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Rio de Janeiro
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Rio de Janeiro
2012
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CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/BIBLIOTECA CEH/A
nt CDU 796:159.9(81)(091)
Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta tese.
30 de março de 2012
Assinatura Data
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Banca Examinadora:
_________________________________________
Profª. Dra. Ana Maria Jacó Vilela (Orientadora)
Instituto de Psicologia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro
_________________________________________
Profª. Dra. Kátia Rúbio
Universidade do Estado de São Paulo
_________________________________________
Prof. Dr. Victor Andrade de Melo
Universidade Federal do Rio de Janeiro
_________________________________________
Profª. Dra. Renata Patrícia Forain de Valentin
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
_________________________________________
Prof. Dr. Cristiano Roque Antunes Barreira
Universidade do Estado de São Paulo
Rio de Janeiro
2012
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DEDICATÓRIA
A todos aqueles que se deixam mover pela paixão em busca de seus ideais.
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AGRADECIMENTOS
Tenho a sensação que agradecer com palavras àqueles que de alguma forma
participaram dessa jornada é muito pouco, mas ainda é uma forma concreta de manifestar
tamanha gratidão. Cada um, à sua maneira, colaborou para que eu chegasse até aqui e, por
isso, considero todos parceiros nessa caminhada, não importando a ordem ou a sequencia que
farei isso. Como na História, onde não há um entendimento linear dos fatos, os sentimentos,
valores e as relações afetivas ocupam espaços diferentes em momentos distintos.
Agradeço inicialmente à minha orientadora Ana Maria Jacó-Vilela, pelo acolhimento e
disponibilidade em me acompanhar nesse caminho. Sua seriedade, sabedoria, experiência,
dedicação e paciência iluminaram muitos momentos de escuridão e insegurança.
Aos colegas “dinterianos” Francisco, Carla, Fátima, Josenildo, Conceição, Jovelina; as
“burguesinhas de Copa” (Patrícia e Rose) e o “Valete de Copa” Jean que mesmo diante das
adversidades de nossa estada no Rio de Janeiro, como as dificuldades de acomodação, os três
tiroteios nos morros cariocas e as questões institucionais, não perderam a solidariedade e o
humor. “Minha colega” e querida parceira de orientação Márcia, com quem aprendo sempre a
administrar as obrigações sem perder o humor. Tivemos poucos, mas bons momentos juntos
nessa cidade que aprendemos a conhecer além de suas maravilhas.
Não poderia deixar de agradecer à Déa, que me acolheu em sua casa, nas tantas idas e
vindas ao Rio de Janeiro, sempre de forma bem humorada.
Aos colegas do Clio Psiché que, apesar de tantas atribuições, estavam sempre a postos
para ajudar em alguma pesquisa. Destaco entre eles Maria, Filipe e Alice (ou Alice-do), esta
indispensável nas questões burocráticas do DINTER.
Aos queridos parceiros da ABRAPESP que ajudaram a vencer as dificuldades e
permaneceram na luta por um ideal com dedicação e responsabilidade.
À UERJ, em nome dos professores do Instituto de Psicologia da UERJ que, mais uma
vez nos acolheram com o DINTER, possibilitando uma qualificação docente de qualidade em
Psicologia Social.
À UFMA e à CAPES que mesmo diante de tantos atropelos e obstáculos viabilizaram
o DINTER e possibilitaram que chegássemos ao final dessa jornada.
Aos colegas e alunos do curso de Psicologia da UFMA que souberam compreender
meu esforço em atender ao doutorado e minhas obrigações na instituição, mediante algumas
ausências.
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Tempo de História
Tempo que nos remete a uma história,
História que se constrói com o tempo;
Remetemo-nos ao túnel do tempo
para revivermos o nunca vivenciado por nós;
Nos perdemos em infindáveis buscas
Nos encontramos nesse tempo, tempo de histórias.
Transpor o passado, trazê-lo para o presente,
que já é o futuro em busca de entendimentos.
Tempo de História, Tempo de Conhecimento
Aurea Bacelar
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RESUMO
CARVALHO, Cristianne Almeida. Para além do tempo regulamentar: uma narrativa sobre
a História da Psicologia do Esporte no Brasil. 2012. 238 f. Tese (Doutorado em Psicologia
Social) – Instituto de Psicologia, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2012.
ABSTRACT
This thesis aims to construct a narrative about the early times of Sport Psychology
through insertion analysis of Psychology in Physical Education magazines back in the years
between 1930 and 1960. The text talks about the appropriations of the psychological
knowledge, their concepts and theories in the universe of the first Physical Education
magazines in Brazil, characterizing the construction way of one more Psychology
specialization, the Sport Psychology. For being a documental analysis, sources and written
documents were investigated, Brazilian and of public domain, academic profile – presented in
specialized magazines – or governmental – as laws format, decrees, statutes. Such documents
were analyzed as discursive, because they involve several elements, distributed in a harmonic
way or not, historically placed, in time and space, producing their effects. The data analysis
allowed verify the senses construction that the interested ones in Physical Education have in
relation to the psychological field. We concluded that the construction way of Sport
Psychology goes through other professionals, such physicians, militaries, physical educators
and psychologists, interested in learning more about human phenomena facing the physical
activity and sport practice, characterizing in two phases, complementary psychology (1930-
1940) and psychological practice (1950-1960). With no doubt, they characterize a continuous
construction of the Sport Psychology as it is known today.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 12 - Pôster da Copa do Mundo de 1950 no Brasil - 4ª Copa do Mundo FIFA ..... 179
LISTA DE SIGLAS
IP Instituto de Psicologia
JC João Carvalhaes
UB Universidade do Brasil
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 14
1 CONSTITUINDO NOVOS CAMPOS: PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO
FÍSICA ........................................................................................................................ 63
1.1 O movimento higienista e a eugenia .......................................................................... 63
1.2 A Institucionalização de novos campos: Psicologia e Educação Física .................. 92
2 PSICOLOGIA COMO SABER COMPLEMENTAR: UMA
PRIMEIRA APROPRIAÇÃO DE CONCEITOS DA PSICOLOGIA PELA
EDUCAÇÃO FÍSICA .............................................................................................. 112
2.1 Processos psicológicos ............................................................................................... 112
2.2 Desenvolvimento humano ......................................................................................... 120
2.3 Caráter e personalidade............................................................................................ 133
2.4 Psicopatologia e deficiência (física e mental) .......................................................... 146
2.5 Comportamento social ............................................................................................. 151
3 PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO FÍSICA: A CONSTRUÇÃO DE UMA
PRÁTICA PSICOLÓGICA .................................................................................... 161
3.1 Psicologia e Educação Física: uma segunda aproximação .................................... 161
3.2 O esboço de uma nova psicologia ............................................................................. 182
4 CONTAGEM REGRESSIVA .................................................................................. 193
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 200
APÊNDICE A –Todos os artigos dos periódicos citados na tese ......................... 219
APÊNDICE B – Notas biográficas .......................................................................... 223
ANEXO A – Programa da disciplina Psicologia Aplicada do Curso Educação
Física (ENEFD), em 1944 ......................................................................................... 233
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INTRODUÇÃO
As palavras de Clarice sintetizam o que vivi ao longo desses quatro anos de pesquisa.
Uma entrega, um mergulho em um passado não muito distante, mas que me exigiu
desprendimento e abertura diante de algumas concepções para buscar o desconhecido com
curiosidade genuína e cuidado para interpretá-lo de forma contextualizada. “Para além do
tempo regulamentar: uma narrativa sobre a história da Psicologia do Esporte no Brasil”
pretende ser uma contribuição à História da Psicologia do Esporte no Brasil.
A fim de aproximar o leitor do que foi a experiência de construção dessa tese, peço
licença para usar, aqui na introdução, a linguagem em primeira pessoa do singular. Assim,
posso apresentar alguns momentos de minha história, pois os considero pertinentes e
partícipes desse processo de construção intelectual. História, Esporte e Psicologia tornaram-se
temas afins não apenas nessa tese, mas também em meu próprio percurso.
A narrativa apresentada pode se tornar, em alguns momentos cansativa e longa. Que o
leitor me desculpe, mas diante da densidade e quantidade de informações documentais e da
necessidade de articular passagens históricas em universos distintos e muitas vezes
desconhecidos, minha preocupação maior se situou em analisar sem macular os valiosos
dados encontrados nas fontes de pesquisa, o que me impulsionou a narrar os fatos de modo
mais detido.
O passado e o esporte sempre despertaram meu interesse. Em minha infância, meu pai
costumava passear com meu irmão e eu nos finais de semana por nossa cidade, São Luis 1.
Naquele tempo era só mais um dos passeios com ele. Hoje sei que, como economista e
professor, ele foi um eterno admirador da história. Sempre tinha algo para contar sobre
pontos, históricos ou não, por onde passávamos. Sua forma respeitosa e saudosa de falar sobre
o que já havia existido, me fazia imaginar como teria sido a vida das pessoas naquele
contexto, para mim, tão distante. Além disso, quando o destino era o interior do Estado, onde
costumava passar as férias na fazenda de meus avós maternos, o trajeto se tornava um passeio
1
São Luís, capital do Maranhão, patrimônio histórico da humanidade desde 1997, título concedido pela
UNESCO. Fundada por franceses (1612) e colonizada por portugueses, possui em seus casarões o maior
acervo de azulejos portugueses.
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que hoje chamaríamos de ecoturístico. Mais uma vez meu pai discorria sobre cada tipo de
vegetação ou geografia ao longo da estrada.
Hoje é possível perceber aquelas férias como um retorno ao passado, onde o interior
do Estado se constituía de uma realidade socioeconômica precária e estilo de vida muito
diferente da cidade, mais próximo do que nos livros de história se descreve como a Era
Feudal.
A fazenda de meus avós situava-se em um vilarejo, distante cerca de quinhentos
quilômetros da capital, onde a maioria das pessoas vivia em casas de taipa e subsistia
principalmente da pesca e dos animais criados em seus currais ou quintais. Boa parte desses
moradores trabalhava nas terras de meu avô em sistema de meia – tinham um pedaço da terra
em que plantavam arroz e outros grãos e metade de sua produção ficava para meu avô.
Na minha visão infantil, tais elementos faziam parte de um cenário maravilhoso que
me permitia conviver e brincar com outras crianças, alheia a qualquer diferença social. Por
vários anos, os banhos de rio, os passeio a cavalo, os bolos de minha avó feitos no forno de
barro, a comida no fogão à lenha, a conversa dos adultos na porta de casa à luz da lua ou de
lamparinas2, era o que mais importava. Lembro bem do pesar que senti com a chegada da luz
elétrica e da televisão. Temia que aquelas experiências fossem perdidas. Tudo isso fazia o
retorno à vida na cidade a parte mais difícil das férias.
Aos poucos, meus interesses foram se diversificando diante das possibilidades que a
vida me oferecia. Na pré-adolescência as exigências do presente e os desafios do futuro, onde
o novo e o desconhecido se encontravam, faziam cada vez mais parte do meu cotidiano. Filha
mais velha com um irmão e uma irmã, sempre procurei atender às expectativas que esse lugar
exigia, como ser responsável e servir de modelo aos irmãos mais novos, sem, contudo, perder
a liberdade de experimentar coisas novas.
Nessa fase da vida, minhas primeiras experiências esportivas podem ser consideradas
exemplos dessa liberdade em experimentar coisas novas, mas que vieram acompanhadas de
alguns limites. Em geral, eu estava sempre disposta a brincar de tudo com meu irmão e nossos
amigos e amigas da vizinhança, até de futebol, uma modalidade não indicada às meninas na
época e que me renderam várias broncas maternas.
Na escola, já nos anos 1980, eu fazia o antigo ginásio, onde era permitido escolher
uma modalidade esportiva para praticar ao longo do ano. Meu desejo de conhecer um pouco
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Lamparina era um objeto feito de lata, com um pavio de estopa que armazenava querosene e servia para
iluminar os ambientes. Muito comum nesse lugar, onde a luz elétrica, que chegou nos anos 1970, funcionava
com muita irregularidade.
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de tudo me fazia escolher um esporte diferente a cada ano. Até que um dia minha mãe,
sabiamente, me alertou: “minha filha, desse jeito você não vai aprender nenhum esporte
direito, você precisa escolher um e se dedicar a ele, ao menos mais de um ano!”
Naquele momento, não entendi muito bem, pois mais me interessava conhecer as
modalidades que me especializar em alguma, afinal meu tipo físico não me favorecia para o
destaque nos esportes. Essa é apenas uma das participações significativas de minha mãe que,
exercendo seu papel materno de educadora, me fazia pensar nas responsabilidades com o
presente e nas expectativas com o futuro.
Atendi ao alerta de minha mãe, quando já faltava apenas dois anos para concluir o
científico, hoje ensino médio. Resolvi me fixar em uma modalidade, ambicionando algum
destaque. Mas minha estatura média baixa e meu pouco peso, conforme disse, não ajudavam
muito. Eu era baixinha e magrinha para qualquer modalidade. Como já havia praticado quase
todas – natação, ginástica rítmica, vôlei, atletismo –, só me restava o basquete, pois outra
possibilidade, o handebol, me parecia muito violento.
Escolhido o basquete, consegui fazer parte da seleção feminina do Colégio Marista,
onde estudava. Minha mãe estava certa, consegui me destacar a partir de uma prática mais
frequente. Descobri que minhas deficiências físicas, mesmo naquele esporte, podiam ser
compensadas pelo meu esforço, dedicação e responsabilidade. Além disso, era possível
manter meu interesse pelo novo, pois a cada dia aprimorava um pouco mais minhas
habilidades. Descobri uma forma diferente de manter acesa a chama pelo desconhecido.
Infelizmente, com a saída do colégio, não pude continuar com o basquete.
Depois, na década de 90, nos primeiros anos na universidade, em Brasília, continuei a
prática de esportes, pois a Educação Física era obrigatória como disciplina curricular 3. Assim,
meu interesse pelo esporte se manteve e pude reencontrá-lo na minha vida profissional na
prática da Psicologia do Esporte, onde o conhecimento sobre as modalidades esportivas é
necessário.
Nesse compasso, segui meu percurso e, mais uma vez, me rendo às palavras de
Clarisse “...viver ultrapassa qualquer entendimento...”. De fato, hoje, tais palavras fazem mais
sentido, mas tentei entender esse movimento de idas e vindas, de interesses diversos, ao longo
de boa parte da minha vida pessoal ou profissional. Muitas vezes me angustiei por me
3
Educação Física assim como Estudo dos Problemas Brasileiros (EPB) foram disciplinas curriculares tornadas
obrigatórias pela ditadura militar. A EBP foi sendo retirada dos currículos quando a ditadura começou a
definhar. A Educação Física permaneceu e, ainda hoje, aparece como eletiva em alguns currículos.
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acadêmica, pois era uma manifestação cultural que mobilizava a sociedade maranhense
significativamente nas Festas Juninas. Decidi, então, conhecer a cultura e as tradições do Boi
do Maracanã, considerado pelos historiadores locais um dos mais tradicionais da cidade.
Realizei uma pesquisa de campo que incluiu entrevistas com seus brincantes, distribuídos
entre senhores, senhoras e crianças.
Com a ajuda do Professor Luis Felipe Baêta Neves, meu orientador nessa pesquisa,
aprendi que, para mergulhar no passado, era necessário desprendimento e abertura para
conhecer seus significados particulares para cada um dos entrevistados. Foi uma experiência
inesquecível e enriquecedora, pois descobri várias estratégias de conciliação entre Tradição e
Modernidade, na tentativa de manter viva a manifestação cultural quase centenária do Bumba-
meu-boi diante das demandas comerciais locais. Depois do Mestrado, segui meu percurso,
dedicando-me à vida acadêmica e à Psicologia clínica.
Com relação à Psicologia do Esporte, meu primeiro contato ocorreu em 1999, logo no
início de minha carreira como docente em uma faculdade privada em São Luís, ao participar
do I Congresso Norte/Nordeste de Psicologia em Salvador, em 1999. Na ocasião, procurava
me atualizar no meio acadêmico e conhecer novas tendências da Psicologia. Dentre as opções
que o evento oferecia, me interessei pelo curso sobre Psicologia do Esporte, uma área até
então desconhecida por mim. O curso foi ministrado pela psicóloga e professora doutora da
Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo (USP) Kátia Rubio. Sua
disponibilidade intelectual, assim como sua paixão pelo tema, aliados ao que essa área
oferecia como prática psicológica, logo me mobilizaram.
Minha única referência nessa área, por muito tempo, foi a professora Kátia Rubio,
autora de obras importantes sobre o assunto. Era a terceira descoberta importante em minha
busca por outros fazeres na Psicologia, que incluía minha paixão pelo esporte. Dali em diante,
estava decidida a trabalhar nesse campo em São Luís e, por isso, dediquei-me a estudar sobre
o assunto. Mas o caminho não foi fácil. Ainda que as distâncias hoje em dia pareçam
menores, em função da maior facilidade de transporte, dependendo da área profissional só é
possível qualificação nos grandes centros urbanos, situados no sudeste do país.
Além disso, poucas eram as oportunidades acadêmicas para tratar sobre Psicologia do
Esporte no Brasil, mesmo nesses grandes centros. Não havia cursos de especialização na área.
O primeiro a surgir, credenciado pelo Conselho Federal de Psicologia 4, só iniciou em 2003,
4
Não é ponto pacífico na categoria os critérios de credenciamento do Conselho Federal de Psicologia (CFP)
relativos aos cursos de especialização, assim como sobre a existência do título de especialista, mas como isto
não faz parte dos objetivos dessa tese, não avançarei nessa discussão.
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gostaria de estudar algo relacionado a essa área, mas esbarrava na carência de profissionais e
de cursos de pós-graduação. Com a viabilização da proposta de um Programa de Doutorado
Interinstitucional (DINTER) a partir de nova parceria entre UFMA e a UERJ, havia a
possibilidade de construir um projeto de doutorado.
Nessa ocasião, eu fazia parte do quadro de professores efetivos do Departamento de
Psicologia da UFMA, o que favoreceu minha participação na elaboração do projeto, que
contaria com um grupo de onze professores de diversos departamentos dessa instituição de
ensino superior (IES).
Mais uma vez, ao planejar meu projeto de pesquisa, aquele modo de pensar racional e
linear me dizia para escolher um tema que pudesse dar continuidade aos estudos feitos no
Mestrado. Afinal, como alertara minha mãe outrora, um maior aprofundamento sobre o que se
escolhe era preciso. Aprofundar para conhecer mais. Mas, lá estava eu, novamente em busca
de algo novo, e, naquele momento, o que me mobilizava era a Psicologia do Esporte, que não
tinha qualquer relação com história ou cultura, ao menos aparentemente.
Como havia realizado o Mestrado, também na UERJ, pude conhecer o trabalho de
vários professores, entre eles o da professora Ana Maria Jacó-Vilela sobre História da
Psicologia do Brasil, que já nessa época havia despertado minha atenção. Mas como trabalhar
com História da Psicologia se minha motivação era a Psicologia do Esporte? Mais uma vez
tentei conciliar meu interesse às condições possíveis e vislumbrei a possibilidade de unir
História, Psicologia e Esporte. Graças à disponibilidade da professora Ana Jacó, que abriu
vagas para o Programa DINTER, conhecer mais sobre a História da Psicologia do Esporte no
Brasil seria possível. Por que não? E assim, a ideia tomou corpo. O que antes era apenas uma
possibilidade, tornou-se realidade. Embora a Psicologia do Esporte não estivesse entre seus
temas de estudo, a História da Psicologia do Esporte no Brasil passou a estar. Dessa forma,
construí o projeto e fui aprovada no processo seletivo, realizado em abril de 2008.
A intenção era conhecer um pouco mais sobre a história da constituição dessa área,
pois as informações sobre o assunto eram escassas e as poucas que existiam sempre se
situavam em torno do final dos anos 1950, trazendo a atuação de João Carvalhaes (JC) junto à
Seleção Brasileira de Futebol, campeã em 1958. Parecia-me que Carvalhaes era visto como
um marco fundador da Psicologia do Esporte. Isso me inquietava porque entendia que tal
prática não podia surgir de forma repentina e que deviam existir outros personagens e eventos
na construção desse processo. Além disso, não havia registros sobre como ocorreu o processo
de inserção da Psicologia no contexto esportivo brasileiro.
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Assim, pensei que esta poderia ser uma proposta relevante para a construção de minha
tese: investigar “Para além do tempo regulamentar” estabelecido pela literatura existente e
construir uma “narrativa sobre a história de constituição da Psicologia do Esporte no Brasil”.
Para isso, estabeleci como recorte temporal final meados da década de 60, ainda sem precisão
sobre o período inicial desse recorte.
Logo após a definição do recorte e do objeto da tese, uma inquietação surgiu na
definição do título. “Para além do tempo regulamentar: uma narrativa sobre a história da
Psicologia do Esporte no Brasil”. Mais que uma frase de efeito, esse título foi pensado no
intuito de usar um trocadilho com terminologia característica do esporte, uma vez que o
estudo remete ao que ocorreu no âmbito da Psicologia em relação à Educação Física e a sua
inserção no universo esportivo antes do “tempo regulamentar” delimitado pela literatura atual
da área. Ir além desse tempo regulamentar significa ultrapassar um limite cronológico na
direção de um passado não tão remoto em busca de questões ou informações históricas que
não estavam presentes nesse tempo, mas que também fizessem parte do percurso da
Psicologia do Esporte no Brasil.
O faro aguçado de pesquisadora experiente de minha orientadora me levou a uma nota
de rodapé de Lenharo (1986), onde encontrei indícios sobre a relação entre Educação Física e
Exército. Vasculhando um pouco mais, descobri que a primeira Escola de Educação Física do
Brasil foi criada no Rio de Janeiro, pelo Exército, a Escola de Educação Física do Exército
(EsEFEx) e com ela, o primeiro periódico específico da área, em 1932.
A partir de então, novos achados surgiram e o passo seguinte foi visitar a Biblioteca da
EsEFEx, situada no Forte São José, na Urca, para buscar mais pistas sobre a presença da
Psicologia nesse contexto. Deparei-me com um acervo – surpreendentemente em ótimo
estado de conservação – da primeira revista dessa escola, desde os seus primeiros exemplares,
contendo artigos que tratavam sobre Psicologia. Bastante surpresa por ter acesso fácil a fontes
primárias tão antigas e de valor histórico incalculável, não imaginava que o que estava por vir
era ainda mais impressionante.
Além desse periódico, descobri outras fontes de divulgação da Educação Física que,
em seus artigos, revelaram a existência de uma aproximação com a Psicologia. Aos poucos
percebi que tal aproximação ocorria a partir da interlocução entre conhecimentos da época
sobre Educação Física, eugenia, higienismo, além de estudos sobre Psicologia geral e
experimental, onde nomes como William James (1841-1910), Edward Lee Thorndike (1874-
1949), Henri Bergson (1859-1941) e outros fundamentavam os escritos.
22
Neste sentido, essas fontes demonstravam que, nos anos 1930, era possível ler sobre
temas psicológicos nos principais periódicos direcionados à Educação Física no Rio de
Janeiro. A maioria dos artigos era de autoria de médicos e militares, além de educadores de
relevância que discorriam sobre temas importantes na época ou relativos a seus interesses
profissionais. Assim, o objeto de estudo dessa tese começou a se definir melhor – estudar a
Psicologia que aparecia nos periódicos de Educação Física.
Tais escritos, em geral, baseavam-se na Psicologia que se estabelecia como disciplina
científica, desde o final do século XIX na Europa e Estados Unidos, onde realidades distintas
e aparentemente opostas como, esporte/Exército, Psicologia/Educação Física, mente/corpo
faziam-se presentes. Uma consequência dessas aproximações desemboca na construção de um
saber psi voltado à realidade esportiva, justificando o interesse principal dessa tese no estudo
de um período anterior (1930-1950) ao marco histórico estabelecido como gênese da
Psicologia do Esporte no Brasil pela literatura vigente (RUBIO, 2000; ABDO, 2000; ROSE,
2000; SAMUSLKI, 2002; RODRIGUES; AZZI, 2007; CASAL, 2007). Antes disso, não
encontrei qualquer referência na literatura, salvo o estudo de Lima (2003) que reconhece a
existência de trabalhos na área desde o século XIX, embora não especifique quais seriam
estes.
À medida que avançava na pesquisa descobria novas informações que relativizavam o
lugar de marco fundador de João Carvalhaes na constituição histórica da Psicologia do
Esporte e esse fato, a meu ver, guardadas as devidas proporções e contextualizações, se
assemelha à construção do “mito de origem” que transformou W. Wundt no “pai da
Psicologia Moderna”, conforme Danzinger (1991). Esse autor questiona os critérios de
escolha para datas e fatos diante da riqueza potencial das informações históricas e refere-se a
uma visão sociológica positivista em que
profissional específica que, para ter êxito nessa reivindicação, depende de como se articula
para legitimar suas atividades.
Danzinger (1991) complementa ainda que estes grupos – formados por aqueles
inseridos no âmbito acadêmico, assim como pelas instituições de caráter educacional e
político – , mesmo sendo relevantes para a prática da profissão, terão problemas diante das
realidades políticas e econômicas da sociedade da qual fazem parte.
Essa análise se aproxima do que vive a Psicologia do Esporte brasileira em seu
processo de legitimação. Considerada como um campo novo de conhecimento, partilha sua
gênese com demandas sociais emergentes e interesses intelectuais. Além disso, sua história,
ainda que recente, se compõe da construção de mitos ou marcos fundadores como João
Carvalhaes, construídos para contribuir nesse processo de legitimação histórica da área.
Outra concepção que auxiliou na compreensão, e também se aproxima desse contexto,
foi a noção de “tradição inventada” de Hobsbawn e Ranger (1997, p. 10 e 12). Estes autores
afirmam que “[...] inventam-se novas tradições quando ocorrem mudanças suficientemente
amplas e rápidas tanto do lado da demanda quanto da oferta [...].” Os autores consideram,
ainda, que a invenção da tradição é um processo de formalização e ritualização, referente ao
passado mesmo que pela imposição da repetição, sempre que possível, estabelece “[...] uma
continuidade com um passado histórico apropriado [...].”
Assim, consegue-se entender João Carvalhaes (JC) também como um “marco
inventado” por se formalizar a partir da repetição de seu nome em fontes teóricas que fizeram
de sua prática, ainda insipiente em um passado próximo, uma demarcação histórica. Sua
atuação, no final dos anos 1950, ainda não caracterizava a prática da Psicologia do Esporte,
mas, sem dúvida, sintetiza uma aproximação real da Psicologia aplicada ao universo
esportivo. A presente tese pretende demonstrar que tal atuação não foi a única a fazer parte
desse processo. Ainda assim, é válido reconhecer a importância de Carvalhaes, pois passados
quarenta anos, a área permanece carente de identidade e reconhecimento social apesar da
crescente demanda do contexto esportivo brasileiro, embora tenha tido avanços teóricos e
metodológicos.
Sabe-se que outras modalidades esportivas já eram praticadas no Brasil desde o século
XIX, mas o universo do futebol reúne informações significativas para fins desse estudo, a
começar pelo fato de ser o Brasil a única nação a participar de todas as Copas do Mundo. No
entanto, só no final dos anos 1950, pela primeira vez, o Estado ofereceu condições técnicas e
estruturas adequadas para o preparo da Seleção Brasileira de Futebol, na Copa de 1958. Essa
24
iniciativa incluiu profissionais até então não imaginados nesse contexto, como um dentista e
um psicólogo, o que gerou muita repercussão nos jornais da época.
Vale ressaltar que a atuação de João Carvalhaes no futebol ou com os futebolistas,
assim como na escola de árbitros, já obtinha repercussão no cenário paulista. No período de
1954 a 1959, Carvalhaes trabalhou na Federação Paulista de Futebol, aplicando seus
conhecimentos de psicotécnica e implantou uma unidade para seleção de árbitros de futebol,
atuando também na preparação psicológica destes e junto à Seleção Brasileira de Futebol
(WAENY; AZEVEDO, 2003).
Na mesma época prestou serviços de avaliação psicológica no São Paulo Futebol
Clube, utilizando os mesmos testes de inteligência, personalidade e de habilidades específicas
aplicados no âmbito empresarial em motoristas e cobradores, quando trabalhou como
Assistente Técnico da Divisão de Psicologia e Formação Profissional (1947-1970) na
Companhia Municipal de Transportes Coletivos (CMTC), uma companhia de transportes da
cidade de São Paulo. Mas, com o futebol, o objetivo de Carvalhaes era melhor orientar os
atletas para suas atividades esportivas.
O percurso de João Carvalhaes, segundo Barreto e Ribeiro (2006), incluiu de 1942 a
1946, cargos de escriturário e, depois, encarregado do Setor de Seleção de Pessoal na Light &
Power6, onde executou, a título experimental, trabalhos relativos à aplicação de testes de nível
mental, de interesses e de personalidade, tornando-se responsável pelos testes de admissão de
motoristas e cobradores. Ainda nessa empresa, também chegou a ser Chefe da Divisão de
Higiene e Segurança do Trabalho do Departamento Médico. Assim, Carvalhaes iniciou suas
incursões no âmbito esportivo, a partir da transferência de conhecimentos de seu trabalho no
campo então denominado de psicologia industrial. O elemento em comum foi o uso de testes
psicológicos.
O Brasil, naquela época, tentava avançar em seu processo de desenvolvimento
industrial e a mão de obra qualificada se fazia necessária, razão pela qual os conhecimentos e
a experiência de JC no âmbito da psicologia industrial foram necessários para atender a uma
demanda social de seleção de pessoas nesse contexto. Tal experiência lhe serviu para inserir-
se no mundo esportivo, onde, por analogia, a seleção de atletas capazes e adequados à sua
função era feita nos mesmos moldes dos processos seletivos realizados nas indústrias. Este
interesse, todavia, já existia. Nesta pesquisa demonstro que desde os anos 1940 havia a
6
A São Paulo Light and Power foi uma empresa canadense autorizada a funcionar no Brasil no governo de
Campos Salles. Responsável pela concessão de serviço de bondes elétricos e energia elétrica em São Paulo.
Em 1947, transformou-se na CMTC.
25
7
Não encontrei o nome dessa associação nas referências consultadas.
8
Ainda existente e composta em sua maioria por profissionais da Educação Física, essa sociedade realizou
eventos nacionais e internacionais, reunindo profissionais das Ciências do Esporte, mas suas ações parecem
ter contribuído pouco para a sedimentação da Psicologia do Esporte no país.
26
dos objetivos no esporte, que podem estar voltados à iniciação esportiva, reabilitação, lazer e
recreação ou ao esporte de alto rendimento.
Aos poucos essa caracterização foi sendo construída a partir de práticas e caminhos
diversos, percorridos por personagens distintos, desde as primeiras décadas do século XX,
transformando gradativamente o saber psi em, primeiro, Psicologia do Desporto e, no
momento, Psicologia do Esporte.
No entanto, para configurar-se como uma nova prática psi, dificuldades teóricas,
metodológicas e interdisciplinares compareceram, uma vez que o psicólogo inseriu-se em um
contexto, a priori, desconhecido, composto por profissionais de outras áreas de saber como a
Medicina e a Educação Física. O psicólogo, então, se depara com um novo cenário e uma
nova demanda social, onde os fenômenos psicológicos ocorrem no habitat da prática
esportiva, o que implica a necessidade de compreensão da subjetividade no universo das
diferentes modalidades do esporte.
O psicólogo foi, adaptando-se de forma gradual, a esse novo universo e, através da
aproximação com outros saberes, no cenário das modalidades esportivas, conseguiu construir
um saber diferenciado. A Psicologia do Esporte então, se caracteriza por uma interface entre o
esporte e as chamadas Ciências do Esporte – Antropologia, Filosofia, Sociologia, Medicina,
Fisiologia e Biomecânica do Esporte.
Weinberg e Gould (2001, p. 28) a denominam como Psicologia do Esporte e do
Exercício, afirmando que “[...] é o estudo científico de pessoas e seus comportamentos em
atividades esportivas e atividades físicas e a aplicação desse conhecimento [...]”.
Compartilham dessa ideia Barreto (2003) e Samulski (2002), para citar alguns. Contudo, além
da perspectiva competitiva e de alto rendimento esportivo, a PE contempla também a
iniciação esportiva, as atividades físicas em geral, assim como as atividades em tempo livre e
de reabilitação (RUBIO, 2003). Rodrigues e Azzi (2007) complementam essa última
definição ao tratarem da diversidade de definições da Psicologia do Esporte em sua obra
Trilhando Caminhos em busca de iniciação na área, na qual apresentam pesquisa sobre a
literatura publicada no país, a inserção em cursos de formação, além de sites específicos sobre
o tema.
Mundialmente essa área de atuação dá indícios de surgimento no fim do século XIX e
Rubio (2000) indica que os primeiros sinais dividem-se entre a Europa e os EUA, com ênfase
nos estudos norte-americanos que obtiveram destaque em função de ampla divulgação,
favorecendo maior possibilidade de acesso aos estudos de seus pesquisadores.
28
Nos EUA, de acordo com Weinberg e Gould (2001) e Rubio (2000) os primeiros
registros da Psicologia do Esporte datam de 1890. São os estudos sobre ciclismo de Norman
Triplett, psicólogo da Universidade de Indiana e pesquisador sobre as motivações que
levavam ciclistas a treinar em grupo e terem melhor desempenho que aqueles que treinavam
sozinhos. Tais estudos figuram próximos ao surgimento do Movimento Olímpico, em 1896,
criado com o objetivo de promover a paz entre os povos através do esporte.
Coleman Griffith (1893-1966) também se destacou no cenário norte-americano nos
anos 1920 e 1930 por sua atuação na Psicologia do Esporte. Publicou vários artigos e livros
voltados à temática – Psicologia de Técnicos (1926), Psicologia de Atletas (1928) – e dirigiu
o primeiro laboratório de Investigação em Atletismo na Universidade de Illinois, onde
também criou, em 1925, o primeiro curso de Psicologia do Esporte (GREEN, 2003).
Na Europa, em meados do século XX, os estudos do médico russo Pyotr Fanzevich
Lesgaft (1837-1909) serviram de base para o sistema de Educação Física soviético. Para
Riordan (2009, p. 7), tais estudos descreviam possíveis benefícios psicológicos da atividade
física utilizando noções como “[...] 'harmonious development', of social awareness and self-
realisation through physical education, of the principle of gradual and consistent
training,[...]”.
A Psicologia voltada ao esporte na antiga União Soviética recebeu, em função da
relevância dada aos resultados esportivos, todo apoio do governo da época, pois utilizavam
indicadores comparativos entre as potências capitalistas e comunistas, impulsionando as
atividades de seleção, treinamento e preparação dos atletas de alto rendimento realizadas por
psicólogos locais.
Entre as décadas de 20 a 50 outros médicos russos, Avksenty Cezarevich Puni (1898-
1986) e Peter Rudik9, foram responsáveis pela inclusão da disciplina Psicologia do Esporte
nos cursos de Educação Física daquele país, além de organizarem eventos e publicações na
área, paralelamente à criação dos Institutos para a Cultura Física de Moscou e Leningrado –
considerados o marco inicial da Psicologia do Esporte na antiga União Soviética
(RODRIGUES, 2006). Outros países também aparecem nesse contexto como a Itália que
sedia em Roma, no ano de 1965, o primeiro Congresso Mundial de Psicologia do Esporte,
fato que levou à fundação, no mesmo ano, da ISSP, com objetivo de promover e disseminar
informações sobre a PE em todo o mundo10. Ainda nos EUA, Rubio (2000) informa que em
1968 foi criada a Sociedade Americana para a Psicologia do Esporte e Atividade Física
9
Até o momento não foi possível encontrar mais referências sobre Peter Rudik.
