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1 author:
Heliana Farah
Federal University of Rio de Janeiro
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All content following this page was uploaded by Heliana Farah on 03 April 2023.
Apostila de
Técnica Vocal 1 e 2
Essa apostila foi escrita baseada, em sua grande parte, na bibliografia citada ao final, e utilizando
figuras cuja referência consta nelas próprias.
O som é uma vibração que se propaga como uma onda mecânica (acústica) através de um
meio (sólido, líquido ou gasoso) por variação de pressão. Uma onda é uma perturbação oscilante ou
pulso energético de uma determinada grandeza física. O objetivo desta apostila é analisar o som da
voz, e este pode ser entendido como uma variação de pressão, um contínuo expandir e condensar do
ar provocado pelas vibrações das pregas vocais quando da passagem do ar por elas, ou seja, quando
a energia cinética do ar é transformada em energia acústica pela interferência das pregas vocais.
Afinal tanto quanto as pregas vocais, o ar também possui as propriedades elásticas de compressão e
descompressão e esse deslocamento é percebido pela membrana do ouvido e o nosso aparelho
auditivo envia sinais que serão decodificados por nosso cérebro como o som de uma emissão vocal.
Há dois tipos de sons percebidos pelo sentido auditivo: o ruído (barulho) e o som musical. O
ruído é o resultado de uma série irregular de ondas sonoras. Já o som musical é resultado de padrões
de ondas sonoras que se repetem regularmente. Estes conceitos são importantes para compreender
que os seres humanos, dotados da capacidade da fonação – produção de som –, aprendem a
produzir primeiramente sons musicais (as vogais) e posteriormente, de forma a articular uma
comunicação, produzimos ruídos, que interrompem os sons musicais (as consoantes).
Uma segunda
Fig.2 - Amplitude
característica do som diz respeito à amplitude (Fig.2) da
onda sonora. A amplitude é usada para medir a
magnitude da oscilação da onda, ou seja, é a distância
entre o eixo de propagação da onda e seu pico.
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Destas características da onda sonora dependem as propriedades do som, que, segundo Vennard
(VENNARD, 1967), são cinco: altura, duração, intensidade, timbre e sonância.
A frequência com que as ondas sonoras oscilam é a mesma frequência com que vibra a membrana
do tímpano em nossos ouvidos. Através das ligações nervosas, nosso cérebro interpreta esses
estímulos como “altura”, ao qual o termo “nota” se aplica. A altura diz respeito à quão grave ou
aguda é uma nota. Por exemplo, quando um instrumento executa a nota à qual chamamos “La3”,
significa que haverá 440 vibrações (oscilações de onda) por segundo1. Quaisquer instrumentos, seja
de cordas, seja de sopro, seja a prega vocal em vibração, deverá executar a nota nesta frequência. A
isto chamamos afinação. Aliás, quando um cantor entoa a nota “La3”, suas pregas vocais vibram a
440 Hz. Quanto maior a frequência, mais aguda será a nota. Quanto menor a frequência, mais grave
a nota.
Uma propriedade do som tomada como grandeza é sua duração. Duração, como o próprio termo
sugere, é o tempo durante o qual o som permanece no ambiente.
1 A determinação das frequências às notas só foi sedimentado no século XIX, e até hoje se encontraram padrões
diferentes de medida. O La3, teoricamente estabelecido em 440Hz pode ser encontrado ou proposto entre 438-444 Hz
ainda hoje. Quanto à numeração das escalas, a tradição Italiana é o dó central do piano ser chamado de Do3, e é a qual
seguimos. Os ingleses e americanos o chamam de Do4, e pode ser encontrada a grafia com plica (’) no lugar de
números.
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tem uma característica metálica de timbre explicada pelos harmônicos agudos do som fundamental,
que tem uma curva decrescente menos inclinada (ou seja, os harmônios agudos sucessivos à
fundamental conservam grande intensidade). Pode ser difícil, para um ouvido não treinado
diferenciar intensidade e volume, que dependem, principalmente de características do espectro
sonoro (intensidade dos harmônicos) (Fig.4). No âmbito do canto, a intensidade sonora é
relacionada à adução das pregas vocais e ao tipo de registro vocal emitido.
A qualidade do som não depende somente do timbre. Quando ouvimos uma nota por um período
considerável de tempo, ouvimos também uma flutuação de intensidade, timbre e mesmo altura.
Estas flutuações formam um padrão ao qual o termo sonância é aplicado. Na verdade, este conceito
deve ser ampliado no que diz respeito aos ruídos que tanto os instrumentos quanto a voz produzem.
Todo instrumento e voz tem um ruído que lhe é peculiar e lhe caracteriza, assim como seu timbre.
Sundberg, em seu livro The science of the singing voice (SUNDBERG, 1987, p.3), define a
expressão “som da voz” como um som que necessariamente se origina da passagem de uma coluna
de ar, vinda dos pulmões, que passa pelas pregas vocais sendo modificada pela trato vocal e,
possivelmente, pela cavidade nasal. Portanto, a voz é o termo que sintetiza os processos pelos quais
um som vocal é gerado e modificado; tecnicamente, a fonação ou emissão vocal, termos que
descrevem os processos físicos e fisiológicos mioaerodinâmicos2 da vibração das pregas vocais e
posterior condução da energia acústica pelo trato vocal. Este som pode ser um som da fala, do
sussurro, do pigarro e do canto.
É importante frisar que os membros do corpo humano que vibram produzindo som se chamam
pregas vocais, pois não são apenas um fio de músculos, ligamentos e epitélio, mas possuem uma
estrutura que os liga às outras estruturas da laringe como um “lençol”. As diferentes estruturas
corporais que mobilizamos quando usamos a voz são comumente chamadas de órgão vocal ou
aparelho fonador, mas este “órgão” não existe, sendo a união de funções do aparelho digestivo e do
respiratório.
A voz é o resultado do processo, o som gerado pelas estruturas do órgão vocal que atuam em
conjunto e relativa independência. Por isso, o aparelho fonador nos permite gerar uma grande
variedade de sons vocais diferentes pois a cada combinação de contração e relaxamento de cada um
dos músculos é alterado o produto final, ou a voz. Como se trata de órgãos humanos,
invariavelmente sua morfologia e características próprias deverão influenciar também a qualidade
desse som. Portanto, o gênero (masculino/feminino), a anatomia do corpo, a idade e o treinamento
são fatores que determinam a qualidade do som vocal ou timbre.
