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Teorema da Desigualdade Isoperimétrica

Marcus Vinı́cius de Morais Chagas*, David Oliveira Alves„

Resumo
Neste trabalho apresentaremos à respeito da Desigualdade Isoperimétrica. Esse problema
afirma que, dentre todas as curvas planas fechadas e simples com o mesmo comprimento, aquela
que limita a maior área é a circunferência. Para entender melhor essa desigualdade, mostremos a
demonstração,e daremos um exemplo de aplicação desse teorema.
E a definição de orientação de uma superfı́cie iremos omitir mas se encontra em [1].

1 Introdução
1.1 Um pouco de história
O Teorema da Desigualdade Isoperimétrica surge do seguinte problema:
”Dentre todas as curvas fechadas simples no plano, de mesmo comprimento L, qual limita a maior
área? ”
Esse problema e sua solução já eram conhecidos pelos gregos antigos, porém uma demonstração
satisfatória de que a solução é uma circunferência, demorou um longo tempo para aparecer. Apenas
em 1870, que K.Weierstrass (1815 − 1897) provou esse teorema.
O Teorema da desigualdade isoperimétrica afirma que qualquer curva α fechada simples de com-
primento L, aquela que limita a maior área é a circunferência, e mais, vale a seguinte desigualdade:

L2
A≤

e ocorre a igualdade se, e somente se,α for uma circunferência. Se α for uma circunferência, então
L
verifica-se que o seu raio é .

2 Curva Fechada
2.1 Definições
Definição 2.1(Curva parametrizada diferenciável). É aplicação diferenciável α : I → R2 de um
intervalo aberto I ⊂ R definida por α(t) = (x(t), y(t)) ∈ R2 , t ∈ I de tal maneira que as funções x(t)e
y(t) são diferenciáveis de classe C ∞ .
A variável t é chamada de parâmetro da curva e o subconjunto de R2 dos pontos α(t), t ∈ I é
chamado traço da curva.
Uma curva parametrizada diferenciável α : I → R2 é dita regular se ∀t ∈ I , α0 (t) 6= 0.

É uma curva fechada plana simples,ou curva de Jordan que iremos trabalhar nesse teorema é uma
curva parametrizada regular α : [a, b] → R2 tal que α não possui auto intersecções e todas as suas
derivadas coincidam em a e b, ou seja:
α(a) = α(b), α0 (a) = α0 (b), α00 (a) = α00 (b), . . .
2021 Palavras-chave: Geometria Diferencial,Superfı́cies Regulares,Curvas.
* Aluno Regular do Mestrado Acadêmico.
„ Aluno Regular do Mestrado Acadêmico.

1
Marcus Vinicius de Morais Chagas e David Oliveira Alves 2

Figura 1: Curva fechada

Definição 2.1 (Curva regular parametrizada pelo comprimento do arco) Uma curva regular
α : I → R2 é dita parametrizada pelo comprimento do arco(PCA),se para cada t0 ,t1 ∈ I é igual a
t1 - t0 . Ou seja:

Z t1
(2.1) | α0 (t) | dt = t1 − t0 .
t0

Agora iremos enunciar o teorema abaixo sem demonstrar, pois o mesmo se encontra na referência
[1].
Teorema 2.1. Uma curva regular α : I → R2 está parametrizada pelo comprimento do arco (PCA)
se,e somente se,∀t ∈ I,| α0 (t) |= 1.
Pelo teorema de Jordan, uma curva simples fechada C no plano, delimita uma região de um plano,
chamada de interior de C . Esta afirmação é válida pois se trata de uma curva no plano. Já no espaço,
a afirmação deixa de ser válida. Basta tomarmos como exemplo, C sendo um meridiano em um toro,
e observa que, C não delimita um região no toro.

3 Área limitada por uma curva simples fechada


Na seção anterior vimos que uma curva simples fechada C no plano delimita uma região deste plano,
chamada de interior de C.Quando fazermos referência à área delimitada por uma curva simples fechada
C, estaremos considerando a área do interior de C.
Iremos usar o lema a seguir para o cálculo da área A da região delimitada por uma curva simples
fechada, com orientação positiva:
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Lema 3.1. Seja α : [a, b] → R2 uma curva simples fechada,orientada positiva por α(t) = (x(t), y(t)),
então:

Z b Z b Z b
1
(3.1) A=− y(t)x0 (t)dt = x(t)y 0 (t)dt = x(t)y 0 (t) − x0 (t)y(t)dt
a a 2 a

Observe que esse lema (ou até mesmo pode ser chamado de fórmula)é consequencia do Teorema
de Green. A demonstração se encontra no capı́tulo 1 seção 1.7 pag.38 do livro do Manfredo [1].

