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DOI: http://dx.doi.org/10.46375/relaec.

35114

PENSAMENTO DECOLONIAL E INCLUSÃO SUBALTERNA: A


EDUCAÇÃO E O ENSEJO DA TRANSFORMAÇÃO
DECOLONIAL THOUGHT AND SUBALTERN INCLUSION: THE EDUCATION AND
THE OPPORTUNITY OF TRANSFORMATION

Kelvin Oliveira do Prado (Mestrando - PPGLITCULT - UFBA),

RESUMO: Este artigo tem por objetivo uma revisão bibliográfica centrada no pensamento e na
pedagogia decolonial. Nesse sentido, terá como base autores que trazem contribuições contra-
hegemônicas, no que poderia ser denominado de uma “contra-história”, um contradiscurso
epistemológico, quebrando narrativas estruturadas na exclusão de saberes e sujeitos, ao condená-
los ao silenciamento. Portanto, objetivando uma visão por meio de multiperspectivas, para além da
uma “histórica única”, a reflexão pretende encarar os debates insurgentes nesse cenário. Através
disso, procura-se suporte discursivo em produções insurgentes, interligando-os aos estudos e
pedagogias anticoloniais e de natureza crítica, buscando compreender como poderá ser formada uma
“contraconsciência” descolonizada. Portanto, almeja-se a exploração de moldes que possibilitem a
criação de uma filosofia pedagógica de inclusão dos subalternizados e de suas narrativas, são
insurgências que devem buscar a tomada de consciência de “si” e do “outro”, além das especificidades
que os compõem. Dessa maneira, é atribuído um papel importante na formação professoral e ao meio
acadêmico, estruturado nas relações dominantes, também o sendo nas práticas pedagógicas e
curriculares. Em suma, observa-se que a formação da contraconsciência envolverá parâmetros
coletivos e institucionais, nessa perspectiva, estruturais, já que ser protagonista da própria existência
é um desafio, no qual a prática coletiva que pode fornecer instrumentos de mudança efetiva.
Palavras-chave: Pensamento Decolonial; Pedagogia Decolonial; Educação Histórica.

ABSTRACT: This article aims at a bibliographical review focused on decolonial thought and
pedagogy. In this sense, it will be based on authors who bring counter-hegemonic contributions, in
what could be called a “counter-history” in epistemological discourse, surpassing structured
narratives in the exclusion of knowledge and people, by condemning them to silencing. Therefore,
aiming at a view through multiperspectivity, beyond a “single history”, the reflection intends to face
the insurgent debates in this scenario. Through this, discursive support is sought in insurgent
productions, linking them to anti-colonial and critical studies and pedagogies, seeking to understand
how a decolonized “counter-consciousness” might be formed. Therefore, exploring ways to create a
pedagogical philosophy of inclusion of the subaltern and their narratives, insurgencies that should
seek the awareness of the “self” and the “other”, as well as the specificities that compose them. In this
way, an important role is attributed to teachers and to the academic space, structured in dominant
relations, also in pedagogical and curricular practices. It is observed that the formation of counter-
conscience will involve collective and institutional parameters, in this perspective, structural forms,
since being the protagonist of one's own existence is a challenge, in which the collective practice that
can provide instruments of effective change.
Keywords: Decolonial Thought; Decolonial Pedagogy; Historical Education.

Revista Latino-Americana de Estudos Cientifico – ISSN 2675-3855 – v. 02, n.10, 2021


Introdução estudos na História, do ensino e
aprendizagem histórica, que propicia,
Debates decoloniais têm por exemplo, o conceito de empatia
ganhado espaço e alcançado, de forma histórica, empatia que algumas
mais ampla, locais variados, culturas não europeias ensinavam há
sobretudo ambientes em que é muito tempo.
possível atingir um círculo que não Observa-se, com isso, que é
está nos espaços hegemônicos ou possível aliar uma visão empática no
acadêmicos. A pedagogia pós-colonial, estudo, no ensino e na aprendizagem
de cunho crítico, possui uma história histórica com inclusão subalterna e
mais consolidada em outros multiperspectivada, sem uma história
contextos, aqui a fundamentação “única”, que inibe o conhecimento
teórica está baseada em tais autores feito por “subalternos”, mas não
ditos “pós” e também decoloniais, os somente para eles, já que não se muda
quais são distintos. nada sozinho. Portanto, o intelectual é
Um dos exemplos é a essencial no processo, pensando o
professora e ativista Bell Hooks, com professor enquanto intelectual
influência de Paulo Freire e em uma (GIROUX, 1987), por exemplo.
pedagogia libertadora, ela apostou em As ciências humanas têm sido
uma educação anticolonialista e “abaladas” não apenas por conta dos
inclusiva, que incluía o sujeito de novos contextos que fomentam
formas diversas, física e insurgências projetadas em
intelectualmente falando. Assim como discussões sociais, mas também por
Peter McLaren, também professor e questionamentos suscitados nas 5
influenciado por Freire, tinha em vista reivindicações de grupos
a natureza problematizadora historicamente marginalizados.
apostando em um multiculturalismo Nessas circunstâncias, são
crítico e revolucionário. problemáticas que fazem pensar na
Tais bases, junto ao campo da própria epistemologia – os cânones
Educação Histórica, contribuem hegemônicos tidos como a única
significativamente para olhar o espaço possibilidade de existência curricular
educacional e a epistemologia de e que são preteridos frente ao que o
formas plurais. McLaren (1997; 2000) subalternizado também produziu – e a
evidenciou a estrutura presente na constituição basilar em que se
esfera educacional, de uma educação formaram os conhecimentos e o lugar
encarada enquanto mercadoria e que ocupam nos espaços acadêmicos,
notando o conhecimento como um sem abertura ao “Outro”.
poder distintivo e dominador. No entanto, a provocação será
Processos que Jean-François Lyotard direcionada para uma análise dos
observara desde a década de 1970, elementos que conformam a formação
assim como Bourdieu e vários outros docente, a academia e as consciências.
cientistas sociais. São muitas as problemáticas
Na perspectiva da pedagogia encaradas na jornada formativa, não
crítica é que é proposto explorar e só as mais conhecidas socialmente,
pensar uma educação de cunho pós- isto é, questões salariais, carga de
colonial, decolonial e inclusiva. Dessa trabalho excessiva, desvalorização
forma, o ensejo pode ser o de conectar social da profissão, etc., somam-se,
essas proposições com os conceitos da ainda, questões internas em que os
Educação Histórica, um campo de