O aparelho fonador engloba o sistema respiratório, a laringe e as cavidades vocal e nasal. Podemos
referir a essas estruturas em relação à sua posição relativa às pregas vocais e ao espaço entre as
mesmas que se chama de Glote e se situa na laringe. O pulmão e a traqueia ficam abaixo da glote, e
são chamados sub-glóticos. Já a faringe e cavidades oral e nasal são acima da glote e são ditas
super-glóticas; ao espaço super-glótico também é dado o nome de trato vocal, que inclui a própria
laringe, pois que seu espaço além de produzir as vibrações também ajuda à modificação do som.
Uma corrente de ar parte dos pulmões, coloca em vibração as pregas vocais, é modificada pela
laringe, faringe, cavidades oral e nasal e se nos apresenta como som da voz, com características
peculiares, que são determinadas pela anatomia corporal e pelo modo como o aparelho fonador é
utilizado.
2Esse termo se refere ao fato que o som da voz é produzido pela energia cinética (movimento e dinâmica) do ar (aero)
que se transforma em energia acústica pela interferência da energia muscular (mio).
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Dessa forma, o aparelho fonador pode ser considerado um instrumento musical. Vennard chama a
atenção de que não é um instrumento de cordas, como alguns podem pensar. Grosso modo, as
“cordas” vocais possibilitam a produção de sons agudos ou graves conforme seu tensionamento,
como mais adiante veremos. Mas, as cordas não alteram sua tensão enquanto estão sendo tocadas,
como ocorre constantemente com as “cordas” vocais. Elas atuam mais como os lábios de um
trompetista (VENNARD, 1967, p. 16-17).
Quando ouvimos alguém falar ou cantar de forma rouca, e nos parece estar sofrendo para continuar,
é possível que, depois de um tempo, também sintamos algum incomodo vocal. Isso pode acontecer
porque existe a tendência de espelhar em nosso corpo (mesmo acontecendo como fenômeno
silencioso e inconsciente) a forma de emissão que uma pessoa nos aparenta usar. Da mesma forma,
para o estudo e o ensino do canto é necessária uma empatia direcionada, útil para entender como
uma pessoa utiliza seu corpo na emissão vocal, para tentar imitá-la e/ou evitar um determinado som,
ou ainda para ajudar a entender a emissão vocal e as alternativas em casos de insatisfação ou
desconforto. Sundberg atribui a Moses a expressão "escuta criativa" para se referir a esse processo,
que funciona mais ou menos como a transferência e a contra-transferência no âmbito psicológico, e
pode ser considerado um método tão científico quanto nesta outra ciência, desde que bastante
aperfeiçoado. Todos ouvimos vozes e instrumentos desde que nascemos, mas é preciso
conhecimento, experimentos e escutas direcionadas a questões anatômicas, fisiológicas e acústicas
antes de pretender aplicar a escuta criativa para analisar uma voz, seja falada ou cantada.
Nossa forma de produzir energia é sonora é criar pequenas explosões de ar e vácuo a partir do abre
e fecha das pregas vocais. As pregas vocais abrem e fecham por uma combinação de dois motivos:
muscular e aerodinâmico. A musculatura fecha as pregas e a pressão aérea subglótica as abre
repetidamente criando esse fluxo de energia acústica por variação de pressão. Quanto maior a
energia que une as pregas, menor o tempo que elas permanecem abertas, e quanto maior a energia
cinética subglótica do ar mais intensa é a passagem. Existem vários níveis de equilíbrio possíveis
entre estas duas variáveis.
A partir da emissão do som na laringe, que já o imbui de alguns traços tímbricos, ele vai ser alterado
na faringe, que é um ressonador. Como todo ressonador ela favorece algumas frequências e dificulta
outras, porque o som inicialmente produzido pelas pregas vocais não é composto de apenas uma
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frequência, mas de várias parciais: o som fundamental e seus harmônicos. Os harmônicos são
basicamente múltiplos do som fundamental segundo a série harmônica. Antes de continuar, se deve
acrescentar que o trato vocal é altamente variável em sua forma, tanto em relação ao comprimento
quanto ao longo deste em relação a dimensão de
abertura em um ponto.
Como vimos acima, as características do som da voz dependem diretamente da anatomia do corpo e
do modo como o aparelho fonador é utilizado. O canto é um fato musical cultural, por isso, carrega
em si também um peso estético característico de uma cultura. Tendo isso em mente e sabendo que o
som pode ser manipulado pelos mecanismos do aparelho fonador, é possível falar em técnica vocal.
A técnica vocal diz respeito a um objetivo, um ideal sonoro – carregado de intencionalidade estética
– a ser alcançado e os meios utilizados para isto. Este uso é, inicialmente, inconsciente: todas as
pessoas produzem um som, seja ele de que tipo for ou mesmo imaginam uma determinada
sonoridade e buscam produzi-la de alguma forma (com maior abertura de boca, um som anasalado,
um som escuro ou mais claro e assim por diante). Mas se houver, da parte do cantor, a consciência
das alternativas de uso de sua anatomia e possibilidades fisiológicas para a produção do som vocal
haverá a oportunidade de manipulação consciente da qualidade emitida.
Porque a técnica vocal utilizada pelo canto lírico explora de forma mais exaustiva os limites das
possibilidades do “órgão fonador”, e sem preconceito de outras estéticas de canto, é que a ênfase
será dada a ela.
2.1. Anatomia
Os pulmões são uma estrutura esponjosa suspensa no interior da caixa torácica, conectados por
tubos chamados brônquios. Sua continuação é chamada traqueia, que termina na laringe (Fig. 8),
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um tudo cartilaginoso, cujas partes veremos a seguir. No interior da laringe encontram-se as pregas
vocais (Fig. 9), constituídas por músculos e ligamentos recobertos por uma membrana mucosa. Os
músculos em seu
interior são chamados
m ú s c u l o s
tiroaritenoides (TA).
Embora a própria
mensuração seja alvo
de intenso debate e
nenhum consenso,
como parâmetro de
c o m p a r a ç ã o , Ti t z e
(1994) coloca como
valores das pregas
femininas de 125 a 175
mm e das masculinas
de 175 a 250 mm.
Originam-se unidas na parte anterior da laringe e se inserem em pontos separados na parte posterior
dela. O ponto de origem pode ser facilmente identificado na parte anterior em muitos homens
adultos quando há proeminência do “pomo de Adão”. O espaço entre as pregas vocais é chamado
glote.