4 Desigualdade Isoperimétrica
”Dentre todas as curvas simples fechadas no plano com um dado comprimento l, qual delas limita a
maior área?”

A solução deste problema escrito acima, ou seja, o cı́rculo, já era conhecida pelos gregos, mas, uma
prova satisfatória do mesmo só surgiu em 1870 com Weierstrass, que, ao contrário dos matemáticos
que tentaram resolver antes dele, não assumiu que uma solução deveria existir.
Ele apresentou uma prova completa da existência de uma solução para o problema, porém, sua
prova era muito complicada, já que ela usava sua teoria chamada de cálculo das variações.
Mais tarde foram encontradas provas mais diretas. A prova que apresentaremos a seguir é devida
a E. Schmidt (1939) [6] .
Teorema 4.1. (Desigualdade isoperimétrica). Seja C uma curva plana simples e fechada com com-
primento l, e seja A a área da região limitada por C. Então,

(4.1) l2 − 4πA > 0

vale a igualdade se,e somente se,C é um cı́rculo.

Demonstração. Sejam E e F duas retas paralelas que não intersectam a curva fechada C. Considere
o movimento destas duas retas até que elas toquem C pela primeira vez. Desse modo adquirimos
duas retas paralelas, E’ e F’, tangentes à C, tal que que a curva C está totalmente contida na faixa
limitada por E’ e F’. Considere também um cı́rculo S 1 que seja tangente a E’ e F’ e não intersecta
C.Seja O o centro de S 1 e inclua o sistema de coordenadas cartesianas com centro na origem e o eixo
0x é paralelo a reta E’.Observe a figura abaixo:
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Figura 2: Sistema de coordenadas xy em relação a curva C

Antes,no sistema de coordenadas xy,parametrizemos a curva C de tal modo que seja PCA
α(s) = (x(s), y(s) de tal forma que C tenha orientação positiva.
Em seguida, conforme está ilustrado na figura 2 acima, suponha que o cı́rculo S 1 está parametrizado
por:
α(s) = (x(s), y(s)), S ∈ [0, l], sendo que a primeira coordenada, x(s), das parametrizações de C e
de S 1 são iguais.
Como o cı́rculo S 1 tem raio r, sendo 2r a distância entre E’ e F’,utilizando a fórmula do Lema
para calcular as áreas, A e πr2 ,limitadas por C e por cı́rculo S 1 da seguinte maneira:

Z l
(4.2) A= x(s)y 0 (s)ds
0

Z l
(4.3) 2
πr = y(s)x0 (s)ds.
0
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Somando (4.2) e (4.3) obtemos:

Z l Z l Z l
(4.4) A + πr2 = x(s)y 0 (s)ds − y(s)x0 (s)ds = (x(s)y 0 (s) − y(s)x0 (s))ds
0 0 0

Através da da Desigualdade de Cauchy-Schwarz vamos obter um limitante superior para essa


última integral.Para isso, considere os vetores (x’, y’) e (−y, x) no plano. Calculando o produto
escalar, obtemos:

(4.5) xy 0 − yx0 = h(x0 , y 0 ), (−yx)i 6| (x0 , y 0 ) || (−yx) |=| α || α |

valendo a igualdade se, e somente se,quando os vetores (x,y’) e (−y,x) apontam para mesma direção.
Substituindo a desigualdade (4.5)em (4.4)obtemos:

Z l Z l Z l Z l
2 0 0 0
(4.6) A + πr = (x(s)y (s) − y(s)x (s))ds ≤ | α || α | ds = | α | ds = rds = rl
0 0 0 0

Logo, concluı́mos que:

(4.7) A + πr2 ≤ rl.

Como a média geométrica de dois números positivos é menor do que ou igual a média aritmética
√ √
destes dois números, ou seja, a. b 6
a+b
2
,com a,b ∈ ,obtemos: R
√ √ 1 1
(4.8) A πr2 ≤ (A + πr2 ) ≤ rl.
2 2
Elevando ao quadrado temos que:

1 2 1 2
(4.9) A.πr2 ≤ (A + πr2 ) ≤ (rl) .
4 4
E multiplicando por 4 temos:

2 2
(4.10) 4A.πr2 ≤ (A + πr2 ) ≤ (rl) .

Simplificando r2 na desigualdade acima e desprezando o segundo membro temos que 4πA ≤ l2 ,ou
seja, l2 − 4πA ≥ 0 o que querı́amos demonstrar.
Agora falta mostrar que vale a igualdade se, e somente se,C é um cı́rculo.Assuma que l2 − 4πA =
0 ⇔ l2 = 4πA. Daı́ substituindo em (4.10) temos que:

2
(4.11) 4Aπr2 ≤ (A + πr2 ) ≤ 4Aπr2 .

