patrocínio
da publicação da coleção Intérpretes do Brasil. Além disso, na nota editorial da Nova Aguilar,
Santiago é referido como convidado para o projeto, convite esse que partira de Luiz Felipe
Lampreia, o embaixador Lauro Barbosa Moreira e o secretário Tarcísio Costa.
Ainda que o autor atualize uma memória de comemoração, esse não materializa
qualquer comentário em seu ensaio introdutório a respeito da relação da publicação com as
esferas oficiais de comemoração do que eles chamavam à época do V Centenário do Brasil.
O que o autor parece destacar diz respeito a uma representação de antologia como
reservatório de luz, a partir da imagem de um leitor que é estudante, pesquisador ou
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estudioso, para o qual a antologia servirá como luz para uma melhor avaliação do país,
sentido que ressoa em diferentes espaços do ensaio introdutório.
SD(9) os onze livros não vão colocar o Brasil como algo já sabido, mas como um
problema que não se deslinda, como incógnita que atordoa, apesar do esforço inédito
de apreensão de seu evoluir histórico. Brasil, o nosso claro enigma (p. XLVIII)
Dessa maneira, se é preciso luz para iluminar, tem-se por conseqüência uma
imagem de país-enigma cujo desafio da compreensão, da apreensão e da resolução está
relacionado à reflexão sobre os dilemas brasileiros. Neste sentido o Brasil é representado
como incógnita para o qual deva haver um esforço do pensamento brasileiro em desvendar
esse enigma e torná-lo compreensível e explicável.
3 – Olhar final
Com efeito, Intérpretes do Brasil constrói-se como conjunto de textos idealizado pelo
Estado, como forma de conservação da memória, marcado pela reunião de textos clássicos
na íntegra e não na perspectiva dos fragmentos. Contudo, se há essa necessidade de
permitir ao leitor um acesso à completude de obras clássicas, em termos de interdiscurso, a
memória mobilizada no acontecimento da antologia representa-se a partir de lacunas, de
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buracos, tendo em vista uma representação de Brasil que é claro enigma, para o qual faltam
tantas respostas e certezas.
4 – Referências Bilbiográficas
[1] Vale aqui destacar as obras clássicas que compõem a antologia, seguida, por sua vez, de um
ensaio interpretativo: O Abolicionismo, de Joaquim Nabuco, Os Sertões, de Euclides da Cunha, América
Latina, de Manuel Bomfim, Populações Meridionais do Brasil, de Oliveira Vianna e Vida e morte do
bandeirante, de Alcântara Machado. Já no segundo volume, destaca a interpretação de Retrato do Brasil
(Paulo Prado) Vidas Secas (Graciliano Ramos) e a tríade Casa grande e senzala, Sobrados e Mucambos e
Ordem e progresso (Gilberto Freyre) e por fim, no terceiro volume, Raízes do Brasil (Sérgio Buarque de
Holanda), Formação do Brasil contemporâneo (Caio Prado) e A revolução burguesa no Brasil (Florestan
Fernandes).
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RESUMO
Este trabalho propõe refletir o fenômeno da violência escolar, entendendo que a violência
é uma situação cotidiana a partir de uma dimensão sociocultural trazendo
estudos/conceitos de diferentes autores. Procurou mostrar que as diferentes formas de
violência estão imbricadas nos contextos simbólicos e culturais, que a autoridade e o saber
dos professores que são impostos aos alunos, reproduzindo nessas relações interpessoais,
violências. Gerando a violência simbólica que se manifesta nas mais diferentes formas no
interior da escola, comprometendo a sua função social.
Palavras chave: cultura, escola e violência.
ABSTRACT
This paper proposes refletiro phenomenon of school violence, understanding that violence
is an everyday situation from a sociocultural dimension bringing studies/concepts of
different authors . Sought to show that the different forms of violence are woven in the
symbolic and cultural contexts, that the authority and knowledge of teachers that are
imposed on students, reproducing violence in interpersonal relationships. Generating the
symbolic violence that manifests itself in many different ways within the school,
undermining the social function.
Keywords: culture, scholl and violence.
Introdução
Os primeiros estudos sobre a violência escolar datam da década de 1950 , nos EUA.
A princípio esse tipo de fenômeno na escola era percebido como uma simples questão de
indisciplina dos alunos. Mais tarde, com a proliferação nos bairros mais pobres, onde existia
a presença das gangues, passou a ser analisada como manifestação de delinqüência juvenil, ou
seja, da expressão de um comportamento anti-social juvenil.
Após realizar uma grande pesquisa sobre a temática Debardieux (1999), identificou
três tipos de violência escolar: a penal, os crimes e delitos, as incivilidades, conflitos
interpessoais e o sentimento de insegurança. Na atualidade para o estudioso, embora exista uma
correlação entre violência escolar e exclusão social, houve um aumento de atos de agressão
de alunos contra professores. Fato observado também por Blaya (2001), para ela nos
últimos anos, verificou-se um aumento da violência “chamada de oposição”, aquela
praticada contra instituições, que representam para os alunos, o abuso gerado pela dinâmica
social e pela globalização.
Um estudo realizado pela Unesco (2003 e 2004), com 13 mil estudantes de 110
escolas públicas de Belém, Salvador, Porto Alegre, Distrito Federal e São Paulo, onde
também foram ouvidos 1.768 professores, funcionários e diretores, revela que, as escolas
não apenas refletem a violência que acontece fora delas, mas também produzem violência.
insultados por causa da cor da pele, percentual que cai para 6% entre estudantes brancos.
Alguns fatores como: pobreza, desemprego, política e aumento do narcotráfico,
contribuem para o fortalecimento da violência. Para entendermos melhor a questão
apresentaremos a seguir alguns aspectos que envolvem a questão da violência na escola.
A violência é uma situação cotidiana e não excepcional, mas um fato diário na vida
da população, principalmente nos grandes centros urbanos. A que ocorre nas escolas pode
ser vista como uma conseqüência dos atos ocorridos na sociedade ou em casa e traz várias
implicações para ambos, professores e alunos. Ocasionando comportamentos anti-sociais,
distúrbios de aprendizagem e até problemas de saúde, como a depressão e as fobias.
partilhada que, tendo uma visão prática, concorre para a construção de uma realidade
comum a um conjunto social. Estas possuem características fundamentais: é sempre uma
simbolização de um objeto, possui uma característica de imagem, é um atributo de poder
(que pode interferir na percepção e no conceito em questão) e remete a um significante
(Jodelet,1989). Enfim, é um modo de conhecimento prático do cotidiano, e refere-se à
construção dos saberes sociais.
A Teoria das Representações Sociais (TRS) foi criada por Moscovici (1978) e de
acordo com o autor, estas possuem uma estrutura e é formada por dois processos: o da
ancoragem e o da objetivação. A ancoragem dá suporte ao objeto social. Ancorar é trazer
para imagens e categorias conhecidas o que ainda não está classificado, nem rotulado. Já a
objetivação reproduz um conceito em uma imagem; refere-se à descoberta da qualidade
icônica de uma idéia. Em outras palavras, a objetivação é um processo de concretização
para a realidade. A imagem torna-se concreta, física.
Essas diferenças, podem levar alunos dos segmentos populares ao abandono dos
estudos (Abramoway, 2002) e a episódios de violência escolar. As representações que
muitos docentes tem dos discentes dos segmentos populares como inapropriados para o
Campo Educacional, (a não ser que efetivamente reconfigurem seu habitus), são percebidas
por alunos como desprezo e preconceito podendo gerar fracasso escolar, desinteresse e
atitudes de rebeldia e agressividade.
ou por não se adaptarem aos códigos impostos pela instituição escolar, já que na quase
totalidade, a autoridade e o saber dos professores são impostos aos alunos, legitimados
pelas Representações Sociais desse mesmo saber e autoridade .
Considerações Finais
Para a análise que seguem partimos do princípio que o fenômeno da violência tem
forte relação com as questões sociais que vão desaguar em ambientes hierarquizados e
disciplinadores como as escolas, acabando por exacerbar a autoridade-autoritária do
professor pelo fato de que as Reprsentações Sociais de muitos educadores, sobre a cultura
do Campo Educacional como a mais correta, além de desencadear uma atitude de
desprezo, por qualquer outro tipo de prática social diferente da sua, vai eleger que alunos
serão excluídos, contribuindo para a violência escolar.
Referências
Resumo: O objetivo desse trabalho é apresentar uma abordagem sobre questões referentes
à identidade dos afro-americanos e sobre algumas noções sobre o conceito de negritude
veiculada em The Bluest Eye (1970), de Toni Morrison. Um dos interesses nesta análise é
a de perceber como a opressão é exercida sobre uma comunidade negra estabelecida no
norte dos E.U.A. As questões de negritude e identidade afro-americanas estão estabelecidas
no romance através da voz da narradora que constrói um ponto de vista crítico sobre a
sociedade norte-americana, no início dos anos 40.
Palavras-chave: Negritude, Testemunho, Ficção Afro-Americana, Crítica Social.
Abstract: This paper highlights some questions concerning Afro-American identity as well
as some notions about the concept of blackness conveyed in Toni Morrison’s The Bluest Eye
(1970). One of the interests in this analysis is to investigate the way oppression is imposed
on a black community, established in the north of the US. Both blackness and Afro-
American identity are represented in the novel through the voice of the narrator who
builds a critical point of view about the North-American society in the early 40´s. The
criticism is established through the voice of the narrator and through the representation of
the main character.
Key-words: Blackness, Testimony, Afro-American fiction, Social criticism.
Introdução
A emergência de uma nova realidade instiga uma série de reflexões sobre o papel
do sujeito, seu processo de identificação e criação estética, suas representações e coloca
sobre o sujeito moderno a necessidade de rever seus paradigmas e os limites existentes
entre a ciência (filosofia) e a arte.
de novas percepções, que são mais rápidas e móveis (ou até voláteis), e que, sendo assim,
modificam o modo como olhamos o mundo a nossa volta, ou seja, modificam nossa
percepção da realidade, instiga o reconhecimento de que a realidade do mundo se constitui,
primeiramente, como um contexto/lugar de múltiplas fabulações da cultura. Nesse
contexto, tornou-se necessário centrar as reflexões no sujeito e considerar a reflexão sob o
paradigma do questionamento, porque a reflexão é articulada por um indivíduo que ilustra
em seus discursos uma fragmentação identitária e, um conhecimento que também é
fragmento. Surge dessa condição a necessidade de narrar, contar histórias. Paul Ricouer
(1985, p.432) afirma que a “identidade não poderia ter outra forma do que a narrativa, pois
é através da narrativa que o indivíduo (s) se define(m)”. Dessa forma, de acordo com esse
autor, uma coletividade ou um indivíduo se definiria, portanto, através de histórias que ela
narra a si mesma sobre si mesma e, destas narrativas, poder-se-ia extrair a própria essência
da definição implícita na qual esta coletividade se encontra. Portanto, a construção da
identidade é indissociável da narrativa e conseqüentemente da literatura. Nesse contexto,
surgem questões pertinentes: como um sujeito que é fragmento pode narrar a si mesmo?
Como dar conta dessa narrativa, visto que as categorias de análise e interpretação já não são
suficientes e os paradigmas são outros?
A história em The Bluest Eye é ambientada em Lorain, Ohio, norte dos EUA de fins
dos anos 40. O romance apresenta cenas do quotidiano de duas famílias de afro-
americanos, apresentando seu presente e seu passado, através da voz da narradora-
personagem Claudia.