10
Evento a que, como me referi, Athayde Ribeiro compareceu representando o Brasil.
29
Percurso metodológico
documentais, faz com que elas saiam da sombra e deixem de ocupar o lugar de
fontes „secundárias‟[...] (MÉLLO, 2006, p. 60).
Ressalto ainda que a escolha dessas fontes de pesquisa foi motivada pela inserção da
Psicologia nos primeiros periódicos de Educação Física, caracterizados pela peculiaridade e o
pioneirismo das informações encontradas, além da possibilidade de acessá-los.
A proposta metodológica, portanto, incluiu os seguintes objetivos: levantamento da
existência de revistas de Educação Física e possíveis relações ou menções à Psicologia – seja
em título de artigos, na denominação de seções ou no conteúdo dos artigos nas revistas
pesquisadas; sumarização dos assuntos encontrados, estabelecendo crivos/categorias para uma
análise das práticas discursivas presentes no material levantado.
Sendo assim, analisei os documentos como práticas discursivas, pois envolvem
diversos elementos, distribuídos de forma harmônica ou não, localizados historicamente, no
tempo e no espaço, produzindo seus efeitos. A pesquisa visa, portanto, averiguar a construção
de sentidos que os artigos apresentam com o uso do saber psicológico e suas implicações na
Educação Física. Para isso, foi importante adentrar nesse território desconhecido e conhecer
sobre sua história de constituição. Uma incursão árdua devido a pouca familiaridade com a
área.
Concomitante a isso, continuava consultando fontes orais e teóricas que pudessem
oferecer outras pistas sobre o que eu procurava. Foi então que, através de contato virtual, fui
informada sobre o professor doutor Victor Andrade de Melo, da UFRJ. Após algumas
tentativas encontrei-me com o professor no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS),
onde ele coordena o Laboratório de História de Esporte e do Lazer no Programa de Pós-
Graduação em História Comparada do Instituto de História da UFRJ.
Mais uma vez, contei com uma disponibilidade e gentileza intelectual que nortearam
meu percurso rumo aos periódicos da Educação Física. O professor Victor Melo me informou
que as revistas podiam ser encontradas também na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro e na
Biblioteca da Escola de Educação Física e Desportos (EEFD), da UFRJ – antiga Escola
Nacional de Educação Física e Desportos (ENEFD), além da Biblioteca da EsEFEx, a
primeira que eu visitara. Ele também sugeriu que eu consultasse outros autores estudiosos
sobre a História da Educação Física e me presenteou com um CD-ROM contendo
informações sobre o projeto “Memória Documental da ENEFD-UB”, do qual foi um dos
responsáveis. Neste CD-ROM encontram-se além dos textos integrais da revista Arquivos, o
primeiro livro de atas, relatórios e outros documentos desde a sua fundação, todos
33
Universidade do Estado do Rio Grande do Sul (UFRGS)11. Detalhes desse episódio serão
relatados mais adiante.
Para alguém que iniciava uma incursão sobre a história de um território desconhecido
como era a Educação Física, as informações recebidas não foram suficientes para entender o
valioso universo de publicações da área com o qual eu me deparava. O resultado disso foi
uma pequena confusão na quantidade de periódicos existentes. Eu explico. Em um primeiro
momento, considerei a existência de três periódicos e não quatro. O professor Victor Melo, no
período da qualificação, deixou mais claro que havia quatro periódicos, além dos Boletins
informativos.
Resolvi, então, rever todo o acervo da Biblioteca do Exército e confirmei a existência
dos quatro periódicos. Identifiquei que meu erro ocorreu pela disposição equivocada de duas
revistas nas prateleiras dessa biblioteca, a da EsEFEx e a Brasileira. Como a biblioteca não
possui uma catalogação bem definida, os números de ambos os periódicos constavam como
sendo único, o que me fez considerá-los apenas uma revista que mudava de nome a partir dos
anos 1940. Ciente desse equívoco, foi necessário refazer a triagem nesses dois periódicos para
discriminar seus conteúdos, e informar a responsável pela biblioteca para que corrigisse o
erro.
O tempo a mais, gasto com esse episódio, me sinalizou que deveria ter um olhar
cuidadoso dali em diante no processo de seleção dos artigos que iniciou com um primeiro
levantamento geral percorrendo os primeiros periódicos e os Boletins informativos existentes
sobre a Educação Física nas primeiras décadas do século XX. Essa triagem inicial deu origem
ao processo de investigação a partir dos títulos dos artigos que apresentavam algum termo
relacionado aos fenômenos psicológicos ou à própria terminologia “psicologia”.
Não cabe aqui discorrer sobre todas as dificuldades enfrentadas nessa pesquisa, mas
algumas situações merecem ser lembradas por fazerem parte do percurso de investigação e
para reforçar os cuidados com a pesquisa com fontes primárias, além de algumas
peculiaridades da pesquisa documental. Para isso, ilustrarei um pouco da minha peregrinação
em cada uma das bibliotecas.
Como já disse, minha pesquisa de campo se iniciou na biblioteca da Escola de
Educação Física do Exército, no Rio de Janeiro, criada em 1975 e denominada Biblioteca
General Jayr Jordão Ramos, em homenagem a um dos diretores da revista dessa escola. Não
11
Esta não foi consultada pessoalmente, mas contei com a ajuda de um amigo e professor da instituição que
fotografou alguns artigos encomendados por mim.
35
poderia ter tido melhor cartão de visitas. A biblioteca se localiza dentro do Forte São José, no
bairro da Urca.
O local é pequeno, mas arejado, bem conservado e iluminado. Ao longo dos meses
que passei pesquisando ali, esquecia que estava em um ambiente militar. O atendimento da
responsável pela biblioteca, sempre disponível e prestativa, facilitou muito o trabalho de
pesquisa. No entanto, fotos do local não eram permitidas, apenas dos periódicos, salvo com
autorização do Comandante responsável.
Na sequência, frequentei a Biblioteca Euclides da Cunha, mais conhecida como
Biblioteca Nacional, fundada em 1937 e situada na Avenida Rio Branco, Rio de Janeiro, onde
não encontrei a mesma receptividade e disponibilidade. Contudo, foi possível encontrar
exemplares mais antigos da Revista Educação Physica e os Boletins da Educação Física, mas
o acesso só ocorria através de funcionários. Além disso, boa parte desse acervo estava
inacessível devido ao deplorável estado de conservação.
Outra fonte de pesquisa importante foi a Biblioteca da Escola de Educação Física e
Desportos12, da UFRJ, transferida para a Biblioteca Central do Centro de Ciências da Saúde –
CCS a partir de 1971, para a Cidade Universitária, situada na Ilha do Fundão. Embora essa
biblioteca tenha ficado fechada durante boa parte do ano de 2009 por motivo de reforma, bem
no período que eu tinha para realizar o levantamento de dados, em 2010 pude retornar em
alguns momentos e consultar diretamente esse acervo.
Apesar da disponibilidade de acesso ao material, a chegada até ele não foi fácil.
Inicialmente, não foi encontrado qualquer registro sobre tais revistas. A busca por alguns tipos
de referências nessa biblioteca, recém-reinaugurada, ainda ocorria através de fichários
datilografados, localizados em pequenas gavetas e organizados em ordem alfabética nos
armários de ferro. Uma experiência inusitada em meio ao universo virtual de hoje. Mas,
continuava sem haver registro sobre o que eu procurava. Insisti com o funcionário, indagando
se não havia outro lugar em que poderiam estar guardados, e descrevi a data e o tipo de
periódico. Então, ele recordou que havia muito material “não cadastrado” em um depósito
localizado no subsolo da biblioteca.
Sem muita formalidade, mas com presteza e, talvez, comovido com minha angústia
em achar tal material, o funcionário me levou até o depósito. Ao chegar lá, entendi o sentido
de “não cadastrado”. Livros e mais livros antigos, abandonados na escuridão, sem qualquer
sinalização ou identificação. Ficamos os dois a percorrer alguns corredores de estantes,
12
Antes desse período o acervo ficava no Campus da Praia Vermelha, onde originalmente surgiu a ENEFD, da
Universidade do Brasil (UB).
36
iluminados apenas pela luz do corredor. Graças à minha familiaridade com as revistas e à
noção de localização do generoso funcionário, pudemos encontrar todos os exemplares da
Revista Educação Physica. Para minha sorte, entre eles estavam as publicações que eu não
pude consultar na Biblioteca Nacional. E assim, conclui a consulta ao material que me
interessava, abarcando a totalidade dos periódicos no recorte temporal escolhido (1930-1960).
No entanto, o ano de 2009, destinado a realizar a pesquisa documental, não fora
suficiente, independentemente da Biblioteca da ENEFD, pois existiam algumas lacunas entre
os exemplares pesquisados e eu precisava confirmar se havia necessidade de ampliar a
amostra e, se possível, encontrar novas fontes. Sendo assim, em conjunto com minha
orientadora, decidimos estender a busca para a capital paulista, uma vez que sua primeira
escola de Educação Física surge em 1939.
Desse modo, no ano seguinte (2010), após o período de afastamento previsto pelo
DINTER, consegui uma bolsa de doutorado sanduiche de quatro meses (junho a setembro
2010), junto ao Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Social da Pontifícia
Universidade Católica (PUC/SP), o que me possibilitou conhecer o trabalho da professora
Emérita Maria do Carmo Guedes que, gentilmente, me recebeu em seu Núcleo de Estudos em
História da Psicologia (NEHPSI). Além disso, também foi possível conhecer o grupo de
pesquisa sobre Olimpismo, na USP, coordenado pela professora doutora Kátia Rubio. Assim,
essa ida a São Paulo me permitiu ampliar os conhecimentos sobre a história da Psicologia e
sobre Psicologia do Esporte e complementar a coleta de informações.
As bibliotecas Nadir Gouvêa Kfouri, da Pontifícia Universidade Católica e a Cyro de
Andrade, da Escola de Educação Física e Esporte da Universidade do Estado de São Paulo
(EEFUSP) passaram a fazer parte do meu universo de investigação. Para minha surpresa,
nesta última, encontrei muita disponibilidade no atendimento por parte dos responsáveis pelo
setor e era permitido acesso direto e fotocópias do material. Porém, diante do volume de
artigos, decidi que o registro fotográfico deveria ser mantido.
Pude então, rever todo o acervo de publicações dos quatro periódicos e constatar que
as bibliotecas do Rio de Janeiro seriam suficientes para dar conta da amostra. Vale ressaltar o
acervo encontrado na Biblioteca da EsEFEx estava em melhor estado de conservação e
nenhuma biblioteca possuía os exemplares de todas as revistas, o que muito dificultou o
trabalho de coleta de dados, mas não o impossibilitou.
Ressalto que também busquei informações em São Luís, no Quartel 24°Batalhão de
Caçadores (24BC), pois este, aparece nos anos 1930, como um dos representantes da revista
37
EsEFEx no estado. Lá, fui informada pelo Subtenente Rosal, responsável pelo setor de
arquivo, que todo acervo de documentos antigos do quartel havia sido enviado a um órgão no
Rio de Janeiro, que ele não soube identificar. Tentei a Biblioteca Pública de São Luís
“Benedito Leite”, mas esta se encontrava em reforma e fechada para o público.
Apesar das dificuldades encontradas, do limite das condições financeiras impostas
pelo programa DINTER e da execução cronológica, a consulta às quatro pioneiras fontes de
divulgação da Educação Física do Brasil, no Rio de Janeiro, foi realizada com sucesso. A
consulta aos outros centros como São Paulo e Porto Alegre serviu para confirmar que as
bibliotecas do Rio de Janeiro eram suficientes para pesquisar os periódicos em questão.
No processo de investigação encontrei cerca de mil quatrocentos e quarenta artigos
com temática vinculada à Psicologia, nos quatro periódicos, durante três décadas de suas
publicações (1930-1960). Em alguns deles, cheguei a consultar todas as publicações
disponíveis, como foi o caso das revistas Educação Physica e a Revista Brasileira, que
tiveram seu período de existência compreendido no recorte temporal do estudo. Na revista
Arquivos tive que extrapolar o recorte e adentrar na década de 60, pois até 1965 encontrei
artigos tratando de uma psicologia aplicada ao desporto.
Em função da quantidade de dados, novos critérios de seleção para análise foram
estabelecidos. Após selecionar os artigos a partir de seus títulos, uma nova triagem foi feita
considerando apenas aqueles que traziam algum termo relativo a fenômenos psicológicos
expressos no texto. Além disso, também foram incluídos nesta seleção, artigos escritos por
autores relevantes no cenário histórico da Psicologia e ainda, artigos que contribuíam para o
entendimento do processo de constituição da Educação Física como saber acadêmico.
Para realizar essa segunda triagem foi necessário um olhar mais minucioso. Diante do
extenso e disperso acervo de fontes documentais primárias, não era possível fotocopiar o
material selecionado, muito menos realizar empréstimos nas bibliotecas. A alternativa viável
foi fotografar os artigos, página a página, assim como capa, contracapa, editorial, seções
diversas e alguns anúncios publicitários para compreender a estrutura de composição em cada
periódico.
Decidi, então, fotografar os artigos, mas essa opção nem sempre se viabilizou. Na
Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, por exemplo, para fotografar cada página era
necessário, inicialmente, discriminar em um documento específico, quais e quantas páginas
seriam registradas e pagar o valor equivalente de R$10,00 (dez reais) por página em um banco
fora da biblioteca. Infelizmente, nessas condições, ficou inviável continuar a pesquisa nesse
38
acervo, mas ressalto sua relevância, pois em seu sistema de informações virtual, foi possível
identificar todas as referências existentes sobre a Educação Física desde o início do século
XX. Se as condições não fossem tão burocratizadas e caras, seria possível realizar através da
Biblioteca Nacional um levantamento consistente nos periódicos da Educação Física.
13
Souza Neto (2004) informa que, além de circular em oito estados brasileiros, também era vendida em dez
outros países.
39
No sítio estão digitalizados os artigos dos primeiros números, desde seu surgimento
em 1932. Vale ressaltar que o processo de digitalização incluiu apenas os artigos da revista; as
demais informações, como capa, sumário, publicidades e outras não foram digitalizados até o
presente momento. Tal fato dificultou a pesquisa virtual pois não era possível ter uma visão
global e contextualizada da estrutura desse periódico. Esse impedimento foi irrelevante diante
da possibilidade de consultar todos os exemplares na Biblioteca da EsEFEx, situada na sede
da Escola, no Forte São José, bairro da Urca.
Atualmente a revista mantém seus objetivos de divulgação de atividades desportivas
do Exército e de sua Escola de Educação Física, acrescentando estudos desenvolvidos pela
Diretoria de Pesquisa e Estudos de Pessoal (DPEP)14. A revista aceita artigos de autores
brasileiros e estrangeiros. Encontra-se sob a responsabilidade do Instituto de Pesquisa da
Capacitação Física do Exército.
A Escola de Educação Física do Exército (E.E.F.E ou EsEFEx), tem sua história de
fundação iniciada em 1922, com a fundação do CMEF que funcionava na Escola de Sargentos
de Infantaria, na Vila Militar do Rio de Janeiro, cujo Tenente Newton Cavalcanti foi o maior
incentivador. Esse centro já possuía como um de seus objetivos ministrar cursos preparatórios
para instrutores de Educação Física. A Revolta Tenentista de 1922 impediu que o Centro
fosse adiante e seu fechamento ocorreu no mesmo ano, sem concluir nenhuma turma
(SOEIRO, 2003).
Só em 1929, durante o governo provisório de Washington Luís, o Ministério da
Guerra promove a reestruturação do CMEF e a diplomação de uma primeira turma. No ano
seguinte, o Centro Militar se transfere para a Fortaleza de São João, na Urca, marco da
fundação da cidade do Rio de Janeiro em 1685 por Estácio de Sá, onde funciona até os dias
atuais (SOEIRO, 2003; BATISTA et al., 2003).
Só em 1933, no governo de Getúlio Vargas, através do Decreto n. 23.252 de 19 de
outubro daquele ano, o CMEF passa a se chamar Escola de Educação Física do Exército
(E.E.F.E). Considerada a primeira escola de formação de professores de Educação Física no
Brasil, teve como objetivo principal a elevação do nível eugênico da nação através da
formação de instrutores em todo o território nacional. Ainda de acordo com esse decreto ela
14
A DPEP foi criada em junho de 2002, pelo Decreto N° 4.290 e é constituída pelos seguintes órgãos: Centro
de Estudos de Pessoal (CEP); Comissão de Desportos do Exército (CDE); EsEFEx; Instituto de Pesquisa de
Capacitação Física do Exército (IPCFEx) e Bateria de Comando e Serviços da Fortaleza de São João.
40
ficaria responsável pela formação de monitores e instrutores de Educação Física quer civis ou
militares; especialização de médicos na área e formação de massagistas.
A Escola e a revista foram recursos relevantes no projeto civilizatório do Estado. As
palavras de João Ribeiro Pinheiro reiteram a importância do Exército nesse processo. Em seu
texto sobre “Militarismo e Educação Física”, em 1932, o autor saúda o Exército e a inclusão
da Educação Física como disciplina obrigatória na formação de seus soldados.
[...] Mas ainda hoje pouca gente compreende o valor silencioso, nem por isso menos
formidável, da obra de alfabetisação, nacionalisação e higienisação social que o
Exército realiza implacavelmente entre os jovens [...]. Agora o Exército prepara-se
febrilmente para realisar mais uma grande obra. Ele vai ser o escultor da raça como
foi o escultor da nacionalidade. [...] estou certo, que lenta, mas seguramente, o Brasil
inteiro tomará conhecimento da grande obra nacional ora iniciada pelo C.M.E.F. fará
justiça a seus idealizadores (PINHEIRO, 1932, p. 1).
Para viabilizar a construção dessa nova raça brasileira o Exército precisaria contar com
um corpo de conhecimentos técnico-científicos capazes de lidar com as demandas que
envolviam uma formação não apenas física, mas intelectual e moral. Assim, vemos a referida
escola ser pioneira também por incluir uma disciplina de Psicologia em seu curso de
formação. Em “Aula inaugural do Curso de Psicologia”, em 1933, publicada por autor
desconhecido na Revista EsEFEx observamos um discurso de acolhimento da psicologia
moderna.
Ao que tudo indica, a presença da Psicologia na EsEFEx e em seu periódico parece ter
sido pensada como instrumento para o Exército e o Estado alcançarem seus ideais de
formação de uma nova raça. Com a criação da EsEFEx, o Exército transformou seu periódico
em um instrumento de difusão e divulgação de seus ideais, onde não só militares, mas
também médicos e educadores da época se aventuravam a discorrer sobre o que consideravam
relevante no universo da atividade física e da formação praticada na Escola do Exército.
Os artigos relacionam informações sobre temas diversos relativos à Educação Física,
eugenia, higienismo, além de estudos sobre Psicologia geral e experimental incluindo autores
importantes especialmente no âmbito da Psicologia, Pedagogia e Medicina. Em geral, os
números apresentam uma capa simples com o nome da revista, com desenhos de pessoas
41
uma seção do construtor de pista de atletismo e outra sobre o basquetebol (as modalidades
esportivas abordadas alternaram-se ao longo das décadas) (figura 3).
feito. Também não encontrei artigo ou menção a João Carvalhaes nesse ou em outro período.
Discutirei melhor sobre esse fato no último capítulo.
Nos momentos finais dessa pesquisa, novembro de 2011, encontrei no sítio da revista
uma classificação dos artigos por década e por categorias, de acordo com o conteúdo ou título
dos artigos. As categorias correspondem parcialmente à classificação escolhida por mim nessa
pesquisa. Alguns artigos relacionados ao que categorizei como processos psicológicos,
desenvolvimento, formação de caráter e personalidade aparecem no sítio em uma categoria
denominada criança e jovens ou ainda em outras categorias específicas das modalidades
esportivas e da medicina esportiva.
Na categoria Psicologia desportiva presente nesse acervo virtual encontrei apenas nove
artigos relacionados à Psicologia do Esporte, os quais incluí na categoria Psicologia e
Educação Física e psicopatologia tratados no segundo e terceiro capítulos. Categorias que
intitulei como formação integral, higiene e comportamento social parecem ter se diluído em
outras temáticas específicas da Educação Física ou em outros mais.
A Revista Arquivos, publicada pela ENEFD, diferentemente da anterior, já nasceu
planejada, prevista no Decreto-lei 1.212 de 17 de abril de 1939 – que criou a ENEFD –, mas a
revista só passou a existir durante a gestão do Capitão Antônio Pereira Lira, em 1945 (figura
4). De acordo com o referido decreto, seria uma publicação bienal, que se destinava a divulgar
os resultados do ensino e de pesquisas produzidos pela ENEFD (BRASIL, 1939).
Ainda que o Decreto-lei n° 1.212 previsse uma periodicidade semestral, até 1949 foi
lançado um número por ano. Depois disso, sua publicação foi interrompida por três anos
seguintes, devido às insatisfações dos membros da Escola com as condições estruturais, pois
até o momento não possuía sede própria (MELO, 2005). Desse modo, a publicação da revista
só foi retomada em 1953, sob a direção de João Peregrino da Rocha Fagundes Junior,
conhecido como Peregrino Junior, e a partir de então, “[...] começou a viver um período de
crescimento de organização, qualidade e influência no cenário nacional [...]” (MELO, 2005, p.
37).
Em seu formato padrão, a capa traz o nome da Universidade e o da Escola; na primeira
página há um editorial, assinado pelo diretor responsável e a composição do Conselho de
Redação com nomes na edição de outubro de 1945, como Peregrino Junior, Alfredo Colombo
e Cecília Stramandinoli, conforme ilustra a figura 5.
46
15
É uma revista eletrônica da ENEFD, da UFRJ e tem como objetivo divulgar e fomentar a produção científica
da área. Foi relançada em 2005, com o nome de “Arquivos em Movimento”. Cf. Arquivos em Movimento
(2011).
16
“Centro de Memória do Esporte (CEME)”, da Escola de Educação Física da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRG), criado em 1996 (CENTRO DE MEMÓRIA DO ESPORTE, 2011); Instituto de
Pesquisa em Educação Física (PROTEORIA), em 1999, sediado no Centro de Educação Física e Desportos
(CEFD) da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) (PROTEORIA, 2011a).
48
como já informei, essa biblioteca permaneceu fechada para reforma em boa parte do ano de
2009, período destinado à pesquisa documental.
Para compreender o papel da Revista Arquivos no processo de institucionalização da
Educação Física e nela a presença da Psicologia, faz-se necessário conhecer um pouco da
história da constituição da ENEFD da Universidade do Brasil (UB), que inicialmente teve um
projeto semelhante às demais iniciativas devido a influência e presença dos militares. Essa
escola foi criada para ser a primeira escola de ensino superior a formar professores de
Educação Física no país. Além do curso superior de Educação Física, oferecia cursos de
formação em educação física elementar, técnica desportiva, massagem e medicina aplicada.
No ano de criação da Revista Arquivos o Capitão Antonio Pereira Lira propõe
alterações no decreto-lei n. 1.212 incluindo mudanças no tempo de formação do curso de
Educação Física de dois para três anos, além da inclusão de disciplinas na estrutura curricular,
onde a disciplina Psicologia Aplicada aparece presente em quase todos os cursos. Dentre os
objetivos da escola destacam-se: formação de profissionais na área de Educação Física;
aplicar unidade teórica e prática no ensino da Educação Física do país; difundir
conhecimentos e realizar pesquisas.
Para Peregrino Junior (1945, p. 2) a criação de seu periódico em 1945 representou a
possibilidade de “[...] difusão da boa doutrina e da sã orientação científica em matéria de
Educação Física, em todos os centros do país. Esse de resto foi desde o início o pensamento
que inspirou o governo a criar a ENEFD [...].”
Inezil Penna Marinho, um dos grandes responsáveis por manter viva a história dessa
área, afirma em sua obra “História Geral da Educação Física”, que a criação da ENEFD,
assim como da Divisão de Educação Física, eram “[...] a concretização do ideal com que
sonhavam quantos se dedicam aos problemas da Educação Física [...]” (MARINHO, 1980, p.
181).
Para Melo (1996), a ENEFD, que foi inicialmente dirigida por militares (1939-1946)
escolhidos pela Presidência da República, segundo o Decreto-Lei nº 1.212 (BRASIL, 1939),
ganha um novo patamar com a chegada dos médicos à direção da escola, uma vez que eles
implementaram mudanças curriculares (com a criação de disciplinas, como recreação e jogos)
e regimentais, empreendendo um caráter “mais cientificista” ao trabalho desenvolvido.
Segundo Melo (1996), a presença médica foi marcante nesse processo de mudança em
busca de um maior embasamento científico e mais qualidade na formação de professores,
caracterizando uma nova fase da ENEFD, (embora não fosse uma ruptura com o modelo
militar). O autor considera que alguns militares foram importantes na direção da ENEFD,
49
como Antônio Pereira Lyra, responsável por mudanças significativas na estrutura curricular
do curso de Educação Física, cuja duração passa de dois para três anos.
Em 1946 acontece a primeira eleição para Diretor da ENEFD, fato que ocorreu por via
de uma lista tríplice da Congregação, tendo o Reitor indicado o médico Carlos Sanchez
Queiroz para esse cargo na Escola (MELO, 1996).
O discurso de Peregrino Junior (1953), então Diretor da Revista Arquivos, na posse de
Carlos Sanchez Queiroz como catedrático é contundente em expressar a satisfação e
admiração por sua passagem como diretor da ENEFD, além de mencionar as
responsabilidades e mazelas da carreira de professor universitário.
Tendo sido Diretor desta Escola [...] êle teve a tarefa, entre tôdas difícil de adaptar a
Casa aos novos planos e às novas normas administrativas e didáticas – novo sistema
de disciplina, novo padrão de trabalho. E o fez com ânimo absoluto, honestidade de
propósitos, firmeza e seriedade (PEREGRINO JUNIOR, 1953, p. 127).
surgiram no recorte desse estudo, mostrando o quanto o tema Educação Física estava se
generalizando para a sociedade.
A Revista Educação Physica surgiu no mesmo ano da Revista EsEFEx e durou de
1932 a 1945. Ao longo de dois anos (1937-1939) o nome foi alterado quatro vezes: em abril
de 1937, é Educação Physica Revista Tecnica de Sports e Athletismo; em dezembro do
mesmo ano passa a ser Educação Physica Revista Technica de Esportes e Saude; em
fevereiro de 1938, Educação Physica Revista de Esportes e Saúde; e em março de 1939 sua
última e definitiva mudança para Educação Física Revista de Esportes e Saúde. A figura 7
ilustra uma das capas desse periódicos que, em geral, trazia uma imagem relativa ao esporte, o
nome resumido da revista e seus dados de publicação.
O contexto de surgimento desse periódico obedecia aos idênticos critérios dos citados
anteriormente, especialmente na Revista EsEFEx, que surgiu no mesmo ano (1932), ou seja, a busca
de um Brasil que se desenvolvesse com forte sentimento nacionalista, cujo foco recaísse sempre na
saúde e na educação sob os cuidados de médicos e militares.
A Revista Educação Physica configura-se como o primeiro periódico privado a ser
publicado e comercializado no país abordando essa temática, segundo Souza Neto (2004) e
Schneider (2003). Embora a Revista Brasileira também tenha sido um veículo editado pela
iniciativa privada, no caso pela Companhia Editora do Brasil S. A, as peculiaridades do surgimento
da Revista Educação Physica chamam a atenção em função de seus ambiciosos objetivos, sempre
ilustrados na contracapa dos números, conforme apresenta a figura 8 e a reprodução a seguir.
52
17
Hollanda Loyola exerceu o cargo de Diretor Técnico da Revista Educação Physica (1939 a 1944),
responsável pelas matérias de abertura e por grande parte do que foi publicado nesse período (ALMEIDA,
2008).
53
A revista, cuja periodicidade era mensal se propunha, para alcançar essas promessas, a
transmitir notícias referentes aos órgãos federais, estaduais e municipais, assim como sobre as
escolas de Educação Física de todo o país. Previa, além de um editorial, a presença de artigos
clássicos estrangeiros ou nacionais, como também artigos contemporâneos de qualidade.
Dividido em seções de filosofia, técnico-pedagógica, técnico-biológica, técnico-
desportiva, administrativa, bibliografia, além das seções de consultas e curiosidades sobre a
Educação Física, o periódico, em geral, trazia em suas capas, imagens sinalizando algum evento
importante do momento ou figura relativa ao esporte, conforme se vê na figura 9. Como uma
publicação da iniciativa privada, muitos eram os anúncios publicitários dos mais diversos
produtos, conforme ilustra a figura 10. Os artigos que abordavam temáticas psicológicas não
tinham inicialmente, uma seção específica, pois em geral elas apareciam nas seções de filosofia ou
técnico-pedagógica e mesmo, em alguns números, na seção de curiosidades.
Com o fim da Era Vargas a postura de colaboração do Governo muda. Fato que atinge
a revista em seus aspectos econômicos. Desse modo, a empresa “A Noite” suspende suas
publicações, em 1946. No ano seguinte, após um período de muitas dificuldades, a equipe
editorial, sob o comando de Inezil Penna Marinho, desde o final de 1946 Diretor-responsável
pela revista, também catedrático da ENEFD, retoma sua publicação. Em seu editorial de
abertura de janeiro 1947 “1946 – Desilusões!...1947 – Esperanças!..., Marinho informa sobre
os motivos de paralisação do periódico e saúda sua nova fase, apesar de tantos dissabores
vividos pela área.
[...] Raia uma nova era para a Educação Física no Brasil! [...] Um ano novo
desponta, um novo ministro assume a pasta da Educação e Saúde. A conjugação
desses dois fatos nos enche de esperanças e faz com que toda nossa mente que se
encontrava voltada para o passado, vivendo das recordações do alto grau de
desenvolvimento que entre nós chegara a alcançar a Educação Física, agora se volta
para o futuro, no esforço de estudar os meios, de elaborar os planos e de reunir os
elementos para reconquistar a antiga situação e ultrapassá-la. [...] (MARINHO,
1947a, p. 1).
A citação ilustra uma saudação ao novo ministro que assume a pasta da Educação e
Saúde, Clemente Mariani Bittencourt (1900-1981). Nesse editorial, Marinho (1947a) vê com
otimismo a chegada do ano novo na expectativa de novos e bons rumos para a Revista
Brasileira. Relembra a perda de vários espaços, comprometendo o mercado de trabalho do
professor de Educação Física, como a desobrigatoriedade da prática de Educação Física nos
cursos noturnos, além da diminuição da frequência das aulas de Educação Física nas escolas,
passando de três para duas vezes semanais, bem como a desintegração do Departamento
Nacional de Educação (DNE), que pertencia à DEF, a partir do decreto-lei n° 8.535, de 1942,
que considerando a análise do autor, colaborou para enfraquecer a área.
Desde o ano anterior, quando o país passava por mudanças no Ministério da Educação
e Saúde (MES), Inezil Penna Marinho em outro editorial18 lembrava as conquistas da
Educação Física na gestão do ministro Gustavo Capanema (1934-1945), como a criação da
DEF, órgão subordinado ao referido ministério, a instituição da ENEFD e do Conselho
Nacional de Desportos (CND), a equiparação salarial entre os professores de Educação Física
e os demais professores, o apoio na realização de eventos relevantes na área como o I
Congresso Pan-americano de Educação Física, além de outros feitos.
Na segunda parte desse editorial, Marinho (1946a) passa a reclamar dos últimos meses
de 1945, direcionando suas queixas ao novo Presidente do país, o General Eurico Gaspar
18
“Feliz 1946 para a Educação Física”, publicado em jan. 1946 na Revista Brasileira de Educação Física.
56
Dutra (1946-1951). Suas reclamações persistem de forma que, em outro editorial, “Nova
Direção” (MARINHO, 1946e), o autor identifica como destrutivos à área os primeiros atos do
novo ministro da Educação, Raul Leitão da Cunha. Entre eles,
A postura de Inezil Penna Marinho à frente dessa revista como diretor responsável
torna o discurso desse periódico mais crítico diante das ações governamentais, que estavam,
naquele momento, andando na contramão do que havia sido obtido até então.
57
Além disso, por ser um periódico privado, dependia de seus próprios recursos e a
publicidade era um recurso bastante importante. O próprio Inezil Penna Marinho divulgava na
revista tanto as suas obras, quanto seu escritório de advocacia ilustrado na figura 11. Apesar
das dificuldades financeiras, a revista conseguiu ampliar o número de assinantes e contava
com representantes nas principais capitais do país e em outros países da América Latina,
Estados Unidos, Portugal e África oriental.
Revista Quantidade
fotos
Ed. Physica 587
EsEFEx 196
Brasileira 212
Arquivos19 0
Total 995
De posse desses dados, o passo seguinte incluiu a transferência das imagens para um
computador e impressão destas para possibilitar melhor manuseio e visualização.
A leitura mais apurada de 196 (cento e noventa e seis) artigos possibilitou estabelecer
relações destes com o objeto de estudo. Artigos estes que mereceram uma nova leitura,
seguida pela redação de seus resumos. Uma segunda triagem com análise e descrição
cuidadosa gerou o conjunto de 120 (cento e vinte) artigos citados na tese (tabela 2).
Revistas nº artigos
EsEFEx 33
Ed. Physica 45
Brasileira 26
Arquivos 16
Total 120
Tabela 3 – Categorias
Fonte: Cristianne Almeida Carvalho
20
Artigos que contextualizam historicamente o cenário da Educação Física nesse período. Estão distribuídos
em todas as categorias.
61
nesse universo, criando as condições para a emergência do que é hoje como também, os
primeiros passos de constituição do que se denomina, hoje, Psicologia do Esporte.
Desse modo, a partir de uma análise minuciosa em tais periódicos foi possível
identificar fases distintas da presença da Psicologia no recorte de 1930 a meados de 1960. A
primeira fase, denominada da psicologia complementar se estabelece nas primeiras décadas
(1930-1940) e corresponde ao surgimento das duas primeiras revistas Revista EsEFEx e
Revista Educação Physica, criadas no ano de 1932. Nesse intervalo, estão mais presentes
artigos que tratam teoricamente de conceitos psicológicos, fundamentando fenômenos
relativos ao desenvolvimento humano, ao caráter e personalidade, ao processo de
aprendizagem, além dos processos psicológicos básicos como inteligência, motivação e
cognição. No que tange à Educação Física, os artigos voltam-se para questões metodológicas
da área, adotando um discurso eugênico e higienista.
Na segunda fase, situada a partir dos anos 1950 até meados dos anos 1960, surgem
mais dois periódicos, a Revista Brasileira e a Revista Arquivos, totalizando os quatro
periódicos que serviram de fontes para essa pesquisa. Nesse período, o discurso se amplia
direcionando-se também a uma aplicação da Psicologia no âmbito da atividade física e do
esporte, mais próxima das ações de Carvalhaes e da atualidade, por isso denominamos esta
fase de prática psicológica.
Sendo assim, as análises das práticas discursivas encontradas nos artigos dos
periódicos em questão foram fundamentais para reconhecer esse percurso de construção
baseado nas transições e obstáculos vivenciados por esse saber psi. Esta tese, portanto,
apresenta seu contexto dividido nos seguintes capítulos:
O primeiro apresenta alguns momentos que marcaram o processo de
institucionalização da Educação Física e da Psicologia, demonstrando que tais processos
ocorrem de forma paralela nas primeiras décadas do século XX, além da influência dos
movimentos higienista e eugênico na Educação Física sinalizando a participação da Educação
Física no projeto desenvolvimentista da Era Vargas e o uso da Psicologia como saber
complementar em busca de uma educação integral.
O segundo situa as primeiras apropriações de conceitos e teorias psicológicas da
Psicologia pela Educação Física – apresentados através de subitens –, quais sejam processos
psicológicos, desenvolvimento humano, caráter e personalidade, psicopatologia e deficiência
física e mental, comportamento social.
