16 introdução

referendadas ou magicamente legitimadas, por mais completo que ele seja. Decisão
em políticas públicas, com maior ou menor base técnica, é uma escolha dentre muitas,
cada qual com suas vantagens e desdobramentos, com maior ou menor apoio dos
diversos segmentos da sociedade, mas apoiada em juízos de valor e de antecipação
estratégica de quem a toma. Comojá advertia Miles (1985) há algumas décadas, indi-
cadores não podem ser entendidos como instrumentos neutros, livres de valores ideo-
lógicos ou políticos, pois, embora tragam evidências cruciais que apoiam decisões
políticas, não têm o poder de referendá-las de forma inconteste, como pressupõe certo
tecnocratismo ingênuo ainda presente em diversas comunidades de pesquisadores
e da Administração Pública. Indicadores não encerram o debate, iniciam uma boa
discussão!
Fatos apontam, indicadores indicam, análises esclarecem. É dessa perspectiva 1
de contribuição metodológica que os indicadores são aqui apresentados. Estudantes,
pesquisadores, técnicos de organizações públicas e não governamentais ou qualquer Conceitos Básicos
cidadão podem valer-se dos conceitos e instrumentos deste livro para ter uma melhor
compreensão da mudança social no país, assim como para a elaboração de análises de
condições de vida ou, ainda, aperfeiçoamento da formulação e avaliação de políticas
sociais no Brasil. Dados torturados confessam;
Indicadores robustos resistem;
Conhecimento embasado transforma.