Parece que essas referências têm uma funcionalidade: a de produzir nos leitores a
sensação de estar em contato com episódios que realmente ocorreram e foram vivenciados
por personagens reais, em lugares conhecidos e num tempo histórico meticulosamente
demarcado. Observa-se, nesse sentido, uma freqüente necessidade de registrar fatos e
lembranças relacionadas à passagem temporal e ao espaço modificado. Sobre esse espaço
social e a realidade imposta aos negros, a narradora comenta:
Há uma diferença entre ser posto para fora e ser posto na rua. Se a
pessoa é posta para fora, vai para outro lugar; se fica na rua, não tem para
onde ir. A distinção é sutil, mas definitiva. Estar na rua era o fim de
alguma coisa, um fato físico, irrevogável, definindo e complementando
nossa condição metafísica. Sendo uma minoria, tanto em casta quanto
em classe, nos movíamos nas bainhas da vida, lutando para consolidar
nossa fraqueza e nos agüentar, ou para rastejar, cada um por si, até as
dobras maiores do vestuário. Nossa existência periférica, porém, era coisa
com que tínhamos aprendido a lidar - provavelmente porque era abstrata.
(p.21, 22 )
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De acordo com a crítica Toni Morrison foi um caso singular de escritor em que a
qualidade literária marcou indelevelmente o panorama da ficção afro-americana
contemporânea. Gina Wisker pontua a respeito de Morrison,
De acordo com Hacker (1995, p.3), a questão de “raça” (etnia) tem sido uma
obsessão americana desde que os primeiros Europeus chegaram ao continente americano
e avistaram aqueles que eles chamaram de selvagens. Os habitantes da América – nativos
do continente – foram dominados ou, por outro lado, massacrados pelos brancos europeus.
Com o passar do tempo a questão de racismo se acentuou e se tornou objeto de muita
perturbação.
Andrew Hacker (1995, p. 19) usa o termo unobtrusive para designar a condição do
negro em solo norte-americano. Os negros representavam uma grande força motriz,
atuavam como classe trabalhadora, mesmo em seus primórdios na condição de escravos, no
entanto, eram, e continuam sendo considerados, em certo sentido, pelo menos até 1963,
anônimos, invisíveis, embora cidadãos americanos.
A história do negro no contexto americano foi muito penosa e sofrida, foi uma
história de luta, mesmo que silenciosa, que foi capaz de vencer a própria impossibilidade de
ter voz. O termo Black usado por muitos era a denominação branca para definir os negros,
e ela estava imbuída de preconceitos e de uma total falta de aceitação do outro.
The Bluest Eye é a história de Pecola, mas poderia ser a história de muitas
crianças negras nos EUA. O romance aponta de maneira crítica a vontade de Pecola de ter
os olhos azuis como os de Shirley Temple, pois no seu imaginário, contaminado pela
ideologia dominante, o belo é a brancura. Pecola quer ser bonita, para ser notada pelas
pessoas e para que seu mundo se transforme. O drama da menina de Morrison é, na
verdade, a expressão maior da dificuldade de se atingir a individualidade e o senso pleno de
humanidade em uma sociedade reificada e manipuladora. A representação de um universo
negro e o olhar crítico lançado sobre a sociedade que, ao mesmo tempo, o incorpora e o
exclui é uma característica marcante da literatura afro-americana e uma de suas forças.
Zilá Bernd (1987, p.24-27) relaciona a idéia de negritude diretamente com a literatura.
A negritude para a autora merecerá um recorte literário, ao invés de filosófico ou
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Como definição, a palavra negritude, aparece pela primeira vez em 1975. Bernd
comenta que essa palavra é um neologismo formado a partir do latim. Por definição
negritude significa (1) estado ou condição das pessoas de raça negra, (2) ideologia
característica da fase de conscientização, pelos povos negros africanos, da opressão
colonialista, a qual busca reencontrar a subjetividade negra, observada objetivamente na
fase pré-colonial e perdida pela dominação da cultural ocidental.
Já fazia certo tempo que Pecola tinha percebido que se os seus olhos, os
olhos que viam as pinturas e conheciam os lugares – se esses olhos seus
fossem diferentes, isto é, bonitos, ela mesma seria também diferente. Seus
dentes eram bons, e seu nariz não tão grande e chato quanto o das que
eram consideradas muito engraçadinhas. Se ela fosse bonita, talvez Cholly
(seu pai) ficasse diferente, e até a Srª Breedlove (sua mãe). Talvez eles
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Considerações finais
BIBLIOGRAFIA
[1] Toni Morrison is far too talented to remain only a marvelous recorder of the black side of
provincial life …she might easily transcend that early and unintentionally limiting classification
blackwoman writer and take her place among the most serious, important and talented American
novelists. As versões do original em inglês são de minha inteira responsabilidade, assim como os
equívocos possíveis.
[2] Ibidem, p. 27
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Resumo
Este artigo apresenta uma reflexão sobre o cinema, a partir do foco do espectador.
O objetivo é avaliar o cinema como um ato de leitura no momento em que é assimilado
pelo público. Para tanto, optou-se como aporte teórico algumas considerações da Estética
da Recepção. Dentro desse campo, o estudo da estética da recepção se revela válido,
viabilizando assim uma melhor compreensão do papel desempenhado pelo espectador na
obra cinematográfica.
Palavras chave: estética da recepção, cinema, leitor / espectador.
Abstract:
This article presents a reflection about the cinema, from the focus of the viewer.
The objective is to evaluate the cinema as an act of reading when it is assimilated by the
public. So that, it was chosen as a theoretical support some considerations of the
Aesthetics of Reception. Inside this field, the study of aesthetics of reception reveals valid,
enabling so a better understanding of the role of spectator in the cinematographic work.
Keywords: aesthetics of reception, cinema, reader / viewer.
Com sua afirmação de que a unidade do texto não se encontra na origem, mas em
sua destinação, Barthes também defendeu o leitor e o crítico como criadores, junto com o
autor, do sentido do texto.
Na cena do texto não há ribalta: não existe por trás do texto ninguém ativo ( o
escritor) e diante dele ninguém passivo ( o leitor), não há um sujeito e um objeto. O texto
prescreve as atitudes gramaticais: é o olho indiferenciado de que fala um autor excessivo
(Ângelus Silesius) “O olho por onde eu vejo Deus é o mesmo olho por onde ele me vê”.
(BARTHES, 2006 p.23)
Nesse mesmo campo perspectivo, pode-se acrescentar que o leitor vê o texto pelo
mesmo prisma que o texto o vê. A leitura é o resultado de uma interação entre o texto e o
leitor; onde o leitor lança um olhar crítico sobre o texto sem alterar a mensagem. É um
diálogo em que o texto apresenta sua mensagem, e o leitor lhe atribui significação a partir
do seu grau de conhecimento. Trata-se de um processo de construção de significados em o
que o leitor recebe a informação e estabelece conexões entre o que diz o texto e seus
conhecimentos prévios sobre a temática, o estilo, entre outros.
Constata-se assim que o leitor tem um repertório prévio que vai lhe possibilitar ou
não o encontro com o livro e leitura, pois como destaca DEBUS:
O leitor não é um sujeito a - histórico, ele esta inserido num contexto social e
possui uma bagagem de conhecimento definido. Portanto não é um sujeito neutro,
desprovido de conhecimento, nem por isso um conhecedor da totalidade; a produção
artística aproveita-se do conhecido para ensinar-lhe o desconhecido. (DEBUS, 2004p. 107)
Hans Robert Jauss propõe uma historia da arte fundada em princípios que incluem
a perspectiva do sujeito produtor, a do consumidor e sua interação mútua. Pois esse
enfoque deixa de centrar-se somente no texto ou no autor, e passa a preocupar-se também
no consumidor da mensagem, o leitor. Essa perspectiva coloca o sujeito produtor
(destinador) interagindo com o consumidor (receptor). Diante disso, a arte obedece a uma
função dialética: formadora e modificadora de percepção. (ZILBERMAN, 1989, p.32).
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Se aceito julgar um texto segundo o prazer, não posso ser levado a dizer:
este é bom, aquele é mau. Não há quadro de honra, não há critica, pois
esta implica sempre um objetivo tático, um uso social e muitas vezes uma
cobertura imaginária. Não posso dosar, imaginar que o texto seja
perfectível, que esta pronto a entrar num jogo de predicados normativos:
é demasiado isto, não é bastante aquilo, o texto só pode me arrancar este
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juízo, de modo algum adjetivo: é isso! E mais ainda: é isso para mim!
(BARTHES, 2004 p.19-20)
O leitor nunca faz uso de uma mesma técnica para ler um texto, pois o que importa
quando ele o explora é a liberdade dos seus desejos. O texto toma vida a partir do
momento em que o leitor o lê. Barthes defende:
Um texto pode criar um espaço de prazer e criar caminhos para a arte do diálogo,
no qual o desejo é o ponto de partida para que o leitor desfrute do que lhe é oferecido pelo
autor. O autor não pode prever, ele não pode querer escrever o que não se lerá. No entanto
é o próprio ritmo daquilo que se lê e do que não se lê que produz o prazer dos grandes
relatos. Quanto mais o texto economiza, mais o leitor dispende, quanto mais vazios no
texto, mais o leitor deve preenchê-los. O autor está morto, é o leitor que dá sentido a obra.
Através de uma leitura constante que o texto atinge a imortalidade. Porém, para que
autor e leitor co-existam nessa jornada através do texto, esta tem de estar repleta de
emoções, pois a sua falta afasta, automaticamente, o leitor do seu livro.
Pode-se considerar como texto, tudo aquilo que pode ser lido, por possuir em si
uma informação. Sendo assim, observam-se como textos possíveis de serem lidos; os sons,
as imagens, as palavras, expressões corporais e as realidades sociais, e em conseqüência
disso, o cinema. Para o interesse do presente artigo, trata-se o cinema, o filme, como um
texto que se apresenta para ser lido e interpretado.
Cinema e recepção
O leitor compreende a obra dentro dos limites do seu momento, inserido em seu
contexto sócio cultural. É o que normalmente ocorre no cinema nacional.
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Assim ao analisar a experiência estética na qual está inserido o público leitor, busca
se evidenciar a partir da recepção, reconstruir seu horizonte de expectativas e reconhecer a
relevância dessa produção.
O que ocorre na teoria da recepção é que a linguagem não cobra significação até ao
momento em que é lida. No cinema, também, as imagens, ao serem recebidas, geram
significados.
A linguagem da mente, com suas imagens oníricas, seus objetos alegóricos, seus
roteiros de desejo, suas lembranças congeladas e assim por diante, encontra ressonância na
linguagem do cinema. No cinema objetos, gestos, olhares, mise-em-scéne, iluminação,
enquadramento, e todos os acessórios do aparato fílmico se materializam numa espécie de
linguagem antes ou mesmo para além das palavras. (MULVEY, 1996 p.24-25)
Jean Claude Bernardet (1967, p.16) considera que essa experiência, esse diálogo do
público com um cinema que o expresse, é fundamental para a constituição de qualquer
cinematografia, pois um filme não é somente o trabalho do autor e sua equipe, é também
aquilo que dele vai assimilar o espectador, e como vai assimilar. Como arte, o filme precisa
ser assistido, e, para tanto, faz-se fundamental a existência do espectador.
Considerações finais
O texto toma vida a partir do momento em que o leitor o lê, portanto, o sentido do
filme só se realiza no ato da sua recepção. Essa leitura audiovisual adquire características
importantes, uma vez que vivemos em um mundo no qual a importância das imagens
ganha cada vez mais força.
