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Magic Mourns

Ilona Andrews

Conto 3.5

Tradução e 1ª Revisão: *Janiele

2ª Revisão: *Diana Prince


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Leitura Final e Formatação: *Divas Rosa

Mais um Projeto Exclusivo das Divas


Magic Mourns
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Conto 3.5

A Magia Lamenta
Ilona Andrews
Originalmente publicado na antologia, Must Love Hellhounds

Copyright © 2011

Andrea Nash da Ordem dos Cavaleiros da Ajuda

Misericordiosa — com a ajuda de sua amiga, Kate

Daniels — tenta descobrir por que o cão gigante de

três cabeças que guarda os portões de Hades está


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farejando em Atlanta.

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C O C O C O C 11
Sentei-me em um escritório pequeno e monótono, um dos muitos
no capitólio da Ordem dos Cavaleiros da Ajuda Misericordiosa de Atlanta
e fingi ser Kate Daniels. O telefone de Kate não tocava muitas vezes, então
não tive que fingir muito. Infelizmente, quando tocava, como no
momento, a pessoa na outra extremidade raramente estava interessada em
um fingimento. Eles queriam a coisa real.

— Ordem dos Cavaleiros da Ajuda Misericordiosa, Andrea Nash


falando.

Uma voz feminina do outro lado murmurou, hesitante. — Você não é


Kate.

— Não, eu não sou. Ela está de licença médica. Mas eu estou


substituindo ela.

— Vou esperar até ela voltar.

Eu disse adeus ao sinal de desconexão, pendurei e acariciei minha


SIG-Sauer P226s1 sobre a mesa de Kate. Pelo menos minhas armas ainda
gostavam de mim.
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SIG-Sauer P226s

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A verdadeira Kate Daniels, minha melhor amiga e parceira em chutar-


traseiros, estava em licença médica. E eu pretendia fazer o meu melhor
para deixá-la ficar de licença médica, pelo menos até que suas feridas
deixassem de sangrar. A onda mágica caiu. Os misteriosos glifos2 laranjas
e amarelos no chão do escritório de Kate desapareceram. Na parede, o ar
carregado dentro de tubos de vidro retorcidos de uma lanterna mágica
tornou-se escuro, enquanto as feias verrugas das luzes elétricas no teto do
corredor se acendiam com luz suave. Dentro da minha pele, meu segredo
se esticou, bocejou e se enrolou em uma soneca, com suas garras
firmemente escondidas.

Vivemos em um mundo incerto: a magia nos inundava em ondas,


ferrava as coisas e desaparecia. Ninguém poderia prever quando ia e vinha.
Era preciso sempre estar preparado. Por vezes, não importava como
estivesse preparado, a magia deixava algo para trás que você simplesmente
não conseguia lidar, e então você chamava a polícia, e se eles não
pudessem ajudar, você chamava a Ordem. A Ordem enviaria um
cavaleiro, alguém como eu, que o ajudaria com seus problemas mágicos.
Pelo menos, era assim que deveria funcionar. Muito poucas pessoas
poderiam ter experiência em tecnologia e magia. Kate escolheu magia. Eu
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Um glifo é um elemento da escrita. Dois ou mais glifos que correspondam ao mesmo símbolo (i.e., caractere), se
permutáveis ou dependentes de contexto, são chamados alógrafos; um glifo é uma manifestação da unidade mais abstrata. Glifos também
podem ser ligaduras tipográficas que são caracteres compostos ou diacríticos.

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escolhi tecnologia. Me dê uma arma e balas de prata sobre espadas e


feitiçarias qualquer dia.

O telefone tocou novamente.

— Ordem dos Cavaleiros da Ajuda Misericordiosa, Andrea ...

— Posso falar com Kate? Uma voz masculina mais velha matizada com
acento do país.

— Eu a estou substituindo. Do que você precisa?

— Pode levar uma mensagem para ela? Diga que Teddy Jo está chamando
do ferro velho Joshua. Ela me conhece. Diga a ela que eu estava dirigindo
através do Abutre, e eu vi um deles com quem ela sai, um metamorfo, correndo
como se o diabo o perseguisse. Bem abaixo de mim tinha um cachorro muito
grande o perseguindo.

— Quão grande era o cachorro?

Teddy Jo refletiu. — Eu diria tão grande quanto uma casa. Uma de um


piso. Talvez um pouco maior. Não tão grande quanto uma daquelas coloniais,
se você me entende. Uma casa comum.

— Você diria que o metamorfo estava em perigo?

— Inferno sim, ele estava em perigo. Sua cauda estava em chamas.


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— Ele correu como se sua cauda estivesse em chamas?

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— Não, sua cauda estava pegando fogo. Como uma vela grande e peluda
em sua bunda.

Bingo. Um verde-cinco. Metamorfo em apuros. — Entendido!

— Bem, você diz a Kate que eu disse olá e não ser um estranho e tudo isso.

Ele desligou.

Peguei meu cinturão de armas e enviei um pensamento focado na


direção de Maxine, a secretária da Ordem. Eu não tinha habilidades
telepáticas, mas ela era forte o bastante para pegar um pensamento se eu
me concentrasse muito.

— Maxine, eu tenho um verde-cinco em progresso. Estou


respondendo.

— Divirta-se, querida. Espero que você mate alguma coisa. —A voz de


Maxine disse na minha cabeça. — A propósito, lembra-se daquele homem jovem
e simpático cujas chamadas você não estava atendendo?

Raphael. Ele não era exatamente o tipo de homem que uma mulher
esqueceria.

— O que tem ele?

— Ele geralmente chama duas vezes por dia, às dez e às duas. Ele não telefonou
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hoje. Em absoluto. Nenhuma vez.


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Eu matei uma pontada de desapontamento.

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— Talvez ele tenha entendido a mensagem.

— Pode ser. Só pensei que você gostaria de estar ciente.

— Obrigada.

Raphael era um problema. E eu já tinha problemas demais.

Peguei meu par favorito de P226s e mergulhei no arsenal, onde


guardava minha variedade de armas. Tão grande como uma casa, hein?
Peguei minha espingarda Weatherby Mark V3 fora do painel, acariciando o
estoque de mão-laminado de fibra de vidro e Kevlar4. Um clássico. Quando
você realmente precisa ter um trabalho feito corretamente, use a melhor
ferramenta para isso. Havia apenas uma arma com mais poder de fogo no
arsenal. Conhecida como Big Unit pelos Cavaleiros do sexo masculino e
Baby Boom por mim, ficava em uma caixa de vidro sozinha. Baby Boom
comia Silver Hawks: 50 projéteis de perfuração, incendiários, explosivos e
cartuchos de carga de prata. Para tirar o Baby Boom do seu vidro, eu teria
que mostrar muitas causas prováveis. Isso estava bem para mim. A
Weatherby iria mais do que fazer o trabalho. Eu peguei cartuchos 416 de
Remington Magnum e saí pela porta, antes que alguém decidisse me parar.
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Weatherby Mark V

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Kevlar

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COCOCOC
Na nossa idade, uma mulher pode ter um carro à gasolina, que
funcionasse apenas durante a tecnologia, ou um veículo que corria com
água carregada, que funcionava apenas durante a magia. O meu Jeep era
uma edição da Ordem e estava equipado com um motor elétrico e um
mágico, então funcionava durante a tecnologia e a magia. Infelizmente,
ele não funcionava muito bem.

O motor pegou na quarta tentativa. Eu saltei e saí do estacionamento,


juntando-me a um fluxo constante de cavaleiros e carros em direção ao
oeste. O meu foi o único transporte livre de cascos na rua. O resto consistia
em cavalos, mulas, burros e bois.

A cidade estava em ruínas. Montões de escombros empoeirados e


pequenas montanhas de vidro quebrado marcavam a localização de
edifícios de escritórios, uma vez majestosos, reduzidos a pó por garras
implacáveis da magia. Atlanta cresceu ao redor deles. Novos edifícios de
apartamentos, construídos à mão em vez de máquina, brotavam sobre as
carcaças dos antigos. As pontes de pedra e madeira atravessavam as fendas
abertas de passagens desmoronadas. Pequenas barracas e mercados
abertos substituíram o Wal-Mart e o Kroger5. A velha Atlanta poderia ter
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Kroger, É a maior rede de supermercados dos Estados Unidos

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caído como o tronco de uma grande árvore atingida por um raio, mas suas
raízes eram muito fortes para morrer.

Eu gostava da cidade. Eu não nasci aqui, nem vim a Atlanta por


escolha, mas agora a cidade era meu território. Eu andei por suas ruas,
experimentei seus aromas e a ouvi respirar. Atlanta não tinha certeza de
mim. Ele tentou me matar de vez em quando, mas eu estava confiante de
que chegaríamos a um entendimento eventualmente.

Quarenta minutos depois, virei na estrada principal sobre a avenida


James Jackson e a segui em torno da curva para a auto-estrada do Abutre.
Quando a magia subia, inundava profundamente esta parte da cidade.
Árvores altas flanqueavam a estrada, enormes pinheiros e cornisos6, ainda
verdes apesar do Outubro eminente. Uma placa de metal retorcida
deslizava: as letras brancas anunciavam SOUTH COBB DRIVE, mas
cobertas por ABUTRE rabiscado com tinta preta. Os sinos de vento
pálidos, feitos de crânios e vísceras de abutres, pendiam dos galhos das
árvores ofuscando a estrada. Uma recepção alegre. Não tenho certeza do
que eles estavam tentando me dizer. Meu Deus, poderia ser algum tipo de
aviso?

Meu Jeep deslizou por uma antiga ponte sobre o rio Chattahoochee.
Os mapas antigos alegavam que, em direção ao norte, me levaria a Smyrna
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O Cornus mas (também conhecida como corniso), é uma espécie de planta pertencente ao género
Cornus, conhecida pelos seus frutos semelhantes a cerejas. É nativa do sul da Europa, Mediterrâneo e sudoeste
asiático.

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e virando a sudoeste, me levaria a Mableton, mas nenhum deles existia


mais.

Atravessei a ponte e puxei para o lado da estrada. Uma vasta rede de


barrancos estava diante de mim. Estreitos, torcidos, com centenas de
metros de profundidade, embora a maioria fosse superficial, eles se
entrelaçavam e se separavam, como túneis de um cupim gigante. Aqui e
ali, remanescentes dos antigos edifícios empoleirados, a meio caminho das
encostas, flanqueados por escovas doentias. Uma rodovia atravessava os
desfiladeiros, subindo ao alto das falésias, interrompida com fragmentos
de madeira da ponte. Acima de tudo, os abutres de asas negras deslizavam
sobre as correntes aéreas.

Os habitantes locais o chamavam de Arranhões, porque de cima, o


lugar parecia que um abutre gigante havia arranhado o chão. Os Arranhões
surgiram após o primeiro Flare7, quando a magia voltou ao mundo em uma
onda de desastres e morte de três dias. Com cada onda mágica, as ravinas
cresciam um pouco mais profundamente.

Para o sul, os Arranhões se uniram em um desfiladeiro que


eventualmente se tornou Honeycomb Gap8, outro ponto mágico infernal. A
própria rodovia servia como o local favorito para fazer corridas para
delinquentes juvenis idiotas.
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Flare – significa um alargamento, dilatação, erupção.
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Honeycomb – significa favo de mel e Gap e lacuna

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Em algum lugar nesta bagunça de solo e do ar estava o meu cinco-


verde, o metamorfo em perigo. Espero que ainda esteja vivo e ostentando
uma cauda chamuscada.

Atlanta abrigava uma das maiores sociedades de metamorfos do país.


O Bando, como era conhecido, contava com mais de mil e quinhentos
membros, subdivididos em sete clãs de acordo com suas formas animais.
Um casal alfa governava cada clã. Os catorze Alfas formavam o Conselho
do Bando, presidido por Curran, o Senhor das Feras Livres de Atlanta.
Curran exercia um poder inacreditável e a autoridade final. Ele era o Alfa.

Para entender o Bando, era preciso entender os metamorfos. Pegos na


encruzilhada entre animal e humano, eles poderiam ceder a qualquer um.
Aqueles que se renderam ao lado animal começavam a descida catastrófica
ao delírio. Eles se deleitavam em perversão e crueldade e se fartaram na
carne humana, estuprando e assassinando até que pessoas como eu os
derrube como cães raivosos. Eles foram chamados de loups, e eram mortos
assim que foram descobertos.

Para permanecer humano, um metamorfo tinha de viver sua vida de


acordo com um regime mental muito rigoroso, detalhado no Código, um
livro de regras, que presava a disciplina, lealdade, obediência e restrição.
Um metamorfo não conhecia nenhuma chamada maior do que servir ao
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Bando e Curran e seu Conselho tomou a ideia de serviço um passo adiante.


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Todos os metamorfos eram submetidos a treinamento de artes


marciais, tanto como indivíduos quanto em esquadrões. Todos aprendiam

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a canalizar sua agressividade, para lidar com ser baleado com balas de
prata, para usar armas e armas de fogo. Juntamente com seus números,
sua disciplina rigorosa e seu alto grau de organização, ter o Bando na
cidade era como morar ao lado de mil e quinhentos assassinos profissionais
com sentidos aprimorados, força sobrenatural e poder de regeneração.

A Ordem achou a presença do Bando muito preocupante. Os


metamorfos não confiavam na Ordem, e com razão—os cavaleiros viam
cada metamorfo como um monstro esperando por acontecer. Até agora
Kate era a única agente da Ordem que conseguiu ganhar a sua confiança,
e eles preferiam lidar exclusivamente com ela. Conseguir um metamorfo
livre de uma situação seria um longo caminho para melhorar minha
posição com ambas as organizações. Pelo menos no papel.

Coloquei o carro no estacionamento e caminhei contra o vento nele.


Difícil de cheirar qualquer coisa com os gases de escape chamuscando o
interior do meu nariz. Teddy Jo provavelmente exagerou o tamanho do
cachorro—as testemunhas oculares costumavam fazer—mas, mesmo que
fosse tão grande quanto "uma casa normal", encontrá-lo no labirinto das
ravinas seria complicado. A rodovia não corria em linha reta. Virava e se
dividia em estradas menores, metade das quais não levava a lugar nenhum.
A outra metade acabava se juntando no Abutre.
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Eu me agachei na beira do barranco e deixei as correntes de ar me


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contarem uma história. Um toque de podridão doentiamente doce de carne


em decomposição e o estranho fedor e ligeiramente oleoso de abutres

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comendo. Urina de dois gatos selvagens desfrutando de um pouco de


pulverização competitiva sobre as marcas do outro. Um desagradável
azedume de um gambá distante. O cheiro de fósforos queimados.

Fiz uma pausa. Dióxido de enxofre. Um pouco disso, também. Era o


único cheiro que não se encaixava aos odores usuais da vida animal. Voltei
ao Jeep e segui cheiro de fósforos para o norte. Tinha momentos em que
meu eu secreto era útil.

O fedor de fogo e enxofre ficou mais forte. Um grunhido baixo rolou


através do barranco abaixo, se dissolvendo em um ofegar úmido, seguido
de uivos frustrados sobrepostos, como se vários cães tivessem gemido em
uníssono. Guiei o Jeep ao longo da borda do barranco e olhei para baixo.
Nada. Sem cachorros gigantes, apenas um espaço raso de sete metros e
meio com um pouco de escassos arbustos e lixo no fundo. Um refrigerador
oxidado quebrado. Os restos de um sofá. Panelas multi-coloridas cheias de
sujeira. Uma casa aparentemente havia sido jogada para baixo na encosta
e agora estava empoleirada em um monte arruinado na borda, onde o
desfiladeiro virou para a esquerda.

Um rosnado entusiasmado retumbou através dos Arranhões, o som


primordial e profundo de uma enorme besta em perseguição. Os pêlos do
meu pescoço se arrepiaram. Pisei nos freios, deslizei o Weatherby do
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assento e saltei, ficando em posição na borda. Uma forma desgrenhada


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explodiu em torno da curva do barranco. Cor de açafrão com uma pitada

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de manchas escuras em suas costas inclinadas, o animal voou sobre o lixo,


os músculos de seus poderosos membros dianteiros bombeando com força.

Um bouda. Merda.

O werehiena9 me viu. Um cacarejo de riso aterrorizado e trêmulo


explodiu de seu focinho.

Por favor não seja Raphael. Por favor não seja Raphael. Por favor ...

O bouda virou em direção a mim, mudando no meio do caminho. Seu


corpo estalou, torcendo como uma boneca quebrada. Os ossos empurram
para fora da carne, os músculos deslizando os novos membros poderosos,
um peito esculpido e um torso humanoide. As mandíbulas da fera
explodiram, crescendo de forma desproporcional, o rosto achatado em
uma aparência grotesca de humano, suas patas dianteiras esticadas em
mãos que poderiam envolver toda a minha cabeça. Um bouda em forma
de guerreiro, um monstro a meio caminho entre hiena e homem. Para um
metamorfo assumir esta forma era uma vitória, torná-la proporcional era
uma conquista e falar alguma coisa era uma arte. A mandíbula do
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Werehyena (Homem-Hiena) é uma criatura resultante da transformação de um homem em hiena. Na língua Kanuri
do Império de Bornu, na região do Lago Chade, Werehyenas foram chamados de "Bultungin" ("Eu me transformo em uma hiena").
Tradicionalmente, acreditava-se que uma ou duas das aldeias da região eram povoadas inteiramente por Bultungin. Os etíopes
tradicionalmente acreditavam que os ferreiros eram realmente magos ou bruxas que poderiam se transformar em hienas.

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werehiena ficaram abertas, exibindo as presas de sete centímetros e meio.


Um grito horripilante rasgou-se dele.

— Afaste-se, Andrea! Dirija!

Raphael. Merda.

— Não entre em pânico. —Eu avistei a curva através do escopo.10 —


Eu tenho isso sob controle. —Uma coisa que enviaria um bouda em forma
de guerreiro correndo, especialmente um tão louco e letal como Raphael,
era para ser tratado com respeito. Felizmente, o Weatherby entregava o
respeito em um cartucho Magnum. Parava um rinoceronte em pleno
galope. Ele com certeza iria lidar com um cão enorme.

O chão tremeu como se levasse golpes de um martelo gigante. O lixo


no chão do desfiladeiro pulou no lugar.

Uma coisa colossal explodiu em torno da curva, quase nivelada com


a parede do barranco. Vermelho-sangue e maciça, deslizou no lixo e caiu
na curva. O impacto sacudiu a inclinação. Os restos de uma casa tremeram
e deslizaram para baixo em uma chuva de tijolos, saltando das três cabeças
caninas da criatura. Um cão de três cabeças de seis metros de altura. Uau! Isto
era possivelmente a coisa mais legal que eu já tinha visto pela mira de um
rifle.
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Escopo, e o ponto em que se mira, um alvo

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O cão se sacudiu, jogando os entulhos de sua pele. Grosso, com peito


largo, construído como um mastín italiano11, ele se apoiava no chão com
quatro patas maciças e atacou Raphael. Atrás dele, uma cauda longa
chicoteava, a farpa em sua extremidade em forma de cabeça de cobra. As
bocas de suas três cabeças ficaram abertas, exibindo os caninos brilhando
maiores do que meu antebraço. Três línguas bifurcadas serpentinas saíram
quando ele trovejou para nós, arremessando espuma entre os dentes
horríveis. As gotas de baba, cada uma grande o suficiente para encher um
balde, acendiam-se no ar.

Era construído muito grosso. A bala não podia penetrar. No entanto,


eu não tinha necessidade de matá-lo. Só tinha que atrasá-lo tempo
suficiente para que o cabeça oca chegasse até mim. Avistei o focinho da
cabeça do centro. O tiro no nariz proporcionaria a máxima dor.

— Corra, maldita seja! —Raphael uivou, subindo a inclinação em


minha direção.

— Não há nenhuma necessidade de gritar. —A emoção me


impulsionou, a antiga emoção de um caçador visando sua presa. O nariz
escuro da besta dançou no meu escopo.

Estável. Aponte. Respire. Você tem tempo.


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11 Mastín Italiano ou Mastiff

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Um rosnado triplo veio das três cabeças.

Suavemente, lentamente, eu apertei o gatilho.

A Weatherby cuspiu um trovão. O recuo me deu um soco no ombro.

A cabeça do meio do cão recuou. Mirei a Weatherby e atirei mais duas


rodadas. Mirei e disparei novamente. A cabeça do meio caiu. A besta
grunhiu e gritou com dor. Perfeito. A Weatherby ganha novamente.

Em um salto desesperado, Raphael lançou-se na encosta em minha


direção. Peguei seu braço e o levantei. Nós corremos para o Jeep. Fui para
o banco do motorista, Raphael no passageiro e pisei fundo no acelerador.
Um uivo de pura frustração abalou a rodovia.

No espelho retrovisor, o cão saiu do barranco como se tivesse asas e


pousou na estrada atrás de nós.

— Mais rápido! —Raphael rosnou.