Prado
sujeitos levantam no percurso outro e, por meio dele, construir um
formativo, ao menos parte deles. discurso de resistência, e é aqui que a
Além dos mais, não só quanto academia precisa questionar,
aos conhecimentos, assim como aos sobretudo na formação, na etapa em
sujeitos a falar, sem esquecer das que esse futuro profissional poderá,
populações marginalizadas, que não ou não, suscitar uma atuação contra-
são apenas “objetos” de pesquisa, mas hegemônica.
precisam também ser sujeitos que Dessa forma, tratando-se do
fazem e falam. conhecimento, o que é questionado é
Por conseguinte, abrir-se e como ele é construído e apreendido,
deixar que o façam fornecendo as como chegou em determinados
ferramentas, como vemos em Gayatri espaços, muitas vezes em detrimento
Spivak (2010) ao questionar se “Pode de outras versões que são suprimidas
o subalterno falar?”, uma das questões e silenciadas.
é desafiar os discursos hegemônicos e Afinal, até que a história seja
crenças enquanto leitores e contada pelo “vencido”, a versão do
produtores de saber e conhecimento, vencedor sempre dominará, por força
teorizar sobre hegemonias e sujeitos da violência física ou simbólica. Nota-
subalternos que não podem ocupar se que a abordagem do tema é
uma categoria monolítica, porque são importante, porque tem gerado novas
heterogêneos. perspectivas, adentrado cada vez mais
Assim sendo, pensar em como na academia, contudo, é visto fora
alcançar uma pedagogia do não dela, tomando proporções em
conformismo. Em síntese, esse discussões midiáticas. 6
“subalterno” descreve camadas Assim sendo, refletir sobre
constituídas por modos de exclusão estas questões pode levar
dos mercados, da representação “subalternos” a serem sujeitos do
política e da possibilidade de fazer saber. Em síntese, são vistas as
tornarem-se membros plenos no nuances da narrativa construída por
estrato social dominante, como uma história eurocêntrica e colonial,
apontado por Spivak. em uma operação racional de como
A contra-história, ou no qual se esse colonialismo se fez e se faz,
poderia denominar “contradiscurso”, estruturando a forma como as pessoas
é uma tentativa de desnarrativização passam a ver o mundo, de uma força
ou desestruturação da memória e da para além do indivíduo, que está nas
história do “vencedor”, quebrando instituições, e como as instituições de
narrativas estruturadas com base em ensino são parte dessa estrutura, são
uma episteme que exclui, e que são, permeadas por tais parâmetros, como
por isso, estruturantes da realidade. denomina Aníbal Quijano (WALSH,
Portanto, engendrar uma 2006), é a colonialidade do poder.
“contraconsciência” descolonizada é No mais, se há insurgências
essencial, como põe István Mészáros acerca do saber legitimado, que
em “Educação para além do capital” envolve poderes e consensos
(2008). A menção da Spivak é dominantes, percebe-se que setores
importante, pois seu discurso está no sociais estão sendo excluídos dos
cerne de uma epistemologia que pode espaços de legitimação e de poder, ou
mudar realidades, a autora desvela o seja, é preciso pensar se a pedagogia
lugar incômodo e a cumplicidade do tem sido inclusiva ou, pelo contrário,
intelectual que julga poder falar pelo

