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Farmacologia e Enfermagem: Uma experiência envolvendo a aprendizagem


significativa

Sílvia F. Rocha Tonhom1, Osni Lázaro Pinheiro1, Luciana Marcatto Fernandes Lhamas2
1
Faculdade de Medicina de Marília, Brasil. siltonhom@gmail.com; osnilp100@gmail.com
2
Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium - Lins, Brasil. lucianamarcatto@hotmail.com

Resumo. O enfermeiro possui um papel importante na administração segura dos medicamentos durante a
assistência ao paciente. O objetivo deste estudo foi identificar as necessidades de aprendizagem dos
estudantes de enfermagem em relação aos conteúdos de farmacologia, para em seguida desenvolver uma
atividade didática relacionada a estas necessidades. Outro objetivo deste estudo foi analisar a percepção dos
estudantes sobre esta atividade didática. Trata-se de estudo exploratório e qualitativo, com coleta de dados
por meio de grupo focal e por uma avaliação da atividade didática com questionário. Foram identificadas três
temáticas: O papel dos profissionais de saúde na terapêutica medicamentosa; (Des)articulação entre teoria e
prática e Farmacologia na Enfermagem: um mito construído e a desmistificação com a aprendizagem
significativa. No ensino tradicional existe pouca articulação teoria/prática, porém, diversas metodologias
ativas de ensino/aprendizagem podem melhorar este processo. Torna-se imprescindível a realização de
investimentos pedagógicos para uma melhor abordagem de Farmacologia na Enfermagem.
Palavras-chave: Farmacologia; Aprendizagem signficativa; Enfermagem

Pharmacology and Nursing: An experience involving meaningful learning


Abstract. Nurses play an important role in the safe administration of medications during patient care. The
objective of this study was to identify nursing students' learning needs in relation to pharmacology contents,
and then to develop a didactic activity related to these needs. Another objective of this study was to analyze
the students' perception about this didactic activity. It is an exploratory and qualitative study, with data
collection through a focus group and an evaluation of the didactic activity with a questionnaire. Three themes
were identified: The role of health professionals in drug therapy; (De)articulation between theory and practice
and Pharmacology in Nursing: a myth built and demystification with meaningful learning. In traditional
teaching there is little theory/practice articulation, however, several active teaching/learning methodologies
can improve this process. It is imperative to make pedagogical investments for a better approach to
Pharmacology in Nursing.
Keywords: Pharmacology; meaningful learning; Nursing

1 Introdução

A assistência à saúde é considerada um processo complexo que envolve diversos profissionais, que
podem realizar suas ações junto ao paciente de maneira direta ou indireta. Em decorrência desta
complexidade, a assistência à saúde pode de maneira não intencional gerar danos à saúde dos
pacientes.
Dentre as ações em saúde que podem desencadear danos ao paciente, destacam-se aquelas
relacionadas ao uso de medicamentos. A terapêutica farmacológica é um recurso muito utilizado e
representa uma ação multiprofissional, tendo em vista que envolve a participação de médicos,
farmacêuticos e profissionais da área de enfermagem (Ferreira, 2014).

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Por estarem envolvidos na última etapa desta cadeia, representada pela administração dos
medicamentos, os profisionais da área de enfermagem possuem um papel muito importante para a
realização de ações preventivas para a interceptação de erros decorrentes do uso de medicamentos.
Entretanto, tanto para não propagarem erros de medicação oriundos das etapas anteriores, como
prescrição ou dispensação, como também para não deflagrafrem erros decorrentes do processo de
administração é imprescindível uma formação consistente na área de farmacologia (Silva, 2017).
A Farmacologia é uma ciência que nasceu em meados do século XIX, e tem como finalidade o estudo
dos efeitos de fármacos no funcionamento do organismo. De suma importância para todas as
profissões da área da saúde, vem ganhando cada vez mais espaço na formação destes profissionais
(Bittemcourt, 2013).
Nos cursos de enfermagem a disciplina de farmacologia possui a importante missão de formar
profissionais com conhecimentos científicos que contribuam para a execução de uma terapêutica
racional, na qual os riscos sejam apenas aqueles decorrentes da natureza química do fármaco, mas
não da ação humana inadequada.
Em estudo que verificou a percepção de enfermeiras em relação às suas necessidades educacionais na
área de farmacologia, foi destacado que o despreparo destas profissionais para uma ação mais efetiva
na terapêutica medicamentosa está diretamente relacionado aos hiatos de conhecimento sobre este
tema. Um aspecto importante é que o conteúdo teórico da disciplina, agrupado em torno de patologias
médicas e distantes da realidade da profissão, gera conflitos e dificulta a aprendizagem dos
acadêmicos de Enfermagem (King, 2004).
Este conflito pode ser representado pelas situações de estresses, onde o cursar a disciplina de
Farmacologia é apontado, pelos estudantes, como uma circunstância estressante, tanto pela
complexidade da disciplina quanto pela exacerbação das atividades exigidas por ela. (Monteiro, Freitas
& Ribeiro, 2007)
O objetivo deste estudo foi identificar as necessidades de aprendizagem dos estudantes de
enfermagem em relação aos conteúdos da disciplina de farmacologia, para em seguida desenvolver
uma atividade didática relacionada a estas necessidades. Também foi objeto deste estudo analisar a
percepção dos estudantes sobre esta atividade didática.