Eu dirigi, espremendo até a última gota para fora do velho motor do


Jeep. Atravessamos a rodovia a uma velocidade vertiginosa. O cão deu
perseguição com um uivo triunfante que abalou a terra debaixo das rodas
do carro. Ele fechou a distância entre nós em três grandes saltos e
curvando-se para baixo do carro, sua boca se abriu. O hálito fétido,
corrosivo me cercou. Raphael levantou-se e grunhiu para trás, seu pêlo
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eriçando. Baba queimada atingiu o banco de trás, queimando o


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estofamento em um cheiro acre de sintéticos derretidos.

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Eu desviei, levando a uma guinada repentina para uma ponte de


madeira e quase mandando o Jeep fora da borda para um fosso.
Monstruosos dentes passaram a centímetros do banco de trás.

O cachorro rosnou. No espelho retrovisor, vi seus músculos se


contraindo enquanto se preparava para um salto. Na minha frente, a
estrada do Abutre corria as ravinas reta e estreita, em ambos os lados.
Nenhum lugar para ir. É isso aí, estamos acabados.

Dentro de mim, um animal arranhou minha carne, tentando sair da


minha pele. Eu cerrei os dentes e permaneci humana.

O cão saltou. Seu enorme corpo voou em direção a nós e depois se


afastou para trás, como se tivesse sido puxado por uma coleira invisível,
atingindo seu comprimento total. O gigante canino caiu, suas patas
acenando desajeitadamente no ar. No espelho retrovisor, eu o vi se
levantar. Seu latido ecoou através dos Arranhões. O cachorro latiu
novamente, choramingou e saltou de volta para o barranco.

Desacelerei a velocidade que me deixaria dar uma volta sem nos


enviar em uma morte ardente no desfiladeiro abaixo.

— Você! Explique!

No banco ao meu lado, Raphael estremeceu. Pêlo derreteu em pele


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humana lisa, sobre um corpo muito bonito. Cabelo preto carvão


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derramaram-se da cabeça para os ombros. Ele olhou para mim com olhos
azuis fumegantes, sorriu e desmaiou.

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— Raphael?

Fora o frio. Com a magia baixa, a mudança de forma tomou muito


esforço e, combinada com a tensão daquela corrida, o Lyc-V, o vírus
metamorfo, tinha o colocado em um descanso.

Eu rosnei sob minha respiração. Claro, ele poderia ter ficado


consciente ou ele não teria mudado para humano. Mas ele sabia que se
mudasse de forma, desmaiaria no assento ao meu lado, nu, e eu seria
forçada a olhar para ele até que dormisse. Ele tinha feito isso de propósito.
O Bouda Casanova ataca novamente. Estava ficando cansada de sua
perseguição ridícula.

Dez minutos depois, parei em um posto Shell abandonado e estacionei


sob o telhado de concreto protegendo as bombas.

Eu abracei meu rifle e ouvi. Nenhum grunhido. Sem rosnados.


Estávamos a salvo.

Meu coração martelava. Eu provei um gosto amargo em minha língua


e apertei os olhos fechados. Uma reação retardada ao estresse, nada mais.

No meu interior, meu eu secreto dançou e gritou de frustração.


Acorrentei-o. No controle. No final era tudo sobre controle. Eu tinha
aprendido a impor minha vontade sobre meu corpo na infância—era isso
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ou a morte—e anos de condicionamento mental na Academia da Ordem


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tinham reforçado meu controle.

Respire. Outra respiração.

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Calma.

Gradualmente, a parte bestial em mim se estabeleceu. É isso aí. Relaxe.


Bom.

Todos os metamorfos lutaram com sua fera interior. Infelizmente, eu


não era uma metamorfo qualquer. Meus problemas eram muito mais
complicados. E a presença de Raphael só iria agravá-los. Raphael ficou
deitado ao meu lado, roncando levemente. Até que ele acordasse para
dizer o porquê um cão gigante de três cabeças com baba ardente estava
perseguindo-o, ele seria inútil.

Olhe para ele. Cochilando sem nenhuma preocupação no mundo,


confiante de que eu iria tomar conta dele. E eu iria. Eu conheci homens
bonitos na minha vida, alguns nascidos com características classicamente
perfeitas e o físico de Davi de Michelangelo12. Raphael não era um desses
homens, e, no entanto, deixava todos no pó.

Ele tinha suas boas qualidades: a pele bronzeada, o maxilar forte, a


boca bem sensual. Mas seu rosto era muito estreito. Seu nariz era muito
longo. E ainda quando ele olhava para as mulheres com aqueles olhos
azuis escuros, elas perdiam todo o bom senso e atiravam-se para ele. Seu
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Página

12 David ou Davi é uma das esculturas mais famosas do artista renascentista Michelangelo. O trabalho retrata o herói
bíblico com realismo anatômico impressionante, sendo considerada uma das mais importantes obras do Renascimento. A escultura
encontra-se em Florença, Itália, cidade que originalmente encomendou a obra.

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rosto era tão interessante e assim ... carnal. Não havia nenhuma outra
palavra para isso. Raphael era rigidamente controlado, sensualidade viril,
calor cozinhando a fogo baixo, logo abaixo da superfície de sua pele
morena.

E o corpo dele tirava meu fôlego. Ele era magro, com definição nítida,
proporcional e perfeito com peito largo, quadris estreitos e membros
longos. Meu olhar mergulhou entre suas pernas. E dotado como um
cavalo.

Ele tinha sido gentil para mim, mais gentil do que eu provavelmente
merecia. A primeira vez, quando meu corpo me traiu, ele e sua mãe, Tia
B, salvaram minha vida, guiando-me de volta à minha forma. A segunda
vez, quando minhas costas foram perfuradas por pontas de prata, ele me
segurou e falou comigo empurrando-os para fora do meu corpo. Quando
pensava nesses momentos, percebia sua ternura e queria muito acreditar
que fosse genuíno.

Infelizmente, ele também era um bouda. Eles tinham um ditado sobre


were-hienas: 14-80, cegos, aleijados, loucos. Boudas fariam qualquer coisa.
Eu tinha testemunhado isso de primeira mão. Monogamia não estava no
seu vocabulário. Raphael tinha visto o verdadeiro eu e ele nunca se
deparou com ninguém semelhante. Para ele, eu era o TWT-IHFB.13
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13 That Weird Thing I Haven't Fucked Before (literalmente o que ela diz, algo que não fodi antes)

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Essa coisa estranha que eu não fodi antes ...

Quanto mais pensava sobre isso, mais louca eu ficava. Ele poderia
falar na forma de guerreiro muito bem. Se estivesse acordado, eu já teria
obtido toda a explicação dele. Sem mencionar que, se algo nos atacasse,
seria deixada para defender um homem desmaiado que me ultrapassava
em cerca de quarenta quilos. O que exatamente eu ia fazer com ele? Ele
esperava que eu ficasse suspirando pesadamente enquanto admirava seu
corpo nu? Ou talvez eu deveria tirar proveito da situação?

Alcancei o compartimento do porta-luvas e peguei uma caneta. Se


aproveitar da situação não parecia tão ruim assim.

COCOCOC
Uma hora mais tarde Raphael se esticou e abriu os olhos. Seus
lábios se enrolaram em um sorriso fácil. — Ei. Agora, essa é uma bela visão
para acordar.

Eu nivelei meu SIG-Sauer para ele. — Diga-me porque o cachorrinho


agradável estava perseguindo você.

Ele enrugou o nariz e tocou sua boca. — Há algo nos meus lábios?
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Sim, há. — Raphael concentre-se! Eu sei que é difícil para você, mas
tente permanecer no alvo. Explique o cachorro.
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Conto 3.5

Ele lambeu os lábios e os meus pensamentos foram para o sul. Andrea,


concentre-se! Tente ficar no alvo.

Raphael lembrou-se de parecer legal e se recostou, apresentando-me


com a visão de um peito espetacular.

— É complicado ...

— Me teste. Primeiro, o que você está fazendo aqui? Você não deveria
estar arrastando rochas gigantes agora mesmo? —Há seis semanas, muitos
de nós entramos nos Jogos da Meia-noite, um torneio de luta ilegal até a
morte. Nós fizemos isso para evitar uma guerra contra o Bando. A Ordem
e Curran, o Senhor das Feras, reprovaram essa ocorrência. Como
resultado, Kate estava de licença médica, e o Senhor das Feras, que tinha
realmente acabado participando do torneio com a gente, tinha condenado
os outros metamorfos envolvidos a várias semanas de trabalho árduo,
construindo um anexo a fortaleza do Bando.

— Curran me liberou devido a problemas familiares, —disse Raphael.

Não era bom. — O que aconteceu?

— O companheiro de minha mãe morreu.

Meu coração saltou. Tia B era ... Ela era gentil. Ela salvou minha vida
uma vez e manteve meu segredo para ela mesma. Eu devia tudo a ela. E
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mesmo que não o fizesse, não senti nada além de respeito por ela. Entre os
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boudas, como na natureza entre as hienas, as mulheres governavam. Elas


eram mais agressivas, mais cruéis e mais alfa. A Tia B era tudo isso, mas

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Conto 3.5

também era justa e inteligente e não tolerava qualquer absurdo. Quando


você é o alfa de um clã bouda, você tem muita bobagem atirada em você.
Se eu crescesse sob a tutela de Tia B em vez das cadelas que governaram
minha infância, talvez não estivesse tão bagunçada.

— Eu sinto muito.

— Obrigado, —disse Raphael e desviou o olhar.

— Como ela está lidando?

— Não tão bem. Ele era um homem muito legal. Eu gostava dele.

— O que aconteceu?

— Ataque cardíaco. Foi rápido.

Metamorfos quase nunca morriam de complicações cardíacas. — Ele


era humano?

Raphael assentiu. — Eles estavam juntos há quase dez anos. Ela o


conheceu logo depois que meu pai morreu. O enterro foi marcado para
sexta-feira. Alguém roubou seu corpo da casa funerária. —Um grunhido
baixo atropelou suas palavras. — Minha mãe não pôde se despedir. Ela
não conseguiu enterrá-lo.

Oh Deus. Apertei meus dentes. — Quem pegou o corpo?


27

O rosto de Raphael tornou-se sombrio. — Eu não sei. Mas vou


Página

descobrir.

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Conto 3.5

— Eu quero entrar nisso. Eu devo a sua mãe. —Tia B tinha o direito


de enterrar seu companheiro. Ou enterrar quem levou o corpo de seu
companheiro. Ambos funcionavam para mim.

Ele fez uma careta. — Você sentiu o cheiro de enxofre?

Eu assenti. — É o cachorro.

— Sim. Peguei esse cheiro na funerária e segui-o aqui. Havia algo mais
embaixo disso, mas o cheiro do cão é tão forte, afoga todo a resto. —
Raphael me deu um olhar duro.

Eu gesticulei com os dedos. — Diga.

— Eu pensei que cheirava a um vampiro.

Um gigante cão de três cabeças era uma má notícia. Um vampiro era


muito, muito pior ... O patógeno Immortuus, a doença bacteriana
responsável pelo vampirismo, matava sua vítima. Os vampiros não tinham
ego, sem consciência, sem capacidade de raciocinar. Eles tinham a
capacidade mental de uma barata. Governados pela insaciável sede de
sangue, eles matavam tudo o que sangrasse. Se deixados à própria sorte,
eles iriam eliminar a vida na terra e então se canibalizar. Mas suas mentes
vazias o faziam um veículo perfeito para a vontade de um navegador, um
necromante, que pilotava um vampiro como uma marionete, vendo
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através de seus olhos e ouvindo com seus ouvidos. Necromantes vinham


Página

em diversas variedades, os mais hábeis eram chamados de mestres dos

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Conto 3.5

mortos. Um vampiro pilotado por um mestre dos mortos poderia destruir


um pelotão de militares treinados em segundos.

E noventa e nove por cento dos mestres dos mortos eram membros da
Nação. A Nação era ruim, más notícias. Criados como uma corporação,
eles eram organizados, ricos e especialistas em todas as coisas
necromânticas. E muito poderosos.

— Você acha que a Nação roubou o corpo?

— Eu não sei. —Raphael encolheu os ombros. — Eu pensei em


investigar, antes de saltar com os dois pés.

— Eu não me importo. Você se importa?

— Porra, não. —Os olhos de Raphael brilharam, fazendo-o parecer


um tanto perturbado.

— Então estamos de acordo.

Nós assentimos um para o outro.

— Então você rastreou o perfume de enxofre até aqui, e então o que?


—Eu perguntei.

— Eu encontrei Fido. Ele me perseguiu em uma fenda. Fiquei sentado


lá por cerca de uma hora ou mais, e então ele se afastou e eu corri para o
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outro lado. Aparentemente, ele não se afastou o suficiente. Que tipo de


Página

criatura é Fido, aliás?

— Eu não faço ideia.

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Conto 3.5

Todo o meu treinamento havia sido em aplicações contemporâneas


de magia. Eu poderia recitar o biociclo vampírico de cabeça, diagnosticar
o loupismo em estágios iniciais, identificar corretamente o tipo de
pyromagic14 usado no padrão de queimadura, mas me dê uma criatura
estranha e terei um espaço em branco completo.

— Quem saberia? —Raphael perguntou.

Nós olhamos um para o outro e dissemos em uníssono, — Kate.

Kate tinha uma mente como uma armadilha de aço, e ela puxava
absurdamente um fato mitológico obscuro de seus cabelos. Se ela não
soubesse alguma coisa, saberia quem poderia. Puxei o celular para fora do
porta-luvas. Havia apenas uma rede celular operacional. Pertencia aos
militares e como um cavaleiro da Ordem e um oficial da paz, eu tinha
acesso.

Olhei para o telefone.

— Esqueceu o número? —Raphael perguntou.

— Não. Pensando em como dizer isso. Se eu disser algo errado, ela


estará correndo para a linha ley em minutos. —Kate nunca conheceu uma
pessoa que ela não quisesse proteger, de preferência ao fatiar as ameaças
hostis com a espada. Mas Kate também era humana e precisava de
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descanso.
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Pyromagic – significa magia do fogo

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Raphael me lançou um sorriso deslumbrante. Meu coração pulou uma


batida.

— Poderia ser porque você quer algum tempo sozinha comigo?

Liberei a trava da minha arma. Ele levantou as palmas das mãos para
cima, ainda sorrindo como um idiota. Coloquei a trava de volta e disquei
o número.

— Kate Daniels. —A voz da minha melhor amiga encheu meu ouvido.

— Ei, sou eu. Como está seu estômago?

— Parou de doer. Está tudo bem?

— Eu preciso da ID15 de um cachorro de seis metros de altura, três


cabeças, com cabelo vermelho-sangue e que cospe fogo. —Isso aí,
rotineiro, casual, negócios como sempre, me deparo com cachorros
gigantes de três cabeças todos os dias ...

Um pequeno silêncio encheu o telefone.

— Está tudo bem? —Perguntou ela.

— Tudo está bem, —assegurei a ela, sorrindo alegremente para o


telefone, como se ela pudesse me ver. — Só preciso de uma ID.
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— Será que a cauda parece com uma cobra?


Página

15
ID – idendidade, ou identificação

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Eu considerei a cauda longa e chicoteada com uma lâmina no final.


— Algo do tipo.

— Você está no escritório?

— Não, estou no nosso Jeep, no campo.

— Olhe sob o assento do passageiro em uma caixa de plástico preto. Deve


haver um livro.

Raphael se levantou, cavou sob o assento e tirou uma cópia do


Almanaque das Criaturas Místicas.

— Consegui, —disse no telefone.

— Página setenta e seis.

Raphael abriu o livro e folheou. Na página esquerda uma litografia


mostrou um cão de três cabeças com uma serpente como uma cauda. A
legenda sob a imagem dizia CERBERUS16.

— É seu cachorro? —Kate perguntou.

— Pode ser. Como diabos você sabia a página exata?

— Eu tenho uma memória perfeita!


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Página

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Cerberus

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Eu bufei.

Ela suspirou no telefone. — Derramei café nessa página e tive que deixar
o livro aberto para secá-lo. Ela sempre abre nessa página agora.

Eu examinei o cachorro. — Definitivamente, parece semelhante. O


nosso era maior.

— Nosso? Quem está aí com você?

— Raphael.

A voz de Kate estalou. — Eu estarei em Atlanta em três horas. Onde


você está?

— Eu disse que não é nada importante.

— Besteira. Você não trabalharia com Raphael, a menos que o Apocalipse


fosse iminente e essa fosse a única maneira de preveni-lo.

Raphael colocou as mãos sobre o rosto e se curvou, fazendo sons


sufocantes que pareciam um riso muito suspeito.

— Ha. Ha. Ha, —eu rosnei. — Estamos completamente bem por


conta própria, muito obrigada. Se você quiser ajudar, conte-me mais
sobre Cerberus.
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— Ele pertence à Hades, deus do submundo grego, onde as almas passam


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a vida após a morte. Sua principal função é proteger a entrada da frente. Além

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disso, Hades ocasionalmente o envia em uma missão, de acordo com os mitos.


Ele deveria odiar a luz solar.

— Este não teve problemas com o sol. Você pode pensar em


qualquer motivo que ele possa se manifestar?

— Bem, uma impureza do santuário de Hades pode fazê-lo. Mas Hades


não teve santuários. Os gregos antigos tinham medo de morrer nele. Eles
desviavam seus rostos quando faziam oferendas a Hades. Eles se recusavam a
dizer seu nome. Então não tenho certeza.

— Obrigada.

— Você tem certeza de que não precisa de mim?

— Positivo.

— Chame-me se precisar de alguma coisa.

Eu desliguei e olhei Raphael. — O companheiro da sua mãe, qual era


o nome dele?

— Alex Doulos.

— Ele era um pagão grego?

O rosto de Raphael torceu em uma careta. — Eu não faço ideia. Isso


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nunca surgiu. Tivemos um relacionamento cuidadoso. Ele não tentou ser


Página

meu pai e eu não tentei ser seu filho. Nós nos encontramos em jantares de

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férias e falamos sobre esportes principalmente. Era um tópico seguro. O


que você está pensando?

Eu balancei minha cabeça. — Estou tentando muito não pensar nada.


Estou apenas coletando dados neste momento. Você viu o jeito que Fido
caiu?

— Como se estivesse em uma correia e ela acabasse. —Raphael batia


um ritmo rápido no painel.

— Provavelmente significa que ele está vinculado de alguma forma a


uma área específica. Eu acho que devemos ir e verificar isso.

— Estou dentro. —Raphael estremeceu. — Eu suponho que você não


tenha roupas extras?

— Você deveria ter pensado em roupas antes de decidir se tornar


humano.

O sorriso pecaminoso estava de volta. — Sempre sonhei estar nu com


você. Não podia perder a chance.

Liguei o Jeep. — Você poderia ficar mais cheio de si mesmo?

— Estou mais interessado em deixar você cheia de mim.

A visão de estar cheia de Raphael passou por meu cérebro, dando


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curto-circuito no pensamento racional. — Falando nisso, há algo em seus


Página

lábios. Por que você não usa aquele espelho lateral lá para verificar isso?

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Ele olhou no espelho lateral fixamente, com a boca aberta. Seus lábios
eram negros sólidos. Uma grossa linha preta delineava seus olhos
profundos e uma pequena lágrima negra escorria do olho esquerdo. Ele
tocou sua bochecha, esticando a pele para examinar melhor a lágrima, seu
rosto uma máscara plana, olhou para mim e explodiu em risos.

COCOCOC
Estava em cima do capô do Jeep e lentamente varri a vasta rede

de barrancos com os binóculos. O Jeep ficou numa beirada de uma brecha


superficial, logo além do local onde Cerberus quase mordeu o banco
traseiro. Raphael, ainda gloriosamente nu, sentou-se no assento do
passageiro e arrancou trivialidades aleatórias relacionadas ao Hades do
livro.

— Um cara divertido, esse Hades. Aparentemente, ele raptou sua


esposa.

— As coisas eram muito mais simples na Grécia antiga, se você fosse


um deus. Tenho certeza de que ele também tomou um harém de amantes.
—O vento circulou com os aromas de Raphael: o almíscar leve do suor, o
delicioso tom de sua pele ... Eu estava tendo problemas para me concentrar.
36

— Não, —disse Raphael, virando uma página. — Na verdade, Hades


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não transou por aí. Sua esposa era filha de Demeter, deusa da juventude,
fertilidade e colheita. Depois que Hades roubou Persephone, Demeter se

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recusou a deixar as plantas crescerem, matando de fome a todos, e eles


tiveram que chegar a um acordo. Persephone passaria metade do ano com
ele e metade com a mãe. O cara só a teve por seis meses no ano, e ele ainda
permaneceu fiel. Isso deve ser um doce sexo.

Peguei os binóculos para poder rolar meus olhos. — Você já pensou


em algo além de sexo?

— Sim, eu penso. Às vezes eu penso em acordar ao seu lado. Ou fazer


você rir.

Eu estava começando a me arrepender disso.

— Claro, eu ocasionalmente fico com fome ... —ele adicionou. — E


frio.

Uma mancha branca chamou minha atenção. Ajustei os binóculos.


Uma casa. Uma colonial de dois andares, aparentemente intacta, no fundo
de um barranco. Eu só podia ver o telhado e uma pequena fatia da parte
superior.

Interessante.

