Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Limite e Continuidade
guidade, foi no começo do século XVII que foi mais bem desenvolvido, especi-
almente com os trabalhos de Descartes e Fermat. Os dois desenvolveram uma
técnica para encontrar a equação da reta tangente à curva em um determinado
ponto.
Imagine que a curva y = f (x) descreve a elevação de um certo terreno. Se essa
curva descreve uma reta, o terreno é uma ladeira com uma certa inclinação. É
Dy
fácil calcular a inclinação de uma reta tomando dois pontos e calculando a = Dx .
2
Agora imagine que f (x) = x . A curva y = f (x) pode representar por exemplo um
halfpipe onde se faz manobras com skate. Neste terreno a inclinação vai aumen-
tando à medida que nos afastamos do ponto mais baixo. Intuitivamente podemos
perceber que existe uma inclinação diferente para cada ponto da curva y = x2 , o
problema agora é calcular este valor.
Por simplicidade vamos escolher o ponto (1, 1). Podemos ver na figura 8.1
que existe uma reta que passa pela parábola no ponto (1, 1) e que possui a mesma
inclinação da parábola. A equação desta reta é y = ax + b, onde a representa a
inclinação e b o intercepto da reta com o eixo y. Como esta reta passa pelo ponto
(1, 1) temos 1 = a · 1 + b que implica b = 1 a e a equação da reta pode ser escrita
como y = ax + 1 a ou y = a(x 1) + 1.
24 Limite e Continuidade
Agora traçamos uma circunferência centrada em (x1 , 0) que passa pelo ponto
(1, 1). A reta que queremos calcular é a reta tangente a esta circunferência que
passa pelo ponto (1, 1). Este ponto pertence tanto à curva y = x2 quanto à cir-
cunferência que podemos representar por (x x1 )2 + y2 = r2 . Então substituindo
1 Este
exemplo e o próximo foram inpirados no vídeo https://www.youtube.com/watch?v=
xKfEmbWBgvM
8.2 Uma breve história do Cálculo 25
r2 (x x1 )2 (x2 )2 = 0 . (8.1)
Com este valor de x1 sabemos que a reta normal passa pelos pontos (1, 1) e (3, 0)
Dy
e possui inclinação Dx = 03 11 = 12 . Portanto a inclinação da reta tangente deve
1
ser a = 1/2 = 2 e a equação da reta é y = 2(x 1) + 1 ou apenas
y = 2x 1 (8.9)
pelo ponto (1, 1). Agora consideramos x1 como a coordenada horizontal do ponto
em que a reta tangente intercepta o eixo x. Seja a um valor positivo e considere o
ponto 1 + a no eixo x. O ponto da reta tangente com esta coordenada horizontal
tem coordenada horizontal y1 .
1 y1
= . (8.10)
1 x1 1 + a x1
Isolando y1 temos
1 + a x1 a
y1 = = 1+ . (8.11)
1 x1 1 x1
No valor de x = 1+a temos uma certa distância entre a reta tangente e a curva.
Esta distância diminui se consideramos um valor de a pequeno, mas só podemos
8.2 Uma breve história do Cálculo 27
dizer que esta distância é nula se a = 0. Mas vamos fazer de conta que a distância
é de fato nula. Neste caso temos
y1 = f (1 + a) = (1 + a)2 = 1 + 2a + a2 . (8.12)
que podemos simplificar ainda mais dividindo os dois lados por a, resultando em
1
2+a = , (8.15)
1 x1
1
x1 = 1 . (8.16)
2+a
1 1
x1 = 1 = . (8.17)
2 2
Com este valor sabemos que a reta tangente passa pelos pontos (1, 1) e (1/2, 0) e
Dy
tem inclinação a = Dx = 11 1/02 = 2 e a equação da reta tangente é y = 2(x 1) + 1
ou apenas
y = 2x 1. (8.18)
Imagine que temos 1m2 de alumínio para fazer uma lata cilíndrica. O raio
e a altura deste cilindro podem variar, desde que a área da lateral e das tampas
somadas seja 1m2 . Qual o raio e altura do cilindro que maximiza o volume contido
pelo cilindro?
A área do cilindro e das tampas é dada pela fórmula A = 2pr2 + 2prh, onde r é
o raio do cilindro e h a sua altura. Isolando a variável h nesta equação encontramos
A
h = 2pr r, lembrando que a área é fixa então a altura depende apenas do raio
nessa expressão. O volume contido pelo cilindro é V = pr2 h e substituindo o
valor de h encontrado temos
2 A A
V (r) = pr r = r pr3 . (8.19)
2pr 2
V (a) = V (b) ,
A A
a pa3 = b pb3 ,
2 2
A
(a b) = p(a3 b3 ) ,
2
A
(a b) = p(a b) · (a2 + ab + b2 ) .