3 Metodologia

Trata-se de um estudo transversal, com pesquisa exploratória de abordagem qualitativa, realizado no


curso de Enfermagem de um Centro Universitário, localizado em uma cidade do interior do estado de
São Paulo, Brasil. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, por meio do parecer n°
204.808 (CAAE: 12435213.7.0000.5413).
Foram convidados a participar desta pesquisa os estudantes matriculados no 7º (n=28) e 8º (n=26)
semestres da 4ª série do Curso de Enfermagem, pois além de terem cursado a disciplina de
farmacologia no 4º semestre, estavam realizando o estágio supervisionado de enfermagem, no qual a
convivência com a terapêutica farmacológica é constante.
O estudo foi desenvolvido em três etapas:
1)Realização de um diagnóstico situacional para a identificação das necessidades dos estudantes em
relação aos conteúdos de farmacologia. Este diagnóstico foi realizado por meio de técnica de grupo
focal, operacionalizada mediante um convite para todos os estudantes matriculados. Os participantes
desta etapa do estudo compuseram dois grupos, sendo um de 11 estudantes (7º termo) e outro de 10
estudantes (8º termo).
2)Desenvolvimento de uma atividade didática por meio da utilização de método ativo de ensino e
aprendizagem, de acordo com os pressupostos da aprendizagem baseada em problemas. A atividade

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didática foi realizada com os estudantes que haviam participado do grupo focal e que tiveram
disponibilidade para a realização da atividade (n=14).
3)Avaliação da atividade didática, por meio da aplicação de um questionário que buscou identificar a
percepção dos estudantes (n = 14) sobre a experiência envolvendo métodos ativos de ensino e
aprendizagem.
A técnica do grupo focal, utilizada na primeira etapa, consiste na interação entre participantes e o
pesquisador, com o objetivo de colher dados a partir da discussão focada em tópicos específicos e
diretivos, possibilitando a exposição da subjetividade dos participantes da pesquisa, com a
manifestação de suas vivências e experiências por meio do relato verbal e discussões no grupo. A
escolha do grupo é constituída a partir de algo em comum e oportuniza uma maior compreensão das
diferentes percepções e atitudes das pessoas em relação ao tema proposto. (Minayo, 2016; Ressel,
Beck, Gualda, Hoffmann, Silva & Sehnem, 2008).
Os grupos focais foram conduzidos pela pesquisadora e teve a presença de um facilitador como
observador, que propiciou a interação entre os participantes e as trocas de experiências pelo grupo.
Foi realizado um contato prévio com os estudantes, para verificar a possibilidade de suas participações
nesta atividade e, após o consentimento, ocorreu um encontro único com cada grupo.
Para atender os objetivos do estudo, na realização do grupo focal, contou-se com o apoio de questões
norteadoras que versavam sobre a importância da Farmacologia na sua prática profissional; a relação
entre a articulação teoria e prática nesta disciplina e quais os conhecimentos sobre métodos ativos de
ensino-aprendizagem.
Após transcrição e análise do material captado nos dois grupos focais, foi desenvolvida uma atividade
didática por meio de método ativo de ensino e aprendizagem, de acordo com os pressupostos da
aprendizagem baseada em problemas. Nesse sentido foram elaboradas cinco situações-problema que
abordavam aspectos identificados como fragilidades frente aos conhecimentos de farmacologia.
Os dados obtidos no grupo focal e nas avaliações dos estudantes referentes à atividade didática de
farmacologia foram submetidos à técnica de análise de conteúdo, modalidade temática. (Bardin, 2003;
Minayo, 2016).
A análise de conteúdo temática é uma técnica usada para descrever e interpretar textos. Nesse tipo
de análise o conceito central é o tema, sendo importante a interpretação das mensagens, que pode
assim compreender os seus significados em um grau que vai além de uma leitura comum, por uma
abordagem metodológica com atributos e possibilidades próprias (Minayo, 2016).
Foram seguidas as fases de pré-analise, exploração do material e o tratamento dos resultados. Na pré-
analise procura-se garantir uma leitura exaustiva e compreensiva do material, com a intenção de
compreensão do material a ser analisado, originar conceitos teóricos que farão parte da análise e
elaborar pressupostos que servirão de base para análise e interpretação do material. A exploração do
material representa o momento de distribuir as frases e fragmentos, dialogar com o texto, identificar
os núcleos de sentido e analisá-los a fim de buscar temáticas com elaboração de uma redação por
tema, de modo a articular os sentidos dos textos com os conceitos teóricos que orientam a análise. Na
fase final elabora-se uma redação que possibilita fazer o diálogo dos temas com os objetivos da
pesquisa (Minayo, 2016).
Para manter o anonimato, os estudantes foram identificados com a letra “E” e uma ordem númerica
sequencial.