Como o primeiro membro e terceiro membro da desigualdade em (4.11) são iguais segue que:

2
(4.12) (A + πr2 ) = 4Aπr2 .
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Desenvolvendo a equação (4.12) temos que:

(4.13)
A2 +2Aπr2 +(πr2 )2 = 4Aπr2 ⇔ A2 −2Aπr2 +(πr2 ) = 0 ⇔ (A−πr2 )2 = 0 ⇔ A−πr2 = 0 ∴ A = πr2 .
Assim, temos que l = 2πr2 .
Daı́, supondo a igualdade em (4.1), então também temos uma igualdade em (4.7). Como (4.7)
foi obtida pela desigualdade de Cauchy-Schwarz, observe que a igualdade é válida somente quando
os vetores (x’,y’) e (y, x) apontam para a mesma direção. Como o vetor (x’, y’) é unitário e como o
1
vetor(y, x) tem módulo r, podemos concluir então que (x0 , y 0 ) = (y, x) e, portanto,
r
1
(4.14) y0 = x.
r
l
Observe que de l = 2πr implica que r = e não depende da direção das retas E’ e F’, logo

podemos repetir toda a demonstração realizada a partir da figura 2 para retas paralelas a qualquer
direção.
Então, sejam E e F retas paralelas, tangentes a curva C, ambas perpendiculares a E e a F, de tal
forma que C está contida na faixa horizontal limitada por elas. Como vimos, a distância entre estas
duas retas também é 2r, distância entre as retas E’ e F’. Veja figura 3 abaixo:

Figura 3: Sistema de coordenadas x1 y1 em relação à curva C


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Agora considere um cı́rculo S 2 tangente às retas E e F de modo que S 2 não intersecta a curva C.
Sejam (a, b) as coordenadas do centro do cı́rculo S 2 no sistema de coordenadas xy.
Com origem neste ponto (a, b), considere um novo sistema de coordenadas x1 y1 com o eixo x1
paralelo a reta E, veja figura 3. Como este sistema de coordenadas x1 y1 pode ser adquirido do sistema
de coordenadas xy por uma translação pelo vetor (a, b), podemos considerar a seguinte parametrização
α(s) = (x1(s), y1(s)), s ∈ [0, l], pelo comprimento de arco, da curva C, no sistema de coordenadas
x1 y1 :


x1 (s) = x(s) − a (I)
(4.15)
y1 (s) = y(s) − b (II)

Derivando (I) em relação a s temos que:

(4.16) x01 = x0 .

Observando a figura 3 vemos que no sistema de coordenadas x1 y1 o cı́rculo S 2 tem parametrização


da forma: α1 (s) = (x1 (s), y1 (s)), s ∈ [0, l] sendo que,a segunda coordenada, y1 (s), das parame-
trizações de C e de S 2 , no sistema de coordenada x1 y1 , são iguais.
Vamos repetir os argumentos já utilizados para as curvas C e S 1 , de parametrizações α(s) =
(x(s), y(s)) e α(s) = (x(s); y(s)) no sistema de coordenadas xy, mas agora para as curvas C e S 2 , de
parametrizações α1 (s) = (x1 (s), y1 (s)) e α1 (s) = (x1 (s), y1 (s)) no sistema de coordenadas x1 y1 .
Utilizando o (3.1) do Lema, podemos calcular as áreas A e πr2 limitadas por C e S 2 da seguinte
maneira: Z
l
A=− y1 (s)x01 (s)ds e
Z 0l
πr2 = x1 (s)y10 (s)ds , somando fica:
0 Z
l Z l Z l
0 0
2
A + πr = x1 (s)y1 (s)ds − y1 (s)x1 (s)ds = (x1 (s)y10 (s)) − (y1 (s)x01 (s))ds
0 0 0
Considerando os vetores (x01 , y10 ) e (−y1 , x1 ) do plano, pela desigualdade de Cauchy-Schwarz, vemos
que:
Z l Z l Z l
2 0 0 0 0
A + πr = (x1 (s)y1 (s)) − (y1 (s)x1 (s))ds = h(x1 , y1 ), (−y1 , y1 )ids ≤ | α1 || α1 | ds =
Z l 0 0 0

| α1 | ds = rl.
0
Como A + πr2 = rl, vemos que a desigualdade acima é uma igualdade. Daı́ concluimos que os
1
vetores (x01 , y10 ) e (−y1 , x1 ) apontam pra mesma direção, logo (x01 , y10 ) = .(−y1 , x1 ), o que implica:
r

