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SUSTENTABILIDADE E

POLÍTICAS PÚBLICAS

Autoria: Diego Boehlke Vargas

1ª Edição
Indaial - 2021

UNIASSELVI-PÓS
CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI
Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito
Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC
Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090

Reitor: Prof. Hermínio Kloch

Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol

Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD:


Carlos Fabiano Fistarol
Ilana Gunilda Gerber Cavichioli
Jóice Gadotti Consatti
Norberto Siegel
Julia dos Santos
Ariana Monique Dalri
Marcelo Bucci
Jairo Martins
Marcio Kisner

Revisão Gramatical: Equipe Produção de Materiais

Diagramação e Capa:
Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Copyright © UNIASSELVI 2021


Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri
UNIASSELVI – Indaial.

V297s

Vargas, Diego Boehlke

Sustentabilidade e políticas públicas. / Diego Boehlke Vargas. –


Indaial: UNIASSELVI, 2021.

153 p.; il.

ISBN 978-65-5646-215-8
ISBN Digital 978-65-5646-210-3
1. Desenvolvimento sustentável. - Brasil. 2. Meio ambiente. –
Brasil. II. Centro Universitário Leonardo Da Vinci.

CDD 338.9
Impresso por:
Sumário

APRESENTAÇÃO.............................................................................5

CAPÍTULO 1
POLÍTICAS PÚBLICAS: DOS CONCEITOS FUNDAMENTAIS AO
NEOINSTITUCIONALISMO..............................................................7

CAPÍTULO 2
GOVERNANÇA PÚBLICA E TERRITÓRIO....................................55

CAPÍTULO 3
SUSTENTABILIDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS...........................99
APRESENTAÇÃO
Caro acadêmico, é um prazer tê-lo como leitor do Livro de Sustentabilidade
e Políticas Públicas. O campo de estudo das políticas públicas tem um amplo
debate no período mais atual do desenvolvimento das sociedades, a chamada
globalização. Com a efervescência da sustentabilidade econômica, social
e ambiental, a inter-relação entre sustentabilidade e políticas públicas vem
ganhando destaque tanto no mundo prático quanto teórico.

A partir de um cenário em que os atores da sociedade civil organizada passam


a receber elevada relevância para a definição de ações no contexto político, a
compreensão da dinâmica formada pelas políticas públicas e sustentabilidade se
torna fundamental para o desenvolvimento democrático dos países e regiões.

Para que seja possível realizar uma leitura mais ampla das políticas públicas
no âmbito da sustentabilidade, este livro foi dividido em três capítulos, cujos
conteúdos partem de um entendimento mais teórico, tanto das políticas públicas
quanto da sustentabilidade, como fundamentos para a interpretação de dinâmicas
mais práticas para o caso do Brasil.

Os objetivos do Capítulo 1 são: conhecer a origem do campo de estudo das


políticas públicas; definir os conceitos fundamentais relacionados às políticas
públicas; caracterizar os principais modelos de políticas públicas e identificar a
atuação das instituições no contexto das políticas públicas. Por meio destes temas
você poderá interpretar os diferentes argumentos vinculados às políticas públicas,
distinguir os modelos utilizados na formulação e na análise de políticas públicas,
além de examinar a relevância do neoinstitucionalismo para a implementação de
políticas públicas.

O Capítulo 2 tem como objetivos: explicar as dinâmicas que envolvem


o processo de governança pública; identificar e distinguir a implementação
de políticas públicas nas esferas federal, estadual e municipal e apontar
experiências de políticas públicas potencialmente relevantes. Aqui poderemos
conhecer algumas experiências brasileiras relacionadas às políticas públicas e à
sustentabilidade. Dessa forma, você perceberá a relevância da transparência nas
atividades públicas, bem como entenderá a relevância da justiça e da equidade
social em modelos de políticas públicas. Os objetivos aqui propostos permitirão
uma análise da implementação das políticas públicas nas diferentes esferas do
Governo.
Por fim, no Capítulo 3, os objetivos são: esclarecer o processo de valorização
da sustentabilidade para o desenvolvimento das sociedades; definir conceitos
relativos à sustentabilidade do desenvolvimento; conhecer perspectivas críticas
quanto ao crescimento econômico e identificar o debate das políticas públicas no
âmbito da sustentabilidade.

Neste momento, adentraremos à noção de desenvolvimento sustentável para


que a sua inter-relação com a dinâmica das políticas públicas fique plenamente
entendida. É fundamental que você discuta a problemática do desenvolvimento
sustentável a partir de um ponto de vista crítico. Desse modo, será possível
constatar a existência de novos entendimentos de política pública a partir da
sustentabilidade.

Ficou interessado? São temas que fazem parte do nosso dia a dia, não é
mesmo? A sustentabilidade não pode ser vista como debate exclusivo para
grupos sociais específicos, mas presente no pensar sobre um desenvolvimento
que inclua todos. A sustentabilidade recebe um papel importante para o contexto
das políticas públicas.

Desejamos que você tenha ótimos resultados em seus estudos!


C APÍTULO 1
POLÍTICAS PÚBLICAS: DOS CONCEITOS
FUNDAMENTAIS AO NEOINSTITUCIONALISMO
A partir da perspectiva do saber-fazer, são apresentados os seguintes
objetivos de aprendizagem:

• Conhecer a origem do campo de estudo das políticas públicas.


• Definir os conceitos fundamentais relacionados às políticas públicas.
• Caracterizar os principais modelos de políticas públicas.
• Identificar a atuação das instituições no contexto das políticas públicas.
• Interpretar os diferentes argumentos vinculados às políticas públicas.
• Distinguir os modelos utilizados na formulação e na análise de políticas
públicas.
• Examinar a relevância do neoinstitucionalismo para a implementação de
políticas públicas.
SuSTENTABiLiDADE E PoLÍTiCAS PÚBLiCAS

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Capítulo 1 POLÍTICAS PÚBLICAS: DOS CONCEITOS FUNDAMENTAIS AO NEOINSTITUCIONALISMO

1 CONTEXTUALIZAÇÃO
A política pública tem destaque na discussão sobre a sociedade e o
espaço em que vivemos em diferentes níveis, do local ao regional, do nacional
ao internacional. Uma vez que as políticas públicas enfocam nas ações
governamentais em resolver problemas que são comuns e públicos, o impacto
gerado pela implementação das políticas públicas atinge – ou deveria atingir –
todos os cidadãos.

Aqui há uma primeira ressalva importante: quem deve ser o público das
políticas públicas? Quais as motivações que geram desigualdades de acesso a
bens e serviços públicos? Não podemos pensar neste problema como um fato
isolado à questão social e econômica brasileira. A discussão sobre a eficiência
das políticas públicas ocorre pelos Estados e governos do mundo.

Saúde, educação, bem-estar, qualidade de vida, economia, direitos humanos,


segurança pública, saneamento, planejamento urbano, meio ambiente, habitação,
transporte, acessibilidade, assistência social. São muitos os temas e maiores
ainda os desafios em que as políticas públicas estão inseridas.

Conceitualmente, política pública também perpassa por distintas áreas de


pesquisa, modelos de formulação, enfoques de análise, processos de decisão,
tipologias de aplicação, atores envolvidos. Para começar o mergulho no universo
de atuação das políticas públicas é preciso, primeiramente, obter uma visão do
conjunto teórico e prático, cuja operacionalização das políticas públicas ocorre.

É sobre essa visão que trataremos aqui no Capítulo 1 do livro de


Sustentabilidade e Políticas Públicas. Dessa forma, exploraremos desde os
conceitos que fundamentam teoricamente as políticas públicas até a abordagem
trazida pelo neoinstitucionalismo. Qual a origem das políticas públicas? Como
seus conceitos se articulam? Quais os tipos de políticas públicas mais relevantes?
Como atuam e se inter-relacionam os atores das políticas públicas?

Para que estas e outras perguntas sejam respondidas da forma mais clara
possível, preparamos este livro com uma leitura fácil e dinâmica, embora seja
necessária muita atenção e dedicação para que os temas sejam perfeitamente
assimilados. As páginas que você lerá contam com figuras, informações técnicas,
referências, exemplos, notícias de jornal e dicas para aprofundar o seu estudo.

Desejamos que tenha ótimos resultados com seus estudos! Vamos lá!?

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SuSTENTABiLiDADE E PoLÍTiCAS PÚBLiCAS

2 A ORIGEM E O CONCEITO DE
POLÍTICAS PÚBLICAS
Pensar em políticas públicas nos remete para o tema da atuação do Estado
na sociedade. As formas encontradas pelos mais distintos arranjos políticos e
econômicos ao redor do mundo para intervir em problemas reconhecidamente
comuns e públicos atravessam diretamente a origem e a composição do conceito
de políticas públicas.

Contudo, nas bases que compuseram o Estado moderno que conhecemos


hoje, não havia espaço para políticas públicas que vislumbrassem algum modelo
de desenvolvimento, seja econômico, social ou ambiental. A iniciativa de promover
desenvolvimento para o conjunto da sociedade a partir da atuação do Estado é
um capítulo recente da organização mundial das economias, cujas experiências
se manifestaram com maior intensidade apenas em meados do século XX.

Há, portanto, uma linha histórica para se pensar na relação entre Estado
e Sociedade que se inicia a partir do surgimento dos Estados modernos, com
o fim da Idade Média, e a busca pelo progresso dos territórios, atravessando
os séculos na direção do desenvolvimento, para uma posterior revalorização
conceitual que procura produzir uma discussão ampla sobre a qualidade do
desenvolvimento planejado pelos novos atores sociais e institucionais do
período mais contemporâneo.

Portanto, de onde surgem as políticas públicas? Vamos conhecer melhor a


respeito das origens da discussão sobre políticas públicas? Acompanhe o item a
seguir.

2.1 BREVE REVISÃO HISTÓRICA DAS


POLÍTICAS PÚBLICAS
A noção de progresso teve seu ápice no decorrer do século XIX, sendo
reconhecido como um evento histórico, cuja explicação provinha de o
acontecimento dos fatos ao longo do tempo ocorrer sempre de forma gradual. O
período de transição à Idade Moderna, que se estende até o século XVIII, é repleto
de alterações profundas nas relações sociais e econômicas das sociedades. É
quando o poder do Estado se torna mais relevante frente ao poder da Igreja, pois
é quando os Estados-nações, que vinham sendo constituídos ao longo dos anos,
passam a ter uma forma parecida com a que temos hoje dos países. Assim, o

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Capítulo 1 POLÍTICAS PÚBLICAS: DOS CONCEITOS FUNDAMENTAIS AO NEOINSTITUCIONALISMO

Estado passa a ser entendido como um ator relevante para o enfrentamento das
problemáticas das recém-organizadas cidades (HERSHBERG, 2001).

Você sabia que a palavra progresso tem origem no latim


‘progressus’? Seu significado é ‘avanço’, que diz respeito ao mundo
tornar-se cada vez melhor devido aos avanços da ciência, da
tecnologia e da democra'cia. Por isso, sua utilização disseminou-se
com a chegada da Idade Moderna.

Se ao longo dos séculos XVIII e XIX a dinâmica das sociedades evoluiu a


partir, sobretudo, das esperanças do progresso, já nas primeiras décadas do
século XX, o termo progresso vai perdendo sua força em explicar as relações
sociais e econômicas dos países. A experiência das Grandes Guerras Mundiais
e da crise econômica de 1929 afetou sobremaneira o entendimento sobre as
sociedades modernas. Assim, a vontade de progredir foi sendo substituída pela
ideia de desenvolver (HEIDEMANN, 2009).

O termo desenvolvimento foi utilizado para substituir a ideia ultrapassada de


progresso. Pouco a pouco, o desenvolvimento dos Estados transformou-se nas
políticas públicas dos governos.

A dinâmica de transição do progresso ao desenvolvimento tem relação com


o modelo de desenvolvimento considerado mais ou menos adequado para os
países, ou seja, tem relação com a forma de atuação do Estado nas relações
sociais e econômicas. A crença no progresso como condição necessária a todas
as nações entrega suas esperanças e promessas à ideia de desenvolvimento
(HEIDEMANN, 2009; HERSHBERG, 2001).

Despertou a curiosidade sobre a crise de 1929? Esse momento


é decisivo para a ascensão do termo desenvolvimento. Descubra
fatos sobre o contexto econômico mundial desse período assistindo
ao vídeo “A Crise de 1929 e o Crash da bolsa de valores”, disponível
em: https://www.youtube.com/watch?v=PuXyboguY5c.

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SuSTENTABiLiDADE E PoLÍTiCAS PÚBLiCAS

Na virada do século e nas primeiras décadas do século XX houve outro


importante movimento de transição: o modo de atuação do Estado na economia
e na sociedade. Enquanto até fins do século XIX a intervenção do Estado era
mínima, pela qual o mercado era livre e se autorregulava, na década de 1930
esse modelo entra em crise, haja vista a racionalidade do livre mercado não ter
capacidade para solucionar os problemas da vida humana em sociedade.