4 Resultados e discussão

Na primeira fase do estudo, houve a participação de 17 estudantes do sexo feminino e quatro do sexo
masculino.

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Os depoimentos dos estudantes, após a análise, possibilitaram identificar os núcleos de sentidos que
foram refinados em três temáticas que permitiram discutir as necessidades dos estudantes em relação
aos conteúdos de Farmacologia: 1) Papel dos profissionais de saúde na terapêutica medicamentosa;
2) (Des)articulação entre teoria e prática; 3) Farmacologia na Enfermagem: um mito construído e a
desmistificação com a aprendizagem significativa. A seguir serão exploradas as temáticas trazendo
fragmentos dos discursos dos estudantes que refletem os aspectos discutidos.
O papel dos profissionais de saúde na terapêutica medicamentosa
A terapêutica medicamentosa é um processo complexo com o envolvimento de diversos profissionais,
que se inicia com a ação dos prescritores, segue com os profissionais voltados para a dispensação dos
medicamentos, e, por último, aqueles que irão operacionalizar a administração para os pacientes. O
sucesso deste processo depende da eficácia de cada uma destas etapas, porém deve ser lembrado que
é justamente na administração que este ciclo se finaliza (Silva 2017). Um aspecto importante para a
adesão do paciente ao tratamento medicamentoso é a relação que ocorre nessa última etapa, ou seja,
entre o enfermeiro e o paciente.
No presente estudo foi possível verificar que os estudantes identificaram as diferentes etapas que
envolvem a terapêutica medicamentosa, destacando a importância do papel dos diferentes
profissionais de saúde na terapia farmacológica, conforme o depoimento a seguir:
“Então o médico vai estar prescrevendo a medicação, mas quem vai ‘estar fazendo’ é a enfermagem.
Então, quer dizer que se um médico prescreve qualquer medicamento junto com outro, que eu sei que
não pode ser feito (...) eu tenho que ter esse conhecimento (...) para não deixar um cortar o efeito do
outro. Então, o que a gente tem na faculdade é uma base (...). [E1]”
Neste depoimento, o estudante relatou um aspecto muito importante que pode ocorrer durante a
terapêutica farmacológica, conhecida como interação medicamentosa e que é possível diante da
administração simultânea de mais de um fármaco.
É importante que os profissionais da enfermagem estejam atentos a essas possibilidades, pois a
polifarmácia é um fenômeno comum e, portanto, os enfermeiros podem conviver frequentemente
com situações clínicas que envolvam interações medicamentosas, especialmente em ambientes de
terapia intensiva (Rodrigues, 2016).
Em estudo realizado com o objetivo de verificar a percepção dos profissionais de saúde em relação às
causas dos erros de medicação em uma unidade de terapia intensiva, foi identificado que um dos
aspectos envolvidos é exatamente a interação medicamentosa. Neste estudo, um dos depoimentos
mencionou que os especialistas prescrevem os medicamentos de sua área e não consideram os outros
agentes farmacológicos que o paciente está utilizando, podendo inclusive ocorrer duplicação de
medicamentos (Farzi, 2017).
Outro aspecto merecedor de atenção no discurso anteriormente descrito refere-se ao reconhecimento
do estudante em relação à importância de o profissional da enfermagem conhecer as ações dos
medicamentos e com isso poder identificar as interações medicamentosas. Cabe destacar que os
profissionais da enfermagem possuem um papel importante no impedimento da propagação dos erros
relacionados aos medicamentos (Silva, 2017). Entretanto, para isto, os conhecimentos em
farmacologia se tornam imprescindíveis.
Da mesma forma, os depoimentos dos estudantes também valorizaram a importância de haver um
diálogo entre os profissionais envolvidos no cuidado do paciente, o que permitiria um melhor
conhecimento de sua situação. Neste sentido, foi destacado que por falha de comunicação pode
ocorrer prescrição de um medicamento que contenha açúcar para um paciente diabético, conforme
descrito a seguir:
“Têm as formas de drágeas, comprimidos, cápsulas eu nem sabia das medicações com açúcar e
diabéticos nem podem usar;‘vai saber agora’, a gente vai chegar lá, o médico prescreve e o diabético
utiliza e nem sabe que tem diabetes. [E2]”