1
(4.17) x01 = − y1 .
r
Daı́ pelo (4.14), (4.15),(4.16)e (4.17) temos que:
x2 + (y − 1)2 = x2 + y12 = (ry 0 )2 + (−rx01 )2 = r2 (y 02 + x02 2 02 02 2 0 2 2
1 ) = r (y + x ) = r | α | = r .
2 2 2 0
E, portanto,x + (y − 1) = r , ou seja,a curva parametrizada C, α (s) = (x(s), y(s)) é um cı́rculo
de centro (0,b) e raio r , no sistema de coordenadas xy.
Logo concluı́mos o Teorema.
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5 Aplicação do Teorema
Antes note que o Teorema da Desigualdade Isoperimétrica também é válida para curvas por partes,
sendo assim, enunciaremos as proposições tal que o Teorema é aplicado com suas devidas demons-
trações, sendo que o último foi extraı́do do [8]
Proposição 5.1. São dadas uma reta r no plano e uma corda flexı́vel C de comprimento L. Pousando
C no plano de forma a que suas extremidades estejam sobre r, obtemos uma figura limitada por r e
por C e cuja área depende da forma que dermos à corda. Mostre que a figura de área máxima entre
todas as assim obtidas é um semicirculo com base em r.
Demonstração. Tomando a reta r como eixo de rotação, rebata a figura limitada por r e C no semiplano
oposto à essa figura. Suponha por absurdo que essa figura com área máxima não seja um semicirculo,
assim, se rebatermos a mesma no eixo r, obtemos uma curva fechada simples com área máxima e que
não é um cı́rculo.Uma contradição!, pois contraria o Teorema da Desigualdade Isoperimétrica.
Proposição 5.2. Seja α uma curva convexa regular de largura constante l que limita uma região de
πl2
área A.Então A ≤ , tendo a igualdade se, e somente se,α for uma circunferência.
4
Demonstração. Essa proposição é consequência do teorema que diz que ’o perı́metro de qualquer curva
de largura constante l é igual a πl’,onde se encontra no [7] e sua respectiva demonstração.
Proposição 5.3. Seja F1 uma figura plana limitada, não convexa, cuja fronteira seja uma curva
plana simples e fechada, C1 . Então é possı́vel encontrar uma figura plana F2 de área maior que F1
tal que sua fronteira C2 seja uma curva plana, simples e fechada de mesmo comprimento de C1 .
Demonstração. Se F1 não é convexa, então existem pontos P e Q que pertencem a F1 tais que o
segmento P Q não esteja contido em F1 . Tomamos os pontos, A e B, de intersecção do segmento
P Q com C1 , de modo que 1 AB ∩ C1 = {A, B} .Fazendo reflexão de uma das partes de C1 com
extremos em A e B na reta que contém PQ, obtendo-se uma nova figura F10 ,com fronteira C10 de
mesmo comprimento que C1 , porém com área maior do que F1 .
Se F10 ainda não for convexa, repetimos o procedimento até a obtenção de uma figura plana convexa,
de mesmo perı́metro e área maior do que F1 .

Referências
[1] CARMO,Manfredo Perdigão do.Geometria Diferencial de Curvas e Superfı́cies, 4.ed. Rio de Ja-
neiro: SBM,2010. 607p.
[2] TENENBLAT, Keti. Introdução à Geometria Diferencial, 2. ed. São Paulo: Edgard Blucher, 2008.
270 p.
[3] LIMA, Elon Lages et al.Curso de Análisevol.2. 8. ed. Rio de Janeiro: IMPA, 2005. (Projeto
Euclides).
[4] C.G.T de A e Saldanha, N, C -A Desigualdade Isoperimétrica . Matemática Universitária número
15, dezembro de 1993.
[5] WIKIPÉDIA,a enciclopédia livre.https://pt.wikipedia.org/wiki/Desigualdade isoperimétrica
[6] SCHMIDT, E. Uber das isoperimetrische Problem im Raum von n Dimensionen, Math. Z. 44
1939. 140 -144.
Marcus Vinicius de Morais Chagas e David Oliveira Alves 9

[7] Araújo, P: Geometria Diferencial, IMPA; Rio de Janeiro, 2004.


[8] C.R.A. Souza, Duas Demonstrações da Desigualdade Isoperimétrica, Universidade Federal de
Minas Gerais, Belo Horizonte, (2006).

Marcus Vinı́cius de Morais Chagas (e-mail: marcus chagas@discente.ufg.br)


Matrı́cula : 2020100658
Instituto de Matemática e Estatı́stica
Universidade Federal de Goiás
Goiânia-GO
Brasil

David Oliveira Alves (e-mail: david198@discente.ufg.br)


Matrı́cula : 2020101483
Instituto de Matemática e Estatı́stica
Universidade Federal de Goiás
Goiânia-GO
Brasil

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