aparecimento e o aprimoramento do campo de estudos aplicados de indica-

dores sociais estão intrinsecamente ligados ao surgimento e estruturação do
Estado de Bem-Estar Social e à consolidação das atividades de planejamento
do setor público ao longo do século XX. Em termos históricos, o desenvolvimento da
área é recente, tendo ganhado corpo técnico-científico em meados dos anos 1960, no
bojo das tentativas de organização de sistemas mais abrangentes de acompanhamento
das transformações sociais e da aferição do impacto das políticas sociais pelo mundo
(Atkinson, 2005). Há, certamente, contribuições anteriores para a construção de um
marco conceitual sobre os indicadores sociais, como os estudos do sociólogo Emile
Durkheim nas primeiras décadas do século passado ou mesmo antes, como sugere
Neufville (1975). Ela defende que, embora “indicador social' passasse ser o termo
dominante nos anos 1960, a ‘estatistica’ como prática de quantificação de fenômenos
sociais para tomada de decisão pública remonta ao século XVII, com os trabalhos do
inglés William Petty. Outras evidências de que a tradição dos “indicadores sociais’ é
bem menos contemporânea do que se supõe seriam, segundo a autora, a preocupa-
ção com dimensionamento da pobreza e migração nos censos demográficos inglês
 V
18 Conceitos Básicos
e americano no século XIX, assim como o interesse nos levantamentos acerca do
padrão de consumo de famílias trabalhadoras no contexto de intensificação da indus-
trialização e urbanização há duzentos anos e, ainda, os esforços de produção de esti-
mativas consistentes de desemprego entre 1920 e 1940 nos EUA.
Mas é em meados dos “anos dourados do capitalismo’ que começaram a se avolu-
mar evidências do descompasso entre crescimento econômico e a melhoria das condi-
ções sociais da população em países em desenvolvimento. No pós-guerra e na década
seguinte, a elaboração de indicadores estava essencialmente voltada para as quantifi-
cações de natureza econômica, com destaque para os sistemas de contas nacionais e
a mensuração dos agregados macroeconômicos. À universalização do PIB (Produto
Interno Bruto) per capita como indicador de desenvolvimento nesse período decorreu ,
do fato de ele se relacionar a dimensões geralmente reconhecidas como parte integran-
te do processo de desenvolvimento, tais como o crescimento econômico e a dinâmica
demográfica (SEADE, 2002). Contudo, em vários países, a despeito do aumento do
PIB, persistiam altos os níveis de pobreza e acentuavam-se as desigualdades sociais.
não era, pois, condição suficiente para garantir o
Crescimento econômico
desenvolvimento social. O indicador PIB per capita, até então usado como proxy
de nivel de desenvolvimento socioecondmico pelos países, mostrava-se cada vez
menos apropriado como medida representativa de bem-estar social (Carley, 1985).
Nos paises centrais, tal medida tampouco se prestava aos objetivos de monitoramento
efetivo da mudanga social em seus multiplos aspectos ou de subsidiar a formula-
ção de politicas sociais nas diversas areas. A gestdo de novas politicas piiblicas, que
caracterizavam a estruturagdo do Estado de Bem-Estar Social, demandava a produ-
ção de outros indicadores mais especificos e referidos a outros aspectos da realidade
socioecondmica. Assim como a crise de 1929 gerou um ambiente propicio para que,
nas décadas seguintes, se concebessem os sistemas de contas nacionais, de registros e
pesquisas para acompanhar a conjuntura econômica e o desemprego, a persisténcia da
pobreza e desigualdade, mesmo em situagdes de ampliação da produção econdmica,
acabou evidenciando a necessidade de dispor de Sistemas de Indicadores Sociais para
promover e acompanhar a mudanga social (Miles, 1985).
Nesse contexto, empreendeu-se um imenso esforço conceitual e metodolégico
para o desenvolvimento de instrumentos de mensuração do bem-estar e da mudança
social nas agéncias estatisticas dos diversos paises, sob as auspicios das instituições
multilaterais como a Divisão de Estatística das Nações Unidas (UNSD), a Organização
de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e as diversas ou agên-
cias do Sistema das Nações Unidas. As publicações dos livros Social indicators, de
Bauer (1966), e Towarda social report (EUA, 1969), elaborados sob encomenda do
governo americano em meados dos anos 1960, representaram marcos importantes
Indicadores Sociais no Brasil 19
em ta! processo, inaugurando o que viria a se chamar, na época, de “Movimento de
Indica
Os sistemas nacionais de produção e de disseminação de Estatísticas Públicas
passaram à incorporar novas dimensões investigativas e a produzir relatórios sociais
de formu sistemática. A partir da década de 1970, surgiram publicações sobre a temá-
tica que se tornariam regulares nos anos seguintes, como Social Trends na Inglaterra,
o Données Sociales na França, Gesellschafisliche Daten, na Alemanha, o Social
fi nos EUA, para citar alguns dos principais relatórios (Santagada, 2007).
No Brasil, não foi diferente e, em 1973, foi criado, no IBGE, um grupo de
trabalho multidisciplinar para estruturar um sistema de indicadores sociais que pudes-
seóri tar a produção de pesquisas e publicações no campo. Em 1979, saiu o primeiro
produto mais estruturado do grupo, intitulado Indicadores Sociais: relatório 1979,
publicação de 4 50 páginas de análises e tabelas. O relatório cobria oito temas — popu-
Inção ¢ familias, divisão do trabalho, mobilidade ocupacional, distribuição de renda,
despesa familiar, habitag 40, educagiio e saúde - tratados com base em várias pesquisas
1
que o IBGE havia realizado no periodo. Vale comentar que a série Indicadores Sociais
aosbou tendo uma periodicidade irregular até 1998, quando se criou a Síntese de
Indicadores Sociais, publicada anualmente desde então. Esse relatório, com subtitulo
€ das condições de vida da população brasileira”, desde 2007, procu-
gatar o projeto original de cobrir os temas clássicos de Indicadores Sociais,
exaustivo. Valendo-se de um conjunto amplo de fonte de dados, além das
as sociais do próprio IBGE, a publicação tem combinado análises, tabelas e
grificos de indicadores de uma perspectiva longitudinal, regional e segundo recortes
sociodemogrificos especificos (criangas, idosos, mulheres etc.).
Com a organização de sistemas abrangentes de Indicadores Sociais e a publi-
táção de balancos anuais sobre o assunto e sua disseminagdo pela Administragio
Pública, havia grandes esperangas de que os governos nacionais pudessem orien-
tar melhor suas ações, a fim de proporcionar niveis crescentes de bem-estar social,
redistribuir melhor us riquezas geradas e superar as iniquidades do desenvolvimento
ssondmico acelerado. O otimismo voluntarista com as potencialidades do planeja-
Mento governamental acabou gerando expectativas acima do que era passivel de reali-
#4530 em curto e médio prazo, sobretudo no contexto de crise fiscal do Estado a partir
0S anos 1970. Os insucessos, sucessos parciais e excessos do planejamento tecno-
#ritico no periodo acabaram criando um grande ceticismo com relagdo s atividades
de planeja nto piiblico e, portanto, no que diz respeito a finalidade e à utilidade dos
s de Indicadores Sociais.
No Brasil, esse descrédito durou pouco, Jjá que a institucionalizagdo de um
de Pr oteção Social mais inclusivo e abra ¢, preconizado pela Constituição
20 Conceitos Básicos
Federal de 1988, e o aprimoramento de experiências de formulação e implementação
de políticas públicas em estados e municípios passaram a demonstrar a pertinência
instrumental dos indicadores sociais em todas as fases do ciclo de políticas públicas,
da elaboração de diagnósticos socioeconômicos à avaliação de resultados e impac-
tos dos programas sociais. Os arranjos federativos de implementação de programas
sociais e a institucionalização do planejamento de médio prazo (planos plurianuais)
em todas as esferas administrativas têm levado a que centros de pesquisa e agências
vinculadas ao sistema de planejamento público produzam instrumentos mais espe-
cíficos para dimensionamento e qualificação das condições de vida, da pobreza, da
desigualdade e de outras demandas de serviços da população.
Diversos municípios de médio e grande porte passaram a demandar, com maior
frequência, uma série de indicadores sociodemográficos às agências estatísticas,
empresas de consultoria e outras instituições ligadas ao planejamento público. Afinal,
indicadores no nível municipal são necessários para subsidiar a elaboração de planos
diretores de desenvolvimento urbano e de planos plurianuais de investimentos, para
permitir a avaliação dos impactos ambientais decorrentes da implantação de grandes
projetos, justificar o repasse de verbas federais para implementação de programas
sociais ou, ainda, pela necessidade de disponibilizar equipamentos ou serviços sociais
para públicos específicos.
O interesse crescente pela temática dos indicadores sociais e sua aplicação
nas atividades ligadas ao Planejamento Governamental e ao Ciclo de Formulação
e Avaliação de Políticas Públicas também se deve à profissionalização crescente da
Administração Pública no país e à pressão da sociedade civil por maior transparência
10 uso dos recursos públicos, assim como o. aprimoramento do controle público dos