Fig.10b-músculos intrínsecos
À anatomia do sistema respiratório devem ser acrescidos os músculos responsáveis pela inalação e
exalação do ar. Os músculos inalatórios são o diafragma, os músculos intercostais externos, os
músculos cervicais, os músculos serráteis anteriores, o músculo esternocleidomastóideo e os
músculos escalenos (anterior, médio e posterior). Os músculos exalatórios são os músculos
abdominais (reto, transverso, oblíquo interno e externo3), músculos intercostais (internos e
íntimos).4
2.2. Fisiologia
Questões musculares
Antes de começarmos é preciso entender que músculos só tem ação de contrair e relaxar, o
alongamento deve ser feito por uma força externa a eles (gravidade, outro músculo da mesma
pessoa ou outra pessoa exercendo uma ação sobre ele). Se pensamos nos músculos abdominais, o
exemplo é claro: a parede abdominal se colapsa (entra) ao contrairmos os músculos abdominais e
volta ao normal se os relaxamos; contudo a expansão da parede abdominal para fora criando uma
“barriga” não pode ser atribuída a ação dos músculos abdominais, pois a contração dos mesmos é só
no sentido oposto. O que acontece é que a contração do diafragma empurra as vísceras (estômago,
intestino, fígado…) pra fora alongando a musculatura abdominal, se esta não está contraída. Outro
fato importante do funcionamento muscular é a compreensão dos antagonismos musculares. Como
acabamos de ver os músculos abdominais e o diafragma se contraem no sentido oposto, ou seja
quando um se contraí alonga o outro se este está relaxado. Quando ambos contraem ao mesmo
tempo é criado um movimento de maior precisão, pois existe uma força contrária conferindo
3 Lembrar da importância da bainha do músculo reto do abdômen em mulheres que engravidaram ou ex-obesos.
4Esses são os músculos elencados nos livros médicos. Porém com o treinamento para o canto observamos que os
músculos das costas e ombros também tem participação, ainda que indireta, no processo de emissão vocal.
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“estabilidade" ao movimento. Como escrever com a mão suspensa ou apoiada em uma mesa (que
cria um antagonismo à gravidade): o apoio confere maior precisão ao movimento.
É também útil, na compreensão da fisiologia utilizada na emissão vocal, que os músculos essenciais
para a manutenção da vida não liberam ácido lático, que é o responsável pela ardência em caso de
uso além do normal. É o caso da ardência sentida quando um indivíduo começa um programa de
musculação, por exemplo. Contudo, a constatação que a língua não arde se falamos muito tempo
exemplifica a questão; ela pode arder por uma afta, um corte, nunca em razões musculares. Da
mesma forma os músculos intrínsecos da laringe não ardem por razões musculares, a ardência
sentida ocasionalmente ao emitir a voz não deve ser atribuída aos músculos da prega vocal ou
outros intrínsecos da laringe.
Temperaturas baixam agem como vasos constritores. Isso quer dizer que o calibre dos vasos
sanguíneos e linfáticos reduz (eles fecham um pouco) na presença de temperaturas baixas. Isso
ajuda na prevenção de danos causados por fadiga ou mal uso muscular, pois ajuda a deixar o dano
circunscrito à uma menor região. Por outro lado temperaturas baixam queimam tecidos do corpo
humano da mesma forma que temperaturas altas. O recurso precisa ser usado com parcimônia.
Água gelada pode funcionar nesse sentido, entendendo que a água não passa pelas pregas vocais,
mas reduz a temperatura local. Contudo é sabido que o excesso de bebidas geladas ou sorvete
podem causar rouquidão temporária.
Outro ítem deve ser ressaltado: sempre que um músculo se contrai ele tem seu comprimento
encurtado e sua circunferência aumentada e no relaxamento ele pode ter, se existe uma outra força
muscular ou externa como a gravidade o alongando, seu comprimento aumentado e sua
circunferência reduzida.
Sobre nomenclatura da musculatura da laringe e pescoço: em geral, ela tem o nome dado pelo lugar
de onde parte para o lugar para onde vai. Se entende por lugar de onde se parte a estrutura mais fixa:
a cartilagem cricóidea é mais fixa que a tireóidea (músculo cricotireóideo), o osso externo é mais
fixo que o osso hióide (músculo esternohióideo) ou que a cartilagem tireóidea (músculo
esternotireóideo). Assim a necessidade de memorizar nomes se restringe, basicamente, às
cartilagens e ossos principais: cartilagens cricóide, tireóide, aritenóides, ossos esterno, hióide. O
prefixo omo de tantos músculos se refere a palavra grega omos que quer dizer ombro. Sabendo isso
também é fácil entender o movimento das estruturas: a parte menos fixa se aproxima da mais fixa: o
músculo cricotireóideo aproxima a tireóide da cricóide, e como a cricóide é a parte mais fixa e está
embaixo é a tireóide que desce, não a cricóide que sobe.
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A) Parte subglótica ou “fole” – o sistema respiratório
O som da voz é resultado da vibração das pregas vocais. Para serem colocadas em vibração, as
pregas necessitam da passagem de uma coluna de ar, vinda dos pulmões. A exalação pode ser de
forma passiva, com os músculos diafragma e intercostais externos (principais músculos inalatórios)
relaxando, ou de forma ativa, resultado da contração do músculos exalatórios (abdominais e
intercostais internos) sozinhos ou com o antagonismo dos inalatórios criando um maior controle e
precisão dos movimentos. Para melhor entendimento do que é pressão, podemos tomar como
exemplo uma bexiga de borracha. Ao encher a bexiga, o ar em seu interior está comprimido, sendo,
portanto, a pressão maior dentro que fora. As moléculas de ar exercem uma força nas paredes da
bexiga e, à medida que mais ar é colocado, mais a bexiga se expandirá. Se abrirmos a boca da
bexiga, o ar logo se dirigirá para a abertura, pois, externamente, a pressão é menor que dentro da
bexiga cheia. À medida que o ar sai da bexiga, a pressão dentro dela diminui em relação à pressão
atmosférica. A isto chamamos despressurização. O processo de respiração (Fig. 12) ocorre não
exatamente da mesma forma, porque não existe uma energia que
empurre o ar para dentro. Os pulmões são uma estrutura
esponjosa e elástica (similarmente à bexiga), pendurada no
interior da caixa torácica. Quando a pressão fora do corpo é
maior (por expansão do pulmão em virtude de expansão da
cavidade torácica ou do abdômen), se não houver um obstáculo,
ar entrará e encherá os pulmões. Atingindo um ponto onde a
pressão interna encontra a resistência da elasticidade normal dos tecidos ele se esvaziará (com a
diminuição da cavidade torácica ou do abdômen) até um ponto de igual equilíbrio elástico entre
pressão aérea e elasticidade de tecidos corpóreos. Com auxílio muscular consciente é possível tanto
encher quanto esvaziar além do ponto de elasticidade normal. Qualquer movimento corporal que
aumente o espaço interno (como elevar os ombros, expandir a barriga, empinar o peito) possibilita a
entrada de ar. A isto chamamos inspiração. À saída de ar chamamos expiração. Há um momento em
que as pressões interna e externa se igualam, restando nos pulmões certo volume de ar ao qual
designamos capacidade residual funcional. O cantor, ou orador eficiente não se distingue pela maior
quantidade de ar inalada. Existe um ponto, a partir do qual a inalacão é desconfortável e
contraproducente; no entanto os profissionais da voz costuma ter a capacidade de exalar mais que as
outra pessoas, e conseguem frases mais longas dessa forma, além de um maior controle do fluxo de
ar.