Prado
exclusiva em suas narrativas e ou estão, de alguma forma,
práticas. circunspectos ou resultam dessa
estrutura, ou seja, é concebível criar e
Metodologia utilizar tais parâmetros, inclusive,
enquanto contradiscursos.
A revisão bibliográfica fornece Todavia, é preciso lembrar que
aspectos que possibilitam o conhecimento histórico, por
compreender como uma problemática exemplo, não acumula verdades
tem sido tratada em seus diversos absolutas, seria melhor dizer
contextos e nuances, ampliando “exatidão” ao contrário de “verdades”,
perspectivas teórico-críticas e de porque há um processo que possui
mudanças. suas transformações, então as
O que o sujeito enxerga supostas “verdades” podem ser pouco
depende do que a experiência o assertivas.
ensinou a ver, trabalhar para Afinal, existem dados
decolonizar o olhar e propor conhecidos, assim como coisas que as
multiperspectivas é um dos aspectos pessoas sabem que elas sabem, ou os
que conformam o presente. dos dados que agora sabem que não
Através de questões sabem, além de incógnitas
concernentes ao processo educacional desconhecidas, coisas que não sabem
na construção e apreensão do que não sabem. Por isso, o ponto é
conhecimento, será feita uma perceber que se utiliza instrumentos
aproximação com os estudos da disponíveis e conhecidos, além de que
Educação Histórica e da pedagogia existe aquilo que não está disponível e 7
crítica, almejando uma visão de mesmo o que está disponível e não foi
multiperspectivas. possível ter acesso, por diversas
Busca-se, aqui, outra realidade barreiras, como o idioma.
através dos estudos decoloniais e com
autores que pensam a pedagogia com Contextualização social
tal perspectiva em mente. É bom
lembrar que o pesquisador não é É importante pensar se uma
investigador da verdade passada, ele é roupa que geralmente se usa no sul do
um intérprete, como reflete Janete Brasil, caso seja usada no Nordeste,
Abrão (2007), sendo condicionado por exemplo, dificilmente haverá
pelo meio em que vive. adaptação ao traje, porque são
Sendo assim, a situação a qual contextos e experiências distintas –
se encontram influem nas reflexões, clima, cultura, hábitos, padrões sociais
assim como a própria ciência, com –, então é necessário contextualizar a
suas mudanças em um dado espaço e produção do saber, a apreensão de tal
momento histórico, a perspectiva é saber, da memória, do sujeito
pensar de forma complexa, e não de histórico, etc.
modo característico ao universalismo. Essa observação pode ajudar a
Nesse sentido, decolonizar o entender por quais motivos uma
pensamento e refletir sobre as noção da realidade pode não fazer
estruturas sociais, sobre a sentido ou contemplar certos grupos e
epistemologia e o poder, também experiências, os quais não se
produtos dessa realidade dominante, entendem como sujeitos históricos.
demanda saber que os instrumentos É por isso que é importante,
que são utilizados para criticá-las são também, atrelar a pedagogia

Prado
decolonial, a crítica, a desconstrução e marxismo humanista e estrutural.
a reflexão epistemológica com as Dessa maneira, entende-se que o
pesquisas de várias disciplinas, conhecimento passa pela
apostar na transdisciplinaridade e aprendizagem e ponderação para com
conectividade de saberes, o que é de a realidade, a qual suscita novas
cunho não hegemônico bem como o problemáticas em novos espaços e
saber hegemônico e canônico contextos.
interiorizado, porque a crítica e Tendo em vista a psicologia da
análise só pode ser operada perante o aprendizagem, partindo do
que se conhece. socioconstrutivismo, Lev Vygotsky em
Assim, com as reflexões que “Pensamento e Linguagem”, afirmara
surgem nesse campo é que há a que os seres não partem do individual
reflexão do pensar histórico, o que é ao social, mas do social ao individual
pensar historicamente? É a (1987, p. 18). A partir disso é viável
capacidade de pensar além de si conjecturar os sentidos e a
mesmo, de seu tempo, isso envolve a importância de trazer reflexões sobre
apropriação de “conceitos de segunda o âmbito epistemológico, do
ordem” na Educação Histórica, vindos pensamento e de uma pedagogia de
da epistemologia da História: como a tendência transformadora, como
empatia, ter empatia histórica pode sugerira Bell Hooks (2013), que
ampliar percepções do aprender e do desconstrua visões inertes, na revisão
ensinar. radical do paradigma epistemológico
Em tal reflexão, contextualiza- da ciência moderna.
se a produção científica – que não é 8
definitiva –, dado que a ciência suscita Crítica epistêmica e contra-
novas discussões e como bem adverte hegemonia
Michael Apple (1982, p. 129-132),
uma das possibilidades é fazer com
Antonio Gramsci já observara,
que o cotidiano escolar possa fornecer
no primeiro volume dos seus
tais reflexões sobre o saber científico
“Cadernos de Cárcere”, desde a
que, de tão “engessado” na forma
primeira metade do século XX, a
como é abordada, parece ser algo para
distância que vinha se formando entre
“grandes mentes”, um saber definitivo
a ciência e a vida, entre grupos de
e não merecedor de crítica e
intelectuais que, não obstante, estão
argumentação, isso mina a
na direção “central” da “alta cultura”, e
curiosidade e o querer saber,
as grandes massas populares (1999, p.
essenciais ao despertar para a vontade
131).
de conhecer e modificar a realidade, o
Além disso, ele atentou-se ao
apelo ao consenso não é um apelo à
próprio conceito de “ciência”,
ciência.
recolhido das ciências naturais, como
Dessa maneira, basta observar
se estas fossem a única ciência, ou a
a filosofia clássica, por exemplo, que
ciência por excelência, tal como
recebeu reflexões de outros
acreditava o positivismo.
pensadores posteriores. Kant suscitou
Essa problematização poderia
reflexões futuras, sem Hegel não
ser uma das categorias discutidas na
surgiriam as investigações de Marx,
formação, pois como afirmara Aimé
não como são conhecidas, sem o
Césaire (1978, p. 58-59), a ideia do
pensamento marxiano não haveriam
“Outro” como um “bárbaro” é uma
muitas outras propostas, seja no
invenção europeia, é a ideia que o