Tribunais de Contas e Controladorias. A mídia, os sindicatos, a sociedade civil e os
conselhos municipais de políticas setoriais passaram a ter maior poder de fiscaliza-
ção do gasto público e a exigir o uso mais eficiente, eficaz e efetivo deste, obrigan-
do a reorganização das atividades de planejamento em bases mais técnicas. Por fim,
também tem contribuído para a disseminação da utilização dos indicadores, o acesso
crescentemente facilitado às informações mais estruturadas — de natureza administra-
tiva e cadastral — que as novas tecnologias de informação e comunicação viabilizam.
No âmbito internacional, a partir dos anos 1990, um novo “Movimento dos
Indicadores Sociais' comegou a se espraiar pelo mundo, conclamando governos e
agências estatísticas a produzirem novos indicadores sociais. O aparecimento do
Relatório do Desenvolvimento Humano em 1990, a realização da Cúpula Mundial
sobre Desenvolvimento Social, em Copenhague, no ano de 1995 e a Declaração dos
Objetivos de Desenvolvimento do Milênio em 2000 criaram uma ampla mobilização
para maior gasto com políticas sociais nos países não desenvolvidos e de renda média,
Paulo de Martino Jannuzzi 21
que viriam a ser acompanhadas por relatórios com diversos indicadores sociais. Desde
então, o aumento da desigualdade social na Europa e EUA, os dilemas entre cres-
cimento econômico e uso dos recursos naturais, assim como a crise internacional
de 2008, acabaram ensejando nova onda do ‘Movimento’, com maior repercussão
mundial e maior amplitude tematica. Foi nesse contexto que apareceu o Relatério
da Comissdo Stiglitz-Sen-Fitoussi, o qual propunha revisdo das medidas de desen-
volvimento e bem-estar e as discussdes da agenda de indicadores dos Objetivos de
Desenvolvimento Sustentvel, como ser4 discutido mais a frente, no capitulo quatro.
Feito esse breve registro historico, serão apresentados, a seguir, aspectos
conceituais e metodolégicos dos indicadores sociais, questdes fundamentais para
leitura dos demais capitulos.
Definigdo de indicador social
Conforme já foi mencionado, tal como fotografias, indicadores prestam-se
a retratar a realidade social; tal como termdmetros, são instrumentos que permitem
avaliar a ‘temperatura’ do ambiente social. Mais objetivamente, um indicador social
¢ uma medida, em geral, quantitativa, dotada de significado social substantivo, e é
usado para aproximar, quantificar ou operacionalizar um conceito social abstrato,
de interesse tedrico (para pesquisa académica) ou programatico (para formulagdo de
politicas); ele aponta, aproxima, traduz em termos operacionais as dimensdes sociais
de interesse definidas com base em escolhas tedricas ou politicas realizadas anterior-
mente. Trata-se de um recurso metodolégico, empiricamente referido, que informa
algo sobre um aspecto da realidade social ou a respeito de mudangas que nela estão se
processando. Rendimento médio do trabalho, taxas de analfabetismo, de mortalidade
infantil, de desemprego, indice de Gini, proporção de criangas matriculadas em esco-
las são, nesse sentido, indicadores sociais, ao converterem em cifras tangiveis e opera-
cionais, vérias das dimensdes relevantes, especificas e dindmicas da realidade social.
Para a pesquisa académica, o indicador social é, pois, o elo de ligagdo entre os
modelos explicativos da teoria social e a evidéncia empirica dos fenômenos sociais
observados. De uma perspectiva programatica, ele é um instrumento operacional para
monitoramento da mudanga social, para fins de formulação e de aprimoramento de
politicas piblicas. De modo geral, os indicadores sociais prestam-se a subsidiar as
atividades de planejamento governamental nas distintas esferas de governo; viabili-
zam o monitoramento das condigdes de vida e do bem-estar da população pelo poder
Público e pela sociedade civil e o aprofundamento da investigagdo académica sobre
as mudangas na sociedade e os determinantes dos diferentes fendmenos que nela
22 Conceitos Basicos
ocorrem (Haup; Kane, 2000). Novamente, tal como fotografias de diferentes locais
e ângulos do cotidiano vivenciado pelas pessoas e famílias, os indicadores permitem
reconstituir um retrato aproximado da realidade social. A comparagdo desses retratos
perfilados no tempo possibilita avaliar efeitos — ou falta de efeitos — das politicas
sociais.
A ‘imagem captada’ no indicador ¢ uma ‘modelizagdo’ da realidade, isto é,
uma representagdo simplificada desta, tão melhor quanto mais especifico o aspecto
de interesse e quanto mais confiaveis e precisas forem as informagdes utilizadas para
cômputo. Mas conseguir uma ‘imagem’ fidedigna da realidade social por meio de
um indicador não é uma tarefa simples, nem se consegue com uma só tomada (de
uma câmera, para usar a metéfora do indicador como fotografia). A dificuldade de
construgdo de um indicador social, muitas vezes, não é um problema intrinsecamente
técnico, mas da falta de clareza sobre o conceito em questão, sobre o ponto central
da transformagao social a investigar ou a respeito de como opera o modelo de inter-
venção de um programa publico. Não se trata de uma questão da qualidade das lentes
da camera fotogréfica, mas do foco a ser retratado, dentre tantas possiveis imagens a
serem capturadas.
A construgdo de um indicador não é um processo linear, mas um caminho de
tentativas e erros, um processo de aprimoramento continuo, em que varias medidas
vão sendo propostas em meio ao refinamento do conceito original, que vai deixando
suas imprecisdes e ambiguidades em diregdo a um constructo mais preciso, delimi-
tado e especifico. A definição de um indicador €, pois, um processo interativo de
conceito-medida: assim que se conhece melhor o fenémeno social em estudo, por
meio de versões preliminares de um indicador proposto, consegue-se precisar melhor
o aspecto de interesse desse fendmeno, o que permite nova especificagdo de conceito
e suas possiveis ‘medidas aproximativas’, ‘proxies’ ou indicadores.
Trata-se, de fato, de um processo um tanto circular, ou melhor, espiral-evolutivo.
Como bem registra Neufville (1975), algumas décadas se passaram na consolidagio
mais efetiva de indicadores de desemprego, pobreza, qualidade habitacional ou de
saude. Imprecisdes conceituais ou percepções diferentes do que se entendia — e do
que se entende por ‘falta de emprego’, ‘iniquidade’, ‘bem-estar’ e ‘vida saudavel’ ou,
ainda, de como enfrentar essas questdes por meio de politicas e programas, adiaram
por bom tempo — e continuam adiando, em certo sentido — a produção de indicadores
consensualmente aceitos.
Essas consideragSes remetem para uma importante distingdo entre, de um
lado, os indicadores sociais e, de outro, as estatisticas publicas, levantadas nos Censos
Demogréficos e nas pesquisas amostrais e os dados administrativos coletados nos
Tegistros e cadastros de ministérios, secretarias de estado e prefeituras. As estatisticas
Indicadores Sociais no Brasi 23
piiblicas correspondem ao dado social na sua forma bruta, não inteiramente contex-
tualizado na perspectiva de uma teoria social ou de uma légica de intervenção progra-
matica. Estdo só parcialmente preparados para uso na interpretagdo empirica da
realidade. As estatisticas públicas — dados censitérios, estimativas amostrais e regis-
tros administrativos — constituem a matéria-prima para a construgio de indicadores
sociais. O que os diferencia delas ¢ o conteudo informacional presente, isto é, o ‘valor
contextual’ da informagao neles disponivel (Figura 1.1). As estatisticas públicas trans-
formam-se em indicadores quando permitem uma apreciagdo mais contextualizada e
comparativa da realidade social, no tempo e no territério, sejam elas expressas como
taxas e razdes ou como valores absolutos.
Dados brutos Informagao para
Eventos empiricos
levantados: análise e decisões
da realidade social
estatisticas públicas de politica pública:
indicador social
Figura 1.1. Processo de agregação de valor informacional no indicador.
Além da descrição e referéncia constitutiva de uma dimensão da realidade
social ou constructo sociolégico, indicadores requerem outros atributos basicos para
sua definição mais precisa: unidade de medida, unidade de andlise, referéncia tempo-
ral, referéncia territorial, fonte de dados, método de calculo e consideragdes sobre
seus usos, possiveis significados e limitações (Quadro 1.1). Esperanca de vida é um
indicador medido em anos de vida; a escolaridade média de uma população é mensu-
rada em anos concluidos no sistema oficial de ensino, a taxa de desemprego ou ocupa-
ção são proporgdes de pessoas economicamente ativas.
Quadro 1.1. Atributos caracteristicos de um indicador.
« Referéncia conceitual, normativa e descrição;
* Unidade de medida (pessoas, anos, % etc);
* Unidade de análise (pessoa, domicilio, município, região etc);
*+ Referéncia de tempo ou periodo (més/ano, ano etc.;
* Referéncia de territorio (municipio, região, pas etc.);
* Fonte de dados e instituição responsavel (PNAD/IBGE, RAIS/MTE etc.);
* Método de cálculo (fórmula de computo e detalhes técnicos);
* Usos, significados e limitações na interpretagao da realidade social.
A unidade de medida relaciona-se, naturalmente, à unidade de referéncia anali-
tica do indicador: pessoas, familias, domicilios, instituições, municipios etc. Taxas de
24 Conceitos Básicos Paulo de Martino Jannuzi 25