O ato da respiração é comandado por dois grandes grupos de músculos que, por contração
antagonista (em sentidos opostos), expandem e comprimem os pulmões. Um grupo é constituído
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pelos músculos intercostais da inspiração e expiração natural. O segundo grupo é constituído pelos
músculos da parede abdominal e pelo diafragma, eles são responsáveis pelo controle da respiração.
Durante a inspiração, o diafragma se contrai, pressionando a parede abdominal e as vísceras para
fora e possibilitando a expansão dos pulmões; o antagonismo pode ser exercido pelos músculos do
abdômen. Durante a expiração, por outro lado, a contração dos músculos do abdômen é
inversamente proporcional em intensidade àquela do diafragma esvaziando os pulmões. De forma
menos eficaz o mesmo princípio pode ser aplicado aos músculos externo (inspiração) e interno
(expiração) toráxicos. O equilíbrio entre a contração antagônica desses músculos é responsável por
manter constante a pressão subglótica e pelo controle da saída do ar.
É importante notar que a expansão dos pulmões na cavidade torácica e sua retração envolvem mais
músculos do que os mencionados até aqui. Mas existe uma diferença entre a capacidade de um
músculo de efetivamente aumentar ou diminuir a capacidade torácica, ainda que indiretamente
como os músculos peitorais e costas e o auxílio na manutenção do equilíbrio corporal ou somente
como adjacentes à uma contração exercida por outra musculatura, como exemplo dos músculos
glúteos no equilíbrio e como auxiliares na contração dos músculos abdominais. Os músculos
glúteos, ou aqueles da região da pubes não tem a capacidade de aumentar ou diminuir o espaço
torácico interno. Ocorre que, em particular quanto a mulheres que parturiram, em quem esta zona
épode ser mais frágil, a contração desta musculatura proporciona maior estabilidade e segurança.
Outro esclarecimento deve ser feito quanto a região lombar. Quando os pulmões se expandem para
baixo, eles empurram as vísceras para fora na região do abdome. Se os músculos desta região estão
em grande contração ou se o ventre está comprimido contra as pernas ou outro objeto, se nota uma
discreta expansão da região em torno da coluna dorsal na região lombar. Isso não quer dizer que
esta região foi preenchida por ar, ou sequer que entre ar na região abdominal. São as vísceras que se
movem para acomodar a expansão dos pulmões.
Cabe realçar também o papel do músculo diafragmático com auxiliar do equilíbrio, bem como sua
ação e a dos músculos abdominais e intercostais no uso da força, uma vez que a manipulação do
equilíbrio e da força podem ser usados de forma prática durante a fonação como auxiliar à
compreensão corporal do papel da expiração na fonação.
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Os interno-aritenóides trabalhando
em conjunto com os
cricoaritenóides laterais, em
contração, são responsáveis pela
Fig.15 - Adução das pregas vocais
Sundberg, Ciência da Voz, p.97 aproximação das pregas, ou seja,
pela adução, com uma diferença: os
Fig.15b -Camadas da prega vocal
interno-aritenóides fecham as pregas na parte de trás das
aritenóides, já os cricoaritenóides laterais fecham na parte medial (o prolongamento das
aritenóides), a chamada compressão medial. Os cricoaritenóides posteriores quando contraídos são
responsáveis pela abdução, o afastamento das pregas vocais. (Fig.13)
Além do fechamento das pregas vocais no sentido horizontal, é preciso entender que verticalmente
esse fechamento começa da parte inferior das pregas vocais quando os músculos das mesmas estão
contraídos, porque elas apresentam maior massa, ou seja estão mais espessas. Se esses músculos
estão relaxados não se observa esse movimento vertical de fechamento e abertura. (Fig. 15, 15b e
15c)
Como dito anteriormente, nenhum músculo interno da laringe libera ácido lático, nem a língua nem
a maioria dos músculos fundamentais à sobrevivência humana. O ácido lático é aquele que faz arder
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a musculatura quando usado além do ususal. O que
significa que qualquer ardência na região da laringe não
tem relação com uso excessivo de sua musculatura interna.
Pode haver ardência na laringe fruto de problemas
epiteliais, virais e bacterianos, como a laringite. Pode ter
havido um corte na região pela entrada de um objeto
estranho, quando se aspira um inseto. Mas não por uso
muscular. Nem a língua arde por excesso de uso; por cortes
ou aftas sim.
Além disso existe uma conexão entre as ações supraglóticas com as glóticas. Ainda que este estudo
não tenha sido ainda aprofundado sugere
a possibilidade de influência de todos
os músculos da região da faringe e da
boca bem como da parte posterior do
crânio na ação dos músculos internos
da laringe. E levando em consideração
o “ s o m d e l o b o ” d e Ve n n a r d ,
poderíamos extrapolar as conexões
também com o tórax e indagar o uso
dos músculos das costas e do peito na
estabilização da laringe.
O trato vocal é a cavidade onde ocorre a modificação do som gerado pelas pregas vocais; ele se
estende da glote (espaço entre as pregas vocais) até os lábios. O timbre vocal não é definido
somente no trato vocal, mas, grosso modo, é nele que ocorrem as mais significativas modificações
devido à facilidade com que podemos articular seus vários componentes ou, utilizando dos termos
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da ciência do canto, devido aos ajustes na forma e na área funcional deste através de seus
articuladores: lábios, língua, mandíbula, véu palatino ou palato mole, faringe e a própria laringe.
