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Paraíso

Margarida Bernardino

Sou uma pessoa que pensa muito. Então desenvolvi uma técnica para fazer com que a minha

mente se acalme. Parando a respiração e assim o tempo para.

Não metaforicamente como quando estamos a fazer alguma coisa que nos dá prazer.( eu não

sinto prazer) Ou até mesmo quando estamos com aquele amigo e não queremos que o tempo

acabe ( eu não tenho muitos amigos). E certamente não me refiro àquela figura de estilo que

diz quando “soltamos um suspiro que não sabiamos que estavamos a prender”. Não, senhor,

eu estou totalmente consciente de cada respiração que dou, seja esta intencional ou não,

porque o tempo, de facto, para. Enquanto eu não estiver a inspirar ou a expirar, pelo menos.

Naquele curto espaço de tempo enquanto eu a puder segurar.

O ser humano considerado “normal” consegue prender a respiração por apenas 30 a 90

segundos. É um alcance bastante grande conseguindo chegar apenas aos 90 segundos no

limite máximo, não é muito. Mas chega.

Devido à minha capacidade única, tenho treinado para acalmar o coração e diminuir o

consumo de oxigênio e, com isso, aumentei o meu limite para quase dois minutos e meio, o

que é bastante surpreendente. Alguns atletas podem aguentar 5 minutos ou mais. O recorde

mundial é superior a vinte e quatro. Eu poderia fazer muita coisa com o tempo congelado em

vinte e quatro minutos, mas de que adiantaria se eu tivesse que permanecer completamente

imóvel?

Dois minutos é muito tempo quando o tempo se dissolveu como uma restrição, mas mesmo

com dois minutos estou limitada. Então, por que não juntar vários pedaços de dois minutos?

Eu posso! Mas preciso de tempo para recuperar o fôlego. E é especialmente estranho se


houver pessoas por perto porque, para elas, fico ali parada por um segundo e, de repente,

estou com falta de ar, como se estivesse a sufocar.

É alarmante. As pessoas a ligarem para o 112 e ter que explicar educadamente que obrigado,

mas não, obrigado. Depois de alguns minutos de recuperação, posso simplesmente prender a

respiração novamente e desaparecer, deixando-os a imaginar o que aconteceu.

Felizmente, esta minha proeza não foi parar a nenhum site de um meio de comunicação.

Ainda. Estou a chegar ao ponto em que me importo cada vez menos em assustar as pessoas

ou em deixá-las desconfortáveis, então aparecer nos trend topics das redes sociais parece

apenas uma questão de tempo.

Principalmente eu não me importo porque começo a perceber que todos estão presos nesta

progressão linear do tempo. Mas não importa. Assim que reconheci que o tempo era algo que

poderia ser controlado e que com isso poderia apagar a minha existência por breves

momentos, algo rachou dentro de mim, como uma casca de ovo da qual eu poderia sair a

rastejar nascendo de novo num outro mundo. Algo que me prendia antes. Algo que

provavelmente ainda mantém os outros presos.

Com o meu poder inexplicável, experimentei a liberdade daquele impulso esmagador do

tempo, daquela ansiedade, angústia e antecipação. A necessidade de ir, ir, ir. Eu posso parar.

Parar de verdade. E quando eu o faço, o mundo para comigo. É milagroso. Até as gotas de

chuva ficam suspensas no ar. Os beija-flores tornam-se uma natureza morta, livres do seu

bater frenético. O riso de uma criança perlonga-se como um caramelo; o momento em que

um marinheiro beija a sua amada dura mais alguns minutos. Eu pergunto-me se aquela

gargalhada ou aquele beijo se tornaram de alguma forma mais doces por causa do que lhes

dei. Não a dádiva de mais tempo, mas alguns minutos completamente fora dele.

Apenas uma estadia temporária, e então a vida volta com força total. As ondas sonoras

retornam, atividade incessante dos seres humanos, o caos incontrolável, o nosso planeta a
girar em torno do Sol, pairando algures na nossa galáxia, voando no vazio infinito do

universo.

Inalar. Segurar. Eu posso parar tudo. Piscar. Piscar. Expire. Uau.

Mas assim que expiro, a inevitável máquina de movimento perpétuo continua.

De repente, avistei ao longe uma senhora, com uma expressão tranquila. De cabelos brancos

e pele pálida, ela observa-me.

Parece que veio ao meu encontro.

Naquele momento parei de perceber a minha própria respiração e olhei atentamente à minha

volta. Estou num jardim cheio de vida, as cores vibrantes dançam sob a luz do sol, criando

um espetáculo de vida e alegria. À minha volta, uma profusão de flores em tons vivos e

delicados erguem-se em canteiros bem cuidados. Rosas vermelhas exalam o seu perfume

doce, contrastando com lírios brancos que brilham sob os raios solares.

As árvores altas e robustas. Formam sombras reconfortantes sobre a grande extensão de

relva que se cria á minha frente.

A idosa olhou para mim e sorriu como se me entendesse, em vez de correr até mim

desesperada como todas as outras pessoas inconvenientes.

Eu inalei e prendi aquela respiração preciosa, preciosa. O tempo parou. Eu considerei o meu

próximo passo. Cuidado, não podia pisar as flores tão lindas que são.

Eu expirei. O tempo fluiu novamente. Finalmente não me sinto ansiosa.

Eu não tinha vontade de parar o tempo novamente. Eu queria aprender a viver com a vida até

ao meu último suspiro. Isto é só o início de um novo começono paraíso.

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