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De acordo com um estudo realizado com fármacos de uso oral, entre os edulcorantes mais utilizados
pela indústria farmacêutica para mascarar o sabor encontra-se a sacarose (açúcar). Cabe destacar que
apenas 23% das bulas de medicamentos analisados, especificavam a concentração do aditivo, tendo a
omissão em 77% das bulas analisadas. Esta omissão e falta de informações podem contribuir para
possíveis complicações do uso inadvertido de medicamentos contendo açúcar por pacientes
diabéticos. (Balbani, Stelzer & Montovani, 2006).
Neste caso, uma comunicação entre os profissionais poderia proporcionar uma indicação alternativa
de uma preparação, isenta de açúcar. Além da preocupação com a forma farmacêutica é importante
que os profissionais de saúde estejam atentos ao fato de que os medicamentos podem promover
hiperglicemia em decorrência de suas ações metabólicas, como é o caso dos glicocorticoides,
amplamente utilizado em diversas especialidades médicas (Pereira, 2017).
Assim, para o sucesso na administração de medicamentos, todos os profissionais da saúde necessitam
trabalhar em sincronia, pois, cada um possui sua especificidade de atuação. Neste contexto, o
enfermeiro está diretamente envolvido com o cuidado ao paciente, seja na prevenção, no tratamento
e no acompanhamento contínuo da terapêutica medicamentosa de pacientes. (Da Silva, Pinto &
Machineski, 2013).
Entretanto, apesar das particularidades de cada profissão da área da saúde, algumas atribuições ainda
geram polêmicas, como é o caso da distribuição de medicamentos na área hospitalar, conforme
ilustrado no discurso a seguir:
“Eu, particularmente, acho muito errado você receber uma medicação da farmácia já preparada;
praticamente a gente teria que fazer um técnico de farmácia para se sentir seguro. Porque a gente sabe
que a Farmacologia é ampla; então, por isso que ninguém ‘fez’ Farmácia. [E3]”
Reconhecida a importância da responsabilidade atribuída ao enfermeiro, na terapia medicamentosa é
necessária a conscientização deste profissional em todos os aspectos que permeiam a administração
de medicamentos. Para se compreender o papel real de cada profissional neste processo é necessária
uma análise do sistema de distribuição de medicamentos de cada instituição, visto que a mesma possui
liberdade de escolha do seu sistema, sendo este adaptado de acordo com a necessidade local.
(Des)articulação entre teoria e prática
Nesta temática, foram agrupados os depoimentos dos estudantes que abordavam a necessidade de
sincronia entre a teoria e a prática.
Uma das questões pedagógicas mais complexas na atualidade é a articulação entre teoria e prática
durante a graduação. Para que ocorra uma verdadeira articulação entre a teoria e a prática, é preciso
combater essa dicotomia e se conscientizar de que no processo de formação do estudante a sua
inserção em atividades relacionadas à sua prática profissional é importante, assim como a sua
participação em atividades teóricas (Nascimento, Santos, Caldeira &Teixeira, 2003).
O processo de formação dos profissionais da saúde, especialmente da Enfermagem, merece atenção
redobrada, no sentido de prepará-los para viver no mundo de rápidas transformações, no qual
precisam conciliar conhecimento teórico e prático, a fim de prestarem uma assistência com
responsabilidade. Esta necessidade está ilustrada claramente no discurso a seguir:
“Na prática de Enfermagem teria que ser assim... bom que você está vendo que como você faz
atendimento emergencial você tem que ir lá e pôr na prática. [E7]”
Em estudo realizado com estudantes do quinto ano do curso de medicina, foi verificada a integração
entre a Farmacologia e as atividades práticas reais no internato em Psiquiatria. Este estudo possibilitou
que os estudantes voltassem a discutir conceitos básicos de Farmacologia, tornando o aprendizado
significativo. Além disso, esta atividade permitiu ressignificar esses conteúdos e integrá-los por meio
da reflexão e construção de conhecimentos, possibilitando, assim, uma melhor integração básico
clínica. (Lazarini & Goulart, 2013).