Como consequência da aproximação entre essas duas áreas finalizo com o terceiro
capítulo que reúne a categoria Psicologia e Educação Física, ilustrando o que considero uma
62
segunda aproximação entre Psicologia e Educação Física destacando, de modo mais claro,
uma Psicologia aplicada à atividade física e aos esportes através do discurso de outros atores
partícipes do percurso de construção da Psicologia do esporte, até então não revelados,
configurando “uma nova Psicologia”.
63
21
Reforma Hermes da Fonseca; seguidos por 1918 - Reforma Caetano de Faria; 1919 - Reforma Cardoso de
Aguiar; 1924 - Reforma Setembrino de Carvalho - Tasso Fragoso; 1929 - Reforma Sezefredo dos Passos;
1934 - Reforma Góes Monteiro; 1940 e 1942 - Reformas Eurico Gaspar Dutra (FERREIRA NETO, 1999;
2007.
22
Benjamin Constant foi Ministro da Guerra e da Instrução Pública (hoje Ministério da Educação) no governo
provisório da nova República (1890) (GUEDES, 2006).
65
A sociedade brasileira convivia com uma transição forçada entre o antigo mas
conhecido, e o novo “ desconhecido”. Havia entre o hoje e o ontem incerto futuro que a
Modernidade e a República traziam. Esses reflexos da Modernidade que chegava,
redefiniriam, assim, as fronteiras entre o sagrado e o secular, impulsionariam o crescimento
do progresso técnico e científico. Passou-se então a acreditar cada vez mais na capacidade
humana de criar e dominar a natureza.
Os desafios eram imensos e o Estado brasileiro contava com os saberes científicos
existentes para viabilizar o desenvolvimento de seu projeto nacionalista. Antes dos anos 1930
as profissões no Brasil se resumiam à Medicina, à Engenharia e ao Direito. Mas diante de
vários conflitos políticos e de um grande aumento populacional, era necessário um aliado de
peso, capaz de controlar as desordens e comandar a criação de novos hábitos na população.
Não resta dúvida de que o Exército serviria como este aliado, pois, além de suas habilidades
de controle e disciplina, como afirma Skidmore (2007), era sempre solicitado para mediar os
conflitos políticos e sociais. Seu papel, nesse contexto, se confirma relevante com a criação da
primeira escola de Educação Física do país.
Como nos moldes gregos, a construção de um homem novo e forte para a nação
passava por uma educação integral, onde estariam incluídos os aspectos intelectuais, mentais,
sociais, além dos aspectos físicos.
[...] o controle sobre os indivíduos pela sociedade não se opera simplesmente pela
consciência ou pela ideologia, mas começa no corpo, com o corpo. Foi no biológico,
no somático, no corporal que antes de tudo investiu a sociedade capitalista. O corpo
é uma realidade biopolítica [...] (FOUCAULT, 1986, p. 80).
saúde, que depois se desdobraram em cuidados com o corpo voltado para a força de trabalho.
Sustentado pelas fortes influências positivistas da época e diante de rupturas com a Igreja
Católica, o Estado republicano, com um projeto civilizatório para o país, tomou diversas
iniciativas assumindo o controle em setores sociais como urbanização, educação e saúde,
através dos movimentos Eugenista, Higienista e da Escola Nova23.
O higienismo, um movimento oriundo da Europa e fruto da industrialização francesa,
inglesa e alemã, objetivava soluções científicas para problemas sociais. Insere-se entre o
capital e os trabalhadores com vistas a promover melhorias na saúde da população
trabalhadora e ao mesmo tempo atingir aumento de produtividade. Assim, em busca da saúde
coletiva e individual da população constrói o lema de que um povo saudável e educado é
sinônimo de progresso.
Eugenia é um termo criado pelo fisiologista inglês Francis Galton (1822-1911) que
baseava seus estudos genéticos na teoria de evolução social, idealizando aumentar o
nascimento de indivíduos mais capazes e diminuir o nascimento dos incapazes. Define-se,
portanto, como a ciência que estuda as condições favoráveis à melhor manutenção da espécie.
Para Boarini e Yamamoto (2004) a marca das propostas eugenistas está no controle da
constituição do indivíduo, através do controle da reprodução.
Estas propostas chegam ao Brasil na virada do século XIX para o XX articulada pelo
saber médico e com o endosso do Estado, torna-se um meio para a formação de uma
identidade nacional. Nesse caso, foram propostos, por exemplo, programas em prol da
organização da sociedade, prevenindo-a dos fatores degenerativos a partir do controle dos
casamentos a fim de evitar cruzamentos genéticos entre delinquentes e anormais. Contudo,
estes programas não se concretizaram.
A literatura consultada, como Manasera e Silva (2000), Góis Junior e Lovisolo (2005)
e Ghiraldelli (2007), registra estudos diversos abordando as relações entre o movimento
higienista e a eugenia sob diferentes prismas e em áreas de conhecimento distintas como
Biologia, Antropologia, Medicina/Psiquiatria, Educação e Educação Física.
No que se refere à Psicologia, estudos recentes, como os de Patto (2000) e Boarini e
Yamamoto (2004) apresentam indícios sobre a relação da Psicologia com o higienismo e a
eugenia. Naquela época, os estudos psicológicos, originários da Europa, chegavam ao Brasil
23
Também conhecido por “Educação Nova” foi um movimento iniciado no final do século XIX, na Europa, em
contraposição à pedagogia clássica humanista. Assim como o Higienismo também mobilizou a elite
intelectual e política desse período na luta contra o analfabetismo, um “mal social”.
67
através das leituras daqueles autodidatas neste campo, em geral, médicos ou, como
encontramos nos periódicos, também militares.
em prol da experiência de produtividade, aqui, essa função é observada apenas nesse primeiro
momento, que coincide com o início do processo de industrialização no país. Logo em
seguida, a elite intelectual brasileira aproximando-se de tendências eugênicas passa a
considerar os “problemas raciais e de miscigenação”, na busca de uma “higienização da raça”.
Para completar esse cenário, o mundo, já vivia uma crise econômica, por consequência
dos resultados da Primeira Guerra Mundial, que deixou a economia americana em situação
calamitosa, gerando a crise de 1929. O Brasil que dependia da importação de produtos
americanos manufaturados e, essencialmente, da exportação do seu café, na época o motor da
economia brasileira, tem sua demanda internacional drasticamente reduzida,
concomitantemente a uma excessiva safra de café nessa década.
O país crescia de forma complexa e passava por transformações em diversos setores,
mas nem sempre de modo organizado e harmonioso (FERREIRA; PINTO, 2006). Além
disso, articulações políticas e militares culminaram com o fim da Primeira República (1889-
1930) e do sistema oligáquico, gerando a Revolução de 1930, que dentre outras
consequências, culminou com o fim da hegemonia da burguesia do café, expressando a
necessidade de repensar a estrutura econômica do país (FAUSTO, 1997).
Para tentar explicar tantos problemas, em especial a crise econômica, algumas teses
surgiam. Dentre elas estava a tese fatalista, com base na eugenia culpando os brasileiros de
raças “inferiores”, constituídas pelos negros, pobres e indigentes, como fracos para o trabalho.
Para os adeptos desse pensamento como o sociólogo e jurista carioca Oliveira Vianna (1883-
1951) era necessário “eugenizar” a raça brasileira através de estratégias de
“embranquecimento da raça” como a esterilização dos negros e a regulamentação dos
casamentos.
Tais argumentos encontravam resistência em outra vertente também higienista, a
intervencionista que, diferentemente da anterior, justificava as mazelas do povo brasileiro
pelo abandono do Estado em relação às questões de saúde e educação. Entre seus defensores
estavam Belisário Penna e Miguel Couto. Desse modo, as questões sociais e econômicas eram
mais relevantes que os determinantes raciais24 (GÓIS JUNIOR; LOVISOLO, 2005).
A Medicina foi, talvez, a ciência que mais abraçou os ideais higienistas. Com a
hegemonia do saber médico, os profissionais dessa área estavam autorizados a prescrever não
24
Para Góis Junior e Lovisolo (2005), o movimento higienista no Brasil não obedece as mesmas configurações
originárias da Europa e EUA, por se estenderem além dos anos 1940, permanecendo até os dias atuais com
algumas adaptações.
69
só medicamentos, como também novos hábitos em todas as condições que, de alguma forma,
afetassem a saúde, a saber: escola, trabalho, moradia, higiene corporal, lazer e moralidade.
Se por um lado médicos como Oswaldo Cruz (1872-1917), Belisário Penna (1868-
1939) e Miguel Couto (1865-1934) abraçavam o projeto desenvolvimentista e os cuidados
higiênicos de controle dos hábitos da população, outros intelectuais, também adeptos desse
movimento, como Monteiro Lobato, Gilberto Freyre, Fernando Azevedo e Manoel Bonfim
pensavam sobre tais mazelas questionando os motivos de tantos problemas diante das
riquezas naturais e da extensão demográfica do país (GÓIS JUNIOR; LUVISOLO, 2005).
O Estado encontrou nas Forças Armadas, em especial Exército e Marinha, outro
aliado, além da Medicina. Juntos seguiram no projeto desenvolvimentista em busca do
homem ideal para representar essa grande nação. O Exército por seu papel mediador em
outros momentos de conflitos sociais, conforme Skidmore (2007) e como liame unificador de
várias frações da classe dominante, segundo Fausto (1997), mais uma vez se apresenta para
ajudar o país a construir uma nova estrutura nacional, assim como uma raça brasileira.
Mas para isso seria necessário, portanto, disciplinar os corpos e educar a mente dos
cidadãos, pois de outro modo os ideais de desenvolvimento previstos para a nação não
aconteceriam, como observamos nas palavras de um autor desconhecido cujo artigo
“Educação Physica: como deve ser compreendida e praticada” foi publicado na Revista
Educação Physica.
ficava refém de seus “nervos” e precisava se tornar obediente para enfrentar as guerras e os
desafios da vida moderna, como defende o Capitão Inácio de Freitas Rolim em seu artigo
“Educação Moral e Educação Física” publicado na Revista EsEFEX. Para ele
[...] a educação física pode ser considerada não só como uma preparação física para
a guerra, como também uma preparação moral, visto como a vida do soldado em
campanha consiste, tanto em resistir à fadiga, como em vencer os sofrimentos e
desprezar os perigos. [...] em tempos de paz, é a educação física a forma de trabalho
mais aconselhável para uma preparação compatível com as exigências da guerra
moderna, [...]. A fôrça moral do soldado mantêm-se graças ao espírito de disciplina
[...] (ROLIM, 1935, p. 35).
Como estes periódicos se organizam a partir dos anos trinta, divulgavam as teorias
mais modernas, que já não falavam de uma culpa da raça negra ou indígena em
nossa debilidade física. [...] O consenso sobre a intervenção sobrepujava as
diferenças teóricas, construindo um pensamento legitimador a favor da prática.
(GOIS JUNIOR; LUVISOLO, 2005, p. 326-327).
No entanto, diante do papel da Educação Física para a construção de uma nova raça
brasileira, esses autores apontam outros embates teóricos passíveis de identificação nos
periódicos dessa área.
Para Góis Junior e Luvisolo (2005, p. 323) “[...] duas correntes [galtoniana e
lamarckista] reproduziam as contradições entre intervenção governamental no campo da
educação e a determinação genética inferior do brasileiro”. Um desses movimentos era
sustentado pela teoria de Galton, que se baseava nos estudos de Darwin e era favorável a uma
política eugênica. Tal política tinha implicações com movimentos racistas de controle e
planejamento da reprodução através da regulamentação dos casamentos e esterilização dos
doentes.
71
Segundo Góis Junior e Luvisolo (2005), essa concepção era respaldada pelo professor
catedrático de Higiene Aplicada, Fisiologia e Anatomia da ENEFD, Waldemar Areno, um de
seus defensores. Este, embora adepto da teoria galtoniana, acreditava que a Educação Física
era um elemento indissociável da educação, mas não podia ser transmitida geneticamente,
pois era um hábito higiênico capaz de aprimorar e conservar a saúde individual e coletiva. Na
sua visão, apenas através da eugenia seria possível a melhora da raça.
O segundo movimento, o lamarckista25, de caráter intervencionista, era defendido por
Fernando de Azevedo (1894-1974), educador muito presente nos primeiros periódicos de
Educação Física, adepto da democratização da saúde e da educação e o principal nome do
movimento dos educadores, base dos escolanovistas. Para essa vertente, como a raça
brasileira ainda estava se constituindo, uma reforma social daria ao povo condições de superar
suas debilidades, adquirindo novos hábitos higiênicos e condições de trabalho. Tais
características poderiam ser transmitidas geneticamente no futuro. Esse foi o caminho adotado
pela educação física pedagogicista (GÓIS JUNIOR; LUVISOLO, 2005).
Embora o movimento galtoniano não tenha se estabelecido no Brasil, ainda assim há
muito de suas influências nos ideais da Educação Física brasileira, conforme pode ser
constatado nos primeiros periódicos publicados nos anos 1930, como a Revista Educação
Physica e, principalmente, a Revista de Educação Física do Exército (EsEFEx), que em
alguns artigos apresentam, claramente, pressupostos eugenistas. Na primeira revista, por
exemplo, retomando “A Educação Physica: como deve ser compreendida e praticada” vemos
que o autor revela suas crenças nos benefícios dessa prática
Nesse período, os esportes já eram mais valorizados e praticados no Brasil. Além dos
benefícios físicos esperados pela prática esportiva, era também atribuída à Educação Física a
formação do caráter. Observamos que os avanços dessa área eram proporcionais ao seu
reconhecimento social.
No artigo “A Educação Physica no Exército” escrito pelo Major do Estado Maior do
Exército Faustino Filho, em 1937, e publicado na Revista Educação Physica é possível
25
Movimento baseado nas ideias de Jean-Baptiste Pierre Antoine de Monet (1744-1829), também conhecido
como Chevalier de Lamarck. Criou uma teoria da evolução defendendo que as características das espécies
mudariam com o tempo. Essa teoria foi superada pelos estudos de Darwin e sua lei da seleção natural das
espécies (FARIA, 2009).
72
identificar sua reverência aos benefícios da Educação Física, que acredita terem sido
reconhecidos, ao longo da história, pelas nações que a utilizam em prol das guerras.
[...] As nações precisam de homens fortes para a sua defesa e somente os que
tiverem adestramento physico estarão em condições de influir directamente na
obtenção d‟uma victoria. A história que é mestra nos ensina a influencia que a
educação physica tem exercido no destino dos povos [...] (FAUSTINO FILHO,
1937, p. 13).
O autor segue o texto valorizando a prática de esportes no Brasil que, em sua visão,
começou como mera distração por praticantes isolados de ciclismo, corrida, remo e equitação.
Segundo Faustino Filho (1937), só em 1888 o exercício físico como educação começa a
ocorrer através do futebol, a partir da criação de três associações: a Fundação São Paulo
Athletico Club, em São Paulo, e em 1902, o Payssandú Cricket Club e o Fluminense Foot-
Ball Club, no Rio de Janeiro. Continua seu texto ilustrando e elogiando as práticas físicas
oferecidas no Exército, que incluíam marchas de treinamento, gymnastica de aparelhos,
esgrima de baioneta, gymnastica respiratória e a sueca. Para o autor, a
[...] missão mais importante, qual seja a de contribuir com o maior factor para o
aperfeiçoamento da raça, que é a educação physica; competindo à sua Escola de
Educação Physica o preponderante papel de formar instructores e orientar a prática
desta educação, prescrevendo o methodo a seguir. É com ufania patriótica que
asseveramos: acha-se ella à altura de sua elevada missão. [...] (FAUSTINO FILHO,
1937, p. 16).
Embora a Revista Educação Physica fosse da iniciativa privada, era comum haver a
presença de autores militares, fornecendo informações e tecendo elogios sobre as atividades
do Exército. No entanto, o discurso dos militares torna mais explícitos os princípios eugênicos
na Revista EsEFEx. No artigo “Eugenia e a Constituinte”, em 1933, sem autoria definida, a
existência desse movimento é representada por uma descrição da Comissão Central de
Eugenia “constituída na capital da Republica com objetivo de estudar e divulgar os ideais de
regeneração física e moral do homem”. Tal comissão apresentou onze proposições baseadas
na Comissão da Sociedade Alemã de Higiene Racial, criada em 1931. Entre as proposições
que mais caracterizam a presença dos ideais eugênicos, destacamos essas três:
[...] 7) Medidas legais que facultem o casamento, na idade mais favorável e precoce
possível para a procriação, de todos os indivíduos considerados eugenizados e de
valor intelectual aprovado.
8) Seleção rigorosa para os candidatos a cursos acadêmicos e para cargos públicos,
tendo em vista premiar os indivíduos somato-psiquicamente superiores, de moral
reconhecida e de boa linhagem no sentido eugênico.
9) Impedimento ao casamento do indivíduos patentemente degenerados, tarados e
dos que, pelos seus antepassados, provenham, evidentemente, de ascendentes com
cabedais genotípicos incompatíveis com bôa progenitura (EUGENIA..., 1933, não
paginado).
73
Abreu (1933d) afirma que o Brasil também levará seus representantes da perfeição
moral e física, embora ainda estivessem longe do ideal e sem poder afirmar vitoriosamente
seu valor racial. Apresenta votos de sucesso do CMEF em favor do “alteamento eugênico”
(sic) do povo brasileiro.
Seguindo esse discurso ressaltando a importância da eugenia na formação da raça, J.
R. Toledo de Abreu ainda publica, no mesmo ano, os artigos “Cruzada Cívica e Eugênica do
CMEF”em abril, “Hegemonia da Raça” no mês de agosto e “ Um ano de atividade”, em
novembro. No primeiro, saúda o início dos trabalhos desse ano do então CMEF e ressalta os
feitos pela busca do ideal de perfeição da raça afirmando que
[...] um fatôr potente capaz de contrabalançar, com seus benefícios, todo rigôr
daquêles máus influxos. E esse é, sem dúvida, o fatôr eugênico que deverá operar
pela educação física metódica e sistemática, isto é, científica. Só esta poderá realizar
o objetivo visado na melhoria da raça, em todos os seus aspectos.
Conhecidos os efeitos da prática da educação física racional, os seus reflexos sobre a
psiché individual e coletiva, a ninguém é dado descrer do milagre de redenção que
ela é capaz de operar! (ABREU, 1933b, p. 1).
No artigo que encerra as atividades do ano, o autor descreve a revista como um “órgão
de difusão técnica” e “instrumento de propaganda” por levar aos mais diferentes locais do
país seus ensinamentos e princípios. Toledo de Abreu no editorial “Um ano de Atividade”
(ABREU, 1933c) ainda enfatiza a importância da imprensa por sua atuação sempre solícita e
pelo apoio às causas nacionais, assim como à “Cruzada em bem da raça”. Para esse autor a
imprensa é
[...] coerente com a sua finalidade de orientadora da opinião pública, fiel a alta
relevância de sua missão social, a Imprensa não tem poupado esforços para nos
facilitar, por todos os meios de seu alcance, a consecução do ideal que nos empolga
[...] (ABREU, 1933c, não paginado).
As palavras do autor são claras quando situa a Revista EsEFEx como um instrumento
para disseminar as informações sobre Educação Física como também sobre os ideais
eugenistas.
Nos anos 1930, portanto, a preocupação higienista se mantém, mas sofre alterações de
acordo com as novas demandas sociais e políticas. Nessa primeira década de existência as
revistas pioneiras da Educação Física também veicularam artigos sobre as atividades físicas e
75
treinamento físico militar, novos conhecimentos pedagógicos, assim como técnicas biológicas
e esportivas, visando a uma atualização da sociedade nas atividades físicas.
A noção de higiene encontrada nos artigos, aos poucos, vai se direcionando ao
processo de educação do cidadão brasileiro no sentido de uma educação integral,
corroborando com a análise de Góis Junior e Lovisolo (2005) mencionada anteriormente. Os
investimentos iniciais visavam à criação não só de um soldado forte, mas do homem ideal
para a nação e a construção desse homem voltava-se cada vez mais à aquisição de novos
hábitos higiênicos que incluíam, além da vestimenta, dos cuidados com a saúde, com os
aspectos físicos e o ambiente escolar, também os aspectos mentais e morais do indivíduo.
Estes complementariam a formação do homem tornando-a mais completa, integral.
Gondra (2004) afirma que a perspectiva civilizatória atribuída à educação tornou-se a
tônica do discurso médico nesse período. Em nome da educação e da civilização seria
possível produzir um futuro novo, sem vícios, regenerando os indivíduos para a sociedade e
para os Estado. A Educação Física era considerada mais um meio propício para alcançar os
ideais nacionalistas de construção do novo cidadão brasileiro, pois entre seus princípios estava
a educação física e moral, mas para isso, a Educação Física deveria participar de todo o
processo de desenvolvimento do ser humano, desde a idade escolar.
Assim, ao longo do período pesquisado, encontramos o movimento higienista presente
nessa educação integral, agora como mais um movimento da Educação Física. Na verdade,
ainda em busca do mesmo ideal de formação do homem forte para a nação, mas
apresentando-se com outro discurso, excluindo os determinantes raciológicos. Seria a
transição da fase higienista, demarcada até os anos 1930, para as outras duas fases, a
militarista e a pedagogicista, conforme a classificação de Girardelli (2007) mencionada
anteriormente.
A maioria dos artigos relacionados à temática higienista encontra-se nos dois
primeiros periódicos – Revista EsEFEx e Revista Educação Physica -, certamente em função
de seu período de surgimento, a década de 1930, mas ainda é possível perceber que esse
movimento se estende até os anos 1950, quando ainda encontramos alguns artigos embasados
nessa perspectiva.
Com menos frequência e com discurso transformado, a mesma temática pode ser
encontrada nos outros dois periódicos – Revista Brasileira e Revista Arquivos –, na segunda
metade dos anos 1940. Em geral, tais artigos enfatizam o aspecto moral da formação daquele
homem ideal, embora os aspectos biológicos e físicos não desapareçam. Dentre os defensores
76
26
A Escola Normal transformou-se em Instituto Pedagógico de São Paulo, em 1931, tornando-se a primeira
experiência de sucesso a elevar os estudos dessa área ao nível superior. Em 1933, os objetivos desse instituto
foram ampliados, transformando-o no Instituto de Educação (BRZEZINSKI, 1996).
77
[...] A ideia capital não é a de formar atletas nem a de produzir monstros. Porque si o
desenvolvimento mental, sem equilíbrio físico produz neurastênicos, o
desenvolvimento físico, como preocupação exclusiva e absorvente, não formaria
homens equilibrados. O gosto pelo esforço, a resistência e o vigor físico, a disciplina
dos nervos e dos músculos, sob o domínio dum caráter viril e duma inteligência
esclarecida – êste sim, deve ser o ideal, necessário a todas as profissões a todas as
classes sociais, a ambos os sexos e a todas as idades. [...] (LOURENÇO FILHO,
1933, p. 7).
Portanto, reconhece a cultura física como intimamente ligada aos problemas gerais da
educação, como os ideais de desenvolvimento, adaptação social e aperfeiçoamento, uma vez
que “[...] o homem são, cultivado fisicamente, e preparado pelas qualidades do caráter, tem
por via de regra, uma predisposição para a moral [...]” (LOURENÇO FILHO, 1933, p. 7).
Outro autor que favorável à relação entre os aspectos físicos e psíquicos foi o médico e
professor do Instituto de Educação e Diretor da Assistência de Psicopatas do hospital
Nacional Plínio Olinto. Em seu artigo “Educação física e educação psíquica” (1933),
publicado na Revista EsEFEx afirma que a moderna psicologia do comportamento não mais
distingue o fisiológico do psicológico, justificando uma harmonia entre as funções vegetativas
27
Essa teoria será muito utilizada para explicar a formação do caráter e da personalidade, como veremos no
capítulo seguinte.
78
e a vida mental. Para esse autor “[...] cultura física é cultura psíquica. [...] O bem estar
corporal produz pensamentos nobres e elevados, desperta a inteligência a aperfeiçoa a moral
[...]” (OLINTO, 1933, não paginado).
Discurso semelhante e mais enfático sobre a importância da Psicologia no universo da
Educação Física está presente em outro artigo de Lourenço Filho “Psicologia e Educação
Física” (1935), publicado também na Revista EsEFEx, dois anos depois. Nele, o autor
reconhece o quão recente é a intervenção das doutrinas psicológicas na técnica e teorização da
cultura física. Afirma que algumas causas comuns têm levado o homem a certa concepção
psicológica, como a compreensão do corpo, de seu valor e de suas relações com o espírito.
Lourenço Filho (1935, não paginado) propõe que a Educação Física aprofunde esses
estudos a fim de verificar as influências deles sobre sua prática, afinal “[...] A psicologia de
hoje não separa o pensamento da ação. A educação de hoje não pode separar, também, o
exercício do corpo, da disciplina dos valores do espírito e do caráter [...].”
Para fundamentar seus argumentos, o autor destaca novamente, além dos trabalhos de
William James sobre emoção, citados em seu artigo anterior, os trabalhos de Hébert, “La
culture virile” (1913); de Bergson, sobre sentimento; os estudos de Feré sobre “Sensação e
movimento” (1887); os de Tissé sobre a fadiga (1896); ainda os de E. L. Thorndike sobre
fadiga muscular e intelectual e R. S. Woodworth (1869-1962) e seus estudos sobre
movimento, influenciando as concepções “ativistas” da Psicologia. Segundo o autor, todos
estes trabalhos tiveram repercussão na Educação Física.
Observamos que as interpretações e citações de autores como Lourenço Filho, Inezil
Penna Marinho, Hollanda Loyola, revelam influências dos estudos europeus a partir do século
XVIII, como o movimento empirista inglês e o cientificismo alemão, onde o primeiro
enfatizava a importância dos sentidos e o segundo buscava descrever seu funcionamento. O
pensamento positivista proporcionou uma convergência dessas duas versões de pensamento,
originando, entre outras coisas, o que seria uma nova ciência, a Psicologia. É a essa Psicologia
moderna que os autores dos periódicos da Educação Física se referem.
Lourenço Filho (1935) legitima seu discurso através da citação de teóricos importantes
na Psicologia daquela época. Ainda que fossem de abordagens distintas, para o autor
importava a ênfase na relação corpo-mente-espírito, até então ignorada pela Educação Física,
mas que entendia ser relevante para os estudiosos e profissionais dessa área que quisessem
pensar em uma educação integral.
Embora fosse um incentivador do estudo e da Psicologia na Educação Física, o que
nos ajuda a compreender o cenário fértil e favorável a uma aproximação entre estes dois
79
campos, Lourenço Filho não deixa de se manifestar adepto do higienismo e da eugenia. Seu
artigo “Educação Física e a futura raça brasileira”, de 1939, publicado na Revista Educação
Physica, ilustra seus argumentos nesse sentido. E mesmo que o autor não tenha se referido à
temática psi diretamente, consideramos importante manter este artigo por auxiliar na
compreensão dos referenciais adotados pelos estudiosos da Educação Física nessa época.
É com esta frase do filósofo Montaigne: “Para robustecer a alma é necessário
robustecer os músculos” que Lourenço Filho (1939) inicia o artigo. Complementa que, para
robustecer os músculos, é necessário educá-los. Diz que desde o tempo das cavernas, ou da
Grécia Antiga, os homens eram dotados de grande porte físico para lutar por sua
sobrevivência. Afirma que a ciência foi oferecendo recursos e a civilização gerou uma
acomodação a esse novo modo de viver.
Para o autor essa realidade leva o homem a lutar e a exercitar-se menos. A máquina
passou a fazer quase tudo e com mais eficiência. O conforto dessas conquistas gerou uma
acomodação. Relembra que, durante um século, já como nação, o Brasil tentou seguir
modelos europeus em busca de civilização, sem adaptação nem assimilação adequadas. “[...]
Em política almejávamos ser Inglaterra, como em literatura ser França. E queríamos realizar
um Brasil, sem olhar para a tela, só contemplando os modelos [...]” (LOURENÇO FILHO,
1939, p. 11).
O autor eleva a educação, em especial a Educação Física, ao nível de um instrumento
poderoso na luta contra as deformações e enfermidades advindas da vida moderna, pois, para
ele,
[...] se a vida nos obriga a muito mais trabalhos do espírito, outro remédio não há
que salve o corpo no abandono e na desnecessidade, senão a cultura ou o cultivo,
senão a educação física. Se as condições da vida civilizada lhe prejudicam o
funcionamento natural, que seja ele tratado especialmente. Sob pena de lesar os
rendimentos do próprio espírito e de se inferiorizar uma raça. [...] (LOURENÇO
FILHO, 1939, p. 10).
Afirma que nem todos têm noção do quanto a Educação Física precisa fazer parte dos
“projetos de correção e realização dessa pátria ideal”, e que as contribuições de nossa tríplice
raiz étnica – português, índio, negro –, nos gerou uma essência não construtiva, mas
sentimentalista e ornamentária, sem o dinamismo e força necessários para subjugar uma
natureza selvagem e exuberante.
80
O autor acredita que mesmo quando o homem é forte e sua aparência é negativa, como
o sertanejo de Euclides da Cunha, falta-lhe a plasticidade que uma estrutura atlética correta
possui: “[...] para que esse brasileiro do futuro surja da terra, suficiente, pletórico é necessário
que a nossa geração atual o prepare com uma educação completa, que é a intelectual e a física.
Chega de desdem pelo corpo [...].” (LOURENÇO FILHO, 1939, p. 12).
Adverte que é importante manter uma disciplina e regularidade na distribuição e
direcionamento de algumas modalidades atléticas na população, além de incentivar a
solidariedade e a sociabilidade, através da democratização, cooperação e congraçamento que a
atividade esportiva proporciona. Faz uma ressalva em relação ao futebol como uma
demonstração da urgência da Educação Física para o povo brasileiro, pois o considera um
esporte jogado apaixonadamente não apresentando por isso, uma “mentalidade esportiva”,
que se caracterizaria, dentre outros aspectos, por uma disposição mental adquirida pela prática
dos esportes, tenacidade, resistência, gosto de vencer, precisão da vontade, capacidade de
iniciativa.
Para o autor, longe de considerar a Educação Física uma panacéia capaz de sanar todas
as mazelas do cidadão brasileiro, em sua missão salvadora está a cura da apatia e resignação
diante da natureza, o combate aos vícios como o alcoolismo e outros agentes destruidores da
saúde. Lourenço Filho (1939, p. 12) ressalta ainda que a Educação Física não será, sozinha, a
responsável por salvar o povo brasileiro, mas em um tom eugênico o autor almeja que “[...]
ela contribua para esse saneamento racial e que ela é absolutamente indispensável, na
obtenção de um Brasil Grande [...].” O autor segue afirmando que
[...] Em luta, mais tarde, com a vida e a natureza, o brasileiro terá aprendido a
confiar, a ousar, a ter iniciativa e expediente, nas situações necessárias. [...]
Esmerando-se, durante a vida escolar e universitária pela manutenção de um físico
sadio e harmonioso, o jovem brasileiro capacitar-se-á da responsabilidade do próprio
vigor [...] A eugenia muito lucrará. Disseminar-se-á o hábito da higiene, de gosto
apurado, do conforto, o arejamento mental, as ventilações da alma, a tonificação
geral da espécie, produzirão o conceito sadio de existência, otimismo substituidor de
nossa melancolia tropical [...] (LOURENÇO FILHO, 1939, p. 12).
pela República; o advogado, diplomata e escritor maranhense Graça Aranha (1868-1931) que
em seu livro “Estética da vida”, apresenta o confronto entre teorias distintas sobre o papel da
imigração no futuro do país, onde uma manifesta a supremacia da raça ariana e outra a
integração do imigrante na realidade brasileira, resultando em uma democracia étnica. Em
comum, tais autores apontam, através da literatura, a impossibilidade de uma raça
homogênea.
Com outro enfoque, inserido na categoria educação/formação integral, objetivando
ressaltar a responsabilidade dos educadores físicos diante do processo de educação integral,
Hollanda Loyola, diretor técnico da Revista Educação Physica (1939-1944) e inspetor de
Educação Física no Ministério de Educação e Saúde, no ano de 1939 publica dois artigos,
com o título “Educação Moral” (1939a e 1939b), em números consecutivos da Revista
Educação Physica. Em ambos o autor considera que a educação intelectual completa a
educação integral do homem, que é a etapa máxima de seu aperfeiçoamento, a última etapa
em sua formação, influenciando no êxito do indivíduo, em sua vida e na coletividade.
No primeiro artigo, Loyola (1939b) destaca o papel dos educadores na história do
povo. Define a educação da inteligência como
Para o autor o conteúdo desse aprendizado deve incluir o conhecimento tanto de uma
cultura geral quanto de uma especializada para que o indivíduo possa projetar-se na sociedade
como um cidadão e também com uma profissão. Refere-se ao Brasil como uma nação
privilegiada e com um povo jovem, o que conferirá um futuro promissor. É necessário, então,
preparar esse povo jovem para
Seu outro artigo revela a educação moral como modeladora da personalidade, devendo
ser considerada a partir das relações com a família, a sociedade, a pátria e a humanidade.
Loyola (1939a, p. 9) atribui ao professor a responsabilidade de orientar a criança em relação
aos sentimentos e deveres que cada uma dessas instituições demanda. Tais cuidados vão
desde a formação de uma consciência a uma observação rigorosa da conduta. Em seguida,
82
descreve como cada instituição apresenta suas demandas e afirma que, para alcançar os
objetivos da educação moral, o caminho são processos racionais para criar no indivíduo a
consciência de boas regras e transformá-las em hábitos cotidianos. “[...] Não basta iniciar o
indivíduo no conhecimento dos sagrados deveres para com a família, a sociedade, a pátria e a
humanidade si ele não possui para fiscalizá-lo no cumprimento dessas obrigações esta força
poderosa – a consciência. [...]”.
O artigo que acompanha essa visão de forma mais pontual, é “Educação Physica”,
publicado em 1938 na Revista Educação Physica pelo neurologista da Faculdade de Medicina
do Rio de Janeiro A. Austragésilo. Trata da importância da Educação Física no
desenvolvimento do organismo, afirmando que a ginástica deveria ser realizada desde o início
da segunda infância. Ressalta que no Brasil as condições econômicas e a falta de uma cultura
escolar impedem que tais práticas aconteçam dessa forma e descreve algumas práticas
aconselháveis às crianças, como banho de sol e boa alimentação. Para o autor, a Educação
Física é mais importante que a educação intelectual, pois, além dos benefícios físicos,
estimula o bom humor.
Para Austragésilo (1938), a Pedagogia necessita da Medicina na fase escolar, uma vez
que esta visa a atender aspectos psíquico e físico, assim como a convivência social e a
nutrição. No entanto, a ciência ainda se encontra em uma condição rudimentar no Brasil, se
comparada a países como Inglaterra, EUA e Japão. Ressalta a existência da Inspetoria de
Propaganda de Educação Sanitária (IPES), responsável por campanhas a favor da boa
alimentação. Cita Nina Simmonds e seu livro “Alimentação e Saúde”, traduzido pelo médico
Arnaldo de Morais, como um bom exemplo sobre como praticar a alimentação saudável.
Conclui reforçando o valor e a importância da alimentação da criança em fase escolar, em
especial o uso do leite, pois beneficia os aspectos somático e psíquico da criança. Nomeia os
pais, os pedagogos e os mestres como responsáveis pela saúde infantil, pois sem ela o
aprendizado não se estabelece.