Assim, ao longo desse processo, Mercado e Estado, em conjunto, passam


a promover desenvolvimento para as sociedades. O papel de intervenção do
Estado, antes limitado à garantia das liberdades econômicas, ganha relevância
na condução política dos governos e nas próprias políticas de desenvolvimento.

A ação do Estado na economia faz surgir não apenas um conjunto legal


regulatório às iniciativas econômicas, mas políticas puramente governamentais,
também chamadas de políticas públicas.

O ideal desenvolvimentista, a histórica ‘corrida’ das nações menos


desenvolvidas para alcançarem aquelas mais desenvolvidas, tornou-se uma
lógica que subjaz a própria política de Estado. Nesse contexto, o Mercado torna-se
politicamente regulado: de um lado, interesses de Estado, os quais representam a
sociedade em sua totalidade e, de outro, a racionalidade econômica, manifestada
pelo Mercado, cujos membros tomam decisões e agem por interesses
privados. Ambos os agentes são políticos e pouco neutros, cuja participação no
desenvolvimento das sociedades varia de nível dependendo das especificidades
em que se inserem (HEIDEMANN, 2009).

É no momento em que o termo desenvolvimento se encontra com a


atuação política que o conceito de política pública fica mais evidente. Ora, o
desenvolvimento de um determinado território resulta das decisões realizadas
pelos governos de Estados conjuntamente com demais atores sociais e forças do
Mercado. De forma mais genérica, esta é a definição de políticas públicas:
o conjunto das decisões e ações tomadas pelos governos e outros atores
sociais (HEIDEMANN, 2009).

Caro acadêmico, por meio desse resgate histórico entendemos o caminho


percorrido pelo Estado, desde o progresso, passando pelo desenvolvimento,
convergindo à ideia de políticas públicas. Dessa forma, podemos nos aprofundar
na manifestação das políticas públicas pelo mundo. Vamos lá?

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Capítulo 1 POLÍTICAS PÚBLICAS: DOS CONCEITOS FUNDAMENTAIS AO NEOINSTITUCIONALISMO

2.2 A FORMAÇÃO DO CONCEITO DE


POLÍTICAS PÚBLICAS
Enquanto área do conhecimento e disciplina acadêmica, o estudo da
política pública aparece, primeiramente, nos Estados Unidos, com ênfase na
compreensão de como e por que os governos optam por determinadas ações. A
disciplina nasce como um ramo da ciência política e abre novo rumo no que se
refere ao mundo público.

Nesse sentido, os Estados Unidos rompem com uma certa tradição no âmbito
dos estudos sobre políticas públicas. As pesquisas nessa área a partir da Europa
enfocavam o Estado e suas instituições, mas com menor atenção àquilo que era,
de fato, produzido pelos governos. Portanto, enquanto na Europa as políticas
públicas surgem da relação entre Estado e instituições, nos Estados Unidos a
área surge da concentração imediata sobre a ação dos governos (SOUZA, 2006).

A partir dos estudos norte-americanos, os governos passaram a ser vistos


como os produtores, por excelência, das políticas públicas.

A área de políticas públicas constituiu-se e consolidou-se a partir de dois


pressupostos, assumidos para as democracias estáveis: primeiro, a atuação do
governo pode ser cientificamente formulada; segundo, a atuação do governo pode
ser analisada por pesquisadores independentes (SOUZA, 2006).

Contudo, a entrada das políticas públicas no governo ocorre no contexto


da Guerra Fria e da valorização da tecnocracia como aparato decisório do
Estado, por meio da criação da RAND Corporation (sigla para Pesquisa e
Desenvolvimento, em inglês, Research and Development) nos Estados Unidos
em 1948. A instituição é uma organização não governamental, sem fins lucrativos,
financiada por recursos públicos, e considerada a precursora dos think tanks
no mundo. Na década de 1960, o então secretário de defesa norte-americano
Robert McNamara trouxe os processos de planejamento, decisão, programação e
orçamento oriundos da RAND Corporation para o interior do governo, servindo de
padrão para os governos posteriores (RAND, c2020; SOUZA, 2006).

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SuSTENTABiLiDADE E PoLÍTiCAS PÚBLiCAS

Você sabe o que é um think tank? Think tanks são instituições


que realizam a conexão entre os estudos científicos e as políticas
públicas. Podem exercer suas atividades em diversas áreas, seja
na segurança e economia internacional, nas questões ambientais e
de desigualdades sociais, ou na saúde e desenvolvimento humano.
Dessa forma, os think tanks procuram disseminar o conhecimento
entre os atores do Estado e da sociedade.

FONTE: <https://www.enap.gov.br/pt/noticias/afinal-o-que-e-
um-think-tank-e-qual-e-a-sua-importancia-para-politicas-publicas-no-
brasil>. Acesso em: 12 nov. 2020.

Saiba mais assistindo ao vídeo: https://www.youtube.com/


watch?v=Cs5o7IazYhQ.

FIGURA 1 – SEDE DA RAND CORPORATION EM


SANTA MONICA, ESTADOS UNIDOS, 1960

FONTE: <https://www.rand.org/about/history/a-brief-history-
of-rand.html>. Acesso em: 12 nov. 2020.

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Capítulo 1 POLÍTICAS PÚBLICAS: DOS CONCEITOS FUNDAMENTAIS AO NEOINSTITUCIONALISMO

FIGURA 2 – SEDE DA RAND CORPORATION EM SANTA


MONICA, ESTADOS UNIDOS, ATUALIDADE

FONTE: <https://static.wixstatic.com/media/
b6b6e8_3c23f5a43ae44340bccee1c663751054.jpg>. Acesso em: 12 nov. 2020.

Os estudos desenvolvidos pelo think tank norte-americano ainda contribuem


com a tomada de decisão nas esferas públicas e privadas, cuja equipe é
atualmente composta por cerca de 1.800 pesquisadores. Muitos dos atuais e
anteriores participantes da RAND Corporation são notáveis pesquisadores em
suas áreas, tais como ganhadores de prêmios Nobel de Economia, criadores de
linguagens de programação e de equipamentos precursores dos computadores
(RAND, c2020).

A partir dessa experiência, as propostas de aplicação de métodos


científicos para as formulações e decisões do governo sobre problemas
públicos se disseminaram rapidamente para diversas outras áreas da produção
governamental, tornando o tema das políticas públicas parte da agenda pública
do governo (SOUZA, 2006).

Assim, já podemos compreender de que forma o tema das políticas públicas


manifestou-se primeiramente no mundo prático, mas e quanto ao ponto de vista
teórico?

A área de políticas públicas conta com quatro importantes teóricos fundadores:


Harold Laswell, Herbert Simon, Charles Edward Lindblom e David Easton. Entre
as décadas de 1930 e 1960, esses autores se dedicaram ao entendimento das
políticas públicas, cujos conceitos tornaram-se a base para essa área da ciência
até a atualidade.

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SuSTENTABiLiDADE E PoLÍTiCAS PÚBLiCAS

FIGURA 3 – HAROLD LASWELL, HERBERT SIMON,


CHARLES LINDBLOM E DAVID EASTON'

FONTE: <https://pbs.twimg.com/profile_
images/1171815560432279552/3YTKI7kV_400x400.jpg>; <https://www.cmu.edu/50/
images/Unknown.jpeg>; <https://i0.wp.com/socialscienceworks.org/wp-content/
uploads/2019/05/1975-Ed-at-Yale.jpg?resize=215%2C300&ssl=1>; <https://www.
polisci.uci.edu/files/images/easton_208x315.jpg>. Acesso em: 12 nov. 2020.

A expressão policy analysis, por exemplo, que diz respeito à análise de


política pública, foi introduzida por H. Laswell já em 1936, a qual procurava
estabelecer um vínculo entre o conhecimento científico produzido pelos cientistas
políticos, os grupos de interesse da sociedade, e o próprio governo (SOUZA,
2006).

Em seguida, o tema da racionalidade dos decisores públicos (policy makers)


veio à tona a partir do trabalho pioneiro de H. Simon sobre a racionalidade
individual na tomada de decisão. Ele mostrou que os atores relacionados às
políticas públicas possuem racionalidade limitada de atuação, seja devido
à falta de informação completa, tempo suficiente para tomada de decisão ou
autointeresse. Assim, a criação de um conjunto de regras e incentivos poderia
maximizar a racionalidade dos atores até o ponto que os resultados esperados
sejam alcançados (HEIDEMANN; SALM, 2009).

A racionalidade individual de H. Simon foi fundamental para os estudos de C.


Lindblom em torno do incrementalismo. O chamado método Muddling through,
que desenvolve a decisão incremental, foi publicado em 1959 e aprofundado em
1979. Por meio dessa perspectiva, Lindblom propõe a incorporação de novas
variáveis à formulação e à análise de políticas públicas, tais como as relações
de poder contidas nos decisores públicos. Os métodos utilizados para a tomada
de decisões nas políticas públicas não são racionais de forma abrangente, pois
os decisores públicos procuram avançar sem muito esforço ou rumo em direção
ao planejamento. Assim, as decisões ocorreriam de forma incremental, propiciada
por pequenas alterações em situações já consolidadas (HEIDEMANN; SALM,
2009).

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Capítulo 1 POLÍTICAS PÚBLICAS: DOS CONCEITOS FUNDAMENTAIS AO NEOINSTITUCIONALISMO

D. Easton completa o fundamento básico das políticas públicas, em 1965, ao


mostrar que a área precisa ser entendida como um sistema que inter-relaciona o
processo de formulação, os resultados e o ambiente da política pública, pois os
decisores públicos não podem ser vistos como atores autônomos, uma vez que
são constituídos por forças externas (inputs ou entradas), geradas, por exemplo, a
partir dos partidos políticos e grupos de interesses, os quais influenciam tanto os
resultados como os efeitos das políticas públicas (SOUZA, 2006).

A base teórica da área de políticas públicas ainda pode ser expandida a partir
da proposta de Amitai Etzioni, cujos estudos resultaram no modelo de decisão
da ‘sondagem mista’ (mixed scanning). Em dois artigos clássicos, de 1967
e 1968, Etzioni discute uma terceira abordagem à tomada de decisão, em que
são reconhecidas as restrições da perspectiva racionalista, mas não tolerando o
conservadorismo do incrementalismo. Assim, as políticas públicas passaram a ser
pensadas com forte contribuição dos aspectos inovadores às mudanças sociais,
que permitem um avanço a longo prazo para as decisões tomadas (HEIDEMANN;
SALM, 2009).

Por meio desse quadro teórico inicial já podemos perceber que o


entendimento sobre políticas públicas não é único, tampouco simples, mas
resultado de diferentes abordagens. Caro acadêmico, vamos compreender um
pouco melhor o conceito de políticas públicas?

2.3 OS CONCEITOS DE POLÍTICAS


PÚBLICAS
De forma mais ampla, a política pública é vista como uma área do
conhecimento que se organiza por meio de pelo menos três objetivos: (a) colocar
o governo em ação, (b) analisar essas ações, (c) propor mudanças no rumo
dessas ações, quando for necessário. Dessa forma, a implementação de políticas
públicas se refere ao momento em que governos democráticos materializam os
discursos e plataformas políticas em programas, planos e ações governamentais
com impacto na sociedade (SOUZA, 2006).

Por meio dessa noção podemos perceber que existe uma inter-relação entre
a variável independente, relativa à análise das políticas públicas, e a variável
dependente, formada pelo modelo implementado pelos atores ou decisores
públicos. Acompanhe essa relação na figura a seguir.

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SuSTENTABiLiDADE E PoLÍTiCAS PÚBLiCAS

FIGURA 4 – INTER-RELAÇÃO ENTRE AS VARIÁVEIS DA POLÍTICA PÚBLICA

FONTE: O autor

Não há uma única e melhor definição sobre política pública. Normalmente,


os teóricos procuram entender as políticas públicas como um campo de estudo,
e não como uma disciplina isolada. Assim, a política pública pode ser vista como
a análise de governos a partir de grandes problemas públicos (SOUZA, 2006).
Nesse caso, a política pública contém as diretrizes para o enfrentamento de um
problema público. A política pública é a orientação para a atividade ou passividade
de algum ator social no espaço público. As atividades ou passividades também
fazem parte do contexto das políticas públicas (SECCHI, 2013).

Os conceitos de políticas públicas possuem em comum a relação entre as


ações implementadas pelos governos em seus diferentes níveis com o fim de
intervir em problemas que sejam públicos.

Desse modo, as políticas públicas também são entendidas como o conjunto


de ações do governo no processo de produção de efeitos específicos na
sociedade, ou, ainda, serem relativas à soma das atividades dos governos que,
de forma direta ou indireta, influenciam os indivíduos (SOUZA, 2006).