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Neste contexto, o educador tem grande responsabilidade sobre a condução desse processo. Em vários
casos, a dificuldade de associação de teoria e prática, pode ser consequência da herança de formação
do próprio educador, que desde sua graduação teve seu ensino fragmentado de forma tradicionalista.
O depoimento a seguir retrata este contexto:
“Eu acredito assim, que a professora que deu a Farmacologia ‘pra’ gente, ‘ela’ passou o que estava no
conteúdo dela, porque ela era farmacêutica; o que poderia estar fazendo ‘pra’ melhorar era uma
enfermeira farmacêutica porque ‘ela’ vai saber passar a parte da Farmacologia, mas ‘ela’ vai saber a
prática da enfermagem e, assim, trazer a Farmacologia ‘pra’ nossa realidade”.[E8]
O estudante, neste depoimento, enfatiza o papel relevante do docente em contextualizar a realidade
da profissão durante as atividades teóricas, independente da sua formação. Cabe a cada educador
conseguir incentivar e contribuir para que os estudantes possam construir uma aprendizagem que seja
significativa. Outro estudante relata sobre a dificuldade do professor em articular a teoria e prática:
“Você tem Farmacologia e você não sabe pegar uma ampola, nem quebrar e aspirar, não sabe pôr; a
professora era farmacêutica e ‘ela’ não explicou como quebrava uma ampola e como aspirava; então
isso deixou muita falha mesmo”. [E9]
Este depoimento demonstra claramente a necessidade de integração com a prática, até mesmo em
quesitos “básicos” como o ato de quebrar uma ampola. De acordo com Pimenta (2005), “o saber
docente não deve se restringir a formação técnica, mas também ser nutrido pelas teorias da
educação”. Mesmo que a fundamentação teórica seja de grande benefício para uma tomada de
decisão, dentro de uma ação contextualizada, é relativamente importante a contextualização com os
fatos do cotidiano. A interação dialógica entre teoria e prática gera o desenvolvimento de uma prática
pedagógica independente.
Neste contexto, a Farmacologia integra as disciplinas das ciências básicas, de cunho científico e
estrutural, onde os docentes destas disciplinas geralmente precisam adequar uma visão integrada
correlacionando os conteúdos com a real aplicabilidade na prática. Sendo assim, não se observa a
articulação desses conteúdos com a prática profissional, embora esta ideia seja contrária às
preconizadas em matrizes curriculares. (Lazarini & Goulart, 2013).
A utilização de métodos ativos de ensino aparece com ênfase no cenário educacional nacional como
alternativa para a formação de profissionais da saúde comprometidos com as transformações sociais,
por meio da aplicação diária de problemas reais e busca constante de soluções originais. As Diretrizes
Curriculares Nacionais (DCN) sugerem este método como um caminho para a formação de
profissionais com esse perfil (Vargas, Colus, Linhares, Salomão & Marchese, 2008). Assim, a adequação
do processo de ensino utilizado na farmacologia, contribui positivamente na formação do discente de
Enfermagem, tanto no que concerne ao conhecimento dos fármacos utilizados na prática clínica, como
para a administração consciente e criteriosa dos mesmos aos pacientes. Como reflexo haverá uma
melhora na qualidade da prestação dos cuidados de Enfermagem.
Farmacologia na Enfermagem: um mito construído e a desmistificação com a aprendizagem ativa
Na administração de medicamentos não é somente a habilidade em realizar o procedimento e a
atenção do profissional na realização desta tarefa que irá garantir o sucesso da técnica. É também
necessário o conhecimento farmacológico e sua articulação com a prática, conforme discutido
anteriormente.
No mercado nacional existem mais de 1500 fármacos, aproximadamente 5000 nomes comerciais de
medicamentos, representados por cerca de vinte mil formas farmacêuticas e inúmeras embalagens
diferentes, o que pode facilitar o profissional de saúde a cometer erros relacionados a medicamentos
(Secoli, 2001)
A administração de medicamentos, ainda desperta sentimentos de medo para os estudantes de
enfermagem, pela consciência das consequências negativas que os medicamentos podem causar em
situações de administração equivocada. Estudantes destacaram esse sentimento:

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“O medo é você pegar uma receita e olhar e não ‘sei’ ‘pra’ que serve isso; como é que eu faço isso?; que
remédio é esse? [E9]”
“A primeira vez que cheguei à situação que ela falou para ir no armário de medicações, eu tremia de
medo. [E10]”
“[...] No meu caso, a medicação é a pior de todas as coisas.” [E11]”
Este discurso reforça que a insegurança em relação à administração de medicamentos é um
sentimento que pode acompanhar os profissionais de Enfermagem desde o momento da graduação.
Entretanto, é imprescindível que este sentimento deva ser trabalhado de modo que os estudantes se
sintam amparados, favorecendo uma futura prática profissional executada com segurança.
Neste sentido, é importante a realização de investimentos pedagógicos para a abordagem de
Farmacologia na Enfermagem. Em estudo conduzido com enfermeiros para verificação de seus
conhecimentos sobre parada e ressuscitação cardiopulmonar foi verificado que estes profissionais
possuem conhecimentos apenas parciais sobre os medicamentos utilizados nestas situações
emergenciais. Neste estudo, os enfermeiros conheciam melhor somente os fármacos mais clássicos
utilizados para estes casos, como a atropina e adrenalina (Almeida, Araújo, Dalri & Araujo, 2011). Este
desconhecimento pode representar um aspecto colaborativo para a ocorrência de erros relacionados
a medicamentos.
Entretanto, cabe destacar que diante de uma situação de erro é importante a construção de uma
cultura de segurança voltada para o paciente, envolvendo todos os profissionais que atuam no sistema
de medicação, oferecendo uma assistência que minimize os danos aos pacientes. Também é
importante a identificação das causas dos erros envolvendo medicações, e não haver a preocupação
única com o indivíduo causador do mesmo, mas sim criar um ambiente de confiança que favoreça a
notificação destas ocorrências e dificultar as recorrências. (Santi, 2016)
A criação de um ambiente seguro, com confiança entre os membros da equipe é um aspecto muito
importante para a desmistificação sobre a representação social da terapêutica farmacológica para os
profissionais de enfermagem. Esta desmistificação deve iniciar-se nos cursos de graduação.
Estudos demonstram que o ensino de procedimentos práticos com envolvimento de habilidades
psicomotoras são mais efetivos quando realizados em laboratórios. Esta é de grande valia para os
estudantes de Enfermagem, visto que tal atividade diminui os sentimentos de insegurança e de medo
antes de iniciarem a prática clínica. (Gomes & Germano, 2007). Também existem outras estratégias
que podem ser utilizadas, a fim de melhorar a capacitação profissional como, por exemplo, o
Laboratório de Prática Profissional (LPP), com uso de pacientes simulados ou mesmo situações de
papel que retratem o cotidiano da farmacologia na enfermagem. Estas estratégias devem estimular o
estudante a apresentar uma participação mais ativa em seu processo de aprendizagem.
Nesta lógica, no presente estudo foi desenvolvida uma atividade de ensino-aprendizagem pautada nos
pressupostos da ABP. Foram elaboradas cinco situações problema que retrataram experiências
vivenciadas pelos profissionais de enfermagem. A discussão destas situações foi intermediada por um
profissional da área de farmacologia e outro da enfermagem, ambos com experiência docente no curso
de enfermagem. As avaliações realizadas pelos estudantes envolvidos com estas atividades estão
discutidas a seguir.
Avaliação da atividade didática de farmacologia
Os discursos dos estudantes mostraram a existência de uma polaridade nas avaliações, com destaque
apenas para as fortalezas da realização de uma atividade didática centrada no estudante e com a
utilização de problemas elaborados de acordo com as dificuldades mencionadas no momento da
realização do grupo focal. Em decorrência disto, foi identificada nos depoimentos uma única temática:
"A potencialidade da utilização de métodos ativos de ensino e aprendizagem no ensino de
farmacologia".