Um tripé de saberes se estabelece com a Medicina, Pedagogia e Educação Física
participando do processo de civilização e educação da população baseado na concepção
higienista. Não percebemos a presença da Psicologia de forma clara como em outros artigos,
mas a preocupação com a formação integral do homem para a nação inclui, além da boa
higiene e dos aspectos físicos, também os aspectos morais que se traduzem no controle das
emoções e na boa conduta. É importante ressaltar também que, ao tratar sobre boa
alimentação, não são discutidas as condições econômicas da população.
83
Na Revista Educação Physica ainda encontramos artigos nos anos 1940 com um
discurso voltado ao uso da Educação Física para a formação moral do soldado. “Educação
Moral e Educação Física” do Major Inácio Freitas Rolim, publicado pela segunda vez nesse
periódico em 1940 – a outra publicação fora em 1935, quando ainda capitão. Esse fato reforça
o argumento que esse movimento teve seu auge no período da Era Vargas e foi
incessantemente ressaltado nos periódicos dessa área. Nesse artigo, o Major inicia com
citações de regulamentos militares sobre a força moral do soldado como “[...] Exaltar o
patriotismo, desenvolver o espírito de sacrifício e o sentimento do dever militar, inspirar
confiança e fazer compreender a necessidade da disciplina – eis o objeto da educação moral
do soldado [...].” (ROLIM, 1940, p. 10).
Rolim (1940, p. 10) considera que todos os métodos são importantes para treinar o
soldado para enfrentar o perigo, dentre eles a cultura corporal enfatizada pelos filósofos,
citando Montaigne para quem “para endurecer a alma é preciso antes endurecer os
músculos”28.
Afirma que a ginástica é tida como uma prática que abrange todos os exercícios e isso
torna o homem mais inteligente, sensível, forte, habilidoso, flexível e ágil. Deste modo a
Educação Física é compreendida como uma preparação para a guerra e para a moral. É
considerada a forma de trabalho mais adequada em tempos de paz, pois oferece uma
preparação compatível com as exigências da guerra moderna e
[...] dá aos homens o sentimento do próprio valor como combatente. A força moral
do soldado mantem-se graças ao espírito da disciplina a estrita obediência das
ordens recebidas. [...] só pode haver real disciplina quando nosso próprio corpo
obedece as ordens emanadas do nosso próprio eu [...] (ROLIM, 1940, p. 10).
Rolim (1935, 1940) considera que uma boa oportunidade para desenvolver o espírito
de obediência, de disciplina, de vontade e do sistema nervoso é quando os homens executam
exercícios de flexão, pois estão submetidos ao ritmo fisiológico e mecânico. Cita o médico
Fernando de Magalhães que afirma ser a Educação Física a ciência do movimento e de suas
aplicações morais. Segundo Rolim (1940), outro benefício disciplinador da atividade física é
desviar os penitenciários das práticas de masturbação e pederastia, assim como dos maus
pensamentos, pois necessitam de repouso compensador para suas energias. Além disso, a
prática do desporto também tem ajudado a desviar os jovens dos vícios, pois,
28
Observe-se que é a mesma citação de Montaigne feita por Lourenço Filho (1939).
84
O autor também cita o General Spire, ex-chefe da Missão francesa que, em sua
conferência “Infantaria em luta contra a fadiga” alerta para as reações recíprocas entre as
fadigas do cérebro e dos músculos, afirmando que os homens moralmente abatidos pela
fadiga de vontade e do cérebro, mais rapidamente sentem o cansaço dos músculos, levando à
desmoralização de uma tropa. Em sua opinião, a solução mais eficaz é uma preparação física
judiciosa, capaz de exigir da máquina humana o máximo de rendimento e o mínimo dispêndio
de energia, alcançando a resistência, uma das qualidades mais almejadas pela prática
consciente da educação física. O preparo individual visa também o combate ao individualismo
que “campeia todas as camadas sociais”. Afirma que o logos fundamental para a formação do
caráter
[...] está baseado nos instintos e nas emoções. A conduta do homem depende de seus
sentimentos, mais do que seus pensamentos, e é assim que desejo e emoções têm
uma influência poderosa na realização de seus atos. Como os instintos e as emoções
mais importantes exigem para sua completa expressão a atividade muscular, é
evidente que os jogos devem ter um alto valor na formação do caráter [...] (ROLIM
1940, p. 73-74).
[...] pondo assim à disposição de todo gênero de autoridade, braços mais vigorosos,
peitos mais fortes e vontades mais temperadas.
Eis aqui a maneira das classes armadas indenizarem amplamente as despesas
julgadas exageradas com o serviço militar, melhorando física e moralmente os
soldados e fortificando as gerações sucessivas [...] (ROLIM, 1940, p. 75).
29
Esse artigo é uma atualização realizada a pedido de alguns leitores de artigo anteriormente publicado, em
1944, na Revista Brasileira com o título “Conceito bio-socio-psico-filosófico da Educação Física em
oposição ao conceito anatomo-fisiológico”. Cf. Marinho (1944b).
86
30
Portaria n° 70, de 30 de junho de 1931, assinada pelo Ministro da Guerra, General Nestor Sezefredo Passos
que previa obrigatoriedade do ensino de educação física para ambos os sexos a partir de seis anos em todas as
escolas nacionais.
31
“[...] já em 1921 havia o Regulamento de Instrução Física Militar, destinado ao Exército e calcado no Project
francês [...]” (CASTRO, 1997, p.5). Lembramos que o CMEF transformou-se na EsEFEx, em 1932.
87
Desde algum tempo temos verificado entre alguns responsáveis pela educação física
no meio civil, certa inquietação, decorrente da prática do método francês nos
estabelecimentos de ensino primário, secundário, superior e sociedades desportivas
em geral.
Procurando verificar as causas dessa agitação, verificamos que ela decorre da
dificuldade de aceitação por parte desses dirigentes, dos processos de trabalho e das
regras relativas a êsses trabalhos preconizados pela ESCOLA DE JOINVILLE LE-
PONT. [...] (O METODO..., 1948, p. 2).
[...] as ciências de que nos valemos para educar o ser humano jamais poderão ser
solicitadas na mesma medida; há prioridade de uma sobre as outras em função do
escopo que se busca. Não é com predomínio de princípios de ordem fisiológica que
conseguiremos desenvolver a inteligência do homem; [...] (O METODO..., 1948, p.
5).
levantados no sentido de discutir a viabilidade das críticas, sob a alegação de que são
necessários mais estudos de laboratório e mais experiência para legitimá-las e ainda que “[...]
estas investidas são por demais débeis para minar os alicerces em que se encontra apoiado o
verdadeiro método condensado pela Escola de Joinville [...].” (O METODO..., 1948, p. 4).
Dentre as conclusões levantadas pelo artigo, destacamos: o método francês é
considerado plenamente satisfatório a todos os objetivos da Educação Física; a EsEFEx se
esforçará, junto às escolas civis, em uma adaptação do método francês de acordo com as
necessidades, sem contudo transgredir a aplicação dos princípios pedagógicos adotados pelo
método em questão; e por fim, a criação de um novo método dependeria de muitos anos de
estudos e observações no âmbito da ginástica e nos laboratórios.
Entendemos que apesar da imposição do método francês, os descontentes tinham voz,
vide alguns autores dos periódicos. Marinho (1948), por exemplo, embora pareça de acordo
com essa metodologia, apresenta sua proposta de adaptação ao método por considerá-lo
deficitário no aspecto psicológico. Neste texto comenta alguns pontos do Regulamento Geral
e destaca o capítulo II, dedicado às bases pedagógicas da Educação Física que descreve quatro
regras para a aplicação do método, três de natureza fisiológica e uma psicológica, quais
sejam: grupamento dos indivíduos, adaptação do exercício, atração do exercício e verificação
periódica da instrução.
Marinho (1948) ressalta que, para as regras de natureza fisiológica são destinadas oito
páginas, enquanto que para as psicológicas, apenas oito linhas. A regra psicológica – atração
do exercício – orienta os professores a tornarem as atividades atrativas e prazerosas aos
alunos. Entretanto, tais esforços ainda não foram suficientes. O conhecimento psicológico
deveria ser utilizado pelos professores no sentido de estimular os alunos no processo de
aprendizagem.
Para o autor, os anos de experiência da Divisão de Educação do Ministério da Saúde
fizeram com que esta percebesse a necessidade de rever os métodos usados nas escolas
primárias e secundárias, propondo mudanças que incluíam fundamentos biológicos,
psicológicos e sociológicos que deveriam satisfazer um método nacional de Educação Física.
Seria, em sua visão, a substituição do conceito anatomo-fisiológico pelo conceito bio-psico-
sociológico. Assim, “[...] O papel da educação física estaria representado pelo trabalho capaz
de desenvolver o homem até o máximo de suas possibilidades somato-psíquicas para melhor
colocá-lo a serviço da sociedade. [...]” (MARINHO, 1948, p. 36).
O autor esclarece cada um dos pontos do conceito bio-psico-sociológico em seu artigo.
Sobre o aspecto “biológico”, cita o biologista francês Alexis Carrel e sua obra “O homem esse
89
32
Cf. Carrel (1936).
90
funções da DEF no Ministério da Educação e Saúde (criada em 1937 e cujo responsável era o
Major João Barbosa Leite). Revela ainda que, quando Diretor do Departamento Nacional de
Educação, teve a incumbência de instalar a DEF e acompanhar suas realizações. Explica seu
empenho em função da visão de buscar uma educação integral, pois “[...] A cultura física não
visa apenas o corpo. Visa a personalidade. Não é tão somente os músculos que ela deve falar.
Mas, a toda a pessoa, e, assim, ao corpo e ao espírito.[...]” (LOURENÇO FILHO, 1952, não
paginado).
Segundo o autor, Fernando de Azevedo, então Diretor Geral de Instrução Pública no
Distrito Federal, solicitou autorização para matricular professores de escola primária na
Escola do Exército. Assim, militares e civis caminhariam juntos para o revigoramento físico
do povo brasileiro. A Escola de Educação Física do Exército cresceu muito em número de
atividades e na realização de pesquisas científicas. Também adquiriu novos materiais, criou
novos cursos de formação para especialistas em educação física, médicos e professores, o que
favoreceu a regulamentação da profissão no país e a criação da ENEFD, em 1939, na UB,
através do decreto-lei 1212, assinado pelo Presidente Getúlio Vargas e pelo então Ministro
Gustavo Capanema, no mesmo ano.
Lourenço Filho (1952) ressalta, ainda, o mérito da Escola do Exército pela iniciativa
de criar um curso especial ministrado por técnicos dessa escola, em 1938, para o qual foi
escolhido como organizador o Major Inácio Rolim, que também exerceu a função de redator-
chefe na Revista da EsEFEx por vários anos e foi o primeiro diretor da Escola da UB, a
ENEFD.
Diferentemente dos artigos anteriores, onde o autor fundamentava teoricamente seus
argumentos em favor da educação integral, aqui, mais de uma década depois, ele parece mais
interessado em demonstrar seus feitos em funções administrativas e reconhecer o papel do
Exército como precursor da institucionalização da Educação Física.
Peregrino Junior catedrático da ENEFD e um dos diretores da Revista Arquivos,
periódico dessa escola, em seu artigo “Sentido Espiritual da Educação Física” publicado na
Revista EsEFEx, em 1952, também enfatiza o relevante papel da Educação Física na
construção de um novo homem, considerando os aspectos fisiológicos e psicológicos de uma
educação integral, um discurso iniciado nos anos 1930. Para o autor
[...] A Grande obra a realizar, pois, não é apenas construir fábricas, pontes, estradas,
palácios ou usinas, nem promover o progresso material do mundo: é, antes e acima
de tudo, melhorar a qualidade humana do homem, criar uma disciplina
fisiológica, psíquica e profissional, - a grande obra redentora e salvadora é a criação
de um homem novo – equilibrado e completo, sadio de corpo e alma, honesto, forte
e lúcido [...] (PEREGRINO JUNIOR, 1952, não paginado, grifo do autor).
91
Peregrino Junior (1952) cita Tomás de Aquino e o filósofo italiano Aloysius Taparelli
(1793-1862) para afirmar a necessidade de gerar homens fortes e eficientes. Relaciona os
conceitos espiritual e psíquico à lucidez e à saúde da alma.
Assim como Peregrino Junior, seu contemporâneo de cátedra na ENEFD, Carlos
Sanchez de Queiroz, em 1964, ainda defendia um ensino de qualidade baseado na higiene e na
educação, confirmando a tese de Góis Junior e Luvisolo (2005) que a Educação Física
brasileira conservou os ideais higienistas e ainda os mantêm, embora transformados, na
atualidade.
Queiroz (1964) é outro autor que se preocupa com a qualidade da educação. Na
Revista Arquivos, transcreve sua Conferência “Condições psicológicas para aplicação do
ensino-de-qualidade à higiene, à educação e à recreação realizada”, em 1964, apresentada no
VI Congresso Internacional de Saúde, Educação Física e Recreação, no Rio de Janeiro, em
1963. O evento foi promovido pelo International Council on Health, Physical Education, and
Recreation (ICHPER).
Nesse texto, o autor procura estabelecer a diferença entre ensino de qualidade e
tecnicismo profissional. Considera que os preceitos dos movimentos na Educação Física têm
base behaviorista, mas acrescenta que a didática baseada em Dewey e W. James apresenta o
interesse motivando a ação. Fundamenta sua visão de aprendizagem em W. Khöler e afirma
que não se aprende fazendo, mas pensando no que se faz. Seguindo Ribot, Queiroz (1964, p.
29) afirma que o ato desportivo não é a expressão de reflexos condicionados, e pergunta-se se
o atleta não teria consciência plena do que realiza no momento da competição. Considera
aprendizagem gímnico-desportiva um fenômeno psíquico, pois afirma que a razão organiza e
dirige os movimentos dos atletas. Conclui seu artigo afirmando que “[...] as condições
psicológicas do homem constituem os fundamentos científicos para aplicação correta do
ensino-de-qualidade à higiene, à Educação Física e à Recreação.”.
O discurso de Carlos Sanchez Queiroz em muito se difere dos demais artigos. No
entanto, o autor fala sobre o ensino de qualidade relacionando higiene, educação física e
psicologia, temas presentes em todos os artigos selecionados nesse capítulo. Algumas
considerações podem nos fazer entender a diferença de seu discurso em relação aos demais.
Nele, ocorre a defesa de uma teoria psicológica que valoriza a consciência e
autonomia do indivíduo diante do meio e uma crítica ao behaviorismo, que considera estar na
base dos preceitos da Educação Física. Queiroz (1964) parece partilhar do interesse de Nilton
Campos, catedrático de Psicologia do Instituto de Psicologia da UB, por outra escola
psicológica, a da Gestalt.
92
Nesse projeto de civilização do povo brasileiro a intervenção dos médicos também foi
considerada importante não só no âmbito da saúde física, mas em todo o processo de
educação do indivíduo, fosse ela intelectual, moral ou comportamental – a chamada educação
integral. A ideia principal era construir uma nação potente e para isso os homens tinham que
ser fortes em todos esses aspectos. Como dissemos antes, tais demandas fomentaram reformas
educacionais, pois havia a necessidade formar professores para educar também o físico e
consequentemente criaram-se espaços apropriados, como a EsEFEx para viabilizar uma
educação baseada na disciplina e no controle.
O saber psicológico, como mais um produto da Modernidade, assimila as influências
desse contexto caracterizado pela ruptura com a tradição e estímulo ao novo e ao progresso,
entendendo as demandas emergentes como fruto da capacidade e da potencialidade humana.
(JACÓ-VILELA, 2001, p. 25).
Além do progresso, noções como civilização, a distinção entre público e privado, a
valorização exacerbada da técnica e das máquinas trouxeram consigo mudanças agudas na
noção de tempo e espaço nas sociedades ocidentais (EWALD, 2001). Foi o momento de
valorização da velocidade dos acontecimentos, do conforto e das facilidades. O mundo passa
a viver em função dos ideais modernos e o Brasil, não imune a esses efeitos, lutou para
inserir-se cada vez mais nessa Modernidade.
O efeito dessas transformações pode ser ilustrado por Mancebo (2002) quando afirma
que o modelo racional de fazer ciência, construído pela revolução científica dos séculos XVI e
XVII e por seus representantes principais, Bacon e Descartes, influenciaram o surgimento de
novas formas de relação entre sujeito e objeto de conhecimento. Assim, o sujeito, agora
senhor de suas vontades, autoconsciente, centro e fundamento do mundo, passou a ocupar
lugar mais definido na Idade Moderna.
como dissemos, tentava retomar o modelo grego, onde a formação do cidadão incluía a
purificação do espírito e o cultivo da beleza do corpo.
As atividades físicas não poderiam mais ser executadas sem um objetivo específico e
as atividades circenses, embora exercendo grande fascínio na sociedade europeia, bem como
na brasileira no século XIX, passaram a ser temidas pela burguesia, pois nelas o corpo era tido
como centro do espetáculo – por isso também a repressão à capoeira. O corpo, livre para
executar qualquer movimento, ameaçava a ideia de disciplina e o controle social. O corpo
deveria servir ao trabalho e não apenas para despertar o riso e as emoções. Em lugar de
incentivo às atividades lúdicas, surgiram os exercícios físicos em série, pensados para partes
específicas do corpo, atendendo a grupos musculares e funções orgânicas com objetivos úteis.
A gymnastica33 passa a ser o meio de intervenção racional no corpo, a razão médica
garantindo a organização de sua aplicação e o controle do corpo e das emoções para favorecer
a civilização. Entretanto, se no fim do século XIX a Educação Física era imposta pelos
médicos, no século XX, passou também às mãos do Exército brasileiro que, assim, assumiu o
controle sobre o corpo.
[...] A defesa do movimento e do exercício fica, pois, ancorada em uma ordem, uma
série, em ações sucessivas que desenvolveriam os músculos, duplicariam as forças e
educariam os movimentos corporais segundo o modelo de „gymnastica‟ estabelecido
pelos higienistas, que inscreviam o corpo e as atividades corporais em sua órbita de
ação [...] (GONDRA, 2004, p. 298).
Como dissemos antes, além do higienismo, o movimento da Escola Nova também foi
importante nos anos 1920-1930. Influenciado pelo pragmatismo e funcionalismo norte-
americanos, buscava contornos científicos e preconizava uma educação racional e prática,
voltada para a experiência.
Ferreira Neto (1999) afirma que os regulamentos de ensino do Exército, citados
anteriormente, foram marcados por um ensino objetivo e pela praticidade dos métodos e
processos, responsáveis por um ensino do “fazer para aprender”, onde o uso do laboratório, do
trabalho de campo, da experimentação e do exercício aplicativo caracterizavam uma doutrina
didática moderna, baseada nos ideais da Escola Nova e da psicologia da aprendizagem.
33
A concepção de gymnastica refere-se à ginástica racional higiênica ou terapêutica, baseada em dados
fisiológicos, conforme citação anterior de Soares (2005).
95
Tenente Antonio de Mendonça Molina, em 1932, na Revista EsEFEx, são enfatizados os três
aspectos aos quais a Educação Física se destina: a educação física, moral e intelectual. No
entanto, o autor questiona por que o aspecto físico vem sendo deixado de lado em detrimento
dos demais. Ele entende que, nos tempos modernos, por iniciativa de pedagogos e filósofos, a
necessidade do desenvolvimento integral do corpo humano impulsiona a uma educação física
aliada à moral e à intelectualidade. Mas, na visão do autor, para a efetivação disso, seria
necessário adotar um método que oferecesse um ponto de vista estritamente científico dos
meios e exercícios para que pudesse tornar-se um método nacional (MOLINA, 1932).
Molina (1932, não paginado) afirma que, dentre os métodos mais conhecidos, foi
escolhido o francês34 por seu caráter generalista, por atender a ambos os sexos, servir a uma
diretriz e basear-se no conhecimento das ações e reações orgânicas dos exercícios nas diversas
idades, enfocando os aspectos pedagógico e psicológico no sentido de manter o interesse dos
praticantes. A Educação Física é, pois, “[...] o único meio de regenerar a raça francesa e salvá-
la da ruína [...]. É este método científico-fisiológico e psicológico – idealizado para uma raça
latina como a nossa que adotamos.”.
Em meio a toda essa discussão metodológica emergia também a necessidade de uma
formação técnica diante da demanda educacional em formar homens fortes e saudáveis para
representar a nova nação brasileira. Havia ainda a dificuldade em manter a autonomia do
Exército, com a constante necessidade de investir em seus quadros para enfrentar os conflitos
e tensões sociais. Tais elementos explicam, em parte, o investimento do Estado para a criação
das Escolas de Educação Física nos anos 1930.
[...] Dentro desse percurso, a década de 1930 vai assinalar, ainda, entre outras
realizações, a criação da Escola de Educação Física de São Paulo em 1934; a
regulamentação da Escola de Educação Física da Força Pública do Estado de São
Paulo (criada em 1909), com o Decreto 7.688, em 1936; e a criação da Escola
Nacional de Educação Física e Desporto (ENEFD), na Universidade do Brasil, em
1939, Decreto-Lei 1212 [...] (BENITES; SOUZA NETO; HUNGER, 2008, p. 345).
34
O decreto n. 14.784, de 27 de abril de 1921, previa a regulamentação do método francês baseado nas “[...]
leis physiologicas que regulam o crescimento e o densenvolvimento do homem [...] para a preparação
physica dos soldados. Tal tem sido a excellencia dos resultados obtidos com esses methodos, que haverá
certamente interesse em applica-los no Brasil, quer para a educação das creanças até 16 annos, quer dos
adultos. [...]” (BRASIL, 1921, não paginado).
98
35
No Brasil, surgiram, nesta época, os primeiros movimentos políticos radicais, com orientação ideológica
distinta: o Integralismo, movimento fascista da direita, liderado por Plínio Salgado e a Aliança Nacional
Libertadora (ANL) comandada por Luís Carlos Prestes, e que representava os sindicatos dos trabalhadores,
ainda que em pequena escala. Cf. Skidmore (2007, p. 39).
100
políticos de São Paulo chegassem ao poder. Embora houvesse uma aproximação e simpatia
entre a classe média e os tenentes, o tenentismo não se configura como um movimento que
levou a burguesia ao poder, mas como um movimento que se propõe a operar reformas
pequeno-burguesas, como as realizadas no âmbito educacional, mesmo sem muita
participação da burguesia da época.
Ainda envolto em muitos conflitos políticos, na tentativa de modernizar o país, o
Estado mantinha sua hegemonia e ampliava seu poder de ação em áreas diversas da
sociedade, carente de outras forças mobilizadoras. Segundo Lenharo (1986, p. 22).
O Estado assume o lugar desse agente histórico, pois a luta de classes no Brasil não
acontecia de maneira expressiva, ao menos aos olhos dos marxistas, que buscavam por classes
sócio-econômicas bem definidas: a burguesia e o proletariado. Com o processo de
industrialização tardio, se comparado ao primeiro mundo, o Brasil se constituía de camadas
populares diversas distribuídas em todo o território nacional.
Havia então a necessidade de educar os trabalhadores para alcançar a tão desejada
Modernidade. Os sindicatos passaram a ser um instrumento do Estado para alcançar tal
objetivo sem que este perdesse o controle e o poder de ação sobre os trabalhadores. O período
que vai dos anos 1920 até 1945 será marcado pela crise no sistema oligárquico do país e pela
emergência de massas urbanas no cenário político nacional, que
dissemos, esse é mais um viés dentro do processo civilizatório brasileiro no século XX. Sobre
outras tentativas de disciplinar o povo houve manifestações de várias maneiras, como
acrescenta Lenharo (1986, p. 37-38): “[...] são muito claros, portanto, os delineamentos
políticos de transformação dos sindicatos em „escolas de união e disciplina‟, uma estratégia
institucionalizada visando o congelamento das posições de classe e a instrumentalização
disciplinar dos trabalhadores [...].”
Resta saber, portanto, em que bases se encaixam Psicologia e Educação Física nesse
contexto? É que paralelamente a esses acontecimentos políticos, o Brasil vivia um momento
de sedimentação de alguns saberes, dentre eles a Educação e a Medicina; afinal, se o país
precisava se desenvolver com ordem e progresso, a saúde e a educação eram prioritárias. Esse
período apresenta uma característica básica: a militarização do corpo. Logo, para que a
sociedade se transformasse de acordo com os objetivos da Modernidade e o país se tornasse
desenvolvido era necessário que o corpo dos indivíduos fosse fisicamente educado e
favorecesse o desenvolvimento de faculdades morais mais elevadas (LENHARO, 1986). Esse
contexto torna-se um cenário favorável para que a Educação Física também se estabeleça
como um saber científico, útil à sociedade.
Sem dúvida, o que Lenharo (1986) nos apresenta sobre a militarização do corpo nos
anos 1930-1940 ilustra a emergência de práticas que vêm se afirmando ao longo dos anos,
onde podemos encontrar campos heterogêneos como Medicina, Educação Física, Exército e
Psicologia caminhando em paralelo e construindo novas relações. O que torna esse período
assaz importante é o fato de ele situar o início de institucionalização da Educação Física e da
Psicologia.
Assim, vimos que a Medicina adquirira prestígio social junto ao Estado, desde finais
do século XIX, com a responsabilidade de civilizar e higienizar as massas a partir de normas e
estratégias de saúde pública. A Educação Física e a Psicologia também integram esse projeto:
aquela como ferramenta para a disciplinarização dos corpos e esta como instrumento de
classificação através dos testes psicológicos e de teorias sobre a normalidade.
Nesse sentido, com a Revolução de 1930, considerada o marco para a industrialização
e urbanização do país e as estratégias políticas visando ao desenvolvimento industrializado do
país, os olhares das elites voltam-se para a criança, o “adulto de amanhã”. A infância parece
ser eleita como prioridade nas metas desenvolvimentistas do país, com iniciativas
contundentes do Estado com vistas à sua educação e o controle do futuro adulto.
Sabemos que nas décadas de 20 a 40, o país já tinha seus representantes em
competições internacionais como os Jogos Olímpicos. As preocupações do Estado voltavam-
102
se então para a saúde dos trabalhadores, mas também cediam lugar para o lazer,
principalmente quanto ao uso do tempo livre pelas crianças. A partir daí, experiências de
políticas públicas são desenvolvidas nesse sentido (SOARES, 2007).
O foco nas crianças perpassa alguns saberes da época e a Psicologia inicia seu
processo de institucionalização, inserindo-se em alguns órgãos públicos, dentre eles a Liga
Brasileira de Higiene Mental (LBHM), fundada, em 1923, pelo médico Gustavo Kholer
Riedel (1887-1934). Neste ano, Riedel criou também o Laboratório de Pesquisas Psicológicas,
da Colônia de Psicopatas, para o qual convidou o psicólogo polonês Waclaw Radeki (1887-
1953) para ser seu diretor. Este laboratório adquire relevo e em 1932, o Governo Provisório,
através do decreto n° 21.173, converte o Laboratório de Psicologia da Colônia de Psicopatas
em Instituto de Psicologia (IP) – subordinado ao Ministério da Educação e Saúde Pública –,
cuja finalidade principal seria criar um curso de formação de psicólogos profissionais,
oferecendo disciplinas aplicadas à Educação, à Medicina e ao Direito, conforme artigos 2° e
3° do decreto 21.173.
36
Esse Decreto ainda pode ser localizado em outros sites. Cf. http://www2.camara.gov.br,
http://www6.senado.gov.br, http://www.crpsp.org.br, http://www.psicologia.ufrj.br e
http://www.abepsi.org.br.
37
Ortofrenia (entendido como “correção dos nervos” ou “correção psíquica”).
104
de projetos, emendas e muitas negociações, segundo estudo realizado por Baptista (2010)
sobre o tema. Só no final dos anos 1940 uma mobilização em prol da regulamentação da
Psicologia começa a ficar evidente.
Mas também em São Paulo o movimento dos psicólogos estava se
organizando. A Sociedade de Psicologia de São Paulo (SPSP) existia desde 1945. Neste
período surgem os primeiros cursos de Psicologia na capital paulista, ainda sob o signo de
cursos de pós-graduação – Psicologia Educacional (1947), organizado pela USP e o de
Psicologia Clínica (1953) pela Faculdade de Filosofia Ciência e Letras Sedes Sapientiae e, em
1954, também de Psicologia Clínica na USP (BAPTISTA, 2010).
Anita Castilho Cabral (1911-1991) foi responsável pelo projeto que implantou o curso
de Psicologia na USP em 1957. A SPSP criou uma comissão40 cujo objetivo principal era
discutir a carreira do psicólogo, realizando, para isto, estudos e debates. Permeada por
discussões e divergências entre os profissionais de todo o país, em especial os paulistas e
cariocas, segundo Baptista (2010), essa mobilização gera, em 1953, duas propostas
apresentadas ao Ministério de Educação e Cultura, visando regulamentar a profissão de
psicologista. O ponto de maior divergência foi a formação do psicologista. A primeira
proposta, desenvolvida pela Associação Brasileira de Psicotécnica (ABP), sediada no ISOP –
assinada por vários profissionais entre eles Lourenço Filho e Emílio Mira y Lopez –,
estabelecia que a psicologia clínica ficaria sob a responsabilidade da Medicina e defendia a
existência do técnico psicologista.
A segunda proposta foi elaborada por uma comissão composta por representantes de
vários estados como, Carolina Bori, Arrigo Angelini, Madre Cristina, Anita Castilho Cabral e
Betti Katzenstein (SP); Hans Ludwig Lippmann (RJ); Francisco Pedro Pereira de Sousa
(RS); Flávio Neves, Irene Lustosa e Pedro Parafita Bessa (MG). Concebida durante o I
Congresso Brasileiro de Psicologia realizado em Curitiba (1953)41 enfatizava a formação
desse profissional em nível universitário a ser implementada pelas Faculdades de Filosofia,
Ciências e Letras. Outras questões como, a denominação do profissional, do nível de
profissionalização e a subordinação ou não aos médicos eram pontos de conflito entre as duas
propostas. Desse modo, outras discussões e documentos foram necessários até a
regulamentação definitiva da Psicologia como profissão, em 1962 (BAPTISTA, 2010).
40
Além de Anita Cabral essa comissão era composta por Raul de Morais, Joel Martins, Virginia Bicudo,
Marcos Pontual, Carlos Oliveira Penteado, Betti Katzenstein e Aniela Ginsberg.
41
Outros estados como Rio Grande do Sul e Minas Gerais também criaram suas sociedades nessa época.
Sociedade Mineira de Psicologia (1958), que teve entre seus fundadores Maria Helena Antipof e Pierre Weil
e Sociedade do Rio Grande do Sul (1959), cujo ato de fundação foi assinado por Arthur de Matos Saldanha e
mais outros vinte membros.
106
Tudo indica que a inserção da Psicologia nas revistas de Educação Física também
serviu de base para seu fortalecimento como campo autônomo, contribuindo para a construção
teórico-prática de uma nova especialidade psi, que se estabelecia além dos discursos internos
da categoria, na interface com outro campo de saber.
Assim, os percursos de institucionalização da Psicologia e Educação Física como
campos acadêmicos e profissionais se entrecruzam. No entanto, apesar do percurso lento e
burocrático do ensino superior no país, a Educação Física se institucionalizou
academicamente mais cedo. Apesar das tentativas de criar universidades no país desde o
Brasil Colônia até a República, o país consegue apenas o funcionamento de algumas escolas
superiores de caráter profissionalizantes, até o século XIX.
Embora as primeiras escolas de ensino superior do país tenham surgido em 1808 – a
Faculdade de Medicina da Bahia (FAMEB), instalada no Hospital Real Militar, hoje
pertencente à Universidade Federal da Bahia (UFBA) em Salvador, e a Escola de Anatomia,
Cirurgia e Medicina (FMRJ) no Rio de Janeiro –, só em 1920 houve a institucionalização
universitária no país através da criação da Universidade do Rio de Janeiro, depois
Universidade do Brasil e hoje, UFRJ, fruto da reunião da Escola Politécnica, da Faculdade de
Medicina e da Faculdade Nacional de Direito então existentes.
Outros cursos técnicos foram criados com o objetivo de suprir as necessidades da
família real. A de defesa militar propiciou o surgimento, em 1810, da Academia de Marinha e
da Academia Real Militar, para a formação de oficiais e de engenheiros civis e militares.
Também alguns cursos avulsos foram criados em Pernambuco, ainda em 1809 (matemática
superior), em Vila Rica no ano de 1817 (desenho e história) e em Paracatu, Minas Gerais, em
1821 (retórica e filosofia) (MENDONÇA, 2000).
Portanto, se os cursos vêm do século XIX, o processo de institucionalização
universitária no Brasil se inicia em 1920 com a criação da Universidade do Rio de Janeiro e
em 1934 com a Universidade de São Paulo. A USP contou com a participação efetiva de
vários cientistas europeus, vindos da Alemanha, da França e da Itália. Nos anos 40, outras
universidades públicas e privadas foram formadas, principalmente, pela associação de
faculdades existentes, como a Universidade Federal de Minas Gerais – que já vinha
funcionando desde 1927 com outra denominação. No contexto mais amplo da saúde, a
preocupação com o saneamento era crescente e surgiram medidas diversas, como a prescrição
de novos hábitos à população – como o banho de mar. Nesse período (1935-1945) ocorre uma
preocupação maior com a pesquisa científica e a produção de conhecimento especializado nas
áreas de saúde, higiene e educação, perpassando pela educação das crianças.
107
[...] É pelo exemplo da família que se desenvolvem nas crianças, desde a tenra idade,
desde o regaço materno mesmo, os bons ou maus sentimentos, as virtudes ou os
108
vícios, [...] o espírito e o coração a fonte donde emana a educação moral, e sendo
esses formados pela mulher, educada esta em bons e são princípios, teremos atingido
o nosso desideratum. [...] (RIEDEL, 1939, p. 53-53).
Além de Riedel, Hollanda Loyola (1939a) em seu artigo “Educação Moral” para a
mesma revista, considera a educação moral modeladora da personalidade, devendo ser
entendida a partir das relações com a família, a sociedade, a pátria e a humanidade. Para ele,
cabe ao professor orientar a criança em relação aos sentimentos e deveres que cada uma
dessas instituições demanda. Tais cuidados vão desde a formação de uma consciência a uma
observação rigorosa da conduta.
O autor descreve ainda como cada instituição apresenta suas demandas e afirma que,
para alcançar os objetivos da educação moral, o caminho são deve obedecer aos processos
racionais para criar no indivíduo a consciência de boas regras e transformá-las em hábitos
cotidianos.
Essa preocupação em torno da educação familiar perdurou nas décadas seguintes.
Stramandinoli (1958), escrevendo sobre a “Redescoberta da família pelo mundo
contemporâneo” na revista Arquivos da ENEFD, também ilustra esse tipo de preocupação a
serviço dos ideais nacionais. Neste caso, diferente dos demais autores, temos uma psicóloga,
oriunda do ISOP e professora assistente da disciplina de Psicologia Aplicada no Curso de
Educação Física, desde os primórdios da ENEFD (1939), que faz um relato sobre o Congresso
Mundial da Família, ocorrido em Paris, em junho de 1958. O congresso contou com a
presença de representantes da Organização das Nações Unidas (ONU), Organização das
Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), Conselho Econômico da
Europa, Cruz Vermelha e outras, além de embaixadores, parlamentares, magistrados,
psicólogos, sociólogos, médicos e educadores.
A autora participou como representante do Serviço Social do Comércio do Distrito
Federal. Dentre os temas discutidos estavam a evolução das estruturas familiares no mundo;
problemas médico-sociais da infância no mundo; contribuição de técnicas psicológicas e
educativas para a felicidade dos lares e para o desenvolvimento da criança; lugar das famílias
nas instituições nacionais e internacionais. Relatou ainda o reconhecimento da influência
familiar na formação da criança em seus aspectos afetivos e de personalidade.