Uma dada configuração da posição dos articuladores define a área funcional correspondente a uma
forma específica do trato vocal.
Os articuladores movem-se de acordo com certo padrão. Durante a fonação normal da fala, ao abrir
a boca, o abaixamento da mandíbula desloca este osso para a parte posterior e a distância entre a
mandíbula e a coluna cervical é reduzida. Isto significa que há um aumento na boca, mas um
estreitamento na faringe. A mandíbula pode deslocar-se para frente e para trás. A língua assume
diversas formas no que diz respeito ao seu contorno e posicionamento. A cada vogal pronunciada
existe um contorno específico que a determina. A pronúncia de certas consoantes combinadas com
vogais, por exemplo, como /k/, /d/, /l/, provoca a movimentação da língua. Os lábios são,
notadamente, uma articulação bastante maleável e flexível. Assumem uma infinidade de formas
durante a fonação. Sua maior ou menor abertura, combinada com o alargamento ou estreitamento da
boca, determina se um som tem timbre “aberto” ou “fechado”, por exemplo, conforme a
classificação das vogais na língua portuguesa. As vogais /a/, como em “cidade” e /Ɛ/, como em
“até” são consideradas abertas, enquanto /u/, como em “cura” e /o/, como em “doce”, são
consideradas fechadas. O véu palatino (cujo centro é o sininho), componente situado na parte
posterior do trato, pode ser elevado ou abaixado, dependendo, também, da vogal ou consoante
pronunciada. A vogal /u/ eleva o véu palatino.
Por fim, a laringe é levantada ou abaixada principalmente pela ação dos músculos extrínsecos que a
interligam ao osso externo, ao osso hioide e ao ombro. Na fonação normal da fala altas frequência
elevam a laringe, baixas frequências a levam a posição de repouso. Lembrando que foi dito sobre a
conexão de ações supragótica e glótica, é apropriado lembrar que a musculatura da região também
precisa ser conhecida. Em termos práticos, provavelmente, é mais fácil dizer que (polos opostos), a
vogal /a/ facilita a adução vocal e a passagem a um registro vocal mais pesado, enquanto a vogal /
u/, dificulta a adução vocal e induz a registros mais leves. Como seria bastante trabalhoso descrever
anatômica e fisiologicamente todas as ações musculares dos lábios, língua, palatos duro e mole,
faringe e laringe, e como a fonética resolve esse problema acústica e graficamente pela classificação
das vogais, no canto não se tem um estudo mais aprofundado, por exemplo do papel do músculo
risório (Fig. 21) na adução das pregas vocais.
3. TÉCNICA VOCAL
A) Respiração
Talvez por ser facilmente observado, o mecanismo da respiração recebe bastante atenção, em
contraste com o funcionamento da laringe, cuja observação é prejudicada. De qualquer forma, o ato
de cantar depende diretamente do bom controle respiratório, o qual também contribuirá para o
correto funcionamento da laringe, como a seguir veremos. Os italianos deram a essa expiração para
o canto o nome de “apoio”. Ela tem uma característica fugidia: é preciso que uma relação de
conexão seja estabelecida entre o que acontece nos pulmões e o que acontece na laringe. Não é o
controle da musculatura diafragmática, intercostal e abdominal, nem sua força que garantem esta
conexão, mas é claro que controle e energia são necessários, depois de estabelecida a conexão.
Por sua vez, a expiração pode ocorrer de duas formas: (1) naturalmente, devido à diferença de
pressão interna-externa e da gravidade ou (2) através do apoio dos músculos do abdômen, que,
trabalhando de forma antagônica ao diafragma, possibilitarão sua retração no processo de saída de
ar e diminuição do espaço pulmonar. Um bom cantor reconhece este mecanismo e faz uso constante
dele. Na verdade, não é a quantidade de ar que se coloca para dentro do corpo o fator determinante
no canto, mas, sim, o controle de sua saída, possibilitado pela contração antagonista do diafragma e
do abdômen. Cada pessoa desenvolve um mecanismo diferente, conforme a morfologia de seu
corpo. Se alguém experimenta encher o pulmão no limite, de forma que não só a região abdominal
esteja expandida, mas também aquela intercostal e clavicular, sentirá uma sensação de afogamento
em ar com a laringe elevada. Não é uma manobra que facilita o canto. Pelo contrário, cantores não
se destacam pelo volume de ar que fazem entrar, mas pelo quanto conseguem fazê-lo sair além do
ponto de capacidade residual funcional (a pressão aérea externa está em equilíbrio de forças com a
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pressão aérea interna e a elasticidade do corpo). Então é o ar expelido e como o é que faz diferença
no canto.
Uma outra observação é que maior apoio significa permitir a saída de menor fluxo aéreo. Isso se
traduz em quanto mais agudo, maior a tensão e contração das pregas vocais e maior a frequência de
batimentos das pregas vocais menos pressão aérea deve ser exercida para não desestabilizar a
produção sonora; se traduz na manutenção do aumento da cavidade torácica, seja na região
abdominal que na epigástrica.
C) Laringe
A inspiração poderá facilitar o abaixamento da laringe, ou pelo menos pode prevenir sua elevação e
sua constrição. Quando engolimos, vomitamos ou bocejamos a laringe desce, mas fazer esse
movimento é bem diferente de mantê-lo durante a emissão. Mecanismos de auxílio para o
abaixamento de laringe durante a emissão incluem levar a cabeça um pouco para trás e para baixo
empurrando mecanicamente o abaixamento, ou ainda colocar o equilíbrio do corpo no apoio dos
braços com os ombros para frente e para baixo (Fig. 19) durante a emissão, e acima de tudo, escuta
criativa: ouvir alguém de tipo de voz semelhante a sua fazer essa
manobra. Antes de tudo se deve ter a consciência que o abaixamento
de laringe não é uma manobra fácil, sobretudo subindo afinação. Não
só é necessário a habilidade consciente dos músculos, mas que eles
sejam hipertroficamente preparados para a isto. É como pedir que
alguém segurando uma barra fixada no alto se erga colocando o queixo
acima dela. É fácil entender a manobra, mas sem a musculatura necessária, impossível. O que torna
as manobras na voz mais difíceis do que exercícios de academia é que não se sabe ao certo se houve
compreensão de como atingir o objetivo, e mais do que a investigação visual se a laringe desceu, é
preciso ouvir o resultado. Como todo exercício deste nível de dificuldade é natural que o
aprendizado envolva muitas tentativas frustradas erradas e esforço em lugares e intensidades
equivocadas. O aprendizado só é alcançado com muitas tentativas fracassadas e muito cansaço. O
abaixamento da laringe deve ser aprendido e conscientizado em notas confortáveis, onde a energia
muscular é pouca. Conforme o controle da manobra aumenta e se deseja atingir notas mais agudas,
é fundamental a compreensão que não só a musculatura da laringe e do diafragma, abdome e
intercostais estão preparados, mas que a conexão se estabeleça. Se ela se estabelece, é possível
ouvir uma almofada de ar que mantem o som. É o que se diz de sentar no som, ou outras expressões
equivalentes. É preciso muita atenção porque a conexão pode ser desfeita por excesso de pressão
subglótica.