As políticas públicas são compostas por dois elementos fundamentais:


a intencionalidade pública e a resposta a um problema público. O motivo para
que uma política pública seja colocada em prática está em sua utilidade para a
resolução de um problema que é entendido como coletivo, pois abrange uma
ampla parte da população, além de ser relevante para essa coletividade (SECCHI,
2013).

Uma vez que a política pública está mais relacionada a um processo dinâmico
e de constante transformação do que a uma ação isolada e estática, também é
possível compreender o conceito de políticas públicas por meio das partes que o
compõem. Nesse caso, devemos entendê-lo a partir:

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Capítulo 1 POLÍTICAS PÚBLICAS: DOS CONCEITOS FUNDAMENTAIS AO NEOINSTITUCIONALISMO

• Da distinção entre as várias propostas de políticas: diferentes meios


ou formas são utilizados para que as metas estabelecidas possam ser
cumpridas, tal como uma consulta pública.
• Dos seus programas: correspondem aos meios autorizados ou ‘oficiais’
para o alcance das metas, um exemplo estaria no cadastro de pessoas
em vulnerabilidade social, caso fosse esse o tema da política pública.
• De suas decisões: que são as ações específicas implementadas no
âmbito de uma política pública para que as metas sejam atingidas. A
vacinação, no interior de uma política pública a respeito da gripe H1N1, é
um exemplo.
• Por meio de seus efeitos: relativos aos impactos que têm possibilidade
de mensuração, sejam mais quantitativos ou qualitativos. Aqui estão os
relatórios produzidos ao final de um ciclo de política pública ou durante
sua implementação (HEIDEMANN, 2009).

Assim, a definição de política pública pode ser muito sintetizada como o


estudo das tomadas de decisão por parte dos governos. Cabe destacar que isso
revela a política pública como aquilo que os governos fazem, mas, também,
aquilo que os governos deixam de fazer (SOUZA, 2006). O principal cientista
político responsável por essa perspectiva é Thomas R. Dye, cujas pesquisas
procuraram levar o conceito de políticas públicas para o campo empírico,
mostrando que no mundo real as políticas públicas são operacionalizadas para
além dos conceitos estabelecidos.

Dessa forma, a não política – o ato de não implementar determinada política


– também é visto como uma tomada de decisão no âmbito das políticas públicas.
Isso ocorre porque toda política pública é permeada por um viés político, ou seja,
existe a política que orienta os próprios decisores públicos.

FIGURA 5 – THOMAS DYE E A CAPA DE UMA DE SUAS PRINCIPAIS OBRAS

FONTE: <https://alchetron.com/cdn/thomas-r-dye-b6c68e82-e4e8-4a46-a8b9-
3aa48dedc9a-resize-750.jpeg>; <https://images-na.ssl-images-amazon.com/
images/I/51nRoyp9EgL._AC_SY400_.jpg>. Acesso em: 12 nov. 2020.

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SuSTENTABiLiDADE E PoLÍTiCAS PÚBLiCAS

Thomas Dye nasceu em 1935 e é professor emérito de Ciência Política na


Florida State University, nos Estados Unidos, e possui uma grande contribuição
para a teoria das políticas públicas.

Você sabe qual a diferença entre as palavras em inglês politics


e policy? A tradução de ambas para o português é ‘política’, mas
os significados do ponto de vista teórico são distintos. Politics diz
respeito à política que acontece no interior do Senado Federal, por
exemplo, que se refere ao poder de determinados atores sobre a
sociedade. Enquanto politics está em uma esfera mais simbólica,
policy, por outro lado, tem um significado mais concreto, relativo às
orientações para a decisão e ação, seja no meio público ou privado.
Trata-se da política da educação superior no Brasil, ou da política de
uso de agrotóxicos na agricultura, por exemplo (SECCHI, 2013).

O conceito de política pública se relaciona mais diretamente com o significado


de policy, embora esteja permeado por uma disputa do ponto de vista das politics.
A relação entre ambos os significados pode ser mais bem compreendida por meio
da figura a seguir. Perceba que a policy sempre fará parte de um conjunto de
politics.

As políticas públicas procuram tratar tanto das questões mais simbólicas


quanto das mais concretas, presentes nas decisões públicas, bem como do
processo de construção e atuação dessas decisões (SECCHI, 2013). Assim,
as políticas públicas preocupam-se em entender a concepção de uma política
a ser implementada por um governo, mas, também, a forma política pela qual
determinada ação do governo tende a ser implementada.

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Capítulo 1 POLÍTICAS PÚBLICAS: DOS CONCEITOS FUNDAMENTAIS AO NEOINSTITUCIONALISMO

FIGURA 6 – RELAÇÃO ENTRE POLITICS E POLICY

FONTE: O autor

Desse modo, uma definição de política necessita ser composta não somente
pelo seu papel na solução de problemas, mas pelo embate em torno de ideias e
interesses, bem como a partir de seus aspectos conflitantes, que geram limites
para as decisões dos governos. Além disso, se olhássemos para as políticas
públicas apenas como meras solucionadoras de problemas públicos, deixaríamos
de lado as inúmeras possibilidades de cooperação entre os governos e as outras
instituições da sociedade civil organizada (SOUZA, 2006).

Quem são os atores das políticas públicas? No


processo de discussão, criação e execução das
Políticas Públicas, encontramos basicamente dois
tipos de atores: os “estatais” (oriundos do Governo
ou do Estado) e os “privados” (oriundos da Sociedade
Civil). Os atores estatais são aqueles que exercem
funções públicas no Estado, tendo sido eleitos pela
sociedade para um cargo por tempo determinado (os
políticos), ou atuando de forma permanente, como os
servidores públicos (que operam a burocracia). Já os
atores privados são aqueles que não possuem vínculo
direto com a estrutura administrativa do Estado. Fazem
parte desse grupo: a imprensa; os centros de pesquisa;
os grupos de pressão, os grupos de interesse e os
lobbies; as Associações da Sociedade Civil Organizada
(SCO); as entidades de representação empresarial; os
sindicatos patronais; os sindicatos de trabalhadores;
outras entidades representativas da Sociedade Civil
Organizada (SCO) (CALDAS, 2008, p. 8-9).

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SuSTENTABiLiDADE E PoLÍTiCAS PÚBLiCAS

A presença de outros atores sociais no campo político e público nos remete a


uma indagação importante a respeito do conceito de políticas públicas: os atores
estatais são os únicos responsáveis pela elaboração das políticas públicas?
Apenas os governos têm o privilégio de organizar a forma de resolução de
problemas comuns?

Enquanto ao lado de alguns autores e pesquisadores percebemos uma


abordagem mais estatista, que privilegia a atuação do Estado junto às políticas
públicas, de outro lado, vemos uma perspectiva multicêntrica ou policêntrica,
a partir de diversos atores sociais. Esses pontos de vista procuram discutir a
centralidade do Estado na formulação das políticas públicas (SECCHI, 2013).

No caso da abordagem estatista, quando o processo de formulação de


políticas públicas é visto como de domínio do Estado, a definição sobre uma
política ser ou não ser ‘pública’ fica atrelada ao ator social envolvido ser estatal
ou não. “A abordagem estatista ou estadocêntrica (state-centered policy-making)
considera as políticas públicas, analiticamente, monopólio de atores estatais”
(SECCHI, 2013, p. 2). Uma vez que os Estados são entendidos como os atores
máximos no âmbito da elaboração de leis e normas, bem como na fiscalização
dessas leis junto à sociedade, as políticas públicas são consideradas válidas
apenas quando formuladas pelo próprio Estado.

Contudo, conforme a abordagem multicêntrica ou policêntrica, os Estados


não são os únicos a confrontarem-se com as políticas públicas. Na abordagem
multicêntrica, as políticas são entendidas como ‘públicas’ devido ao caráter
dos problemas que pretendem solucionar serem públicos, ou seja, a definição
de política pública na abordagem policêntrica não depende de a personalidade
jurídica do formulador da política ser estatal, pois “considera organizações
privadas, organizações não governamentais, organismos multilaterais, redes de
políticas públicas (policy networks), juntamente aos atores estatais, protagonistas
no estabelecimento das políticas públicas” (SECCHI, 2013, p. 3).

A partir desse entendimento, as políticas públicas surgem da interação entre


Estado e sociedade na resolução de problemas que são públicos. Para que os
atores não estatais existentes possam influenciar os processos decisórios junto
ao Estado é preciso que haja um amplo grau de participação tanto na elaboração
quanto na implementação das políticas públicas.

Veja um exemplo da distinção entre as visões estatista e multicêntrica a


seguir.

22
Capítulo 1 POLÍTICAS PÚBLICAS: DOS CONCEITOS FUNDAMENTAIS AO NEOINSTITUCIONALISMO

Uma organização não governamental de proteção à


natureza que lança uma campanha nacional para o
replantio de árvores nativas. Esta é uma orientação à
ação, e tem o intuito de enfrentar um problema de rele-
vância coletiva. No entanto, é uma orientação dada por
um ator não estatal. Aqueles que se filiam à abordagem
estatista não a consideram uma política pública, porque
o ator protagonista não é estatal. Por outro lado, au-
tores da abordagem multicêntrica a consideram política
pública, pois o problema que se tem em mão é público
(SECCHI, 2013, p. 3).

O Estado tem, de fato, posição de destaque no estabelecimento das políticas


públicas, seja pelo fato de a criação dos Estados modernos estar amparada na
criação de normas e leis, por sua relevância frente aos demais atores sociais,
ou pelo controle que possui dos recursos financeiros nacionais. Daí advém
sua capacidade em implementar políticas públicas mais robustas temporal e
espacialmente (SECCHI, 2013).

Assim, podemos entender o conjunto da política pública formada pela grande


participação das políticas governamentais (de Governo e de Estado), bem como
daquelas oriundas dos demais atores sociais não estatais. Acompanhe na figura
a seguir.

FIGURA 7 – POLÍTICAS PÚBLICAS E POLÍTICAS GOVERNAMENTAIS

FONTE: O autor

23
SuSTENTABiLiDADE E PoLÍTiCAS PÚBLiCAS

Há uma distinção entre políticas de Governo e de Estado.


Política de Governo se refere à política de um grupo político em
mandato eletivo. Política de Estado diz respeito às políticas de longo
prazo, voltadas ao interesse geral da população e independente dos
ciclos eleitorais (SECCHI, 2013).

A essência conceitual de políticas públicas é o problema


público. Exatamente por isso, o que define se uma política é
ou não pública é a sua intenção de responder a um problema
público, e não se o tomador de decisão tem personalidade
jurídica estatal ou não estatal. São os contornos da definição
de um problema público que dão à política o adjetivo “pública”
(SECCHI, 2013, p. 5, grifos do autor).

As políticas públicas necessitam estar alinhadas com as reais demandas de


uma certa comunidade política, além de serem promovidas pelos Estados tanto
a partir das políticas propriamente governamentais quanto por meio da conexão
entre os atores socialmente reconhecidos.

Uma forma apropriada para entendermos o conjunto de políticas estratégicas,


programas, planos, projetos e outras ações que compõem as políticas públicas
é a partir da metáfora da árvore. Entretanto, qual a relação entre as políticas
públicas e as árvores? As políticas públicas devem ser vistas como uma rede
interligada de elementos formada por diretrizes mais estruturantes, de nível
estratégico, diretrizes intermediárias e diretrizes operacionais. Assim, a árvore
das políticas públicas seria composta pelas macropolíticas, que se referem ao
conjunto da árvore; mas também é composta pela raiz, por tronco e galhos, que
são as políticas intermediárias, tais como as políticas regionalizadas, por exemplo.
As folhas e os frutos são as políticas mais operacionais, como é caso de diversos
programas, planos e projetos no interior de bairros (SECCHI, 2013). Portanto, nas
extremidades da árvore das políticas públicas estão as políticas mais específicas,
que fazem parte de uma política mais geral, relativa à árvore como um todo.

Um exemplo é o caso da política de saúde brasileira. Por meio do


Sistema Único de Saúde há uma orientação mais ampla e nacional que indica
o funcionamento do setor como um todo, ou seja, trata-se da árvore da saúde.
Conforme olhamos para o ‘tronco’ e os ‘galhos’ da árvore, podemos analisar o
processo de implementação nas diferentes regiões ou escalas espaciais, bem
como os tipos de programas e projetos para cada objetivo mais específico da
política pública.
24
Capítulo 1 POLÍTICAS PÚBLICAS: DOS CONCEITOS FUNDAMENTAIS AO NEOINSTITUCIONALISMO

Uma ‘árvore de política pública’ poderia ser pensada, assim, para cada
um dos diversos temas nos quais as políticas públicas estão inseridas, seja
na educação, na infraestrutura, na assistência social ou no desenvolvimento
sustentável.