pobreza podem ser computadas para indivíduos ou domicílios; o indicador de capa- Nagdes Unidas. Nos anos 1990, o Centro das Nagdes Unidas para os Assentamentos
cidade de gestão pode reportar-se a uma instituição, prefeitura ou governo estadual; Humanos (HABITAT) propôs um Sistema Minimo de Indicadores Urbanos, para
pode-se, usualmente, computar a taxa de analfabetismo para pessoas de 15 anos ou orientar a implementação das diretrizes de desenvolvimento urbano estabelecidas nas
mais, 25 ou mais, ou, ainda, para população mais idosa, dependendo do interesse do conferéncias internacionais da área. Desde 2000, muitos outros sistemas de indicado-
formulador de políticas ou pesquisador. Tempo e território delimitam a orientação res têm sido apresentados como os Indicadores dos Objetivos de Desenvolvimento
empirica do indicador, situando-o no contexto apropriado para sua interpretação: pode do Milénio e, mais recentemente, os Indicadores dos Objetivos de Desenvolvimento
ser um indicador mensal, como indices de custo de vida nas regides metropolitanas; Sustentavel (Quadro 1.2).
anual, como taxas de mortalidade infantil para o pais, ou decenal, como a taxa de
pobreza apurada para um municipio ou seus distritos. As fontes de dados, a instituição Quadro 1.2. Areas temiticas de alguns sistemas de indicadores.
produtora e metodologia de célculo, como as que serdo apresentadas nos capitulos [Organização de Saude, educação, emprego, acesso a consumo, segurana pessoal, condi-
seguintes, complementam a caracterizagdo formal de um indicador social. | Conperação parao — | ções da habitação e do ambiente fisico, lazer, participago social.
| Desenvolvimento
Por fim, não menos importante é registrar os usos e limitagdes que o indicador |eEconômico
pode ter no seu emprego na pesquisa académica ou na politica e programa social. Divisdo Estatistica saúde, educação, atividade econémica, renda, patriménio, uso
Não é incomum constatar maus usos e abusos em contextos de pesquisa e gestdo das Nages Unidas seguranca publica, mobilidace social, cultura, comunicagao,
publica, em geral, decorrentes de desconhecimento das limitagdes dessa ferramenta
Organização para trição, seguranca alimentar, produção agropecuaria, comercializa-
(Jannuzzi, 2002). É necessário aprofundar-se nessas questdes, saber o que informam Agricultura e suma de alimento de
& bem-estar,
e o que não informam os indicadores. Para tanto, são uteis as fichas de documentação Alimentação |
de indicadores encontrados em publicagdes especificas como a Indicadores básicos Comissão das Jso da solo urbano,h meio ambiente, desenvolvimento socioeco
| Nações Unidas para — | nômico, transporte urbano.
de saúde no Brasil, do Ministério da Saude (2008), a Indicadores de desenvolvimento | Assentamentos
sustentdvel, do IBGE (2015a) ou ainda o Catdlogo de indicadores de monitoramento Humanos

de programas do MDS, Brasil (2008). Instituto Brasileiro — | População, educação, saúde, trabalho, renda e desigualdade, habitação,
de Geografia e meio ambiente.
Estatistica
Objetivos de | Pobreza, igualdade de género, educação, saúde, sustentabilidade, coope-
Sistema de indicadores sociais Desenvolvimentodo ) ração Internacional.
Milénio |
Objetivos de Pobreza, seguranca alimentar, saúde, ecucação, igualdade de género,
Denomina-se Sistema de Indicadores Sociais o conjunto de indicadores sociais Desenvolvimento — | desenvolvimento urbano, crescimento inclusivo, infraestrutura, desigual-
referidos a um determinado aspecto da realidade social ou & área de intervengio Sustentavel dade, consumo consciente, manejo sustentavel dos recursos naturais,
cooperação internacional.
programatica. A semelhanga do espago geométrico euclidiano, em que é necessario
um sistema de coordenadas para definir um ponto, o espago social requer um siste-
ma de indicadores, referidos a miltiplas dimensdes, para caracterizar um fendmeno A montagem de um sistema de indicadores sociais envolve uma série de deci-
social. Valendo-nos da metéfora já usada, se indicadores se assemelham a fotografias, sdes metodologicas, agrupadas em quatro etapas (Figura 1.2), a saber:
sistemas de indicadores correspondem a mosaicos ou albuns, com distintas imagens a) A primeira corresponde à definição operacional do conceito abstrato ou
capturadas da realidade social. temática a que se refere o sistema em questão, elaborada com base no inte-
Em âmbito nacional, são exemplos de sistemas de indicadores o Sistema de resse analitico referido;
Indicadores Sociais do IBGE, o Sistema de Indicadores de Saiide e o Sistema de b) Da noção preliminar do conceito ou da temética a que se reporta o sistema
Indicadores para Mercado de Trabalho. De uma perspectiva internacional, podem-se de indicadores, passa-se à especificagdo das suas dimensdes, das diferen-
citar, entre os mais antigos, o Sistema de Indicadoresde Bem-estar Social da OCDE tes formas de interpreta-lo ou de aborda-lo, tornando-o, de fato, um objeto
e o Sistema de Indicadores Sociais e Demogréficos da Divisdo de Estatistica das especifico, claro e passivel de ser ‘indicado’ de maneira quantitativa;
 NUB pa ik
26 Conceitos Básicos Indicadores Sociais no Brasi 27