— Kate estava certa: os gregos viviam com medo desse cara. Em vez de
falar seu nome, eles o chamaram de O Grande, O Notório, O Governante
de Muitos, e assim por diante. Apesar de sua disposição ácida, ele era
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considerado um deus justo. A maneira certa de irritar Hades era roubar


Página

uma das sombras—almas—de seu reino ou de alguma forma evitar a

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morte. Este cara, Sísifo17, aparentemente acabou com uma saída da morte
um par de vezes, e Hades o teve e o fez arrastar uma rocha enorme até uma
montanha. Toda vez que Sísifo quase chegava ao topo, o pedregulho
rolava e ele tinha que fazer tudo outra vez. Assim, o termo ‘tarefa de Sísifo’.
Huh. Nunca soube de onde veio.

Ele me mostrou uma página. Nela, um homem e uma mulher


sentavam-se lado a lado em tronos simples. A um lado do par estava
Cerberus. No outro, um anjo com asas negras e uma espada flamejante.

— Quem é aquele?

— Thanatos. Anjo da Morte.

— Não sabia que os gregos tinham anjos. —Voltei a olhar para a casa.
E apenas a tempo, também. Cerberus trotou do barranco para a esquerda
da casa. Mal podia ver suas costas. Ele passou pelo prédio e começou a
circular.

— Eu vejo uma casa, —eu disse.

Raphael ficou ao meu lado com uma agilidade desumana. Passei os


binóculos para ele e ele se esticou, quase trinta centímetros mais alto do
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Página

17
Na mitologia grega, Sísifo, filho do rei Éolo, da Tessália, e Enarete, era considerado o mais astuto de todos
os mortais. Foi o fundador e primeiro rei de Éfira, depois chamada Corinto, onde governou por diversos anos.

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que eu. Ficar ao lado dele era uma provação, seus aromas cantavam
através de mim, o calor do seu corpo percorreu minhas roupas, e sua pele
praticamente brilhava. Tudo sobre ele dizia "companheiro" para mim. Não
era racional. Era o animal, e eu tinha que ser melhor do que isso.

— Eu vou ser condenado, —ele disse suavemente. — Aqui está Fido.


Dando voltas e voltas. Pergunto-me o que há naquela casa?

— Eu me pergunto por que ele não entra e consegue o que quer que
seja.

— Eu acho que devemos descobrir. Andrea?

— Sim? —Eu queria que ele parasse de dizer meu nome.

— Por que seus olhos estão fechados?

Porque você está de pé ao meu lado. — Isso me ajuda a pensar.

Senti o calor me lavar e sabia que ele se inclinou para mim. Sua voz
era uma suave brincadeira masculina, inteiramente íntima. — Eu pensei
que você estava tentando não pensar.

Abri os olhos e encontrei o azul profundo das suas íris ao meu lado.
Levantei meu dedo indicador e empurrei seu peito. Ele deslizou no capô
do Jeep, distorcido pelo motor de água carregada embaixo, e teve que
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pular, aterrissando com a graça de um ginasta no chão.


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— Espaço pessoal, —eu disse a ele. — Eu protejo o meu.

Ele simplesmente sorriu.

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— Como vamos chegar à casa com o cachorro fazendo círculos de


tubarão ao redor dele? —Perguntei.

— Fido não enxerga bem, —disse Raphael. — Demorou um tempo


para encontrar a fenda onde eu estava escondido antes, e ele teve que me
cheirar. Nós enganamos seu nariz ao encobrir nosso aroma, e
provavelmente podemos chegar perto o suficiente.

— E como você se propõe a fazer isso?

— A maneira antiquada.

Suspirei. — Qual seria?

Raphael balançou a cabeça. — Você realmente não sabe?

— Não, eu não.

Ele afastou-se para o lado e mergulhou em um barranco. Esperei por


alguns minutos, e ele emergiu, carregando dois objetos escuros, e jogou um
deles para mim. Reflexivamente eu peguei mesmo quando o cheiro
chicoteou minhas narinas. Um gato morto e meio decomposto.

— Você está louco?

— Algumas pessoas rolam nisso. —Ele pegou a carcaça do cão e a


rasgou no meio. Suas tripas derramaram. Ele os sacudiu. — Eu prefiro
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arrancá-los e amarrar pedaços em mim mesmo. Mas se você preferir


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esfregar tudo sobre sua pele, também pode fazer isso.

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Todas as minhas fantasias de tocá-lo evaporaram no ar com um


pequeno pop.

— Caçando um-a-um, —disse ele. — O seu bando nunca fez caçadas


no Texas?

— Não. Eu não estava nesse tipo de bando. —E eu tinha lutado o meu


caminho para sair da sociedade de metamorfos antes que fosse tarde
demais.

Meu rosto deve ter mostrado minhas memórias, porque ele fez uma
pausa. — Tão ruim assim?

— Eu não quero falar sobre isso.

Raphael alcançou o banco de trás e puxou um fio de corda que


mantínhamos lá. Ele desenrolou um pedaço de uns centímetros e rasgou a
corda de cânhamo18 dura como se fosse um fio de cabelo.

— Você não precisa fazer isso, —disse ele. — Eu continuo esquecendo


que você não é ...

— Não o que? Não sou normal? Não sou como você?

— ...treinou adequadamente. Eu estarei de volta em breve.


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corda de cânhamo

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Ele não era melhor do que eu. Tudo o que ele pudesse lidar, eu
também poderia lidar muito bem.

Peguei o rolo de barbante. Se eu tivesse sido uma bouda completa,


como minha mãe, eu teria gostado de todas as melhorias que o Lyc-V
trouxe, mas mesmo que eu não fosse tão forte como um metamorfo
padrão, eu poderia lidar com a maldita corda. Rasguei um pedaço, suspirei
e segurei o pedaço de gato.

— É uma coisa boa que eu sou parte da hiena, —eu murmurei,


movendo-me ao longo do fundo do barranco. Partes do cadáver do gato
pendiam de mim, estrategicamente posicionados em meus membros e
suspensos em um cordão no meu pescoço. Para um nariz humano, todos
os odores de decomposição eram semelhantes, mas, na realidade, cada
cadáver emitia seu próprio aroma específico, tal como acontecia em vida.
E essa carcaça particular cheirava a algo nauseantemente amargo. Se eu
fosse um gato, provavelmente morreria do fedor e da pura indignidade.

— Você sabe quem não consegue lidar com isso? —Raphael subiu a
encosta como uma lagartixa. — Doolittle.

— O médico do Bando? —Mesmo transportando minha Weatherby,


eu estava fora do barranco mais rápido do que ele. O que eu não consegui
igualar em força, eu fiz em agilidade e velocidade.
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— Sim. Os texugos são muito limpos. Na natureza, as raposas às vezes


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roubam as tocas de texugo se escondendo nelas e caçando por todo o lugar.

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O texugo é tão fresco, que prefere cavar uma nova toca do que limpar a
velha. Doolittle fará uma cirurgia de coração aberto se precisar, mas
entregue-lhe um pedaço de um cadáver putrefato e ele corre para as
colinas.

Um eco de um grunhido nos alcançou. Ele fechou a boca. Chegamos


à faixa auditiva do cão.

Poucos minutos depois, fomos nos arrastando na borda. Vários


barrancos convergiram aqui, formando um espaço quase largo o suficiente
para colocar um campo de futebol. A casa ficava no centro da lacuna. Dois
andares de altura, com uma fileira de colunas brancas apoiando um
telhado triangular, parecendo com duas filas de janelas bloqueadas por
persianas escuras. Sua porta dianteira preta estava fechada, assim como as
portas do porão do lado esquerdo. Uma cerca de três metros de altura
coberta com bobinas de arame farpado guardava a casa.

Enquanto observávamos, Cerberus trotou para fora do barranco. Ele


gemeu suavemente, cuspe escorrendo em ardentes aglomerados de espuma
entre as presas e avançou em direção à cerca. A cabeça esquerda esticou-
se no pescoço ofegante e cheirou a cerca. Uma faísca azul saltou do metal
para o nariz. Cerberus gritou, arranhou o chão em frustração, e afastou-se.

Cercas eletrificadas. Peculiar. Sem fios esticados para a casa, então a


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energia deve vir de dentro. Eu me concentrei e ouvi o zumbido fraco de


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um gerador.

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As portas do porão abriram-se lentamente. Algo se contorceu embaixo


delas, algo pálido. A metade direita da porta do porão caiu aberta e uma
criatura saltou para o campo aberto. Seu corpo magro, vagamente
humanoide tinha perdido todos os fios do seu cabelo e gordura. Pele
grossa, sem sangue, enrolando as cordas secas de seus músculos, todas as
costelas distintas sob sua pele curtida. Seu estômago estava duro e estriado.
Enormes garras amarelas saíam das pontas dos dedos de suas longas mãos.

Um vampiro. E onde havia um vampiro, tinha que haver um


navegador. Levantei os binóculos aos meus olhos.

O rosto do vampiro era horrível, uma máscara de morte esculpida com


características humanas desprovidas de emoção, intelecto e
autoconsciência. A criatura parou, empoleirada na borda da entrada do
porão. Abriu sua boca, mostrando lâminas gêmeas de presas amarelas,
saltou para cima e se agarrou à parede da casa como uma mosca. O
vampiro correu pela parede, ao longo do telhado escuro até a ponta branca
da chaminé, e pulou como um Papai Noel de pesadelo.

Poderíamos lidar com a cerca elétrica. Mas um vampiro seria


problemático. Não tínhamos como saber quantos deles estavam naquela
casa. Dois apresentariam um desafio. Três seria suicídio. Especialmente
com a onda mágica.
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— Andrea? —A voz de Raphael era uma suave nuvem de calor no


Página

meu ouvido.

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Olhei para ele. — O que?

— Você gostou da coisa que deixei para você?

A coisa? Oh. Metamorfos tinha um modo estranho de namoro.


Principalmente, isso envolvia provar para o seu potencial companheiro,
que podia ser furtivo e elegante enquanto entrava e saía de seu território.
Como toda a terra pertencia ao bando em geral, "território" passou a ser
definido como a potencial casa do companheiro. A maioria dos
metamorfos entrava e deixava presentes, mas os boudas tinham um
estranho senso de humor. Eles invadiam as casas de seus pretendentes e
pregavam peças engraçadas.

O pai de Raphael colou o mobiliário da Tia B no teto. O Tio de


Raphael abriu caminho na casa da tia de Raphael, abriu todas as portas e
as colocou de volta nas dobradiças para que as alças estivessem por dentro.
Na tradição fina do bouda, Raphael de alguma forma escapou durante os
Jogos da Meia-noite, invadiu meu apartamento e me deixou a coisa.

— Você quer saber disso agora? —Perguntei em um sussurro feroz.

— Apenas me diga sim ou não?

— Você realmente acha que este é o melhor momento?

Seus olhos brilharam com vermelho. — Pode não haver qualquer


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outro tempo restante.


Página

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Eu me virei e vi Cerberus agachado no barranco atrás de nós. Ele


permaneceu parado absolutamente imóvel, os três pares de seus olhos nos
fixaram com fúria mortal. Voltei lentamente para Raphael.

— Você gostou da coisa? —Ele perguntou com silêncio desesperado.

— Sim. Foi divertido.

Ele sorriu, seu rosto tornou-se insuportavelmente atraente pelo


lampejo de seu sorriso. Com um grunhido ensurdecedor, Cerberus nos
atacou.

Pelagem revestiu a monstruosa floração dos maxilares de Raphael. Eu


virei nas minhas costas.

A cabeça central de Cerberus mergulhou em mim, sua boca negra


aberta, pronta para engolir-me inteira.

Eu atirei.

O primeiro tiro golpeou a parte de trás da boca do cachorro. Ele gritou


e eu afundei mais dois no mesmo lugar. A carne explodiu e eu vi o céu
através do buraco onde a parte de trás da garganta do animal costumava
estar. A cabeça caiu. Eu rolei livre, justo quando uma enorme pata afundou
no local onde eu caí. A garra menor roçou meu lado e perna, rasgando as
roupas com um forte brilho de dor.
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Eu me levantei. A cabeça esquerda se moveu para mim e perdeu


Página

quando Raphael se lançou no ar, cortando o nariz de Cerberus com suas

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Conto 3.5

garras. Cerberus empurrou para trás e Raphael agarrou-se ao focinho. O


cão estremeceu, mas Raphael se agarrou a ele, jogando pedaços sangrentos
de carne de cachorro no chão.

Me lembrei de recarregar. Raphael esculpiu enormes fendas no


focinho de Cerberus em um turbilhão frenético de pelos e garras. Sangue
brotou em jorros escuros.

A cabeça direita se aproximou dele, grandes presas apertando-se como


uma armadilha de urso. Raphael enganchou as garras no nariz do
cachorro, saiu do caminho, balançou as pernas como uma ginasta em um
cavalo com alças e esmagou os pés contra a garganta na cabeça direita de
Cerberus.

Apontei a Weatherby, antecipando o recuo de Cerberus.

A enorme cabeça voltou, como se estivesse em câmera lenta, o olho


de rubi era claro e brilhante.

Um laço antigo se esticou entre Cerberus e eu, vibrando como um fio


vivo. O vínculo entre o caçador e sua presa.

A cabeça aumentou cada vez mais.

Eu tenho tempo.
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Atirei.
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O sangue explodiu na parte de trás da cabeça de Cerberus. A cabeça


empurrou-se para cima, o nariz apontando para o céu. Fogo vazou de sua

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órbita arruinada. As chamas surgiram, engolfando a cabeça. Quando ele


caiu, batendo uma vez sobre a terra dura, Raphael saltou para o chão.
Atrás dele, a última cabeça estremeceu e caiu, pegando fogo. Raphael se
endireitou, uma figura demoníaca escura em silhueta contra o fogo laranja,
seus olhos dois pontos de luz vermelha.

Se eu não fosse uma profissional treinada, teria desmaiado com a


enorme sobrecarga de sua maldade.

Apontei meu rifle para cima, descansando a coronha contra o meu


quadril, e colocando o rosto da Ordem. Nada para ver aqui, eu faço isso
todos os dias. Pensei em soprar a fumaça imaginária do barril do rifle, mas
a Weatherby era longa e eu quase não chegava a um metro e meio, então
eu pareceria muito estúpida.

Raphael caminhou para mim. Sua voz era um grunhido esfarrapado,


rasgado por suas presas.

— Você está bem?

Eu assenti. — Um pouco arranhada. Nada importante. —Nós nos


afastamos, lentamente, tentando manter nossa frieza. Um cheiro
gorduroso de carne carbonizada manchava as correntes de ar.

— Esse foi um bom tiro, —disse Raphael.


48

— Obrigada. Essa foi uma exibição deslumbrante de mão-a-mão.


Página

Nós matamos um maldito Cerberus. Kate ficaria verde de inveja.

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Conto 3.5

Então a onda mágica nos afogou, e nós paramos em uníssono quando


penetrou nossos corpos, despertando o animal interior.

Uma luz azul surgiu do chão. Ela piscou e desapareceu—uma


proteção, uma forte barreira mágica, ficando ativa. Aproximar-se da casa
durante a magia seria problemático. Deveríamos de alguma forma quebrar
a proteção.

Uma luz branca fantasmagórica acendeu na parede logo em frente a


nós. Ela lutou para sair da casa e se aproximou de nós, movendo-se em
sacudidas afiadas. Seu brilho difuso parou logo antes de alcançar o limite
da barreira e se solidificou em um homem mais velho translúcido com
olhos gentis e cabelos pálidos.

Eu pulei para trás e apontei minha arma em reflexo. Não que faria
qualquer coisa com a magia.

Uma careta esticou o rosto do fantasma, como se estivesse puxando


um grande peso. — Raphael, —ele ofegou. — Não é seguro.

Uma faísca de magia disparou da casa. Ela apertou o fantasma e


empurrou-o de volta para a parede. Raphael pulou na barreira. O feitiço
defensivo brilhou em azul, torcendo um grunhido de dor de seus lábios.
Peguei ele e puxei-o de volta.
49

— Esse é Doulos? O companheiro da sua mãe?


Página

Ele assentiu, fúria fervendo em seus olhos. — Temos de o tirar de lá!

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Conto 3.5

Um som de sucção estranho rolou atrás de nós. Olhei por cima do


meu ombro. Dentro da bola de chamas, o esqueleto de Cerberus levantou-
se na vertical. O fogo disparou mais uma vez e desapareceu, apagando-se
como uma vela. A carne enrolava os ossos colossais. Ah, merda.

— Corra! —Raphael grunhiu. Descemos o barranco.

Estávamos a meio caminho do muro quando o primeiro rosnado


anunciou o cão do inferno nos perseguindo.

COCOCOC
E você tem certeza de que Doulos estava morto? —Eu dirigi
como um maníaco nas ruas turbulentas de Atlanta. Junto a mim, Raphael
lambeu uma queimadura em seu braço.

— Ele foi embalsamado. Sim, tenho certeza.

— Então, o que foi isso?

— Eu não sei. Uma sombra? Uma alma a caminho de Hades?

— Isso é possível?

— Quase fomos comidos por um cão de três cabeças gigante. Não há


um inferno de muita coisa que eu não considero possível neste momento.
50

Cuidado com esse carro!


Página

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Conto 3.5

Eu joguei a roda para a direita e mal evitei uma colisão com um


carroceiro, que passou do meu lado. — Precisamos de uma arma maior.

— Precisamos de um banho. —Raphael disse.

— A arma primeiro. Chuveiro depois.

Dez minutos depois entrei no escritório da Ordem. Um grupo de


cavaleiros que estava em pé no corredor se viraram na minha
aproximação: Mauro, o cavaleiro samoano enorme, Tobias, como sempre
elegante, e Gene, do Bureau de Investigações da Georgia, antigo experiente
detetive. Eles só me olharam. A conversa morreu.

Minhas roupas estavam rasgadas e sangrentas. A fuligem manchava


minha pele. Meu cabelo ficou grudado com tufos de terra e sangue. O
cheiro de gato morto emanou de mim em uma nuvem suja. Passei por eles
até o arsenal, abri o estojo de vidro, tirei a Baby Boom, peguei uma caixa
de cartuchos Silver Hawk e saí.

Ninguém disse nada.

COCOCOC
Raphael me esperou no Jeep, um monstro manchado de sangue e
51

terra. Uma mosca aparentemente tinha se apaixonado por um ponto em


Página

sua orelha redonda, e continuava pairando sobre ele. Coloquei a Baby


Boom no banco de trás e subi no banco do motorista. Raphael bocejou,

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Conto 3.5

exibindo uma boca rosa enrolada com grossas presas cônicas. — Grande
arma.

— Onde você quer que eu o deixe?

O homem-hiena lambeu os lábios. — Seu apartamento.

— Ha. Ha. Sério, onde?

— Seu rosto estava exposto quando lutamos contra o cachorro e


depois quando falamos com a sombra de Alex. O sanguessuga viu você, o
que significa que o navegador teria visto você através de seus olhos. É
provável que o navegador saiba quem você é. É igualmente provável que
ele esteja fazendo algo que não deveria fazer nesse barranco. Última vez
que verifiquei, roubar cadáveres era ilegal.

Roubar cadáveres era muito ilegal. Com a magia fazendo possíveis


coisas novas e interessantes, os legisladores levavam o roubo de cadáveres
extremamente a sério. No Texas, você ganhava mais tempo em um campo
de trabalho forçado por roubar um cadáver do que por assalto à mão
armada.

Considerando a localização remota e a cerca elétrica, era altamente


provável que alguém foi até bom. Se tivesse sido uma operação legítima da
Nação, teríamos sido abordados por uma sentinela humano ou vampírico.
52

Devido ao nosso estado de aplicação da lei, todos os navegadores


Página

conheciam os cavaleiros da Ordem e reconheciam que éramos um lote

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Conto 3.5

irritantemente persistente. A Nação teria feito contato para me convencer


de que não estavam envolvidos em nada ilegal e me deixariam ir.

Como não o fizeram, qualquer coisa que acontecesse naquela casa era
muito suja para a Nação admitir a sua propriedade, ou não se envolver em
tudo. A segunda possibilidade significava um perigo maior. Por todas as
suas qualidades nauseantes, a Nação era rigorosamente regulada e
principalmente respeitadora da lei. Por enquanto, de qualquer forma. Eles
não se atreveriam a atacar um cavaleiro da Ordem, sabendo que as
consequências seriam públicas e dolorosas. Mas um navegador desonesto
armado com um vampiro não tinha tal escrúpulo.

Os pensamentos de Raphael seguiram as mesmas linhas. — O


navegador vai querer silenciá-la antes de criar uma trilha de papel que ele
não pode destruir. Você pode acabar hospedando uma festa de sangue hoje
à noite. Então vamos ao seu apartamento, pegue o que precisa e, em
seguida, vamos para o meu lugar. Ele não me viu, exceto em forma de
bouda.

— Absolutamente não.

Raphael torceu o nariz. — Você está com tanto medo de ficar comigo
que realmente prefere ser atacada por alguns vampiros?
53

— Não tenho medo de você.


Página

Seus lábios se esticaram em um sorriso de pesadelo, exibindo uma


parede de dentes capaz de quebrar o fêmur de uma vaca ao meio como um

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palito de dente. — Eu prometo manter minhas mãos, língua e outras partes


do corpo para mim. Você arrisca sua vida ao ficar em casa. Está tarde e
nós dois também estamos acabados para subir no Casino esta noite. O que
você arrisca vindo comigo?