Prado
Ocidente inventou da ciência e de que subalternizados para esses cenários, é
só ele sabe pensar. premente a ocupação não hegemônica
As tradições de pensamento para que o diálogo faça sentido.
não europeias foram sendo Desse modo, tais espaços
consideradas inferiores, ou seja, do precisam abarcar o âmbito social e
século XVI em diante foram estar presentes, não vendo ignorância
caracterizados como “bárbaros”, apenas no outro, como apontara
“primitivos”, “subdesenvolvidos” e, Freire (1987, p. 46), para que não
por fim, “antidemocráticos”. Assim, corra o risco de o distanciamento
como resultado, a teoria social crescer ainda mais.
ocidental baseia-se na experiência de Não se trata de uma pedagogia
cinco países (França, Inglaterra, para o “subalterno”, mas que o tenha
Alemanha, Itália e Estados Unidos da como sujeito, como na visão do Apple,
América) o que é menos de 12% da a ideia da “coisa acabada” e fechada
população mundial (GROSFOGUEL, em si não é efetiva, pois a escolha e a
2016). crítica de uma concepção do mundo
Existe um provincialismo, são fatos políticos.
como apontam autores pós-coloniais e No mais, manter o status quo
decoloniais, na teoria e na ciência envolve poder e distinção social, como
social ocidental, a qual reivindicaria alegou Bourdieu, (2008). Nessa
uma falsa universalidade, pois perspectiva, as ciências humanas, a
supostamente disse que pudera formação profissional, a academia e a
explicar a experiência social dos sociedade como um todo podem
outros 88%. repensar as formas de coexistência. 9
As epistemologias e Bauman (2013) já alertara que
cosmologias do mundo foram as lutas por reconhecimento podem
subalternizadas e vistas como fracassar se não forem apoiadas pelas
mitologias ou folclores, pondo o práticas de redistribuição, assim como
conhecimento não ocidental abaixo do clamores por respeito às diferenças
status da filosofia e da ciência, o que culturais podem trazer pouco conforto
produz subalternizações do para comunidades desprovidas do
conhecimento não ocidental, seja para poder de independência em virtude de
com a Ásia, África ou Mesoamérica, sua desvantagem, tendo,
não vendo religiões enquanto evidentemente, “suas” escolhas feitas
espiritualidade, mas como “idolatria”. por forças hegemônicas.
Baseado nas observações de Bell Hooks (2013, p. 63) afirma
Gramsci (1999), observa-se que na que o multiculturalismo obriga os
medida em que o espaço o qual a educadores a reconhecer as fronteiras
academia ou a intelectualidade que moldaram o modo como o
afastam-se, esse lugar será preenchido conhecimento é partilhado na sala de
de alguma forma, já que a concepção aula.
de mundo responde aos problemas da Isso é explícito nas referências
realidade. mais amplas dos estudantes e da
Assim, a “grande massa”, das sociedade no geral, as mídias têm
mais variadas características, servirão contribuído para isso e esse é um dos
aos interesses dominantes, seja como pontos da “cultura histórica”, na área
eleitores ou consumidores, por isso da Educação Histórica.
que, além de uma academia que McLaren (1997, p. 16) fizera
desconstrua essa episteme e traga reflexões sobre tais referências

Prado
culturais dos estudantes, que tece os essencialismo excludente por
caminhos da educação multicultural e parte dos alunos de grupos
marginalizados pode ser uma
intercultural, como pusera Hooks resposta estratégica à
(2013), proporcionando a dominação e à colonização, uma
familiarização de crianças com estratégia de sobrevivência que
realizações de outras culturas, pode, com efeito, inibir a
principalmente as não dominantes. discussão ao mesmo tempo em
que resgata esses alunos de um
Nesse contexto, McLaren estado de negação (HOOKS,
(1997, p. 144) traz a ideia do 2013, p. 113)
multiculturalismo para além da
assimilação ou resistência, ele sugere McLaren (2000, p. 26) revela
que é preciso ir além da aceitação de que a escolha linguística do educador
livros de autores não hegemônicos ao descrever, interpretar e analisar a
nos cânones. realidade é crucial na mudança social
Torna-se nítido que não basta e educacional, porque a linguagem
trazer uma obra, mas manter as intercala ideologia, poder e
práticas excludentes. A visão crítica é conhecimento.
de uma insurgência: Outrossim, de acordo os
estudos de Bourdieu (2008, p. 25-29),
uma pedagogia de anti- o poder simbólico não se reduz à
imperialismo, anticolonialismo,
antirracismo, anti-homofobia,
imposição da força, é exercido por
que desafia as características meio da comunicação, porque o
através dos quais a própria capital cultural detido pela autoridade
escrita dos colonizados foi pedagógica é sinônimo de um poder, o 10
escrita [...] desafia a maneira qual fornecerá o surgimento de um
como os discursos
euroamericanos isolaram o
habitus, que é a internalização de
“outro” e baniram e valores por parte dos discentes.
romantizaram a diferença, de Assim, a ação pedagógica
uma forma politicamente e performada, como sustenta Bourdieu,
eticamente descapacitante é uma violência simbólica enquanto
(MCLAREN, 2000, p. 229)
imposição, por um arbitrário cultural,
da delimitação implicada em inculcar
Torna-se evidente que o sujeito
significações pela seleção e exclusão
é compreendido a partir do “outro”, é
correlativa do digno a ser produzido e
aí que o sujeito se autocompreende.
reproduzido, é uma seleção que
Hooks (2013) aposta em uma
classes operam em seu arbitrário
pedagogia que insiste que a presença
cultural, com a tradição seletiva
de todos deve ser valorizada e
hegemônica.
reconhecida, desconstruindo a noção
Portanto, impõe-se uma
de que o professor é o único
legitimidade da cultura dominante,
responsável pela dinâmica da sala,
com o reconhecimento da
pois o entusiasmo é gerado por
“legitimidade” e da cultura do
esforço coletivo.
dominado como “ilegítima”. Em
o elitismo de classe moldam a
consequência disso, tal processo
estrutura das salas de aula [...] os resulta em uma exclusão que adquire
grupos marginalizados força simbólica e aparência de auto
raramente precisam introduzir exclusão, essa autoridade pedagógica
essa oposição binária na sala de em sua comunicação pedagógica
aula, pois em geral ela já está em
operação [...] a afirmação de um