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O abaixamento de laringe, se bem que um dos assuntos de maior repercussão na literatura não cobre
toda a extensão da voz. As vezes para sons médios (para cada classificação vocal) e certamente para
sons graves a sonoridade se intensifica se a laringe está na posição normal da respiração. Já os sons
modais subgraves muitas vezes atingidos ou melhorados com a laringe elevada, assim como nos
agudos quando se usa a técnica/estética de belting.
Um outro aspecto, concernente à utilização da laringe e adução das pregas vocais, diz respeito ao
ataque, o começo da emissão do som na glote. Pode ocorrer de três formas: (1) aspirado, saída de ar
antes da saída de som, (2) com golpe de glote, o fechamento da glote precede o início do som; (3)
sincrônico - saída de som e ar ao mesmo temo. Garcia recomendava o golpe de glote, na crença que
se um som começa com boa adução é mais fácil que se mantenha como boa adução. Mas para que o
mecanismo funcione desta forma, o fechamento da glote deve ser feito com a laringe baixa ou
estabilizada, nunca elevada. Era também sua crença que se a manobra fosse bem feita ela podia
assegurar a conexão entre mecanismos subglóticos e glóticos. Uma forma de tentativa de
conscientização da adução das pregas vocais é a atenção à tosse, que nada mais é que a adução das
pregas vocais de forma forçada para expelir um objeto do trato vocal. Deve-se ressaltar que sua
repetição frequente não é aconselhada pois pode trazer danos às pregas vocais.
D) Trato vocal
O trato vocal é a região da modificação do som e da ressonância. Já vimos que os responsáveis por
isso são os articuladores. Como já exposto anteriormente, a pouca atenção dada à fisiologia do trato
vocal, região supraglótica, é a crença na habilidade da fonética e acústica de lidarem com estas
questões. No entanto algumas considerações são devidas.
Existe uma vasta literatura para sistematizar a abertura ou não da boca, o quanto dos dentes devem
ser mostrados, se a língua deve ou não estar baixa e a mandíbula solta ou contraída. Mais do que na
questão da região glótica, e apesar da compreensão que a estrutura do trato vocal influencia a
produção vocal e não somente a modificação dos sons – o que se faz acima da glote pode
influenciar em como a glote funciona. É engano achar que no canto lírico existe apenas uma única
estética, e maior engano é supor que os professores e teóricos querem dizer as mesmas coisas e tem
os mesmos objetivos. É preciso procurar entender a função das várias partes para fazer escolhas
estéticas e funcionais. As escolhas estéticas dependem do gosto próprio ou de um mercado a que se
deve ajustar. Já as escolhas funcionais são relacionadas à individualidade da anatomia e das
possibilidades fisiológicas, e mesmo questões relativamente aceitas podem ocorrer em uma forma
não usual em um indivíduo. Um exemplo de uma ocorrência não usual é a forma como a cantora
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Jessie Norman usa sua língua, parecendo grande demais para estar sempre dentro da boca. O que
deveria guiar as escolhas é o resultado da emissão sonora, sendo a compreensão dos mecanismos
um bom caminho para orientar as tentativas. Como no caso do abaixamento de laringe, que, fora
alguns casos fortunados, é alcançado a duras penas num arco temporal, às vezes, de mais de um
ano, outras manobras podem parecer impossíveis a primeira vista. Uma boa referência é procurar
em gravações, com a escuta criativa, se existe ao menos um exemplo do que se almeja alcançar. Se
houver, e o exemplo fonográfico for de um(a) cantor(a) com anatomia e capacidades fisiológicas
similares a quem está tentando o movimento, pode ser uma questão de tempo até conseguir o ajuste
e o desenvolvimento muscular certos para essa determinada emissão vocal. É sempre bom contar
com a ajuda de alguém que tenha uma compreensão vocal similar porque a pessoa que emite uma
voz a escuta de forma diversa por causa do caminho interno do som para o ouvido. Uma forma de
contornar (embora não 100%) a questão do ouvido interno é cantar de frente e bem perto de uma
parede, ouvindo o retorno do som.
Vogais abertas, em geral, vem com uma abertura labial horizontal. São elas que, por não aumentar a
faringe proporcionam melhor adução. A vogal /a/ italiana é a mais aberta, mas nós brasileiros, assim
como a maior parte das outras nacionalidades não a sabemos pronunciar. Lamperti dizia em 1905
que “a maioria dos italianos pronuncia a vogal /a/ corretamente, enquanto outras nacionalidades
precisam fazer um estudo especial dela”. Sabendo que o italiano também sofreu modificações desde
essa época, podemos imaginar o quão raro é ouvir um /a/. Um caminho seria buscar na discografia
das décadas de 1900 e 1910 exemplos desse som, cujo domínio pode ser uma boa ajuda porque
alémlém da ajuda à adução a produção correta dessa vogal ajusta o mecanismo do registro vocal.
A vogal escuras, o /u/ sendo o caso extremo, ajudam o levantamento do véu palatino (o sininho)
aumentando a faringe. Elas dificulta um pouco a adução, sendo úteis na passagem a registros mais
leves em movimentos ascendentes, ou a permanecer em um registro mais leve quando se canta um
trecho descendente.
Os lábios seguem, em geral, a conformação da vogal emitida, bem como a língua. Mas faz sentido
pensar que quanto mais aberta a boca e quanto mais achatada a língua (tanto na parte posterior da
boca como na anterior) mais facilmente sai o som. A mandíbula relaxada ajuda a registros leves e
aquela mais contraída à registros mais pesados, sempre de forma necessária e suficiente aos
propósitos. A contração ou o relaxamento precisam levar em consideração uma série de outros
aspectos como a constrição da faringe ou a posição da laringe.