É possível ter uma política pública de saúde sólida quando,


no mesmo cenário, atuam atores com objetivos distintos, tais como
os objetivos econômicos das empresas privadas de saúde? De um
lado, temos o Estado, que atua para beneficiar a maior quantidade
de indivíduos, independentemente de sua classe econômica. De
outro, empresas privadas que buscam lucro por meio da prestação
de serviços na área de saúde. Os serviços que geram prejuízo serão
oferecidos amplamente por ambos?

De uma forma ou de outra, o lugar (locus) ou o espaço habitado por todos


os tipos de interesses e disputas em torno das políticas públicas é o do governo.
Embora diferentes abordagens tratem o conceito por meio de diferentes definições,
há um consenso a respeito de uma visão holística ou integral do tema. Mesmo
que o grau de importância para as instituições, indivíduos, ideologia, interesses
ou poder seja relativo a cada definição, o conjunto desses elementos é sempre
mais relevante para a noção de políticas públicas do que cada um tomado
de forma individual (SOUZA, 2006).

FIGURA 8 – ELEMENTOS E ESPAÇO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS

FONTE: O autor

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SuSTENTABiLiDADE E PoLÍTiCAS PÚBLiCAS

É a partir desse ponto de vista que também podemos entender a natureza


multidisciplinar das políticas públicas. Uma vez que as políticas públicas
repercutem suas ações nas economias e nas próprias sociedades, as teorias que
procuram explicar políticas públicas precisam também explicar as inter-relações
entre Estado, sociedade, economia e política (SOUZA, 2006).

Não é à toa que há um forte interesse no campo de estudos das políticas


públicas em diversas disciplinas e cursos, seja na economia, administração,
gestão, ciência política, sociologia, geografia, planejamento, cujas pesquisas
contribuem coletivamente para os avanços na teoria e na prática das políticas
públicas.

Vamos conhecer alguns exemplos de políticas reais implementadas no Brasil


em diversas áreas de atuação? Acompanhe a seguir.

Exemplos de políticas públicas em diferentes áreas:

• Saúde: programa de distribuição gratuita de medicamentos


em uma parceria entre municípios, estados e Governo Federal
por meio do Sistema Único de Saúde (SUS).
• Educação: programa de reforço escolar para alunos com
dificuldades de aprendizado nas disciplinas de Português e
Matemática do Ensino Fundamental do estado do Amazonas.
• Segurança: instalação de Unidades de Polícia Pacificadora
(UPP) em comunidades carentes do Rio de Janeiro.
• Gestão: metodologia de Avaliação de Desempenho Individual
associada à remuneração variável para os servidores do
Governo do estado de Minas Gerais.
• Meio ambiente: Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL)
criado pelo Protocolo de Quioto, da Organização das Nações
Unidas (ONU), como estratégia de redução das emissões de
gases de efeito estufa.
• Saneamento: Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei nº
12.305/2010).
• Habitação: programa Minha Casa Minha Vida do governo
federal em parceria com estados, municípios, bancos públicos
e organizações da sociedade civil.
• Emprego e Renda: programa Meu Primeiro Trabalho, do
Governo do estado de São Paulo, voltado para estudantes
das escolas públicas conseguirem inserção no mercado de
trabalho.
• Previdência social: legislação especial que permite que
trabalhadores rurais possam se aposentar, por idade, cinco
anos antes que os trabalhadores urbanos.
• Planejamento urbano: Plano Diretor de desenvolvimento
territorial do município de Chapecó, em Santa Catarina.
• Justiça e cidadania: portaria emitida pelo Juiz da Comarca
do município de José de Freitas, no Piauí, que proíbe o
funcionamento de bares, restaurantes e boates após a meia-
noite.

26
Capítulo 1 POLÍTICAS PÚBLICAS: DOS CONCEITOS FUNDAMENTAIS AO NEOINSTITUCIONALISMO

• Economia: regime de câmbio flutuante definido pelo Banco


Central, o qual permite que a taxa cambial do país varie de
acordo com a oferta e a demanda de moeda.
• Assistência social: campanha do agasalho feita por
organizações da sociedade civil, meios de comunicação,
voluntários e Secretaria Municipal de Assistência Social do
município de Araucária, no Paraná.
• Relações internacionais: atuação brasileira na coordenação
da missão de paz da ONU no Haiti.
• Cultura e esporte: programa de fomento a projetos artísticos e
culturais com recursos do Fundo de Apoio à Cultura do Distrito
Federal.
• Ciência, tecnologia e inovação: Lei Municipal de Inovação de
Florianópolis, que institui um fundo para projetos de inovação
e um programa de incentivo à inclusão digital e capacitação
tecnológica.
• Infraestrutura e transportes: Plano Nacional de Logística e
Transportes (PNLT), elaborado pelo Ministério dos Transportes
em parceria com o Ministério da Defesa (SECCHI, 2013, p.
11-12).

Caro acadêmico, após estudarmos um pouco sobre a origem e o conceito


de políticas públicas, leia o estudo de caso a seguir para que o tema teórico das
políticas públicas seja mais bem relacionado com o mundo prático na atualidade.

Estudo de caso: Lei do Couvert


Bares e restaurantes do estado de São Paulo tinham como
hábito oferecer aperitivos para os clientes logo que ocupassem
uma mesa. O atrito surgia na hora de pagar a conta. Muitos clientes
reclamavam que não haviam solicitado o aperitivo e pensavam ser
uma oferta da casa. Outros clientes reclamavam que a quantidade,
qualidade e preço do aperitivo não eram explicitados no momento
em que o garçom colocava o couvert sobre a mesa. O que também
gerava confusão é que o preço do couvert vinha dividido pelo número
de ocupantes da mesa, mas nem todos haviam consumido a ‘oferta’
da casa.
Essas reiteradas insatisfações com a postura de bares e
restaurantes entraram na agenda da mídia, na agenda política
e, finalmente, na agenda formal. Como solução a este problema
público foi elaborado um projeto de lei na Assembleia Legislativa
do estado de São Paulo que teve como objetivo coibir o abuso dos
bares e restaurantes. A chamada Lei do Couvert foi sancionada
em 2011 e regulamentou a prática do couvert, obrigando bares e
restaurantes a informarem preço e composição dos aperitivos para

27
SuSTENTABiLiDADE E PoLÍTiCAS PÚBLiCAS

que os clientes pudessem escolher se queriam ou não os aperitivos


oferecidos. Também ficou estabelecido que os estabelecimentos que
não cumprissem a lei seriam multados, e a fiscalização ficaria a cargo
da Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor (PROCON).
A Lei do Couvert tem todos os elementos de uma política
pública: um problema público percebido, uma proposta de solução
ao problema público, atores envolvidos, instituições formais e
informais que moldam o comportamento dos atores, as fases de
formação da agenda, formulação de alternativas, tomada de
decisão, implementação da política pública etc. Certamente essa
política regulatória deve respeitar políticas regulatórias mais amplas
(exemplo Código de Defesa do Consumidor) e gerar consequências
para políticas públicas mais operacionais (exemplo diretrizes sobre o
método de fiscalização).

FONTE: SECCHI, L. Políticas públicas: conceitos, esquemas


de análise, casos práticos. 2. ed. São Paulo: Cengage Learning,
2013.

Percebeu como o tema das políticas públicas é mais comum do que


normalmente imaginamos? Nossas vidas em sociedade estão rodeadas por ações
de atores públicos e privados que resultam de processos decisórios no âmbito da
agenda das políticas públicas.

Acesse os endereços eletrônicos de Ministérios do Governo


Federal, tais como o da Ciência, Tecnologia e Inovações ou o do
Desenvolvimento Regional, e busque por políticas públicas que estão
sendo executadas na atualidade. Procure identificar os elementos
teóricos que estudamos aqui. No caso desses dois Ministérios, os
endereços são, respectivamente: http://www.mctic.gov.br; http://www.
mdr.gov.br.

28
Capítulo 1 POLÍTICAS PÚBLICAS: DOS CONCEITOS FUNDAMENTAIS AO NEOINSTITUCIONALISMO

Conforme vimos nos exemplos anteriores de políticas públicas, os problemas-


alvo de distintas políticas públicas muitas vezes coincidem uns com os outros,
uma vez que os temas de políticas públicas são transversais entre si. Pode ser
que existam políticas bastante específicas, tais como na área da saúde e da
economia, mas que, de alguma forma, somam forças para a resolução de um
problema comum.

Então, como podemos compreender os modelos pelos quais as políticas


públicas são formuladas e implementadas? Com relação à análise de políticas
públicas: existem meios para se classificar as políticas públicas?

A seção a seguir pretende responder essas e outras perguntas a respeito dos


tipos de políticas públicas. Vamos lá? Antes disso, realize as atividades a seguir
para melhor compreensão do conteúdo.

1 Qual a relação entre o tema do desenvolvimento com o das


políticas públicas?
R.:____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
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____________________________________________________
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2 Como podemos definir políticas públicas?


R.:____________________________________________________
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___________________________________________________
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3 Quais são os principais atores das políticas públicas?
R.:____________________________________________________
____________________________________________________
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____________________________________________________
____________________________________________________

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SuSTENTABiLiDADE E PoLÍTiCAS PÚBLiCAS

Caro acadêmico, antes de prosseguir, leia o texto indicado a seguir. Ele se


refere a um verbete do Dicionário de Políticas de Públicas, que traz uma boa
síntese da discussão que procuramos realizar aqui. Bons estudos!

Políticas Públicas
Antônio Eduardo de Noronha Amabile

Políticas públicas são decisões que envolvem questões de


ordem pública com abrangência ampla e que visam à satisfação do
interesse de uma coletividade. Podem também ser compreendidas
como estratégias de atuação pública, estruturadas por meio de
um processo decisório composto de variáveis complexas que
impactam na realidade. São de responsabilidade da autoridade
formal legalmente constituída para promovê-las, mas tal encargo
vem sendo cada vez mais compartilhado com a sociedade civil por
meio do desenvolvimento de variados mecanismos de participação
no processo decisório.
As políticas públicas são a concretização da ação governamental.
Consideram atores formais e informais num curso de ação intencional
que visa ao alcance de determinado objetivo. Podem ser constituídas
com uma função distributiva, redistributiva ou regulatória e inspiram o
constante debate sobre a modernização do Estado e, por isso, estão
contemporaneamente se fundando mais em estruturas de incentivos
e menos em estruturas de gastos governamentais.
A atuação estatal é tema de estudo passível de análise por
várias perspectivas, como a filosófica, a jurídica, a sociológica, a
econômica, a administrativa e a política. A escolha entre uma ou
outra proporciona uma visão peculiar e parcial da Administração
Pública, ora mais dinâmica, ora mais estática, privilegiando princípios
de atuação, estruturas, regras de funcionamento, equilíbrio de
forças e processos decisórios, transferência de riquezas e meios
de atuação. A sua conjugação normalmente viabiliza uma análise
qualitativamente mais rica, permitindo estudos sobre o conteúdo
das políticas, seu processo de concepção e, ainda, seus resultados
gerados.
As políticas públicas influenciam e são influenciadas por valores
e ideais que orientam a relação entre Estado e sociedade. Grupos
organizados se revezam como condicionantes dessas variáveis,
participando direta e indiretamente do processo decisório que as
sustenta. Por isso, não se costuma definir de antemão quais seriam

30
Capítulo 1 POLÍTICAS PÚBLICAS: DOS CONCEITOS FUNDAMENTAIS AO NEOINSTITUCIONALISMO

as finalidades precípuas das políticas públicas senão de uma forma


mais genérica, como o atendimento do interesse da coletividade. É
certo, apesar disso, que uma política pública se integra ao conjunto
de esforços governamentais, coordenados em prol do atendimento
de demandas especificamente selecionadas.
O processo decisório que envolve o desenho e a execução das
políticas públicas é extremamente complexo e, por isso, de difícil
racionalização. Dentre as teorias já formuladas na área, destaca-se
a da escolha racional ou public choice theory, que ainda se mantém
como uma das principais referências na tentativa de melhor explicar
os critérios e julgamentos que se estabelecem dentro do processo.
O estudo das políticas públicas considera quatro etapas
principais: formulação, execução, monitoramento e avaliação. Tal
esquematização tem efeito didático, pois permite a visualização
desde a inclusão da política pública na agenda governamental
até a avaliação de sua real efetividade, consoante à finalidade
que se propunha. No entanto, não reflete a improvisação caótica
que normalmente marca as políticas públicas latino-americanas,
passíveis de evolução através da integração de esforços científicos
à prática.

FONTE: AMABILE, A. E. de N. Políticas públicas. In: CASTRO,


C. L. F. de; GONTIJO, C. R. B.; AMABILE, A. E. de N. (Org.).
Dicionário de políticas públicas. Barbacena: EdUEMG, 2012. p.
390-391.