Prado
produz legitimidade do que transmite, isso a necessidade de práticas
só por transmitir legitimamente. escolares mediadoras e plurais, que
Assim, entende-se que as tragam outras perspectivas.
problemáticas envolvidas no que o Importante notar que os
professor diz e faz, na importância de privilegiados têm o privilégio de não
sua comunicação como o docente que aparecerem como tais, convencendo
agrega ou que segrega, assim como os os “deserdados” de que eles devem
livros didáticos que, em função do seu seu destino escolar e social à ausência
destino e natureza, carregam, da de dons e méritos, isto é, a privação de
mesma forma que os professores, a posse exclui a consciência da privação
ideia de autoridade. Os livros ocupam: da mesma.
O professor como intelectual
um lugar de supostos donos da pós-colonial pode apontar as
verdade. Sua informação obtém
este valor de verdade pelo
problemáticas e criar espaços por
simples fato de que quem sabe meio dos quais o subalterno possa
seu conteúdo passa nas provas. falar, é importante notar que pela
Nesse sentido, seu saber tende a própria concepção do mundo os
ser visto como algo “rigoroso”, sujeitos pertencem sempre a um
“sério” e “científico”. Os
estudantes são testados, via de
grupo.
regra, em face do seu conteúdo, Dessa maneira, cabe aos
o que faz com que as espaços formativos terem como
informações neles contidas prática ações que se empenhem em
acabem se fixando no fundo da possibilitar o conhecimento que possa
memória de todos nós. Com ela
favorecer ações empáticas, adaptadas
se fixam também imagens 11
extremamente etnocêntricas para a realidade social, já que a PCN
(ROCHA, 1984, p. 08) aponta que tradicionalmente:

Entretanto, Andrea Semprini a formação dos educadores


(1999, p. 66) afirma que não é apenas brasileiros não contemplou essa
dimensão. As escolas de
mudando, à força, a linguagem, que formação inicial não incluem
modificar-se-á as realidades sociais, é matérias voltadas para a
necessário mudar relações sociais de formação política nem para o
poder. tratamento de questões sociais.
O desenvolvimento social e Ao contrário, de acordo com as
tendências predominantes em
cultural é acompanhado pela cada época, essa formação
transformação do paradigma voltou-se para a concepção de
científico, com novas perspectivas e neutralidade do conhecimento e
conhecimentos, em que são fornecidas do trabalho educativo (PCN,
novas formas de olhar o mundo, as 1998, p. 32)
pessoas interpretam o mundo de
formas distintas, o fim é a Frente ao que os Parâmetros
transformação do mesmo. Curriculares Nacionais dizem,
A primeira metade do século observa-se que um dos desafios é lidar
XX e o pós-guerra fornecera evoluções com a cultura escolar acostumada a
na Psicanálise, na História (como os não tratar da pluralidade existente no
Annales), na Antropologia (com a seu espaço, fruto das tradições
popularidade das teses culturalistas), enraizadas no currículo, nos materiais
etc., porém, mais comunicação não didáticos e, sobretudo, nas concepções
significa melhor comunicação, por dos professores a respeito do “outro”,
da cultura e da participação efetiva na