c) Definidas as dimensões a investigar, a fase seguinte consiste na obtenção
das estatísticas públicas pertinentes, provenientes de censos demográficos,
pesquisas amostrais, cadastros públicos;
d) Por fim, pela combinação orientada das estatísticas disponíveis, computam-
-se os indicadores, compondo-se um Sistema de Indicadores Sociais, que
traduz, em termos mais tangíveis, o conceito abstrato inicialmente idealizado.
Na avaliação das “condições de vida’ de uma comunidade, por exemplo, esse
conceito poderia ser, operacionalmente, traduzido como o nível de atendimento das
necessidades materiais básicas para sobrevivência e para reprodução social. Com tal
definição, as dimensões operacionais de interesse poderiam ser o padrão de moradia,
de saúde, de trabalho e de educação dos indivíduos, para as quais se deveria buscar
informações nas estatísticas públicas disponíveis para produção de indicadores. As
estatísticas sociais podem ser combinadas de diferentes maneiras para computação
de uma ou mais medidas componentes de um Sistema de Indicadores Sociais — taxa
de mortalidade infantil, de atendimento escolar, de cobertura de serviços urbanos,
de desemprego etc. — que represente, aproximada e operacionalmente, o conceito de
“condições de vida' inicialmente idealizada.
Conceito abstrato ou
temática social de interesse
| — Definição das dimensões ou diferentesformas de — |
interpretação operacional do conceito | tivo programático original, na forma operacionalizada pelas ações e viabi-
tática ou operacional deste. Trata-se de uma proposta mais pragmática e menos
1 que a dos sistemas de indicadores para diagnóstico social. O conjunto de
mdicadores é menos exaustivo, com menor redundância e ambiguidade nas tendên-
cias apontadas pelas medidas, para não gerar interpretações diferentes sobre o signi-
ficado e sentido sugerido na tomada de decisão. Se, na construção de um sistema de
se parte do constructo à definição de medidas, da perspectiva de
íticas e programas, busca-se desdobrar os objetivos delas em indi-
onitoramento e avaliação , também em quatro passos (Figura 1.3):
cadores de
a) Inicia-se com a explicitação da demanda de interesse programático, que
pode ser à proposição de um programa para ampliação do atendimento à
saúde, a redução do déficit habitacional, o aprimoramento do desempenho
escolar, combate à fome e pobreza ou a melhoria das condições de vida de
uma comunidade;
b) Busca-se, então, identificar as atividades e as ações operacionais para
possibilitar o cumprimento dos objetivos do programa;
c) Para o acompanhamento dessas ações, em termos da eficiência no uso
dos recursos, da eficácia no cumprimento de metas e da efetividade dos
seus desdobramentos sociais mais abrangentes e perenes, buscam-se dados
administrativos (gerados no âmbito dos programas ou em outros cadastros
oficiais) e estatísticas públicas (produzidas pelo IBGE e outras instituições);
d) Esses dados, reorganizados na forma de taxas, proporções, índices ou
mesmo em valores absolutos, transformam-se em indicadores da política ou
programa social. Os indicadores guardam, pois, relação direta com o obje-
lizada pelos dados administrativos e pelas estatisticas públicas disponiveis.

Estatistica 1 | Estatistica |
Estatistica 2 [ Estatistical | — * = " Cadastros —
piiblicos Indicador 1

Indicador | Pesquisas
social 1 do IBGE e de
outras
instituições

Figura 1.2. Construgo de um sistema de indicadores para diagndstico social.

" Registros — i+ Indicadorn
do programa )
Painéis são conjuntos mais restritos de indicadores, selecionados segundo
Painel de indicadores
alguma logica de intervengdo. Em geral, são usados na gestdo e monitoramento,
organizados por grau critico do processo acompanhado ou pela natureza mais estraté-
Figura 1.3. Construgao de um painel de indicadores para programa social.
28 Conceitos Básicos
Para estruturação de Sistemas ou Painéis de Indicadores não contribuem apenas
constructos teóricos discutidos na academia ou os objetivos pragmáticos definidos
nos programas. Os fundamentos e referências normativos definidos na Constituição,
os Estatutos e os Planos Nacionais também constituem marcos conceituais ou orde-
nadores para construção de um conjunto de indicadores sociais. A base normativa de
direitos sociais no Brasil é certamente bastante abrangente para servir de referéncia
para conceitos instrumentalizadores com a finalidade de diagnostico das condigdes
de vida da populagdo e de avaliação da efetividade das politicas sociais. Conceitos
como desenvolvimento humano, objetivos como erradicagdo da pobreza ou marcos
ordenadores como direitos humanos são trés perspectivas diferentes que orientam a
produção de indicadores sociais.
Tipologias de indicadores
Ha várias formas de se classificarem os indicadores sociais relacionadas na
literatura da 4rea. A mais comum é a divisdo dos indicadores segundo a área tema-
tica da realidade social a que se referem. Existem, assim, os indicadores de saúde
(percentual de criangas nascidas com peso adequado, por exemplo), os indicadores
educacionais (como a escolaridade média da população de 15 anos ou mais), os indi-
cadores de mercado de trabalho (rendimento médio real do trabalho etc.), os indica-
dores demogréficos (taxa de mortalidade etc.), os indicadores habitacionais (densi-
dade de moradores por domicilio etc.), os indicadores de seguranga piblica e justica
(roubos à mão armada por cem mil habitantes etc.), os indicadores de infraestrutura
urbana (percentual de domicilios com abastecimento por rede publica de água etc.),
os indicadores de pobreza e desigualdade (taxa de pobreza, indice de Gini etc.). Há
classificagdes temáticas ainda mais agregadas, usadas na denominagZo dos Sistemas
de Indicadores Sociais, como os Indicadores Socioeconémicos, de Condigdes
Vida, de Qualidade de Vida, de Direitos Humanos, de Desenvolvimento Humano ou
Indicadores Ambientais (Quadro 1.3).
Quadro 1.3. Classificagdo tematica dos Indicadores Sociais.
* Demografia « Habitação
+ Educação + Infraestrutura urbana
- Saúde + Segurança pública
* Mercado de trabalho + Pobreza e desigualdade
+ Qualidade de vida * Meio ambiente
« Consumo doméstico * Uso do tempo
+ Seguranga alimentar * Direitos humanos
Paulo de Martino Jannuzzi 29
Os indicadores podem ser classificados em mais de uma tematica conforme a
prética de pesquisa e as propriedades intrinsecas do indicador: a taxa de mortalidade
infantil, por exemplo, é um indicador demografico útil para apontar as condições de
atendimento à saude ou de impacto da cobertura do saneamento basico em que vivem
segmentos da população. Tempo gasto com deslocamento para o trabalho é um indica-
dor de infraestrutura urbana (transporte), mas também pode ser usado como indicador
complementar das condigdes de trabalho da população ocupada ou, ainda, de qualida-
de de vida nos grandes centros urbanos.
Outra classificação basica e usual corresponde à divisão dos indicadores entre
objetivos e subje mdicadores objetivos reportam-se a ocorréncias concre-
tas ou a entes empiricos da realidade social, construidos com suporte nas estatisticas
publicas disponiveis. São exemplos de indicadores objetivos o percentual de domi-
cilios com acesso à rede de água, a taxa de desemprego, a taxa de evasio escolar ou
o risco de acidentes de trabalho. Os indicadores subjetivos, por outro lado, corres-
pondem a medidas construidas com a percepção dos individuos ou de especialistas
com relação a diferentes aspectos da realidade, levantados em pesquisas de opinião
pública ou grupos de discussdo. Assim, são conhecidos também como indicadores de
percepção social. Índice de confianga nas instituições, indice de confianga do consu-
midor, notas avaliativas sobre a performance de governo e de satisfagdo com progra-
mas publicos são alguns dos indicadores subjetivos produzidos.
Com essas diferengas conceituais, indicadores objetivos e indicadores subje-
tivos referidos a uma mesma dimensão social podem não apontar as mesmas tendén-
cias. Em uma investigagdo dos impactos sociais de um programa habitacional, por
exemplo, é bem possivel que os indicadores objetivos apontem alguma melhoria com
relação as condições materiais de vida da população, que, no entanto, não se mani-
feste em indicadores de satisfação baseados na opinido dos entrevistados. Indicadores
objetivos de seguranga publica podem estar mostrando a redução das ocorréncias de
de
violéncia sem que a percepgdo da populagdo o revele claramente. Familias de baixa
renda, quando instadas a avaliar suas condições de vida, podem emitir juizos parado-
xalmente mais positivos que uma analise bascada em pardmetros normativos e com
indicadores objetivos de rendimentos e de infraestrutura domiciliar.
A distinção entre | ; e indicadores normativos é outra
maneira de classificar os indicadores sociais, menos comum e também mais questio-
navel. Os primeiros captam e descrevem caracteristicas e aspectos da realidade empi-
tica, baseados em definições metodologicas minimas e consensuais, com baixo signi-
ficado valorativo, como a taxa de mortalidade infantil ou a taxa de evasão escolar. Os
segundos, ao contrário, refletem explicitamente juizos de valor ou critérios normati-
Vos com respeito & dimensão social estudada. A proporção de pobres, por exemplo, é
30 Conceitos Básicos Indicadores Socials no Brasi 31