Um texto pode criar um espaço de prazer e criar caminhos para a arte do diálogo,
no qual o desejo é o ponto de partida para que o leitor desfrute do que lhe é oferecido pelo
autor.
Sabe-se que para uma análise entre o cinema e o diálogo com o público leitor
centrada na estética da recepção é necessária uma pesquisa mais aprofundada, no entanto
este não era o objetivo do presente artigo. Mas acreditamos que isso seja possível a partir
da coleta de depoimento/informações que podem ser oriundas de comentários de
espectadores e viabilizada através de sites da internet. A existência de comentários são
exemplos da presença de manifestação de leitura de filmes, e fornecem informações sobre a
recepção da obra e apresentam reflexões sobre as reações dos espectadores, verificando até
que ponto houve influência na formação do pensamento dos mesmos.
Referências Bibliográficas
BARTHES, Roland. O prazer do texto. Traduzido por: J. Guinsburg. 4. ed. São Paulo:
Perspectiva, 2006.
BENJAMIN, Walter. Estéticas do cinema. Traduzido por: Tereza Coelho. Lisboa: Dom
Quixote, 1985.
BERNARDET, Jean Claude. Brasil em tempo de cinema: ensaio sobre o cinema
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Resumo
Este artigo discute a maneira como a teoria dos gêneros do discurso tem sido
interpretada nas elaborações didáticas na disciplina de língua portuguesa (LP), mais
precisamente nas aulas centradas nas produções de textos escritos. A fundamentação
teórico-medotodológica insere-se na teoria dialógica da linguagem do Círculo de Bakhtin. Os
dados de pesquisa são compostos por produções textuais escritas (gênero anúncio
classificado) de estudantes de 7ª série do EF e também de observações dos procedimentos
didáticos na condução das atividades de linguagem. Os resultados de pesquisa mostram que
ainda persistem, no ambiente escolar, práticas embasadas em uma perspectiva de redação
escolarizada em contraposição à noção de produção textual proposta pelos PCN’s, que
aponta os gêneros do discurso como objeto de ensino das práticas de linguagem.
Palavras-chave: Gêneros do discurso; Prática de produção textual; Gênero anúncio
classificado.
Abstract
The article discusses the way the theory of speech genres has been taken into account in
the didactic elaborations of written textual production within Portuguese Language (LP),
conceived as a school subject. The theoretical-methodological basis inserts itself in the
dialogical theory of language of Bakhtin Circle. The research data is composed by written
texts (classified ad genre) produced by students of the 7th. year of fundamental school, as
well as by notes on the didactic procedures concerning the guidance of the language
activities. The results show that it is still noticeable, in the school environment, the
persistance of practices based on a perspective of school written composition, in opposition to
the notion of textual production, suggested by the PCN’s, which point out the speech
genres as an effective didactic-methodological object in the author-subject construction of
its saying.
Keywords: Speech genres; Textual production practice; Classified ad genre.
Introdução
Salienta-se que esta pesquisa não pretende ser totalizante no sentido de apresentar a
realidade do ensino de produção textual, contudo pode apresentar indícios das concepções
de produção textual (e de gêneros do discurso) inseridas no espaço escolar, como também
refletir sobre a elaboração didática dos gêneros no âmbito escolar.
Entretanto, como dito anteriormente, esta virada ainda não é uma realidade na
concepção de linguagem postulada pela escola, menos ainda nas práticas de produção
textual. De acordo com Britto (2002), uma situação bem comum na produção textual
observada em aulas de LP constitui-se em:
Dentro dessa discussão, Geraldi (1993) estabelece uma dicotomia entre produção
textual e o ensino de redação. Segundo o autor, ao trabalhar com redação os textos são
produzidos para a escola; já na perspectiva da produção textual produzem-se textos na
escola. Em qualquer modalidade, para se produzir um texto é necessário que: se tenha o
que dizer, se tenha uma razão para dizer, se tenha um interlocutor desse dizer. Na produção
de textos, mesmo em uma simples conversa cotidiana, o projeto discursivo se apresenta, ou
seja, o interlocutor tem algo a dizer, tem um discurso a materializar, enquanto que na
redação o projeto discursivo inexiste. Dessa maneira, percebe-se nas redações muita escrita
e pouco texto (pouco discurso), pois o projeto discursivo não está claro para o estudante
(GERALDI, 1993).
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Para Rodrigues (1999, p. 99), “o ensino de produção textual, centrado em uma tipologia
textual formal (narração, descrição, dissertação) aponta para a falta de uma prática de aprendizagem
centrada nos processos discursivos”. A partir desse panorama teórico-metodológico surge a
proposta teórica enunciativista quês aponta os gêneros do discurso como objeto de ensino
nas práticas de linguagem na disciplina de LP. Não mais o texto enquanto estrutura
tipológica, mas o gênero na perspectiva sócio-discursiva, despontando como um aporte
produtivo e significativo para o trabalho com ralação às práticas de linguagem. Algumas
pesquisas já têm se desenvolvido, em LA, dentro dessa perspectiva; algumas delas
privilegiam as relações discursivas na produção de texto Rossi (2002), Rojo (1996); outros
trabalhos propõem a elaboração didática de alguns gêneros Haeser (2005), Bussarelo
(2005), enfim abre-se um caminho novo e de grande potencial heurístico para novas
abordagens de ensino de língua, sobretudo, da prática de produção textual escrita.
De acordo com Bakhtin (2003), a diversidade dos gêneros é infinita porque são
inesgotáveis as possibilidades das atividades humanas e cada esfera comporta um repertório
de gêneros do discurso que vai se diferenciando e se ampliando à medida que a própria
esfera se desenvolve e torna-se mais complexa. Ao estabelecer a noção de gênero, o autor
apresenta uma “classificação” dos gêneros como: primários e secundários. Os gêneros
primários são aqueles ligados às esferas cotidianas de interação, podendo, muitas vezes,
transformar-se e assumir estatuto de gênero secundário, tendo em vista a dinamicidade e
plasticidade inerente aos gêneros. Já os gêneros secundários, segundo Bakhtin, “surgem nas
condições de um convívio cultural mais complexo e relativamente desenvolvido e organizado
(predominantemente escrito) [...]” (BAKHTIN, 2003, p. 263) e, por sua vez, demandam uma
complexidade maior, sendo exemplos, o romance, os gêneros científicos, jornalísticos, entre
outros.
Já com relação ao surgimento de novos gêneros, pode-se dizer que esse processo se
dá a partir das demandas sociais, pois um gênero surge ou desaparece em função das
condições sócio-discursivas. Nessa mesma perspectiva, Geraldi (2006) propõe que a
emergência de novos gêneros está associada às atividades sociais, e que, quanto mais
complexa é uma sociedade, mais complexos e em maior número são os gêneros nela
construídos.
Buscou-se, nesta pesquisa, apreender a forma como a teoria dos gêneros do discurso
tem sido apreendida nas aulas de LP. Assim, como dito antes, este estudo tem como
fundamentação teórico-medotodológica a teoria dialógica da linguagem do Círculo de Bakhtin.
Sobre a observação das interações pedagógicas, observou-se que a maioria das aulas
foram dedicadas a exercícios estruturais de gramática. Em uma dessas ocasiões, a
professora iniciou a aula a partir de correção de exercício estrutural de colocação
pronominal em orações isoladas, solicitou aos alunos que lessem e dissessem a posição do
pronome em relação ao verbo e justificassem o uso. Na sequência, a professora disse ao
grupo que iriam trabalhar produção textual e solicitou-lhes que abrissem o livro didático
(LD). Iniciou-se a leitura do tópico de proposta de produção textual (alguns alunos leram
para o grupo). A condução da proposta levou em torno de dez minutos. O que ficou
saliente na prática da professora é que a leitura indicada pelo LD serviu de alimentação
temática para a proposta que viria a seguir: “Você e a favor do Clone? Com base nos textos lidos
escreva um texto dissertativo”. A professora solicitou aos estudantes que fizessem um rascunho
no caderno e depois “passassem a limpo”.
do grupo, alguns perguntavam aos colegas: “- e pra fazer de acordo com o livro ou o que a gente
pensa.” Resposta: “- os dois; pega o modelo do livro.” 2. a presença de perguntas recorrentes em
aulas de LP: “Vale nota professora? E pra entregar nesta aula? Como começo? Pode mudar o título?
Tais questionamentos dos estudantes revelam uma perspectiva de texto perpetuada pela
escola: a) escrita de texto com objetivo de correção de erros gramaticais; b) o que os
estudantes têm a dizer é irrelevante; c) tem-se um modelo a seguir. A aula de produção
textual ocorreu em pouco mais de 30 minutos; não houve discussão por parte dos alunos.
Ao questionar os estudantes sobre a frequência com que escrevem textos, foi relatado à
pesquisadora que as produções escritas são bem escassas em relação aos conteúdos
gramaticais. Ou seja, não e uma prática priorizada.
para apropriação do gênero, que se façam várias leituras do gênero proposto. Enfim, que
seja viabilizado ao grupo de alunos um contato mais efetivo com o gênero, uma vez que a
leitura de um modelo a seguir em nada ajudara o estudante no momento da compreender
o funcionamento discursivo do gênero. E ainda mais se tratando de classificados, pois não
há maiores dificuldades de acesso, principalmente, em um colégio da rede particular que
possui laboratório de informática com acesso à Internet. Nesse contexto, o grupo poderia
ler anúncios classificados de jornais virtuais, dessa forma, alem de perceber a circulação do
gênero em um outro suporte midiático (digital), a tecnologia poderia ser utilizada nas aulas
de LP de forma interativa.
O texto 2, por sua vez, revela uma aproximação mediana com o gênero trabalhado,
pois ao analisar os aspectos discursivos, percebe-se a inserção das informações necessárias
para que se cumpra o propósito discursivo do gênero, ou seja, o produto a ser vendido
(celular) é apresentado de maneira destacada, bem como o preço e contato da pessoa que
vende o produto. Porém, já com relação ao aspecto composicional, o texto está distante das
características típicas desse gênero; tanto o desenho de uma flor quanto o excesso de cores
não trazem ao leitor a impressão de estar lendo um anúncio classificado. O estudante
percebeu as características oriundas do horizonte temático, entretanto, “escapou-lhe” a
percepção do aspecto composicional.
Análise do texto 3
Por fim, com relação ao texto 3, a primeira questão a ser pontuada é a enorme
distância entre um anúncio classificado de real circulação e o texto produzido pelo
estudante no que tange ao aspecto da composição. O estudante tenta retratar através de
desenho a casa que seria alugada; ao desenhá-la, ele pode estar se referindo as fotografias
que alguns anúncios trazem na seção de imóveis, ou até mesmo uma relação com o gênero
propaganda publicitária, mas o que fica perceptível é a que a apresentação visual se mostra
bastante distante de um anúncio classificado. Já na perspectiva do conteúdo temático, o
anúncio se mostra um tanto confuso, pois o objetivo é anunciar uma casa de praia
disponível para ser alugada, porém, após caracterização da casa, propõe o serviço de quarto
e restaurante, ou seja, características de um hotel e não de uma casa de praia a ser alugada.