— Uma enorme enxaqueca de estar na sua companhia. —Tanto


quanto eu queria, não consegui encontrar nenhuma falha em seu
raciocínio. Era logicamente bom. E eu queria ver seu lugar. Eu
praticamente coçava com curiosidade.

— Vou compartilhar minha aspirina, —prometeu.

— E isso é tudo o que você vai compartilhar. Quero dizer isso,


Raphael. Toque qualquer parte de mim com qualquer parte de você sem
permissão e eu colocarei balas em você.

— Compreendo.

Levou quase dez minutos para o Jeep funcionar. Equipado com um


motor de água encantado além da gasolina, o Jeep conseguia atingir a
velocidade de quase sessenta e quatro quilômetros por hora durante a onda
mágica, o que em si era uma enorme conquista de manipulação mágica.
Infelizmente, sofria com a doença que afeta todos os veículos com
capacidade mágica: fazia barulho. Não o ruído mecânico típico de um
54

motor. Não, grunhia, tossia, rugia e trovejava em seu esforço para alcançar
a supremacia sonora, então toda conversa teve que ser realizada em um
Página

nível de gritos. Fiquei quieta e Raphael cochilou. Quando um metamorfo

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Conto 3.5

cansado quer o seu descanso, você poderia disparar canhões ao seu lado.
Ele não vai se importar.

Alguns minutos depois, seguimos para o meu apartamento. Raphael


me seguiu pelas escadas mal iluminada pelo brilho azul pálido de lanternas
mágicas, e passeou pela minha sala de estar. Abri a porta lateral levando a
um dos dois quartos, que usava para o armazenamento, e ouvi Raphael
puxar o ar pelas narinas.

Olhei para cima e vi a coisa. Ele a deixou na sala de estar, mas eu


continuava me chocando com ela e, eventualmente, a movi para cá, para
um canto perto da janela gradeada. Um engenhoso lustre de metal de dois
metros de altura feito de fio de latão fino, a coisa esticava do teto ao chão,
girando lentamente. Ramos de arame escapavam dela e, nos galhos,
pequenos ornamentos de vidro cintilavam, pendurados em correntes de
ouro. Os ornamentos continham tiras.

— Você manteve isso, —ele disse suavemente.

Dei de ombros. Na verdade, não tinha levado em conta o efeito que


poderia ter sobre ele. Um erro de cálculo da minha parte. — Tenho que
pegar umas calcinhas na gaveta.

Seus olhos se arregalaram. — Você está usando uma agora?


55

— Tire a mente das minhas calças! —Ordenei. — Mais uma infração,


Página

e eu vou ficar em casa.

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Conto 3.5

Ele não disse nada. Peguei uma mochila azul e fui ao quarto coletar o
equipamento. Meu kit de viagem: escova de dentes de reposição, pasta de
dente, escova para cabelo, desodorante. Flechas de besta em fardos
arrumados, seus cabos largos, envoltos com segurança em lã macia numa
caixa. Uma besta leve Sharpshooter IV19 realmente bonito. Abri a cômoda e
tirei algumas caixas de munição do mesmo. Ponta de prata.
— Você é a única mulher que conheço que mantém balas em sua
cômoda, —disse ele.

— Eu uso este quarto para armazenamento.

— Há balas na outra cômoda, também, —disse ele.

Suponho que fosse inevitável. Ele era um homem, um bouda e teve


acesso ao meu apartamento. Seria impossível para ele não ter examinado
o conteúdo da minha cômoda. Pelo menos ele não escreveu em um grande
marcador vermelho, RAPHAEL ESTEVE AQUI.

— Eu gosto de estar preparada. Eu não quero acordar no meio da


noite, esvaziar meu pente furioso sobre um metamorfo em meu
apartamento e depois ter que correr por aí buscando mais munição quando
ele ainda não foi para baixo.

Raphael estremeceu.
56
Página

19
besta leve Sharpshooter IV

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Se ele soubesse que eu tinha mentido sobre o assunto, não estaria


estremecendo. Ele sorriria de orelha a orelha. Eu não estava segura de por
que o tinha mantido isso, exceto que deveria ter levado horas para reunir
tudo, e teria exigido habilidades ninjas quase divinas para escapar da
segurança estrita dos Jogos da Meia-noite para fazê-lo. Ele passou por todo
esse problema por mim. Eu não poderia jogar fora.

Tendo enchido minha bolsa com armas de destruição, fui ao meu


quarto e fechei a porta no seu rosto quando tentou me seguir. Ele não
precisava me ver embalar minhas calcinhas.

Empacotei uma muda de roupa e fiz uma pausa. Eu estava


incrivelmente imunda. Incrivelmente repugnantemente imundo. Tinha
que tomar banho aqui, onde tinha meu shampoo e meu sabonete, ou no
apartamento de Raphael. Eu peguei uma muda de roupa e uma arma de
fogo e sai da sala. — Eu vou tomar banho. Fique fora do meu banheiro.

— OK.

Entrei no banheiro, deslizei a porta fechada e o ouvi se inclinar na


parede ao lado. — Eu vi você nua, você sabe, —disse ele. — Duas vezes.

— As experiências de quase-morte não contam, —eu disse, tirando


minhas roupas e tentando não pensar em Raphael segurando-me
57

firmemente e sussurrando estímulos suaves ao meu ouvido, enquanto


Doolittle cortava a prata do meu corpo. Algumas memórias eram muito
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perigosas para transportar.

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Conto 3.5

Quando eu sai, limpa, vestida e cheirando principalmente a coco com


apenas meros vestígios de gato morto, encontrei Raphael examinando as
fotografias na minha prateleira. Uma menina pequena e minha mãe, uma
pequena loira, de pé lado a lado.

— Você tinha cerca de oito anos? —Ele chutou.

— Onze. Eu sempre fui pequena para minha idade. Mais fraca que
todos os outros. —Toquei a fotografia suavemente. — Na natureza, os
filhotes de hiena nascem com olhos e dentes funcionais. Eles começam a
lutar no momento em que nascem, e a fêmea mais forte tenta matar suas
irmãs. Às vezes, as garotas mais fracas ficam muito assustadas para se
nutrir e morrem de fome. Os adultos tentam detê-las, mas os filhotes de
hiena vão cavar túneis, muito pequenos para que os adultos entrar, então
elas vão morrer lá.

— Boudas não cavam túneis, —disse Raphael suavemente.

— Você está certo. Eles também não precisam esconder sua violência
dos adultos. —Eles apenas tentam vencê-lo até a morte em campo aberto.
Eles fazem isso bem na frente de sua mãe porque sabem que ela não pode
protegê-lo.

Eu alcancei o quadro e tirei uma pequena fotografia descansando atrás


58

dela. O homem encolhido com estranheza, nu, ainda assim manchado


com contornos fracos de manchas de hiena. Seus braços eram muito
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musculosos, seu rosto pesado demais nas mandíbulas, sua pele


escurecendo no nariz. Seus olhos redondos eram negros sólidos.

Lyc-V, o vírus que criou metamorfos, infectava humanos e animais.


Muito raramente produzia um were-animal, uma criatura que começava
sua vida como animal e ganhava a habilidade de se tornar humano. A
maioria não sobrevivia à transformação. Dos raros que fizeram, a maioria
sofria de severo retardo. Mudo e estúpido, eles eram universalmente
injuriados. Os metamorfos humanos os matavam à primeira vista. Mas de
vez em quando, um were-animal acabava por ser inteligente, aprendia a
falar e poderia expressar seus pensamentos. E ainda mais raramente,
poderia se reproduzir.

Eu era o produto de um acasalamento entre um bouda feminino e um


were-hiena. Meu pai era um animal. Os metamorfos chamavam pessoas
como eu de bestial. E eles nos matavam. Sem julgamento, sem perguntas,
nada além da morte imediata. É por isso que escondi meu eu interior e
nunca a deixei sair.

A mão peluda e arranhada de Raphael descansava suavemente no


meu ombro.

Eu queria que ele me abraçasse. Era um sentimento completamente


ridículo. Eu era uma adulta, mais capaz do que a maioria de me proteger,
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ainda assim, enquanto ele estava ali ao meu lado, eu tinha o anseio
Página

doloroso para ser mantida quase como uma criança, para tirar força dele.

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Em vez disso eu tirei os ombros de sua mão, deslizei a fotografia de volta


ao quadro e fui para a porta.

COCOCOC
Lar, doce lar, —grunhiu Raphael, apontando para uma bela
casa de tijolos de dois andares.

— Seu?

Ele assentiu. Era uma casa e parecia bastante digna do lado de fora.
Considerando suas tendências de Casanova, o interior provavelmente
apresentaria camas vibratórias em forma de coração e bolas de discoteca.

— O que você faz, Raphael?

— Isso e aquilo, —ele murmurou.

Eu tinha corrido uma verificação profunda sobre ele quando ele veio
pela primeira vez para mim, mas, além de seu primeiro nome e seu status
como o único filho da Tia B, a alfa do bando Hiena, nada surgiu. Ele
pertencia ao nível superior de comando do bando e seus registros foram
selados. Para cavar mais fundo, precisaria de um mandado.

No entanto, também fiz algumas perguntas com alguns boudas


60

femininos. Seu nome era Raphael Medrano. O bando possuía várias


Página

empresas e Raphael dirigia uma delas: Extratores Medrano. Quando a


magia derrubava uma estrutura, deixava o concreto em pó inútil, mas

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deixava o metal para trás. Os extratores entravam e salvavam o que


poderia ser salvo e depois vendiam ao melhor comprador ou o
compravam. O trabalho representava um alto nível de perigo, mas com a
metade do mundo em ruínas, Raphael não ficaria fora de serviço tão cedo.

Ele pegou minha mochila, destrancou a porta e a segurou enquanto


eu carregava a Baby Boom lá dentro. A porta se abriu em uma espaçosa
sala de estar com teto abobadado. O chão era de madeira, o tapete plano e
bege, combinando um sofá-cama de grande tamanho, cuidadosamente
guardado por uma mesa de café em madeira escura. Uma tela plana pendia
na parede, inclinada em direção ao sofá. Cubos maciços de prateleiras de
madeira alinharam a parede oposta, alojando livros e DVDs.

As paredes eram pintadas de forma personalizada, com um padrão


marrom claro e cinza parecido com pedra. Nenhuma imagem as decorava;
em vez disso, Raphael exibia armas: espadas e facas em todas as formas e
tamanhos imagináveis. O lugar estava limpo, livre de almofadas. Uma casa
muito masculina. Como entrar na guarida de algum senhor medieval com
uma inclinação para o espanador frequente.

Raphael trancou a porta. — Sinta-se à vontade. Minha geladeira é a


sua geladeira. Eu vou sair para tomar banho.

Coloquei a Baby Boom sob a janela para facilitar o acesso em caso de


61

emergência e sentei no sofá. Acima de mim, o ruído calmante do banho


Página

anunciou que Raphael se limpava. Ele dormiu no caminho para a Ordem,

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então provavelmente administraria a transformação sem desmaiar. O


pensamento de Raphael nu no chuveiro era terrivelmente perturbador.

De repente, eu estava tão cansada.

Eu me arrastei do sofá e me forcei para a cozinha. Comer a comida de


Raphael estava fora de questão. Metamorfos davam um significado
especial aos alimentos. Um metamorfo que se aproximava de seu
companheiro tentaria alimentá-lo. Foi assim que Kate ficou queimada
uma vez: o Senhor das Feras, o Alfa líder de Atlanta e a autoridade final,
alimentou-a com uma sopa de frango. Ela comeu, não tendo ideia do que
isso significava, o que, segundo ela, o Senhor das Feras achou
incrivelmente divertido. Curran tinha um senso de humor peculiar. Gatos.
Criaturas estranhas.

Eu tentei o telefone. Nenhum toque de ligação. A magia ainda estava


de pé.

Voltei para o sofá e fechei os olhos por um momento.

COCOCOC
O atrativo aroma de carne fazia cócegas em minhas narinas. Meus
olhos se abriram. Raphael, limpo e mentalmente lindo, estava na cozinha,
62

cortando um pedaço de bife. Minha boca encheu de água, e eu não tinha


Página

certeza se era o homem ou o bife que causava a reação. Provavelmente

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ambos. Eu estava com tanta fome. E queria tão profundamente Raphael.


Eu nunca deveria ter vindo aqui. Raphael olhou para mim, seus olhos
como fogo azul. Meu coração realmente pulou uma batida.

— Eu estou cozinhando seu jantar, —disse ele. — Para surpreendê-la.

— Você sabe que não posso aceitar isso de você, —eu disse.

— Por que não?

Eu balancei minha cabeça.

Ele casualmente virou a faca em seus dedos. Suas habilidades com


faca eram estranhas. Um brilho de irritação acendeu em seus olhos. Ele
hesitou. — Olha, eu sei que você está morrendo de fome. Se você não me
deixa cozinhar para você, vai pelo menos cozinhar para si mesma?

Essa foi a primeira vez que o vi irritado. Afastei-me do sofá. — Certo.

Ele abriu a geladeira. Uma rede complicada brilhava na parte de trás


dela, juntando-se a um nó no canto. Uma aranha de gelo. Custava um
braço e uma perna. Eu, como a maioria das outras pessoas normais, tinha
que comprar gelo mágico do Departamento de Esgoto e Água para evitar
que minha geladeira ficasse quente quando a tecnologia falhasse e a magia
roubasse a eletricidade.
63

Raphael puxou outro bife e bateu na tábua de corte ao lado dele. —


Aqui.
Página

— Obrigada.

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— Você e bem-vinda.

Nos encaramos por um segundo, e então peguei o sal e comecei a


temperar meu bife. Nós deslizamos no pequeno espaço da cozinha,
separados pela ilha como dois dançarinos, nunca nos tocando, até que
acabamos um ao lado do outro, assando nossos bifes em fogos gêmeos.

— Eu gostaria apenas de saber se eu tenho uma chance, —afirmou


Raphael. — Eu fui paciente.

— E eu te devo algo por causa disso?

Ele olhou para mim. — Eu só quero uma resposta. Olha, já faz meio
ano. Eu ligo para você todos os dias, você não aceita minhas ligações. Eu
tento encontrá-la e você me expulsa. Mas você me olha como se você me
quisesse. Apenas me diga sim ou não.

— Não.

— É essa a sua resposta ou você está se recusando a me dizer?

— Minha resposta é não. Não vou dormir com você. Nunca, Raphael.
Eu lhe disse desde o início que isso não aconteceria.

Os olhos de Raphael escureceram. — Tudo bem, por quê?

— Por quê?
64

— Sim. Por quê? Eu sei que você me quer. Eu vejo isso em seu rosto,
Página

eu ouço em seu corpo, ouço isso em sua voz. É por isso que eu continuava

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voltando depois de você ser uma maldita idiota. Pelo menos você pode me
dizer o porquê.

Trinquei os dentes. Esta conversa demorou quase seis meses para


chegar. — Sua mãe é uma boa pessoa, Raphael. Seu clã é um bom clã. Mas
não é assim em todos os lugares. Minha mãe era a mais fraca de seis fêmeas
em um pequeno clã bouda. Os outros batiam nela todos os dias. Havia
apenas dois machos e minha mãe não conseguiu se acasalar. Inferno, se
um deles a olhasse, os outros a atacavam. Em outros lugares, os boudas
não aderem estritamente ao Código. Não há nenhum Senhor das Feras
para segurá-los e não há punição. Eles conseguem se governar, e o bando
é tão bom quanto o alfa. Você sabe qual é minha primeira memória? Estou
sentada na terra e nossa porra de alfa, Clarissa, está batendo em minha
mãe no rosto com um tijolo!

Ele recuou.

— Minha mãe não queria se acasalar com meu pai. Eles a forçaram a
fazê-lo, porque sabiam da perversidade disso. Ele não entendia nada. Ele
não entendia o conceito de estupro. Tudo o que sabia era que havia uma
fêmea e ela estava à disposição para ele. Durante três anos, minha mãe foi
estuprada por um homem que tinha começado sua vida como uma hiena.
Ele tinha a capacidade mental de um filho de cinco anos. E quando eu
65

nasci, eles começaram a me bater logo que eu podia andar. Eu era bestial.
Página

Não foram aplicadas regras. Sob seu precioso Código, eu era uma
abominação. Todo osso do meu corpo estava quebrado antes de completar

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dez anos. Assim que curei, eles começavam comigo novamente. E minha
mãe não conseguia detê-los. Ela não podia fazer nada. Eles me mataram,
Raphael. Eu era mais fraca e menor do que eles e eles continuariam me
espancando e me espancando até que não restava nada, se minha mãe não
tivesse juntado o pouco de coragem que ela tinha. Eu vivo agora porque
ela me pegou e correu pelo país.

Seu rosto ficou pálido, mas agora era muito tarde para parar.

— Quando Kate me levou durante o Flare para sua mãe, eu tentei sair
do Jeep, porque tinha certeza que Tia B me mataria. Isso é o que 'bouda'
significa para mim, Raphael. Significa ódio, crueldade e desgosto. —Eu
puxei minha panela fora do fogo para salvar o bife meio queimado.

— Então se recusa a ficar comigo por causa do que eu sou, —ele disse.
— Você não pode ser tão míope. O que te aconteceu foi horrível. Mas não
sou assim. Nunca te machucaria. Minha família, meu clã, nós nunca te
machucaríamos. Protegemos os nossos.

— Mas isto é apenas um aspecto parcial. Se você fosse um homem


diferente, talvez eu poderia superar. Mas você é um bouda típico macho.
Eu quero amor, Raphael. Eu não mereço, depois de algumas das coisas
que fiz, mas eu quero. Quero segurança e bondade e um lar. Quero
monogamia e consideração por meus sentimentos. O que você tem para
66

me oferecer? Você dormiu com todas as mulheres bouda que não estão
Página

relacionadas com você. Todo mundo teve você, Raphael. Elas se

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ofereceram para me dar dicas sobre o que você gosta na cama. Inferno,
você não parou com boudas. Você jogou com lobos e com ratos, com
chacais ... Para você, sou apenas mais uma coisa estranha para saltar. Pelo
amor de Deus, você ficou preso dentro de uma garota chacal enquanto
você estava na forma de besta e eles tiveram que chamar Doolittle para
separar vocês dois. O que você estava pensando? Você a superava por
sessenta quilos e você não é nem mesmo da mesma espécie!

— Eu tinha catorze anos, —ele grunhiu. — Eu não sabia nada. Ela


balançou a bunda na minha frente ...

— Você é como um garoto ganancioso em uma loja de sorvete. Você


quer tudo e então você faz essa bagunça gigante de arco-íris de um cone e
se empanturra com doces até que não consiga pensar mais. Você não tem
restrições, nem disciplina. Por que eu iria querer me envolver com você?
Então, da próxima vez que alguém balançar sua bunda na sua frente, você
vai decolar como um foguete? Por favor.

Agarrei um garfo, espetei no meu bife e saí da cozinha, levando meu


pedaço de carne carbonizado. Fui para fora, subi no meu Jeep e percebi
que tinha deixado minhas armas e minhas chaves dentro. Não havia mais
nada além de mastigar meu bife. Eu realmente queria chorar.

Eu estava tão ferrada. Tentei tanto ser humana, e ele me


67

desequilibrou. Eu simplesmente me separei como uma boneca. Os


Página

espancamentos, a humilhação, o medo—eu deixara essas coisas no


passado. Eu tinha interagido com outros boudas e nunca tinha ficado

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incomodada por eles. Mas com ele tudo isso vinha inundando de volta em
uma onda dolorida e sufocante.

Apenas Kate, os boudas e o Senhor das Feras sabiam o que eu era. Se


o bando descobrisse que eu era bestial, o Senhor das Feras me protegeria
de danos físicos. Curran considerou a questão bestial e chegou à conclusão
de que ele não toleraria o genocídio contra nós. Mas pelo menos alguns
dos metamorfos ainda me desprezariam. Se a Ordem descobrisse o que eu
era, eles me expulsariam. A Ordem tinha uma visão sombria de monstros
em suas fileiras, a menos que fossem totalmente humanos.

Anos de me esconder, primeiro na adolescência, durante o treino na


Academia da Ordem, estressada ao meu limite, torturada física e
mentalmente, moldando-me, em um novo eu, então, servindo em nome
da Ordem. Eu tinha rigidamente mantido minha humanidade e
compostura através de tudo, e o que me desfez? Raphael, com os olhos
azuis e as mãos quentes e a voz que me fazia querer me pressionar contra
ele e ronronar ...

Como eu poderia ter caído por um maldito bouda?

Eu caí para frente e repousei minha cabeça no volante. Por que eu


contei a ele tudo isso? O que me possuiu? Eu deveria ter apenas rido de seu
convite para jantar. Mas tinha estado a comer-me durante meses e eu não
68

conseguia evitar. Havia este vazio amargo dentro de mim e isso me fazia
Página

querer gritar, não é justo! E nem sabia o porquê. Não era justo. Não era
justo que eu quisesse acordar perto de Raphael. Não era justo que ele fosse

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um bouda. Não era justo que, durante onze anos, boudas me torturassem
e a minha mãe.