um indicador normativo de insuficiência de meios para sobrevivência humana, já que, ou tecnopolitica. Vale lembrar que a operagdo de sintetizagdo da informagao social
na sua construção, há uma série de decisões metodológicas respaldados por normas costuma incorrer em perda crescente de proximidade entre conceito e medida e de
arbitradas de ingestão necessária de calorias diárias, composição da cesta de produtos transparéncia para seus potenciais usuérios. Qualquer indicador já passa por processo
e de serviços para consumo etc. Taxa de desemprego é outro indicador normativo, de sintetizagdo, modelizagio ou simplificagdo da realidade. Ao combina-los, indices
que depende de uma série de definigdes metodológicas sobre atividade, inatividade sociais introduzem mais uma etapa nesse processo. Ha escolhas não triviais acerca
e ocupação econdmica. Na realidade, todo indicador social ou estatistica pública tem de que dimensdes considerar na formagdo do indice, que indicadores usar em cada
um carater intrinsecamente normativo,ja que derivam de processos interpretativos da uma delas, que pesos atribuir a eles, de que técnica langar méo para produzir a sintese
realidade que não tém nada de neutro ou estritamente objetivo em sua formulação. As (Figura 1.4). Ao final, ¢ preciso avaliar se a medida produzida guarda proxi de
cifras assumidas pelos indicadores sinalizam situagdes sociais distintas, dependendo com o conceito original que motivou sua construção ou se tem sensibilidade em captar
do observador, das normas vigentes ou dos valores implicitos do que é socialmen- efeitos de politicas e programas. No capitulo quatro, essa discussdo será retomada
te bom ou ruim. Assim, a normatividade de um indicador é uma questdo de grau, enfocando-se, os usos, abusos e maus usos dos indicadores sintéticos.
reservando-se o termo normativo aqueles indicadores de construgdo metodologica-
mente mais complexa e que dependem de definigdes conceituais mais especificas e Que dimensões sociais
arbitradas. considerar e quais
indicadores
A complexidade metodolégica na construgdo do indicador ou, pelo menos, lecion
selecionar? ibui
Que pesos atribuir
a quantidade de informação usada para sua definição, também pode ser emprega- , — acada indicador e
da como critério de diferenciagdo de dois conjuntos de Indicador1 — qual técnica usar na
- aglutinagdo?
compostos. Os indicadores primarios são construidos com base em uma estatistica
~ ” ~
social especifica, referida a uma dimensão social elegida. Os indicadores compostos, \
— Indice
s
social
também chamados de sintéticos ou, ainda, de indices sociais, são elaborados mediante
a aglutinação de dois ou mais indicadores primarios, referidos a uma mesma ou a dife-
rentes dimensdes da realidade social. O IDH — Indice de Desenvolvimento Humano indicador3 )
—, por exemplo, como o proprio nome revela, é um indice social, construido pela
combinação de indicadores mais simples, relacionados as 4reas de satide, de educagio
Figura 1.4. Decisdes técnicas e politicas na construção de indice social.
e de renda.
A criagdo de indices sociais costuma ser justificada pela suposta simplicida- Outra légica de classificação, interessante de se usar no monitoramento de poli-
de e capacidade de sintese que eles apresentam em situagSes em que se precisa ter ticas e programas sociais, é a diferenciacdo dos indicadores entre indicad:
uma avaliação geral do bem-estar, das condições de vida ou do nivel socioecondmico indicador-processo, indicador-produto, indicador-resultado e indicador-impacto
de diversos grupos sociais (Guimardes; Jannuzzi, 2011). De fato, ha contextos em (Jannuzzi, 2016). Os indicadores-insumo correspondem às medidas associadas a
que uma estratégia multissetorial de intervenção social pode estar afetando simulta- disponibilidade de recursos humanos, financeiros ou de equipamentos alocados para
neamente distintas dimenses da realidade, em que os resultados agregados podem um processo ou programa que procura responder a uma demanda social. São tipica-
ser expressos de modo mais simples por meio de uma medida que por um conjun- mente indicadores de alocação de recursos para politicas sociais, como o gasto mone-
to de indicadores sociais. Nessas situagdes, é importante que a medida-sintese seja tário per capita nas diversas 4reas de politica social, os equipamentos e o pessoal
construida de indicadores especificos e sensiveis aos efeitos da intervenção. Mas, em técnico disponibilizado.
geral, é preciso resistir as tentagdes de encapsular a realidade em uma única medida, Os indicadores-processo são medidas de processos intermediarios, que tradu-
como bem alerta Atkinson (2005). zem, em medidas quantitativas, o esforgo operacional de alocação de recursos huma-
A complexidade de métodos e o numero de indicadores primarios utili- nos, fisicos ou financeiros (indicadores-insumo) para a obtenção de melhorias efeti-
zados na elaboração de um indice ndo lhe conferem maior legitimidade cientifica vas de bem-estar (indicadores-resultado e indicadores-impacto), como o niimero de
32 Conceitos Básicos
leitos hospitalares por mil habitantes, homens-hora dedicados a um programa social e
o número de professores por quantidade de estudantes.
Os indicadores-produto referem-se às ‘entregas’ das politicas e dos programas,
na forma de beneficios, bens ou servigos aos piiblicos-alvo dos programas e à popula-
ção, como número de consultas pediatricas por més, merendas escolares distribuidas
diariamente por aluno.
Os indicadores-resultado são aqueles mais propriamente vinculados aos obje-
tivos finais dos programas publicos, que permitem avaliar a eficacia do cumprimento
das metas especificadas, como, por exemplo, a taxa de mortalidade infantil, cuja dimi-
nuição se espera com a implementagao de um programa de saúde materno-infantil.
Os indicadores-impacto dizem respeito s consequéncias e desdobramentos
mais gerais, antecipados ou não, positivos ou não, que decorrem da implantagdo dos
programas, como, no exemplo anterior, a redução da incidéncia de doengas na infân-
cia ou a melhoria futura do desempenho escolar, decorrentes de atendimento adequa-
do à gestante e à criança recém-nascida em passado recente.
A distinção entre essas dimensões operacionais — insumo, processo, produto,
resultado, impacto — pode não ser muito clara em algumas situagdes, especialmente
quando os objetivos dos programas são muito gerais. Mas é sempre possivel iden-
tificar indicadores mais vinculados aos esforgos de politicas e programas e aqueles
concernentes aos efeitos (ou não efeitos) desses programas (Figura 1.5). Essa tipolo-
gia pode ficar mais clara por meio de um exemplo: suponha um programa de transfe-
réncia de renda, cuja finalidade seja a de reduzir a parcela de familias em condição de
extrema pobreza, isto é, aquelas com recursos monetrios insuficientes para a compra
de uma cesta de produtos para a alimentação de seus membros. Como indicador-insu-
mo, pode-se tomar o volume de recursos do programa; como indicador-processo, o
número de familias elegiveis ao beneficio cadastradas pelas prefeituras; como indica-
dor-produto, o percentual de familias efetivamente atendidas; como indicador resul-
tado, a proporção de familias em situação de extrema pobreza, ou com rendimentos
abaixo de determinado valor, medida que deveria refletir o grau de eficácia com que o
programa atendeu ao objetivo esperado; como indicadores-impacto, a taxa de evasao
escolar e a desnutrição infantil, resultados potenciais do programa implementado que
permitem dimensionar a sua efetividade social.
== = |
Insumo Pro(esscj | Produto | Resuhado‘ ‘ Impacto
j da medida (indicador
Esforços Efeitos
Figura 1.5. Tipologia de indicadores de monitoramento de programas sociais (Jannuzzi, 2016).
Paulo de Martino Jannuzzi 33
A diferenciação entre indicac re indicadores de fluxo costuma
ser empregada, entre outras áreas, também no campo da Avaliação de Politicas Sociais
¢ diz respeito & cumulatividade ou temporalidade do processo analisado: o indicador-
-estoque refere-se & medida que expressa processos cumulativos de uma determinada
dimensão social em um momento especifico, como os anos de escolaridade; o indica-
dor de fluxo procura abarcar mudangas entre dois momentos distintos, como o aumen-
to dos anos de escolaridade ou, ainda, processos dinamicos que afetam dimensdes de
estoques, como taxas de frequéncia escolar. Raciocinio semelhante aplica-se à esperan-
¢a de vida (indicador de estoque) e taxa de mortalidade infantil ou de jovens (fluxo).
Outro sistema de classificagdo de especial interesse na gestdo de politicas e
programas sociais é aquele que diferencia os indicadores segundo os trés critérios
relevantes de avaliação: indicadores para avaliação da dos meios e recur-
sos utilizados, indicadores para avaliação da eficicia no cumprimento das metas e
indicadores para avaliação da efetividade social do programa, isto ¢, indicadores para
avaliagdo dos efeitos do programa em termos de justiga social e em ambitos mais
abrangentes de bem-estar para a sociedade (Figura 1.6). Um programa piiblico de
reurbanização de favelas, por exemplo, pode ter sua eficiéncia avaliada conforme o
volume de investimentos por unidade de área fisica, a eficacia, por indicadores rela-
cionados a melhoria das condições de moradia, infraestrutura e acessibilidade do local
e sua efetividade social por indicadores de mortalidade infantil, nivel de coesão social
e participagdo na comunidade, nivel de violéncia etc.
Eficiéncia no
uso dos recursos
: Fficécla no Efetividade social
atingimento de da politica
metas pública
Figura 1.6. Indicadores sociais classificados segundo o critério de avaliação.
Há outras tipologias empregadas para diferenciar os indicadores, segundo a
ordem de precedência deles em um modelo explicativo causal nter-
Venientes e consequentes), segundo o período de referência do indicador (séries
‘ histéricas ou séries prospectivas) e, ainda, segundo a natureza relativa ou absoluta
), emino a proporção de pobres na população, ou indica-
>
dor absoluto, como o total de pessoas cl ssificadas com sredschave,
tomplementa s e de contexto também são outras formas de diferenciar medidas de
 P"