Isso mostra que o estudante, ao produzir seu texto, não conhece o funcionamento
discursivo do gênero e que lhe falta uma leitura mais aprofundada do mesmo, não tendo
claro o que de fato quer anunciar e qual o repertório linguístico necessário para fazê-lo. Na
produção textual, observa-se que não se tem claro o objetivo discursivo, o que nos leva a
pensar que se talvez a proposta partisse de uma situação real como, por exemplo, anexar no
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mural do colégio anúncios dos estudantes, em que eles pudessem anunciar objetos que
quisessem trocar, vender, comprar (álbuns de figuras, Cd’s, livros, revistas, etc.), os
estudantes teriam um objetivo discursivo definido e, dessa maneira, poderiam, de fato,
interagir a partir desse gênero.
Considerações finais
A teoria dos gêneros do discurso tem sido apontada como uma área fértil em
pesquisas de LA, entretanto, ainda há lacunas entre as pesquisas publicadas (e discutidas)
em espaços acadêmico-científicos e as concepções didático-pedagógicas que circulam na
escola. O objetivo desta pesquisa foi justamente pinçar alguns indícios que apontem para a
percepção que se tem, no âmbito escolar, sobre o trabalho com os gêneros do discurso.
A partir dessa análise, percebeu-se que, não raras vezes, a teoria dos gêneros do
discurso tem sido interpretada (e, por isso, didatizada) novamente como uma categoria de
textos, priorizando aspectos formais e estruturais do texto em detrimento aos aspectos
interacionais e discursivos imbricados na concepção de gênero. Nesse sentido, o trabalho
com o gênero na escola ainda não extrapolou a dimensão estrutural, a questão discursiva do
gênero é posta de lado, parece ainda um terreno escorregadio e difícil de ser trilhado pelo
professor de língua materna. E, ainda, conforme a base teórica deste trabalho (teoria dos
gêneros de base bakhtiniana) a noção de gênero só pode ser apreendido dentro de um
arcabouço teórico maior que se constituem de conceitos como: dialogismo, enunciado e
discurso. Para Bakhtin, não há como descolar a teoria dos gêneros da noção de interação
social que se dá por meio das atividades humanas.
Muito ainda há para ser trilhado pela LA no trabalho com gênero, segundo Faraco
(2001) deve-se reconhecer Bakhtin não somente em sua importância histórica, mas,
sobretudo, no poder heurístico de suas idéias. A partir do momento que a teoria dos
gêneros for compreendida em sua essência na esfera escolar e suas elaborações forem
condizentes com a referida teoria, há a possibilidade de práticas didático-pedagógicas mais
frutíferas no campo da linguagem.
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[1] Delimitou-se, nesta pesquisa, a reflexão sobre questões teóricas concernentes à prática de
produção textual, tendo em vista que a análise dos três eixos (leitura, produção textual e análise
linguística) mostra-se demasiado amplo.
[2] Os gêneros escolarizados são criados pela escola (narração, descrição, dissertação) distante dos
gêneros que circulam socialmente, o termo no presente trabalho traz consigo uma crítica a essa
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prática.
[3] Círculo de Bakhtin, de acordo com Rodrigues (2005), é o termo utilizado pelos pesquisadores
para o grupo de intelectuais russos que se reunia regularmente no período de 1919 a 1929, do qual
fizeram parte Bakhtin, Volochínov e Medviédiev e outros. Devido às discussões sobre a autoria de
alguns textos do Círculo que foram publicados por estes dois últimos autores, mas que são
atribuídos a Bakhtin por alguns pesquisadores, muitos optam pela utilização do termo ‘Círculo de
Bakhtin’, ao invés de se referirem a um dos três autores especificamente. Neste estudo, quando nos
referirmos a um dos textos “disputados”, citaremos ambos os autores, pois não é nosso objetivo
discutir a autoria das obras.
[4] Em Rojo (2005), no texto intitulado: “Gêneros do discurso e gêneros textuais: questões teóricas
e aplicadas”, há uma discussão sobre a diferença teórico-metodológica envolvida no uso das
terminologias: teoria de gêneros do discurso ou discursivos e teoria dos gêneros de texto ou
textuais. Para a autora, ambas as leituras estão ancoradas em diferentes leituras bakhtinianas, mas a
distinção está no fato de que a primeira centra seu estudo nas situações de produção dos
enunciados ou textos e em seus aspectos sócio-históricos, e, a segunda, na descrição da
materialidade do texto.
[5] Blog pode ser traduzido por diário na rede. Sobre esse assunto ver: Komesu (2005).
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Resumo
Fruto de experiência realizada numa Escola Técnica Federal, o presente artigo,
através da temática da medicalização, propõe uma discussão acerca do diálogo possível
entre as disciplinas da base comum e técnicas, contribuindo assim para efetivação de um
currículo integrado. A articulação entre os conhecimentos históricos e farmacológicos
resultou em debates que primaram pela desnaturalização da medicalização, compreendendo
este processo no seio do século XXI em uma sociedade voltada para o consumo.
Palavras- Chave: Ensino de História; Educação Técnica; Medicalização
Resumen
El presente artículo, fruto de una experiencia realizada en una Escuela Técnica
Federal, tiene como objetivo traer a la luz una discusión acerca de las posibilidades de
diálogo entre las asignaturas técnicas y de base común. La expectativa del mismo yace en
aportar una contribución para hacer efectivo un currículo integrado. El vínculo entre los
conocimientos históricos y farmacológicos provocó debates a favor de la desnaturalización
de la medicalización, fenómeno éste analizado desde el seno del siglo XXI como parte de
una sociedad volcada hacia el consumo.
Palabras claves: Enseñanza de historia – Educación Técnica – Medicalización.
1 – Considerações iniciais
(...) De certo por isso é que os remédios agora são mudos: os pacientes
não sabem mais o que tomam: mas são coisas lindas, de todas as cores
e feitios, muito ornamentais, como se tivéssemos passado do reino
literário para o das artes plásticas e ingeríssemos pequenos quadros
modernos, com os quais vamos assegurando essa coisa misteriosa que é
a vida.
Cecília Meireles
“Stress e Depressão, só medicalizar resolve? Uma análise sócio-cultural dos males do século XXI”
desenvolvida no atual Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Rio de
Janeiro/ Campus Maracanã. A criação deste projeto de pesquisa teve como foco principal a
XVII Semana de Química da Unidade Escolar, momento em que as dimensões de ensino,
pesquisa e extensão encontram-se completamente imbricadas, proporcionando a toda a
comunidade escolar conhecer o que vem sendo produzido na instituição.
Cabe ressaltar que por ocasião da Semana da Química, evento tradicional da
instituição, a escola recebe um número expressivo de visitantes da comunidade externa.
Visitas guiadas por monitores são organizadas e grupos escolares nos quais alunos e
professores de diversas séries, visitam os projetos desenvolvidos e apresentados pelos
discentes da instituição.
Na virada para o século XXI, esse discurso assumiu novos contornos, sobretudo, se
focalizarmos o mundo do trabalho. Com o advento da Terceira Revolução industrial, a
produção atingiu um ritmo cada vez maior, influenciando diretamente na aceleração da
noção de tempo. É neste contexto que o trabalhador torna-se um indivíduo multifuncional.
A dinâmica exigida do trabalhador coloca-o em uma lógica extremamente pressionadora.
Tal lógica atuando paralelamente com o discurso patologizador estabelece uma relação de
doença entre o trabalhador e seu estado psicológico. Fruto deste paralelismo, o stress e a
depressão emergem como doenças cada vez mais recorrentes.
O uso do medicamento dialoga com a crença de que esta é a solução mais rápida e
eficaz, porém nos casos de stress e depressão, o mais recorrente é que esta atitude apenas
mascare o problema. Em tese controlados, os medicamentos tarja preta consolidam-se no
mercado farmacêutico como sendo a grande solução, porém, estes atuarão como métodos
paliativos, produzindo ações calmantes, estimulantes, antidepressivas, antipsicóticas, dentre
outras, mas não serão capazes de atingir a origem da suposta doença. Observa-se com isto
um sério risco de dependência química e psicológica.
Num mundo marcado pela ênfase no presente, o Ensino de História para jovens
encara novos desafios, exigindo dos professores, uma constante reflexão sobre seus
métodos, práticas e conteúdos por eles selecionados. Porém, a ênfase não deve ser dada
somente a figura do professor, pois este é apenas um dos lados do processo educativo.
Assim, torna-se importante o questionamento acerca de uma juventude que de maneira
geral parece não se interessar pelo passado.
Percebemos com isto que não existe uma separação estanque entre os conteúdos
das disciplinas técnicas e das disciplinas do Ensino Médio, o que de fato persiste é o
preconceito e a dificuldade de superar a barreira de compartimentalização de saberes. Sob
esse prisma, pensar nossas práticas de ensino no cotidiano escolar implica também em
repensar como nós, professores, estamos sendo formados. É somente desconstruindo
nossas dificuldades e preconceitos também em nossa formação, que poderemos abrir
espaço para novas práticas em nosso dia a dia.
A fase de exposição da pesquisa pode ser chamada, então, da quarta etapa, em que
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5 – Considerações finais
Em nossa perspectiva, são experiências como esta que dão sentido ao termo
“História Crítica”. Através delas, os alunos realizam um retorno ao passado,
compreendendo-o como construtor do presente em que vivemos passando a compreender
a tecnologia e a ciência, não como mitos intocáveis, mas como possibilidades de usos para
o bem coletivo.
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6 – Bibliografia
Pricila Gaffuri
Acadêmica do 5° ano do curso de Letras Português/Inglês
Bolsista de Iniciação Científica - CNPQ/UEM
Universidade Estadual de Maringá-PR
Renilson José Menegassi[1]
Prof. Dr. Letras – UEM
Coordenador do Grupo de Pesquisa Interação e Escrita
no Ensino e Aprendizagem (UEM/CNPq)
RESUMO: Ancorado nos pressupostos de Bakhtin e Vygotsky, o artigo tem por objetivo
descrever, analisar e comparar os procedimentos de leitura e as atividades de escrita
utilizadas por um aprendiz de língua inglesa em sala de aula, em contextos de ensino
regular e especializado da região de Maringá-PR. Os resultados demonstram que ambos os
contextos estão centrados no ensino gramatical, embora haja uma pré-disposição para um
trabalho interativo. As atividades de leitura não permitem completamente um diálogo entre
o leitor e o texto; e as atividades de escrita são vistas como meios para a verificação da
aprendizagem de um determinado vocabulário ou de uma determinada estrutura
gramatical.
PALAVRAS-CHAVE: interação; escrita; língua estrangeira.
ABSTRACT: Anchored in Bakhtin´s and Vigotsky´s language theories, this article has the
objective to describe, analyze and compare the reading procedures and the writing activities
used by an English Language apprentice inside the classroom, in contexts of regular and
specialized education, in the region of Maringá – PR. The results show that both contexts
are centered on the grammar teaching, although they have a pre-disposition to an
interactive work. The reading activities do not completely allow a dialogue between the
reader and the text; and the writing activities are seen as a mean to check the learning of a
determined vocabulary or a determined grammar structure.
KEY-WORDS: interaction; writing; foreign language.
1. Considerações iniciais
2. Pressupostos teóricos
De acordo com Garcez (1998, p. 47), a partir de sua leitura do Círculo de Bakhtin,
“a experiência social, as necessidades e as motivações alimentam a aquisição da língua, e a
língua promove uma renovação das experiências, das necessidades e motivações num
circulo infinito”. Dessa forma, Baquero (2001, p. 39), ao fazer uma releitura da obra de
Vygotsky, afirma que a linguagem “está implicada centralmente na reorganização da própria
atividade psicológica”, servindo como um “instrumento para produzir efeitos sobre o meio
social”. Assim, se a linguagem produz efeitos sobre o meio social, logo, ela é considerada
um produto sócio-histórico. Nesse sentido, torna-se necessário considerar, sob essa
perspectiva teórica, que “a verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema
abstrato de formas linguísticas nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo ato
psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação verbal, realizada
através da enunciação ou das enunciações.” (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1992, p.123).