Entendemos que artigos como esse representam um esboço da dedicação da Psicologia
aos fenômenos sócio-culturais, uma característica marcante de sua atuação nos dias de hoje.
Além disso, nos confirma que as preocupações com a criança e com a família não eram
exclusivas do Brasil e que o país estava de fato voltado para atender e seguir os modelos
109
42
Termo usado por Ferreira Neto (1999) para referir-se ao processo de inclusão da educação física nas escolas
primárias e secundárias.
110
43
Em 1944 apresentou no Programa: Curso Superior de Educação Física da ENEFD, a VII cadeira (Disciplina
de Psicologia Aplicada), ministrada na 3ª série (ANEXO A).
44
Em busca de informações sobre Carlos Sanchez Queiroz, consultamos o então Diretor do IP Marcos Jardim
Freire e a Prof. Fany Tchaicovsky (Núcleo de Trabalho e Contemporaneidade- UFRJ). Ambos recordavam de
Carlos Sanchez como diretor do IP, mas pouco tinham a informar além disso.
111
Jacó-Vilela, 2000.
Esta categoria foi assim definida por reunir os artigos que apresentam alguns dos
processos psicológicos básicos como consciência, inteligência, motivação e emoções. A
aprendizagem, embora também faça parte do campo do desenvolvimento humano na
Psicologia, será abordada apenas no que tange às suas relações de proximidade com os demais
processos psicológicos.
Os artigos de que tratamos aqui foram publicados nas décadas de 1930-1940 e em
apenas dois dos quatro periódicos pesquisados, a Revista Educação Physica e a Revista
EsEFEx. Os outros dois periódicos, além de terem surgido a partir de 1945, não apresentam
45
A literatura descreve os seguintes processos psicológicos básicos: cognição, percepção, aprendizagem,
memória, inteligência, pensamento e raciocínio, motivação, linguagem e emoção. Discorreremos apenas
sobre aqueles encontrados de forma significativa nos periódicos pesquisados (HOCKENBURY;
HOCKENBURY, 2003; DESSEN; COSTA JUNIOR, 2005).
113
artigos com tais temáticas. Aos poucos e à medida do possível, iremos contextualizando os
conceitos e teorias utilizados nos artigos dentro da Psicologia existente na época.
Iniciamos com uma tradução, do artigo “Sobre a anatomia da inteligência” publicado
em 1942, na Revista Educação Physica pelo médico Eduardo Podolsky, um estudioso sobre a
musicoterapia e seus efeitos psicológicos, ou ainda sobre a relação entre as cores e
personalidade, que resultou em sua obra The doctor prescribes music: the influence of music
on health and personality (1939). Nesse artigo o autor ressalta descobertas mais precisas
sobre as zonas de inteligência como um dos resultados da frenologia, como as do médico
Hindzie, em 1926, considerado pioneiro em demonstrar resultados significativos sobre a
capacidade intelectual, analisando a fluência do sangue no cérebro o que o levou a afirmar
que os indivíduos mais inteligentes possuem uma fluência maior de sangue nas membranas
cerebrais.
Na tentativa de compreender a natureza da inteligência, os recursos disponíveis nesse
período enfatizavam os aspectos biológicos e fisiológicos, usados para explicar também
outros fenômenos como consciência, caráter e personalidade.
“Consciência, Inteligência e Senso moral”, publicado em 1938 pelo fisiologista,
biólogo e sociólogo francês Aléxis Carrel (1873-1944) é outro artigo que aborda a
inteligência, relacionando-a ao caráter. Trata-se de uma tradução, onde o autor postula sobre a
formação da personalidade baseada no desenvolvimento de outras atividades cognitivas além
das intelectuais.
A inteligência é quási inútil àquele que nada mais possue. [...] A capacidade de
aprender as relações das coisas não é fecunda senão quando associada a outras
actividades, tais como senso moral, a afetividade, a vontade, o juízo, a imaginação e
uma certa força orgânica [...] (CARREL, 1938, p. 72).
Carrel (1938) trata da relação entre vontade e inteligência como uma forma de
domínio do senso moral e considera as atividades afetivas fundamentais para o progresso da
consciência; entretanto, devem resumir-se ao entusiasmo. Diferentemente do artigo anterior,
neste há uma carência de embasamento fisiológico para os argumentos apresentados. Há sim,
uma visão característica do senso comum, onde consciência, inteligência e senso moral estão
diretamente ligados à formação do caráter. Imaginamos que para os autores dos periódicos da
Educação Física não interessavam as divergências teóricas da Psicologia, uma vez que
estavam focados no que o saber psicológico poderia contribuir ao seu próprio campo.
O médico Fhilippe Tissié, membro da Liga Francesa de Educação Física é também
mais um exemplo do uso de um discurso fisiológico para explicar elementos cognitivos. Seu
artigo intitulado “Psicologia aplicada à educação física”, publicado na Revista Educação
114
Physica em 1941, nomeia a relação entre Psicologia e Educação Física. Tissié (1941a) analisa
o ato através dos processos psicológicos que nele estão envolvidos, mas mantém uma
explicação fisiológica do funcionamento cerebral que promove o ato.
Para o autor, o processus do ato compreende a impressão inicial e uma série de outros
elementos como a percepção dessa impressão, a concepção, o princípio mesmo do ato, a
sensação, a memória, a representação, a atenção, a emoção, as associações das imagens, a
comparação, a imaginação, o raciocínio, o julgamento, a decisão ou veredicto, a vontade e,
enfim, o próprio ato.
Tissié (1941a) considera o cérebro o promotor psíquico do ato e o subdivide em três
zonas: a sensitiva, a motriz e a psíquica, descrevendo cada uma das funções cognitivas.
Destacamos aqui a percepção, por ser definida pelo autor como a relação entre o mecanismo
físico objetivo e o psiquismo subjetivo, sendo esse processo
consciência, passa a ser abordada nos periódicos de Educação Física, especialmente com
explicações fisiológicas e orgânicas.
Embora um fenômeno subjetivo, a inteligência precisava tornar-se mensurável para ser
estudada. A solução encontrada foi a decomposição de seus elementos. Para Bock, Furtado e
Teixeira (1994), os psicólogos estudiosos dos elementos cognitivos dividiram-se em dois
grandes grupos, o da psicologia diferencial e o da psicologia dinâmica. No primeiro, a
inteligência passaria a ser definida por um composto de habilidades e seria medida a partir dos
testes de inteligência46 que, logo, tornar-se-iam o cartão de visitas da psicologia diante de
outros saberes no decorrer de seu processo de constituição e institucionalização.
A abordagem dinâmica, contemporânea aos testes, inclui uma visão clínica da
personalidade, adotando uma postura crítica diante da decomposição dos fenômenos humanos
subjetivos. A inteligência passa a ser redefinida como um atributo que qualifica a produção
intelectual e cognitiva do indivíduo, por isso não pode ser medida isoladamente, uma vez que
abrange aspectos da personalidade em seu todo. Nessa concepção, os testes não são
desconsiderados, mas adquirem outra forma de interpretação, inferindo avaliações sobre
eficiência intelectual. Uma referência dessa abordagem no Brasil é Anne Anastasi e sua obra
Psicologia diferencial (1965) (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 1994).
O início do século XX, segundo Baquero (1974) contextualiza esse período e é
marcado na educação pelos estudos de Binet sobre avaliação das aptidões humanas e por
Charles Edward Spearman (1863-1945), precursor da psicometria. Assim, os primeiros trinta
anos desse século caracterizam-se pela era dos testes de inteligência (1910-1930), cuja maior
demanda nos Estados Unidos, surgiu após a primeira Guerra Mundial diante da necessidade
em selecionar soldados para o Exército. Dos testes de inteligência surgem estudos de outros
componentes cognitivos e a sistematização de dados de medida da personalidade.
Além de expoentes da Psicologia e Filosofia, na Sociologia encontramos Emile
Durkheim (1858-1917) filósofo, dedicado às ciências sociais, considerado o fundador da
escola francesa de sociologia, lembrado em uma espécie de editorial da Revista Educação
Physica, em agosto de 1941, quando um texto seu sobre educação é publicado47. Inserções
como essas demonstram que os editores buscavam referências teóricas em áreas diversas.
Como dissemos anteriormente, a aprendizagem também era uma preocupação para os
estudiosos da Educação Física brasileira. Dentre os artigos voltados a essa temática
46
Alfred Binet (1857-1911) em 1904, na França, criou o primeiro teste que media a idade mental de crianças.
Depois, outros testes surgiram para medir outros tipos de habilidades cognitivas, comportamentos e aspectos
da personalidade.
47
Cf. Durkheim (1941).
116
destacamos aqui cinco, encontrados na Revista Educação Physica. Destes, quatro são do
mesmo autor, Jackson R. Sharmann, professor de Saúde e Educação Física e Chefe do
Departamento de saúde e Educação Física da Universidade de Alabama.
O quinto artigo, “Educação Física e Motivação”, de 1945 é de autoria do professor
Mário de Queiroz Rodriguez. Dentre os aspectos comuns com os de Sharmann encontra-se
ênfase na responsabilidade do professor de Educação Física no processo de aprendizagem. A
esse profissional caberia utilizar estratégias e métodos para a identificação da fadiga
intelectual dos alunos e para despertar seus interesses nas aulas. Para Rodrigues (1945, p. 11)
o professor deveria apresentar algumas características para alcançar seus objetivos, como:
[...] Fazer da educação física um ideal e não somente um meio de vida; [...] ser
calmo, solícito, enérgico e disciplinado; ter um grande espírito de civismo,
acreditando que a Pátria será maior quando todos forem proporcionalmente fortes;
[...] fazer propaganda e trabalhar pela educação física e pelos desportos; despertar
nos educandos a disciplina consciente, o amor ao trabalho e o hábito sadio da vida
ao ar livre [...].
[...] aprendemos qualquer coisa fazendo-a. [...] todo aprendizado é reação. Quem
aprende deve ter intenção de aprender. Trata de estímulos aos aprendizes para
despertar seus interesses em aprender; as reações sem importância devem ser
evitadas. Evitar adquirir hábitos desnecessários; a maioria das habilidades em
educação física deve ser aprendida em um todo e não em partes; qualquer esforço
para excitar as emoções dos jogadores a um elevado grau deve ser evitado; [...]
(SHARMANN, 1941a, p. 10).
Sharmann (1941a) considera que as emoções não auxiliam nas reações sutis requeridas
nos atos de habilidade, julgamento ou raciocínio. Para ele, excitar os jogadores
emocionalmente é uma estratégia medíocre que demonstra falta de visão. Destaca que existem
técnicas mais eficientes para adequar as atividades físicas às características individuais e
define o exercício como promotor de reações musculares com a finalidade de tornar hábitos e
habilidades autônomos.
Outro tópico abordado pelo autor é a transferência de treino, termo semelhante a
“transferência de aprendizagem” usado pelos skinerianos. Significa que, uma vez aprendida
uma habilidade, é possível transferir o conteúdo apreendido a uma situação diferente. Isso
inclui ações concretas entre as modalidades esportivas e o desenvolvimento do caráter
(honestidade, franqueza, valor, cortesia e lealdade dentre outras). Por fim, Sharmann (1941b)
conclui que os professores de educação física precisam usar um método mais amplo para o
ensino e os orienta a uma familiarização com os bons métodos de ensino apresentados pelos
princípios de psicologia.
48
Análise Experimental do Comportamento se define como uma ciência do comportamento, desenvolvida por
B. F. Skinner (1904-1990) (BAUM, 1999).
118
sua paixão pelas corridas de touros e esportes violentos, além de George Bernard Shaw,
praticante de golfe. Tudo isso para reforçar a relação entre a inteligência e a força física.
Outro autor que estabelece esse tipo de relação é Paulo Stempniewski, diretor do
Clube Esperia de São Paulo, que em seu artigo “O esporte e a inteligência”, de 1939 na
Revista Educação Physica, associa inteligência à espiritualidade e à prática de esportes.
Considera inteligente aquele que pratica o esporte, entendendo a
[...] estreita dependência entre o corpo e o espírito. [...] Uma sociedade que viva
afastada à religião, à moral, ao direito e à justiça, sem inteligência, nada vale, pois
vive em completa cegueira. Sem a intervenção desses elementos o desequilíbrio se
torna patente e calamitoso, certo que a felicidade de um povo não depende somente
do poder econômico e do progresso material, mas de uma combinação com a
educação e cultura em todos os seus aspectos, os quais por sua vez tornam „os
caracteres senhores da alta responsabilidade e da dignidade humana‟! [...].
(STEMPNIEWSKI, 1939, p. 9).
O autor afirma ainda que a inteligência possui uma função espiritual de entendimento
e compreensão capaz de levar o povo a realizações significativas.
Um artigo nos chamou a atenção a este respeito, não pela relação entre Psicologia e
Educação Física, mas pela autoria. “A psicologia vista por um psicólogo” é um trecho da obra
The Principles of Psychology, de William James (1842-1910), publicada em 1935 na Revista
EsEFEx, sem tradutor definido. W. James, uma das referências relevantes na Psicologia
Moderna, foi filósofo, médico e psicólogo funcionalista americano, influenciado pelo
pragmatismo e a fenomenologia. Estudioso da natureza humana, do funcionamento cerebral e
das experiências religiosas, discutiu em suas obras conceitos como consciência e emoções. O
trecho citado aborda as causas das estruturas mentais, considerando-as naturais e considera o
interesse, a estética, a moral, as noções de tempo e espaço, além das diferenças e semelhanças
entre os sentimentos e seus tipos elementares. Refere-se à evolução de algumas características
humanas e a falta de domínio da ciência sobre o assunto, com tentativas fracassadas em
conhecer o verdadeiro roteiro da psicogênese ou atributos da inteligência (JAMES, 1935).
Artigos como esse são raros, mas demonstram o interesse e o cuidado na escolha das
fontes relativas à Psicologia utilizadas pelos redatores-chefes das revistas. Como vimos,
alguns dos processos psicológicos eram abordados nos artigos visando a atender as demandas
emergentes no âmbito do ensino da Educação Física em suas escolas. Neste primeiro
momento, os editores utilizam-se principalmente de traduções, mostrando o quanto ainda era
pequena a recente produção brasileira em Psicologia. Por outro lado, há a escolha criteriosa de
autores estrangeiros, como W. James, Henri Bergson, Philipe Tissié, Claparède, Binet e
120
Thorndike. O interesse pelas fontes de informações nos situam sobre as influências recebidas
pela Educação Física, com relação ao que se conhecia da Psicologia no momento.
O formato descritivo das reações emocionais descritas no quadro nos faz lembrar um
manual de ensino, um livro-texto próprio para auxiliar profissionais a compreenderem e lidar
com o universo infantil. Ainda que careça de análise e contextualização relativa à faixa etária
e ao tipo de atividade praticada, a busca deste tipo de articulação, já é per se inovadora, uma
vez que só nas duas décadas seguintes tais preocupações começarão a ser mais acolhidas,
conforme os artigos a seguir demonstram.
O artigo, buscando orientação aos educadores físicos sobre as fases do
desenvolvimento humano, ainda se fundamenta em autores como Louis Dufestel, que se
destacou por seu trabalho em higiene escolar na França no fim do século XIX; Karl Groos
(1861-1946) autor de Die Spiele der Tiere (1900) e criador da Teoria do Jogo, que valoriza as
tendências naturais da criança, assim como suas tendências para o brinquedo, entendidas
como tendo a função de preparar a criança para a vida adulta, além de Edouard Claparède,
considerado um importante nome da psicologia infantil funcionalista.
122
49
Só em 1932 acontece a primeira participação feminina em Olimpíadas, através da nadadora Maria Lenk.
124
dois primeiros anos de sua gestão, publica vários artigos voltados à aplicação da Psicologia à
Educação Física em realidades distintas: ao adulto, a atividade física dos surdos-mudos e dos
débeis mentais50, aos desajustados de conduta e ao desportista, que serão abordados nas
categorias pertinentes ao seu conteúdo.
Aqui destacamos dois desses artigos que abordam a noção de desenvolvimento
humano na infância e na fase adulta. O primeiro, “Psicologia Aplicada à Educação Física da
Criança” é um artigo longo e, por isso, foi dividido e publicado em dois números
consecutivos em 1947, sendo em fevereiro e março. Neles Marinho (1947b, 1947f) expressa a
importância da Educação Física em voltar-se à criança e afirma que as atividades direcionadas
a estas, não têm sido as mais adequadas aos seus desejos e necessidades. Segundo Marinho
(1947b, p. 6),
50
A terminologia “débil mental”, em desuso na atualidade, ainda muito era utilizada no período em que os
artigos foram escritos.
126
[...] A determinação das fases do crescimento psíquico só poderá ser feita com pleno
conhecimento da evolução dos diversos órgãos que integram o sistema nervoso. [...]
O crescimento psíquico não se verifica independente do crescimento físico [...] este
influi de maneira razoavelmente notável sobre as funções mentais. [...].
Marinho (1947b) afirma que a psicologia da infância importa à Educação Física pelas
preferências peculiares de cada sexo e reforça que o professor dessa área precisa compreender
a capacidade imaginativa da criança. Para fundamentar seus argumentos recorre a Théodore
Ribot (1839-1916), um dos primeiros nomes da Psicologia francesa e autor de Essai sur
l‟imagination créatrice (1900), para explicar os estágios do processo evolutivo da imaginação
da criança. Apresenta, ainda, as leis da conduta segundo Claparéde a partir de sua obra
“Educação Funcional”, em 1940, e os métodos citados por este para o estudo da evolução dos
interesses da criança: método da extrospecção (observar as condutas) e o método da
introspecção (perguntar à criança sobre seus interesses).
Considera que a família é a base e exerce maior influência na formação da criança nos
primeiros anos, como também que os grupos sociais se formam a partir dos interesses e
necessidades que mantêm unidos seus integrantes. Assim, a criança precisa ser preparada para
a vida em sociedade e cita os autores que consideram a sociedade como fator importante no
crescimento infantil, dentre eles J. J. Rousseau em “Contrato Social ou Princípios de Diretores
Políticos” (1944); D. Snedden em “Sociologia Educacional” (1941); T. Paine em Los
Derechos Del hombre (1944); G. L. Duprat em La solidarité sociale (1907); J. Dewey51 em
“Democracia e Educação” (1936) – breve tratado de Filosofia da Educação – e E. Durkheim
em “Educação e Sociologia” (1922). Sobre as condições de crescimento da criança Marinho
(1947b, p. 13) adverte que
[...] Não devemos pois, ensinar os exercícios físicos às crianças, mas dar-lhes
atividade física sabiamente orientada, de maneira a lhes favorecer o
desenvolvimento físico e mental [...]” Os nossos programas de educação física têm
pecado pelo fato de repousar exclusivamente em bases anatomo-fisiológicas; nem
sempre o ótimo fisiológico corresponde ao ótimo psicológico [...].
51
Algumas datas dessas publicações referem-se às citadas pelo autor, visto que não encontramos referências
bibliográficas no texto.
127
necessidades físicas, psíquicas e sociais e por isso precisa satisfazê-las a fim de manter o
equilíbrio. A atividade física produz efeitos no organismo do adulto, como a melhora da
respiração, estimula a circulação sanguínea, o sistema nervoso. Cita Alexis Carrel “O homem
esse desconhecido” (1939), e M. Boigey Manual Scientifique d‟Education Physique (1923).
Descreve, ainda, uma série de patologias decorrentes de atividades realizadas em pé e orienta
como seria a postura correta.
Sobre as necessidades psíquicas do adulto sua referência é, mais uma vez, E.
Claparéde, por este afirmar que, no adulto, as funções derivativas do jogo são superiores à sua
função genética. Diante de problemas, o adulto desenvolve tensão nervosa, irritabilidade,
mau-humor, qualquer motivo pode provocar uma explosão de sentimentos e perda do
controle. Novamente, o autor apresenta o jogo ou desporto como recreação, uma forma de
escape para tais tensões e instintos agressivos. “[...] A mente encontra em tais práticas um
derivativo e por ele se absorve inteiramente; o indivíduo, por alguns instantes pelo menos, se
esquece completamente de seus problemas e vive num mundo inteiramente novo [...].”
(MARINHO, 1947c, p. 33).
Diferentemente da criança e do adolescente, o adulto não está subordinado à família,
pois já é senhor de seus atos, independente, mas as relações sociais precisam ser renovadas e
alimentadas. Os desportos, então, funcionariam como atividades que possibilitam satisfação
social.
Corroborando com as ideias de Inezil Penna Marinho sobre a importância da educação
física para a criança e o adulto e as diferenças entre essas fases de desenvolvimento, o
professor de práticas educativas da Escola Superior de Educação Physica (ESEP), Idyllio
Alcântara de Oliveira Abbade em “A criança necessita de educação física para firmar
espiritual e fisicamente sua personalidade” (1945), ressalta a importância da educação integral
e a necessidade de efetivar uma educação física racional nas escolas primárias, por considerar
essa faixa etária uma das fases mais significativas no aprendizado. O autor apresenta
diferenças concretas entre a criança e o adulto no que se refere ao crescimento. Destaca que
importa saber as relações sobre as crises do crescimento e o trabalho mental, afirmando que
existe uma relação inversamente proporcional entre crescimento físico e intelectual, pois
quando o físico aumenta, o intelectual diminui.
[...] Daí este atrito entre o físico e o psíquico devido, unicamente, ao uso demasiado
de energias, sobrevindo então a „surmenage‟, se não advierem ainda perturbações
mais terríveis [...] Não há dúvida que por meio de uma educação física bem
orientada e principalmente nos jogos que se firma, espiritual e fisicamente, a
personalidade da criança [...] (ABADDE, 1945, p. 36).
129
Embora Abbade tenha publicado dois artigos com títulos diferentes, como
“Necessidade da Educação Física para firmar espiritual e fisicamente a personalidade da
criança”, na Revista EsEFEx (ABBADE, 1942) e na Revista Brasileira (ABBADE, 1945), é
possível perceber algumas semelhanças no conteúdo. No da EsEFEx há uma ênfase na
importância dos estudos de autores relacionados à Educação como Binet, Claparéde e Dewey,
referenciados para fundamentar uma educação integral e a atuação da educação física
racional, ratificando aspectos de desenvolvimento humano e do cuidado nos primeiros anos
do crescimento. No segundo artigo, o autor apresenta diferenças concretas entre a criança e o
adulto no que se refere ao crescimento e suas especificações de acordo com a idade. Destaca
que mais importa saber as relações sobre as crises do crescimento e o trabalho mental.
É comum nos dois artigos uma apresentação breve das fases do crescimento humano
(primeira e segunda infância, adolescência e puberdade), reafirmando a influência do
crescimento físico diante do desenvolvimento mental ou intelectual das crianças. Apresenta
ainda, uma análise negativa do ensino nacional, pois o considera falho nesses aspectos,
embora elogie a iniciativa da Escola de Educação Física do Exército pelo seu pioneirismo na
formação de educadores multiplicadores da educação física racional e pela publicação da
revista onde escreveu um desses artigos.
Na Revista EsEFEx, encontramos ainda o artigo “Psicologia do adolescente” (1953),
do professor Mário Gonçalves Viana, que foi Diretor do Instituto Nacional de Educação
Física em Portugal. Nesse artigo, Viana (1953) descreve algumas das principais características
da adolescência, como a vontade de ser mais velho; atitudes espetaculosas quando não são
levados a sério; impressionar-se facilmente seja com elogios ou repreensões; necessidade de
independência. Fala das pressões religiosas, morais e sociais que os jovens têm que enfrentar
para afirmar sua personalidade. Diferencia as preferências entre homens e mulheres em
relação às atividades e em comportamentos e afirma que a sociedade deve canalizar o instinto
de luta dos jovens e que as atividades desportivas e gímnicas possuem uma função
moderadora, catártica e compensadora.
O professor de Educação Física Jair G. Raposo escreve para a mesma revista o artigo
“A infância, a adolescência e os problemas da orientação educacional” (RAPOSO, 1957a).
Seu texto trata da importância dos cuidados com a faixa etária de quatro a sete anos, em que a
criança precisa expandir suas energias e desenvolver-se nos aspectos ósseo, muscular e do
sistema nervoso. Considera que a infância compreende o período do nascimento até os onze
anos, fase em que uma das características é a agressividade. Esta pode ser controlada pelo
professor de Educação Física, mas para tanto, este deve apresentar linguagem clara, uso de
130
terminologia fácil, expressões no rosto para suas atitudes, elogios ao grupo e cuidados nas
censuras para demonstrar ser um professor interessado na adaptação desse novo ser.
Raposo (1957a, p. 3) considera ainda que os interesses perceptivos também
caracterizam essa fase e os ilustra como instabilidade de humor, curiosidade, descuido e
pouca concentração. O autor acredita que, após os sete anos, os grupos devem ser formados e
os sexos separados. Seu discurso nos remete aos estudos do comportamento na visão
skineriana: para que o aluno aprenda o comportamento adequado e receba a recompensa, a
modelagem é estratégia mais eficaz que a punição. “[...] A uma criança não se diz „não faça
isto‟, mas se sugere que „faça outra coisa‟, atendendo, em parte seu desejo e corrigindo erros
sem humilhá-la com uma repreensão ou recusa. [...].” Esta deveria ser a conduta apresentada
pelo professor diante de um comportamento inadequado da criança.
Para Raposo (1957a), um dos principais problemas da infância é a angústia, que surge
a partir de dificuldades educacionais, dos conflitos em casa, dos defeitos físicos,
acanhamento, mentira, orgulho, medo e respeito. Sobre estes sentimentos o autor distribui a
responsabilidade entre a escola e a família.
[...] Angústia é ansiedade, preocupação, agonia. A criança não sabe porque está
angustiada e por isto mesmo não pode evitar esse fenômeno da vida psíquica, que se
caracteriza como um estado de emoção. [...] O mêdo é a inquietação do espírito e se
apresenta em 3 aspectos: pavor, ameaça e susto.[...] Timidez, fuga, vagabundagem e
perversões são consequências de uma vida escolar mal orientada, juntamente com
uma situação conflitual dentro do lar [...] (RAPOSO, 1957a, p. 3).
Raposo (1957a) segue descrevendo a adolescência, que se inicia aos onze e termina
aos dezoito anos, e suas alterações morfofisiológicas e psíquicas, caracterizando uma
instabilidade emocional concomitante a um movimento de integração ou desajustamento na
busca de uma unidade. Em um viés naturalista, considera que nesse período o caráter deve
estar formado, pois existe não só o amadurecimento fisiológico e sexual, mas também
experiências vividas que contribuem para o desenvolvimento da mentalidade diante da vida.
Raposo (1957a) considera que o professor de Educação Física é quem está mais
próximo do adolescente para ajudá-lo diante das dificuldades e transformações dessa fase da
vida.
[...] Assim, através de instruções quanto à higiene mental e à vida sexual, pode a
professora permitir à adolescente conhecer-se e o professor ensinar ao educando
como iniciar-se na expansão da vontade, evitando consequências de agir na vida
como ser social perfeitamente ajustado ao grupo. [...] (RAPOSO, 1957a, p. 4).
Afirma que dos treze aos quinze anos, a ginástica e a prática de desportos coletivos são
mais indicados e que o adolescente nessa idade prioriza agir com liberdade. Punições
131
frequentes levam ao abandono das atividades praticadas. Para Raposo (1957a), cabe o
estímulo ao convívio no grupo, à necessidade do companheiro para alcançar a vitória, a
importância do juiz e das regras para a condução da competição, além da participação da
torcida para lembrar a disputa entre duas forças.
Raposo (1957a) continua descrevendo as fases seguintes do desenvolvimento,
ressaltando as evoluções cognitivas e suas respectivas aptidões para outras atividades no
esporte como o conhecimento de sistemas táticos. Os jogos seriam instrumentos importantes
nesse processo para o treino de tais habilidades e para o desenvolvimento do adolescente, mas
enfatiza que a ginástica não deve deixar de ser praticada. Conclui afirmando que seu objetivo
é
[...] criar uma mentalidade nova no professor de educação física, ampliando seu raio
de ação na assistência à formação da juventude brasileira, desenvolvendo-lhe sua fé
na vitória, objetivo definido, controle de si mesmo, entusiasmo, segurança, espírito
de luta, cooperação, paciência e persistência [...]. (RAPOSO, 1957a, p. 5).
Costa (1950) conclui seu artigo sugerindo uma série de atividades e brincadeiras para
desenvolver tais habilidades nas diversas fases do crescimento e cita outros autores brasileiros
consultados para seu artigo, que de alguma forma fundamentam seus argumentos sobre o
tema.
Vemos que diversos autores citados nos textos são comuns quando o assunto é
educação como, Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), Johann Heinrich Pestalozzi (1746-
1827), Edouard Claparède (1873-1940) e Jonh Dewey (1859-1952). Para Bermond (2007)
uma justificativa para a presença destes autores estrangeiros está no fato de que a Educação
Física escolar baseava-se nas concepções pedagógicas lideradas por tais estudiosos.
133
Considera ainda que o processo educativo pode ocorrer ao longo de toda a vida e não
apenas na infância e sugere que, nos cursos destinados a professores, sejam introduzidos
conhecimentos de psicanálise e biotipologia para facilitar a compreensão do temperamento
dos alunos, além de conhecimento sobre os tests (sic) para avaliar o desenvolvimento mental e
suas causas. Observe-se que não há reconhecimento da biotipologia por parte da psicanálise.
O mesmo ocorre com Jair da Graça Raposo ao falar sobre “O Técnico desportivo e o
conhecimento de sua especialidade” (1958), na Revista EsEFEx, onde também apresenta as
características da personalidade, mas a partir de pesquisas biotipológicas direcionadas ao
futebol. Raposo (1958) considera que a personalidade do treinador deve apresentar mais
capacidade e conhecimento que seus atletas, além do desejo de vitória eminente e espírito
competitivo.
Raposo (1958) destaca duas formas de estudar o ser humano: a estática, que diz
respeito à aparência física ou externa, um estudo superficial que encontra a forma, mas não a
natureza, como o método usado na polícia para identificar ladrões; e a dinâmica que coordena
forma e natureza, de onde se originou a Biotipologia. Define os termos bio = vida; biotipo =
tipo de vida; logia = estudo. Portanto, Biotipologia, para esse autor, é o estudo do tipo de vida
e, assim como Stofell, refere-se às várias escolas estrangeiras, mas se detém nas propostas das
italiana e americana, por considerá-las mais coerentes com a prática do futebol.
Ainda de acordo com seu ponto de vista, “[...] A Escola Italiana tem por base englobar
a personalidade psíquica através do método biológico, no qual deseja transparecer que êsse
conjunto de fenômenos estabelece a fronteira entre o fisiológico e o psicológico [...]”
(RAPOSO, 1958, não paginado). O biótipo somatotônico, na descrição de Sheldon, tem como
objetivos na vida dinamismo, ação e poder, características atribuídas pelo autor às funções de
goleiro ou zagueiro.
Raposo (1957b), versando sobre essa temática, apresenta uma extensa pesquisa
bibliográfica sobre o tema em seu artigo “A infância, a adolescência e a formação do caráter”,
para a mesma Revista EsEFEx. Resumindo, ele afirma que o caráter vem sendo estudado por
duas correntes, sendo que a dos constitucionalistas o entende como baseado nos fatores
biológicos e definido desde cedo, não podendo ser modificado, enquanto a corrente dos
correlacionistas, embora também considere que tenha base biológica, entende que possa ser
modificado pelo meio, para melhor ou pior. Raposo (1958) reconhece que o estudo do
dinamismo humano não pode ficar preso a determinismos fisiológicos e que existem outros
dados mais gerais a serem considerados.
136
Apresenta algumas referências teóricas sobre o tema, entre elas a do filósofo alemão
Ludwig Klages (1872-1956), que afirma ser o caráter constituído de uma proporção diferente
entre o instinto de afirmação e o instinto de negação; os parceiros da Universidade de
Croningne, G. Heymans, professor de filosofia e psicologia e o neurologista e psiquiatra E. D.
Wiersma, autores de estudos sobre a transmissão hereditária dos traços psicológicos na
formação do caráter; o cientista alemão Otto Gross (1877-1920) estudioso dos mesmos
fatores, mas denominando-os de ressonância; o filósofo e psicólogo francês Renée Le Senne
(1882-1954), juntamente com G. Heymans, autores do tratado “Tipologia Caracterológica”,
onde apresentam como fatores na formação do caráter: emotividade, atividade e ressonância
das representações.
Raposo (1957b) cita ainda C. G. Jung, W. James, A. Binet e a concepção do médico,
psicólogo e filósofo francês Henri Wallon (1879-1962) sobre emotividade, traduzida como
ponto de partida para uma construção psicológica mais complexa. Na visão do autor, dentre
os fatores que influenciam a formação do caráter estão a sociedade, a escola, a família, o
clima, a alimentação, entre outros, mas o ambiente familiar é o de maior significado e, por
isso, orienta os educadores a conhecerem a história familiar de seus alunos.
Em um tempo onde a memória se destacava como elemento importante na aquisição
de conhecimento, as referências utilizadas por Raposo (1957b) ainda que voltadas para um
enfoque biológico, demonstram uma abertura para os fatores psicológicos, não só no processo
de formação da personalidade, mas também no de aprendizagem.
Raposo (1957b, 1958) apresenta uma visão mais fundamentada sobre a formação da
personalidade, citando vários teóricos da época, onde o enfoque biológico predomina e a
noção de moral é convertida em caráter. Assim, o saber psicológico vai inserindo-se, aos
poucos, no universo da atividade física como um saber complementar pelas mãos dos médicos
e militares.
Com um enfoque mais voltado à Educação Física, Inezil Penna Marinho publica na
Revista Brasileira o artigo “A Contribuição da Educação Física na preparação do Soldado
Brasileiro”, em 1944, demonstrando como essa área se apropria de elementos relativos à
formação do caráter para auxiliar em seu projeto de preparação dos soldados. Marinho
(1944a) apresenta tópicos que constituem a preparação do soldado brasileiro a partir da
Educação Física, incluindo os aspectos físico, técnico, tático, moral e psicológico. Como se
trata de um artigo extenso, destacamos os dois últimos tópicos por serem mais relacionados
aos nossos objetivos.
137
[...] A conduta do homem depende de seus sentimentos, mais que dos pensamentos e
é assim que desejos e emoções têm uma influência poderosa na realização de seus
atos. Como os instintos e as emoções mais importantes exigem para sua completa
expressão a atividade muscular, é evidente que os jogos devem ser um fator de alto
valor na formação do caráter [...] (ROLIM, 1935, p. 37).
Embora voltados para o universo da Educação Física, podemos destacar uma diferença
entre esses dois artigos sobre a noção de moral. Enquanto na visão de Marinho (1944a) a
moral é definida como caráter, conjunto de qualidades pessoais e influências sociais, na
concepção do Capitão Rolim (1935) esta reflete-se no patriotismo, no espírito de sacrifício, no
sentimento do dever militar e no valor da disciplina. Consideramos que o contexto histórico
que permeia essas duas concepções em muito influencia tais distinções. A necessidade de
conhecer e controlar os fenômenos humanos nesse processo impulsiona o olhar dos estudiosos
da Educação Física para os estudos sobre a personalidade.
Na década de 30, havia uma demanda para a formação do homem ideal para a Nação e
a Educação Física assumia um papel importante nesse processo. Rolim (1935) escreve no
auge deste projeto desenvolvimentista e situa a Educação Física como elemento fundamental
no processo de formação do soldado brasileiro. O país vivia um clima de guerra não só pelos
conflitos na Europa, mas também devido aos confrontos políticos internos como a Intentona
ou Levante Comunista (1935) e o Golpe de 1937.
O artigo “Rápidos traços caracteriológicos dos frívolos e fúteis” do médico e eugenista
brasileiro Renato Kehl (1889-1974), publicado em 1939, na Revista Educação Physica, é mais
um exemplo da tentativa de definir e classificar a personalidade a partir de teorias tipológicas.