Indicadores Sociais no Brasil 35

34 Conceitos Bósicos

segundo a criticidade e a agregação de A relevancia social da temática à qual o indicador se refere é, com certeza
acompanhamento de políticas e programas,
valor analítico disponível. um atributo fundamental para justificar sua produção e legitimar seu emprego no
quantitativas, mas podem ser também processo de análise, de formulação e de implementação de políticas. Nos países
Indicadores, em geral, têm métricas
expressos na forma de categorias, ordinais ou não. Nesses casos são, na realidade, em desenvolvimento, a persistência dos problemas seculares de exclusão e de desi-
tipologias ou conjunto de arquétipos. É o que ocorre com a classificação de regiões de çu:ld.hlt social, em um contexto de restrição de recursos públicos, tem levado ao
baixa vulnerabilidade social, levantamento de estatísticas públicas e à construção de indicadores mais específicos
um município que são apontadas como de alta, média e
Esses arquétipos prestam-se para sobre s intensidade de pobreza, níveis de carência, acesso a bens e a serviços públi-
com base em um ou mais indicadores da temática.
efeitos de políticas e programas. Os cos eto. as mudanças estruturais no mundo do trabalho
Em países desenvolvidos,
análise comparada de fenômenos sociais ou dos
ser analisados, por exemplo, vêm desafiando a produção de indicadores, sugerindo a necessidade de construir
resultados de programas de inclusão produtiva podem
smo econômico regional e capa- medidas cada vez mais específicas, como tempo médio de desemprego, condição
segundo categorias analíticas que combinem dinami
e alta capacidade de gestão; de precaricdade da inserção no mercado de trabalho etc. A relevância social do
cidade de gestão: municípios com maior dinamismo
ade de gestão; municípios com indic: dor e, portanto, a pertinência de sua produção e uso é, pois, historicamente
municípios com elevado dinamismo mas baixa capacid
A implementação e as consequên- determinada, ultante da agenda de discussão política e social de cada sociedade
baixo dinamismo, e baixa capacidade de gestão etc.
em cada contexto. ória
cias de tal programa certamente serão diferentes
40 longo de Sua tra
1.4, deve ser enten-
Essa taxonomia de indicadores, sistematizada no Quadro Além da relevância social, ensinam os manuais de Metodologia da Pesquisa
propostas de medidas para elabora- que todo indicador deve gozar de duas outras propriedades básicas, uma delas já
dida como um recurso didético para discussao de
monitoramento e avaliagdo. Não é
ção de diagndsticos ou construção de sistemas de presente na sua própria definição: validade de constructo e confiabilidade. Para fins
rar’ os indicadores, mas pode e acompan) smento da mudança social e monitoramento de políticas e programas;
uma “camisa-de-força' que se deve buscar para ‘enquad
em sistemas de indicac
contribuir para garantir maior coerência metodológica Qutras propriedades também desejáveis, como será explicado mais à frente.
ou reduzir umbiguidades
maior rigor técnico em diagnósticos de condições de vida A validade de um indicador corresponde ao grau de aproximação entre o
em painéis de monitoramento. conceita e a medida, isto €, a sua capacidade de refletir, de fato, o conceito abstrato
2 que o indicador se propõe aproximar ou operacionalizar. Como se observou ante-
sociais.
Quadro 1.4. Classificações usuais de indicadores riormente, a validade é uma propriedade ‘construida’ por meio do ciclo interativo
T conceito-medida-conceito. Quanto mais bem definido o conceito ou mais especifico o
i « Indicador primério/composto;
+ Indicador descritivo/normativo; aspecto social a analisar, maiores ¢ ades de const 1ir uma medida que mais
- Indicador objetivo/subjetivo;
pacto; % coadune a eles. Assim, podem-se conseguir indicadores mais válidos ou aderen-
- Indicador insumo/processo/produto/resultado/im
« Indicador esforço/resultados; tes, con me se avança na delimitação das noções mais gerais que presidem, muitas
« Indicador fluxo/estoque;
Yezes, ns propostas de conceitos-chave a serem operacionalizados. Não há processo
« Indicador eficiência/eficácia/efetividade social;
- Indicador quantitativo/tipologi ma%.uu são os ciclos de construção de medidas, seguidos de redefinições concei-
‘ « Indicador absoluto/relativo;
+ Indicador-chave/complementar/contexto. tuais fund: s no aprendizado que essas medidas anteriores possibilitaram ao
wnlista, que levam à consolidagdo de indicadores reconhecidos como validos pela
tomunidade epi: mica les se utiliza. É esse processo de construção interativa,
SWJEILO
Néito so80 escrutínio
escrutini da comunidade
i &cni
técnica i
envolvida, que confere maior validade à
Propriedades desejaveis —ka de RR
mortalidad e RA indi ador de condições
infantil como indic õ de saúde que a porcentagem
processo de formulação e avahas de domicílios com acesso n á encanada ou o coeficiente de consultas por cem mil
A escolha de indicadores sociais para uso no
mica deve ser pautada por criténios MANÇAS. Outro exemplo: « percentual de famílias com renda abaixo de um salário
ção de politicas piiblicas ou investigagdo acadé
to de 12 propriedades principais, apré Minimo deve ser um indicador mais adequado para retrataro nível de pobreza de uma
técnicos, 4 luz da aderéncia deles a um conjun
sentadas a seguir. renda me per capita. Enfim, a validade diz respeito à proximidade
 36 Conceitos Básicos
entre indicador e indicando, propriedade fundamental para justificar o emprego e a
denominação de uma medida quantitativa qualquer como um indicador social.
A confiabilidade de um indicador é uma propriedade relacionada à qualidade
do levantamento dos dados usados no seu cômputo. Assim como uma balança confiá-
vel, que sempre mostra a mesma medida, se não houver um aumento ou perda de peso
do indivíduo, um indicador confiável sempre exibirá a mesma cifra se a dimensão da
realidade empírica a que ele se refere permanecer a mesma, sem qualquer alteração.
Os indicadores calculados com dados de pesquisas amostrais realizadas pelas
agências públicas estão entre as medidas mais confiaveis. Os dados que elas apre-
sentam são coletados de forma padronizada, por corpos técnicos qualificados, rela-
tivamente estáveis, que seguem um protocolo previamente estabelecido de como
obter, registrar e conferir as informações. Procura-se eliminar toda a fonte de variação
não aleatória na coleta e no processamento dos dados dessas pesquisas amostrais,
uniformizando-se o treinamento dos entrevistadores e realizando-se controle de quali-
dade da coleta de dados para verificar se não há nenhum viés ou distorção no proces-
so. Esse cuidado com a qualidade da informação, em todos os estágios pelos quais
ela passa, é que pode garantir que as mudanças observadas no indicador ao longo do
tempo sejam analisadas consistentemente.
Com relação aos dados provenientes de registros administrativos e cadastros
públicos, pode-se verificar melhora significativa da qualidade da informação, o que
contribui para que os indicadores derivados dessas fontes adquiram maior confiabi-
lidade e uso. É o caso dos indicadores de émprego formal provenientes das bases de
dados do Ministério do Trabalho e Emprego, os indicadores de mortalidade por causas
do Ministério da Saúde, os indicadores provenientes do Cadastro Unico de Programas
Sociais etc. A qualidade do registro de estatisticas e indicadores de seguranga pública,
de violéncias e de outras violações de direitos tem também melhorado, mas conserva,
ainda, grande variabilidade pelo territério nacional.
Além da relevéncia social, validade e confiabilidade, um indicador social deve
ter um grau de cobertura adequado aos propdsitos a que se presta, deve ser sensivel,
especifico, reprodutivel, comunicavel, atualizável periodicamente, a custos factiveis,
ser amplamente desagregével em termos geograficos, sociodemograficos e socioeco-
némicos e gozar de comparabilidade no tempo ou historicidade.
Idealmente, procura-se utilizar sempre indicadores de boa cobertura espa-
cial ou populacional, que sejam representativos da realidade empirica em análise.
Essa é uma das caracteristicas interessantes dos indicadores sociais produzidos com
dados dos censos demogréficos, e o que os torna tão importantes para o planejamento
piiblico no país. Mas mesmo indicadores de cobertura parcial podem ser úteis. Os
indicadores de mercado de trabalho construidos de acordo com as bases de dados
Paulo de Martino Jonnuzzi 37
administrativos do Ministério do Trabalho, por exemplo, não retratam a dindmica
conjuntural da totalidade do mercado de trabalho brasileiro, já que se referem ao
mercado de trabalho formal. Ainda assim, eles aportam conhecimento relevante
acerca da dinâmica conjuntural da economia e do emprego, em especial, em dmbito
microrregional. Em outras 4reas, como a da justi¢a e seguranga publica, os proble-
mas de cobertura efetiva dos eventos ocorridos ainda são expressivos, dificultando
a elaboragdo e o uso de indicadores para comparação intertemporal e inter-regional.
A sensibilidade de um indicador diz respeito à sua capacidade de refletir
mudangas significativas se as condigdes que afetam a dimensdo social referida se
alteram. É, pois, uma propriedade que está, intimamente, relacionada à validade e à
confiabilidade do Indicador Social. No caso, por exemplo, de avaliação do impacto
de um programa de erradicação de determinadas doenças em uma dada região, a taxa
de morbidade específica delas é, certamente, mais sensível que a taxa de mortalidade
por essas mesmas causas. Há que se verificar, contudo, qual desses indicadores é mais
confiável. No monitoramento de programas sociais, a sensibilidade dos indicadores
é um atributo fundamental a assegurar; do contrário, a medida pode comprometer a
finalidade do sistema de acompanhamento criado. No monitoramento de dimensões
educacionais impactadas por um programa social, indicadores de fluxo como taxas de
atendimento ou rendimento escolar são certamente escolhas melhores que de indica-
dores de estoque como escolaridade média.
A especificidade do indicador corresponde à sua propriedade de refletir alte-
rações estritamente ligadas às mudanças relacionadas à dimensão social de interes-
se. É também propriedade desejável de indicadores de monitoramento de programas
sociais, em que se procura vincular relações de ação e reação, causa e efeito. Assim,
para avaliar programas de atenção & saúde materno-infantil existem medidas especi-
ficas como a proporção de crianças com baixo peso ao nascer ou taxa de mortalidade
neonatal. A taxa de mortalidade materna é outro indicador impactado por ações nessa
área, mas não é tão específico aos efeitos que se pretende nesse tipo de intervenção
em saúde pública.
Reprodutibilidade é outro atributo extremamente relevante na construção dos
indicadores sociais e diz respeito à transparência e inteligibilidade da metodologia de
construção destes. Há sempre escolhas metodológicas não triviais na construção de
indicadores sociais, que precisam ser claramente documentadas e justificadas. É preci-
so explicitar os procedimentos técnicos adotados nas diferentes etapas de construção,
de modo que se possibilite a sua replicação. Ao se computar um indicador acerca de
‘informalidade’ do emprego ou trabalho, por exemplo, é preciso deixar transparentes
as escolhas de variáveis ou dimensões que foram combinadas para tal construção.
Quando se produz um indicador de ‘vulnerabilidade social’, mais importante que a
 38 Conceitos Bósicos
“matematização' de sua formula de cômputo é o esforço de tornar transparentes os
diversos procedimentos técnicos empregados.
Um bom indicador deveria ser, tanto quanto possível, facilmente “comunicá-
vel’, compreensível & população ou aos agentes envolvidos. Esse aspecto é tão mais
importante quanto mais voltado & decisão em políticas públicas. Afinal, a decisão
política sobre o conteúdo dos programas e formas de alocação de recursos públi-
cos vai ser tão mais legitima quanto mais os agentes nela implicados entenderem os
critérios objetivos usados, ainda que não concordem com eles. A comunicabilidade
de um indicador depende, sobretudo, da sua transparéncia e não da sua simplicidade,
ainda que isso possa contribuir. Afinal, se é possivel usar um indicador como taxa de
pobreza como critério de decisdo na escolha de municipios para um plano de ação
governamental, por que usar um Indicador de Desenvolvimento Humano ou outro
mais complexo? Ha que se atentar, pois, nos centros de pesquisa aplicada, ao fato de
que a logica da “mitificação' das técnicas de construgdo de indicadores pode conspirar
contra a clareza da informação por eles aportada.
A periodicidade de atualização e a factibilidade de obtenção a custos modicos
sdo outros aspectos cruciais na construção e na seleção de indicadores sociais para
uma dada tematica. Para que se possa acompanhar a mudanga social, avaliar o efeito
de programas sociais implementados e corrigir eventuais distor¢des de implementa-
¢80, é necessário que se disponha de indicadores levantados com certa regularidade.
E preciso avaliar se a periodicidade ou tempestividade com que as estatisticas sociais
são produzidas tornam factivel o emprego do indicador para os propésitos previstos.
Além disso, o custo e o esforgo para obté-lo tém de ser compativeis com as finalidades
a que ele se propde. Indicadores antropométricos que relacionam peso, altura e idade
são medidas validas e confidveis para avaliação de programas de combate & desnu-
trigdo. Contudo, são elevados os custos e o esforgo para produzi-los, Taxas de extre-
ma pobreza, construidas com base em informagdes sobre rendimentos declaradas em
pesquisas domiciliares, podem ser alternativas mais exequiveis para monitoramento
do programa, ainda que sejam indicadores menos especificos para esses objetivos.
Também é preciso que os indicadores se refiram, tanto quanto possivel, aos
grupos sociais de interesse ou & populago-alvo dos programas. A ‘desagregabi-
lidade' territorial e populacional de um indicador é uma propriedade requerida na
produgdo de diagndsticos para programas sociais. Nessas situagdes, deve ser possi-
vel construir indicadores sociais referidos a espagos geograficos reduzidos, grupos
sociodemogréficos (criangas, idosos, homens, mulheres etc.) ou grupos vulneraveis
especificos (familias pobres, desempregados, analfabetos etc.). Contudo, não se pode
esperar que seja vidvel produzir estatisticas sociais com a frequéncia e a representati-
Vidade amostral necesséria a todos interesses e programas, em razão das dificuldades
Indicadores Sociais no Brasi 39
metodolégicas e dos custos inerentes a tal empreitada. Necessitando-se, por exemplo,
de estatisticas anuais de provimento de servigos urbanos em escala municipal pelo
país afora, não há como evitar o uso dos dados de confiabilidade varidvel, provenien-
tes de prefeituras e de concessiondrias publicas, já que esse tipo de dado para esca-
la geografica só é levantado normalmente nos censos demograficos, de dez em dez
anos. Em outro caso, necessitando-se de informações sobre a dindmica conjuntural do
mercado de trabalho microrregional, além das grandes regides metropolitanas do pais,
no periodo intercensitario, não ha alternativa senão o uso de indicadores construidos
com registros do Ministério do Trabalho, que refletem apenas os movimentos ocorri-
dos no mercado formal.
O que se denominou historicidade ou comparabilidade temporal de um indica-
dor é a propriedade de se dispor de séries historicas extensas e comparéveis deste, de
modo que se possa cotejar o valor presente com situagdes do passado, inferir tendén-
cias e avaliar efeitos de eventuais politicas sociais implementadas. Naturalmente, são
sempre desejaveis as mudangas para melhorar a qualidade ou validade do indicador,
ainda que em prejuizo de sua comparabilidade no tempo. Foi o que se passou com as
estatisticas de desemprego nas pesquisas do IBGE ao longo das décadas passadas: a
necessidade de captar o fendmeno com maior preciséo levou 2 mudanga do protocolo
e de quesitos de coleta nas pesquisas domiciliares. Estatisticas criminais padecem de
problema de comparabilidade histérica similar: o eventual aumento que podem apon-
tar não deriva necessariamente de recrudescimento do fendmeno, mas do esforgo de
melhoria do registro ou de sua classificação.
De uma perspectiva pritica, dadas as caracteristicas do sistema de produção
de estatisticas públicas no pais, é muito raro dispor de indicadores sociais que gozem
plenamente de todas essas propriedades, cabendo ao analista avaliar os trade-offs do
uso das diferentes medidas passiveis de serem construidas. Essa operagdo de selegdo
de indicadores é uma tarefa delicada, pois ndo existe uma teoria formal que permita
orientd-la com estrita objetividade. Em tese, em primeiro lugar, é preciso garantir
que existe, de fato, uma relagdo reciproca entre indicando (conceito) e os indica-
dores propostos, isto é, é fundamental garantir a validade dos indicadores usados.
Em segundo lugar, é preciso certificar-se da confiabilidade para as cifras calculadas.
Inteligibilidade ¢ outra propriedade importante, para garantir a transparéncia das deci-
sões tomadas em bases técnicas.
Na pratica, nem sempre o indicador de maior validade é o mais confiavel; nem
este, por seu turno é o mais inteligivel e tampouco o mais claro é o mais sensivel;
enfim, nem sempre o indicador que reúne todas essas qualidades é passivel de ser
obtido na escala territorial e periodicidade requeridas. Além disso, poucas vezes se
podera dispor de séries histéricas plenamente compativeis de indicadores para a escala
 r