A passagem nasal só deveria ser usada para vogais nasais, porém para um brasileiro isso pode ser
muito difícil e na maior parte das vezes sequer nos apercebemos do fato. A nasalância pode ajudar a
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produção de uma qualidade metálica na voz, que facilita sua propagação, no entanto, muitas vezes
prejudica a emissão vocal por alterar os registros vocais de forma inoportuna e quando a língua
cantada não é o português brasileiro pode atrapalhar a compreensão do texto ou emprestar um
sotaque indesejado.
Registro é uma série de sons homogêneos e consecutivos indo do grave ao agudo, produzidos pelo
desenvolvimento do mesmo princípio mecânico, e assim, sua natureza se difere essencialmente de uma
outra série de sons igualmente consecutivos e homogêneos produzidos por um outro prin- cípio mecânico.
Todos os sons produzidos por um mesmo registro são, por consequência, da mesma natureza, se
diferenciando essencialmente de uma outra série de sons homogêneos produzidos por outro mecanismo
sejam quaisquer as mudanças de timbre ou de força que sofram. (GARCIA, 1840, p. x-xi)
Segundo Vennard (VENNARD, 1967, p. 63), os músculos vocálicos ou pregas vocais se ajustam
durante a passagem da coluna de ar, apresentando dois extremos: um estado ativo, de resistência à
passagem desse fluxo, portanto, contraídos; e um estado passivo, relaxado. O primeiro estado
corresponde ao registro modal e o segundo ao registro de falsete ou simplesmente falsete. Existem
dois outros registros: o fry e o whistle ou flauta.5
A parte fry, falsete e whistle, todos os outros registros são modais por serem emitidos com a
contração antagonística do TA e CT. No belting a laringe pode subir e a faringe contrair. O registro
misto ou médio ocorre sempre que a faringe se expande, ou a laringe desce, ou esses movimentos
são simultâneos6; é um registro pobre em adução, principalmente na comparação com os registros
5O fry é mais grave que o registro modal e se caracteriza por um som irregular similar ao fritar de ovos. É produzido
com o TA contraído e o CT relaxado. O whistle ou flauta é mais agudo que o falsete e é produzido de maneira similar,
porém usando apenas parte da prega vocal na produção do som.
6 O falsettone é um registro misto leve no qual a faringe se expande, apesar de a laringe não descer, típico de mulheres,
é dito sempre em relação a homens, pode ser por isso essa nomenclatura.
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de cabeça ou de peito. O registro de peito apresenta tanto a laringe quanto a faringe estáveis e o
registro de cabeça mostra a laringe estável ou sobindo, e a faringe adquirindo qualquer
característica. A diferença entre o registro de peito e o de cabeça é a tessitura, e no registro de
cabeça o maior comprimento das pregas vocais e espessura mais fina das bordas de contato das
mesmas, no entanto pode ser produzido com boa adução. O peso de um registro vocal não depende
da cor escura hoje associada a isso e sim a uma maior contração do TA: “Assim, o registro depende
da atividade do músculo vocal [TA] desde o início; em um registro [vocal] pesado a atividade do
músculo vocal é maior do que em um registro [vocal] mais leve” (Sundberg, 1987, p. 56).
É justo ressaltar que desde o alcance mais grave ao alcance mais agudo da voz humana, existem
micro registros ou “quebras” que ocorrem ao longo de toda extensão. Um objetivo do canto lírico
hoje é que as “quebras” de registros ao longo da extensão vocal não sejam percebidas, ou seja, que
haja uma homogeneidade sonora. Entretanto, isto não significa que se deve cantar em um único
registro, pelo contrário. Fisiologicamente, as trocas de registro são naturais e demandam do cantor
menor energia para a produção do som, bem como possibilitam maior sonoridade e longevidade da
voz.
A classificação vocal tem origem na música coral medieval religiosa. O início do canto coral
foi com o plainchat ou canto monofônico. Com o seu desenvolvimento outras vozes foram sendo
adicionadas. A primeira voz que foi adicionada ao cantus (canto) (Séc XIII) foi a voz que dava
sustentação à melodia dando base à parte mais florida do canto. A essa voz foi dado o nome de tenor
(do latim tenere) e era mais grave que o cantus. Depois foi adicionada uma outra voz na mesma
extensão do tenor chamada de contratenor (Séc XIV). Lá pela metade do século XIV, a parte de
contratenor se dividiu em Contratenor altus e contratenor bassus e o termo contratenor foi deixado
de lado ficando só os termos altus e bassus. O altus se situava um pouco acima do tenor, e nos
séculos seguintes essa voz foi subindo mais e mais. O que é importante ressaltar é que essas
nomenclaturas fazem referência a partes harmônicas e não a tipos de vozes. (UPTON, 2006)
Na música da idade média e renascimento o cantor não usava uma extensão muito grande.
No período barroco a coloratura era muito valorizada, além disso os papéis eram escritos tendo um
determinado cantor em mente e, se numa mesma ópera houvesse dois elencos de vozes
contrastantes o compositor escrevia árias diferentes para acomoda-las. No período clássico a
extensão aumenta muito (a nota mais aguda até hoje escrita na ópera é o Fá5 do personagem Rainha
da Noite da ópera Die Zauberflöte de Mozart7), mas como os papéis continuam a ser escritos para
um elenco determinado, a necessidade de adequação de vozes ainda não se fazia sentir.
No romantismo com a mudança de padrão estético, o crescimento das orquestras e do
tamanho dos teatros, os cantores precisaram adequar suas vozes às novas demandas. Ao contrário
do que tinha sido regra até então, óperas começam a entrar em repertório, ou seja são reprisadas
frequentemente, então não mais os cantores tem as músicas escritas para eles, e são obrigados a se
adequar à musica já existente. É nesse momento que aumenta a necessidade de classificar as vozes
de forma sistemática, para que estas possam ser melhor aproveitadas.
Vemos, então, que a classificação vocal é uma defesa do cantor. Uma forma de render
vocalmente da melhor forma. Por parte dos professores e das “escolas de canto” há divergências
desde métodos de classificação a tipos de vozes. Por parte dos cantores há a insatisfação com a
natureza de sua anatomia e fisiologia gerando consciente ou inconscientemente um esforço para
“caber” numa classificação vocal ou noutra. Também existem modas, onde um papel pode
acomodar um ou outro tipo de voz.