Prado
formação e no desenvolvimento Em tais discussões existem
social, por isso a importância da defesas de multiperspectivas, o que
interdisciplinaridade. proporciona visões de mundo além do
De acordo Apple (1982, p. 39), que é posto como unívoco. Em vista
em nível filosófico, a formação escolar disso, descortina-se a importância de
é construída por meio de uma tradição um conhecimento histórico para além
seletiva, ou seja, seleciona-se o de uma história vista como única.
“passado significativo”, aquilo que A história do ponto de vista dos
devem, ou não, conhecer e valorizar, povos nativos da América não é a
conclui-se que a suposta mesma dos ibéricos, a perspectiva dos
“neutralidade” não existe, continuar a britânicos não é a mesma dos
discursar tal noção é ignorar que esse indianos, dos palestinos e judeus.
processo é uma escolha feita em um O Ocidente é que fez a
universo maior de conhecimentos e etnografia dos “outros”, não os outros
princípios disponíveis. que fazem a etnografia da Ocidente
Dessa maneira, silenciar (CÉSAIRE, 1978). Pensadores como
determinadas histórias, contribuições Rüsen, Bodo Von Borries, Peter Lee e
e contextos no processo educacional e Isabel Barca, falam da necessidade de
curricular é, também, uma forma de se desenvolver projetos curriculares
fomentar estereótipos e exclusões, se que enfatizem o trabalho com as
as instituições não abordam operações mentais da consciência
determinados temas, outro meio o histórica que desenvolvam a
fará, como visto com Hooks e narrativa, porque é assim que o
McLaren. conhecimento passa a ser consciente, 12
Torna-se evidente que ter os no autoconhecimento, no sujeito que
limites de uma visão pessoal, que é aumenta sua capacidade de ver o
limitada, como os limites de todo o passado como passado histórico e não
tempo e espaço, faz com que o que não só como passado morto.
se conhece seja visto como A história é a construção de um
desagradável, criando mistificações. sentido na inter-relação do presente
A Educação Histórica trabalha com o passado, repleto de significados.
conceitos caros ao ensino histórico, A perspectiva decolonial pode trazer
falou-se, anteriormente, em empatia, e esse passado subalternizado
esse campo já surgiu com conceitos enquanto passado histórico,
como “empatia histórica”, que, interrelacionado com o presente e
segundo Kátia Abud (2005, p. 27), sendo significativo para entendimento
facilita a compreensão histórica, ao e interpretação do real e, sobretudo,
aproximar as pessoas do passado às de sua transformação.
do presente, possibilita, assim, Nesse aspecto, surge outro
problematizar aspectos sociais, conceito “ruseniano” de “cultura
históricos e culturais. histórica”. Da consciência histórica há
A “consciência histórica”, um pequeno passo para a cultura
segundo Isabel Barca (2012, p. 400), histórica, é plausível defini-la como a
ocorre quando a informação articulação prática da consciência
interiorizada se torna parte da histórica na vida social, a cultura
ferramenta mental do sujeito e é histórica é, assim, a memória histórica,
utilizada, com alguma consistência, a qual fornece ao sujeito uma
como orientação no cotidiano pessoal orientação temporal em sua práxis,
e social. além de uma direcionalidade para a

Prado
ação e compreensão de si mesmo para os centros hegemônicos
(RÜSEN, 2016, p. 64). aumentam o poder, criando mais
A cultura histórica pode ser disparidades.
considerada, portanto, uma categoria Não obstante, muitos dos
de análise que trata dos fenômenos citados intelectuais usam suas vozes
relacionados ao papel da memória no para reivindicações e contradiscursos,
espaço público. adotando a desobediência epistêmica,
Nesse sentido, o sujeito não aos moldes do que põe Aníbal Quijano
aprende apenas no espaço escolar, e Walter Mignolo, o que renderia um
pois ele está em conexão com o mundo outro estudo.
que o cerca e dialoga, nos espaços de Segundo Lyotard (2009, p. 27),
memória – cultura histórica –, nas do mesmo modo que os Estados-
influências cotidianas, na indústria nações se bateram para dominar
cultural, ele está sempre se territórios e explorar matérias-primas
conectando com algo ou alguém. e mão-de-obra barata, é concebível
Assim é que é chamada a que eles se batam para dominar
atenção para o afastamento informações, porque o saber envolve
acadêmico do espaço mais amplo. legitimação política e filosófica,
Afinal, a “indústria cultural” está introduz-se uma relação entre o saber,
frequentemente fornecendo exemplos a sociedade e seu Estado, ao mesmo
de eurocentrismo e etnocentrismo. tempo que ocorrem, por outro lado,
Observa-se a grande atenção deslegitimações, que envolvem a
que tem suscitado os debates subalternização e subjugação de
acadêmicos fora do círculo dos indivíduos. 13
especialistas e a sensibilidade do
público ao uso dos argumentos Pensando uma contra-
históricos para fins políticos. história: mitos e construções
Como futuros docentes
utilizarão seus espaços de É importante falar sobre a
micropoder, utilizando aqui a acepção forma como o conhecimento se
foucaultiana, se os mesmos não compôs, através de quais
estiverem em contato, em sua circunstâncias. De acordo Edgar De
formação, com autores não europeus Decca (1981, p. 12), a derrota é aquilo
ou que apresentam discursos contra- que uma certa história não pode
hegemônicos? revelar nem interpretar porque só se
Se o processo formativo não mantém como “história” pelo silêncio
incluir propostas que envolvam que impôs aos vencidos, e é nesse eixo
debates insurgentes e reflexões sobre que os intelectuais são participantes.
a produção do saber, como Edward Said (1990, p. 331),
proporcionarão isso futuramente e pontuou a atribuição dos intelectuais
pedagogicamente? na vida social, em que possuem um
A questão é que o poder e a papel social de consequências éticas e
hegemonia eurocêntrica costumam políticas, no Brasil isso é
atrair estudiosos que poderiam fazer testemunhado com obras que
diferença localmente, como afirmara procuram “resumir” a imagem social e
Lyotard (2009, p. 105), ou seja, não se cultural da “nação”.
compram cientistas e técnicos para Da hibridização de Von
saber a “verdade”, mas para aumentar Martius, à afirmação darwinista em
o poder, e essa “atração” intelectual Silvio Romero, até chegar na