40 Conceitos Básicos Paulo de Martino Jannuzzi 41

geográfica ou grupo social de interesse. Pode-se imaginar que, com a combinação de
vérios indicadores em uma só medida, como indicador sintético, se poderia encontrar
uma solução para as deficiências de cada indicador primário. Mas, ao contrário do que
se imagina, a combinação de vários indicadores em um só não produz, necessariamen-
te, uma medida social de maior validade, confiabilidade, sensibilidade e especificida-
de. Se os indicadores constitutivos têm baixa associação entre si, o indicador compos-
to pode não ser específico o suficiente para mostrar variações na direção esperada,
o que compromete sua validade. Pode ser preferivel dispor de um indicador parcial,
sabidamente limitado em suas propriedades, mas do qual se pode intuir nitidamente o
significado, que de uma medida composta, com significado abstrato demais para ter
pronta e evidente identificação empírica com a realidade social.
ficas levantadas. O importante é que a escolha dos indicadores seja fundamentada
na avaliação crítica das propriedades anteriormente discutidas e não simplesmente
apoiada no fato de serem tradicionalmente usados (Quadro 1.5). Com os avanços das
políticas sociais, alguns indicadores estão deixando de ter a validade de que gozavam
no passado para dimensionar e caracterizar as problemáticas que se apresentam. É
necessário avaliar as escolhas do passado perante as necessidades de dispor de indica-
dores mais sensíveis aos desafios do presente.
As propriedades dos indicadores derivam, em boa medida, das característi-
cas das fontes e pesquisas de onde são retirados os dados usados para computá-los
mesmos. A apresentação de fontes de dados, seus aspectos metodológicos, disponibi-
lidade e escopo temático serão tratados no próximo capítulo.

fliro 1.5. Avaliação da aderência de indicadores às propriedades desejáveis.

Sugestões de leitura
Propriedades
Indicadores Sociais: teoria e prática (Carley, 1985): é umareferéncia clássica na área,
Relevância para a agenda política que trata de aspectos históricos e metodológicos dos Indicadores.
Validade de representação do conceito Indicadores Sociais: uma primeira abordagem histórica (Santagada, 2007): o autor
Confiabilidade da medida ‘ traz uma compilação histórica do movimento de indicadores sociais no Brasil e
Cobertura populacional no Mundo.

Sensibilidade às ações previstas Indicadores Sociais: relatório 1979 (IBGE, 1979): primeira publicação mais
Especificidade ao programa abrangente sobre indicadores sociais pelo IBGE, rica pela proposta analítica e
|
tabelas compiladas das pesquisas sociais que começaram a ser implantadas desde
Transparéncia metodoldgica na sua construção 1967.
Comunicabi tade a0 publico Indicadores Sociais no IBGE: um registro histórico (Simdes, 2017): a publicação traz
Factibilidade operacional para sua obtenção um conjunto de artigos classicos, que ajudaram a estruturar o projeto de produção
Periodicidade na sua atualização regular de Indicadores Sociais no Brasil.
Desagregabilidade populacional e territorial O Saber e o Poder das Estatisticas (Senra, 2005): livro que sistematiza principais
| Comparabilidade da série historica achados da vasta pesquisa documental realizada pelo autor acerca da Histéria das
Total de propriedades (+) Estatisticas Brasileiras, publicadas pelo IBGE em quatro volumes.
Obs.: Atribuir + quando a propriedade for verificada para o indicador. Social Indicators(Bauer, 1966): é a publicação clássica na drea, que retrata o esforgo da
comunidade académica americana em responder às necessidades de acompanhar a
mudanga social nos EUA nos anos dourados do capitalismo.
A legitimidade social do indicador, isto é, sua aceitagdo como insumo infor-
Social Indicators for Human Development (Miles, 1985): é um livro pouco
macional relevante no debate politico pelos diversos agentes e grupos de interesse,
referenciado na literatura nacional, mas igualmente classico como os de Bauer
depende, certamente, do grau em que ele adere as propriedades aqui assinaladas.
(1966) e Carley (1985), com contribuigdes expressivas para a conceituagio de
Mas é indiscutivel que o elenco de indicadores sociais disponiveis esta limitado, a indicadores de Desenvolvimento Humano, adotado anos mais tarde, pelas Nações
priori, pelas caracteristicas e pela disponibilidade das estatisticas sociais e demográ- Unidas.
42 Conceitos Básicos

Social Indicators (Atkinson, 2005): atualiza e aprofunda as discussões de Bauer

(1966) e Carley (1985), no contexto dos esforços de estruturação de um sistema
de indicadores sociais para acompanhar o processo de integração econômica da
União Europeia.

2
Fontes de Dados, Pesquisas e
Relatórios Sociais

Não existem dados sem teoria que orientem sua produção

Não há teoria que se sustente sem comprovação
Não existe análise de dados sem alguma
interpretação teórica e imaginação

omo foi explicado anteriormente, os indicadores sociais são construídos com

estatísticas sociais levantadas em censos demográficos, pesquisas amostrais e
em dados dispostos em registros administrativos e cadastros públicos. A dispo-
nibilidade de indicadores para uso no diagnóstico da realidade social empírica, formu-
lação e avaliação de políticas ou análise da mudança social está, pois, condicionada à
oferta e às características dessas fontes de dados. Ao contrário de indicadores e esta-
tísticas econômicas, — que têm valor de compra no mercado e, por isso, contam com
produtores privados —, os indicadores sociais, e os ambientais, são elaborados com base
nas informações produzidas predominantemente no âmbito das instituições públicas.
O sistema de estatísticas sociais, demográficas, ambientais e econômicas
é operado por diferentes agências, situadas em âmbito federal, estadual ou mesmo
municipal, sob a coordenação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
(Figura 2.1). Criado em 1934, mas efetivamente instalado em 1936, com a missão de