Kehl (1939) apresenta uma classificação dos traços caracterológicos baseada na frivolidade e
futilidade, onde define o primeiro termo como algo presente em todos nos momentos de
angústia da existência. Ainda para diferenciar o frívolo do fútil – frívolo seria aquela pessoa
que facilmente se quebra e se faz em pedaço; fútil é caracterizado como falar e fazer sem
razão, sem reflexão, não sabendo o que diz.
No entanto, Kehl (1939) também percebe aspectos positivos na futilidade quando
afirma que a vida se tornaria intolerável sem o trabalho, que ajuda a esquecer as amarguras
passadas e presentes, mas que, em alguns momentos, é necessário devanear, fantasiar, ter
leituras leves e outras práticas recreativas e fúteis que podem ser consideradas benéficas
mental e higienicamente para o psiquismo. Também descreve algumas pessoas como frívolas
e fúteis por ocuparem a maior parte de seu tempo com ociosidade, mesquinhez, obsessão por
moda, bebida, jogo ou reuniões sociais. Classifica como principal sintoma desse tipo de
caráter o sinal psicológico da estreiteza mental o julgamento fácil e rápido. Para o autor, os
139
fúteis e frívolos ignoram os pareceres daqueles que realmente sabem, pretendem aprender ao
acaso e têm antipatia pelos livros.
Vemos, pois, uma classificação de tipos de caráter baseada em características
subjetivas e estereotipadas, embora houvesse um esforço para dar enfoque científico às
explicações sobre o caráter; ainda assim, é possível identificar a forte presença de senso
comum nas análises feitas.
Na Revista Educação Physica, o médico francês Philippe Tissié, então Presidente da
Ligue Française de l‟Educacion Physique, também publica sobre as tipologias do caráter. Em
“Classificação dos caracteres”, de 1940, o autor afirma que os homens podem ser
classificados de acordo com sua capacidade de adaptação ao meio, sendo este construído pela
coletividade que vive em determinado ambiente físico. Define o caráter como um agente de
adaptação e o divide em três classes, segundo a ordem psíquica de reação ao meio: passiva,
afetiva e afirmativa. O tipo passivo corresponde à maioria das pessoas que compõem a
multidão, pois fazem “[...] parte de um todo; não procurando compreender esse todo nem
modificar sua vida, tem necessidade de ser mandado. [...].” (TISSIÉ, 1940, p. 53).
Os tipos afetivos possuem uma constituição emotiva, duvidam de si, ignoram-se.
Consideram-se impotentes, são brandos e apegam-se facilmente aos que sentem serem mais
fortes. O terceiro tipo, afirmativo “[...] reage à sugestão dubitativa do “Tu não podes”. É
preciso duvidar deles para fazê-los desenvolver o máximo de força. O afirmativo é um
independente, um contraditor, uma personalidade que tem consciência do seu valor [...].”
(TISSIÉ, 1940, p. 55). Mais uma vez o papel da família, desde a infância, é responsável pelas
tendências e pela administração dos caracteres construídos no lar.
Podemos concluir que, na primeira metade do século XX a presença das teorias
tipológicas do caráter nos artigos das revistas de Educação Física revela discursos sobre o
comportamento humano. Os artigos a seguir, ainda no mesmo recorte temporal, também
fazem esse percurso, mas acrescentam a noção de personalidade, às vezes, como sinônimo de
caráter.
Assim sendo, o psiquiatra alagoano Arthur Ramos (1903-1946) uma das referências na
história da Antropologia, da Educação e da Psicologia, no artigo “Formação física e o caráter”
(1941) em dois números distintos e subsequentes da Revista Educação Physica, considera a
Educação Física como um processo global inseparável do educacional e, por isso, não deve
ser entendida apenas em seu ensinamento técnico, mas deve incluir também os aspectos
morais.
140
Ramos (1941a) relata que a Educação Física não tem se preocupado com
características morfológicas e temperamentais, apenas com a idade cronológica e escolar para
realizar seus agrupamentos. O autor afirma que classes heterogêneas recebem a mesma
orientação técnica sem o cuidado necessário com seu desenvolvimento relativo, seja o
morfológico (estrutura corporal, peso, altura etc.), seja o temperamental e caracteriológico
(capacidade vital, polos humorais, variações psiquestésicas, comportamento caracteriológico).
Considera a Caracterologia uma nova ciência para o estudo da personalidade e se refere à
psicologia funcionalista como algo superado pelas correntes psicológicas modernas, pois o
homem não pode ser fragmentado em funções isoladas.
Concorda com essa nova psicologia que adere à visão de totalidade, sugerindo que a
Educação Física também se dirija à personalidade total do educando. Afirma que não basta a
fórmula behaviorista S-R para explicar as reações humanas. Acrescenta que a Gestalt provou
a existência de um todo indivisível e que não existem estímulos simples, mas vivências
(Erlebnis) que se estruturam e que posteriormente determinam uma modalidade pessoal. Em
sua visão, entre o estímulo e a reação existe a personalidade.
Seu segundo artigo é embasado na concepção psicanalítica. Ramos (1941b) considera
que a prevenção é o objetivo principal da educação física elementar e que, no campo psíquico,
seu propósito é evitar complexos. Retoma a noção de personalidade e ressalta a atenção que o
educador físico deve ter com ela no paradigma S-R.
[...] Quer dizer deverá indagar si tal exercício, si tal jogo, si tal esporte é adaptável à
personalidade em questão. Ele pedirá, então o auxílio do antropologista, do
psicólogo, do higienista, para definição daquela personalidade, no plano físico – em
síntese para a definição caracterológica. [...] (RAMOS, 1941b, p. 10).
Tais argumentos nos mostram que, embora fosse um estudioso da psicanálise, Arthur
Ramos buscava articular as ideias do Behaviorismo e da Psicologia da Gestalt. Mais uma vez
confirmamos que a divergência teórica não parecia ser uma preocupação entre os autores
141
dessa época, como vemos hoje. Tudo indica que havia uma demanda em compreender tais
fenômenos com as teorias disponíveis naquele momento. Concomitantemente, a ausência de
um saber psicológico estruturado como saber acadêmico, no Brasil, e a inexistência de um
corpus profissional favorecia esse quadro.
Ramos (1941b) volta a afirmar que as crianças devem ser separadas não por idade
cronológica, mas por tipos morfológicos diagnosticados previamente pelos antropólogos e
afirma que o trabalho da Educação Física não estará completo se os profissionais não
atentarem para além dos aspectos físicos, como o temperamento e o psiquismo, elementos
inseparáveis que integram o conceito caracterológico, também visado pelos jogos e
exercícios, seja no nível pré-escolar ou no escolar.
Fundamenta seus argumentos nas ideias de Gross sobre os jogos infantis como
exercícios preparatórios às atividades futuras dos adultos e afirma que estas devem ser
ampliadas, pois a partir dos estudos da psicanálise ficou claro que a criança intervém com sua
personalidade nos jogos. Cita o Serviço de Ortofrenia e Higiene Mental, do qual era diretor,
como exemplo para a comprovação de tais informações; relata usar os jogos infantis para
analisar o comportamento das crianças baseado nos estudos da psicanalista Melanie Klein
(1882-1940) e descreve dois princípios presentes nos jogos, o do prazer e da repetição.
Ramos (1941b) ainda complementa apontando os estudos do médico A. Thooris,
Presidente da Scientific Commission of the French Athletic Federation, que pela classificação
biotipológica da personalidade de 1500 estudantes alemães esportistas, concluiu quais os
esportes mais adequados a cada um. Assim, o leptossomático, correspondente ao tipo
longilíneo dos corredores; o tipo pícnico, característico da forma física brevilínea dos atletas
pesados, lutadores e levantadores de peso e o tipo mediolíneo aos pugilistas.
O autor conclui reafirmando a importância da higiene mental no sentido de zelar para
que vivências negativas não sejam acrescidas a uma personalidade mal formada e evitar a
formação de estruturas inadequadas, ou reforçar complexos preexistentes e que
[...] A educação física deverá ser um complemento, uma face da educação global.
Deve dirigir-se a uma personalidade, corrigindo estruturas resultantes de vivências
negativas. [...] desenvolvimento orgânico, correção de defeitos orgânicos e
sensoriais [...] além disso e superpondo-se a isso a educação física deve conhecer a
personalidade do educando, pedindo auxílio ao antropologista e ao neuro-higienista
(RAMOS, 1941b, p. 11 e 72).
O discurso de Arthur Ramos, defensor da atenção a ser dada aos aspectos psicológicos
na formação da personalidade, nos remete ao lugar de autoridade que a Medicina ocupou (e
ainda ocupa) embasada pela relevância de seu papel social na primeira metade do século XX,
no Brasil. O enfoque empregado pelo autor orienta e atribui responsabilidades aos
142
profissionais da Educação Física não apenas para conhecer a personalidade do seu educando,
mas também, estimulando a intervenção, corrigindo estruturas desviantes. Para isso, o autor
oferece a ajuda dos antropologistas e neuro-higienistas.
Outro artigo que merece destaque é “Psicopedagogia da sociabilidade”, publicado em
1939 na Revista Educação Physica, pelo psicólogo Emílio Mira y Lopez (1896-1964).
Estudioso de diversas temáticas como psicologia da dor, conduta moral, sociabilidade e
delinquência, além de psicologia jurídica que resultou em uma obra do mesmo nome em
1932. Emílio Mira y Lopez é considerado um dos expoentes na história da Psicologia
brasileira e nos anos 1940, proferiu várias conferências e cursos, em áreas diversas,
sedimentando as bases da Psicologia aplicada no país. Na Educação Física, também traz sua
contribuição sobre personalidade.
Mira y Lopez (1939, p. 6) inicia seu artigo apresentando uma definição sobre
sociabilidade, relacionando-a à formação da personalidade. Para ele sociabilidade é “[...] a
capacidade de viver em sociedade sem dar lugar a conflitos e sem experimentar sofrimento
íntimo algum no processo da adaptação ao mundo humano [...].” Afirma que, ao nascer, é
notório que o indivíduo nada possui de elementos para seu convívio social. Fala do homem
primitivo e da evolução de suas necessidades em direção à coletividade, pois
[...] depois de uma luta feroz para repetir os despojos, é proclamado o direito do
mais forte, podemos dizer que se plasma definitivamente o convívio social, uma vez
que, implicitamente, ficava reconhecida a diferenciação das individualidades no seio
da coletividade, de acordo com sua eficiência biológica [...] (MIRA Y LOPEZ,
1939, p. 7).
Mira y Lopez (1939) afirma que o papel do pedagogo é fazer com que seus alunos
fixem e realizem habitualmente atitudes e condutas sociais concretas. Para isso, apresenta
143
adultos pode gerar timidez e medo às crianças, assim como os maus tratos podem trazer
consequências negativas em seu processo de formação.
Ainda justificando uma relação entre a formação da personalidade e a
responsabilidade da família, o ex-presidente da França Paul Doumer publica para a Revista
Educação Physica o artigo “A família” de 1940, de caráter eugênico, em que considera a
família como o centro afetivo para o combate à vida e a compara como uma pequena pátria.
Retoma o culto que os gregos e romanos mantinham em relação à família e a seus mortos e
como isso favoreceu a duração de seus impérios. Afirma que
[...] As raças fortes, as nações vigorosas se apoiam sobre uma robusta constituição
moral e legal da família. Sem esse fundamento não há povo que possa viver, nem
império que possa se sustentar. A família é a instituição primordial da humanidade.
[...]” quem não ama a seus pais constitui uma exceção, um fenômeno, um monstro
como a natureza às vezes os produz, física ou moralmente. É um detrito humano que
não se deve levar em consideração [...] (DOUMER, 1940, p. 78-79).
[...] Uma moça pode ter todos os encantos possíveis para agradar, mas se descuida
sua posição, nunca poderá chegar no grau que o mereceria. Quando falta a
personalidade, falta tudo.
Quanto mais jovem se comece a compreender isto, tanto mais atraente se será
quando chegar à idade madura.[...].
Exercerá grande poder de atração, experimentará uma sensação de intensa satisfação
cada vez que comprovar que seu aspecto físico é o que lhe dá personalidade [...]. (A
POSIÇÃO..., 1939, p.49-50).
[...] Desta forma, além de tudo, harmonizando as atividades de educação física, com
aquelas destinadas a impulsionar o desenvolvimento da cultura física, e unindo-as a
todas no período destinado ao recreio, podemos chegar a fortificar física e
psiquicamente a coletividade inteira. [...] (RODRIGUEZ, 1944, p. 42).
Os artigos vistos até aqui nos revelam que os conceitos de caráter e personalidade são
analisados a partir de enfoques diversos, com base em teorias vigentes na época, quer seja de
forma restrita ou associada a outros fatores como pensamento, inteligência, corpo, moral,
comportamento, aprendizagem ou ao desenvolvimento humano como um todo. Os autores
elegem, em especial, a criança e a família como elementos importantes quando analisam a
formação desses aspectos, abrindo possibilidades para incluir os aspectos sociais, além dos
biológicos, na compreensão da formação da personalidade.
Nos periódicos dos anos 1930 e 1940 encontramos profissionais de áreas diversas
abordando temas que hoje relacionamos diretamente ao fazer psi, mas que ainda
encontravam-se dispersos em campos diversos. Em relação à psicopatologia e à deficiência
física e mental não foi diferente.
Artigos voltados aos deficientes físicos e mentais em três dos quatro periódicos
pesquisados, traziam enfoque de como orientar os professores de Educação Física para lidar
com tais alunos, seja por possuírem uma “deficiência ou por um “descontrole dos nervos”.
Estes artigos buscavam causas na infância e no ambiente familiar. O médico Nicolau
Ciâncio acrescenta ainda o ambiente escolar nesse contexto. Para tanto, publicou o mesmo
artigo, “Crianças nervosas”, em dois anos distintos (1940 e 1943), ambos na Revista Physica.
Ciâncio (1940) trata da manifestação nervosa, afirmando que esta é sempre um resultado,
nunca um princípio e que suas causas são oriundas dos ambientes familiar e escolar da
criança. Acredita que os médicos devem observar a maneira como os adultos e crianças se
relacionam na sala de espera e analisar bem os gestos e hábitos da criança no ambiente em
que vive. O médico ainda acrescenta que
[...] A criança é nervosa por doença hereditária, adquirida por vícios de alimentação,
por defeitos do ambiente em que vive, por transtornos de repouso, por traumatismos,
por cenas de pavor, [...] uso dos excitantes (café, bebidas, etc.), as quedas,
principalmente sobre a cabeça [...]„Nervoso‟ é uma denominação cômoda para os
preguiçosos que se não queira dar ao trabalho de pesquisar a causa que deu origem
ao mal! (CIANCIO, 1940, p. 27).
147
Ao longo do artigo, Cardini (1944, p. 55-56) apresenta dez orientações sobre o colapso
nervoso relacionando-o a uma moratória da personalidade, pois não atinge de fato os nervos,
mas a personalidade como um todo. Suas orientações possuem um tom de sugestão para o
leitor como ilustra a citação seguinte: “[...] Há um erro em sua estratégia da vida que o
colocou em conflito com sua natureza e a realidade. [...] O Sr. não é demasiado velho, nem
demasiado débil para começar de novo. [...].” O autor acrescenta, ainda, dez leis sobre a
natureza humana que devem ser seguidas para encontrar uma boa filosofia de como se
conduzir na vida. Dentre elas:
[...] Os seres humanos tem que trabalhar para viver. Se não tem necessidade de fazê-
lo para comer, tem que fazê-lo para evitar morrer de aborrecimento. [...] Os seres
humanos são dotados de mente para ajudá-los a resolver os complicados problemas
de trabalho, ócios, sociedade e sexo. A solução desses problemas é o emprêgo
permanente da mente normal [...] (CARDINI, 1944, p. 56).
[...] visa manter e restaurar a eficiência física e psíquica do soldado, durante sua
convalescência, através de sua participação em atividades progressivamente
graduadas. [...] Além disso, o trabalho físico exercerá importante papel no
reajustamento psicológico e social do soldado, dando-lhe oportunidade para adquirir
personalidade e livrar-se de suas emoções, conflitos psicológicos, recalques e
complexos de inferioridade. [...]. (RAMOS, 1954, p. 3).
mudos ou surdos-mudos impróprios, os quais perderam audição até os cinco anos de idade,
mas mantêm resquícios de uma linguagem (MARINHO, 1946b).
O autor explica que o programa de atividades físicas desenvolvido para essa clientela
deve dividi-los em quatro grupos: aqueles desenvolvidos sob o ponto de vista psíquico e
somático; os que apresentam alguma anomalia de caráter; os indivíduos que apresentarem
debilidade mental e deficiência física formarão outros dois grupos específicos. Marinho
(1946b, p. 20) apresenta o cabo de guerra como sugestão de ótimo exercício para satisfazer o
grupo no seu desejo de realização a partir de um grande esforço. Conclui afirmando que “[...]
a psicologia aplicada é mais consequência das observações, mediações e experimentações do
professor do que daquilo que os livros possam ensinar.”
Consideramos as palavras do autor como um exemplo do uso da Psicologia a grupos
especiais, assim como o termo “psicologia aplicada”, no enunciado de um artigo sobre
Educação Física, nos anos 1940, sinaliza um movimento inovador e um olhar sensível a essa
realidade.
Para Andrade e Brandt (2008), o esporte para deficientes físicos, hoje, obedece a uma
classificação médica-desportiva mundial, que separa as deficiências em função de sua
natureza. Atualmente, o esporte para deficientes físicos, mais que uma prática regular na
busca de bem-estar e socialização, se revela uma possibilidade no alto rendimento, com uma
prática adaptada às diversas modalidades esportivas. Os Jogos Paraolímpicos são um exemplo
de que, apesar das limitações físicas, os portadores de necessidades especiais também podem
experimentar a prática esportiva competitiva.
Em “Psicologia aplicada à atividade física dos débeis mentais”, Marinho (1946c),
embora apresente o termo psicologia no título, tal qual no artigo anterior, neste limita-se a
orientar os educadores para uma postura de cuidado com essa clientela. Marinho (1946c)
apresenta considerações de ordem geral sobre a anormalidade na sociedade e destaca que a
Europa, nos campos de batalha ou de concentração, sacrificou seus homens mais capazes e a
perpetuação da espécie ficou a cargo dos menos capazes. Defende que o anormal não é um
desajustado, mas pode assim se transformar caso não seja devidamente assistido e considera
importante a intervenção do Estado nesse processo.
Define a oligofrênia (oligo = pouco; frenos = espírito) e a relaciona com a debilidade
mental, onde a
Como base para seus argumentos, Marinho (1946c) apresenta alguns teóricos e suas
respectivas obras sobre o tema como “La Psychologie du raisonnement” (1886) de A. Binet
que refere à incapacidade dos oligofrênicos de se proteger dos perigos físicos, devido à
dificuldade em associar dois estados de consciência; “A Educação Funcional” (1940) de E.
Claparéde, onde este apresenta seus estudos sobre as operações principais da inteligência;
além de Pintner e “Intelligence Testing” (1931); “Source book in the Philosophy of
Education” (1938) de W. H. Kilpatrick; “Educational Psychology” (1916) de E. L. Thorndike
e “Psychology from the Standpoint of the Behaviorist” (1919) de J. B. Watson. O autor
concorda com todos estes, exceto Watson, no sentido de que a inteligência é uma capacidade
inata e varia de acordo com o patrimônio hereditário, podendo sofrer alguma influência de
acordo com as condições do meio. Cita ainda “Psicologia Pedagógica”, de 1943, de J. de La
Vaissière e “Psicologia para estudantes de Educação” de 1939, de A. I. Gates para falar das
anomalias no desenvolvimento intelectual e moral e de suas dificuldades de adaptação ao
regime escolar e convívio social.
Marinho (1946c) considera que o professor de Educação Física tem mais condições de
estimular o sistema nervoso central através de exercícios e, consequentemente, atingir a
inteligência e a vontade. Afirma que dificilmente a debilidade mental não vem acompanhada
de uma deficiência física, em função de um atrofiamento muscular por falta de estimulação e
descreve uma série de atividades físicas voltadas para essa clientela.
Não desconhecemos a existência dos problemas políticos e sociais que envolvem a
doença mental. Contudo, ainda que fosse um tema preocupante para a época, a presença de
artigos voltados a essa temática é mínima. No entanto, fica claro que havia uma preocupação
em adequar e controlar a conduta humana ao padrão de normalidade estabelecido na época,
visando a uma educação integral (física e moral). A Educação Física, na visão de Inezil Penna
Marinho, era o melhor caminho para alcançar tal objetivo.
Ainda de autoria desse autor “Educação Física para desajustados da conduta” de 1947
apresenta considerações gerais sobre a sociedade e suas leis de conduta, afirmando que é
necessário orientar sabiamente as condutas das crianças para que estas não se agravem.
Marinho (1947d) questiona se os criminosos trarão o estigma do crime ou se são produtos do
meio. Esclarece que o tema é discutido por sociólogos e criminologistas como Frédéric Le
Paly (1806-1882) sociólogo francês autor de Les Theories sociologiques contemporaines
(1938), os médicos legistas Eusébio Q. Lima em “Teoria do Estado” de 1930, e Leonídio
Ribeiro (1893-1976) com sua obra “Antropologia Criminal” de 1937. Estes últimos eram
atuantes no Rio de Janeiro, à época.
151
evitar os excessos e indica, como primeiro passo, educar os dirigentes das entidades e explicar
o papel social que os desportos possuem, assim como educar juízes e cronistas esportivos.
As sugestões de Marinho (1946d) dirigem-se para a busca de controle dos fenômenos
coletivos presentes no futebol. Em um período em que o país ainda buscava sua identidade
nacional, o futebol, em crescente ascensão desde o início do século XX, reunia condições para
canalizar os anseios e situar-se como símbolo brasileiro. Aceito e praticado por classes sociais
e etnias diversas, mobilizava as multidões emocionalmente e configurava-se como um
instrumento poderoso para penetrar nas diversas formas da vida cotidiana.
Para Guedes (2009, p. 462) o futebol no Brasil, a partir dos anos 1940, ocupou não
apenas campos e várzeas populares, mas os debates intelectuais sobre o povo brasileiro. Do
ponto de vista sociológico, os esportes são elementos fundamentais na criação de identidades
nacionais. No Brasil, em especial, isso se concretizou, nesse período, com o futebol e as
Copas do Mundo, eventos esportivos de grande porte, onde a cada quatro anos, “[...] o
sentimento de pertencimento comum é vigorosamente praticado, reinventado, renovado,
recriado”.
Para essa autora, nesse processo de reinvenção também estão inseridas fragmentações,
diferenciações e desigualdades estruturantes da vida cotidiana, assim como a abstração de
fenômenos sociais, políticos, tornando eventos como esse o “ópio do povo”, pela alienação
produzida diante das questões que afligem a sociedade.
A preocupação de Inezil Marinho sobre o comportamento das multidões aparece nas
vésperas do Brasil sediar sua primeira e mais decepcionante Copa do Mundo, em 195052. O
autor, em sua análise, identificava que as soluções para tais problemas perpassavam a
mobilização dos diversos atores partícipes, como imprensa, dirigentes, atletas e comissão
técnica, no sentido de educar as multidões sobre o papel social daquele esporte. Ao que
parece, alguns desses problemas sociais permanecem atuais e negligenciados.
A preocupação com fenômenos relativos ao futebol também aparece em uma pesquisa
realizada com uma equipe de futebol brasileira. Pio Piano Junior53, pseudônimo usado pelo
professor Mario Miranda Rosa, titular da cadeira de futebol da Escola de Educação Física da
USP e ex-técnico do Clube de Futebol Corinthians (1944), em seu artigo “Um estudo de
Psicologia Social em uma equipe de futebol profissional” publicado em 1944 na Revista
Brasileira, descreve o estudo que realizou com o objetivo de averiguar os motivos dos
52
Na revista EsEFEx, em alguns números de 1950, encontramos artigos e fotos que versam sobre a construção
do Estádio Mário Filho, “o Maracanã”.
53
Cf. Universidade de São Paulo (2010).
154
[...] actuar até o limite das minhas capacidades [...] corrigir minhas faltas, estar
sempre disposto a apprender e aperfeiçoar, jamais encobrir meus erros. [...] transpor
todos os obstáculos, lutando corajosamente quando a competição se mostra
desfavorável. Lutar com espírito de conquista, comprehendendo que o valor do
homem está nos seus actos. [...] Não desanimar com a derrota, mas com a vontade
temperada pela adversidade procurar apprender a causa do fracasso. Não se
lisongear com a Victória, comprehendendo que os homens se enfraquecem mais
pelo êxito que pelo fracasso [...]. (O CÓDIGO..., 1937 p.79).
Vemos que esses artigos sobre liderança partem do senso comum e são discursos
visando a persuasão do atleta. Em geral, versam sobre a necessidade de controle de alguns
sentimentos para alcançar ou manter a liderança, ou ainda, para a aquisição de valores sociais.
George Heberth (1875-1957), um oficial da marinha francesa, que na primeira metade
do século XX criou o Método Natural54 de Educação Física, explica na publicação para a
Revista Educação Physica de seu artigo “Os perigos morais do esporte”, em 1941, o estado de
espírito gerado nos esportistas em função da prática de esportes. Para o autor esse estado pode
ser benéfico ou não e um exemplo de perigo é a ausência do
54
Método Natural é um conjunto de procedimentos para exercitar o corpo em condições naturais, como
atividades ao ar livre. Entre suas obras sobre o tema destaca-se L‟education physique virile et morale par la
méthode naturelle. Exposé doctrinal et principes derecteus de travail. 2. ed. Paris: Vuibert, 1941a, t.1. (1. ed.
1912) (SOARES, 2002).
157
quanto mais considerável for a fadiga física, e sobre tudo a nervosa. [...].
(HEBERTH, 1941, p. 30).
O autor considera que existe pouca informação no sentido de saber frear e moderar os
impulsos exagerados, principalmente nos jovens, pois
[...]a ignorância ainda é tamanha nessa matéria psicológica, que não se acha
insensato reunir moços e lançá-los cegamente ao esporte extremado, sem lhes
assegurar os lhes dar os meios para refrear seus impulsos [...] Existe uma neurastenia
dos esgotados físicos, muito mais difícil de curar dos que os esgotados cerebrais.
Êstes últimos não teem, em efeito, senão que praticar sabiamente os exercícios do
corpo, para restabelecerem o equilíbrio. Mas o repouso físico não cura
necessariamente o nervo dos outros. [...] (HEBERTH, 1941, p. 30).
sobre o assunto. R. Neto (1939) afirma que a maioria dos automobilistas brasileiros não
possui carteira de habilitação e questiona o modo de aquisição da mesma pelos poucos que a
possuem. Considera que essas pessoas, no comando de um carro, se esquecem de qualquer
noção de segurança que possam ter quando estão fora dele ou quando são passageiros.
[...] Si fosse possível penetrar na psicologia de quem está dirigindo uma viatura
auto-motora e investigar qual sua idade mental no momento, ficaríamos
dolorosamente surpreendidos verificando que homens geralmente tidos como
ponderados se que estão investidos de funções de alta responsabilidade, na vida
comum, não passam – como automobilistas de – crianças cujo plano mental não vai
além dos 12 anos. [...] uma verdadeira obliteração do senso de auto-crítica, na
ausência do qual „os volantes‟ pensam e agem de modo verdadeiramente anti-social,
apenas conhecendo e seguindo seu próprio egoísmo.[...]. (R. NETO, 1939, p. 52).
sentimentos, ao “freio dos impulsos” e à adequação da conduta às normas sociais, seja para o
atleta ou para o indivíduo comum na condução do automóvel. Este tipo de discurso parece ter
sido utilizado em diversos contextos sociais com o objetivo de despertar a sociedade para os
desajustamentos consequentes da modernidade.
161
Fernando Sabino
Ao que parece, à medida que o saber psicológico surge no campo da Educação Física
sem um corpus próprio, podemos dizer, à deriva, a Educação Física o utiliza como ferramenta
complementar para constituir seu próprio campo. Apropria-se principalmente das teorias
psicológicas. À proporção que um corpus teórico e prático da Psicologia se solidifica, este
aparece no âmbito da Educação Física como uma orientação à prática.
A pesquisa nos periódicos em questão, ao longo das décadas de 30 até 60, nos revelou
um percurso crescente e claro de aproximação entre Psicologia e Educação Física em direção
às demandas que, hoje, entendemos como próprias da Psicologia do Esporte.
Vimos que nas décadas de 30 até 40 nos dois primeiros periódicos – Revista EsEFEx e
Educação Physica –, os artigos publicados versavam sobre conceitos e teorias psicológicas. O
médico Raul Clemente Rego Barros, Chefe do Gabinete de Psicologia Experimental da Escola
de Educação Física do Exército, examina de forma detalhada o exame psicológico dos
praticantes de atividades físicas para reconhecer os aspectos individuais em “Considerações
162
[...] com o conhecimento das relações entre as forças espirituais, que contribuem
para a constituição da alma, e as forças materiais que dão forma e função do corpo,
podemos conseguir uma educação física científica. Não é possível conhecer os
segredos do corpo ignorando as riquezas da alma (BARROS, 1941, p. 25).
O autor revela que, desde 1931, já havia uma demanda para a disciplina de Psicologia
Aplicada na Escola de Educação Física do Exército, mas que, aos poucos, tal disciplina foi
desaparecendo dos quadros gerais da Educação Física do país, sem explicar as possíveis
causas. Em 1939, o ensino de Psicologia foi resgatado pelo médico Capitão Arauld da Silva
Brêtas com a organização do Gabinete de Psicologia Experimental. Tal gabinete iniciou suas
atividades após o encerramento do Laboratório de Psicologia da Colônia de Psicopatas, em
1932, dirigido pelo psicólogo W. Radeki, onde Araud da Silva Brêtas também trabalhou.
De fato, Centofanti (1982), Penna (1992) e Jacó-Vilela (2008) sinalizam a existência
desses laboratórios de psicologia nas primeiras décadas do século XX, em algumas capitais
brasileiras como São Paulo (1914), Belo Horizonte (1929) e Rio de Janeiro (1924). Nesta
capital, o laboratório de Psicologia instalou-se na Colônia de Psicopatas do Engenho de
55
Alfred Fessard dirigiu o laboratório criado pela Liga de Higiene Mental no Rio de Janeiro em 1922. Não
encontramos referência sobre Laugier.
163
Dentro. Idealizado pelo médico Gustavo Riedel, fundador da Liga de Higiente Mental,
dirigido pelo também psicólogo polonês Waclaw Radecki até 1932, conforme citado antes.
Portanto, os estudos experimentais de Psicologia já eram conhecidos no Brasil, desde os anos
1920, o que favoreceu à existência de uma disciplina e um laboratório na Escola de Educação
Física do Exército nos anos 1930.
O autor conclui seu artigo considerando a importância de acrescentar às provas de
capacidades físicas, novas medidas para estabelecer até que ponto a educação física influencia
na formação do espírito, do caráter e das capacidades intelectuais.
A preocupação do autor com a Psicologia se justifica, pois Raul Clemente Rego
Barros assumiu a chefia do gabinete de psicologia experimental e a disciplina psicologia nos
cursos de instrutores e de medicina especializada, procurando dar um cunho prático ao ensino,
estudando a constituição psíquica dos alunos, motivando-os a conhecer o fundo psíquico das
ações humanas para que, no futuro, pudessem avaliar melhor o comportamento de seus
próprios alunos.
O interesse pelo saber psicológico e pelas estratégias de mensuração reaparece em
outro artigo desse autor, “Considerações sobre o exame psicológico dos árbitros de futebol”,
publicado em 1947, para a Revista EsEFEx. Aqui, Barros (1947, p. 10) afirma que toda
ciência que estuda o homem considera a existência de uma personalidade com características,
atitudes e tendências individuais e que qualquer tipo de atividade requer atributos especiais
para um melhor desempenho. Diz que em todos os “países civilizados” a psicotécnica vem
sendo aplicada com frequência “[...] como elemento de organização científica do trabalho,
concorrendo de modo especial para a solução do importante problema da orientação e seleção
profissional [...].”
Esse apelo talvez justifique o exame psicológico realizado em alunos da Escola de
Árbitros, criada e organizada pelo Capitão Lourenço Coluci, instrutor da EsEFEx, em 1934.
Barros (1947) pergunta quais problemas de ordem psicológica devem ser investigados e quais
qualidades um árbitro deve possuir para assumir uma função difícil como essa.
O autor informa que, após longa e intensa pesquisa entre aqueles que, em seu meio,
vêm se dedicando à Psicologia Aplicada, identificou as características do exame que poderiam
ser resumidas numa ficha de informações contendo dados como nome, idade, biótipo, raça,
profissão, naturalidade, instrução, estado civil, cor e nutrição. Ele justifica a presença de tais
dados como “[...] os elementos indispensáveis na identificação, bem como outros de ordem
étnica, somática e social, que não devemos desprezar, quando procuramos uma avaliação sob
o ponto de vista psíquico [...].” (BARROS, 1947, p. 10). A inclusão dos dados étnicos se
164
fundamenta na classificação de tipologia óssea feita pelo médico legista e antropólogo Edgard
Roquette-Pinto (1884-1954).
Para medir o estado psico-fisiológico o autor incluiu o item nutrição e descreve os
métodos usados para analisar a qualidade dos sentidos da visão e audição, assim como a
sensibilidade da forma, mensurados a partir dos aparelhos de Rupp56, do Gabinete de
Psicologia Experimental. Outro fator considerado importante tinha a ver com o grau de
sugestionabilidade, considerada uma das qualidades mais notáveis do psiquismo humano. Era
mensurada através do questionário do teste de Rossolimo e Demoor em uma escala de zero a
dez. Ainda havia a investigação sobre a fadiga para diferenciar os atrasos no decorrer das
atuações dos árbitros.
No final da ficha havia um espaço para os examinadores escreverem juízos sintéticos
das funções examinadas, assim como a presença de complexos. “[...] Para um estudo mais
completo da personalidade do examinando (caráter, complexos, moralidade, interesse, etc.),
submetemos todos os alunos da Escola de Árbitros aos testes de Pressey, Heuyer, Courthial,
Dublineau e Néron [...].” (BARROS, 1947, p. 11). O autor conclui ressaltando a necessidade
dos princípios de justiça e respeito aos jogadores que o árbitro deve ter.
Os anos 1940 caracterizam, pois, uma aproximação entre a Psicologia e a Educação
Física mais voltada às demandas diversas do cenário esportivo em geral. A construção dessa
aproximação se inicia com os artigos publicados em meados dos anos 1930, onde os autores
buscam demonstrar a importância e os avanços dos estudos psicológicos e seus fundamentos
teóricos, caracterizando um período em que a teoria era aplicada à prática, e, por isso, vemos
muitos artigos utilizarem a terminologia de “psicologia aplicada”. A prática como produção
de conhecimento é uma construção contemporânea.
Um exemplo dessa forma de aplicar a Psicologia é a transcrição da “Aula Inaugural do
Curso de Psicologia”, em 1933 na Revista EsEFEx, informando que o CMEF, através dos
professores do Conselho Técnico, definiu em seu programa a disciplina de Psicologia. O
artigo justifica tal ação, afirmando que ficou insustentável separar corpo e alma. “[...]
Fisiologia e psicologia são matérias que a biologia engloba e trata igualmente. E tanto a
psicologia vai buscar suas bases na fisiologia, como esta completa seus capítulos na
psicologia. [...].” (AULA..., 1933 sem paginação).