3 OS MODELOS DE FORMULAÇÃO E
ANÁLISE DE POLÍTICAS PÚBLICAS
A classificação de políticas públicas possui um vasto espaço no interior de
suas próprias teorias. Assim como no caso dos conceitos fundamentais sobre
o tema, não há uma ou outra melhor classificação, mas aquela que mais se
enquadra a um determinado contexto social e político ou a um objeto de pesquisa
que se persiga.

Theodore Lowi foi responsável por promover os primeiros estudos relativos


à tipologia das políticas públicas, cujos resultados são um dos mais conhecidos
entre a teoria e a prática das políticas públicas. Essa perspectiva ocorre a partir
do entendimento de que a política pública faz a política. Dessa forma, Lowi traz

31
SuSTENTABiLiDADE E PoLÍTiCAS PÚBLiCAS

um novo olhar para a relação causal entre política pública (public policy) e política
(politic), procurando mostrar que dependendo do tipo de política pública em curso,
há uma modificação nos conflitos de interesse, nas coalizões e agrupamentos,
bem como no equilíbrio de poder, ou seja, para que uma política pública possa
ser analisada é fundamental que se conheça o tipo da política pública (SECCHI,
2013; SOUZA, 2006).

Theodore Lowi tem como principal contribuição para a área a determinação


do tipo de política pública como elemento fundamental para a análise das próprias
políticas públicas.

A relevância do estudo sobre o conteúdo de uma política pública, isto é, sobre


que tipo de política pública se trata, pode determinar todo o processo político.
“Esse papel compete ao analista de política pública, que deve ser capaz de
entender os detalhes e os contornos de uma política pública, bem como extrair
dali seus elementos essenciais” (SECCHI, 2013, p. 23, grifo do autor).

Acadêmico, ficou clara a ideia de a política pública determinar a própria


política? “Lowi quis dizer que cada tipo de política pública vai encontrar diferentes
formas de apoio e de rejeição e que disputas em torno de sua decisão passam
por arenas diferenciadas” (SOUZA, 2006, p. 28). Por exemplo: incentivos fiscais
e econômicos são realizados por meio de discussões em arenas bastante
diferentes daquelas relativas à assistência social para pessoas em situação de
vulnerabilidade social.

Em muitos momentos relativos à discussão de políticas públicas


você se deparará com o termo arena. A arena política diz respeito ao
‘espaço’ no qual as políticas públicas são constituídas. Este espaço
não se trata de uma sala específica em um prédio público, mas da
estrutura política que existe para cada tipo de política, formada por
certas elites e relações de poder. Basta pensar em uma política
pública para o mundo do trabalho: sua arena pode ser constituída por
sindicatos patronais e dos trabalhadores, associações de comércio,
câmara de vereadores, ministérios relativos ao trabalho e emprego,
além de outros órgãos públicos.

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Capítulo 1 POLÍTICAS PÚBLICAS: DOS CONCEITOS FUNDAMENTAIS AO NEOINSTITUCIONALISMO

A tipologia de Theodore Lowi foi proposta originalmente em um estudo


publicado na revista World Politics, em 1964, denominado American business,
public policy, case studies and political theory, mas aprimorada posteriormente,
sobretudo em um artigo de 1972, Four systems of policy, politics, and choice.
Acompanhe na figura a seguir a relação causal proposta por Lowi.

FIGURA 9 – RELAÇÃO CAUSAL ENTRE POLÍTICA E POLÍTICA PÚBLICA

FONTE: O autor

Theodore J. Lowi foi professor e cientista político, atuando


nas Universidades Cornell e de Chicago desde 1959. Ele faleceu
em 2017, sendo considerado o cientista social mais importante de
toda a história da Cornell. Sua área de pesquisa era dedicada ao
governo americano e às políticas públicas. Um de seus livros mais
clássicos é The end of Liberalism (O fim do liberalismo), publicado
em 1969, além de American government (Governo americano), que
se encontra na 13ª edição.

FONTE: <https://news.cornell.edu/stories/2017/02/ted-lowi-
renowned-political-scientist-dies-85>. Acesso em: 12 nov. 2020.

Para conhecer um estudo que relaciona a tipologia de Lowi com


algumas das políticas públicas brasileiras, leia o artigo A avaliação
de políticas públicas no Senado Federal (2014-2017): notas de
pesquisa, disponível em: https://www12.senado.leg.br/publicacoes/
estudos-legislativos/tipos-de-estudos/textos-para-discussao/td263.

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SuSTENTABiLiDADE E PoLÍTiCAS PÚBLiCAS

FIGURA 10 – TED LOWI

FONTE: <https://news.cornell.edu/stories/2017/02/ted-lowi-renowned-
political-scientist-dies-85>. Acesso em: 12 nov. 2020.

A tipologia de Lowi separa as políticas públicas em distributivas,


regulatórias, redistributivas e constitutivas. Além de cada uma dessas políticas
ser constituída por grupos de apoio e de vetos distintos uns dos outros, elas
também são operacionalizadas de forma diferente no interior do sistema político.
Veja uma síntese no quadro a seguir.

QUADRO 1 – TIPOLOGIA DE THEODORE LOWI PARA AS POLÍTICAS PÚBLICAS


Geram impactos e benefícios mais individuais do que universais, pois privile-
Distributivas giam certos grupos sociais ou regiões, em detrimento do conjunto da sociedade.
Exemplo: benefícios fiscais econômicos.
São mais visíveis ao público, uma vez que estabelecem padrões de comporta-
Regulatórias mento social tanto para o setor privado quanto para o público. Exemplo: códigos
de trânsito.
Possuem uma arena de disputa conflitante, haja vista atingir um maior número
Redistributivas de pessoas e impor custos concentrados para alguns atores sociais. Exemplo:
benefícios sociais ao trabalhador.
Regulam os procedimentos fundamentais das próprias políticas públicas, encon-
Constitutivas
trando-se acima dos três tipos de política. Exemplo: sistema político-eleitoral.
FONTE: Adaptado de Souza (2006) e Secchi (2013)

É uma boa forma de compreendermos a distinção entre as políticas, não é


mesmo? As políticas públicas distributivas podem, ainda, ser entendidas a partir
dos subsídios realizados pelo governo a determinados setores econômicos, da
gratuidade para usuários de serviços públicos, bem como por meio dos incentivos
e renúncias fiscais a empresas. Um exemplo mais concreto são as emendas
parlamentares do orçamento da União destinadas à execução de uma obra

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Capítulo 1 POLÍTICAS PÚBLICAS: DOS CONCEITOS FUNDAMENTAIS AO NEOINSTITUCIONALISMO

regional. Nas arenas de poder das políticas distributivas predomina o famoso


‘toma lá dá cá’, pelo qual a troca de apoios políticos torna-se uma regra. Por isso,
uma das dificuldades no âmbito desse tipo de política é a definição de quem é e
de quem não é beneficiário, ou seja, a delimitação do grupo beneficiário (SECCHI,
2013).

As políticas regulatórias se desenvolvem em uma dinâmica mais plural, cuja


capacidade de aprovação depende da relação de forças e interesses mais ampla
dos atores sociais. Outros exemplos são as regras para segurança alimentar,
as regras para os indivíduos operarem no mercado financeiro, as regras para
impedir a formação de monopólios econômicos, as regras de tráfego aéreo, os
códigos de ética para assuntos, como o aborto, as regras para a publicidade de
produtos, como o cigarro, e as propagandas em serviços de multimídia (MATTOS;
HERCOWITZ, 2009; SECCHI, 2013).

Quanto às políticas redistributivas, as arenas políticas de poder em que


estão inseridas resultam em processos decisórios bastante conflituosos devido
aos custos das políticas serem concentrados, embora os benefícios atendem a
demandas amplamente populares e coletivas. Os casos aqui são os das reformas
agrária, da previdência social, tributária, mas, também, das cotas raciais,
das políticas de transferência de renda, como o Bolsa Família, e de medidas
progressivas de taxação do imposto de renda (ASSIS, 2015).

Você é a favor ou contra a taxação de grandes fortunas? Muitos


pesquisadores e grupos políticos defendem que grandes fortunas
acumuladas ou herdadas deveriam sofrer a ação de políticas públicas
para que os benefícios fossem redistribuídos para a sociedade. Por
outro lado, essa decisão afeta parte do capital privado dos indivíduos.
Para saber mais sobre essa questão, assista ao vídeo Por que a
tributação na América Latina é tão injusta?, disponível em: https://
www.youtube.com/watch?v=zcDPraZLkgo.

Por fim, as políticas constitutivas, para ficar claro, possuem um caráter


transversal a todas as três políticas anteriores, já que definem “os procedimentos
para a adoção de decisões públicas e as relações entre os vários aparelhos do
Estado” (MATTOS; HERCOWITZ, 2009, p. 91-92). Elas também são conhecidas
como políticas estruturadoras, caracterizadas pela negociação entre partidos e
busca de apoios entre lideranças políticas. Os exemplos aqui podem ser vistos na

35
SuSTENTABiLiDADE E PoLÍTiCAS PÚBLiCAS

discussão sobre o pacto federativo e as esferas de poder, as regras constitucionais


e a distribuição de competências entre União, estados e municípios (ASSIS,
2015).

Embora no mundo prático nem sempre as políticas públicas possam ser


enquadradas exatamente em um ou outro tipo de política, uma vez que os
limites que separam cada política são bastante próximos, o modelo de Lowi é
muito utilizado no ambiente acadêmico e profissional para a análise de políticas
públicas.

Uma vez que as políticas públicas são operacionalizadas a partir de suas


específicas arenas de poder, as formas de coerção existentes são definidoras de
todo processo. Como forma de complementar a tipologia das políticas públicas,
Theodore Lowi também procurou demonstrar que cada tipo de política possui
uma probabilidade de coerção: mais remota, por meio dos partidos políticos e
da organização eleitoral, ou mais imediata, em que a coerção ocorre a partir
de grupos de interesse. Assim a coerção pode ocorrer de forma individual,
mais pontual e localizada, ou, no interior de um ambiente de conduta, onde os
interesses são mais gerais e amplos (GUIMARÃES, 2019).

Acompanhe essa classificação que relaciona os tipos de coerção com os


tipos de políticas definidas por Theodore Lowi na figura a seguir.

FIGURA 11 – RELAÇÃO ENTRE TIPOS DE COERÇÃO E


TIPOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS EM LOWI

FONTE: Guimarães (2019, p. 20)

36
Capítulo 1 POLÍTICAS PÚBLICAS: DOS CONCEITOS FUNDAMENTAIS AO NEOINSTITUCIONALISMO

Caro acadêmico, foi possível compreender como os aspectos de coerção


se diferem nos processos de formulação de políticas públicas em suas distintas
arenas de poder? Observe que no caso das políticas públicas distributivas há
uma possibilidade mais remota de coerção no processo político; nas políticas
regulatórias, a coerção é mais ou menos intensa, mas, imediata, já que são
constituídas por outros interesses, tais como os econômicos.

A definição de políticas públicas redistributivas tende a ser mais complexa


por demandar coerções imediatas, cuja aplicação ocorre em um ambiente
bastante amplo de interesses entre grupos e classes sociais e econômicas. As
políticas constitutivas também são implementadas em um ambiente amplo de
coerção, embora a probabilidade de a coerção existir seja mais remota (MATTOS;
HERCOWITZ, 2009).

Por meio da tipologia de Theodore Lowi o conceito de políticas públicas se


aproxima bastante do mundo prático. Contudo, existe um vasto campo de estudos
no que diz respeito às tipologias para as políticas públicas. Vejamos agora uma
outra tipologia que corrobora e complementa a perspectiva de Lowi por meio dos
critérios de benefícios e custos organizados por James Wilson.

3.1 A TIPOLOGIA DE JAMES WILSON


James Wilson desenvolveu uma tipologia para as políticas públicas que
relaciona a distribuição dos custos e benefícios para a sociedade. A tipologia
de Wilson entende que tanto os benefícios quanto os custos das políticas
públicas para a sociedade podem ser concentrados em certos grupos sociais, ou
distribuídos na coletividade social, originando políticas majoritárias, clientelistas,
empreendedoras, ou de grupo de interesses (SECCHI, 2013). Acompanhe na
figura a seguir a classificação proposta por Wilson.

FIGURA 12 – TIPOLOGIA DE JAMES WILSON PARA AS POLÍTICAS PÚBLICAS


Custos
Distribuídos Concentrados
Política Política
Distribuídos
majoritária empreendedora
Benefícios
Política Política de grupo
Concentrados
clientelista de interesses
FONTE: Adaptada de Wilson (1983 apud SECCHI, 2013).

37
SuSTENTABiLiDADE E PoLÍTiCAS PÚBLiCAS

Por meio dessa matriz é possível compreender que as políticas majoritárias


são aquelas nas quais os custos e os benefícios são distribuídos para a sociedade.
É o caso da maior parte das políticas públicas, tais como aquelas na área da
saúde, educação, segurança pública e cultura.