Meia hora depois, Raphael saiu para a varanda e segurou a porta


aberta. Permanecer no Jeep era infantil. Mesmo sair tempestuosamente era
infantil. Peguei o garfo, saí do Jeep e entrei com tanta dignidade quanto
consegui. Raphael fechou a porta atrás de mim. Uma luz estranha
iluminava seus olhos. Ele me agarrou pelos ombros e me puxou para ele.

A respiração saltou dos meus pulmões.

Seu olhar era duro. — Você nos dará uma chance.

— O que?

— As coisas aconteceram antes de te conhecer e antes de você me


conhecer. Essas coisas não importam. Você não teve controle sobre seu
passado, mas aqui, agora, você controla a situação e você está desistindo
voluntariamente. Você está nos punindo por causa de algo que aconteceu
há meia vida. Isso não faz sentido.

Tentei me afastar, mas ele me segurou.

— Não houve ninguém desde que conheci você. Eu fui bom, e não
pense nem por um momento que foi por falta de bundas balançando. Você
já me viu com outra mulher desde que nos conhecemos? Você já ouviu
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falar de eu estar com outra mulher? As mesmas mulheres que queriam lhe
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dar indicações dirão que eu não toquei ninguém desde que eu vi você. Você
está com ciúmes delas? É isso?

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Conto 3.5

Meu rosto ficou quente e eu sabia que tinha corado. Eu estava com
ciúmes delas. De todos elas.

— Andrea, você não pode estar com ciúmes de alguém que conheci
antes de conhecê-la. Eu não sabia que você existia na época. Eu não quero
mais ninguém agora. Existe alguém para você?

Eu balancei minha cabeça.

— Eu penso em você muito. Você pensa em mim, Andrea? Não minta


para mim.

— Sim! —Eu rosnei, meu rosto queimando. — Sim, eu penso. O


tempo todo. Eu não posso tirar você da minha cabeça. Eu queria poder!

Ele me abraçou tão forte, meus ossos quase estalando. — Você se


transformou em uma nova pessoa e eu também. Nós merecemos uma
chance. Eu quero você e você me quer. Por que não podemos estar juntos?
Eu lidarei com seus problemas se você lidar com os meus, mas se você
ainda está com medo de tentar, então você não vale a pena esperar. Tenho
um pouco de orgulho e não esperarei para sempre. —Ele me deixou ir.

Eu poderia assumir o controle agora ou sair. Apertei os dentes. Esta


era a minha decisão. Eu era dona dela, assumi toda a responsabilidade por
isso, e nenhuma lembrança me faria escapar e fugir dele. Eu valia a pena,
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droga. Ele valia a pena.


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Eu fiz o que eu queria fazer desde que eu o vi pela primeira vez. Deixei
cair meu prato e o beijei.

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Conto 3.5

Nunca chegamos no quarto no andar de cima.

COCOCOC
O problema com o adormecer enrolada em um cobertor confortável
no chão entre a mesa de café e o sofá, é que de manhã, quando o telefone
toca e te acorda, você esquece que a mesa de café está lá. Pelo menos
Raphael esqueceu. Houve um baque sólido quando ele se sentou,
esmagando a cabeça contra a mesa, e depois uma série de maldições sujas
enquanto ele cambaleava até a cozinha e pegou o telefone.

— É para você!

Eu me levantei, envolvi o cobertor sobre mim como uma capa e fui


pegar o telefone.

— Ahá! —A voz de Kate disse na outra extremidade.

— Ahá o que?

Raphael deve ter se recuperado de sua infeliz conexão com a mesa,


porque começou a tentar roubar meu cobertor.

— Nada. Nada em tudo, —disse Miss Inocente.

— Como você conseguiu esse número de qualquer maneira? —Eu


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bati na mão de Raphael.


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Conto 3.5

— Jim me deu isso há muito tempo. Eu tentei seu celular, a Ordem e sua
casa. Este foi o próximo número lógico. Eu sou um detetive treinado, você sabe.

— Você não conseguiria detectar seu caminho para sair de um


sapato se alguém não acendesse o caminho com sinais de néon.

Raphael finalmente ganhou a batalha pelo cobertor e moldou seu


corpo contra o meu, mordendo gentilmente o meu pescoço.

— Espere um minuto.

Eu cobri o telefone e virei para ele. — Sobre lidar com meus


problemas—este é um deles. Estou ao telefone. Por favor, fique quieto.

Ele suspirou, e foi para a cozinha e tirou os ovos.

— Estou aqui, —eu disse, puxando meu cobertor de volta.

— Como foi com Cerberus?

Descrevi brevemente para ela. — Mesmo que destruído, ele continua


a se manifestar assim que a magia acaba. Ele está vinculado a essa casa.
Estarei falando com a Nação hoje sobre o vampiro. Duvido que eles me
digam qualquer coisa.

— Quão importante é isso?


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Eu expliquei sobre Tia B.


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— Eu sinto muito.

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Conto 3.5

— Eu também.

— Ghastek me deve um favor, —disse Kate. — Tenho-o em papel,


assinado na presença de testemunhas. Ligue para ele.

— Obrigada.

— É o mínimo que posso fazer. Diga-me, como você chegou até essa
bagunça?

— Um homem chamado Teddy Jo ligou.

Kate hesitou. — Tenha cuidado com Teddy Jo, —ela disse suavemente.

— Por quê?

— Eu não tenho nada de sólido, mas há algo que me incomoda sobre


Teddy. Basta observá-lo com cuidado se algum dia aparecer.

Eu desliguei. Depois de Nataraja, o chefe da Nação em Atlanta,


Ghastek era o mais talentoso dos Mestres dos Mortos. E também o mais
perigoso.

— Você está fora do telefone? —Raphael perguntou levemente.

— Sim.

Uma pitada de perigo apareceu ao seu sorriso. — Bom.


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Conto 3.5

Quando alguém diz "salto", a maioria das pessoas geralmente pensa


em um gato. Talvez um cachorro. Mas nenhum deles conseguia saltar tão
bem como um macho bouda com tesão.

COCOCOC
Levamos cerca de quarenta e cinco minutos para sair da casa, em
parte porque Raphael saltou em mim, em parte, porque eu havia
demorado. Eu deitei ao lado dele, envolta em seus braços, e tentei
solucionar isso, e, ao mesmo tempo, meu cérebro destruiu febrilmente
minhas emoções, a criatura secreta dentro de mim ronronou e aconchegou-
se a Raphael, feliz em sua felicidade simples.

Raphael esmerou-se: jeans preto, camiseta preta, jaqueta preta, facas


suficientes para lutar contra um bando de ninjas. Pelo menos ele não usava
couro, ou teríamos causado uma série de acidentes de trânsito. Ele também
chamou sua mãe. Durante sua vida, Alex Doulos era um pagão grego, e
ele adorava Hades. A Tia B não conhecia os detalhes. Raphael não
mencionou que a sombra de seu companheiro estava presa atrás de uma
barreira por algum tipo de necromante. Ambos concordamos que ela
poderia ser poupada desse conhecimento.
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— O que está incomodando você? —Raphael perguntou, enquanto


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deslizei o Jeep para o trânsito. A magia caiu novamente durante a noite.

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Conto 3.5

Pelo menos, poderíamos falar sem gritar pelo rugido do motor da água. —
A manhã não foi boa para você?

Ele estava preocupado. Se soubesse o quão completamente ele tinha


me esgotado essa manhã, sua cabeça incharia para duas vezes seu tamanho
normal. Eu tentei o meu melhor para não rir. — Sexo, é o melhor no café
da manhã.

— A sério?

— Foi ótimo. —O melhor que já tive, mas ele não precisava saber
disso. — Você não poderia dizer?

— Nunca se sabe. As mulheres são mais complicadas. —Ele balançou


a cabeça. — Se não é isso, então, o que é? Você tem aquele olhar apertado
em seu rosto.

— Não se supõe que os homens sejam ruins em ler os rostos das


mulheres?

Raphael suspirou. — Não, quando ele está lendo o rosto de uma


mulher que ele esteve obcecado nos últimos seis meses. Conte-me.

Eu não disse nada. Ele pensaria menos de mim se eu fizesse.

— Este é um dos meus defeitos, —disse ele. — Eu vou continuar


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perguntando o que há de errado até você me dizer.


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Tudo bem. — Eu sou profissional, —eu disse. — Eu passei pelo


treinamento, me tornei um cavaleiro e tudo o mais. Tenho condecorações

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Conto 3.5

por mérito em serviço. Mas eu tenho que confiar em Kate para que a Nação
fale comigo. Me incomoda.

Ele esperou por mais.

— De volta ao Texas, meu parceiro e eu tiramos um grupo de loups.


Meu parceiro pegou o Lyc-V e teve loupismo. Eu o matei. A Ordem me
testou, mas eu estava limpa.

— Como você conseguiu isso? O vírus está em seu sangue.

— Eu tinha um anel de prata implantado sob minha pele no meu braço


logo abaixo da axila. Puxava meu suprimento de sangue e então lançava
prata líquida para as minhas veias. Isso matava o vírus. Eu cortei meu
pulso para sangrar as células do vírus morto, e o anel manteve o vírus do
resto do meu corpo para entrar no meu braço. —A mera lembrança me fez
querer enrolar com dor.

— Isso foi incrivelmente perigoso. Você poderia ter perdido o braço.

— Eu quase fiz. Mas o teste de sangue voltou limpo, e o amuleto no


meu crânio, aquele que você tirou durante o flare, manteve minha magia
escondida em um m-scan. Recebi um dado limpo, mas eles ainda me
enviaram para Atlanta. Ted Monahan, o Cavaleiro Protetor, me colocou
em banho-maria. Antes de chegar aqui, estava a caminho de me tornar
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Mestre de Armas, armas de fogo.


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Raphael assentiu. — Imagino que isso é muito importante.

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— Muito. Eu tive todos os meus briefings de segurança, passei em


todas as provas. Tudo o que resta é a nomeação formal do Cavaleiro
Protetor do meu capitólio. Mas Ted nunca vai fazer isso.

— Por que não?

— Porque ele sente que há algo de errado comigo. Ele não tem certeza
do que, e até descobrir, sou o único cavaleiro sem casos ativos. Eu nem
tenho um escritório.

O maxilar de Raphael assumiu uma expressão teimosa. Eu já tinha


visto algumas vezes, e eu sabia o que isso significava. — Eu conheço esse
olhar.

Ele me lançou um sorriso deslumbrante. — Que olhar?

— Prometa-me que você não causará nenhum dano direta ou


indiretamente a Ted agindo em meu nome. Falo sério, Raphael. Prometa.

— O que ele está fazendo para você ...

— É exatamente o que eu faria em seu lugar. Eu sabia dos riscos


quando entrei na Ordem. A Ordem não fez absolutamente nada para
renunciar aos termos de nossa barganha. Toda a culpa está comigo. Eu
enganei, e se descobrirem, eu pagarei o preço. Eu aceito isso.
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— Qual é o preço?
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Uma pitada de ansiedade me comprimiu. Minha garganta se fechou


por um momento. — Eles vão me chutar para fora.

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Conto 3.5

— Isso é tudo? —Ele perguntou. — Você tem certeza de que não


enviarão alguém depois para se certificar de que não se junte ao lado
oposto?

— Eu tenho certeza, —eu disse. — Seu condicionamento é muito


bom. Seria preciso muito para quebrar minha devoção à Ordem, mesmo
que eles me deixassem na rua. Prometa para mim.

— Bem. Eu prometo.

Dirigimos em silêncio por alguns minutos.

Os olhos de Raphael escureceram. — Talvez devêssemos ter cuidado


com demonstrações públicas de carinho.

Eu dei-lhe meu olhar duro. — Ah não. Acho que você não entende a
natureza do nosso relacionamento. Você é meu. Se houver uma fêmea
atraente por perto, você será publicamente afetuoso comigo. Caso
contrário, eu vou acabar com uma pistola atirando em você, e tenho
certeza de que ferir inocentes civis seria considerado conduta imprópria de
cavaleiro.

Raphael me mostrou a ponta dos dentes em um leve sorriso. — E o


que Ted pensará de você saindo com um bouda?

— Ted é bem-vindo para me mostrar uma seção nos regulamentos da


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Ordem que me proíbe de fazê-lo. O meu conhecimento de regulamentos é


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extremamente extensivo. Eu posso citar passagens inteiras da memória. Eu


garanto que eu conheço as regras muito melhor do que Ted.

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Conto 3.5

Meu cérebro levou um segundo para processar as palavras que


acabavam de sair da minha boca e percebi quantas coisas eu tinha dado
por certo. Eu disse suavemente: — Pelo menos espero que você seja
publicamente afetuoso.

Raphael riu suavemente, como um lobo perplexo. — Você arruinou


um espetacular rosnado alfa.

Eu vira Raphael lutar. Ele era devastadoramente letal. A maneira


como ele rasgou a cabeça de Cerberus levou a habilidade e o frenesi berserk
que faz tremer em qualquer luta. Fisicamente, ele poderia me dominar. Eu
tinha apenas um metro e meio. Ele tinha um e oitenta. Ele superou-me em
cerca de trinta quilos de músculo duro, endurecido pelo exercício
constante. Ele era sem dúvida o melhor lutador do clã bouda. Mas ele
também era um homem, e os machos bouda preferiam o papel beta. Eu
tinha encaixado em um modo alfa sem mesmo perceber.

— Eu não quis dizer ...

— Eu confio em você para assumir a liderança na maioria das vezes,


—disse ele. — Com o entendimento de que quando eu realmente insistir,
você vai ouvir.

Eu exalei. — De acordo.
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COCOCOC
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Conto 3.5

O Casino, o QG da Nação em Atlanta, ocupava o enorme lote

que já hospedara o Georgia Dome. O arquiteto da Nação tomou o Taj


Mahal20 como modelo e expandiu o plano para o dobro do tamanho
original. Branco puro à luz do dia, o Casino parecia flutuar acima do
asfalto, impulsionado pelos fluxos brilhantes de muitas fontes que
cercavam suas paredes. Suas torres delgadas atingiram uma altura
estonteante, flanqueando a cúpula central ornamentada. As passagens
elegantes uniam as torres, etéreas como se fossem tecidas de teia de aranha
ou esculpidas a partir de um pedaço de marfim por um paciente escultor.
Suas portas centrais elaboradas sempre ficavam abertas, assim como as
casas de guarda e as máquinas de guerra em suas paredes grossas sempre
estavam equipadas.

Eu estacionei em um lado e cutuquei Raphael para colocar o livro de


Kate para baixo.

A cem metros dos portões, ambos paramos em uníssono. O fedor dos


mortos-vivos se espalhou pelo estacionamento como um miasma doentio.
Nenhuma palavra poderia descrevê-lo adequadamente, mas uma vez que
você sentia o cheiro, nunca esquecia. Era um odor afiado, coriáceo e seco,
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20
Taj Mahal é um mausoléu situado em Agra, na Índia, sendo o mais conhecido dos monumentos do
país. Encontra-se classificado pela UNESCO como Patrimônio da Humanidade. Foi anunciado em 2007 como uma das Novas Sete Maravilhas
do Mundo.

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Conto 3.5

inconfundivelmente da morte, mas não de podridão, o cheiro de tendão e


osso envolto em sujeira, magia suja. Eu quase engasguei. Raphael
desacelerou e eu segui seu exemplo.

Eu tive o treinamento de aclimatação para me acostumar com


perfume e presença vampírica, mas uma coisa era assistir a um único
vampiro segurado com força a vinte metros de distância e outra
completamente diferente era entrar na cova de mais de trezentos deles.

Atravessamos as portas depois de passar por sentinelas gêmeas


vestidas de preto e armadas com perversas cimitarras21, e entramos no mar
das máquinas caça-níqueis. O ar tocou com uma cacofonia discordante de
sinos e carrilhões. As luzes brilharam. As pessoas gritavam em alegria
maníaca, amaldiçoavam e riam. Mais de metade dos slots foram
reformulados para ser completamente independente da eletricidade.
Mesmo quando ocorresse o golpe mágico, os bandidos de um só braço
continuariam de forma rápida e implacável, tirando dinheiro dos bolsos do
público e entrando nos cofres da Nação. A pesquisa necromântica não era
barata.

Nós paramos diante de uma mesa de atendimento e eu disse a um


jovem em um terno de negócio quem eu era, mostrei minha ID da Ordem
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21
A cimitarra (scimitar em inglês, saif em árabe, shamshir no Irã, kilij na Turquia, pulwar no Afeganistão,
talwar ou tulwar na Índia e Paquistão) é uma espada de lâmina curva mais larga na extremidade livre, com gume no lado convexo, utilizada
por certos povos orientais, tais como árabes, turcos e persas, especialmente pelos guerreiros muçulmanos. É a espada mais típica do Oriente
Médio e da Índia muçulmana.

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e expliquei que estava aqui para ver Ghastek. O jovem, tendo se


apresentado como Thomas, prontamente colocou um sorriso no rosto.

— Desculpe, senhora, ele está incrivelmente ocupado.

— Diga-lhe que estou aqui em nome de Kate Daniels.

Os olhos de Thomas ficaram largos. Ele bateu no interfone, sussurrou


e assentiu com a cabeça para nós. — Infelizmente, ele está nos estábulos e
não pode sair no momento. Ele está ansioso para vê-la, e alguém estará
aqui para guiá-la para ele muito em breve.

Caminhamos até a área de espera pela parede. Uma fila de cadeiras


nos esperava, mas não senti vontade de sentar. Eu me sentia como se
alguém tivesse pintado um olho gigante no meu peito e uma dúzia de
atiradores escondidos estavam prontos para atirar a primeira chance.

Os lábios de Raphael se curvaram em um estranho sorriso. Se não o


conhecesse, você poderia confundi-lo com o sorriso sonhador e distraído
de um homem que gostava de seus pensamentos privados. Esse pequeno
sorriso significava que Raphael em uma única fração, afastaria suas facas
e cortaria tudo a sua volta. Ele não faria nada sem ser provocado, mas uma
vez provocado, ninguém poderia segurá-lo de volta. O Bando e a Nação
representavam dois lados da mesma moeda de poder: entre todas as
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facções civis em Atlanta, eram os mais poderosos. Eles haviam dividido a


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cidade entre eles e ficavam fora do território um do outro, sabendo que se


um conflito aberto estivesse entre os dois, a luta seria longa, sangrenta e

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Conto 3.5

dispendiosa, e o vencedor ficaria tão enfraquecido, que não sobreviveria


por muito tempo.

Mas, tanto quanto evitavam provocar um ao outro, ambos achavam


prudente mostrar ao oponente seus dentes—e Raphael era tudo sobre
etiqueta adequada.

Um vampiro caiu na entrada. Feminino e provavelmente negra


durante a vida, agora ganhou um estranho matiz de roxo. Calva e magra,
como se fosse tricotada a partir de cordéis, isso olhava para nós com olhos
famintos. Sua boca aberta com precisão mecânica, e a voz de um
navegador feminino soou. — Bom Dia. Meu nome é Jessica. Bem-vindo
ao Casino. O Mestre Ghastek envia suas mais profundas desculpas. Ele
está envolvido em algo que não pode adiar, mas me instruiu a levá-la para
ele. Com os meus sinceros arrependimentos pelo seu inconveniente, devo
pedir-lhe que deixe suas armas de fogo na mesa.

Eles queriam minhas armas.

— Por quê?

— As instalações internas possuem muitos equipamentos delicados e,


em alguns casos, insubstituíveis. Ocasionalmente, nossos hóspedes
experimentam uma sensação de ansiedade e desconforto devido à presença
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de vampiros, particularmente quando visitam os estábulos.


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— Eu me pergunto por que, —disse Raphael.

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— Tivemos incidentes de disparo acidental de armas de fogo por


nossos convidados. Nós não pedimos que você entregue suas armas com
lâmina, apenas suas armas de fogo. Receio que esta regra não possa ser
dobrada. Minhas mais profundas desculpas.

— Isso está bem, —eu disse, e depositei meus P226s na mesa. Sem
minhas armas, senti-me nua.

— Obrigada. Siga-me, por favor.

Nós seguimos a criatura por um corredor opulento para uma escada e


depois para baixo, e para baixo, e para baixo, além da luz do dia para a
iluminação artificial de lâmpadas elétricas. O vampiro se infiltrou cada vez
mais baixo, movendo-se de quatro, fazendo tão pouco barulho, isso era
estranho. Nós abrimos o caminho através de um labirinto de túneis
obscuros, interrompido apenas pela lâmpada ocasional de luz elétrica e
espaços escuros no meio do teto.

— Haverá um minotauro nesse labirinto? —Resmungou Raphael.

— O labirinto é uma medida de segurança, necessária para a


contenção adequada, —a voz do navegador respondeu através da boca do
vampiro. — Os vampiros não guiados são governados pelo instinto. Eles
não possuem capacidade cognitiva para navegar nos túneis. No caso de
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uma fuga maciça, os túneis atuarão como uma zona de amortecimento. O


teto contém uma série de grades metálicas pesadas que irá cair, separando
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os vampiros em grupos facilmente gerenciáveis e minimizando os danos


resultantes das lutas internas induzidas pelo sangue.