Prado
“democracia racial culturalista” de de poder, que produz o lugar da
Freyre (SCHWARCZ, 1993, p. 247), é história e da origem legitimada do
condensada uma explicação persiste poder vigente, graças ao discurso, à
no senso comum. prática e à memória do vencedor,
Por ter sido fomentada no elevados à condição de memória
contexto da primeira metade do histórica. A demolição do discurso só
século XX, é possível ir ao pensamento poderá, segundo o autor, ser efetuada
de Edgar De Decca (1981, p. 13), ao por um contradiscurso proferido a
pontuar que a conceitualização e partir dos excluídos dessa memória na
intepretação está vinculada à qualidade de vencidos.
ideologia, que, segundo ele, não é Para a desconstrução da
inversão especular do real, nem uma memória é preciso desvendar não só o
“visão de mundo”, mas um conjunto de modo como o vencedor produziu a
dispositivos práticos e teóricos representação de sua vitória, mas
produzidos pela luta de classes para mostrar como a própria prática dos
anular a realidade dessa luta, ao vencidos participou dessa construção.
desmontar o discurso acadêmico que Para entender o poder
tornou possível falar em “revolução de hegemônico colonizador, além da
30”, por exemplo, De Decca revela a observação de Gramsci (1999) sobre a
existência de um discurso fundado na demarcação, há as reflexões do Said
memória dos dominantes. (1990) do “Orientalismo”, por
A noção do mito é um elemento exemplo, enquanto um tipo de poder
enquanto fundamentação do poder, intelectual, é uma classificação que
em um “Ocidente” que se considerava não parte do que as pessoas são e 14
o centro de tudo, o que proporciona pensam, mas do que querem que elas
visões universalistas da humanidade. sejam e pensem.
Assim, justificava-se a É nesse ponto que os
colonização como obra “civilizadora” e estudiosos entram com seu poder –
“humanitária”, de colônias periféricas suas obras e textos –, que não são um
do mundo árabe, Portugal e Espanha corpo anônimo, mas envolvem seu
transformam-se em motores de autor, há uma marca dos escritores
expansão europeia. que é envolta no olhar do “Outro”,
Torna-se evidente que a porém é possível observar os estudos
realidade dos espaços colonizados foi de Barthes, Foucault e Agamben na
construída tendo o ideal eurocentrado ideia do “autor”.
como fim, no âmbito estético, moral e Assim sendo, entender essa
científico, ter isso em mente pode produção, quem a produziu, quando,
propiciar o contradiscurso de como e com quais interesses, ajuda a
fundamentação contra-histórica. refletir sobre as “verdades” tidas
Problematizar o que se enquanto tais, já que, como afirmou
conhece é possível se expresso por um Said (1990), o intelectual possui um
contradiscurso que coloca os sujeitos papel ético e político, inclusive no
diante de uma contra-história, algo trabalho com os livros didáticos, já
que se volta contra a hegemonia do que alguns livros colocavam que:
discurso dominante.
Enquanto que De Decca (1981) os índios eram incapazes de
vai em busca do lugar onde a história trabalhar nos engenhos de
açúcar por serem indolentes e
se produz e se oculta (luta de classes), preguiçosos. Ora, como aplicar
ele afirma que a periodização é um ato adjetivos tais como “indolente” e

Prado
“preguiçoso” a alguém, um povo com seu discurso e capacidade de
ou uma pessoa, que se recuse a aprendizagem.
trabalhar como escravo, numa
lavoura que não é a sua, para a
Como foi visto, diversos
riqueza de um colonizador que intelectuais tentaram responder quem
nem sequer é seu amigo: antes, era o brasileiro, seja com fins
muito pelo contrário, esta recusa circunscritos na ideologia dominante,
é, no mínimo, sinal de saúde “respondendo” aos ensejos específicos
mental (ROCHA, 1984, p. 08)
e também os que procuraram
evidenciar as mazelas enfrentadas,
Para Said, a relação entre
como o local “subalterno” ocupado por
Europa e Oriente seria uma relação de
grupos sociais, tendo com fim a
poder. Assim, surge o aspecto
inclusão e mudança.
importante do discurso cultural e de
Essa resposta pode não ser
seu intercâmbio na qual o que
unívoca, como foi exemplificado, a
costuma circular não seria a
indumentária de alguém no Sul global
“verdade”, mas representações, e isso
pode não ser adequada para outros
é possível de ser notado nos outros
contextos de círculos de homens-
espaços colonizados.
massa, pode não responder outras
Esse processo fomentou as
expectativas.
representações e, portanto, as
Dessa maneira, é admissível
subalternizações que afetam as
dizer que existem vários “Brasis” e que
consciências e a epistemologia. As
responder indagações como essa
pessoas são o que a vida as convida a
exigem olhar o passado, ou melhor, os
serem, e elas podem ser mais
passados e as memórias silenciadas e
inclusivas, a justificação de uma 15
“vencidas”.
pedagogia que repense suas práticas
se dá pela necessidade de:
Perspectivas ao engajamento
repensar os modos de pedagógico
conhecimento e pela
desconstrução das antigas A perspectiva aqui defendida
epistemologias, bem como a
exigência concomitante de uma
tem a missão de fazer defeitos nas
transformação da sala de aula, memórias canonizadas, sujeitas a
de como ensinamos e do que exclusões. Assim, intenta-se uma
ensinamos (HOOKS, 2013, p. 45) história de cunho que desconstrua
paradigmas, ao mesmo tempo que
O ataque de grupos políticos e resgata histórias subalternizadas, em
detentores do capital cultural, social defesa de uma mudança formativa, já
ou econômico tentando silenciar que é difícil oferecer o que não é
estudos na História, Ciências Sociais, conhecido.
etc., são agressões feitas porque Dito isso, é necessário, como
temem debates que põem em dúvida alerta Bell Hooks (2013, p. 91), fugir
suas posições. da falsa dicotomia entre teoria e
Fato é que a retificação de práxis, como se a teoria não fosse
injustas desigualdades sempre trará prática social, pois como alerta Maria
sofrimento àqueles que se Yedda Linhares (1992, p. 74), a
beneficiaram de tais injustiças, cabe história contemporânea se caracteriza
aos que estão comprometidos com pelo fato de ser uma história mundial
mudanças refletirem e possibilitarem, e as forças que lhe dão forma não