As políticas empreendedoras resultam em benefícios distribuídos para o


conjunto social, mas com custos concentrados em grupos sociais específicos.
Aqui é o caso de reformas administrativas com a extinção de cargos públicos, por
exemplo.

As políticas clientelistas assemelham-se às políticas distributivas da


tipologia de Lowi, pois os benefícios ficam concentrados em um grupo social, tal
como um setor econômico que passa a receber um subsídio financeiro para suas
operações, embora os custos para a implementação da política pública sejam
distribuídos entre diversos grupos da sociedade.

As políticas de grupo de interesses possuem tanto os benefícios quanto


os custos concentrados em setores específicos da sociedade, como no caso
das políticas redistributivas de Lowi. Embora os grupos em que os benefícios se
concentram sejam bastante amplos (SECCHI, 2013).

3.2 A TIPOLOGIA DE WILLIAM


GORMLEY
Por outro lado, em uma outra classificação, William Gormley analisa a
distinção entre políticas públicas a partir da relação entre nível de saliência e
complexidade. A tipologia de Gormley entende que um tema é saliente quando
possui a capacidade de chamar a atenção de um grande número de pessoas e do
público em geral, bem como uma política pública é altamente complexa quando
necessita de um conhecimento especializado e técnico para os processos de
elaboração e implementação.

William Gormley relaciona a visibilidade de uma política pública com seu


grau de complexidade para a formulação de uma tipologia para as políticas
públicas. Assim, a tipologia de Gormley resulta em quatro cenários: política de
sala operatória, política de sala de reuniões, política de audiência e política de
baixo escalão. Veja como essa classificação pode ser entendida a partir da figura
a seguir.

38
Capítulo 1 POLÍTICAS PÚBLICAS: DOS CONCEITOS FUNDAMENTAIS AO NEOINSTITUCIONALISMO

FIGURA 13 – TIPOLOGIA DE WILLIAM GORMLEY PARA AS POLÍTICAS PÚBLICAS


Complexidade
Alta Baixa
Política de Política de
Alta
sala operatória sala de audiência
Saliência
Política de Política de
Baixa
sala de reuniões baixo escalão
FONTE: Adaptada de Gormley (1986 apud SECCHI, 2013)

As nomenclaturas desenvolvidas por Gormley expostas na matriz são


bastante elucidativas. No caso das políticas de sala operatória estão as políticas
públicas sobre o uso de agrotóxicos na agricultura, saneamento, regulamentação
sobre a qualidade do ar, restauração de prédios antigos e turísticos, vigilância
sanitária, planos diretores, ou seja, políticas com alta visibilidade para o público
em geral, cuja execução depende de um corpo técnico especializado.

As políticas de sala de audiência se referem às políticas com alta


visibilidade, pois afetam um grande número de pessoas, mas possuem uma baixa
complexidade técnica em sua execução, como é o caso da política de reciclagem
de resíduos sólidos, das políticas públicas relacionadas às cotas raciais, a
regulamentação para o funcionamento de bares e restaurantes, a regulamentação
das vagas para estacionamento no centro das cidades etc.

Quanto às políticas de baixa saliência, por possuírem um apelo público


pequeno, temos o caso das políticas de sala de reuniões (ou de alto escalão) e
das políticas de baixo escalão. As políticas de sala de reuniões possuem alta
complexidade técnica, como é o caso de regras para o setor bancário, licitações
para setores de energia ou telefonia e especificações para a construção civil.
No âmbito das políticas de baixo escalão, na quais a complexidade técnica é
baixa, bem como sua publicidade à sociedade, estão as rotinas administrativas
dos agentes públicos, o funcionamento de repartições públicas e a prestação de
informações ao cidadão (SECCHI, 2013).

3.3 A TIPOLOGIA DE GUSTAFSSON


Existe também a classificação apresentada por Gustafsson em 1983. A
tipologia de Gustafsson leva em conta a intenção e o conhecimento do formulador
de políticas públicas (policymaker), dando origem às políticas reais, simbólicas,
pseudopolíticas e políticas sem sentido (SECCHI, 2013). Essa interpretação das
políticas públicas é relevante no que diz respeito às políticas públicas poderem ser
reais, ou seja, passíveis de serem formuladas e implementadas adequadamente,

39
SuSTENTABiLiDADE E PoLÍTiCAS PÚBLiCAS

mas, também, poderem se apresentar como meros movimentos políticos com


interesses alheios aos problemas que se procura intervir.

Acompanhe na figura a seguir a relação entre intencionalidade e


conhecimento do policymaker para a elaboração e implementação de uma política
pública.

FIGURA 14 – TIPOLOGIA DE GUSTAFSSON PARA AS POLÍTICAS PÚBLICAS


Intenção de implementar
Sim Não
Disponível Política real Política simbólica
Conhecimento
Indisponível Pseudopolítica Política sem sentido
FONTE: Adaptada de Gormley (1986 apud SECCHI, 2013).

Como podemos entender cada uma delas? Conforme a matriz da tipologia de


Gustafsson, existem políticas públicas em que há conhecimento necessário para
sua implementação, mas nem em todas há uma intenção de se implementar a
política pública. As políticas reais atendem aos dois requisitos: há conhecimento
e se tem a intenção de colocar a política pública em prática, ou seja, é a situação
ideal desejada pelo policymaker, e, também, o caso das políticas em que a
sociedade já vem se beneficiando.

Nas políticas simbólicas não sem tem o interesse real de se implementar a


política pública, pois não passam de ações políticas para o ganho de visibilidade
a curto prazo. Aqui temos como exemplo a situação da elaboração de grandes
projetos para o futuro de uma cidade, cujas ações são pensadas, divulgadas,
mas, dificilmente, implementadas. Ou quando se assume que a participação no
orçamento público é necessária, mas a criação de mecanismos que permitam a
participação pública não ocorre (SECCHI, 2013).

E quanto às políticas públicas que não são conhecidas suficientemente


por parte dos policymakers? As pseudopolíticas encontram-se neste eixo, pois
embora haja nelas um interesse em serem implementadas, não contam com
técnicos qualificados. Os exemplos aqui estão em políticas públicas que são
implementadas sem um conhecimento técnico necessário (SECCHI, 2013). Você
já deve ter visto uma ciclovia ou ciclofaixa malfeita, não é mesmo? Ou redes de
esgoto que transbordam. Nestes casos, há uma intenção em se implementar
políticas públicas que intervenham em problemas públicos, mas sem contar com
assistência técnica adequada. Veja o caso exposto na notícia de jornal a seguir.

40
Capítulo 1 POLÍTICAS PÚBLICAS: DOS CONCEITOS FUNDAMENTAIS AO NEOINSTITUCIONALISMO

Pais e nutricionistas reclamam do ‘kit merenda’


entregue pelo GDF durante pandemia

Pais de alunos da rede pública de ensino do Distrito Federal e


nutricionistas reclamam do Kit Merenda entregue pelo Governo do
DF (GDF) durante a pandemia do novo coronavírus. Entre os itens
oferecidos estão, por exemplo, uma caneca e meia de açúcar.
“Esse tipo de kit não tem muito valor nutritivo e favorece o risco
de diabetes e obesidade”, afirma a nutricionista Bruna Parente. [...]
Em um vídeo divulgado nas redes sociais, uma mulher que se
apresenta como nutricionista da Secretaria de Educação afirma que
o kit “está sendo preparado pra suprir a falta da alimentação escolar
nesse período de isolamento social”. Entretanto, para a nutricionista
Bruna Parente, o kit não oferece o valor nutricional indicado para um
bom desenvolvimento das crianças.
“Não dá pra gente descuidar da alimentação da criança. Elas
continuam em aprendizado, em crescimento, em desenvolvimento
e elas precisam desse aporte nutricional, como magnésio, zinco,
vitaminas do complexo b, vitamina E”. [...]
O professor Sérgio Luís Teixeira, que dá aula em uma escola
rural da Fercal, afirma que a quantidade de alimentos é insuficiente
para os alunos.
“O GDF está oferecendo para as famílias dos estudantes uma
quantidade de alimentos per capita que consideramos um kit esmola,
um kit de alimentação insuficiente para contemplar as necessidades
de alimentação dos nossos estudantes”, aponta.

FONTE: <https://g1.globo.com/df/distrito-federal noticia/2020/05/14/


pais-e-nutricionistas-reclamam-do-kit-merenda-entregue-pelo-gdf-
durante-pandemia.ghtml>. Acesso em: 12 nov. 2020.

A situação apresentada na notícia anterior revela que muitas políticas


públicas podem alterar sua classificação conforme são implementadas. Nesse
caso, a política pública veio à tona como uma política real, mas durante sua
operacionalização transformou-se em uma pseudopolítica, uma vez que,
desprovida de uma efetiva fiscalização, o conhecimento técnico e especializado
necessário para que os Kits Merenda fossem entregues com uma quantidade e
qualidade nutricional adequadas não foi incorporado à política pública.

41
SuSTENTABiLiDADE E PoLÍTiCAS PÚBLiCAS

Agora, no caso das políticas sem sentido o problema é mais grave.


Aqui, as políticas públicas são vazias de conhecimento técnico, bem como de
intenções genuínas a respeito de sua implementação (SECCHI, 2013). A falta
de participação popular no processo de elaboração de políticas públicas tende
a resultar em políticas sem sentido, pois mesmo havendo técnicos qualificados,
os reais problemas enfrentados pelos indivíduos podem ser entendidos de forma
errada ou enviesada, ou seja, a falta de participação resulta em um cenário em
que não há conhecimento suficiente sobre a política pública. Além disso, muitas
vezes, tampouco é de interesse nos entes governamentais a implementação da
política pública.

3.4 O MODELO DA LATA DE LIXO


(GARBAGE CAN MODEL)
Além dos modelos que enfocam mais o processo de análise das políticas
públicas, existem também aqueles que têm como principal preocupação o
processo de formulação das políticas públicas. Um dos casos está no chamado
Modelo da lata de lixo (Garbage Can Model), desenvolvido por Michael D.
Cohen, James G. March e Johan P. Olsen, e apresentado originalmente em um
artigo científico publicado em 1972.

O Modelo da lata de lixo ou Garbage can model procura demonstrar as


disputas entre atores sociais e policymakers na escolha e alinhamento entre as
soluções disponíveis e os problemas encontrados.

Segundo esse entendimento, as soluções disponíveis para distintos


problemas públicos estariam em uma lata de lixo. Seu conteúdo é composto por
vários tipos de alternativas para políticas públicas que vão sendo adicionadas à
lata de lixo conforme os atores sociais aparecem. Contudo, como são poucas
soluções para muitos problemas, “as soluções não seriam detidamente analisadas
e dependeriam do leque de soluções que os decisores (policymakers) têm no
momento” (SOUZA, 2006, p. 30).

O processo decisório no mundo prático não é tão simples quanto algumas


tipologias supõem. A analogia com a lata de lixo procura mostrar que as decisões
tomadas são resultado de um embate político constante, entre os atores
envolvidos no processo, de escolha das oportunidades trazidas pelo acúmulo
tanto de soluções propostas como de problemas públicos. Visualize essa situação
por meio da figura a seguir.

42
Capítulo 1 POLÍTICAS PÚBLICAS: DOS CONCEITOS FUNDAMENTAIS AO NEOINSTITUCIONALISMO

FIGURA 15 – REPRESENTAÇÃO DO MODELO DA LATA DE LIXO

FONTE: Adaptada de Cohen, March e Olsen (1972)

O Garbage Can Model entende que as soluções procuram por problemas, e


não o contrário. Como os atores que formulam as políticas públicas possuem um
conhecimento limitado sobre a maior parte dos problemas, resultando em ideias
pouco consistentes, a construção de soluções também possui limites. Assim, os
policymakers operam em um esquema de tentativa e erro, no qual as possíveis
soluções elaboradas são retiradas ‘da lata de lixo’ e confrontadas com a grande
quantidade de problemas públicos existentes (SOUZA, 2006).

Para conhecer as origens intelectuais e um pouco mais sobre o


Modelo da Lata de Lixo a partir de um de seus criadores, James G.
March, assista ao vídeo James G. March - Intellectual Roots of the
‘Garbage Can Model’, disponível em: https://youtu.be/5geJSDqGIr4.
A entrevista é na língua inglesa, mas você pode ativar a tradução das
legendas para o português.

Por meio das caóticas relações, que compõem a tomada de decisão em


diferentes arenas, os atores sociais e policymakers buscam a convergência
política dos problemas encontrados com as soluções disponíveis. Por isso, a
abordagem da lata de lixo é descrita como uma ‘anarquia organizada’ dos atores
envolvidos nas arenas. O processo decisório, ou processo de tomada de decisão,
é resultado, portanto, da inter-relação entre todos esses elementos combinados.