Existem alguns os critérios que permeiam a classificação vocal. Ainda que haja tanta
divergência a respeito desse tema e que esses critérios não sejam estanques, é necessária a
7 O próprio Mozart escreveu um Sol5 na ária de concerto Popoli di Tessalia e no período romântico Massenet escreveu
também um Sol5, opcional, para o papel título da ópera Esclarmonde.
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compreensão de alguns termos. Extensão são todas as notas que uma pessoa consegue produzir,
independente de qualidade, desde a mais grave até a mais aguda. Nesse intervalo, tanto no espectro
mais agudo como no mais grave se produz sons sem qualidade o canto lírico8. Na parte mais grave
podem não ter o volume necessário e na parte mais aguda ter sons esteticamente desagradáveis ou
igualmente débeis. Considerando o intervalo onde se emitem sons com qualidade para o canto lírico
definimos extensão vocal para o canto lírico. Ainda assim não existem limites definidos. Por
exemplo o mezzo-sopano Cecilia Bartoli canta Fá5 (em um vídeo vocalizando com a mãe), e o
soprano Renèe Fleming canta Mi2 (numa gravação de Der Tod und das Mädchen de Schubert).
Tessitura é a região dentro da extensão musical onde o cantor canta com menos esforço, e
por isso com maior rendimento. A diferença entre as vozes é de mais ou menos uma terça maior. Se
por exemplo um mezzo-soprano tem o centro tonal na região do Sib3, o centro tonal do soprano
gira em torno do Ré4. Essa é a razão pela qual a maioria dos álbuns impressos de árias com versões
para vozes graves, médias e agudas fazem essa transposição de terça maior entre as tonalidades.
Apesar da tessitura média das vozes, a música não se restringe a elas. O personagem Eboli de Don
Carlo de Verdi tem Dób5 e é um papel de mezzo-soprano, o personagem Salomé da ópera de
mesmo nome de Richard Strauss tem Sol2 e é um papel de soprano. Por tessitura associada a uma
classificação vocal se entende que a maior parte da música vai se concentrar nessa região.
Para se entender timbre dever-se-ia supor que todos pudessem concordar com um tipo de
emissão, o que não acontece. Essa emissão universalmente aceita indicaria a cor da voz, seu timbre.
Mas adução, abaixamento de laringe, troca de registros, alargamento de faringe, etc são tratados de
forma e intensidade tão diferente geográfica e temporalmente que comparações de timbre são
enganosas. Acrescido a isso, tessitura é mais relacionada ao comprimento, força e resistência das
pregas vocais e demais músculos laríngeos, enquanto timbre às dimensões do trato vocal; no
entanto esses dois elementos podem não ser proporcionais: há sopranos de vozes escuríssimas e
mezzo-sopranos de vozes muito claras; então timbre dificilmente é um bom parâmetro.
Fala-se também de forma de triângulo ou triângulo invertido. As vozes agudas tendo menos
material em baixo expandindo a medida que sobe, configuraria um triângulo invertido e com as
vozes graves aconteceria o inverso. Como o timbre, este parâmetro pode ser influenciado pela
estética vocal, bem como anatomia e fisiologia, sendo apenas mais um critério auxiliar.9
8 Existem trechos na literatura que acomodam efeitos diferentes da técnica usual do canto lírico.
9 É impossível com equipamentos médicos definir a classificação vocal por medições da prega vocal, largura do
pescoço ou altura do palato duro. No entanto é a interação de todos esses elementos, e muitos outros, que definiriam a
classificação vocal de uma pessoa.
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Outro aspecto a ser levado em consideração são as notas ou regiões de passagem entre os
registro vocais. Nas mulheres de vozes graves essas notas ou regiões giram em torno do Dó#4, nas
de vozes médias do Mib4 e nas de vozes agudas do Fá4 (nos homens uma oitava abaixo). Essas
indicações dizem respeito a estatísticas, e estatísticas tratam da maioria e não de individualidades. A
região de passagem surge por acomodar uma preparação antes da nota propriamente dita e uma
acomodação depois dela para que transição seja a mais suave possível. Há professores que
apregoam não haver nem nota nem região de passagem: pode se tratar de uma pedagogia particular,
pois ao negar tal dificuldade, ela não se torna uma dificuldade maior do que deve ter para o aluno,
ou pode também configurar uma apologia ao uso exclusivo de um registro em toda a extensão
vocal.
Outros critérios na avaliação de uma voz para determinação de sua classificação vocal para o
canto lírico são a intensidade que uma pessoa é capaz de produzir sem força, a destreza em
coloratura, a beleza no legatto, a resistência ao tempo cantando ou a saltos, ou a agudos, ou a graves
ou a coloratura, além da capacidade de levar o registro pesado até que nota aguda.
O som da voz, como verificado, é gerado pela passagem de uma coluna de ar que coloca em
vibração as pregas vocais. O som gerado possui uma determinada frequência, que é exatamente
igual ao número de batimento das pregas por minuto. A esta frequência chamamos frequência
fundamental. As características físicas (anatomia) e os ajustes músculares (fisiologia) determinam a
frequência fundamental – a nota musical emitida. Durante a fonação as pregas vocais não dão
origem a uma só tom, mas a uma inteira gama de espectros tonais, cujo mais grave se chama
funadamental e os demais sobretons parciais. As frequências das parciais formam uma série
harmônica, ou seja, são múltiplos da fundamental. As parciais que se situam perto das frequências
dos formantes se tornam mais fortes, como visto em (1.4 A acústica da voz humana).
Os cinco primeiros formantes são de maior interesse tanto para a voz da fala quanto para a voz do
canto. Os dois primeiros formantes determinam a vogal emitida. O terceiro, quarto e quinto
formantes são responsáveis pela determinação do timbre. Foi observado que quando, por ajustes do
trato vocal, o terceiro, quarto e quinto formantes se agrupam o som da emissão vocal adquire um
metálico a que Vennard chamava de “ring of 2800Hz” e Sundberg de formante do cantor, que está
presente principalmente nas vozes operísticas masculinas. Nas vozes femininas se descobriu que a
abertura da mandíbula provocava esse efeito de aumento da característica metálica do som, mais
que ajustes laríngeos.
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VENNARD, William. Singing – the mechanism and the technic. Los Angeles: Carl Fischer, 1967.
MCKINNEY, James C. The Diagnosis and Correction of Vocal Faults. Nashville: Broadman Press,
1982.
SUNDBERG, J. A ciência da voz. Trad. Glaucia Salomão. São Paulo: Edusp, 2015.