O texto afirma que a Psicologia moderna deixou de se ocupar com cogitações
abstratas, hipotéticas,
56
Aparelho adquirido em processo de licitação pelo Ministério de Educação e Cultura, de acordo com o Diário
Oficial da União, de 1 de dezembro de 1938, seção 2, p. 28.
165
O autor retoma os conceitos filosóficos de Sócrates e Platão sobre corpo e alma como
não bem-vindos à Educação Física do momento, pois tais concepções preparavam para uma
filosofia onde o misticismo e a kabala faziam parte da Educação Física da antiguidade
clássica. Propõe enfoque nos estudos sobre as influências das descobertas psicológicas
científicas sobre a prática da Educação Física. Para isso, cita os trabalhos do educador físico
francês George Hébert “La culture virile” (1913); do psicólogo americano William James
sobre emoção; do filósofo francês Henri Bergson sobre sentimento; do médico Ferrér e seus
estudos sobre “Sensação e movimento” (1887); do médico francês Philipe Tissié sobre a
fadiga (1896); ainda os mais recentes trabalhos de Angelo Mosso e da médica Ioteyko, assim
como os de Thorndike sobre fadiga muscular e intelectual. Outro autor citado é um dos
representantes do funcionalismo na Psicologia, Robert Woodworth (1869-1962) e seus
estudos sobre movimento, influenciando as concepções “ativistas” da Psicologia
(LO0URENÇO FILHO, 1935).
Segundo esse autor todos esses estudos tiveram repercussão sobre a Educação Física.
Para ele, a Psicologia atual, definida como ciência do comportamento, possui suas raízes na
noção de arco reflexo. Na conclusão, relembra a importância dessa temática e assegura o
empenho da Escola de Educação Física do Exército em aderir a essas ideias, pois deve
investir em uma educação integral e não apenas no exercício do corpo.
Outro artigo, sem autoria, que corrobora com esses argumentos, mas acrescenta
poderes de intervenção e controle emocional à Educação Física é escrito em 1935 para a
Revista EsEFEx. “Objetivos psicológicos na educação física” diz que, em geral, não há por
parte dos estabelecimentos de ensino uma relação estreita entre educação física e educação
intelectual e que a educação moderna deve visar simultaneamente o corpo e o espírito, uma
vez que a prática da Educação Física é a única capaz de realizar um verdadeiro
desenvolvimento físico e psíquico.
sobre os rumos da Educação Física. A Psicologia, muitas vezes, preenchia lacunas sobre os
estudos relativos ao corpo e à alma. Compreendida na época como relativa aos aspectos
morais e mentais que favoreciam o controle do corpo, esta visão comparece também no artigo
“Psicologia da Educação Física”, de 1935 traduzido por Amélia de Oliveira na Revista
EsEFEx.
Tal artigo refere-se à compreensão do professor alemão Adolf Thiele, autor de A Nova
educação quando existe Educação Física (1919) (Die neue Erziehung. Werdenum Wensen der
Leibesüngen), a questão abordada afirma que a ação é uma atividade muscular assim como é
atividade mental e que é inegável o significado da vontade, do corpo, dos nervos, do cérebro
ou dos músculos.
O texto lembra que os estudos teóricos realizados pela Educação Física versam sobre a
noção de espírito, juntamente com alma, conceitos de difícil definição. Fundamenta-se no
pedagogo suíço J. J. Rosseau, no educador alemão Guts Muth, no economista americano
Theodor Shultz. Informa que a Educação Física estabelece grandes discussões e que cabe aos
estudiosos considerarem não apenas o ponto de vista histórico, mas também o psicológico.
Questiona a inacreditável resistência por parte de alguns em aceitar aspectos da Psicologia na
Educação Física. Retoma a noção de indivisibilidade ou pluralidade entre corpo, espírito e
alma, considerando necessário refazer o conhecimento sobre a estrutura humana ao levar em
conta uma relação psicológica entre tais instâncias, alertando também para o fato de que
57
Título original Physiologie als Erfahrungswissemschaft (1838).
168
força criadora”58. Todos fizeram estudos sobre a importância do ritmo para a explicação dos
fenômenos psíquicos. O texto distingue, ainda, o aspecto mental e o espiritual, uma vez que a
vida é um conjunto de atos contínuos e a consciência um processo que relaciona os atos
intermitentes. Afirma que a existência espiritual não tem limites no espaço e tempo e que
alma e vida são duas realidades naturais, eternidade do ser e o tempo da ação.
Por fim, cita os trabalhos do psicólogo estruturalista Felix Krueger (1874-1948), que
também demonstra uma tendência em usar o conceito mecânico atomista do psíquico para
reconhecer o crescimento rítmico orgânico. Diferentemente dos demais artigos, este apresenta
notas de rodapé com as referências bibliográficas citadas.
Os discursos apresentados até aqui reverenciam uma psicologia geral e experimental,
defendendo seu uso na prática da Educação Física e confirmando que as décadas de 30 e 40
serviram de base para a construção gradativa, nas décadas seguintes, de uma linguagem mais
específica voltada à aplicação da Psicologia no universo da atividade física, como aparece de
forma explícita no artigo seguinte.
O Tenente Coronel Jair da Graça Raposo em “A divisão de Psicologia Aplicada no
Ministério da Educação Física e Desportos” (1959), publicado na Revista EsEFEx apresenta
seus anseios pela criação de um ministério próprio dessa área, a partir do desligamento do
Ministério da Educação, além da criação de uma Divisão de Psicologia Aplicada diante da
necessidade de uma preparação psicológica, além da física e técnica.
Nos próximos anos... que nós almejamos alcançar a Divisão de Psicologia Aplicada
do Ministério da Educação Física e Desportos será um laboratório de estudos dos
conflitos comumente ocorridos com um, dois ou mais desportistas, fornecendo
parecer conclusivo das causas desencadeantes desses referidos conflitos [...]
(RAPOSO, 1959, p. 15).
Para esse autor a preparação psicológica era indispensável quando emoção, coragem,
entusiasmo e afetividade são constantemente solicitadas, como no caso do preparo do atleta
ou do soldado para o combate. Raposo (1959) informa que assumiria no ano seguinte a
Divisão de Psicologia Aplicada do Ministério da Educação Física e Desportos, um órgão que
seria responsável pela regulação e sistematização do processo de formação profissional e
autorização do funcionamento das escolas.
Nos próximos anos ... que nós almejamos alcançar à Divisão de Psicologia Aplicada
caberá, portanto, a tarefa de orientar a afetividade nos atletas brasileiros, para que
cada um deles [...] seja sempre soldado em potencial, pronto a defender a Pátria se a
sua honra for ultrajada [...] (RAPOSO, 1959, p. 16).
58
Título original Ausdrucksbewengung und Gestaltungskraft (1921).
169
59
O Conselho Nacional de Desportos é criado em 1937 a partir de um projeto de lei elaborado pela Secretaria
Geral do Conselho de Segurança Nacional, juntamente com o Instituto Nacional de Educação Física e com a
Escola Nacional de Educação Física e Desportos. Cf. Leandro (2002).
60
A CBD é criada pelo então Ministro de Relações Exteriores, em 1916, ao assinar um memorando de
intenções, confirmando a unificação do futebol brasileiro, que já possuía clubes em todo o Brasil.
(SARMENTO, 2006).
171
autor ilustra que, ao conversar com os professores de ambas as turmas, identifica que o
conteúdo abordado está correto; no entanto o professor da turma A tem como objetivo a
realização do trabalho em padrões fixos, por idade, em ordem preestabelecida e metódica,
enquanto o professor da turma “B” se preocupa em desenvolver a personalidade dos alunos.
Lourenço Filho (1944a, p. 5) acredita que em cada aluno há uma pessoa a considerar,
não se podendo tomar os alunos como máquinas e, apesar de enfatizar o êxito dos professores
como técnicos, os critica como educadores. Afirma que é preciso saber educar, não apenas os
músculos, mas também pessoas, pois existe “[...] todo um sistema de emoções, de tendências,
de pensamentos, de relações de vida pessoal [...].”.
O autor reforça que a Educação Física não deve ser vista como um aspecto técnico
isolado, mas como parte da educação integral, pois atua sobre a personalidade das crianças e
jovens. Analisa o desempenho do professor que não obteve bom rendimento com seus alunos
em função de sua falta de percepção das relações humanas e de uma visão psicológica para
motivar sua turma. Argumenta que a inteligência social - trato com pessoas -, a inteligência
técnica - trato com as coisas - e a inteligência abstrata - trato com as ideias - resultam das
experiências de cada um na infância e que tudo é psicologia, ou seja, tudo são relações
humanas. “[...] A psicologia é o mais concreto dos estudos, o mais real, o mais presente, o
mais constante sobre nós [...].” (LOURENÇO FILHO, 1944a, p. 6).
Em suas contínuas conversas com os professores, Lourenço Filho (1944b) relata que
um deles apresenta mudanças em sua forma de perceber e tratar os alunos, em especial os
considerados “indisciplinados”, pois seu movimento era sempre de classificá-los em bons ou
maus; disciplinados ou não. Uma de suas mudanças foi considerar a possibilidade de
perguntar aos alunos o que deveria ser feito e não levar tudo pronto, impondo-lhes as
atividades. O referido professor concordava com o autor que para o ajustamento ocorrer seria
necessário uma pré-disposição do indivíduo, assim como fatores sociais que favorecessem tal
ajustamento. Podemos dizer, pois, que de forma exploratória, Lourenço filho fazia um
exercício próximo ao do psicólogo do esporte com estes professores, quando se preocupa com
o desempenho dos alunos.
Lourenço Filho (1944c) diz que a personalidade de qualquer pessoa pode ser definida
por suas tendências mais constantes, mas afirma que o conceito de personalidade não é fácil
de ser tratado e não corresponde à simples presença ou ausência de um atributo. Além disso,
as tentativas de classificação referem-se aos casos extremos e isso dificulta uma comparação
entre os alunos. Em função desta diversidade, considerava mais apropriado o termo atributos
de personalidade.
172
O interesse desse professor pela Psicologia, uma vez despertado, aguçou seu estímulo
mais para o campo da pesquisa e leituras, a partir das conversas que tiveram. No entanto,
Lourenço Filho passou a se preocupar que optasse por uma teorização exagerada, com
dificuldade de aplicação à realidade da Educação Física.
[...] um perigo, porém começava a surgir: era o de que nosso caro professor passasse
a interessar-se, demasiadamente, pela questão da classificação e dos nomes, mais do
que pela realidade dos fatos. A psicologia foi, por tanto tempo uma ciência de
„palavras‟, que o meu temor se justificava. [...] (LOURENÇO FILHO, 1944c, p. 2).
O autor considera inadequado o uso das classificações dos seres humanos com fins
práticos, ou seja, uma classificação de tipos ou um inventário analítico sobre as capacidades
dos alunos. O que deve haver, em sua opinião, é uma impressão geral sobre os atributos e
formas de reação de cada aluno, pois a personalidade é entendida como padrão total, o
conjunto da pessoa, como ela age e reage diante dos fatos do ambiente. “[...] A personalidade
que distinguimos nos outros, chega a ser, em parte, conceito de realidade, mas é, sempre,
também, conceito de valor. Por outras palavras: nossos julgamentos implicam também
expressão de nossa personalidade [...].” ( LOURENÇO FILHO, 1944c, p. 3).
Lourenço Filho baseia-se nos teóricos da personalidade gestaltistas, os alemães E.
Spranger (1882-1963) e G. Wheeler e seus estudos sobre as tendências capitais do homem,
mas os considerava profundos demais para servirem de leitura dos professores. Sugere, então,
que se leia uma análise mais simples e mais prática feita pelo sociólogo americano W.
Thomas, defensor de estudos qualitativos sobre o tema.
Conclui o artigo afirmando que a personalidade é algo ativo, atuante, uma expressão
total e sujeita a oscilação e uso de mecanismos em busca de seu próprio equilíbrio e que, nos
adolescentes, esta se encontra em fase de organização, de crescimento, de expansão.
Observamos, até aqui, que a Psicologia, quando invocada, aparece na forma de
fundamentação teórica para tratar de alguma temática como personalidade, sociabilidade,
controle das emoções ou da conduta, com o objetivo de oferecer recursos aos educadores
físicos diante de suas demandas. Mais que isso, vemos um educador defender uma visão
abrangente e qualitativa da personalidade, em um cenário, até então, constituído por um
enfoque biológico e tipológico, conforme apresentamos anteriormente. Participações como
essas, valorizando um discurso menos biológico e determinista, estarão cada vez mais
presentes na passagem para os anos 1950 e 1960.
Para incluir os aspectos psicológicos e ao mesmo tempo manter as concepções
biológicas, os educadores físicos optaram por uma visão tipológica da personalidade. Inezil
Penna Marinho, em seu artigo “Psicologia Aplicada ao Desportista” publicado em 1947 na
173
Revista Brasileira, ilustra mais uma tentativa em reiterar a importância dos aspectos
psicológicos na preparação do atleta baseada em uma visão tipológica da personalidade.
O autor define um desportista como uma pessoa que pratica o desporto, cujo objetivo é
a competição, seja nos esportes individuais, seja nos coletivos. Em seguida, esclarece sobre as
condições de valor do desportista e os cuidados que devem existir em sua preparação.
Acrescenta que esse valor depende de suas condições morfológicas, fisiológicas e
psicológicas, pois para praticar qualquer desporto é necessário ter boa saúde, o que não
significa ausência de doença, mas um organismo equilibrado, harmonicamente desenvolvido,
com os órgãos em bom funcionamento.
Para Marinho (1947e, p. 12) “[...] O treinamento desportivo só poderá processar-se
quando o organismo estiver no pleno gôzo de seu completo equilíbrio psico-somático [...].”
Apresenta definições sobre as condições morfológicas baseadas na obra de F. Vasconcelos “O
valor físico do indivíduo: sua medição e avaliação” (1922), assim como os estudos do médico
W. Berrardinelli “Tratado de Biotipologia e Patologia Constitucional” (1942) na qual este
afirma ser o conhecimento morfo-físio-psicológico uma premissa fundamental para a
educação física racional; bem como Arnold Thooris, um dos introdutores da biotipologia e
seus estudos com 1500 alemães praticantes de atletismo, além das afirmações do italiano N.
Pende sobre a adequação do tipo longilíneo para determinadas modalidades.
Marinho (1947e) apresenta algumas tipologias físicas ideais para a prática de
modalidades específicas como a do lutador que, segundo ele, deve ter pernas grossas e curtas,
tórax largo e forte, braços curtos. Para o autor, as condições fisiológicas requerem um
organismo adaptável aos esforços exigidos, mas as condições psicológicas são tão importantes
quanto as demais, uma vez que em situação de competição, essas se apresentam como uma
disposição psíquica favorecendo à prática esportiva.
Acrescenta ainda que os complexos, as crendices e as supertições possuem um papel
importante na condição psicológica. Para fundamentar esses argumentos, Marinho (1947e)
recorre a dois trabalhos do professor Mario Miranda Rosa61, do Departamento de Educação
Física de São Paulo, “Um estudo de Psicologia Social em uma equipe de futebol
profissional”, de 1944, assim como o artigo “O papel da magia do futebol”, ambos publicados
em 1945 na Revista Brasileira, abordando sobre a influência da religião no futebol.
Cita A. I. Gates que, em “Psicologia para estudantes de educação” (1935), afirma que
a preparação do desportista compreende três aspectos: a física, incluindo desenvolvimento
61
Esse autor aparece também com um pseudônimo de Pio Piano Junior e este artigo foi analisado no capítulo
anterior.
174
corporal e o treinamento orgânico; a técnica, obtida para melhor uso de suas habilidades; e a
tática, entendida como a melhor maneira de usar a técnica e impor ao adversário sua
estratégia.
Retomando os aspectos psicológicos, para Marinho (1947e) existem dois tipos de
complexos nos esportes individuais: o de superioridade e o de inferioridade62. Além disso, os
estados emocionais preponderantes na atuação dos desportistas são a cólera e o medo,
encontrados principalmente em desportos onde ocorre o contato direto com os adversários,
como é o caso do boxe, basquete e futebol.
O autor lembra ainda um item que considera necessário: o controle de desportista, que
inclui os elementos fisiológicos (a cargo do médico), físicos e táticos (técnico desportivo).
Neste caso, o controle técnico inclui as observações sobre as condições psicológicas do
desportista para o treinamento que, segundo o autor, podem ser observadas, por exemplo,
através das oscilações de peso, aspecto físico antes e depois dos treinos.
Por fim, apresenta um esquema de planejamento geral a ser considerado para fins de
um treinamento que inclui duas etapas principais: obtenção de condições de desenvolvimento
das qualidades físicas e aquisição do estilo e obtenção da forma, uma adaptação do organismo
à natureza da prova, ou seja, uma apuração do estilo. Embora seu discurso mencione a
presença de sentimentos e estados emocionais, o autor não inclui a preparação psicológica.
Observamos um teor de incongruência nesse discurso e incoerência com o título, pois
a Psicologia e/ou alguns fenômenos psicológicos se fazem presentes de forma teórica, mas
não são incluídos nos procedimentos metodológicos da Educação Física. Esse processo de
inserção da Psicologia na Educação Física, de fato, parece transcorrer de forma ambígua. Em
parte, por ser iniciado pelas mãos dos próprios profissionais da Educação Física; por outro
lado, o uso que fazem do saber psicológico se confronta com o próprio fazer da Psicologia
que ainda engatinhava, gerando dificuldades na interlocução entre esses dois campos na
atualidade.
Nas décadas seguintes, até meados dos anos 1960, encontraremos um discurso menos
dúbio, indicativo de aplicação de uma prática psicológica frente à realidade esportiva. Tal
mudança no discurso parece vir se construindo paulatinamente desde o processo de
militarização do corpo, no final dos anos 1930, conforme analisado por Lenharo (1986).
Segundo ele,
62
Alfred Adler (1870-1937) médico e psicólogo austríaco criou a teoria da Psicologia individual, da qual fazem
parte os complexos de inferioridade e superioridade.
175
[...] o corpo está na ordem do dia e sobre ele voltam-se as atenções de médicos,
educadores, engenheiros, professores e instituições como o exército, a Igreja, a
escola, os hospitais. De repente, toma-se consciência de que, repensar a sociedade
para transformá-la, passava necessariamente pelo trato do corpo como recurso de se
alcançar toda a integridade do ser humano [...] (LENHARO, 1986, p. 75).
63
Um trabalho apresentado ao I Congresso Luso-Brasileiro de Educação Física em Lisboa (1960).
177
Lopez e intitulada “Problemas psicológicos nos esportes e na Educação Física”. O teor revela
uma preocupação na integração entre esporte e educação, mas acrescentando um olhar
psicológico.
O conferencista inicia agradecendo ao convite do amigo, o Presidente da Associação
Mineira de Professores de Educação Física, pela oportunidade de falar sobre o desporto e
esclarece que, mesmo não estando em contato na atualidade com essa área, sempre foi um
apaixonado pelo tema e, como médico, tem observado as vantagens e inconveniências dos
desportos. Vale ressaltar que Mira y Lopez de fato se aproxima do universo esportivo nos
anos 1960, quando, em parceria com o também psicólogo Athayde Ribeiro Silva, escreve o
livro “Futebol e Psicologia” (1964).
O percurso de Mira y Lopez no Brasil inclui não só essa relação com o futebol, pois
seu reconhecido saber sobre Psicologia lhe abriram outros espaços em áreas diversas como na
indústria e no âmbito jurídico. Em função disso, nesta conferência, era esperado que ele
abordasse diversos assuntos relativos à prática de esportes. No entanto, Mira y Lopez informa
que os pontos solicitados eram muitos e que como seria impossível responder a todos, faria o
possível para opinar de forma breve sobre alguns.
Descreve então, os diversos tipos de interesses em praticar esportes e afirma que o
esporte pode atender a fins higiênicos, terapêuticos, lúdicos, educacionais e econômicos,
porém a finalidade que deve predominar é a educativa, por contribuir para a formação e
desenvolvimento da personalidade.
Destaca a resistência de alguns em não aceitar os esportes como parte da educação,
haja vista os comportamentos agressivos presenciados nos estádios, mas reafirma que esporte
sempre é educação, pois possui uma finalidade de superação competitiva e ocupa uma posição
intermediária entre o jogo e o trabalho, tornando-se
[...] evidente que as pessoas que fazem os desportos não podem desenvolver o
músculo sem a inteligência e têm que prestar atenção ao exercício das condições de
caráter, isto é, tem que fazer uma aprendizagem educacional. Para realizar bem o
esporte não é suficiente que o exame médico assegure a existência de boas
condições fisiológicas. Precisa, além disso, que o exame psicotécnico revele uma
boa adaptação pessoal do tipo de exercício escolhido [...]. (MIRA Y LOPEZ, 1949,
p. 5).
Mira y Lopez (1949) afirma que não há um tipo de esporte específico para as crianças,
nem para os adolescentes, o que existe são esportes que favorecem a grupos musculares
diferentes havendo alguns que atingem um número maior de músculos como o basquete,
vôlei, remo e a natação. Informa, também, que não há melhor ou pior esporte do ponto de
vista psicológico, e que, pessoas com dificuldades de socialização ou no caráter podem
178
procurar os esportes individuais; deve-se somente orientá-los para os esportes coletivos, sem
contudo, obrigá-las a isto.
Por fim, se declara favorável às competições amistosas e sem premiações, pois é de
opinião que não se deve estimular competições que visem algo além da resistência física. O
prêmio, segundo o autor, é útil para estimular a competição, mas não o é na formação do
caráter. Considera que o professor de educação física deve ter uma formação pedagógica,
deve ser mais um atleta mental que um atleta muscular. Mas as demandas emergentes
relativas ao esporte não ocorrem apenas no âmbito escolar.
Os anos 1930-1940, apesar dos problemas políticos e econômicos, demonstraram-se
frutíferos no que tange a um crescente desenvolvimento do esporte brasileiro. Enquanto o
cenário mundial ainda se recuperava dos efeitos da Segunda Guerra que, dentre outras
consequências, dividiu o mundo em dois blocos político-militares liderados pelas
superpotências da época, EUA e URSS, o Brasil ensaiava construir um regime democrático
sustentado por uma política desenvolvimentista que, geraria um novo estilo de vida aos
brasileiros, difundido pelos meios de comunicação, em ascensão no país, em especial a
televisão que também aportava no território nacional nos anos 1950 (KORNIS, 2011).
No âmbito do esporte, várias modalidades já eram praticadas, mas foi o futebol que
ganhou o clamor das massas. Para Silva (2006), diferente de outros esportes como o remo ou
corrida de cavalo, não havia impedimento em torcer e praticar o esporte, pois suas condições
estruturais permitiam que fosse jogado em campos de várzeas, nas escolas ou nas ruas.
A década de 30 marca o início dos Campeonatos Mundiais de Futebol organizados
pela Federação Internacional de Futebol Associado (FIFA) e a profissionalização do esporte
no Brasil já era uma realidade (figura 12). Para esse autor, o papel da imprensa nacional
também ocupa um lugar de destaque na popularização do futebol no país nessa época, em
especial no Rio de Janeiro, onde foi liderada pelo jornalista Mário Filho que, através dos
jornais onde escrevia e de eventos diversos que organizava, despertou a atenção dos
brasileiros para o futebol tornando-se um dos maiores incentivadores da relação entre futebol
e as classes populares (SILVA, 2006).
179
[...] historiar emocionado o que foi a „Batalha do Estádio‟, essa audaciosa obra
nacional portento da engenharia brasileira, maior realização arquitetônica levada a
efeito no Brasil. [...] fica aí o colosso do Maracanã, alfaneiro e imponente,
engalanado e festivo para positivar nossas aspirações servindo de exemplo à
posteridade (INAUGURAÇÃO, 1950, p. 45).
No entanto, mesmo com todo esse investimento e uma excelente campanha, a Seleção
Nacional perdeu a Copa do Mundo em casa. Esse triste feito foi apelidado de “Maracanazo”,
rendendo traumas e supertições até os dias atuais, quando o país novamente se prepara para
sediar outra Copa do Mundo em 2014, com alguns dos mesmos problemas em torno das
obras, agora em proporções ampliadas.
Os dois periódicos de Educação Física ainda existentes na época pouco se
manifestaram sobre o evento. O artigo descrito foi um dos únicos encontrado na Revista
EsEFEx, que mais procurou exaltar com fotos a construção do estádio que falar sobre o
evento esportivo. Vale ressaltar que, por mais instigante que seja falar desse contexto, não
aprofundamos nossa busca nesse sentido, visto que nos distanciaríamos de nossa temática. No
entanto, não podemos deixar de considerar que o cenário desenvolvimentista do país, que
incorporou o esporte esteja relacionado à nossa temática.
181
Ainda tratando do desporto, mas mais voltado à saúde física e psíquica, “Exercício
físico e psicoterapia” (1956) publicado pelo professor Maurício de Medeiros na Revista
EsEFEx, ilustra algumas qualidades da Educação Física quando voltada aos desportos, como
a sociabilidade, gerando nas pessoas um caráter de compreensão mútua nas relações, chamado
de espírito desportivo. “[...] A educação física, já pelos seus resultados sobre a saúde física, já
pelas qualidades mentais de adaptabilidade nas inter-relações humanas pode ser considerada
como importante fator de higiene mental. [...]” (MEDEIROS, 1956, p. 1).
Além disso, o autor considera que o exercício físico pode ser útil como elemento
terapêutico na psiquiatria, conectando afetivamente o doente com o meio. A associação do
exercício físico com a psicoterapia (sic) é definida pelo autor como ergoterapia (sic), ramo da
terapêutica que utiliza o trabalho como instrumento. Medeiros (1956) cita o Instituto de
Psiquiatria e um psiquiatra francês, Dr. Pierre Le Gallais, discípulo do Dr. Sivadon,
especializado nessa prática terapêutica em Ville-Evrard. O autor descreve os três estágios da
ergoterapia e seus respectivos objetivos e exercícios e conclui afirmando que o educador
físico está na base de tais atividades e que através da atividade física o homem se desenvolve
mentalmente e pode recuperar sua saúde mental.
Seguindo essa linha terapêutica, mas enfocando os aspectos psicológicos, Emílio Mira
y Lopez publica “Ginoterapia”64, em 1946 para a Revista Arquivos e, em 1948, para a Revista
Brasileira. Mira y Lopez (1946) fala sobre uma espécie de terapia a partir do exercício
muscular ou psicomuscular necessário para manter a saúde psíquica. A ginoterapia
proporciona efeitos psicoterapêuticos a partir da combinação de exercícios com a condição
física individual, disposta em modelos distintos de ginástica como: a) ginástica atlética, onde
o uso de pesos e aparelhos gera os efeitos psicológicos de auto-avaliação e confiança; b)
ginástica sueca que exige esforços musculares intensos, associada à respiratória e rítmica,
sugerida aos tipos astênicos e neurastênicos, bem como aos psicopatas instáveis e ansiosos
com carência de ritmo; c) ginástica lúdica, uma forma mista de fisioterapia e ludoterapia,
recomendável aos casos de autismo e tristeza; d) ginástica desportiva: importante para
evidenciar a junção de força física e mental e auxilia na formação do caráter, na correção de
alguns traços e no tratamento de desequilíbrios de conduta. Mira y Lopez (1946) afirma,
ainda, que existe outra classificação para esse tipo de inástica em relação à prática individual
e coletiva, direcionada ao tratamento de diversos transtornos de personalidade. Assim, vemos
Mira y Lopez aliando diversas formas de atividade física a seus efeitos psicológicos.
64
Encontramos publicação “Manual de Psicoterapia”, de 1942, da Editora Científica, na qual o autor apresenta
um capítulo sobre o tema. Atualmente a ginoterapia é um dos serviços oferecidos pela Fisioterapia.
182
No final dos anos 1940 uma segunda aproximação, a qual chamamos de uma nova
psicologia, começa a se estabelecer entre Psicologia e Educação Física de modo mais
específico, em especial a necessidade de melhor selecionar os atletas para suas funções no
esporte e de tratar de fenômenos intrínsecos à realidade esportiva. Há disciplinas de
Psicologia aplicada nas duas escolas de Educação Física do Rio de Janeiro, a ENEFD a partir
do Decreto-lei n° 1.212, de abril de 1939, e na EsEFEx, embora não haja referência a esse
ponto no Decreto de sua criação, 1933, encontramos um artigo sem autoria intitulado “Aula
Inaugural do Curso de Psicologia”, louvando a iniciativa da escola em incluir a disciplina de
psicologia em seu curso de Educação Física.
Desse modo, pouco a pouco, até os anos 1960 o foco passa a ser mais específico, não
mais centrado em questões gerais sobre o desenvolvimento e formação do caráter do homem,
mas gradativamente mais direcionado aos fenômenos específicos da realidade esportiva, como
comportamento da torcida e das equipes esportivas, necessidade de seleção e orientação dos
atletas. Os artigos demonstram essa mudança de enfoque, assim como apresentam autores
conhecidos do campo psicológico, mas desconhecidos em sua relação com a psicologia
aplicada ao esporte, e consequentemente, ignorados no processo de constituição histórica
dessa área.
Dentre os atores conhecidos de outros cenários da Psicologia temos Emílio Mira y
López, Athayde Ribeiro, Lourenço Filho e Arthur Ramos. Há também desconhecidos do
mundo psi como, Carlos Sanchez Queiroz e Cecília Torreão Stramandinolli, reconhecidos na
Educação Física, como também Inezil Penna Marinho, importante personagem na história
dessa área, já apresentado antes.
Remetemo-nos agora a estes que, embora desconhecidos ou pouco lembrados,
possuem participação importante nesse percurso de construção do campo psicológico no
esporte. Começamos pelo médico Carlos Sanchez de Queiroz e seu artigo “A investigação
psicológica no controle científico das atividades desportivas” (1954/55), escrito para a Revista
Arquivos, cujo objetivo era denunciar os excessos e equívocos na aplicação de testes
psicológicos.
O artigo é um resumo de seu trabalho apresentado no Congresso de Medicina
Desportiva ocorrido em São Paulo, por ocasião do Campeonato Sul-Americano de Atletismo.
Trata das limitações do controle científico nas atividades desportistas. Carlos Sanchez critica
183
o uso equivocado das técnicas psicológicas, denominando-as de testomancia, devido a seu uso
por pessoas não qualificadas, chamadas por ele de pseudo-cientistas.
Queiroz (1954/1955) propõe às entidades desportivas de todo o país o controle
psicológico de seus atletas através de “psicólogos autênticos” para atuar na seleção e
orientação dos desportistas através da “Psicologia Aplicada”. Informa que após consultar
bibliografia nacional e estrangeira concluiu que os estudos em torno do tema limitam-se às
condições somáticas apresentadas pelos desportistas antes, durante e depois das competições.
Para o autor, a estrutura somática é condição e não causa do comportamento do atleta,
portanto,
[...] Admitir que tais condições são causas dos êxitos ou dos fracassos dos atletas
constitui, salvo melhor juízo em contrário, um autêntico sofisma de causalidade,
baseado num reducionismo grosseiro, incompatível com o espírito filosófico que
deve presidir, em qualquer pesquisa científica, a procura da verdade [...].
(QUEIROZ, 1954/55, p. 108).
Para fundamentar seu discurso, cita os estudos do filósofo e médico inglês Thomaz
Brown (1778-1820) que em 1920 já discorria sobre a aprendizagem como um ato do
conhecimento e por isso, não poderia ser explicada como um epifenômeno da experiência
sensorial. Além disso, considera que, como toda aprendizagem, a aprendizagem desportiva
resulta de fenômenos psíquicos dinâmicos e que a máxima “Learn by doing” já foi superada
pelo “aprender pensando”, tanto na Pedagogia como na Didática.
Queiroz (1954/1955) baseia seus argumentos nos estudos da Psicologia da Gestalt,
tanto através do trabalho de Christian Von Ehrenfels (1859-1932) quanto de Khölher, para
explicar a fragilidade do determinismo causal na Psicologia. William James (1842-1910) e
Samuel Alexander (1859-1938) também são referências devido à suas concepções sobre
experiência passada baseada nos princípios bergsonianos, uma vez que, em se tratando do
treinamento e da competição, para o autor
[...] a experiência passada não aparece com a mesma „forma‟ anteriormente vivida
porque uma evolução criadora é da sua própria essência; em permanente equilíbrio
dinâmico, as novas „formas‟, que orientam o comportamento do atleta, emergem das
anteriormente vividas, num processo semelhante aos das mutações genéticas, isto é,
surgem por diferenciação e não por transformação. [...] (QUEIROZ, 1954/1955, p.
113).
Assim, nas conclusões, o autor alerta veementemente para que o controle científico
das atividades desportivas não se limite ao levantamento das condições somáticas dos atletas e
que o controle psicológico seja recomendado às entidades desportivas com o objetivo de
promover e selecionar os atletas para a prática desportiva de modo mais eficaz, desde que tal
controle
184
[...] seja realizado por especialistas esclarecidos e seguros, diplomados por institutos
de ensino superior, onde se ministre o ensino sistemático da Psicologia científica e,
não, por meros „amadores‟, improvisados no manejo das técnicas psicológicas, com
total ignorância dos fundamentos científicos (QUEIROZ, 1954/1955, p. 114)
65
Essa terminologia era utilizada na época para referir-se aos profissionais que atuavam em Psicologia.
66
Em 1969 essa revista publicou um índice por autores e por assuntos, de todas as matérias publicadas no
período de 1949, ano de fundação do periódico, a 1968, quando circulou o último número da revista com esse
nome, o que facilitou nossa investigação.
185
pela Educação Física a seus praticantes estão o lúdico, quando o desporto é procurado pelo
prazer da prática; o higiênico, entendido como sinônimo de vida saudável; o terapêutico,
quando os fins visam a saúde física; o educativo, quando os praticantes fazem de sua prática
um meio de equilíbrio da personalidade, e é em geral, praticado nas escolas; o compensador,
visando a satisfação de frustrações e impulsos; o econômico, quando buscam o desporto como
meio de vida e trabalho e por fim, o narcisista, quando o desporto é procurado pelo acentuado
amor ao corpo.
Em contraponto, o desporto também oferece desvantagens que podem prejudicar o
equilíbrio psíquico do indivíduo ou levá-lo a risco de vida. Fisicamente, o excesso do deporto
pode causar deformações do corpo por uma hipertrofia muscular exagerada.
Psicologicamente, as desvantagens são identificadas pela autora quando deformam ou
modificam o estilo de vida da pessoa, gerando sentimentos de menos valia e inferioridade,
oriundos de uma insatisfação ou ausência de resultados na prática do deporto escolhido. Para
essa autora, “[...] a prática desportiva, se bem orientada, significa prática de educação, já que
oferece oportunidade para correção, modificação e, inclusive a supressão de defeitos
caracterológicos de seus praticantes [...].” (STRAMANDINOLLI, 1962, p. 89).
Assim sendo, a autora destaca alguns motivos que determinam a escolha do tipo de
atividade física, baseada em um breve levantamento teórico, que incluem o sociólogo
americano W. I. Thomas, adepto da influência social no comportamento individual e coletivo
e de Willian McDougall (1871-1938), defensor da relevância dos aspectos internos ou
instintivos na motivação, assim como S. Freud sobre instintos e motivação.
Longe de ser apenas uma salada teórica, embora não descartemos essa possibilidade,
pois não fica claro qual a escolha teórica da autora, seu discurso parece mais dedicado em
demonstrar os diversos estudos científicos na área, com objetivo de sustentar seus argumentos
sobre a necessidade de orientação na prática de atividade física.
O segundo artigo de Stramandinolli complementa o anterior e corrobora com as
palavras de Carlos Sanchez Queiroz sobre a necessidade de os psicólogos fazerem parte das
delegações desportivas, a fim de selecionar e orientar os atletas para as competições com
bases científicas e objetivas. Afinal, segundo a autora, desde 1954, no IV Congresso Sul-
Americano de Medicina Desportiva, realizado em São Paulo, o professor Carlos Sanchez já
tratava desse tema.