— Com que frequência ocorre fugas? —Perguntei. O mau cheiro dos


mortos-vivos cresceu até um nível quase insuportável.

— Nunca. Por aqui, por favor. —O vampiro correu para uma entrada
iluminada. — Cuidado onde pisa.

Nós entramos em uma enorme câmara e descemos uma dúzia de


escadas para o chão. A luz branca áspera passava dos tetos altos,
iluminando cada centímetro. Um corredor estreito esticado no centro da
câmara, suas paredes formadas por celas da prisão. Cada cela abrigava um
único vampiro, encadeado pelo pescoço até a parede. As correntes eram
mais grossas do que a minha coxa. Os olhos dos vampiros queimavam com
insaciável sede de sangue. Eles não vocalizavam, não faziam nenhum
barulho, eles apenas olhavam para nós, esforçando-se pelas correntes
enquanto passávamos por eles.

Cada fio de cabelo subiu na parte de trás do meu pescoço. No fundo,


meu segredo se reuniu em um aglomerado apertado, observando-os de
volta, pronto para saltar na menor oportunidade.

O corredor terminou em uma plataforma redonda, da qual mais


85

corredores irradiavam como raios de uma roda. Na plataforma estava


Ghastek. Ele era um homem de altura média e fino. Seu cabelo castanho
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claro recuou de sua testa, focalizando a atenção em seus olhos: escuros e

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afiado o suficiente para tirar sangue. Seu traje era preto, desde calças feitas
sob medida até a camisa de mangas compridas, o colarinho desabotoado e
as mangas com muito cuidadas e precisamente enroladas, mas onde o
preto de Raphael era uma escuridão agressiva, o preto de Ghastek era o
descontraído, casual, uma ausência de cor e não uma declaração de
atitude.

Ele olhou para nós, assentiu com rapidez e voltou a atenção para três
jovens de pé ao lado de um console. Eles usavam calças pretas idênticas,
camisas cinza e coletes violetas escuros. Navegadores, Mestres dos Mortos
em treinamento. Um dos três, um jovem alto e jovem com cabelos
vermelhos, ficou muito rígido. Suas mãos enroladas em punhos. Ele olhou
fixamente para a frente, na cela onde um único vampiro estava sentado no
final de sua cadeia.

Ghastek assentiu. — Você está pronto, Danton?

— Sim, mestre, —disse o ruivo através de dentes cerrados.

— Muito bem. Prossiga.

O vampiro empurrou como se estivesse chocado com fios de alta


tensão.

— Calma, —disse Ghastek. — Lembre-se: sem medo.


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Lentamente, o sanguessuga deu dois passos para trás. A fome em seus


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olhos de rubi escureceu ligeiramente. A corrente caiu e bateu no chão.

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— Bom, —disse Ghastek. — Maria, você pode soltar o portão.

Uma mulher com longos cabelos escuros tocou o console. O portão


da cela subiu. O vampiro parou.

— Desengate o colar, —ordenou Ghastek.

O vampiro abriu a gola.

— Traga-o para a frente.

O vampiro deu um passo tentativo para a frente. Outro ...

Seus olhos brilharam com sede de sangue como duas brasas


incandescentes. Danton gritou. O sanguessuga avançou, olhos brilhando,
mandíbulas que se desfaziam, enormes garras que arranhavam a
plataforma.

Nenhuma arma.

Avancei, puxando uma faca de campo, mas Raphael chegou antes de


mim. Ele balançou, cortando em um arco preciso, e parou em meio passo.
O vampiro congelou. Simplesmente parou, petrificado, um pé com garras
no chão e o resto no ar. Raphael parou sua lâmina a apenas meio
centímetro da garganta do morto-vivo.

— Você tem excelentes reflexos, —disse Ghastek. — Um Metamorfo?


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Raphael simplesmente assentiu.


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— Minhas sinceras desculpas, —disse Ghastek. — Eu estou pilotando


ele no momento, então ele não nos causará mais preocupação.

O vampiro saltou para trás, pousando aos pés de Ghastek, e abraçou


o chão, sua testa pressionando a pedra. O rosto de Ghastek não mostrou
nenhuma tensão. Nenhuma mesmo. Raphael recuou, a faca
desaparecendo na bainha da cintura.

Na plataforma, Danton caiu em uma pilha, gemendo suavemente,


baba branca escorregando de sua boca. Uma equipe médica com uma
maca surgiu do corredor lateral e carregou-o, amarrando-o nela.

Os dois navegadores restantes olharam para Danton em silêncio


horrorizado.

— Vocês podem ir, —disse Ghastek.

Eles fugiram.

— Uma vergonha, aquilo, —disse Ghastek suavemente.

— O que aconteceu com ele? —Perguntei.

— Medo. Feito corretamente, o contato com a mente não morta,


enquanto repulsivo para alguns, é completamente inofensivo.

O vampiro desenrolou-se e se levantou. Tinha sido bastante alto


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durante a vida, mas seu corpo havia se deslocado para uma locomoção
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quadrúpede. No entanto, ficou em linha reta como uma flecha,


provavelmente com dor, mas olhando diretamente para os olhos de

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Ghastek. O Mestre dos Mortos estudou os pontos gêmeos vermelhos e


furiosos. — O medo do contato, no entanto, pode causar consequências
horríveis, como você viu.

O vampiro caiu de quatro. — Talvez fosse melhor continuar essa


discussão no meu escritório. —Ghastek sorriu secamente. — Por favor.

Eu andei ao lado dele, Raphael à minha direita, o vampiro na


esquerda de Ghastek.

— Navegar um vampiro é semelhante a uma grande onda: você tem


que ficar em cima dela ou vai puxá-la para baixo. Danton, infelizmente,
permitiu-se afogar. Se ele tiver sorte, poderá recuperar a capacidade
cognitiva suficiente para se alimentar e cuidar de sua própria higiene
pessoal. Se ele tiver azar, ele passará o resto de sua vida como um vegetal
humano. Você gostaria de um café expresso?

O vampiro acelerou.

— Não, obrigada. Assistir a um homem espumando pela boca acabou


com a minha sede e apetite. —O que aconteceu com Danton me
incomodou profundamente, mas conhecia os contratos da Nação, e tudo
o que havia acontecido era completamente dentro da lei. Os navegadores
assinaram suas vidas quando escolheram trabalhar para eles.
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— Novamente, minhas desculpas. Eu poderia adiar o teste, mas


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Danton a evitou duas vezes depois de ousar se gabar de quão bem ele faria.
Não tolero exibições de egocentrismo sem fundamento. O teste teve que

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prosseguir conforme previsto. Ele é um caso raro. A maioria dos


navegadores consegue falhar sem tanto melodrama.

Subimos as escadas e nos dirigimos pelo labirinto dos corredores até


Ghastek abrir a porta para um dos quartos. Espaçoso, parecia uma sala de
estar em vez de um escritório: um semicírculo de sofá seccional estofado em
uma sombra vermelha quente, uma mesa simples no canto, livros alinhados
nas prateleiras. Para a esquerda, através da porta, vi uma pequena
kitchenette22 e um vampiro misturando uma bebida. À direita, as janelas do
chão ao teto ofereciam uma visão dos estábulos de cima.

— Por favor, sentem-se.

Peguei um lugar no sofá. Raphael sentou ao meu lado, e Ghastek em


frente. O vampiro se contorceu na sala e ofereceu a Ghastek um café
expresso. O Mestre dos Mortos sorriu calmamente em sua bebida e tomou
um gole com óbvio prazer. O sanguessuga caiu no chão e sentou-se aos
seus pés. Movia-se com tanta naturalidade e Ghastek estava tão relaxado,
que achei difícil acreditar que o Mestre dos Mortos controlava cada
contração do vampiro.

— Eu acredito que nos conhecemos antes, —disse Ghastek. — No


escritório de Kate. Você apontou armas para o meu vampiro.
90
Página

22
E um pequeno bar

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— Você questionou meus reflexos, —eu disse.

— Fiquei bastante impressionado com eles. Foi por isso que pedi que
você se desarmasse.

— Você esperava que o navegador falhasse?

— Precisamente. Este vampiro particular é avaliado em US $ 34.500.


Seria um sentido comercial ruim colocá-lo em uma situação em que
duraria uma dúzia de balas pelo crânio.

Que frio, homem frio.

Ghastek tomou um gole de café. — Eu suponho que você está aqui


para cobrar o favor que eu devo a Kate.

— Sim.

— Como ela está, a propósito?

Algo do modo perfeitamente neutro que ele fez a pergunta colocou


meus dentes na borda.

— Ela está se recuperando, —disse Raphael. — E como amiga do


Bando, ela está curtindo a proteção do Bando.

Ele estava quieto até agora e sabia por quê. Tudo o que ele disse seria
usado pela Nação contra o Bando. Ele minimizou a quantidade de
91

conversa, mas deixou a mensagem clara.


Página

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Conto 3.5

Ghastek riu. — Eu lhe asseguro, ela é bem capaz de se proteger. Ela


tende a chutar as pessoas na cara quando as encontra ofensivas. É verdade
que ela quebrou uma espada vermelha durante os Jogos da Meia-noite
empalando-se nela?

Um alarme disparou na minha cabeça. — Eu não me lembro desse


jeito, —eu menti. — Como me lembro, um membro da equipe adversária
queria atacar com a espada. Kate interrompeu seu golpe, e quando ele
tentou liberar a lâmina, ele se cortou. O sangue de sua mão quebrou a
espada.

— Eu vejo. —Ghastek bebeu o último gole de seu café expresso e


entregou a xícara ao vampiro.

— Então, o que posso fazer por você?

— Eu gostaria que você respondesse a uma série de perguntas. —Eu


tinha que formular as perguntas com muito cuidado. — Esta entrevista é
realizada em sigilo. Peço-lhe que não discuta com ninguém, a menos que
seja exigido por lei.

— Eu felizmente farei isso, desde que suas perguntas estejam dentro


do alcance definido pelas condições no contrato original.

O acordo especificava que ele não faria nada para se prejudicar


92

diretamente, sua equipe ou a Nação como um grupo.


Página

— Você está familiarizado com a área conhecida como Arranhões,


localizada a oeste do Mercado Vermelho?

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Conto 3.5

— Sim.

— É verdade que a Nação patrulha rotineiramente uma grande área


da cidade em torno do Casino?

— Sim.

— Alguma rota de patrulha passa através dos Arranhões?

— Não.

Então, o vampiro não era o observador da Nação. — Pelo seu


conhecimento, a Nação atualmente está realizando operações nos
Arranhões?

— Não.

— Você está familiarizado com o paganismo grego?

Eu o observei com cuidado, mas ele não mostrou sinais de se


surpreender com a pergunta. — Eu tenho um conhecimento moderado
disso, dentro dos limites comuns aos indivíduos mais educados. Eu não
sou, de modo algum, um especialista.

— Tendo em mente a pergunta anterior, como você definiria o termo


sombra?

— Uma entidade incorpórea que representa a essência de uma alma


93

recém-afastada, desincorporada, se você quiser. É um conceito puramente


Página

filosófico.

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Conto 3.5

— Se confrontado com uma sombra, como você explicaria sua


existência?

Ghastek inclinou-se para trás, trançando os dedos longos. — Não há


coisas como fantasmas. Todos os "espíritos", "almas perdidas", e assim por
diante são superstição. Para existir em nossa realidade, é preciso uma
forma sólida. Então, se confrontado com uma sombra, é suposto que seja
um engano ou uma projeção pós-morte. Para alguns indivíduos
magicamente capazes, a morte vem devagar, na medida em que, mesmo
depois de seus corpos cessarem sua função e se tornando clinicamente
mortos, sua magia mantém suas mentes funcionando por um longo
período de tempo. Na verdade, eles estão na maior parte mortos. Neste
estado, algumas pessoas podem projetar uma imagem de si mesmas,
especialmente se elas são auxiliadas pela magia de um necromante
treinado ou de um meio. O folclore está cheio de exemplos de tais
fenômenos. Por exemplo, há um conto em Mil e Uma Noites que
apresenta um sábio cuja cabeça foi derrubada do corpo após a morte e
colocada sobre um prato. Reconheceu pessoas familiares para o sábio e foi
capaz de falar. Mas estou divagando. —Ele convidou a próxima pergunta
com um aceno de cabeça.

— Você está ciente de quaisquer necromantes não afiliados a Nação e


94

capazes de navegação vampírica que atualmente estão ativos na cidade?


Página

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Conto 3.5

O rosto de Ghastek revelou um desgosto, como se tivesse sentido o


cheiro de algo desagradável. Ele claramente não quis responder à pergunta.
— Sim.

— Por favor, identifique os indivíduos descritos.

— Lynn Morriss.

Oh, uau. Spider Lynn foi um dos sete maiores Mestres dos Mortos em
Atlanta. Todos os Mestres dos Mortos da Nação marcavam seus vampiros.
A marca de Lynn era uma pequena aranha estilizada. — Quando ela
deixou a Nação?

— Ela retirou sua filiação há três dias.

Segundo Raphael, essa era a data de morte de Alex Doulos. Poderia


ser uma coincidência, mas eu duvidava muito disso.

— Ela também comprou vários vampiros fora de seu estábulo, —


Ghastek ofereceu.

— Quantos ela pode pilotar de uma vez? —Perguntou Raphael.

— Três, —disse Ghastek. — Até quatro em um bom dia. Seu controle


torna-se instável depois disso.

— Por que ela foi embora? —Perguntei.


95

— Ela ficou desiludida. Todos nós buscamos atingir nossos objetivos.


Página

Alguns estão dispostos a esperar e outros, como Lynn, perdem a paciência.

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Conto 3.5

— Como você a descreveria?

Ghastek suspirou. — Precisa, sem piedade, única. Ela não gostava


nem desgostava. Ela fazia seu trabalho bem e exigia pouca atenção.

— O que a levou a deixar a Nação, em sua opinião?

— Eu não sei. Mas foi profundamente significativo. Não se abandona


quinze anos de trabalho árduo sem um motivo.

Eu levantei. — Muito obrigado pelo seu tempo.

Ghastek assentiu. — Obrigado. Quando fiz o acordo com Kate, nunca


imaginei que a restituição fosse tão fácil. Deixe-me lhe dizer. —O vampiro
se moveu pela porta. — Um pequeno aviso: se Lynn Morris decidiu fazer sua
nova casa nos Arranhões, eu aconselharia você a ficar longe disso. Lynn é
uma oponente formidável.

— A Nação planeja tomar qualquer ação contra ela?

— Não, —disse Ghastek com um pequeno sorriso. — Não há


necessidade.

COCOCOC
Lá fora, entrei em nosso veículo, a mancha da magia vampírica
96

se agarrando a mim como fumaça gordurosa. — Eu me sinto suja.


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Conto 3.5

— Como entrar em um quarto depois de um dia de trabalho, cair na


cama e perceber que os lençóis estão cobertos de gel K-Y23, —disse
Raphael.

Eu apenas olhei para ele.

— Com um cheiro ruim, —acrescentou ele.

Meu condicionamento da Ordem me falhou. — Eca.

Raphael sorriu.

— Eu nem vou perguntar se isso aconteceu com você. —Eu liguei o


veículo. — Isso aconteceu com você?

— Sim.

Eca. — Onde?

— Na casa da bouda.

Eca!

— Eu estava realmente cansado e você viu aquele lugar: tudo cheirava


a sexo ...

— Eu não quero saber. —Eu saí do estacionamento.


97
Página

23
lubrificante

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Conto 3.5

— Então, para onde vamos?

— Para a casa de Spider Lynn. Nós vamos cavar através de seu lixo,
e se isso não funcionar, nós quebraremos algo.

Raphael franziu a testa. — Você sabe onde ela mora?

— Sim. Eu memorizei os endereços de todos os Mestres dos Mortos


na cidade. Eu tenho muito tempo em minhas mãos. —Ele olhou para mim,
parecendo incrivelmente como um cavaleiro pirata de minhas novelas de
romance favoritas.

— O que mais você armazena na sua cabeça?

— Isso e aquilo. Lembro-me da primeira coisa que você já me disse.


Você sabe, quando me levou do Jeep para a banheira para que sua mãe
pudesse me consertar.

— Eu imagino que foi algo muito romântico, —disse ele. — Algo ao


longo das linhas de Eu tenho você ou Eu não vou deixar você morrer.

— Eu estava sangrando na banheira, tentando realinhar meus ossos,


e minhas glândulas de hiena anulavam a dor. Você disse: Não se preocupe,
temos um excelente sistema de filtração.

A expressão no seu rosto não tinha preço.


98

— Isso não pode ser a primeira coisa.


Página

— Sim, foi.

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Conto 3.5

Dirigimos em silêncio. — Sobre o K-Y, —disse Raphael.

— Eu não quero saber!

— Uma vez que o lavei do meu cabelo ...

— Raphael, por que você está fazendo isso?

— Eu quero fazer você dizer 'Eca' novamente.

— Por que no mundo você quer fazer isso?

— É um impulso masculino irreprimível. Só tem que ser feito. Como


eu dizia, uma vez que eu lavei ...

— Raphael!

— Não, espere, você vai gostar da próxima parte.

COCOCOC
Quando chegamos à casa da Spider Lynn, minha resistência tinha
sido testada até seus limites.

Seu lugar era uma pequena casa de estilo rancho, voltando para a
estrada e escondido por uma cerca de madeira de um metro e oitenta de
altura. Abri a lata de lixo. Uma nuvem de cheiro rançoso me atingiu. Sujo,
99

mas vazio.
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Conto 3.5

Raphael examinou a cerca, começou a correr e circulou sobre ela,


lançando-se no ar como um ginasta. Eu fiz isso de forma antiquada: eu
corri, pulei, agarrando a borda e puxei-me para cima e para cima.

Raphael tirou alguns grampos e os inseriu na fechadura. A porta


clicou e entramos numa garagem vazia e escura. Eu pisquei um par de
vezes, ajustando-me à escuridão, e então minha visão noturna entrou. As
garagens de algumas pessoas se assemelhavam a uma pós-venda de
quintal. Spider Lynn era ordenada e precisa, uma coleção de ferramentas
e utensílios de limpeza estava cuidadosamente pendurados em ganchos. O
chão foi varrido. Se eu tivesse uma garagem, a minha seria exatamente
assim.

A porta que levava da garagem para a casa estava presumivelmente


trancada e demorou dez segundos a ser atacada por Raphael. No interior
havia uma cozinha suburbana de luxo com aparelhos de aço inoxidável e
móveis novos. Pia perfeitamente limpa. Nenhum odor de podridão do lixo.
As assinaturas do cheiro eram antigas.

Ela não tinha estado na casa há pelo menos dois dias.

— Interessante, —disse Raphael.

Eu fui para perto dele.


100

Um grande entalhe marcava a parede da sala de estar logo abaixo de


Página

uma pintura de algumas formas geométricas. Uma mancha se espalhava


por isso. Abaixo, fragmentos de vidro quebrado brilhavam, capturando a

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Conto 3.5

fraca luz do dia das janelas, entre hastes verdes arrumadas. Alguém jogou
um vaso contra a parede.

— Quão alta ela é? —Raphael perguntou.

— Um pouco mais alta que eu.

— Talvez tenha sido ela então. Eu atingiria muito mais alto.

Nós olhamos para a mancha. — Ela estava com raiva, —eu disse.

— Muita.

— Não é de um amante.

Raphael assentiu. — Flores brancas.

Inspirei, classificando o aroma do pólen: perfume quase nítido de lírios


brancos, perfume leve de cravos, doce fragrância de ...

— Arranjo de simpatia, —ambos dissemos ao mesmo tempo.

Eu me agachei pela pilha de caules e escavei por ele. Meus dedos


deslizaram contra um retângulo úmido. Puxei livre um pequeno cartão
com um logotipo, uma cobra serpenteando em torno de um copo de vinho.
As letras abaixo diziam:

Bright Light Hospital, Instituto de Traumatologia de Atlanta.


101

Abri o cartão e li em voz alta.


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Eu sinto muitíssimo. Ben Rodney, MD, CMM.

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Conto 3.5

Doutor em Medicina e Mago Médico Certificado.

Raphael inclinou-se e tocou o cartão. — Alex era paciente lá. Eu sei o


que é isso: quando não há nada mais que possam fazer, eles lhe enviam as
‘coloque seus assuntos em ordem’ flores.

— Ela estava morrendo.

— Parece assim.

— Pelo menos estabelecemos a conexão entre ela e Alex. —Eu olhei


para o cartão.

Nós pesquisamos o resto da casa. No escritório, encontramos um


gabinete de arquivo cheio de registros médicos. Spider Lynn foi
diagnosticada com a doença de Niemann-Pick, tipo C. Uma doença
progressiva e incurável, afetou seu baço e fígado e danificou seu cérebro.
Coisas simples como andar e engolir tornaram-se cada vez mais difíceis.
Ela teve dificuldade em olhar para cima e para baixo. Sua visão e audição
estavam desaparecendo. Logo ela seria uma prisioneira em seu próprio
corpo, e então morreria.

— Venha ver isso, —Raphael chamou.