43
SuSTENTABiLiDADE E PoLÍTiCAS PÚBLiCAS

Caro acadêmico, conforme nos aprofundamos no entendimento teórico e


prático sobre as políticas públicas, novos elementos vêm à tona. Neste momento,
então, é importante que você compreenda a importância de outros atores no
âmbito das políticas públicas. Esta é a preocupação que teremos no próximo item,
não perca! Antes disso, realize as atividades a seguir e procure sanar todas as
dúvidas.

1 Qual a relação causal entre política e política pública proposta por


Theodore Lowi?
R.: ____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________

2 Como podemos entender a tipologia de James Wilson para as


políticas públicas?
R.: ____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________

3 Qual a relevância do modelo da lata de lixo ou Garbage can?


R.: ____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________

44
Capítulo 1 POLÍTICAS PÚBLICAS: DOS CONCEITOS FUNDAMENTAIS AO NEOINSTITUCIONALISMO

4 A PARTICIPAÇÃO DAS
INSTITUIÇÕES NO DEBATE DAS
POLÍTICAS PÚBLICAS
As classificações a respeito das políticas públicas procuram organizar os
distintos modos de se pensar, executar e conduzir as políticas oriundas da esfera
governamental. Conforme você pôde acompanhar nos estudos realizados aqui,
muitos são os tipos de formulação e análise de políticas públicas. Contudo, uma
perspectiva mais recente para as políticas públicas vem incorporando a atuação
de outras instituições às ações governamentais, resultando em novos modelos de
gestão do setor público amparados no chamado neoinstitucionalismo.

O campo teórico do neoinstitucionalismo “enfatiza a importância crucial


das instituições/regras para a decisão, formulação e implementação de políticas
públicas” (SOUZA, 2006, p. 37). Uma contribuição para essa perspectiva
tem origem na teoria da escolha racional, a partir do questionamento de duas
proposições que nem sempre são verdadeiras: 1) interesses individuais agregados
gerariam ação coletiva; 2) ação coletiva produziria necessariamente bens
coletivos. No processo racional de escolha, as ações coletivas e a distribuição
de bens coletivos, definidoras das políticas públicas, precisam ser incentivadas
seletivamente (SOUZA, 2006).

Esse posicionamento procura diminuir a capacidade de grupos de interesses


ou mesmo de interesses individuais capturarem tanto as proposições das políticas
públicas quanto os possíveis resultados alcançados. O neoinstitucionalismo
procura incorporar ao debate sobre as políticas públicas a contribuição e o papel
de outras instituições no processo de escolha e nas preferências dos próprios
tomadores de decisão pública.

O neoinstitucionalismo não é constituído por uma corrente de


pensamento unificada, mas dividida em pelo menos três métodos de
análise que surgiram a partir da década de 1980: o institucionalismo
histórico, o institucionalismo da escolha racional e o institucionalismo
sociológico. Todos os três métodos procuram explicar o papel
desempenhado pelas instituições na produção de resultados sociais
e políticos, mas as interpretações a respeito do mundo político são
muito diferentes (HALL; TAYLOR, 2003).

45
SuSTENTABiLiDADE E PoLÍTiCAS PÚBLiCAS

No entanto, outras análises do neoinstitucionalismo, mesmo concordando


que instituições moldam as definições de decisores públicos, procuram mostrar
que a ação racional não se limita às escolhas e interesses de classes ou
grupos individuais. As ações implementadas por meio dos governos “obedecem
à lógica de buscar reproduzir o controle de suas instituições sobre a sociedade,
reforçando sua autoridade, seu poder político e sua capacidade de ação e controle
sobre o ambiente que o circunda” (ROCHA, 2005, p. 14). Portanto, ação racional
também depende de percepções mais subjetivas sobre as alternativas de decisão,
levando em conta consequências e a avaliação dos possíveis resultados por meio
de uma concepção ampla de regras, papéis e ideias (ROCHA, 2005).

Embora o processo decisório seja mais comumente visto a partir da dinâmica


de barganhas negociadas diretamente com foco em interesses individualizados,
as políticas públicas também são resultado de processos institucionais de
socialização. Dessa forma, os decisores públicos tendem a obedecer a uma
lógica composta pelas regras e práticas socialmente construídas, já conhecidas
e aceitas pela sociedade, gerando legitimidade para as proposições (SOUZA,
2006).

A partir das interpretações trazidas pelo neoinstitucionalismo podemos


compreender que as instituições são fundamentadas em regras formais e informais
que geram como resultado o próprio comportamento dos atores responsáveis
pelas políticas públicas. Portanto, a dinâmica que move as instituições também
molda o processo de formulação, implementação, bem como o resultado das
políticas públicas.

FIGURA 16 – NEOINSTITUCIONALISMO NO CONTEXTO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS

FIGURA 16 – NEOINSTITUCIONALISMO NO CONTEXTO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS

46
Capítulo 1 POLÍTICAS PÚBLICAS: DOS CONCEITOS FUNDAMENTAIS AO NEOINSTITUCIONALISMO

Como as instituições influenciam os resultados das políticas


públicas e qual a importância das variáveis institucionais para
explicar resultados de políticas públicas? A resposta está na
presunção de que as instituições tornam o curso de certas
políticas mais fáceis do que outras. Ademais, as instituições
e suas regras redefinem as alternativas políticas e mudam a
posição relativa dos atores (SOUZA, 2006, p. 39).

Assim, uma das sínteses que podemos retirar a partir do neoinstitucionalismo


no contexto das políticas públicas é relativa à compreensão de que atores
sociais com interesses individualizados ou mesmo grupos de interesse possuem
relevante participação para o resultado das políticas públicas. Contudo, esses
atores não atuam de forma isolada, uma vez que as políticas públicas também
são influenciadas por regras mais ou menos informais que fundamentam as
instituições (SOUZA, 2006).

O neoinstitucionalismo no contexto das políticas públicas entende que atores


sociais não atuam de forma isolada, mas em conjunto de regras das instituições.

Conforme vimos em muitos dos conceitos para as políticas públicas, o


embate político, as lutas por poder, a formação de arenas específicas, a disputa
por recursos entre os atores sociais, entre outros elementos de conflito, são
características fundamentais do processo de formulação de políticas públicas.
As instituições não agem sozinhas, contudo, ao adicionarmos instituições que
procuram movimentar a direção das disputas, privilegiando um ou outro grupo
social, alteramos sobremaneira o resultado das políticas públicas.

A partir desses fundamentos teóricos é possível compreender um pouco


melhor a relação entre as instituições e as políticas públicas, não é mesmo?
Entretanto, você também deve ter percebido que a própria ideia sobre instituição
é bastante ampla. Acompanhe essa discussão na leitura a seguir.

Instituições e políticas: o que são e por que importam?

Boa parte das discussões humanas é inútil, uma vez que


decorrem de confusões na comunicação, seja pelo fato de cada
um dizer a mesma ou quase a mesma coisa, mas por perspectivas
distintas, seja pelo fato de as pessoas não se entenderem, pois dão
significados distintos às mesmas palavras usadas no diálogo.
Um termo que, apesar de bastante antigo, ganhou atenção
apenas recentemente no debate político e econômico brasileiro é
“instituição”. Há diferentes conceitos atribuíveis ao termo, de modo

47
SuSTENTABiLiDADE E PoLÍTiCAS PÚBLiCAS

que, ao falar nele, é preciso defini-lo com cuidado ou corre-se o risco


de já se iniciar o debate com cada um falando de uma coisa diferente
embora pensem discutir a mesma coisa.
No uso mais comum do dia a dia, instituição parece representar
uma entidade, pessoa jurídica, como quando se fala em ‘instituição
de ensino’ ou, para se referir aos órgãos públicos, diz-se que ‘as
instituições estão funcionando’, apesar de que essa assertiva também
se aplicaria ao conjunto de regras e instrumentos de imposição, um
conceito mais técnico.
Nas Ciências Sociais, instituição tende a ganhar conceito mais
amplo do que o de entidade, pois pode representar não somente
pessoas e regras jurídicas (instituições formais), mas todo tipo de
estrutura social formada pelos indivíduos, as suas práticas reiteradas
consolidadas na sociedade (instituições informais), que terminam
determinando os comportamentos futuros.
Émile Durkheim, um dos precursores da Sociologia, dizia que
ela é a “ciência das instituições, sua criação e seu funcionamento”.
Por instituição social, ele entendia “um mecanismo de proteção da
sociedade”, “o conjunto de regras e procedimentos padronizados
socialmente”, dando importância tanto às regras quanto aos fatos
repetidos, considerando como instituições “família, escola, governo”
etc. [...]
A visão ortodoxa da economia, que pressupõe um mundo
de informação perfeita, de relações estáveis etc., serve apenas
para catalogar informações sobre um determinado cenário, não
explicando como a economia evolui e, principalmente, como melhor
podemos modelá-la para que haja progresso e desenvolvimento.
Por isso, os estudos ortodoxos costumam dar pouca atenção às
instituições, sugerem políticas ruins e são desmentidos pela prática
com frequência.
É preciso adicionar a essa ideia o fato de que, diferentemente da
classificação de plantas – analogia sugerida pela física Jean Boulton
em introdução escrita a um artigo seminal de Thorstein Veblen – que
serve apenas para descrever um cenário, e não para ensinar como
elas se desenvolvem, o panorama econômico construído pelos que
acreditam em informação perfeita, sujeitos completamente racionais,
relações estáveis etc. é fictício e, por não existir, de pouco serve para
retirar boas instituições e políticas aplicáveis na prática.
Segundo Veblen, o estudo da economia deveria se focar não no
indivíduo isolado, mas no todo a partir das suas instituições, que ele
definia como a manifestação concreta dos hábitos mentais.
Douglas North, no seu artigo seminal sobre instituições, e,
dois anos depois, na cerimônia do Prêmio Nobel, sustenta que elas
são as restrições, inventadas pelos próprios seres humanos, que
48
Capítulo 1 POLÍTICAS PÚBLICAS: DOS CONCEITOS FUNDAMENTAIS AO NEOINSTITUCIONALISMO

estruturam as interações humanas. Podem ser formais, ou seja, as


normas legais, como a Constituição e as leis, ou informais, como
os costumes e condutas autoimpostas devido a algum código de
conduta, juntamente às características do sistema de imposição
dessas normas.
Em outras palavras, as instituições são, para North, as normas
jurídicas ou morais que determinam as condutas nas interações,
juntamente aos mecanismos que fazem essas normas serem
respeitadas.
[...]
Outro vencedor do Prêmio Nobel, Ronald Coase, influenciou o
trabalho de North e foi um dos primeiros a relacionar as instituições
com os custos de transação para criticar a teoria neoclássica. Coase
costumava dizer que os economistas precisavam estudar o mercado
real e não apenas um teórico.
Observa-se que entre os estudiosos de ponta do mundo essas
críticas já datam de muitas décadas e funcionaram numa mudança
de direção dos estudos e das próprias instituições e políticas de
muitos países. No Brasil, ainda está ‘a ver’.
As instituições, ou seja, o modo como se consolidam as
interações, tornando-se práticas, por influência ou não de normas
jurídicas ou extrajurídicas, são completamente fundamentais para o
desenvolvimento econômico, pois definem os incentivos. [...]
A depender de como se defina as instituições e as políticas,
pode-se terminar confundindo-as. As políticas públicas, como as
instituições, podem assumir definições variadas. Normalmente, fala-
se nelas como guias, cursos de ação, ou como as próprias medidas,
quase sempre jurídicas, deles decorrentes.
Como quase tudo na vida social, as políticas apenas surgem na
comunicação. Para evitar confusões, uma opção é utilizar a definição
de instituições enquanto interações consolidadas, práticas; e políticas
como medidas (ou conjuntos delas), quase sempre jurídicas, mas
nem sempre, que buscam solidificar ou alterar as instituições. [...]
O desenvolvimento não é, portanto, o resultado de um, dois ou
três fatores, como quase todos os economistas quiseram cravar na
história, mas de uma complexa interação de instituições e políticas
que, bem em suma, levem a um considerável nível de moral, de
capital humano e não humano, e de tecnologia capazes de gerar
uma economia complexa.

FONTE: <https://www.cartacapital.com.br/blogs/vanguardas-do-conhecimento/
instituicoes-e-politicas-o-que-sao-e-por-que-importam>. Acesso em: 12 nov. 2020.

49
SuSTENTABiLiDADE E PoLÍTiCAS PÚBLiCAS

Como as instituições se manifestam, de fato, no território nacional? No


âmbito das instituições que promovem uma deliberação participativa dos
atores, temos o exemplo dos processos de Orçamento Participativo, os Planos
Diretores, os Consórcios Intermunicipais, mas, também, conselhos gestores
de políticas públicas, conferências nacionais, consultas públicas, audiências
públicas, referendos, ouvidorias, reuniões com grupos de interesse, sindicatos e
associações.