Em “Contribuição da Psicologia à Orientação Desportiva”, publicado em 1964,
Stramandinolli descreve sua experiência profissional como professora assistente da cátedra de
Psicologia aplicada da ENEFD, como psicotécnica ISOP, onde foi assistente técnica de Mira
186
y Lopez por dez anos, nas atividades da psicologia do industrial, além de sua atuação na
Federação de Tênis do Rio de Janeiro (1943 a 1953). Em função dessa experiência, propõe-se
a orientar um trabalho de investigação sistemática das aptidões e traços psicológicos dos
desportistas campeões, além de realizar estudos comparativos entre as qualidades requeridas
para as atividades desportistas.
A autora apresenta ainda, princípios gerais da orientação profissional aplicados à
orientação desportiva e estudos sobre a personalidade do desportista. Para isso se fundamenta
nos trabalhos sobre personalidade e psicometria dos psicólogos G. Allport e W. Stern e de
Luella Cole, dedicada aos estudos sobre desenvolvimento. Stramandinilli (1964) inclui ainda
estudos sobre as aptidões e suas diversas escalas, vários métodos de exame como os testes de
personalidade do tipo projetivo, e os trabalhos de S.S.Stevens, voltados para uma aplicação da
psicometria no esporte americano nos mesmos moldes propostos pela autora.
A psicóloga Cecília T. Stramandinolli parece, pois, uma profissional dedicada,
buscando referências teóricas significativas da Psicologia para auxiliar o esporte. Seus
esforços em divulgar tal prática, esclarecendo seus benefícios ao desporto, não diferem muito
das iniciativas dos profissionais na atualidade.
Como professora assistente da cátedra de Psicologia aplicada da ENEFD,
Stramandinolli (1964) propõe-se a orientar um trabalho de investigação sistemática das
aptidões e traços psicológicos dos desportistas campeões, comparando-os com as qualidades
requeridas para as atividades desportistas. Tais iniciativas visam a estabelecer o perfil
profissional dos atletas, mas em uma prática profissional, o que indica o movimento de
ampliação dos campos de aplicação da Psicologia do Esporte.
Na conclusão de seu artigo, Stramandinolli (1964) ainda apresenta princípios gerais da
orientação profissional aplicados à orientação desportiva diante da iniciação esportiva, tais
como, conhecer o indivíduo a orientar; oferecer-lhe outra visão do mundo dos desportos;
orientá-lo na escolha do desporto e reajustar os já orientados diante das dificuldades.
Tais ações estariam a serviço dos estudantes e amadores do esporte, das escolas e dos
clubes desportivos, assim como aos adultos nas horas de lazer e recreação. Além disso, os
beneficiados por esse tipo de serviço, como indica a autora, incluiriam profissionais dos
desportos e dirigentes de clubes, que teriam a possibilidade de contratar jogadores mais
capazes, além dos técnicos desportivos. Stramandinolli (1964) já descrevia alguns dos
principais campos de atuação da PE, mais delimitados somente a partir dos anos 1980:
iniciação esportiva, alto rendimento, recreação e lazer.
187
Assim, para ele, os médicos, devido à sua extensa formação científica, teriam
autoridade e competência incontestáveis. Seu outro artigo é mais específico, mas mantém a
linguagem médica. Trata da “Coalescência dos fenômenos Neuro-Psicológicos e seu
significado Heurístico em Educação Física”. Queiroz (1966b) inicia citando o II Congresso
Luso-Brasileiro de Educação Física, realizado em 1966, em Luanda, Angola. Lá apresentou
um ensaio sobre as peculiaridades psicossomáticas do treinamento e das competições
desportivas e defendeu a existência de uma íntima relação entre os fatores psicogênicos e
somatogênicos, o que favoreceria uma análise diferencial-integrativa de tais estruturas diante
dos fenômenos em questão.
Segundo o autor, essa discussão é antiga e as investigações científicas se iniciaram no
início do século, mais precisamente em 1902. Apresenta os autores Scheferd Franz e Karl
Lashley e suas pesquisas experimentais no sentido de comprovar a “[...] provável relação
biunívoca entre os fenômenos psicológicos e neurofisiológicos [...].” (QUEIROZ, 1966, p.
52).
Além da presença nos periódicos como autores, havia os professores que assumiam
disciplinas de Psicologia Aplicada no Curso de Educação Física. Da ENEFD temos Carlos
Sanchez de Queiroz, Cecília Torreão Stramandinolli e Yesis Ilcia Y Amoedo Passarinho,
todos autores de alguns artigos presentes no periódico “Arquivos” da ENEFD. Também
encontramos Elisa Dias Veloso que, embora não vinculada a qualquer curso de Educação
Física, participa da Seção de Psicologia, criada na gestão de Inezil Penna Marinho na revista
Brasileira entre os anos 1947 e 1948, sucedendo Cecília Torreão Stramandinolli.
No âmbito da Psicologia aplicada ao esporte, Mira y Lopez pontua sua rápida, mas
intensa e conhecida participação, ao escrever um livro com Athayde Ribeiro “Futebol e
Psicologia”, em 1964. Mas é em sua inserção nos periódicos da Educação Física na primeira
metade desse século que sua participação, até então não mencionada na literatura, nos chama
a atenção.
Tais atores transitaram no cenário da Educação Física falando de Psicologia,
juntamente com outros tantos nomes de médicos, militares e educadores apresentados ao
longo dos demais capítulos. Estes aqui destacados participaram do que chamamos imigração
do saber psicológico, construindo um discurso psicológico direcionado ao universo da
atividade física e do esporte. Por isso, uma nova psicologia diz respeito a um novo fazer psi,
que vai além de um saber complementar à Educação Física. Com um discurso voltado aos
fenômenos do homem atleta e da realidade esportiva, essa nova psicologia cria as bases para o
que conhecemos hoje como Psicologia do Esporte.
Já vimos que a psicotécnica foi o cartão de visitas da Psicologia, em seu percurso de
institucionalização, ao inserir-se em diversas áreas. Ao que parece, no processo de construção
da Psicologia do esporte não foi diferente. As críticas de Queiroz (1954/55) sinalizam para um
uso excessivo e equivocado dos testes psicológicos também nesse campo.
Vale lembrar que, nesse período, a atuação de João Carvalhaes (1917-1976) como
psicólogo do São Paulo Futebol Clube, em São Paulo, já era uma realidade. No entanto,
nenhuma menção ou artigo foram encontrados nos periódicos pesquisados sobre ele.
Ressaltamos ainda que Carvalhaes sempre buscou legitimação de seu fazer como psicólogo.
No início dos anos 1950 tornou-se sócio efetivo da Sociedade Paulista de Psicologia e
em 1962 procurou reunir documentos que comprovassem sua atuação como tal para se
enquadrar na Lei n° 4119 de 27/08/6267, que regulamenta a profissão de psicólogo, mas só a
partir de 1975, pouco antes de falecer, quando os conselhos regionais passam a funcionar,
67
O artigo 21° da lei permite que aquele que comprovar exercício de atividades próprias do psicólogo durante
cinco anos a obtenção do registro profissional junto ao Ministério da Educação e Cultura.
190
68
Os “Arquivos Brasileiros de Psicotécnica” foi um periódico caracterizado por uma ênfase na prática da
psicologia e divulgação dessa prática aplicada junto às empresas e indústrias, criado pela Associação
Brasileira de Psicotécnica. Seus artigos eram escritos por pesquisadores do ISOP. O “Boletim” (1952-1974),
periódico do IP era dedicado à produção teórica e reflexiva dos professores do IP, nos moldes científicos da
época.
191
Psicologia como dicotômicos e inconciliáveis, gerando obstáculos para uma prática coesa e
consistente.
De fato, na revista da ENEFD, além de Carlos Sanchez, só vemos publicações
referentes à Psicologia no desporto aquelas de Cecília T. Stramandinolli, sua assistente de
cátedra e de Yesis Amoedo y Passarinho, também catedrática da cadeira de Psicologia
Aplicada. Dos autores sem vínculo com a ENEFD, aparecem artigos do professor do
Departamento de Educação Física de São Paulo Miranda Rosa (com pseudônimo Pio Piano
Junior) e do psicólogo Emílio Mira y Lopez.
Como vimos, a polêmica sobre o mau uso dos testes psicológicos também está
presente na gênese da Psicologia do Esporte e, nesse caso, é denunciado por um médico
inserido na Psicologia e preocupado com as consequências de tal uso. Não se pode descartar
também a possibilidade de disputa desse mercado, ainda em construção na época e que hoje é
restrito aos psicólogos e pedagogos.
O processo de regulamentação da Psicologia cercou-se de conflitos com a Medicina e
as palavras de Carlos Sanchez no Congresso de Medicina Desportiva realizado em São Paulo
(1954) revelam algumas pretensões sobre a prática da Psicologia, pois para ele,
cada um à sua maneira, parecem clamar pelo reconhecimento científico e prático de um novo
fazer por eles denominado “psicologia aplicada ao desporto”.
Ainda que fosse hibridizado com outros fazeres psi e caracterizado pela separação
entre teoria e prática, representa uma segunda aproximação entre a Psicologia e a Educação
Física delineando o que estamos chamando nova psicologia, pois de fato não é sinônimo da
Psicologia do Esporte como a conhecemos hoje, uma prática psicológica que produz
conhecimento. Mas sem dúvida essa construção ocorreu de forma gradativa, desde a da
atuação de médicos, militares, educadores físicos e psicologistas, interessados em conhecer
melhor os fenômenos humanos diante da prática de atividade física e dos esportes.
193
4 CONTAGEM REGRESSIVA
Claude Levi-Strauss
No momento final em que me deparo com uma contagem regressiva dos fatos
documentados, convém que eu sintetize as análises desenvolvidas nessa tese sem o caráter de
conclusão, tendo em vista que o propósito era desvelar elementos, até então desconhecidos da
história da Psicologia e da Psicologia do Esporte. Também problematizo alguns pontos
relevantes que se assemelham às questões contemporâneas experienciadas no fazer psi,
especialmente na Psicologia do Esporte. Para isso, peço, mais uma vez ao leitor, licença para
me reportar na primeira pessoa.
Julgo que não há como dissociar o percurso de construção da Psicologia do Esporte no
Brasil dos eventos políticos e sociais ocorridos no recorte histórico (1930-1960), escolhido
por esta pesquisa, assim como do processo de institucionalização da Psicologia e da Educação
Física, que ocorrem em paralelo, com destaque para as primeiras escolas desta última área e
seus periódicos.
Revisitar os primeiros periódicos da Educação Física possibilitou-me conhecer, década
a década, suas demandas e reivindicações relativas à profissão; as inserções teóricas de
saberes que complementaram seu fazer; a postura de alguns personagens e a participação de
instituições relevantes nas transformações ao longo desse percurso, como o Exército e a
Universidade do Brasil.
Diante da necessidade de formar não apenas soldados, mas cidadãos, foi acontecendo
a constituição de novos campos como a Educação Física, apoiada pelas Forças Armadas e
outros saberes como a Medicina, Educação e a Psicologia. A Educação Física era vista por
vários setores e pela sociedade como atividade Militar e o Exército, por sua vez, também vivia
momentos de transformações em termos doutrinários, organizacionais e de instrução. Estava
intimamente ligado aos projetos nacionais como formador, além de seu papel na defesa do
país (CASTRO, 1997).
[...] Nas primeiras décadas do século XX, esse quadro alterou-se significativamente,
no sentido da modernização e da profissionalização do Exército. A formação de
oficiais passou por uma fase de predomínio dos aspectos profissionais e, com a
reforma implementada por José Pessoa, comandante da Escola Militar entre 1930 e
1934 [...] (CASTRO, 1997, p. 2).
194
Essa época foi marcada por movimentos na formação ideológica e política do país, dos
quais destacamos os movimentos da Escola Nova, o eugênico e o higienista, por participarem
de forma significativa nos discursos encontrados nos periódicos da Educação Física. A
necessidade de constituir uma Nação potente frente às demandas da Modernidade, exigia que
seu povo fosse preparado à altura para atendê-las. Os movimentos citados foram úteis nesse
sentido, ilustrando a participação da Educação Física no processo civilizatório do Brasil,
solicitando a Psicologia como um saber complementar e estabelecendo as primeiras
aproximações com seus conceitos e teorias, que também se faziam presentes em instituições
educacionais de saúde mental, nos laboratórios de psicologia experimental, nas escolas
normais, assim como na Liga de Higiene Mental.
Considero importante, no sentido de que superou minhas expectativas encontrar,
durante a pesquisa, o saber psicológico aplicado à atividade física em ambiente militar,
relacionando-se à Educação Física, à Medicina e à Educação, numa época em que a
Psicologia ainda engatinhava em seu processo de institucionalização e vinte anos antes do que
é reconhecido como marco fundador da Psicologia do Esporte, o psicólogo João Carvalhaes.
Diante do acervo extenso e valioso encontrado nos primeiros periódicos de Educação
Física – documentos públicos e fontes documentais dessa tese – realizei uma triagem e análise
cuidadosa dos artigos selecionados, que se referiam à Psicologia ou a algum de seus
fenômenos que julguei serem indícios da inserção do saber psicológico no cenário esportivo.
Construí uma narrativa sobre um viés da história da Psicologia do Esporte no Brasil.
Identifiquei que o saber psicológico estava presente nesse universo em formas diversas,
apresentadas em duas fases.
A primeira fase (1930-1950), nomeada psicologia complementar por ser uma primeira
aproximação entre Psicologia e Educação Física. A Psicologia é abordada, em geral, em sua
diversidade teórica por parte dos educadores, médicos e militares envolvidos na Educação
Física, servindo de maneira complementar ao alcance de seus objetivos. Para tanto, o
profissional dessa área deveria aprofundar os conhecimentos psicológicos para motivar e
despertar o interesse de seus alunos nas aulas, como pude ver em alguns artigos de Lourenço
Filho, Arthur Ramos e Inezil Penna Marinho. Este revelou-se um autor assíduo sobre a
Psicologia aplicada em searas diversas nos anos 40.
Identifiquei uma preocupação dos profissionais de Educação Física com sua
metodologia, buscando uma educação integral, que incluía aspectos físicos, intelectuais,
morais e psicológicos para avançar em seu processo de construção como prática profissional.
Arrisco-me a dizer que a valorização desses aspectos psicológicos também favoreceu à
195
Esporte. Como disse antes, a segunda fase do processo de construção dessa especialidade
também é delineada pela inserção de outros fazeres psi, caracterizando essa nova psicologia
por um hibridismo entre psicologia clínica e industrial através do uso de testes psicológicos
voltados para o diagnóstico de patologias e seleção profissional.
Como pesquisadora, procurei sintetizar pontos relevantes no discurso dos autores da
época a fim de atender aos propósitos dessa tese e iluminar alguns dos conflitos políticos
vividos na atualidade entre tais áreas. A valorização do saber psicológico pela Medicina e
Educação Física vai “além do tempo regulamentar”, pois, em algumas situações, extrapola seu
uso como um saber teórico e complementar.
Considero que, historicamente, os percursos da Educação Física e da Psicologia
ocorreram concomitantemente, mas com objetivos e interesses diversos. A Psicologia
demorou mais tempo a se firmar como disciplina autônoma, permanecendo como campo
auxiliar de outras disciplinas A Psicologia seguia mais preocupada em servir outras áreas e
menos em se estabelecer como ciência no Brasil. As consequências disto ainda respingam
hoje em suas especialidades como a Psicologia aplicada ao esporte, que continua
reivindicando seu espaço como uma especialidade frente á categoria profissional dos
psicólogos e á sociedade.
A Psicologia do Esporte do século XXI ainda enfrenta problemas relativos à sua
identidade como campo de atuação. Embora exista hoje uma Psicologia do Esporte no Brasil
com foco amplo de atuação, fundamentos teóricos e metodológicos definidos, característicos
de uma reconhecida especialidade do saber psicológico, ainda “[...] encontramos engenheiros,
médicos, professores de Educação Física e profissionais de outra formação universitária,
trabalhando e, até mesmo, 'treinando mentalmente' atletas [...]” (BRANDÃO, 1995, p. 140).
De fato, conforme Angelo (2003), só na segunda metade do século XX vemos
Psicologia do Esporte e da Atividade Física extrapolando suas funções diagnósticas originada
no estudo do desvio, do patológico, voltando-se para a promoção e prevenção de saúde.
Longe de ser uma postura corporativista essa constatação nos demonstra a dificuldade
de se estabelecer o lugar e a identidade do psicólogo do esporte em território nacional. Essa
falta de clareza e delimitação da atuação do psicólogo do esporte não é um problema do
passado e está relacionado não mais à sua inserção nos cursos de Educação Física, mas à falta
de inserção da Psicologia do Esporte nos cursos de Psicologia. Um saber sem a devida
legitimação em sua própria profissão é um saber disponível a todos que, por ele, tenham
interesse em conhecer e aplicar...
198
Não há como deixar de estabelecer uma relação entre o uso da Psicologia nas
primeiras décadas do século XX com as dificuldades atuais da Psicologia do Esporte. Desde o
primeiro momento de criação das escolas de Educação Física, a Psicologia é acolhida como
um saber complementar e assimilada como um dos conhecimentos necessários aos
profissionais dessa área.
Aparentemente, nada há de errado nisso, ao contrário, o conhecimento psicológico, de
fato, é uma necessidade na formação desses e de outros profissionais e as ciências
disciplinares são complementares entre si. O problema se estabelece, quando, mesmo após a
institucionalização da Psicologia (1962), e ainda mais recentemente, após o surgimento da
Psicologia do Esporte como especialidade (2000), ainda encontramos dificuldades em
delimitar de seu campo de atuação entre esses profissionais.
Também não há como desconsiderar a inabilidade política e acadêmica da própria
Psicologia nesse contexto. Se a Educação Física, desde as suas primeiras escolas reconheceu o
saber psicológico como disciplina acadêmica, o mesmo não ocorre nos cursos de Psicologia.
São raros os que oferecem uma disciplina curricular para tratar da Psicologia do Esporte. A
consequência disso é que, existe desconhecimento sobre a especialidade e ausência de
profissionais qualificados no mercado de trabalho. Resta, portanto, perguntar: o que fazer,
então, diante da falta de reconhecimento perante outras categorias profissionais? Essa questão
não se encerra aqui, uma vez que existem outros questionamentos e reflexões sobre situações,
que parecem se perpetuar ao longo da história.
Quero reafirmar que realizar essa pesquisa não foi um processo fácil. Não só pelo
tamanho da amostra ou pelas dificuldades durante o percurso, mas principalmente pela
dificuldade em estabelecer conexões em campos distintos e pouco familiares como História e
Educação Física. A maior preocupação estava no fato de estar inserida em algumas matrizes e
tendenciar a visão de pesquisadora. Mas havia muita disposição para enfrentar esse desafio,
relativizando a realidade e contextualizando o passado, assim como suas diferentes e
dinâmicas formas de expressão, além de reflexões críticas sobre o conhecimento que eu
estaria produzindo. Reconhecer o papel do Exército e da Educação Física no percurso
histórico de construção da História da Psicologia do Esporte foi um exemplo disso. Perceber
que os limites que separam os fazeres e saberes legitimados ou em construção são fluidos e
transitórios foi outro aprendizado que representam um prisma desse universo dinâmico e
contínuo que envolve eventos históricos e a subjetividade humana.
Se viver como disse Clarice Lispector ultrapassa qualquer entendimento, conhecer a
história nem sempre traz respostas, mas acalma algumas das incertezas do presente e confirma
199
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20111020-10.html#fotos>. Acesso em: 10 nov. 2011.
WAENY, Maria Fernanda Costa de; AZEVEDO, Monica Leopardi Bosco de. João
Carvalhaes: pioneiro da Psicologia do Esporte. 2003. Disponível em:
<www.crpsp.org.br/crp/memoria/pioneiros/carvalhaes/fr_carvalhaes_artigo.aspx>. Acesso
em: 2 jul. 2009.
Albino Manoel da Costa foi instrutor de educação física infantil da escola primária Mem de
Sá e ex-aluno da classe de Psicologia aplicada do Curso de Extensão Universitária da
Faculdade do Brasil.
Alfred Fessard (?) médico francês e professor do Collège de France e um dos primeiros a
estudar sobre o funcionamento eletroquímico do cérebro. Cf. INSTITUT DE
NEUROBIOLOGIE ALFRED FESSARD. Presentation. Disponível em: <http://www.inaf.
cnrs-gif.fr/accueil.html>. Acesso em: 15 dez. 2011. Dirigiu o laboratório criado pela Liga de
Higiene Mental no Rio de Janeiro em 1922 (MASSIMI; GUEDES, 2004).
Aloysius Taparelli (1793-1862) nasceu em Turim, Itália, filósofo e escritor de livros como
“Soberania do Povo (1848) e “Os Fundamentos da Guerra” (1847), além de vários artigos
para “Civilità Cattolica” sobre economia, política e direitos sociais. Cf. NEW ADVENT.
Aloysius Taparelli. Disponível em: <http://www.newadvent.org/cathen/14449a.htm>. Acesso
em: 10 out. 2011.
Angelo Mosso (1846-1910) médico e fisiologista italiano sobre fadiga muscular, integrando
conceitos fisiológicos, filosóficos e psicológicos em seus estudos experimentais. Cf. GIULIO,
Camillo di; DANIELE, Franca; TIPTON, Charles M. Angelo Mosso and muscular fatigue:
116 years after the first congress of physiologists: IUPS commemoration. Advances in
Physiology Education, n. 30, p. 51-57, 2006.
Arthur Ramos de Araújo Pereira (1903-1949), médico também foi Diretor da seção técnica
da Liga de Ortofrenia e Higiene mental do Departamento de Educação e Cultura do distrito
Federal (1934). Com a criação da Universidade do Distrito Federal em 1935, assume a cátedra
de Psicologia Social, o que o leva a escrever Introdução à Psicologia social (1936). Em 1946
torna-se catedrático em Antropologia na Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do
Brasil. Destacou-se na construção do mito da democracia racial e no processo de
institucionalização das Ciências Sociais no Brasil. Cf. CAMPOS, Regina Helena de Freitas
(Org.). Dicionário biográfico da psicologia no Brasil: pioneiros. Rio de Janeiro: Imago,
2001).
Belisário Augusto de Oliveira Pena (1868-1939) médico formado na Bahia, foi Diretor do
Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP) (1930) e Ministro da Educação e Saúde
224
Carl Gustav Jung (1875-1961) médico suíço dedicou-se a compreender a mente humana em
relação a cultura. Discidende do pensamento freudiano, criou sua própia concepção teórica, a
Psicologia Analítica, que incluía uma classificação tipológica da personalidade baseada na
noção de arquétipos. Entre suas publicações estão: Os Tipos Psicológicos (1920); Psicologia
do Inconsciente (1943) e O Homem e seus Símbolos (1977). Cf. ACADEMIA BRASILEIRA
DE PSICOLOGIA. Carl Gustav Jung. Disponível em: <http://www.psicologia.org.br/
internacional/artigo7.htm>. Acesso em: 29 nov. 2011.
Christian Von Ehrenfels (1959-1932) psicólogo austríaco precursor da escola Gestalt com
sua obra Gestaltpsychologie (1890).
Dublineau e George Heyer, educadores e ortofrenistas dos anos 1930. Não encontramos
referências sobre Courthial e Néron.
Elisa Dias Veloso (1914- ) coordena a seção de psicologia na Revista Brasileira de Psicologia
no período de 1947-1948 . Também trabalhou no ISOP (1945-1948). Com Mira y López no
Departamento Administrativo do Serviço Público - DASP, em um curso sobre seleção,
orientação e readaptação profissional de 1936 a 1941. Cf. CAMPOS, Regina Helena de
Freitas (Org.). Dicionário biográfico da psicologia no Brasil: pioneiros. Brasília, DF:
Conselho Federal de Psicologia, 2001.
Emílio Mira y López (1896-1964) psicólogo espanhol que veio para o Brasil em 1941. Foi
convidado a trabalhar na Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro, ajudou a criar o SENAI
(1942) e o Instituto de Seleção e Orientação Profissional, o ISOP (1947). Nesse instituto
fundou um dos periódicos mais representativos no âmbito da psicologia no Brasil, a Revista
Arquivos Brasileiros de Psicotécnica, existente até hoje com o nome de Arquivos Brasileiros
de Psicologia. Cf. Campos (2001) e Cf. ACADEMIA BRASILEIRA DE PSICOLOGIA.
Mira y López: pioneiro da psicologia e dos direitos humanos. Disponível em:
<http://www.psicologia.org.br/internacional/artigo3.htm>. Acesso em: 16 set. 2011.
Ernst Kretschmer (1888 -1964) psiquiatra alemão, pesquisou sobre a constituição física o
temperamento. Entre suas obras estão Constituição e caráter (1947), onde demonstrou uma
teoria biotipológica que leva seu nome e que estabelece uma correlação entre os tipos
morfológicos os tipos e personalidade. INFOBIOGRAFIAS. Biografia e vida de Ernst
Kretschmer. Disponível em: <http://pt.infobiografias.com/biografia/23114/Ernst--
Kretschmer.html>. Acesso em: 28 nov. 2011.
Francisco José de Oliveira Vianna (1883-1951) sociólogo e Jurista no Rio de Janeiro, entre
suas funções estava ser Membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Dentre suas
226
Henri Wallon (1879-1962) médico, psicólogo e filósofo francês com seus estudos foi
pioneiro em considerar as emoções e o corpo da criança em sala de aula. Considerava que o
desenvolvimento intelectual englobava muito mais do que um simples cérebro.
227
Hermes Lima (1902- 1978) baiano, advogado diplomado pela Faculdade de Direito da Bahia.
Foi colaborador do jornal A Manhã, porta-voz da Aliança Nacional Libertadora (ANL). Em
1945, participou da fundação da União Democrática Nacional (UDN) e da Esquerda
Democrática (ED). No governo de João Goulart (1962) acumulou os cargos de primeiro-
ministro e ministro das relações exteriores. Cf. FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS. Centro
de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil. Hermes Lima. Disponível
em: <http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/Jango/biografias/hermes_lima>. Acesso em: 23
fev. 2011.
Inezil Penna Marinho formou-se como instrutor de educação física na Escola de Educação
Física do Exercito em 1938. Na Escola Nacional de Educação Física e Desportos (ENEFD),
assumiu as cátedras de Metodologia da Educação Física (1949) e História e Organização da
Educação Física (1956). Na Divisão de Educação Física (DEF) do Departamento de Educação
do Ministério da Educação e Saúde assumiu como assistente técnico em 1939 e em 1941, já
era Técnico de Educação e chefe da Secção Pedagógica. Possui uma extensa produção em
livros, artigos em diversas áreas como Educação Física, Filosofia, Psicologia, Direito e
História. Além disso, também se diplomou em Filosofia (1958) e Direito (1943) (MORAES;
SILVA; FONTOURA, 2011).
J. Dublineau foi educador e ortofrenista nos anos 1930. Publicou La Surveillance èducative
des jeunes délinquants em millieu libre. Cf. THE INTERNATIONAL LIBRARY OF
SOCIOLOGY. Social defence. London: New Fetter Lane, 1998. p. 110. Disponível em:
<http://books.google.com.br/books?id=a8qGXqgjJfcC&pg=PA110&lpg=PA110&dq=dubline
au+e++1930&source=bl&ots=hcY20NHpwJ&sig=iCZtq5H1W49vs1jbJeRR31HqHDA&hl=
pt-#v=onepage&q=dublineau%20e%20%201930&f=false>. Acesso em: 10 nov. 2011.
228
James Lee Ellenwood foi um dos criadores da Young Men's Christian Associations (YMCA)
dos EUA, criado em 1852 para fornecer aos novos jovens cristãos apoio para se ajustar à vida
urbana. Desenvolvia programas especiais para crianças e jovens e lidava com questões de
degradação urbana e abuso de drogas. Admitiu judeus nos anos 1920 e mulheres nos anos
1940. Cf. KAUTZ FAMILY YMCA ARCHIVES. YMCA biographical files. Minnesota:
Universidade de Minessota, 2004. (Y.USA, 12). Disponível em: <http://special.lib.
umn.edu/findaid/html/ymca/yusa0012.phtml#a2b>. Acesso em: 1 jan. 2011.
Jayr Jordão Ramos (1907-?) cursou a Escola Militar e seguiu a carreira dedicando-se às
questões relacionadas à prática e ao ensino de Educação Física. Publicou 53 artigos na Revista
de Educação Física, entre 1936 e 1979, em sua maioria voltados para o projeto pedagógico da
educação física. Torna-se instrutor nomeado da EsEFEx em 1935 e estabeleceu contato com
outras escolas internacionais importantes, como a Escola Superior de Educação
Física Joinville-Le-Pont. Em 1983 a Secretaria de Educação Física e Desportos instituiu o
Prémio Jayr Jordão Ramos para estimular pesquisas e incentivar a criação literária entre os
alunos do Curso de Graduação de Educação Física.
Johann Christoph Friedrich Guts Muths (1759-1839) foi um educador alemão. Acreditava
que a educação Física devia ser ensinada com objetivo de exercitar de forma harmônica o
corpo, o espírito e a moral. Fundou a primeira escola de ginástica com exercícios adaptados às
mulheres. (PICCOLI, 2006).
John Dewey (1859-1952), filósofo, educador e psicólogo americano. Considerado uma das
maiores influencias da Filosofia, Educação e Psicologia no século XX, foi adepto do
movimento da Escola nova. Entre as causas que defendia destacam-se a defesa da escola
pública, a legitimidade do poder político e a necessidade de autogoverno por parte dos
estudantes. Psychology (1887); “Democracia e Educação” (1916); “Natureza Humana e
Conduta” (1922); “Liberdade e Cultura” (1939). Cf. TEITELBAUM, K.; APPLE, M.
Clássicos: John Dewey. Kent State University. University of Wisconsin – Madison.
Currículo sem Fronteiras, v.1, n. 2, p. 194-201, jul./dez. 2001. Disponível em:
<http://www.planetaeducacao.com.br>. Acesso em: 24 nov. 2011.
229
John Mac Cloy (1896-1989) nascido na Pensilvânia, EUA, foi militar, advogado e banqueiro.
Trabalhou como assistente Secretário da Guerra, na Segunda Guerra Mundial. Nesse período
McCloy era importante no estabelecimento de prioridades militares EUA. Atuou como
presidente do Chase Manhattan Bank (1953-1960), como presidente da Fundação
Ford, (1958-1965) e da Fundação Rockefeller, (1946-1949). Sua experiência em áreas
diversas, mas em funções de liderança devem lhe ter favorecido à construção dos artigos.
José Ortega e Gasset (1883-1955) filósofo espanhol, doutor em Filosofia pela universidade
de Madri. Continuou os estudos de Filosofia na Alemanha, recebendo influência de Hermann
Cohen e Wilhelm Dilthey.
Leonídio Ribeiro (1893-1976) médico legista da Polícia Civil do Distrito Federal em 1917.
Em 1933 torna-se professor de Medicina Legal da Faculdade de Direito do RJ, com a tese “O
direito de curar”. Nesse mesmo ano ganha o prêmio Lombroso da Real Academia de
Medicina da Itália, por seus estudos sobre impressões digitais, causas endócrinas do
homossexualismo masculino e biotipologia dos negros criminosos. Também publicou em
1939 Omossessualitá e endocrinologia (Roma: Livraria Cittá Del Castello, 1939).
Maria Jaci Nogueira Vaz (?-?) paulista, formada na primeira turma de Educação Física
tornou-se assistente da disciplina de Ginástica Geral Feminina e catedrática de Metodologia
da Educação Física e Desportos.
Mary Halton. Médica americana. Não foi possível encontrar informações sobre essa autora
até o momento.
Miguel Couto (1865-1934), médico, um dos precursores das ideias da Escola Nova e
membro da Academia Brasileira de Letras (ABL) da qual foi presidente por 21 anos
consecutivos. Cf. ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS. Miguel Couto: biografia.
Disponível em: <http://www.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=520&sid
=358>. Acesso em: 12 out. 2011.
Paul Doumer (1857-1932) político francês que foi presidente da República da França, entre
1931 e 1932. Iniciou sua carreira política encrevendo para o jornal Courrier de l´Oise e foi
diretor do La Tribune de l´Oise de tendências radicais.
Pio Piano Júnior: pseudônimo usado pelo professor Mario Miranda Rosa titular da cadeira
de futebol da Escola de Educação Física e professor Emérito (1978) da USP. Foi a´rbitro de
futebol (nas décadas de 1930 e 1940. Assumiu como técnico do Corinthians em 1944 por 10
meses. Publicou o livro “Curso de Técnica de Futebol”. Cf. SPORT CLUB CORINTHIANS
PAULISTA. Mário Miranda Rosa (1944). Disponível em: <http://www.acervosccp.
com/mariomirandarosa.htm>. Acesso em: 10 mar. 2011; UNIVERSIDADE DE SÃO
PAULO. Escola de Educação Física e Esporte. Galeria dos professores eméritos. Disponível
em: <http://www.usp.br/eef/?pagina/mostrar/id/117>. Acesso em: 10 mar. 2011.
Stanley Smith Stevens (1906-1973) conhecido na psicologia por seus estudos com medição e
pela função de potência ou Lei de Stevens, uma lei psicofísica que trata da relação entre a
intensidade de um estímulo e o valor da experiência sensória correspondente. Destaque para
sua obra Handbook of Experimental Psychology (1951). STEVENS, Stanley Smith.
Psychophysics: introduction to is percentual, neural, and social prospects. New York: Wiley,
1975. Disponível em: <http://books.google.ch/books?id=r5JOHlXX8bgC&printsec=frontco
231
ver&dq=inauthor:%22Stanley+Smith+Stevens%22&hl=de&sa=X&ei=byAYT5aeDYTbggeQ
w43XCw&ved=0CDwQ6AEwAA#v=onepage&q=inauthor%3A%22Stanley%20Smith%20S
tevens%22&f=false>. Acesso em: 12 set. 211.
Teodor Schultz (1908-1998), americano criou a Teoria do Capital humano, unindo uma visão
econômica à educação.
Wilhelm Dilthey (1833-1911) foi um filósofo, historiador e crítico literário alemão. Seus
estudos sobre a metodologia das Ciências Humanas distinguindo-se das Ciências Naturais por
utilizarem o método compreensivo.
William H. Sheldon (1898-1977) psicólogo norte americano dos anos 1940, teórico da
personalidade, relacionava o tipo físico e o temperamento para encontrar uma tipologia de
personalidade. Não foi muito reconhecido pela psicologia e dentre suas obras, The Varieties of
Human Psysique: An Introduction to Constitutional Psychology (1940), e em 1942, The
Varieties of Temperament: A Psychology of Consitutional Differences, ambas em parceria
com
William James (1842-1910) filósofo, psicólogo e médico inserido nas idéias funcionalistas
americanas foi considerado pioneiro da nova psicologia americana na virada do século XIX-
XXcom destaque para seus estudos sobre emoções e consciência. Tem como primeira grande
obra “The principles of psychology" (1890). Cf. SCHULTZ, 200; LOUCEIRO, L. M.
William James, uma biografia intelectual. Cognitio-Estudos: Revista Eletrônica de Filosofia,
São Paulo, v. 7, n. 2, p. 242-244, jul./dez. 2010.
William Kilpatrick (1871-1954) um dos criadores do Método dos projetos (1918) o qual
afirma que o aprendizado ocorre mediante motivação prática, ou seja, quando há uma
finalidade para tal.
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/BIBLIOTECA CEH/A
nt CDU 796:159.9(81)(091)
Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta tese.
30 de março de 2012
Assinatura Data