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Desenvolver metodologia ativa em um ambiente de ensino tradicional é uma tarefa considerada


desafiadora. Porém, se tratando de Farmacologia em um curso de Enfermagem, torna-se algo singular.
Com base neste contexto, as avaliações trouxeram algo contrário às expectativas e foi confirmado que
o poder de transformação no ensino depende da iniciativa dos docentes em propor mudanças para
melhorar a qualidade de ensino e, assim, formar profissionais responsáveis e capacitados para o
mercado de trabalho.
A visão dos estudantes sobre a experiência desenvolvida foi bem positiva, apesar do pouco tempo para
ser trabalhada. A positividade da atividade realizada pode ser observada no comentário a seguir:
“Ótima experiência, pois compartilhamos e dividimos nosso saber, que foi associado com nossa prática
(vivência). Tiramos nossas dúvidas e interagimos mais com nossos colegas de classe e com as
professoras; tornando um ambiente mais agradável de estudos e menos cansativo, pois estimula nossa
curiosidade formando a dinâmica. [E4]”
Quando o professor está restrito ao âmbito da sala de aula, a interação entre os estudantes é
necessária e influencia diretamente na qualidade de aprendizado dos mesmos, pois, por meio de
trocas de informações, é possível construir novos conhecimentos considerando o conhecimento prévio
que cada um traz consigo. Dentro de uma visão construtivista, espera-se que a partir de atividades
diárias, o professor proporcione a seus estudantes um sentido significativo ao conteúdo, onde exista
uma ênfase entre o assunto e a vida cotidiana dos educandos.
Para tanto, os métodos ativos de ensino e aprendizagem estimulam a curiosidade e servem como
disparador para os estudantes se aprofundarem em busca de novos conhecimentos na sua área
profissional.
De acordo com estudo que apresenta os resultados de uma experiência realizada na Universidade de
Fortaleza, com a abordagem de conteúdos da disciplina de Farmacologia por meio da utilização de
ABP, foi relatado que 94,14% dos estudantes da área da saúde mencionaram que o método permite
que se aprenda o conteúdo de farmacologia de maneira mais significativa. Além disso, 57,21% dos
estudantes descreveram que não sentiam falta do método tradicional e a maioria, 96,39% afirmou que
a metodologia estimula a participação de todos e 56,31% não ficaram com dúvidas após a discussão.
Também foi destacado que a grande maioria, (96,85%) sentiu interesse em estudar mais o assunto e
48,7% consideraram o método uma ferramenta complementar de ensino. (Santana, Cunha & Soares,
2012).
Vale ressaltar a importância de inovações no ensino de farmacologia, com auxilio de metodologias
ativas, buscando sempre o maior interesse do estudante pelo conteúdo da aula. A metodologia ativa
é considerada uma inovação e está diretamente relacionada à criatividade, disponibilidade e
capacidade desafiadora do docente responsável pela disciplina.

5 Conclusões

Neste estudo ficou evidente que a Farmacologia representa um desafio para os enfermeiros, que
necessitam de conhecimentos farmacológicos para desenvolverem suas atividades técnicas diárias.
Porém também ficou evidente neste estudo que este desafio pode ser enfrentado por meio de
mudanças nos paradigmas relacionados ao processo de ensino e aprendizagem.
Ao longo dos anos de experiência com práticas de ensino e aprendizagem, foi possível observar que
com métodos tradicionais existe pouca articulação entre teoria e prática na disciplina de Farmacologia,
mas em contrapartida há uma riqueza enorme de possibilidades desta articulação com o uso de
métodos ativos de ensino e aprendizagem.
Assim, entende-se que mudanças devem ocorrer nos Projetos Pedagógicos de Curso. Para isso a
instituição necessita refletir sobre seus processos de formação, proporcionando espaços de escuta dos

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estudantes e professores, no sentido de contribuir com a ativação desses processos e possibilitar


mudanças efetivas na instituição de ensino superior.
O método utilizado para a coleta e análise dos dados na vertente qualitativa possibilitou desvendar as
concepções dos estudantes quanto ao conteúdo de farmacologia e uma intervenção baseada em
método ativo, que ao ser interpretado pela comunidade acadêmica, poderá permitir a retomada ou o
realinhamento do seu projeto formativo na direção necessária para manter seu potencial
transformador da realidade de saúde do país. A experiência com a instituição, embora localizada,
possibilita extrapolar reflexões a outros cursos de formação.

Referências

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