Ao se tratar de interação verbal, fica evidente que a concepção de língua que deve
ser adotada no ensino de língua estrangeira é a interacionista, pois, acredita-se que, ao
considerar o sujeito como um ser ativo, ao possibilitar o diálogo entre o texto, o aluno e o
professor, ao considerar a linguagem como produto social, a preocupação não fica em
apenas levar o aluno ao conhecimento da gramática, mas, sobretudo, “ao desenvolvimento
da capacidade de refletir, de maneira crítica, sobre o mundo que o cerca e, em especial,
sobre a utilização da língua como instrumento de interação social” (CAZARIN, 1995, p.
05-06). Com isso, torna-se necessário levar em consideração os pressupostos linguísticos-
filosóficos do Círculo de Bakhtin para com a palavra. Para ele, a palavra deve ser
considerada em situações específicas de uso, pois “falamos por enunciados e não por
orações isoladas e, evidentemente não por palavras isoladas” (BAKHTIN, 2003, p. 283).
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Para Vygotsky (2003), a boa aprendizagem é caracterizada como aquela que precede
o desenvolvimento e permite a sua reprodução. Para que o desenvolvimento ocorra, é
preciso que haja um tempo de sedimentação, isto é, um tempo para que o que antes era
realizado com um auxílio, um mediador, se torne algo autônomo. Assim, esse tempo de
sedimentação é necessário para que o aluno internalize o conhecimento e atinja a meta-
consciência, ou seja, quanto mais o aluno tiver a compreensão das palavras dos outros, mais
elas vão se tornando suas palavras (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1992). Contudo, muitas
vezes, em situações de ensino em LE, esse tempo de sedimentação não ocorre, já que o
aluno precisa utilizar a estrutura gramatical aprendida e o vocabulário da lição
imediatamente depois que aprendeu, sem que esses conteúdos tenham sido acomodados
sócio-cognitivamente no aluno. Uma das formas do professor avaliar se o aluno adquiriu
ou não certa estrutura gramatical é por meio das compositions[2], as quais são avaliadas,
muitas vezes, não pelo seu conteúdo, mas, sim, se o aluno utilizou ou não o que foi
aprendido em sala de aula. Dessa forma, o aprendizado pode até ter ocorrido, no entanto,
isso não significa que o desenvolvimento também tenha ocorrido de modo sistemático,
pois, este só poderá ser verificado posteriormente, quando por necessidade, ou seja, em
situações reais de uso da língua, o aluno precise fazer uso dela.
Já para ensinar as doenças mais comuns relacionadas com o corpo humano, como
headache (dor de cabeça), backache (dor nas costas), sore throat (dor de garganta), a docente
utilizou figuras que ilustrassem cada doença e exercícios de combinação.
Além dessas estratégias, a professora levou para sala de aula um exercício em que as
palavras eram formadas a partir de algumas partes do corpo humano, assim, a partir das
ilustrações e da palavra do corpo dada, os alunos deveriam completar o que faltava para
formar a palavra, como por exemplo, com “hair” e “brush”:
HAIRbrush
Os exercícios são bem diferentes dos livros didáticos tradicionais, uma vez que,
além de alguns serem interdisciplinar, têm um lado lúdico, não tornando a sua resolução e a
aprendizagem do aluno cansativas. Além do mais, a palavra, neste caso, está sendo figurada
como sendo um signo social, ou seja, ela está carregada de um conteúdo vivencial
dependente de um contexto (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1992). Além dos pontos
observados, é relevante destacar que, com esses exercícios, os alunos não ficam na mera
repetição mecânica, em que, para responder o próximo item, é necessário somente alterar
uma classe de palavra.
Quanto ao ensino de gramática, a estrutura que estava em estudo era o Present Perfect
Tense. No caderno da aluna, estavam registradas as explicações de como ele é utilizado. A
sua prática aconteceu, primeiramente, com exercícios do vocabulário aprendido:
Ex.:
When was the last time you had a bad cold or flu? What were your symptoms?
R.:. I catch last month. It was so awful. I have got a headache, I´ve got tired,
I´ve got shivering and I´ve got a runny nose sick.
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Depois, foi entregue outra folha fotocopiada com mais exercícios para que o
aprendizado fosse efetivado:
Ex:
1. Write positive sentences in Present Perfect Simple. The following people have just completed an
action.
5. Put the verbs into the correct tense (Simple Past or Present Perfect Simple).
comprovação da aprendizagem.
Quanto à avaliação, ela não foi muito diferente dos exercícios trabalhados em sala
de aula, tanto no que se refere ao estudo do vocabulário, quanto à parte gramatical, pois os
exercícios que se referiam ao Present Perfect Tense eram do mesmo modelo da folha de
exercícios entregue na semana antes da prova.
Dessa forma, que no que se refere às atividades de escrita da aluna, pode-se inferir
que, apesar de os alunos não terem realizado nenhuma composição, ela foi significativa e
pode ser dividida em: exercícios gramaticais, exercícios de respostas pessoais e exercícios
para aquisição de vocabulário. Essas significativas estratégias levaram os alunos à interação
com a LE trabalhada, em virtude de três aspectos: a) estratégias empregadas pela
professora; b) a interdisciplinaridade produzida com a disciplina de Biologia; c) aos
exercícios oferecidos para a internalização da LE, a partir da interdisciplinaridade.
No que diz respeito ao livro de textos, as atividades orais e de listening não são
descritas, pois o objetivo deste trabalho é identificar as atividades de leitura e de escrita,
apesar de essas atividades serem importantes para construir o processo da escrita e para
auxiliar nas atividades de leitura.
unidade cujo título é “Do you want to be young forever?”. O primeiro exercício da unidade era
composto de dois listenings que iniciavam a temática desenvolvida na unidade. No segundo
exercício, os alunos deveriam formar substantivos a partir dos adjetivos, sendo que todas as
palavras da lista estavam relacionadas de alguma forma à temática. O próximo exercício era
denominado “Build your vocabulary”, em que os alunos aprenderiam algumas expressões de
tempo. Esses exercícios serviram como uma espécie de pré-leitura, uma vez que o que foi
visto nos exercícios anteriores estaria apresentado no texto. A pré-leitura é, portanto, uma
parte muito importante da leitura, já que ela proporciona ao aluno uma idéia do que o texto
vai tratar e, em língua inglesa, auxilia o aluno a compreender melhor o texto, pois algumas
palavras, antes desconhecidas, já não soaram tão estranhas ao aluno.
Após esse exercício, encontrava-se o texto “Eternal youth: new developments in anti-
ageing research”. Depois da leitura do texto, os alunos deveriam responder três exercícios: no
primeiro, o aluno encontraria algumas expressões científicas que estavam presentes no
texto e aprenderia como elas podem ser encontradas em uma linguagem mais coloquial.
Esse é um típico exercício de variação linguística que, se for bem trabalhado pelo professor,
poderá mostrar ao aluno que é o contexto, a situação social em que está inserido que o
permitirá fazer uso de uma expressão em detrimento da outra.
Ex.:
2- cease to function stop working
4- the ageing process getting old
5- searching for looking for
Ex.:
1- When all humans reach a certain age
a) they get arthritis or Alzheimer’s.
b) their organs start to fail.
c) they suffer the effects of bad diet and lifestyle.
f) How do you fell about the future described in the last line of the article? Would you like to stay
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Teachers
In my opinion, teacher is the best job although in this job can improve some desadvantages.
The main advantage is that the teacher can teach all that they learn all their lifes. What is more
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in the same time they can learn more with the students and learn some things good with their because theyre
younger than the teachers.
On the other hand, the main desadvantage is the salary. Unfortunately the salary is absolutely
horrified. In adittion some students don’t respect the teachers. Then the teachers fell so boring with these.
In conclusion teachers is a really good job though they have to overcome the desadvantage as you
have to do in other jobs. Moreover they want to to do the best for their really good students.
A composição da aluna apresenta pouco conteúdo e, além disso, ela não argumenta
sobre as informações apresentadas. A possível explicação para isso, já que a aluna se
encontra em um nível pós-intermediário de estudo da língua inglesa, é a de não haver uma
preparação para a escrita, também, de não ocorrer a reescrita, momento em que a
Professora poderia auxiliar a aluna a ampliar as idéias do texto.
4. Considerações finais:
Espera-se que, com este trabalho, algumas práticas descritas possam ser levadas
para salas de aula, como também outras possam ser repensadas para haver uma melhoria
no ensino de inglês como língua estrangeira.
5. Referências
ALMEIDA FILHO, J.C. Lingüistica Aplicada: ensino de língua e comunicação. Campinas: Pontes e
Arte Língua, 2005.
BAKHTIN, M.; VOLOCHINOV, M. Marxismo e filosofia da linguagem. 6. ed. São Paulo: Hucitec,
1992.
BAKHTIN, M. Estética da Criação Verbal. 4.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
BAQUERO, Ricardo. Vygotsky e a aprendizagem escolar. Porto Alegre: Artmed, 2001.
CAZARIN, E. A. Princípios gerais para uma metodologia do ensino de língua portuguesa. Coleção
Cadernos Unijuí, 1995, p. 5-6.
GARCEZ, L. H. do C. A escrita e o outro: os modos de participação na construção do texto.
Brasília: UNB, 1998.
KOCH, I. G. V. Desvendando os segredos do texto. São Paulo: Cortez, 2002.
MENEGASSI, R. J.; ANGELO, C. M. P Conceitos de Leitura. In: MENEGASSI, R. J. (org) Leitura
e Ensino. Maringá: EDUEM, 2005 p.15-43.
OXENDEN, C; KOENIG, C. L; SELIGSON, P. New English File. Upper–Intermediate.
London: Oxford, 1996.
SERCUNDES, M. M. I. Ensinando a escrever. In: CHIAPPINI, Ligia. (org.) Aprender e ensinar com
textos de alunos. São Paulo: Cortez, 2001, p. 75-97.
VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
[1] Pesquisa desenvolvida junto ao Projeto de Pesquisa “Manifestações de constituição da escrita na
formação docente”, junto ao Departamento de Letras da Universidade Estadual de Maringá,
financiada pela SETI/Fundação Araucária.
[2]O termo composition é compreendido e utilizado referindo-se a um texto curto que se assemelha a
uma redação escolar, no ensino de língua materna. Seu emprego é comum no trabalho com inglês
como LE nas escolas brasileiras.
[3] OXENDEN,Clive; KOENIG, Christina Latham; SELIGSON, Paul. New English File. Oxford:
1996. (Upper – Intermediate)
[4] Eu fiquei em casa a noite passada porque eu estava doente.
[5] Eu tenho estado doente desde a semana passada.
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Resumo: Este artigo tem por objetivo analisar o romance Midnight’s Children, de Salman
Rushdie, buscando focalizar não só a representação da fragmentação da identidade, mas
também o seu diálogo com a História. No romance, Rushdie retoma a questão da
identidade, entretecendo-a com a história da Índia, bem como recorre a estratégias do
romance mágico
Palavras-chave: intertextualidade, História, identidade
Abstract: This work aims at analyzing the novel Midnight’s Children, by Salman Rushdie, by
focusing not only on the representation of the fragmentation of identity, but also on the its
dialogue with History. In the novel, Rushdie retakes the theme of identity, intertwining it
with the history of India, as well as he recurs to Magical Realist devices.