Eu o segui até a biblioteca. O chão estava coberto com livros. Raphael


102

pegou um. — E assim, Hades agarrou Perséfone e a levou em sua carruagem até
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as profundezas do reino sombrio dos mortos. Em vão, sua mãe, a generosa


Demeter, procurou sua filha. Sozinha, a Deusa da Colheita perambulava pelo

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Conto 3.5

mundo, vestida de trapos, como uma mulher comum e, em sua tristeza, se


esqueceu de cuidar do solo e cultivar plantas. Rejeitou suas oferendas, as flores
murcharam em seus talos, as árvores derramaram suas folhas em luto, e tudo o
que havia sido verde e vivo, enrubescido e morto. O inverno havia chegado ao
mundo e as pessoas gemiam com fome. Mesmo as maçãs douradas no pomar de
Hera caíram dos galhos nus da árvore sagrada.

— Animador. —Verifiquei alguns outros livros. — Mesma coisa.

— Este está em grego. —Raphael levantou um tomo enorme e


empoeirado e apontou para a página. Era uma foto de uma maçã.

— Então ela está obcecada com Hades e maçãs. O que sabemos sobre
essas maçãs? —Eu olhei através do livro.

— Aqui está um, —disse Raphael. — Eris, a Deusa da Discórdia, só não


foi convidada a participar do casamento. Silenciosamente, ela ficou remoendo até,
ser consumida por sua necessidade de vingança, escolheu uma maçã dourada,
escreveu Kallistri. Que significa ‘Para os mais justos’, sobre sua pele dourada, e
jogou-a no meio da festa dos Olimpianos. E assim começou a Guerra de Tróia ...

— Bem, isso foi curto, mas não nos ajuda. —Eu procurei no meu livro.
— Aqui está o décimo primeiro trabalho de Hércules. Ele precisava pegar
as maçãs douradas da imortalidade do pomar de Hera. —Eu parei e olhei
103

Raphael.
Página

— Maçãs de imortalidade, —disse ele. — Vejam só.

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Conto 3.5

Eu toquei o livro. — O que sabemos até agora? Spider Lynn está em


estado terminal. Ela está obcecada com maçãs de imortalidade,
provavelmente porque acha que pode curá-la. Ela está segurando a sombra
de Alex Doulos refém para fins desconhecidos. Alex era o sacerdote de
Hades.

— Hades roubou Perséfone, que era filha de Demeter, deusa da


colheita, que controlava as estações, que afetaram as maçãs da
imortalidade de Hera. É como jogar seis graus de separação.

Raphael virou seu livro. — Ele diz aqui que as maçãs são a comida
dos deuses. Elas e ambrosia mantêm os deuses jovens e imortais. O que
você acha que acontece se aquela puta os come?

— Nada de bom. —Nós tínhamos lidado com dois deuses durante o


flare. Eu ainda tinha pesadelos. Eu poderia dizer pelo rosto de Raphael que
ele não gostaria de repetir a experiência também.

— Nós vamos ter que invadir aquela casa.

— Sim. —O rosto de Raphael era sombrio.

Uma casa protegida por um cachorro gigante, cercada por uma cerca
elétrica e uma proteção forte, e escondendo pelo menos três vampiros,
pilotados por uma mulher superada pela raiva e aterrorizada pela morte.
104

Que bom que eu tinha a Baby Boom.


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COCOCOC
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Conto 3.5

Nós ficamos de pé em frente ao Jeep, na extremidade do território

de Cerberus, esperando a magia drenar do mundo. Raphael se inclinou ao


meu lado, ainda absorvido no livro dos mitos gregos. Ele lia, brincando
com uma faca pequena, girando-a distraidamente com a mão esquerda, os
dedos pegando o lado que acabara de apontar. Alça, ponta, alça. O pôr-
do-sol, sangrando laranja no céu pálido. Experimentei a brisa da noite e
acariciei minha arma gigante.

Ser um profissional significava que você adestrava seu medo. Você


lutava com o seu terror até que o domesticasse e o fazia servi-lo. Isso o
fazia mais nítido e ajudava você a permanecer vivo. Mas não importa quão
manso se tornasse seu medo, ainda roubava sua alma. Eu não queria entrar
na casa cheia de vampiros. Não queria que Raphael fosse ferido.

Eu tinha lutado tanto para não me apaixonar por ele, mas fiz de
qualquer forma, e agora, tendo estado com ele, depois de acordar ao seu
lado, sabia que tínhamos algo. Era uma coisa muito pequena e frágil, e eu
rasgaria uma centena de vampiros para mantê-lo seguro.

— Você é minha Artêmis, —disse Raphael.

Eu pisquei.

— Feroz, espinhosa, bela caçadora, para sempre pura e intransigente.


105

Espinhosa? Mais como cadela. — Eu não sou tão pura.


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Conto 3.5

Ele se inclinou. Sua mão escovou a parte de trás do meu pescoço e o


senti pressionar os dentes na minha pele. Todos os nervos do meu corpo
cantaram. Meus mamilos contraíram, e um calor lento e faminto floresceu
abaixo do meu estômago.

A voz de Raphael era uma sedução sussurrante no meu ouvido. —


Não há ninguém para nos ver por quilômetros e quilômetros, mas você
está corando. Como isso não é puro?

Seu sorriso era puro pecado. Eu me aproximei dele e me encostei


contra o seu peito, descansando minha cabeça em seu ombro. Ele ficou
rígido, surpreso, e aconcheguei-me mais perto, absorvendo o calor do seu
corpo. Ele ergueu o braço e colocou-o em volta dos meus ombros. Eu me
concentrei e ouvir o batimento constante de seu coração, forte e um pouco
rápido demais. Ele também estava ansioso.

— Se sairmos desta bagunça vivos e sem danos, você gostaria de


passar a noite no meu apartamento ou você quer que eu fique com você?

— De qualquer maneira vai funcionar, —ele disse suavemente.

O ataque de seis meses a minha fortaleza tinha colocado um dano


definitivo na armadura de Raphael. Demoraria bastante a convencê-lo de
que ele não tinha que ser encantador, espirituoso e sexy ao meu redor,
106

todas as horas e dias. Alguma parte de mim esperava que, uma vez que
tivéssemos feito sexo, tudo se suavizasse. Mas no final, ele ainda era
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Conto 3.5

inseguro e ainda estava quebrado. O sexo era simples. Estar juntos era
muito mais complicado.

Nós ficamos juntos e observamos o pôr-do-sol. A magia bateu.

— Tempo de tirar a sombra de Doulos daquela cadela, —disse


Raphael.

— Você percebe que se estamos certos e Cerberus está atrás de seu


cadáver, ele seguirá Doulos onde quer que o levemos?

— Sim. Mas minha mãe merece dizer adeus.

Ele tirou a roupa, parou por um momento, a brisa bateu em sua forma
perfeita e ele abriu a boca. Um gemido se libertou, se aprofundando em
um grunhido, enquanto seu corpo se esticava e engrossava, músculos duro
envolvendo-o. A pele o envolveu. Ele olhou para mim e seus olhos estavam
completamente selvagens.

Levantei a Baby Boom. Raphael pegou um poste de metal de um


metro que ele arrancou da encosta no caminho. Nós nos dirigimos pelos
barrancos para a casa.

— Essas balas são do tamanho de uma nota de dólar, —disse Raphael.

— Elas são Silver Hawks: cartuchos blindados de perfuração,


107

incendiários, explosivos e de carga de prata. Eles cortam a armadura,


colocam as coisas em chamas e explodem dentro do alvo, fornecendo uma
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Conto 3.5

carga de prata extremamente potente. Baby Boom dispara duzentos destes


por minuto.

Um ronco entusiasmado rolou à nossa frente. O chão estremeceu com


a batida das patas gigantes.

— Elas podem lidar com o cachorro? —Ele perguntou.

— Estamos prestes a descobrir. —Eu levantei a Baby Boom.

— Aqui, Fido ... Aqui, garoto ...

Em frente, Cerberus contornou a curva e avançou para nós. Apertei o


gatilho. Um ruído agudo da bala percorreu o ar. Baby Boom balançou nas
minhas mãos, o recuo me atingiu forte. As balas penetraram no peito de
Cerberus, perfurando o músculo até o coração. O sangue voou. O grande
cão do inferno correu mais três passos, não percebendo que o enxame letal
já havia destruído sua vida, tropeçou e caiu, as patas sobre a cabeça. Ele
rolou e deslizou para parar a um metro de mim em uma ruína fumegante.

— Boa arma, —disse Raphael.

Cinco minutos depois, chegamos à cerca elétrica. Raphael cruzou os


dedos das mãos juntas e ofereceu-os para mim como um suporte. Eu pisei,
empurrando forte, e ele me jogou, adicionando força ao meu salto. Eu me
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atirei sobre a cerca, virei-me no ar e pousei no chão. Baby Boom veio


voando em seguida. Peguei e gentilmente a deixei no chão. Nos lugares
Página

apertados dentro da casa, ela restringiria demais meus movimentos. Eu


tirei meus P226s, o peso familiar das armas de fogo gêmeas eram

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Conto 3.5

reconfortantes em minhas mãos. Raphael começou a correr, poste na mão,


e saltou sobre a cerca, pousando graciosamente ao meu lado. Tinha
momentos em que o Lyc-V era útil.

COCOCOC
Nós corremos para a casa e me pressionei contra a lateral. Raphael
bateu um único chute na porta e as dobradiças voaram, caindo na
escuridão. Abri a porta e pisei na escuridão. A porta levou a um vestíbulo
estreito. À direita, as escadas levavam ao segundo andar. Em frente, havia
um corredor e passando por uma porta, uma sala de estar esperava
mergulhada no crepúsculo, as formas sombrias e volumosas de móveis
como as espinhas de animais dorminhocos.

O cheiro nauseante de carne morta atou-se as minhas narinas.


Grudou-se no chão, permeando os tapetes. Se o cheiro tivesse cor, essa
sensação gotejaria em gotas oleosas e gordas de preto. Era impossível dizer
de onde vinha.

Um momento depois, peguei outro aroma: o aroma amargo e clínico


do líquido de embalsamamento. Um corpo humano nos esperava em algum
lugar da casa.
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Meus olhos se ajustaram à luz baixa. Atravessamos o vestíbulo em


Página

passos silenciosos, abrimos a porta e emergimos no corredor.

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Conto 3.5

Lento e estável, quarto a quarto. Um morto-vivo esperava no final


desta corrida, e tive a sensação de que nos encontraria antes de o
encontrarmos.

Dois quartos pequenos e mofados depois, entramos no quarto


familiar. Os móveis antigos estavam empilhados ao acaso nas paredes. No
centro da sala, no tapete velho e imundo, estava o cadáver de Alex Doulos.
Uma enorme corrente presa no tornozelo do corpo, ligando-o a uma haste
dirigida para o chão.

Dois olhos vermelhos acenderam do monte de móveis na parede


oposta.

Atirei. As duas primeiras balas perfuraram a cabeça do vampiro.

O vampiro saltou.

Minhas armas cuspiram trovões e balas em um ritmo letal, seguindo


o sanguessuga enquanto ele se deslocava pelo ar.

Raphael pulou da esquerda e levantei as armas uma fração de segundo


antes de ele cair no vampiro por trás. O vampiro ficou mole em suas mãos.
Minhas balas tinham mastigado o crânio. Raphael agarrou o queixo do
vampiro, expondo o pescoço, sua faca brilhou, e a cabeça voou pela sala.

Eu recarreguei. O sanguessuga tinha sido destituído. Seus olhos


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estavam muito enlouquecidos e ele me atacou diretamente, sem qualquer


Página

consideração pelo fato de que havia dois de nós. Spider Lynn foi embora.
Ela tinha deixado o vampiro para nós como um presente.

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Conto 3.5

Demorou dez minutos para procurar o resto da casa. Vazia como


esperado. Não pensei que ela sacrificaria outro vampiro. Encontramos o
gerador e o desliguei, cortando a energia para a cerca.

Voltamos para o corpo. Alex estava de lado, jogado no chão como um


pano sujo. A morte roubou seu calor, mas seus traços ainda mantiveram
pistas de sua personalidade: um conjunto de linhas de riso ao redor dos
olhos; queixo forte; testa larga e alta. Seu cabelo era puro branco e
desgastado o suficiente para alcançar seus ombros. Um pequeno objeto
verde estava nele. Eu peguei isso. Um pequeno carro de brinquedo. Que
estranho. Coloquei o carro no meu bolso. Tínhamos que levá-lo para fora
deste lugar terrível. Raphael tocou a corrente presa no tornozelo de Alex e
afastou a mão. Uma liga de aço prateado.

A corrente apertava o tornozelo de Alex com muita força. Nenhum


de nós conseguiria fazê-lo sem queimar toda a carne dos dedos. Eu rasguei
o tecido do sofá mais próximo, envolvi-o em torno da haste ao qual o corpo
estava acorrentado e esticado. Nem se moveu.

— Deixe-me.

Raphael agarrou a haste. As veias em seu rosto se esticaram e ele


rasgou isso livre. Ele colocou o corpo sobre o ombro e jogou a corrente às
suas costas. Isso teria que servir.
111
Página

COCOCOC
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Conto 3.5

Levamos três horas para atravessar a cidade. Dirigimos através dos


restos dilapidados do Distrito Industrial e deixamos Atlanta para trás.
Florestas substituíram as ruínas. A estrada cresceu instável. Nenhum de
nós disse nada. O cadáver envolto em um cobertor e descansando no banco
de trás me impediu de falar, e Raphael parecia imerso em pensamentos.

O vento frio nos avivou. A noite era vasta e cheia de uma enxurrada
de aromas. Uma porção de estrelas brilhavam acima, indiferente a nós e
nossos pequenos problemas.

Trinta minutos depois, puxamos para a estrada lateral, mergulhando


na floresta densa. A estrada de terra virou, nós viramos e uma grande casa
de estilo fazenda veio à tona. A casa da bouda. Geralmente estava cheio
de vida: sentinelas rondavam as florestas, e as risadas insanas flutuavam nas
correntes do vento, misturando-se com gemidos e grunhidos de libertação
sexual. Mas agora estava quieta. Raphael disse que todos tinham saído,
deixando a Tia B sofrer em privado, mas não chegamos a casa até que eu
realmente a vi.

Uma mulher nos esperava na varanda, com as mãos cruzadas sob seus
seios. De meia-idade e gorda, ela usava o cabelo sobre a cabeça em um
coque. As sombras distorciam seu rosto geralmente feliz. Parecia uma avó
112

muito jovem, que acabara de perceber que o ônibus escolar do neto tinha
Página

dez minutos de atraso.

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Conto 3.5

Nós estacionamos. Raphael saltou e pegou suavemente o corpo de


Alex. O cabelo branco de Alex caiu sobre o braço de Raphael. Tia B olhou
sem dizer uma palavra enquanto o monstro que era seu filho e meu
companheiro carregou o corpo de seu amante para ela e estendeu-o. Uma
única palavra escapou de sua monstruosa boca.

— Mãe …

Os lábios da Tia B tremiam. Ela caiu contra o poste da varanda. Seus


ombros tremiam e ela cobriu a boca com a mão. Lágrimas incharam em
seus olhos. Nenhum soluço escapou de seus lábios. Ela simplesmente ficou
ali e chorou, tristeza pura e crua em seu rosto. O que eu faço? Ela era a alfa.
Alfas não ... Eles não mostravam fraqueza. Eles não choravam.

Ela era apenas uma mulher. Caminhei até a varanda e a abracei.

— Vamos levá-lo para dentro.

Por um momento, pensei que ela iria apertar meu pescoço, e então ela
assentiu sem palavras e eu abri a porta.

Nós o levamos e o colocamos em uma mesa na sala dos fundos. Ela


afundou em uma cadeira ao seu lado. Raphael sentou-se no chão ao lado
dela e ela acariciou sua cabeça. Entrei na cozinha, fiz chá de ervas, e levei
para ela. Raphael tinha ido e Tia B ficou sozinha. Seu rosto estava
113

molhado com lágrimas. Seus olhos olharam para mim. Ainda afiada e
Página

rígida. Ela pegou o copo. — Obrigada.

Assenti com a cabeça, sem saber o que fazer comigo mesma.

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Conto 3.5

— Você e meu filho estão juntos?

Tudo dentro de mim apertou, me lembrando que eu era bestial e ela


era a alfa dos boudas.

— Sim.

— Isso é bom, —ela disse suavemente. — Eu sempre gostei de você.


Ela olhou para Alex. — Faça o melhor que puder. Do jeito que nós
fizemos.

A magia surgiu, afogando-nos. O contorno do corpo de Alex cintilou.


Um brilho pálido libertou-se do cadáver e congelou-se em Alex Doulos.
Ele viu Tia B. Sua voz era como o sussurro de folhas secas sob os pés.

— Beatrice?

— Sim, —ela disse suavemente.

Eu saí na ponta dos pés da sala.

COCOCOC
Encontrei Raphael lá fora, na varanda. Muito volumoso para se
encaixar em uma cadeira em sua forma de guerreiro, ele sentou-se no chão.
O duro músculo tencionava suas costas. Seus braços longos estavam
114

dobrados em seus joelhos e as garras de sua mão direita projetavam,


Página

crispadas à luz da lua. Ele realmente parecia monstruoso. Assim como o


meu eu secreto. Sentei-me ao seu lado.

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Conto 3.5

— Se eu morrer, você vai sofrer por mim? —Ele perguntou.

— Sim. Mas antes de fazer isso, vou lutar para salvar você.

— Por quê?

Coloquei minha mão em seu antebraço peludo. — Porque me sinto


bem quando você está perto de mim. Não é apenas sexo, e não é solidão,
é mais do que isso. É meio amedrontador. Eu acho que é por isso que lutei
por tanto tempo.

O gramado diante de nós parecia continuar para sempre, cada lâmina


de grama lisa com luz de lua refletida. Logo Cerberus viria correndo, suas
patas triturando grandes buracos na grama perfeita.

— Você acha que nós teremos o que eles tiveram? —Perguntou ele.

— Eu não sei. Eu acho que o que eles tinham cresceu ao longo de


muitos anos. Ainda temos muitas coisas para descobrir. Mas eu gostaria
de tentar, Raphael. Quando eu disse que você é meu, eu quis dizer isso. Eu
não faço as coisas pela metade. Para o melhor ou o pior.

Ouvimos passos leves. A porta se abriu. — Ele quer ver você, —disse
Tia B.

Alex Doulos tinha uma voz suave e gentil. — Meu tempo é curto, —
115

disse ele. — Você conhece o mito de Hades e Perséfone?


Página

— Sim, —respondeu Raphael.

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Conto 3.5

— Bom. Isso fará as coisas simples então. Sou sacerdote de Hades.


Minha família o serviu há gerações. Um dos nossos deveres é atender aos
santuários secretos do Hades. Eles estão espalhados por todo o mundo e
mantidos escondidos. Durante o Flare, em um dos santuários cresce
aleatoriamente uma macieira, que dá frutos.

— Maçãs de Hera, —eu disse.

Alex fez um gesto com o seu braço. — Os Vikings chamam-lhes as


Maçãs de Idun, os russos chamam de Maçãs da Juventude, e nós as
chamamos de Maçãs de Perséfone. O nome não importa. As maçãs devem
conceder aos jovens uma vida jovem e longa. Quando comido por
humanos normais, que não têm a dádiva ou a imunidade de Perséfone, as
maçãs produzem consequências horríveis. É por isso que guardamos a
árvore até que as maçãs amadureçam e sacrificamos a fruta a Hades.
Nenhuma parte das maçãs deve permanecer em nosso mundo. É meu
dever garantir que as maçãs sejam destruídas. É o propósito do meu
serviço. Mas eu falhei. Meu corpo foi sequestrado por uma mulher que se
chama Spider Lynn. Ela está morrendo e quer as maçãs para si mesma.
Ela não deve comê-las. É muito, muito importante. Ela não deve comê-
las.

Onde está Lynn agora? —Perguntei.


116

— Eu imagino que ela esteja no santuário. Fica na floresta atrás da


Página

minha casa de verão. Raphael, você se lembra, tivemos um churrasco


naquela casa no ano passado.

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Conto 3.5

Olhei Raphael. — Está do outro lado da floresta, na fronteira com o


nosso território. Não muito longe, —disse ele. — Como ela descobriu a
localização do santuário?

A sombra de Alex estremeceu. — Eu disse a ela. Ela percebeu que não


podia me obrigar a revelá-lo e então ela sequestrou meu sobrinho. Seus
pais estão ausentes e eu estava cuidando do menino. Não podia deixar os
vampiros ferirem a criança.

Puxei o carro de brinquedo verde do meu bolso. — O menino …

— Sim, —confirmou Alex. — É dele. Raphael, eu sei que você não é


meu filho e não me deve nada. Mas peço-lhe, por favor, não deixe que ela
consiga as maçãs. Salve o menino. E o que quer que você faça, não as
coma.

— Eu farei isso, —disse Raphael simplesmente.

— O santuário é protegido por uma serpente, mas não durará por


muito tempo contra os vampiros de Spider Lynn. Pegue a pulseira do meu
braço. Ela destrava a barreira que guarda o santuário. Lynn tem magia
suficiente para se forçar além do feitiço defensivo, mas a deixará
enfraquecida. Ela vai precisar de tempo para se recuperar. Você não vai.