2
Se a 6= b podemos dividir os dois lados por p(a b) e obter
A
= a2 + ab + b2 . (8.20)
2p
Podemos descrever a reta horizontal que cruza o gráfico em um ponto como o
caso particular da reta que cruza em dois pontos em que a = b. Substituindo b = a
no resultado obtido encontramos
r
A A
3a2 = =) a = . (8.21)
2p 6p
Com uma área de A = 1m2 temos que o raio do cilindro deve ser a ' 0, 23m e uma
A
altura h = 2pa a ' 0, 46m, que gera um cilindro com volume V (a) = A2 a pa3 =
q q q
A A A A A A 3
2 6p p 6p 6p = 3 6p ' 0, 077m .
Este resultado está absolutamente correto, mas foi encontrado por métodos
questionáveis. Ao dividir por (a b), o resultado encontrado só é válido se a 6= b.
Divisões por zero podem chegar a conclusões absurdas como na sequência de
manipulações
a=b,
2
a = ab ,
a b = ab b2 ,
2 2
(a b)(a + b) = b(a b) ,
a+b = b ,
2b = b ,
2=1.
30 Limite e Continuidade
O próprio Fermat sabia que estes passos são questionáveis e apresentava o método
como uma maneira de encontrar o valor, e não uma definição do valor.
Ainda no século XVII, Newton e Leibniz desenvolveram ainda mais o Cál-
culo Diferencial e Integral, baseados no Método da Exaustão de Arquimedes e
no método de Fermat. Ambos mostraram que a derivada e a integral, que até
então eram conceitos geométricos completamente independentes, estão intima-
mente ligados pelo Teorema Fundamental do Cálculo. Newton foi o primeiro a
desenvolver esta versão do Cálculo, mas Leibniz foi o primeiro a publicar, mas
ambos desenvolveram o mesmo conhecimento de maneira independente. O tra-
balho deles, especialmente com as aplicações na Física, fez com que o Cálculo
Diferencial e Integral deixasse de ser apenas uma técnica utilizada na geometria
para um ramo da matemática independente dos demais. Por isso hoje considera-
mos Newton e Leibniz os inventores do Cálculo, apesar dos conceitos de derivada
e integral serem anteriores a ambos.
Newton manteve os problemas de divisão por zero do método de Fermat. Ele
mesmo dizia que o método dele servia apenas para calcular o valor da derivada, e
não como uma prova rigorosa da existência da derivada. Ele postulava a existência
da derivada da função, o que é razoável na maioria das aplicações. Leibniz tentou
embasar de maneira mais rigorosa o método usando quantidades chamadas por ele
de diferenciais, que são quantidades positivas, mas menor que qualquer número
real positivo. Mesmo esta abordagem ainda não resolvia o problema da divisão por
zero, mas as previsões científicas feitas a partir deste método eram confirmadas
pelas experiências, então a comunidade científica não via problemas em utilizar
este método enquanto não encontrasse um caso problemático.
Surge então no século XIX a Série de Fourier. Ao desenvolver um método ca-
paz de descrever a propagação do calor em uma barra de ferro, Fourier encontrou
tais casos problemáticos. Estas soluções trouxeram a necessidade de uma defini-
ção rigorosa do que é uma função contínua e do que não é. A definição moderna
de continuidade, que resolve os problemas encontrados de maneira rigorosa, veio
com Weierstrass e foi aprimorada por Cauchy. Seguindo seus passos, Riemann
aprimorou a noção de integral com o mesmo rigor.
Por este motivo histórico, apesar do conceito de integral surgir antes do con-
ceito de derivada, que por sua vez é anterior ao conceito de limite, hoje aprende-
mos primeiro o conceito de limite nos cursos de Cálculo, para depois aprendermos
derivada e finalmente integral.
8.3 Infinito
Além da divisão por zero, uma dificuldade do Cálculo é que frequentemente o
valor que queremos calcular nunca pode ser obtido em um número finito de pas-
8.3 Infinito 31
1/3 ' 0, 3
1/3 ' 0, 33
1/3 ' 0, 333
1/3 ' 0, 3333
1/3 ' 0, 33333
1/3 ' 0, 333333
1/3 ' 0, 3333333
1/3 ' 0, 33333333
No entanto, não é possível escrever o valor exato de 1/3 nesta forma. O melhor
que podemos fazer é, dado um erro que consideramos aceitável, escrever a repre-
sentação decimal com um erro menor que o aceitável.