Keywords: intertextuality, History, identity
Midnight’s Children foi escrito após uma visita do autor à sua terra natal, ao fim de
um longo período de ausência. Ao rever seu país, seus costumes, e sentir de perto os
conflitos gerados pela política indiana, Rushdie experimentou não só a nostalgia que,
normalmente, surge nesses momentos, mas também a indignação ante a realidade com que
se deparou, aguçada por um duplo olhar: o de cidadão indiano e o de visitante estrangeiro.
O fato de ter vivido muitos anos no exterior permitiu-lhe lançar ao seu país um olhar
crítico, com o qual revisitou não apenas a política imperialista britânica, mas também a
tradição, os costumes indianos.
No mesmo ensaio, Rushdie afirma que a principio sua intenção era um tanto
quanto proustiana, inspirada pela ação do tempo e da migração, e que o formato final do
romance deveu-se à sua percepção de que o que realmente lhe interessava era o modo pelo
qual somos capazes de refazer o passado para atender os propósitos presentes.
A força motriz da obra de Rushdie tem sido a sua percepção de si mesmo como um
indivíduo migrante, ou “traduzido”, como ele faz questão de enfatizar. Essa consciência
está no âmago da criação de Saleem Sinai, o protagonista de Midnight’s Children. Saleem é
uma das crianças que nasceram à meia-noite do dia 15 de agosto de 1947, data da
independência da Índia:
A história pessoal de Saleem é uma metáfora da história da nação. Não usamos aqui
o conceito de alegoria, buscando a fidelidade à concepção do autor de que a alegoria exige
uma correspondência perfeita entre os eventos do plano histórico e os da vida da
personagem, o que, de fato, não existe no romance.
Saleem retrocede no tempo para contar a história de seu avô, Aadam Aziz, tendo
como ponto de partida o momento em que este retorna à Índia, após cinco anos de estudo
na Alemanha.
Ao inclinar-se para beijar o solo indiano e rezar, Aziz bate com o nariz no chão,
fazendo-o sangrar, jurando, daí por diante, jamais se curvar novamente, nem para deuses,
nem para homens. A caminho de casa, o olhar que ele lança à sua terra é diferente do olhar
do jovem que de lá saíra; é o olhar de um homem que perdera o encantamento, muito
embora tentasse acreditar que nada mudara. Mas tudo mudara; seu pai tivera um derrame e
sua mãe assumira a responsabilidade dos negócios da família.
Lá chegando, depara-se com uma cena inusitada: sua cliente está coberta dos pés à
cabeça por um lençol branco com um buraco no centro. Pelo buraco, ele pode ver apenas a
parte do seu corpo que Ghani, o pai da jovem, julgava ser necessário examinar: o abdome,
uma vez que ela sofria de dores de estômago.
Nas muitas vezes em que é chamado a examinar Naseem, Aziz vê apenas partes de
seu corpo, mas nunca o seu rosto. Assim, pouco a pouco, ele se torna obcecado pela
imagem fragmentada daquela mulher. O lençol perfurado é, portanto, o primeiro sinal da
fragmentação da identidade que se repete por todo o texto.
Três anos depois, ela finalmente apresenta uma dor de cabeça e ele é capaz de ver o
rosto com qual sonha todos os dias. Após a morte de seus pais, ele se arma de coragem e
pede a jovem em casamento.
Nesse ponto, Saleem interrompe a narrativa para dizer que sente que está prestes a
se desintegrar em milhões de pedaços e que, quando isso ocorrer, a Índia será
verdadeiramente libertada. É evidente a associação que Saleem estabelece entre seu próprio
eu e a nação. Seu corpo apresenta rachaduras e ele diz que quer registrar isso, porque a
Índia é uma nação de esquecidos.
Da união entre o Dr. Aziz e Naseem nascem cinco filhos, Alia, Muntaz, Hanif,
Mustapha e Emerald, e Saleem narra como sua mãe, Muntaz, descobre o amor quando seu
pai oculta em sua casa o secretário de um líder político que fora assassinado, Nadir Khan.
Assistindo-o todos os dias, Muntaz acaba por apaixonar-se por ele. O casamento acontece,
muito embora Nadir continue a viver oculto no porão.
Dois anos depois, Aziz descobre que a filha permanece virgem e Emerald,
quebrando a promessa de manter em segredo a presença de Nadir Khan em sua casa,
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revela a verdade ao namorado, Major Zulfikar. Nadir é obrigado a fugir, deixando uma
carta de divórcio para Muntaz. Algum tempo mais tarde, esta se casa com Aahmed Sinai, a
quem jura aprender a amar “aos pedacinhos”. A imagem do todo que é construído pelas
partes é renovada, assim, reiterando a simbologia do lençol perfurado.
Muntaz, que a essa altura mudara seu nome para Amina Sinai, grávida do primeiro
filho, lê que o jornal Times of Índia anunciara que daria um prêmio a mãe que tivesse seu
filho no momento exato da independência da Índia.
Quando seu filho nasce, exatamente à meia-noite do dia 15 de agosto, é trocado por
outra criança, filho de uma mulher que morrera durante o parto. Somente onze anos
depois, consumida pela culpa, a parteira, Mary Pereira, revela que trocara as crianças para
agradar ao namorado, o revolucionário Joseph D’ Costa, proporcionando à criança pobre,
Saleem, uma vida digna, e relegando a criança rica a uma vida de infortúnios.
A obra de Rushdie em geral tem sido abordada pela crítica como um produto do
contato do autor com o Realismo Mágico. Em Midnight’s Children, em particular, pode-se
dizer que o insólito assume papel preponderante, configurando-se como veículo para a
discussão que o autor promove sobre a ambigüidade da História.
De certo modo, Saleem narra a sua história pessoal para uma audiência ainda não
preparada para enfrentar uma história que está além dos registros historiográficos (Padma,
o leitor e seu filho, num futuro próximo):
Um dia, estando em seu esconderijo habitual, ouve sua mãe atender uma chamada
telefônica e, em seguida, ela se tranca no banheiro, murmurando o nome de um homem
desconhecido. Um espirro de Saleem revela seu esconderijo e a punição é um dia de
completo silêncio.
Ao longo desse dia, Saleem ouve, pela primeira vez, um emaranhado de vozes, que
parecem vir de dentro de sua cabeça, e acaba por dizer à família que anjos têm vindo
conversar com ele. A família considera aquilo uma blasfêmia e seu pai bate tão fortemente
em sua cabeça que Saleem perde parte da audição, decidindo, a partir daí, manter o seu
dom oculto.
Dentre os filhos da meia-noite havia quem tivesse dons especiais, como, por
exemplo, uma memória infinita e o dom de curar com a imposição de mãos. Eram aqueles
que tinham nascido a menos da meia hora do raiar do dia da independência.
Havia, no entanto, os filhos obscuros da meia-noite, que, por terem nascido nos
últimos minutos da primeira hora, tinham recebido características que eram mais um
castigo do que uma bênção: gêmeos siameses, com dois corpos e uma única cabeça, que
podiam falar alternadamente com voz masculina e feminina; mulheres barbadas; seres
desafortunados que teriam de carregar a marca do seu nascimento.
Aos que nasceram no primeiro minuto foram legados os melhores dons, como o de
produzir riqueza, de viajar no tempo, de fazer profecias e a arte da magia. Mas apenas duas
crianças, Saleem e Shiva, a criança cujo lugar ele ocupava, haviam nascido no momento
exato da independência. A Saleem coube o dom da telepatia e a Shiva o dom da guerra.
A reação dos pais de Saleem ante o seu dom revela a negação do insólito, bem
como a tentativa de explicar fato como sendo o produto da imaginação fértil de uma
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criança. No entanto, para Saleem, a existência das outras crianças é bem-vinda e aceita com
normalidade e ele passa a nomear a profusão de vozes que explodem em sua mente de
“Conferência dos filhos da meia-noite”. A experiência telepática revela-se mais ampla e
Saleem percebe que tem acesso irrestrito às mentes alheias, inclusive aos segredos de sua
mãe.
Como o narrador nos permite descobrir, cada fato acontecido em sua vida reflete
de alguma maneira na história política da Índia, seja de forma positiva ou negativa. Saleem
se considera uma criança especial, por ter seu dom especial, e acredita que sua Aliança com
as outras crianças mágicas pode mudar o destino da nação de maneira significativa.
Na mesma época, estabelece-se uma rivalidade entre Saleem e Shiva pela liderança
dos filhos da meia-noite. A conferência começa a desgastar-se quando seus membros
buscam o sentido de sua existência e acabam por adotar o comportamento preconceituoso
de seus familiares. A turbulência política que a Índia atravessa encontra eco no rompimento
da conferência dos filhos da meia-noite.
Por mais mágicos que sejam, os filhos da meia-noite não estão imunes
aos seus pais; e, à medida que os preconceitos e as concepções dos
adultos passaram a dominar suas mentes, passei a ver crianças de
Maharashtra detestando gujarátis, e n ortistas de pele clara injuriando os
“pretos” dravídicos; havia rivalidades religiosas; e a idéia de classe entrou
em nossos concílios (... ) A Conferência dos Filhos da Meia-Noite
cumpriu, assim, a profecia do primeiro-ministro e tornou-se com efeito,
um espelho da nação. (RUSHDIE, 2006, p.339)
A idéia de fragmentação que percorre todo o romance é mais uma vez evocada nas
dissensões que separam os filhos da meia-noite.
Um acidente faz com que Saleem seja levado para o hospital e necessite de sangue.
Ao tentar doar sangue para o filho, Amina e Ahmed descobrem que ele não pode ser seu
filho biológico. Assombrada pelo fantasma de seu amante, que busca descanso, Mary
Pereira decide revelar à família de Saleem que fizera a troca dos bebês.
Sobrevivendo aos combates, e ainda incapaz de lembrar seu nome, Saleem volta à
Índia. É durante um desfile de atrações que uma antiga amiga da Conferência dos Filhos da
Meia-Noite o reconhece e o chama pelo nome há tanto esquecido. Saleem passa a viver em
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Nova Deli, no gueto dos mágicos, junto com a feiticeira Parvati e Singh da Fotografia,
depois de passar quatrocentos e vinte dias de luto (quarenta dias para cada pessoa da
família que havia morrido) na casa de seu tio Mustapha.
Parvati nutre por Saleem um amor não correspondido e decide vingar-se dele tendo
um filho de Shiva, seu maior adversário. Abandonada pelo amante, Parvati acaba por ser
amparada por Saleem, que sabe ser a criança que ela espera um descendente verdadeiro da
família que o acolheu.
A morte persegue Saleem de perto, com a mesma doença que matou seu avô,
Aadam Aziz, uma espécie de lepra nos ossos, e o personagem se vê obrigado a escrever
para que o filho não corra o risco de crescer sem saber quem foi seu pai e o que lhe
aconteceu. Quem ouve atentamente a narrativa de Saleem é Padma, uma funcionária da
fábrica de picles, semi-analfabeta, que se apaixona pelo personagem-narrador e sonha com
um possível casamento. Padma sofre e se emociona com as desventuras da família
Sinai/Aziz, e termina como a platéia de Saleem, antes que seu filho possa sê-lo.