Um rugido ensurdecedor sacudiu a casa. — Cerberus nos achou.


117

— Ele veio por mim. —Alex sorriu. — É hora de ir. Pegue a pulseira.
Página

Ela vai desbloquear a barreira e deixar você pegar as maçãs.

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Conto 3.5

Raphael deslizou o simples elo de metal do pulso direito do cadáver e


colocou-o sobre o dele. A pulseira apenas fechou dois terços do pulso. —
Você realmente vai até Hades?

— Eu não sei, —disse Alex. — Mas o último do meu poder está


desaparecendo. Meu corpo está morto, Raphael. Eu não posso mais
segurá-lo. A terra é o lar dos vivos, não dos mortos. Não me lamente.
Minha vida foi cheia e bem vivida. Tive sorte. Alguns podem até dizer
abençoado. Só queria que eu tivesse vivido alguns dias mais para que eu
pudesse destruir as próprias maçãs em vez de forçar esse fardo para você.
Isso e as lágrimas de sua mãe são meus únicos arrependimentos.

Tia B levantou-se, pegou o cadáver e caminhou para fora. Nós a


seguimos. Ela caminhou até o gramado. Eles disseram algo um ao outro,
muito baixo para ouvir, e então ela o abaixou na grama e se afastou.

As árvores explodiram. Uma forma gigante através dos troncos


trotava para o aberto, suas três cabeças perto do chão. A cabeça central
cheirou o corpo de Alex e pegou-o, apertando-o em seus grandes dentes.

— Cuide da sua mãe, Raphael, —gritou uma voz fantasmagórica.

O corpo explodiu em chamas. O grande cão uivou e desapareceu.

Os olhos de Raphael brilharam uma vez, pegando a luz da lua. —


118

Você está comigo?


Página

— Quem mais irá proteger sua bunda peluda?

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— Eu também vou, —disse Tia B.

Raphael balançou a cabeça. — Nós temos isso.

Seus olhos brilhavam vermelhos, um precursor de um olhar alfa.

— Ele não queria que você estivesse envolvida, —disse Raphael. —


Ele pediu a mim, não a você. O clã precisa de você.

— Nós temos isso. —Eu assenti.

Nós viramos as costas para ela e nos dirigimos para o Jeep. — Nós
acabamos de desafiar sua mãe, que também é seu alfa? —Eu murmurei.

— Sim, nós fizemos.

Olhei por cima do meu ombro e vi tia B de pé ali com um olhar


desconcertado em seu rosto. — Vamos mais rápido antes que ela perceba
isso.

COCOCOC
A magia acabou e Baby Boom era inútil. Peguei uma besta e uma
seta do Jeep e segui Raphael para dentro da floresta. Ele entrou em uma
corrida, desumanamente rápido em forma de guerreiro, e eu lutava para
manter-me com ele.
119

Meio quilômetro depois Raphael parou. — A magia acabou, —ele


Página

disse suavemente.

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— Eu sei.

— Você é mais lenta nesta forma.

Eu corri o mais rápido que pude. Quando estávamos ambos em forma


humana, eu era mais rápida. Mas na forma de guerreiro, ele era mais
rápido.

— Você não consegue acompanhar.

Eu percebi o que ele estava dizendo. — Não.

— Andrea …

— Não!

— Estamos atrasados, —disse ele. — Há um garotinho lá fora com


pelo menos dois vampiros. Nós nem sabemos se ele está vivo.

Meu coração bateu no meu peito. — Você não entende. Perco o


controle quando sou ela.

— Andrea, por favor, —disse ele. — Estamos perdendo tempo.

Fechei os olhos. Ele estava certo. Tínhamos que salvar o menino.


Tínhamos que tirar as maçãs de Lynn. Eu tinha que ...

Tirei minhas roupas e alcancei a besta morando dentro de mim. Ela


120

sorriu e saltou, fluindo sobre meus braços, minhas pernas, minhas costas,
me dando força. Meus ossos esticados, meus músculos incharam, e lá
Página

estava eu, revelada e nua. Os metamorfos tinham escolhas: ser humano,

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Conto 3.5

forma de guerreiro ou animal. Eu tinha apenas duas: o eu humano e o eu


secreto.

Os olhos de Raphael brilharam de vermelho. Ele correu.

Peguei minha besta e depois a soltei. Minhas garras eram muito


longas. Eu não conseguiria manejar ela. Eu teria que lutar com minhas
garras e dentes. Peguei o pequeno carro de brinquedo e escondi-o no meu
punho. Raphael era uma mera sombra a distância. Eu explodi em uma
corrida. Parecia voar, leve e fácil. Meus músculos agradeceram o esforço e
eu corri, alcançando-o com facilidade. Juntos, atravessamos a floresta, dois
pesadelos humanoides, rápidos e escorregadios, nossas vozes apenas
sussurros.

— Eu não posso te ver.

— Eu não quero que você me veja. —Eu escolhi propositadamente


meu caminho, então ele pegou apenas pequenos flashes de mim.

— Não se esconda de mim, —ele pediu.

Eu o ignorei.

De repente, ele atravessou a minha frente. Não tive chance de me


esconder. Ele viu tudo de mim: meus membros, meu rosto que não era
121

animal nem besta, meus seios ...


Página

— Você é adorável, —ele sussurrou enquanto passava por mim em


uma explosão.

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Conto 3.5

— Você é doente, —eu disse a ele.

— Você tem uma perfeita união humana e animal: proporcionada,


elegante e forte. Sua forma é o que nós aspiramos. Como sou doente?

— Eu sou um ser humano!

— Eu também. Você não precisa se esconder, Andrea. Eu acho você


bonita.

Ninguém, não humano, não metamorfo, nem minha mãe nunca me


disse que a forma da fera era bonita. Dentro de mim, o eu humano pôs as
mãos no rosto e chorou.

Quilômetros passaram. Nós passamos por uma casa em um borrão de


velocidade. As árvores se separaram, e nós explodimos em uma clareira.
Uma barreira acendeu-se com ouro, impedindo nosso caminho em uma
parede translúcida.

Dentro da barreira, um menino de cabelos escuros se agachou no


chão, abraçando os joelhos. Junto dele, um vampiro morto, jogado na
grama, seu crânio quebrado. À esquerda, uma serpente naturalmente
grande estava morrendo na grama, um segundo vampiro preso ao seu
corpo. O pescoço do vampiro estava quebrado, as vértebras esmagadas.
Sangue encharcava o corpo da serpente. Com cada novo aperto, mais
122

sangue lavava as escamas. Além, um anel de colunas esculpidas em pedra


Página

branca e pura guardava um arbusto de maçã estreito. Quatro maçãs


amarelas pendiam dos galhos. A quinta maçã, com uma pequena parte

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Conto 3.5

mordida, deitada na grama, pela mão de uma mulher de cabelos escuros.


Ela caiu na grama. Seu estômago horrivelmente distendido tinha rasgado
suas calças feitas sob medida.

Ah não. Ela comeu. Estávamos muito atrasados.

— Agora olhe o que você fez. —Um homem caminhou até nós, seus
olhos fixos em Spider Lynn. — Eu já te disse para deixar as maçãs
sozinhas.

Raphael grunhiu. O pêlo nas costas cresceram.

O homem era alto e de ombros largos, construído com a força em


mente. A barba escura cobria seu rosto. Ele usava uma camiseta branca,
um par de jeans velhos e botas de trabalho amarelas. Uma camisa de
flanela pendia de seus ombros bloqueados. Parecia um bom e velho em
busca de uma varanda com uma cadeira de balanço e um copo de chá
gelado.

Ele se virou para nós e disse: — Oi.

Isso foi surreal. — Quem é você? —Perguntei.

— Eu sou Teddy Jo.

— Você é o homem que me ligou sobre Raphael correndo de


123

Cerberus?
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— Liguei para Kate, —disse ele. — Você atendeu o telefone. Você tem
a pulseira?

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Conto 3.5

— O que?

— Bracelete de Doulos. Você tem? —Ele viu a pulseira no braço de


Raphael. — Oh, bom então. Nós estamos no negócio.

Lynn se contorceu na grama e começou a chorar. — O que está


acontecendo comigo?

Teddy Jo olhou para ela. — Você trouxe isso para você mesma.

Raphael se lançou para ele. Seus dedos em garras se fecharam na


garganta de Teddy Jo, a pulseira brilhando com aço no antebraço. — O
que você está fazendo aqui?

— Bem, agora, você pode querer repensar isso, —Teddy Jo disse,


levantando o braço. Sua manga caiu para trás, revelando uma pulseira
idêntica, mas feita de ouro. — Dado que estamos do mesmo lado.

Magia bateu meus sentidos. Os olhos de Teddy Jo ficaram pretos. A


camisa de flanela rasgou nas costas e duas asas colossais negras
empurraram para a noite. O fogo correu de sua pulseira para baixo em sua
mão em uma lâmina flamejante.

— Thanatos! —Lynn gritou.

O anjo da morte apertou o pulso de Raphael e apertou. Raphael


124

mostrou os dentes e esmagou a garganta de Thanatos.


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O estômago de Lynn torceu. Ela uivou como se estivesse sendo


cortada. O sobrinho de Alex correu.

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Conto 3.5

— Pare! Eu lati para os dois homens. — Há uma criança em choque


sentada atrás daquela barreira, trancada com tudo o que está prestes a
rastejar para fora da barriga de Lynn! Raphael, quebre a maldita barreira.
Teddy Jo, eu juro, se você não o solta neste instante, eu vou arrancar suas
asas!

Os dois olharam para mim.

— Faça!

Teddy Jo o soltou.

Raphael empurrou o braço para a barreira e a parede de ouro caiu,


revelando o santuário. Eu pulei para dentro e peguei o menino em meus
braços. — Escute-me.

Ele olhou para mim com os olhos vazios. Para ele, eu era um monstro.

Abri a mão e mostrei-lhe o carro. Ele o tocou suavemente e eu


entreguei a ele.

— Eu não vou te machucar. A casa do tio Alex, você sabe onde é?

Ele assentiu.

— Eu quero que você corra para ela e não olhe para trás. OK?

Ele apertou o carro no punho. Eu o levantei e ele correu.


125

Raphael rosnou para Teddy Jo. — O que diabos você está fazendo
Página

aqui?

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Conto 3.5

Teddy Jo deu de ombros com suas enormes asas. — Estou aqui para
definir as coisas corretamente. Eu sirvo a Hades como Doulos, exceto que
ele era um sacerdote e eu sou algo diferente.

— Onde você estava até agora?

— Olha, cara, eu sigo as regras. Eu gostaria de descer mais cedo e


começar a cortar a cabeça das pessoas, mas eu tenho que me sentar em
minhas mãos e esperar até que alguém morda a maçã. Eu sou o freio de
emergência aqui. Isso é o que me faz ser o cara bom.

Lynn gritou.

— E aí vai ela, —disse Teddy Jo.

O estômago de Lynn rasgou. Uma massa verde deslizante derramou-


se, e quando isso começou a escorrer, Lynn foi sugada, quase como se o
seu corpo tivesse virado para dentro. A massa tornou-se maior e maior,
maior do que uma casa, maior do que Cerberus. Escamas formadas na sua
superfície. A magia enrolou dentro dela, chicoteando meus sentidos em
sobrecarga.

A massa flexionou e desenrolou. Um enorme corpo reptiliano


atravessou a clareira. Três cabeças de dragão quebraram no ar com dentes
perversos, empurrando os pescoços longos.
126

O dragão provou a noite e rugiu.


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Conto 3.5

Teddy Jo disparou em linha reta e pairou, sua espada um farol de luz.


— Vou pegar a cabeça do meio. Vocês façam o que quiserem.

Lynn, o dragão chicoteou e eu vi seus olhos: frios e verdes, desprovido


de qualquer humanidade ou sentimento. Algo dentro de mim disparou.
Fúria afogou o mundo, liberando o pensamento racional. Eu estava com
muita raiva. Ela roubou o corpo de um homem, negando a sua amada seu
luto. Torturou aquele homem. Ela sequestrou e aterrorizou uma criança.
Ela merecia morrer.

Teddy Jo se arrastou até o dragão. A espada flamejante atravessou em


seu pescoço como se fosse manteiga. A cabeça caiu em um cheiro de carne
queimada. Então o tronco estremeceu e se separou pela metade, e duas
novas cabeças brotaram em seu lugar e se lançaram para Teddy Jo.

— Uma Hidra24! Deuses, maldito seja! —Teddy Jo se afastou do


caminho.

Senti o cheiro de sua carne, esperando por mim logo abaixo suas
escamas. Meus dedos flexionaram. Minha língua lambeu minhas presas.
A raiva me calou por dentro, quente, afiada e tão bem-vinda. Andrea, A
Cavaleiro da Ordem, teria que dormir esta noite. Esta noite eu era uma
bestial, a filha de uma hiena.
127
Página

24
Hidra

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Conto 3.5

A carne do dragão acenou, elástica e lisa, enrolando-se diante de mim,


implorando um gosto.

O mundo ficou vermelho. E eu ataquei.

COCOCOC
Sangue. Rasgar, garras, rasgar, rasgar, mais, cavar, cavar a

carne.

Um enorme e pulsante saco inchou diante de mim. Eu o cortei, rindo


quando o sangue me molhou e continuei a rasgar. Tudo ao meu redor,
molhado, vermelhidão quente estremeceu.

— Basta! —Uma força me segurou e me jogou para o lado. Eu voei


pelo ar, caí de quatro patas e ataquei meu agressor. Ele tropeçou e eu caí.
O ar explodiu de meus pulmões com pressa. Minha cabeça girando.

A realidade voltou com uma lentidão pesada. Eu deitei de costas na


grama, meu corpo liso com sangue de réptil. Lentamente, a raiva
desapareceu e vi Raphael.

— Você está ferido? —Eu perguntei a ele.

— Nada danificado.
128

O cadáver do dragão deitou de lado, uma dúzia de cabeças meio


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formadas, alastrando-se como os talos de alguma flor desagradável. Um


grande buraco em seu intestino. Parecia que alguém tinha feito um túnel

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Conto 3.5

através dela. Teddy Jo estava dobrado sobre ela, respirando com


dificuldade.

— Eu fiz isso?

Raphael assentiu. — Você arrancou seu coração. Foi o que finalmente


a matou.

— As maçãs. —Tentei me levantar, mas minhas pernas se recusaram


a obedecer.

Raphael me pegou. — Você está bem?

— Acabada. —A sonolência varreu-me. Meus músculos viraram


algodão. Eu coloquei minha cabeça feia contra seu pescoço. Eu me senti
suja e horrível. Meu estômago se apertou. Se ele não tivesse me afastado,
eu teria cortado e cortado até eu desmaiar. Lentamente, afundou:
ganhamos.

— Eu cuidarei das maçãs, —disse Teddy Jo. — Você leva sua senhora
para casa.

Raphael olhou para ele. — Boa luta, —disse ele.

— Sim, —respondeu Teddy Jo. — Nós não fomos nada mal. Moro
em Warren. Procure-me se você quiser uma cerveja em algum momento.
129

Raphael me pegou no colo.


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— Não se esqueça do menino, —eu sussurrei.

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— Eu não vou. Nós vamos pegar o menino e deixá-lo com minha mãe.
Então eu a levarei até minha casa. Eu tenho uma banheira de jardim. Nós
ficaremos agradáveis e limpos e depois nos arrastaremos para a nossa cama
e dormiremos até o meio dia. Você gostaria disso?

— Muito, —eu disse e lambi seu pescoço. — Raphael …

— Sim?

— Eu os matei. Os boudas que me torturaram e a minha mãe. Voltei


lá depois da Academia, os desafiei e os matei todos, um por um.

Ele lambeu minha bochecha. — Venha para casa comigo, —disse ele
simplesmente.

Eu me agarrei a ele e sussurrei: — Você não conseguiria me manter


longe.

COCOCOC
Não importa o trabalho que um homem tenha, ele sempre acaba
odiando partes dele. Agora, adorava o meu trabalho, a espada, as asas,
cortando as cabeças dos malfeitores e tudo, mas eu odiava voar até
Savannah. Toda vez que eu balançava assim, batia um vento molhado do
130

oceano que voava pelo baixo país. Ele passava por todo o caminho através
Página

de mim até o osso. O suficiente para dar a um homem o gosto de uma


dessas roupas de pára-quedistas de aparência idiota.

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Conto 3.5

Levei um pouco de tempo para finalmente encontrar a casa certa na


luz do pré-amanhecer, um lugar pequeno com tapume branco e telhado
verde, nada de especial, exceto pela a maldita barreira de força industrial
sobre ele. Eu circulei uma vez e senti as barreiras mágicas descerem: Kate
tinha me visto. Nada a fazer além de aterrissar, o que eu fiz, logo no
caminho diante da varanda.

Kate sentou-se na varanda com um livro no colo. Ela era bonita,


bronzeada, de olhos escuros, cabelos escuros. Exótica, mesmo. Não
parecia que ela era daqui, mas quem era hoje em dia? Sua espada estava
ao seu lado, um pedaço pálido. Prestei atenção aos olhos dela e à espada.
Ela era um pouco rápida com o gatilho com ele.

— Eu sempre soube que havia algo estranho sobre você, Teddy Jo, —
disse ela, apontando para as minhas asas.

— Digo o mesmo.

Senti a onda mágica sobre ela. Muito poder lá. Demais. Ela o
escondeu bem, no entanto.

— Como foi?

Eu dei de ombros. — Matei a cobra responsável. Todo mundo está


vivo. Seus amigos estão inteiros. Espero que eles comemorem na cama
131

depois de dormirem.
Página

Ela arqueou uma sobrancelha. — Eles estavam juntos? Como juntos,


juntos?

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— Pareceu assim para mim.

Um sorriso largo torceu seus lábios. Olhando agora, ela tinha um


lindo sorriso. Quem imaginaria?

— Eu tenho algo para você aqui, —eu disse, e mostrei-lhe um saco de


maçãs.

Ela fechou o livro e colocou-o de lado. O título dizia, Leão, Rei dos

Gatos: Explorando o Bando. Entreguei-lhe o saco.

— Não conseguiu encontrar alguém imune à imortalidade de


Perséfone? —Ela riu.

— Vocês não crescem exatamente em árvores. Eu tentei queimá-las,


mas o fogo não faz nada para as malditas coisas.

— Isso é porque elas devem ser comidas ou sacrificadas. —Ela pegou


sua espada, cortou um pequeno pedaço e a colocou na boca. — Azedo.
Acha que elas vão durar por uma semana? Tenho um encontro na próxima
sexta-feira, e eu gostaria de fazer uma torta.

— O encontro pode lidar com as maçãs de Perséfone?

— Ele pode.
132

Eu fiz uma nota sobre isso. Não sabia que havia outra pessoa na área
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imune ao presente de Perséfone. Se eu tivesse que colocar dinheiro nisso,


apostaria que era o Senhor das Feras. A magia era uma coisa engraçada.

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Conto 3.5

Quanto mais velho, mais forte era. Verdade, o poder de fogo de Hades era
de uma variedade antiga, mas a magia que Kate tinha era muito mais
velha, me deu um susto a primeira vez que senti.

Agora, eu vi o Senhor das Feras uma vez. Ele passou por mim e eu
fiquei engasgado. A magia que o cobria era ainda maior do que o sabor da
de Kate. Primordial, e não como metamorfos regulares. O suficiente para
dar a um homem um complexo.

— Eu não vejo por que elas não iriam durar, —eu disse em voz alta.
— As malditas coisas são quase indestrutíveis.

Ela levantou o saco. — Obrigada!

— De nada.

Andei para a grama e disparei no céu. O sol estava subindo. Seus raios
aqueceram minhas asas e eu voltei para Atlanta. Tive uma noite difícil. Era
hora de chegar em casa, tomar um café e alimentar meus Cães. Cerberus
fazia filhotes fofos, mas as coisas malditas certamente comiam muito.

Fim ...
133
Página

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Conto 3.5

Atlanta seria um bom lugar para viver, se não fosse pela magia.
Quando a magia está em alta, os magos desonestos lançam seus
feitiços e monstros aparecem, enquanto as armas se recusam a
disparar e os carros não conseguem iniciar. Mas a tecnologia
volta, e a magia retrocede tão imprevisivelmente quanto surgiu.

Kate Daniels trabalha oficialmente para a


Ordem dos Cavaleiros de Assistência
Misericordiosa, com ligação com a Associação
dos Mercenários. Não oficialmente, ela limpa
os problemas paranormais que ninguém mais

quer tratar—especialmente se eles envolvem

a comunidade de metamorfos de Atlanta.

Quando ela foi convocada para investigar uma briga no Steel Horse, um bar na
fronteira entre os territórios dos metamorfos e os necromantes, Kate rapidamente
descobre que há um novo jogador na cidade. Um que esteve por perto há milhares
134

de anos—e foi à guerra ao lado do pai de Kate.


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Esse inimigo pode ser demais mesmo para Kate e Curran, o Senhor das Feras,
para lidar. Porque desta vez Kate vai assumir a família ...

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