Outro exemplo mais próximo ao Cálculo é a forma como Arquimedes encon-
trou uma aproximação para p. Seja uma circunferência de raio a onde desenhamos
um hexágono inscrito e um hexágono circunscrito como na figura 8.5.
temos
12a 6 p
6a < 2pa < p =) 3 < p < p = 2 3 ' 3, 4641 . (8.22)
3 3
p p p p p p p p
2 3 2 3 2 3 2 3
24 a < 2pa < 24 p p a =) 12 < p < 12 p p
2 2+ 3 2 2+ 3
(8.23)
Nesta aproximação temos que 3, 10582854 < p < 3, 21539031. A diferença entre
o maior valor e o menor valor diminuiu em relação à aproximação por hexágonos.
Mas se ainda não estamos satisfeitos com essa aproximação, podemos melhorá-la
ainda mais dobrando novamente o número de lados. Com polígonos de 24 lados
temos
q p q p
p p
2 2+ 3 2 2+ 3
24 < p < 24 q p p (8.24)
2
2+ 2+ 3
que implica 3, 13262861 < p < 3, 15965994, agora com uma diferença menor que
1% do valor destas aproximações.
Dobrando novamente o número de lados, aproximando a circunferência por
polígonos de 48 lados temos
r q r q
p p p p
2 2+ 2+ 3 2 2+ 2+ 3
48 < p < 48 r q (8.25)
2 p p
2+ 2+ 2+ 3
96 lados temos
s r s r
q p q p
p p
2 2+ 2+ 2+ 3 2 2+ 2+ 2+ 3
96 < p < 96 s r (8.26)
2 q p p
2+ 2+ 2+ 2+ 3
ou 3, 14103195 < p < 3, 14271460, agora com uma diferença menor que 0, 1% do
valor das aproximações. Na época em que Arquimedes calculou esta aproxima-
ção, não se utilizava representações decimais. Arquimedes na verdade calculou
números racionais menores que a aproximação por baixo e números racionais
maiores que a aproximação por cima. Na aproximação por polígonos de 96 lados
Arquimedes encontrou os números racionais
1 1 22
3+ < p < 3+ = (8.27)
71 70 7
e a aproximação p ' 22 7 é utilizada até hoje em aplicações em que um erro da
ordem de 0, 1% é aceitável. Outros matemáticos continuaram a aproximação feita
por Arquimedes para polígonos com número de lados ainda maiores. O mate-
mático chinês Zu Chongzhi utilizou polígonos de 24576 lados para encontrar a
aproximação p = 355113 com um erro de 0, 00001%. Os últimos matemáticos a cal-
cular aproximações de p por este método foram o francês François Viète no século
XVI, com polígonos de 393216 lados e o neerlandês Ludolph von Ceulen no co-
meço do século XVII com 262 lados (um número com 19 dígitos), num processo
que levou 25 anos para conseguir calcular os 35 primeiros dígitos de p e final-
mente o austríaco Christoph Grienberger calculou os 38 primeiros dígitos de p, o
último a calcular pelo método da exaustão de Arquimedes.
Newton mostrou que é possível calcular p de maneira muito mais acelerada
utilizando séries infinitas para se aproximar o valor de uma integral. As técnicas
do Cálculo desenvolvidas por Newton permite calcular os mesmos dígitos que
von Ceulen calculando a soma de 50 números, o que pode ser feito em horas com
lápis e papel, ou em frações de segundos utilizando o computador. No momento
em que este texto foi escrito, o recorde de dígitos calculados de p é de 50 trilhões
de dígitos, conquistado por Timothy Mullican em 2020 em uma operação que
levou quase um ano.3 .
Na questão de precisão, os 35 dígitos obtidos por von Ceulen já são suficientes
para, dado o raio do universo, calcular o perímetro do universo com precisão de
átomos. Não há uma necessidade prática de conhecer mais dígitos de p, mas essa
“corrida” desenvolve técnicas que possuem diversas outras aplicações.
3 https://blog.timothymullican.com/calculating-pi-my-attempt-breaking-pi-record
34 Limite e Continuidade
d0 = 100m =) t0 = 10s ,
t0 = 10s =) d1 = 10m =) t1 = 1s
t1 = 1s =) d2 = 1m =) t2 = 0.1s
t2 = 0.1s =) d3 = 0.1m =) t3 = 0.01s
de uma função que não está definida em x = 0 para saber quando podemos confiar
no resultado encontrado para a derivada de uma função. Por este motivo nos cur-
sos de Cálculo Diferencial e Integral o conceito de limite é visto antes de derivada
e integral.