A primeira palavra dita pelo filho de Saleem é “Abracadabra”, que vem a ser o título
do último capítulo e que sintetiza toda a magia que circunda a narrativa. O romance
termina com o narrador afirmando que terá de escrever o futuro, assim como escreveu o
passado, com a absoluta certeza de um profeta, e passa a descrever o momento em que,
como em um passe de mágica, se desintegrará em milhões de pedaços.
Midnight’s Children reflete uma tensão política que sempre esteve associada à história
da Índia e à sua diversidade. A constituição indiana reconhece a existência de 22 idiomas
oficiais e a prática religiosa é também das mais variadas. A cultura indiana é híbrida e ainda
sofre até os dias de hoje as conseqüências da problemática imposta pela partição, que
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Em Midnight’s children o insólito aponta para o fato de que a realidade é uma questão
de perspectiva. Ao contaminar os dados historiográficos com a fantasia, alterando-os,
Rushdie cria um terreno fértil para a aceitação do insólito como verossímil, bem como
interroga a historiografia.
O narrador do romance chega ao fim do seu relato sem cumprir seu propósito de
“fidelidade aos fatos”, pois, ao pressupor que sua história tem uma relação intrínseca com a
de seu país, ele revela que os acontecimentos empíricos são passíveis de uma visão
subjetiva, e que o conceito de verdade é sempre múltiplo e fugaz.
Referências bibliográficas
Resumo
A teoria da cordialidade brasileira não se explica por si mesma, e essa é uma
reflexão marcada, historicamente, pela polêmica. Desenvolvido a partir da noção de
“homem cordial”, expressão criada por Rui Ribeiro Couto e utilizada por Sérgio Buarque
de Holanda, o conceito necessita de análises acuradas para sua compreensão. Para Holanda,
dentre outros aspectos, ela possuiria características transitórias e tenderia a desaparecer das
relações formais no país. Porém, os exemplos de cordialidade na sociedade brasileira
parecem contrariar as previsões do historiador. Observa-se uma persistente presença desta
cordialidade que seria manifestada pela prática do nepotismo. Este trabalho tem o objetivo
de lançar luzes sobre a relação entre cordialidade e o nepotismo bem como verificar o nível
de aceitação desta prática pela sociedade brasileira. Para tanto, realizou-se uma reflexão
sobre o conceito de cordialidade sob as óticas de Ribeiro Couto e a de Holanda.
Posteriormente, abordou-se o conceito de nepotismo e foram apresentadas algumas
informações coletadas sobre o tema no país. Para então, mostrar e analisar os dados
coletados, através de uma pesquisa empírica tendo como público alvo os funcionários da
Universidade de Fortaleza.
Palavras-chave: cordialidade; nepotismo; Sérgio Buarque de Holanda.
Abstratct
The theory of brazilian cordiality not explain itself, and this is a reflection marked,
historically, by the controversy. Developed from the concept of "cordial man", an
expression created by Rui Ribeiro Couto and used by Sérgio Buarque de Holanda, the
concept requires accurate analysis for your understanding. For Holanda, among other
things, it would have transitional characteristics and tend to disappear from the formal
relations in the country. However, examples of cordiality in brazilian society seem counter
the predictions of the historian. There is a persistent presence of cordiality that would be
manifested by the practice of nepotism. This work aims to throw light on the relationship
between cordiality and nepotism as well as ascertain the level of acceptance of this practice
by brazilian society. For both, a reflection on the concept of cordiality under the optic of
Ribeiro Couto and Holanda. Subsequently, discussed the concept of nepotism and were
given some information collected on the subject in the country. To then display and analyze
data collected through an empirical research with the target audience of the officials of the
University of Fortaleza.
Keywords: cordiality; nepotism; Sérgio Buarque de Holanda.
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1 – Introdução
Engana-se quem pensa que a teoria da cordialidade brasileira, nas ciências humanas,
explica-se por si mesma. Ao contrário, essa é uma reflexão marcada pela polêmica e pela
própria cordialidade, desde os anos de 1930. Desenvolvido a partir da noção de “homem
cordial”, expressão tomada emprestada pelo historiador Sérgio Buarque de Holanda (1902-
1982) ao poeta e embaixador Rui Ribeiro Couto (1898-1963), o conceito já nasceu
polêmico. As dificuldades de interpretação, intrínsecas ao conceito, aqueceram as contendas
político-culturais que perduraram na década de 1940 e em meio a debates suscitados pela 2ª
edição de sua obra Raízes do Brasil, Holanda publicou em 1948, uma carta na qual ressalta a
historicidade da cordialidade:
“Por fim quero frisar, ainda uma vez, que a própria cordialidade não me
parece virtude definitiva e cabal que tenha de prevalecer
independentemente das circunstâncias mutáveis de nossa existência [...].
Com a progressiva urbanização [...] o homem cordial se acha fadado
provavelmente a desaparecer, onde ainda não desapareceu de todo."
(Holanda, 1990, p.145-146)
Esta tese nos remete aos seguintes questionamentos: seria o nepotismo brasileiro
uma manifestação da cordialidade conforme descrita por Holanda em Raízes do Brasil? Por
que o nepotismo ainda não foi erradicado da vida pública nacional? Seria porque a
sociedade, a despeito da grita de algumas vozes esparsas, ainda o referenda? Qual o grau de
aceitação pela sociedade brasileira da prática nepotista?
Este trabalho tem o objetivo de lançar luzes sobre estas questões. Para tanto,
realizar-se-á uma breve comparação entre o conceito de cordialidade sob a ótica de Ribeiro
Couto e a de Holanda, a partir dos textos destes autores da década de 1930.
Posteriormente, será abordado o conceito de nepotismo e apresentadas informações
coletadas sobre o tema no país, para então, mostrar e analisar os dados coletados, através de
uma pesquisa empírica, tipo enquête (survey), quantitativa e qualitativa de campo, tendo
como público alvo os funcionários da Universidade de Fortaleza (UNIFOR), cuja
finalidade foi apreciar o grau de aceitação à prática do nepotismo.
2 – Metodologia
O trabalho foi dividido em duas etapas: inicialmente foi realizada uma pesquisa
documental a partir de textos de Rui Ribeiro Couto e Sérgio Buarque Holanda sobre o
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3 – Resultados e discussão
Ribeiro Couto passou parte de sua vida na França, país no qual exerceu a função de
embaixador. Lá, recebeu do amigo Manuel Bandeira os três primeiros números da revista
Monterrey: Correo Literario de Alfonso Reyes, editada pelo próprio. Espontaneamente, segundo
Élvia Bezerra, ele escreveu a D. Alfonso cumprimentando-o pela revista. Nessa carta surge
pela primeira vez a expressão “Homem Cordial”. A carta está em Bezerra (2005, p.125-126,
grifo nosso), num elegante artigo intitulado “Ribeiro Couto e o Homem Cordial”.
“[...] É da fusão do homem ibérico com a terra nova e as raças primitivas, que deve sair o
‘sentido americano’(latino), a raça nova produto de uma cultura e de uma intuição virgem
— o Homem Cordial. Nossa América, a meu ver, está dando ao mundo isto: o Homem
Cordial. O egoísmo europeu, batido de perseguições religiosas e catástrofes econômicas,
tocado pela intolerância e pela fome, atravessou os mares e fundou ali, no leito das
mulheres primitivas e em toda vastidão generosa daquela terra, a Família dos Homens
Cordiais, esses que se distinguem do resto da humanidade por duas características
essencialmente americanas: o espírito hospitaleiro e a tendência à credulidade. [...] Somos
povos que gostam de conversar, de fumar parados, de ouvir viola, de cantar modinhas, de
amar com pudor, de convidar o estrangeiro a entrar para tomar café, de exclamar para o
luar em noites claras, à janela: — Mas que luar magnífico! Essa atitude de disponibilidade
sentimental é toda nossa, é ibero-americana... Observável nos nadas, nas pequeninas
insignificâncias da vida de todos os dias, ela toma vulto aos olhos do crítico, pois são
índices dessa Civilização Cordial que eu considero a contribuição da América Latina ao
mundo.”
Marselha, 7 - III – 931
Ribeiro Couto
A cordialidade de Ribeiro Couto é uma construção identitária feita de hospitalidade,
credulidade e contemplação. Oposta ao que seria uma identidade européia feita de
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suspicácia (do lat. suspicace: desconfiança), de egoísmo do lar fechado a quem passa e de
intolerância.
“[...] Sérgio está fazendo uma crítica, e não o endeusamento das ‘virtudes
brasileiras’, porque o homem cordial, para ele, é o homem do coração,
que se opõem ao homem da razão e cordial não quer dizer ‘bom’, quer
dizer da ‘emoção’ e a emoção perturba o estabelecimento das regras
gerais, formais, democráticas. [...] Com o conceito, [ele] [...] está
mostrando que esta ‘cordialidade’, na verdade, é uma maneira de reter
vantagens individuais”.
denominado US Code, texto que abriga o regimento do serviço público, em seu capítulo 5,
determina que um funcionário público não pode nomear, empregar, promover ou defender
a nomeação e promoção de parentes na mesma agência em que trabalha ou sobre a qual
tem jurisdição. Estas barreiras impostas não impedem, entretanto, que homens públicos
empreguem parentes em suas equipes de trabalho. Mas tal prática é realizada,
aparentemente, às claras, e sob os olhares atentos da sociedade, diferentemente do que
ocorre no Brasil.
3.3 – A pesquisa
Observa-se na tabela 1 que dos 171 respondentes, a imensa maioria, ou seja, 130
respostas, informou que possuía como cidade natal municípios acima de 500 mil habitantes.
Tal resultado já era esperado pelo fato da universidade, local de aplicação dos questionários,
localizar-se na cidade de Fortaleza-CE, a qual possui, segundo dados da Contagem da
População 2007 do IBGE, 2.431.415 habitantes. Os demais respondentes (41) dividiram-se,
praticamente, na mesma proporção entre as outras faixas municipais. Não houve
respondentes de cidades natais menores que 20 mil habitantes.
Nota-se que em todas as faixas, a taxa percentual de respostas “SIM” foi superior a
correspondente taxa de “NÃO”, aqui consideradas como respostas afirmativas todas as
demais que não as explicitamente contrárias à prática do nepotismo. Esta constatação nos
leva a inferir que a prática do nepotismo é referendada no universo selecionado,
independentemente do município de origem.
É importante ressaltar também, que não houve respostas justificadas para aqueles
optaram por responder negativamente à opção pelo nepotismo. De maneira oposta houve
uma maioria de respostas “SIM” justificadas, quando comparadas àqueles que optaram por
uma resposta afirmativa simples (proporção de 31% a 21%). Pode-se supor, que a prática
nepotista, ainda que aceita pela maioria, é recriminada por parcela significativa da
sociedade, como os órgãos imprensa, por exemplo, o que poderia ocasionar um certo
incômodo aos respondentes ao optar pelo “SIM”, e os conduziria a uma necessária
justificativa para sustentar sua opção.
Competência foi citada por 74% dos respondentes como necessária para a
concessão do emprego público. Seguida pela legalidade com 19%. O predicado confiança
obteve somente 13%.
O predicado confiança talvez seja, dentre os citados, aquele que mais se aproxime
da cordialidade sob a ótica buarquiana. Afinal, como aferir o grau de confiança despertado
em outrem? A confiança, ou a falta dela estaria, portanto, ligada, em princípio, a práticas
cordiais que prescindem da racionalidade.