Prado
podem ser compreendidas sem Nesse sentido, fazendo a junção
perspectivas globais. dessas estratégias transgredindo os
Observando as reflexões feitas parâmetros de se fazer pensar
à luz da análise bibliográfica, na historicamente, pode ser um
junção do pensamento e da pedagogia instrumento contra-hegemônico, é
decolonial, somados com conceitos de importante ampliar as conexões e
interesse na Educação Histórica e entender que emancipação é também
pondo o papel social da autoemancipação, inclusive no
intelectualidade e seu poder pensamento e na forma de “ler” o
contradiscursivo, constata-se que essa mundo, os espaços de poder e as
hegemonia está na colonialidade do experiências vividas.
poder, presentes nas mentes em maior Cabe, pois, concluir que ter
ou menor grau. ações práticas nas experiencias é
Os PCNs demonstram, com necessário, sendo alguns exemplos a
seus objetivos, metodologias, posturas reflexão frente aos livros didáticos,
historiográficas e pedagógicas, uma refletindo sobre a produção científica
concepção de professor diferente, ou e que se diz científica, afinal, já houve
seja, para além do “difusor de uma “ciência” que pretendia
conhecimentos”, almejando um comprovar uma suposta
docente pesquisador atualizado, e “superioridade” de sujeitos, ou que
como proporcionar isso se a punha as sexualidades não
hegemonia mina possibilidades? heterossexuais como “doença”, que
É importante pensar em via espaços colonizados como
caminhos que possam quebrar tais inferiores, etc. 16
barreiras, afinal, como afirmou Frantz Portanto, levar uma pedagogia
Fanon (1968, p. 161), ser responsável de cunho crítico é engajar-se na
num país subdesenvolvido é saber que aprendizagem, ir além, como disse
tudo repousa na educação das massas. Apple (2000), da inserção de um ou
Evidencia-se que as questões dois livros latino-americanos ou não
educacionais são esferas centrais na hegemônicos na proposta, é procurar
vida de um povo, sobretudo aos que produções latino-americanas,
passaram por processos permeados asiáticas, africanas, conhecer e adotar
pelo autoritarismo e violência desde a métodos transdisciplinares,
sua conformação, já que a colonização entendendo o próprio local, o que não
é violenta até mesmo no é interessante é, como disse Freire
silenciamento epistêmico, sendo (1996, p. 09), cair no conto da
preciso mostrar que outras histórias ideologia fatalista e de recusa ao
existem. sonho.
Como advertido, dificuldades
Considerações finais existem, mas cabe usar espaços de
poder para mudanças, trabalhar para
A pesquisa procurou trazer e que tal visão, ainda incipiente no
coadunar uma perspectiva decolonial contexto brasileiro, se faça mais
para o âmbito pedagógico, que presente com a opção decolonial, que,
desconstrua discursos e fomente uma como revela Walter Mignolo, significa
pedagogia crítica, em uma “contra- aprender a desaprender (2008, p.
história” formadora de uma 290), não é abandonar todo o
contraconsciência. conhecimento científico ou
eurocentrado, muito menos defender

Prado
o obscurantismo, mas refletir sobre (inter)identidades. Hist. R., Goiânia, v.
seus parâmetros e observando que 17, n. 1, p. 37-51, Jan/jun. 2012.
outras histórias também são histórias,
que os discursos também parte de BAUMAN, Z. A cultura no mundo
contextos. líquido moderno. Rio de Janeiro:
Em síntese, é evidente que há Jorge Zahar Editor Ltda, 2013.
histórias e situações formuladas para
comover mais que outras, e muito BOURDIEU, P. e PASSERON, J. A
disso é devido ao âmbito de reprodução: elementos para uma
construção política da história e da teoria do sistema de ensino. 3.ed.
memória oficial, segue-se Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.
reverenciando Walter Benjamin, mas
fugindo da tradição dos vencidos, o BRASIL. Secretaria de Educação
que pode demonstrar paradoxos. Fundamental. Parâmetros
Assim, nota-se que a História é, curriculares nacionais: terceiro e
amplamente, uma construção política quarto ciclos: apresentação dos temas
e se essas discussões ganham espaço é transversais. Brasília: MEC/SEF, 1998.
porque inquietam. É preciso utilizar as
ferramentas possíveis e que podem CÉSAIRE, A. Discurso sobre o
proporcionar a construção da colonialismo. 1ª Ed. Lisboa: Livraria
subjetividade para além do que os Sá da Costa Editora, 1978.
“outros” querem que determinados
grupos sejam, como dissera Said DECCA, E. S. 1930 O silêncio dos
(1990). vencidos. São Paulo: Brasiliense, 17
Torna-se evidente, portanto, 1981.
que é importante ter a consciência de
que o campo educacional é um dos FANON, F. Os condenados da terra.
espaços para a mudança, pensando em Rio de Janeiro: Editora Civilização
uma educação que possibilite e ensine Brasileira, 1968.
não apenas reprodução e
reconhecimento, mas produção e FREIRE, P. Pedagogia do oprimido.
conhecimento. 17ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1987.
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Prado
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Prado

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