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Banco, enxerga, caldeirão

O OPERÁRIO EM Vidro, parede, janela


CONSTRUÇÃO Casa, cidade, nação!
Tudo, tudo o que existia
Rio de Janeiro , 1959
E o Diabo, levando-o a um alto monte, mostrou-lhe Era ele quem o fazia
num momento de tempo todos os reinos do mundo. Ele, um humilde operário
E disse-lhe o Diabo: Um operário que sabia
- Dar-te-ei todo este poder e a sua glória, porque a Exercer a profissão.
mim me foi entregue e dou-o a quem quero;
portanto, se tu me adorares, tudo será teu. Ah, homens de pensamento
E Jesus, respondendo, disse-lhe: Não sabereis nunca o quanto
- Vai-te, Satanás; porque está escrito: adorarás o Aquele humilde operário
Senhor teu Deus e só a Ele servirás. Soube naquele momento!
Lucas, cap. V, vs. 5-8. Naquela casa vazia
Que ele mesmo levantara
Era ele que erguia casas Um mundo novo nascia
Onde antes só havia chão. De que sequer suspeitava.
Como um pássaro sem asas O operário emocionado
Ele subia com as casas Olhou sua própria mão
Que lhe brotavam da mão. Sua rude mão de operário
Mas tudo desconhecia De operário em construção
De sua grande missão: E olhando bem para ela
Não sabia, por exemplo Teve um segundo a impressão
Que a casa de um homem é um templo De que não havia no mundo
Um templo sem religião Coisa que fosse mais bela.
Como tampouco sabia
Que a casa que ele fazia Foi dentro da compreensão
Sendo a sua liberdade Desse instante solitário
Era a sua escravidão. Que, tal sua construção
Cresceu também o operário.
De fato, como podia Cresceu em alto e profundo
Um operário em construção Em largo e no coração
Compreender por que um tijolo E como tudo que cresce
Valia mais do que um pão? Ele não cresceu em vão
Tijolos ele empilhava Pois além do que sabia
Com pá, cimento e esquadria - Exercer a profissão -
Quanto ao pão, ele o comia... O operário adquiriu
Mas fosse comer tijolo! Uma nova dimensão:
E assim o operário ia A dimensão da poesia.
Com suor e com cimento
Erguendo uma casa aqui E um fato novo se viu
Adiante um apartamento Que a todos admirava:
Além uma igreja, à frente O que o operário dizia
Um quartel e uma prisão: Outro operário escutava.
Prisão de que sofreria
Não fosse, eventualmente E foi assim que o operário
Um operário em construção. Do edifício em construção
Que sempre dizia sim
Mas ele desconhecia Começou a dizer não.
Esse fato extraordinário: E aprendeu a notar coisas
Que o operário faz a coisa A que não dava atenção:
E a coisa faz o operário.
De forma que, certo dia Notou que sua marmita
À mesa, ao cortar o pão Era o prato do patrão
O operário foi tomado Que sua cerveja preta
De uma súbita emoção Era o uísque do patrão
Ao constatar assombrado Que seu macacão de zuarte
Que tudo naquela mesa Era o terno do patrão
- Garrafa, prato, facão - Que o casebre onde morava
Era ele quem os fazia Era a mansão do patrão
Ele, um humilde operário, Que seus dois pés andarilhos
Um operário em construção. Eram as rodas do patrão
Olhou em torno: gamela Que a dureza do seu dia
Era a noite do patrão Mas o que via o operário
Que sua imensa fadiga O patrão nunca veria.
Era amiga do patrão. O operário via as casas
E dentro das estruturas
E o operário disse: Não! Via coisas, objetos
E o operário fez-se forte Produtos, manufaturas.
Na sua resolução. Via tudo o que fazia
O lucro do seu patrão
Como era de se esperar E em cada coisa que via
As bocas da delação Misteriosamente havia
Começaram a dizer coisas A marca de sua mão.
Aos ouvidos do patrão. E o operário disse: Não!
Mas o patrão não queria
Nenhuma preocupação - Loucura! - gritou o patrão
- "Convençam-no" do contrário - Não vês o que te dou eu?
Disse ele sobre o operário - Mentira! - disse o operário
E ao dizer isso sorria. Não podes dar-me o que é meu.

Dia seguinte, o operário E um grande silêncio fez-se


Ao sair da construção Dentro do seu coração
Viu-se súbito cercado Um silêncio de martírios
Dos homens da delação Um silêncio de prisão.
E sofreu, por destinado Um silêncio povoado
Sua primeira agressão. De pedidos de perdão
Teve seu rosto cuspido Um silêncio apavorado
Teve seu braço quebrado Com o medo em solidão.
Mas quando foi perguntado
O operário disse: Não! Um silêncio de torturas
E gritos de maldição
Em vão sofrera o operário Um silêncio de fraturas
Sua primeira agressão A se arrastarem no chão.
Muitas outras se seguiram E o operário ouviu a voz
Muitas outras seguirão. De todos os seus irmãos
Porém, por imprescindível Os seus irmãos que morreram
Ao edifício em construção Por outros que viverão.
Seu trabalho prosseguia Uma esperança sincera
E todo o seu sofrimento Cresceu no seu coração
Misturava-se ao cimento E dentro da tarde mansa
Da construção que crescia. Agigantou-se a razão
De um homem pobre e esquecido
Sentindo que a violência Razão porém que fizera
Não dobraria o operário Em operário construído
Um dia tentou o patrão O operário em construção.
Dobrá-lo de modo vário.
De sorte que o foi levando
Ao alto da construção
E num momento de tempo
Mostrou-lhe toda a região
E apontando-a ao operário
Fez-lhe esta declaração:
- Dar-te-ei todo esse poder
E a sua satisfação
Porque a mim me foi entregue
E dou-o a quem bem quiser.
Dou-te tempo de lazer
Dou-te tempo de mulher.
Portanto, tudo o que vês
Será teu se me adorares
E, ainda mais, se abandonares
O que te faz dizer não.

Disse, e fitou o operário


Que olhava e que refletia

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