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4 – Conclusão
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Welisson Marques[2]
Professor da UFTM – Universidade Federal do Triângulo Mineiro e da
Universidade de Uberaba em Língua Inglesa e Lingüística
Mestrando em Estudos Lingüísticos – Universidade Federal de Uberlândia - MG
Resumo
Este artigo, vinculado ao projeto de Pesquisa: “A CONSTITUIÇÃO DO(S) SUJEITO(S)
NAS INSCRIÇÕES ENUNCIATIVAS DA REVISTA VEJA NO DISCURSO POLÍTICO AO
SIGNIFICAREM O PARTIDO DOS TRABALHADORES”, do Curso de Mestrado em
Lingüística da Universidade Federal de Uberlândia, se propõe a fazer uma breve análise de um
artigo publicado na revista Veja acerca do Partido dos Trabalhadores em 12/09/2007. Nosso
trabalho está pautado no construto teórico da Análise do Discurso de vertente francesa, voltando-
se principalmente para as noções de sujeito e sentido discursivos propostos por Pêcheux (1997), das
noções de heterogeneidade enunciativa segundo Authier-Revuz (2004), dos conceitos de memória e
intericonicidade segundo Courtine (2006), utilizando ainda os conceitos de polifonia e dialogismo
de Bakhtin. Este trabalho voltar-se-á para uma breve análise, apresentando conclusões parciais.
Palavras-chave: Análise do Discurso, Discurso Político, Revista Veja, PT
Abstract
This paper is connected with the project of research “THE CONSTITUTION OF THE
SUBJECT(S) IN VEJA MAGAZINE IN THE POLITICAL DISCOURSE WHEN HE/THEY
MEAN(S) THE BRAZILIAN LABOUR PARTY” of the Course of Federal Universtiy of
Uberlândia and proposes to make a short analysis of an article published in Veja magazine about
the Brazilian Labour Party on 12th September 2007. Our work is based mainly on the authors of
French Discourse Analysis, using the notions of subject and discursive meaning proposed by
Pêcheux (1997), the concepts of heterogenity according to Authier-Revuz (2004), the concepts of
memory and intericonicity following Courtine’s reflections (2006), and also using the concepts of
polifony and dialogism in Bakhtin (2002). This work focuses on a brief analysis bringing partial
conclusions.
Key-words: Discourse Analysis, Political Discourse, Veja Magazine, PT (Labour Party)
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1 – À guisa de introdução
Tencionamos neste artigo realizar, após uma exposição dos postulados teóricos de
base, a análise de alguns recortes de uma reportagem publicada na Revista Veja em
12/09/2007 intitulada A Second-Life Petista - Pelas idéias delirantes e pela tese de que o mensalão não
existiu, o congresso do PT parece coisa do mundo virtual, que trata da temática Partido dos
Trabalhadores vinculada à nossa Dissertação de Mestrado.
2 – Fundamentação Teórica
Sendo assim, quando uma determinada análise é realizada sob a ótica da Análise do
Discurso de vertente francesa e, mais especificamente, nessa perspectiva de memória
discursiva courtiniana, necessário é olhar para o aspecto histórico-social, para os elementos
constitutivos da materialidade lingüística que se vinculam a FDs específicas: “O domínio de
memória é constituído, assim, por um conjunto de seqüências que preexistem a um certo
enunciado” (Possenti, 2004). Ou seja, a memória implica uma relação da linguagem com a
história e pensá-la requer observar as relações conflituosas dos aspectos de historicidade
com os processos da linguagem.
Segundo esse mesmo autor, ruptura significa instaurar uma problemática nova ou
uma mudança epistemológica. A título de exemplificação podemos utilizar as próprias
conceituações relativas à AD, que rompem com várias concepções da lingüística, como, por
exemplo, a do enunciado como sendo um propósito do autor, ou em relação ao sujeito que
é denominado, em algumas lingüísticas textuais emissor, falante, produtor, sujeito empírico,
etc. ou mesmo em relação ao sentido proposto pela filologia como sendo único e
transparente. A AD rompe com estas e outras concepções.
Mas o que vem a ser essa nova história? Segundo Burke (1992) essa nova história
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Certeau (2002), ao referir-se aos discursos, os define como históricos porque estão
“ligados a operações e definidos por funcionamentos” e ainda que “também não se pode
compreender o que dizem independentemente da prática de que resultam”. (CERTEAU,
2002, p. 32). Ora, é justamente essa relação do discurso com a história que são expostas por
Foucault em sua Arqueologia e que influenciaram (ou inquietaram?) Michel Pêcheux
posteriormente e, conseqüentemente, a AD como um todo. Os discursos nunca mais
seriam analisados da maneira anterior.
Ademais, para trabalhar uma análise, devemos entender que o(s) discurso(s)
dialoga(m) com outros, estão ligados a aspectos sociais, políticos e econômicos, são
interpelados pela ideologia e que é preciso voltar-se para os aspectos históricos como
forma de compreendê-los. Um enunciado consoante com Foucault (1995) será “dócil ou
rebelde a interesses” segundo as posições nas quais os sujeitos se inscrevem. Isso é um
pressuposto, não uma conclusão.
Por fim, em relação à análise dos elementos não-verbais presentes no corpus, vamos
analisá-los sob a ótica de Courtine (2006), que apresenta a noção de intericonicidade, que
diz respeito às outras imagens que são ressurgidas (mentalmente) ou evocadas quando
vemos ou simplesmente imaginamos uma imagem.
3 – Análise
Não pretendemos realizar uma análise quantitativa de dados, pois “analisar o maior
número de marcas e de dados não significa compreender melhor o processo discursivo em
questão” (Orlandi, 1989, p. 32). Dessa forma, focamos nossa análise em uma
“exaustividade vertical” como definida por Orlandi, que leva “a conseqüências teóricas
relevantes e não trata os dados como meras ilustrações”. Além disso, importa-nos retomar
que o discurso político será sempre marcado por conflitos e embates e que através da
materialidade lingüística apreendemos o(s) sujeito(s) e como ele(s) se constitui(em) e são
interpelados por formações ideológicas específicas.
Second life é um termo advindo da língua inglesa que significa “segunda vida”,
lançado em 23 de junho de 2003 e que embora seja recente (ainda não se encontra seu
significado em muitos dicionários), já é conhecido por todos aqueles que têm
conhecimento das novas tecnologias e tende a crescer rapidamente em todo o mundo. É
uma espécie de ambiente virtual em que internautas representam um papel numa espécie
de jogo, sendo que esses jogadores criam uma imagem, um novo ícone de si próprios, os
quais se denominam avatares. Os usuários criam esses avatares sobre si mesmos com
qualidades e poderes que não possuem na vida real, ou seja, é uma brincadeira imaginária
em que vale tudo, menos ser verdadeiro.
Estima-se que, menos de cinco anos após sua criação, existem atualmente mais de
13 milhões de usuários registrados[3]. Nossa proposta é demonstrar que, com a utilização
de tal lexema, o sujeito tenciona, não somente conspurcar a imagem petista, mas também
tachá-lo de um partido alienado e descompromissado com as necessidades e problemas
relevantes da sociedade.
corpo-sócio histórico de traços. Ao elucidar esses traços, Pêcheux (1990) esclarece que
estes são ideológicos e referem-se ao “universo de representações e de crenças”.
Ora, se esses traços são ideológicos eles retomam uma multiplicidade de sentidos,
heterogêneos, mas que revelam a unidade de uma FD e, conseqüentemente, de formações
ideológicas que interpelam o sujeito-enunciador em questão.
Sendo assim, tomemos o lexema delirante como exemplo. É uma palavra ligada à
insanidade mental. “O delírio, traduzido da palavra alemã Wahn ou Wahsinn é uma síndrome
constituída por um conjunto de idéias mórbidas que traduzem uma alteração fundamental
do juízo, no qual o doente crê com uma convicção inabalável. É freqüente em patologias
do foro psiquiátrico, neurológico ou metabólico[4]”. Pesquisando na história, verificamos
que este é um termo advindo da psiquiatria e da medicina, como define The Hutchinson
Encyclopaedia – The Millenium Editon 2000 (1999, p. 303):
Courtine (apud MILANEZ, 2006, p. 168) menciona que “toda imagem se inscreve
numa cultura visual e essa cultura visual supõe a existência para o indivíduo de uma
memória visual, de uma memória das imagens. Toda imagem tem um eco”. Dito de outra
forma, nenhuma imagem (ou discurso) é neutra, ela tem uma razão de existir, pois se
vincula ao que lhe é exterior, a elementos dispersos no social, ao histórico, está ligada a
outras imagens-discursos, sendo assim é ideológica e ecoa sentidos.
Essa memória das imagens se chama a história das imagens vistas, mas
isso poderia ser também a memória das imagens sugeridas pela
percepção exterior de uma imagem. Portanto, a noção de intericonicidade
é uma noção complexa, porque ela supõe a relação de uma imagem
externa, mas também interna. As imagens de lembranças, as imagens de
memória, as imagens de impressão visual, armazenadas pelo indivíduo.
Imagens que nos façam ressurgir outras imagens, mesmo que essas
imagens sejam apenas vistas ou simplesmente imaginadas. (MILANEZ,
2006, p. 168).
Se, por um lado, os petistas têm poderes e qualidades neste mundo virtual, na
prática, segundo o sujeito enunciador isso não acontece. Na verdade, essa imagem é uma
auto-imagem petista esboçada sob a ótica do sujeito-enunciador. É uma virtualidade em
conseguir grandes feitos, somente em um mundo imaginário, pois no mundo real isso é
impossível, não é verdadeiro.
espaçamento duplo dividindo o texto em duas partes separadas pelo enunciado Enquanto
isso na vida real... possibilitando esse efeito de sentido.
Por fim, quando é colocado que o Brasil esperava que o partido, constrangido, no mínimo
anunciasse alguma medida contra a corrupção, percebemos a posição assumida pelo sujeito
enunciador com a utilização do verbo esperar no pretérito-imperfeito do indicativo
demonstrando uma expectativa frustrada por parte do sujeito-Brasil. Percebe-se a voz do
“outro” demonstrando o descentramento do “eu-Veja” e voltando-se para um sujeito
coletivo, plural.
4 – Considerações Finais
Por fim, percebemos que a partir das análises dos recortes desses enunciados
podemos visualizar a posição do sujeito-enunciador e que o mesmo caracteriza-se pela
oposição ao Partido dos Trabalhadores e ao governo Lula.
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[1] Referimo-nos à reportagem publicada na Revista Veja em 12/09/2007.
[2] Professor da UFTM – Universidade Federal do Triângulo Mineiro e da Universidade de Uberaba
em Língua Inglesa e Lingüística. Especialista em Metodologia do Ensino-Aprendizagem em Língua
Estrangeira e Mestrando em Estudos Lingüísticos pela Universidade Federal de Uberlândia
orientado pelo Prof. Dr. Cleudemar Alves Fernandes. Proficiente em língua inglesa pela
Universidade de Cambridge (Inglaterra) e Universidade de Michigan (Estados Unidos). E-mail:
welissonmarques@yahoo.com.br
[3] Segundo dados coletados da enciclopédia digital: www.en.wikipedia.org
[4] Extraído de www.pt.wikipedia.org/wiki/Delirium
[5] Delirium in medicine, a state of acute confusion in which the subject is incoherent, frenzied,
and out of touch with reality. It is often accompanied by delusions or hallucinations. Delirium may
occur in feverish illness, some forms of mental illness, brain disease, and as a result a drug or
alcohol intoxication. In chronic alcoholism, attacks of delirium tremens marked by hallucinations,
sweating, trembling, and anxiety, may persist for several days. (Tradução nossa.)