Esses casos são denominados instituições, uma vez que são formadas por
um conjunto de regras de funcionamento que procuram normatizar e condicionar
a participação dos diferentes atores sociais envolvidos com as políticas públicas.
Assim, esses exemplos permitem entender de que forma diferentes arranjos
institucionais promovem a participação, a representação, a deliberação e a
efetividade das políticas públicas.

Até mesmo uma política mais ampla no âmbito do Governo Federal do Brasil
foi criada em 2014 para dar maior legitimidade e densidade institucional a essas
experiências: a Política Nacional de Participação Social e o Sistema Nacional de
Participação Social (SILVA, 2018).

Em 2012 e 2015 (volume 1 e 2) foi publicado o Dicionário de


Políticas Públicas, que se refere a um material de consulta bastante
importante e prático para o estudante e pesquisador da área. Você
pode realizar o download completo a partir do endereço eletrônico da
própria editora:
Volume 1: http://eduemg.uemg.br/component/k2/item/64-
dicionario-de-politicas-publicas-vol-1. Volume 2: http://eduemg.uemg.
br/component/k2/item/87-dicionario-de-politicas-publicas-vol-2.

Caro acadêmico, o tema das políticas públicas e sua manifestação no


território despertou curiosidade? Fique tranquilo, no Capítulo 2 deste livro
aprofundaremos estes estudos, bem como analisaremos três casos mais
específicos de implementação de políticas públicas. Até lá!

50
Capítulo 1 POLÍTICAS PÚBLICAS: DOS CONCEITOS FUNDAMENTAIS AO NEOINSTITUCIONALISMO

1 De que se trata o chamado neoinstitucionalismo no âmbito das


políticas públicas?
R.: ____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________

2 De que forma o neoinstitucionalismo compreende a atuação dos


atores das políticas públicas?
R.: ____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
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____________________________________________________
____________________________________________________

3 Como podemos perceber as instituições por trás das políticas


públicas?
R.: ____________________________________________________
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ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Caro acadêmico, chegamos ao fim desse primeiro capítulo do livro de
Sustentabilidade e Políticas Públicas. Esperamos que os temas aqui discutidos
tenham sido plenamente compreendidos! O arcabouço teórico a respeito das
políticas públicas é bastante amplo e também complexo devido às inúmeras
interpretações trazidas por tantos autores, além do próprio desenvolvimento da
teoria política ao longo do tempo.

51
SuSTENTABiLiDADE E PoLÍTiCAS PÚBLiCAS

É importante retomar alguns de nossos objetivos para o Capítulo 1: conhecer


a origem do campo de estudo das políticas públicas; definir os conceitos
fundamentais relacionados às políticas públicas; caracterizar os principais
modelos de políticas públicas e identificar a atuação das instituições no contexto
das políticas públicas.

Dessa forma, vimos que os estudos sobre as políticas públicas surgem


com maior relevância nos Estados Unidos, mas se espalham para o resto do
mundo com rapidez, seja por meio das teorias desenvolvidas ou das políticas
implementadas. Os conceitos em torno das políticas públicas não são poucos e
preocupam-se com a ação dos governos na promoção de ações de impacto em
problemas públicos. Quais seriam os principais conceitos de políticas públicas
para a resolução dos problemas de sua cidade? As políticas públicas podem
contribuir para o trato de problemas reais ou isso tudo está fadado a ficar no
campo da teoria?

Os exemplos de políticas públicas apresentados procuram trazer o tema


mais teórico para o mundo prático, por isso, é imprescindível que você realize
essa conexão a partir das notícias que assiste ou lê. Isso também deve ocorrer
a respeito das tipologias das políticas públicas, permitindo que você interprete os
diferentes argumentos vinculados às políticas públicas, bem como diferencie os
modelos utilizados na formulação e na análise de políticas públicas.

As tipologias podem contribuir substancialmente na análise de políticas


públicas, uma vez que trazem as ações implementadas pelos governos no
território para dentro do contexto teórico, ou seja, trata-se de um caminho inverso:
da prática à teoria. Será que ao levar o contexto mais prático para o mundo
teórico o processo de concepção das políticas públicas poderia ser mais bem
organizado? Por que muitos temas mais controversos de nossa sociedade são
constantemente subjugados pelos atores que formulam políticas públicas? Seria
possível inverter a lógica por trás da elaboração e implementação das políticas
públicas?

Agora que já temos uma visão mais ampla do conjunto teórico e prático que
compõe o contexto das políticas públicas, podemos avançar nossos estudos para
o campo da relação entre governança pública e território, ou seja, relativo às
manifestações da política pública no espaço público.

Nos encontraremos no Capítulo 2, até breve!

52
Capítulo 1 POLÍTICAS PÚBLICAS: DOS CONCEITOS FUNDAMENTAIS AO NEOINSTITUCIONALISMO

REFERÊNCIAS
ASSIS, M. A. de. Políticas públicas (tipologia). In: CASTRO, C. L. F. de;
GONTIJO, C. R. B.; PINTO, L. M. R. S. (Org.). Dicionário de políticas públicas:
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53
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54
C APÍTULO 2
GOVERNANÇA PÚBLICA E TERRITÓRIO

A partir da perspectiva do saber-fazer, são apresentados os seguintes


objetivos de aprendizagem:

• Explicar as dinâmicas que envolvem o processo de governança pública.


• Identificar e distinguir a implementação de políticas públicas nas esferas
federal, estadual e municipal.
• Apontar experiências de políticas públicas potencialmente relevantes.
• Constatar a relevância da transparência nas atividades públicas.
• Criticar modelos de políticas públicas que não valorizem justiça e equidade
social.
• Analisar de que forma ocorre a implementação nas diferentes esferas do
Governo.
• Investigar casos específicos de elaboração e implementação de políticas
públicas.
SuSTENTABiLiDADE E PoLÍTiCAS PÚBLiCAS

56
Capítulo 2 GOVERNANÇA PÚBLICA E TERRITÓRIO

1 CONTEXTUALIZAÇÃO
O grande tema da participação social passa a assumir elevada importância
no processo de condução das políticas públicas no Brasil e no mundo. É por
esse motivo que a sustentabilidade e as políticas públicas estão – e deveriam
estar cada vez mais – intimamente interligadas. A partir deste momento de seus
estudos, você entenderá de que forma as políticas públicas contribuem para a
formação de um desenvolvimento mais sustentável.

As primeiras indagações pertinentes dizem respeito justamente à participação


social. Quais atores sociais não podem ficar de fora das políticas públicas?
O que é uma boa governança para o contexto das políticas públicas? Quanto
mais complexos se tornam os problemas enfrentados pela sociedade, maior é a
necessidade de participação ampla dos atores envolvidos para que se tenha uma
participação adequada.

Assim, sustentabilidade e governança são variáveis que também movimentam


as políticas públicas. Entretanto, de que forma estas dinâmicas de participação
se manifestam no território ou no espaço econômico brasileiro? As experiências
de políticas públicas que possuam atenção à sustentabilidade como um todo são
diversas e vêm se reproduzindo desde as mudanças sociais das décadas de 1980
e 1990, tal como a redemocratização e o desenvolvimento sustentável.

Os temas estudados no Capítulo 2 do livro de Sustentabilidade e Políticas


Públicas se referem justamente a este olhar para as políticas públicas.
Estudaremos os conceitos de governança, participação social e transparência,
para que o debate sobre as políticas públicas possa ser mais bem conectado com
algumas experiências brasileiras de políticas públicas. Do ponto de vista mais
prático, estudaremos tanto o caso da aplicação do ICMS ecológico quanto da
concepção dos Planos Diretos participativos.

De que forma os estados brasileiros tratam o tema da sustentabilidade no


âmbito das políticas públicas? Existem avanços nas últimas décadas, já que o
tema da sustentabilidade vem ganhando relevância? É possível concretizar
políticas públicas realmente participativas? São estas e outras respostas que
buscaremos ao longo deste capítulo.

Assim como no capítulo anterior, separamos figuras, informações técnicas,


referências, exemplos e notícias de jornal. Não deixe de consultar nossas dicas
para aprofundar o seu estudo e sua percepção sobre as políticas públicas. Vamos
lá!? Desejamos ótimos estudos!

57
SuSTENTABiLiDADE E PoLÍTiCAS PÚBLiCAS

2 TRANSPARÊNCIA, JUSTIÇA
SOCIAL E EQUIDADE NA
GOVERNANÇA PÚBLICA
O tema governança tem um significado muito importante para o contexto
das políticas públicas, uma vez que se refere à forma pela qual os negócios são
administrados pelos diferentes atores sociais, sejam estes atores representados
pelos indivíduos ou instituições, públicos ou privados. Dessa forma, a governança
exige que regras, acordos e arranjos informais sejam fortes suficientes para serem
cumpridos pelo conjunto dos atores sociais.

Por isso, todas as questões político-institucionais de tomada de decisões


no âmbito das políticas fazem parte do processo de governança. Além disso,
a governança também envolve “as formas de interlocução do Estado com os
grupos organizados da sociedade, no que se refere ao processo de definição,
acompanhamento e implementação de políticas públicas” (MOURA; BEZERRA,
2016, p. 93).

O conceito de governança incorpora muitos dos temas relativos às políticas


públicas, uma vez que procura entender a articulação e a cooperação direta que
possam existir entre os atores sociais, atores políticos e em arranjos institucionais
criados. De que forma os interesses de uma sociedade são reunidos e agrupados?
Por meio de partidos políticos? Grupos de pressão específicos, tal como a partir
de um setor econômico? Com base em associações da sociedade civil? A
governança compreende os mecanismos sociais que resultam na dinâmica
das políticas públicas.

Assim, governança é a maneira encontrada a partir de distintos processos


decisórios públicos para colocar em prática as políticas públicas. Conforme
já vimos quando estudamos o conceito mais amplo de políticas públicas, os
processos decisórios podem ocorrer de distintas formas, envolvendo diferentes
atores sociais, originando políticas públicas mais assertivas ou com menores
resultados.

É desse contexto que o entendimento sobre governança e políticas públicas


fica ainda mais claro. “Por meio da governança, busca-se aumentar a capacidade
de processar as demandas da sociedade e de articulá-las com os processos
públicos e privados de tomada de decisão” (MOURA; BEZERRA, 2016, p. 93).

A governança das políticas públicas busca garantir a participação social no


interior dos processos decisórios no sentido de melhorar os resultados obtidos
pelas políticas públicas no contexto social.
58
Capítulo 2 GOVERNANÇA PÚBLICA E TERRITÓRIO

É aqui também que percebemos a conexão direta entre políticas públicas


e sustentabilidade – o foco mais específico deste livro – uma vez que os
processos de governança procuram equilibrar da forma mais eficiente possível
os instrumentos burocráticos disponíveis para a gestão das políticas públicas,
com os mecanismos de participação existentes na sociedade civil organizada.
O equilíbrio e o ajuste entre política pública e participação tende a produzir um
desenvolvimento mais sustentável para a sociedade.

A governança é um tema bastante comum no contexto das políticas públicas,


pois a sociedade espera e constantemente cobra resultados das práticas do
Estado para um desenvolvimento mais adequado possível para os indivíduos, ou
seja, o Estado, seja na esfera federal, estadual, municipal e, ainda, no âmbito das
demais instituições que se articulam com o Estado, precisa prestar contas daquilo
que foi implementado, bem como da eficiência das políticas executadas.

Assim, é possível perceber que quanto mais complexa a problemática que


se procura interferir por meio de uma política pública, mais complexos serão os
desafios de governança para as políticas públicas. Novamente, é interessante
olhar para a temática ambiental: de que forma relacionar as múltiplas escalas
espaciais dos problemas ambientais? A qualidade do ar de uma cidade é resultado
da ação de diversos atores, públicos e privados, nacionais e internacionais.

Como convergir os interesses de diferentes setores na resolução dos


problemas ambientais? Quando uma política pública é mais pontual, sua
capacidade de ter sucesso é muito maior, mas, quando envolve setores industriais,
financeiros, associações de moradores e prefeituras, por exemplo, os processos
de governança tendem a enfrentar muitos obstáculos.

FIGURA 1 – PROBLEMAS AMBIENTAIS URBANOS

FONTE: <https://3.bp.blogspot.com/-PgFGSoUWHmo/Ubdoesl_0UI/
AAAAAAAAAD8/FeVbJRPvJFs/s1600/Tiete1.jpg>. Acesso em: 16 nov. 2020.
59
SuSTENTABiLiDADE E PoLÍTiCAS PÚBLiCAS

Para que temas e problemas que possuam uma construção composta de


inúmeros elementos interligados estejam devidamente contidos nas políticas
públicas, “seria essencial uma coordenação horizontal (entre ministérios ou
setores) e vertical (entre níveis) de políticas, sendo necessários arranjos
colaborativos de um conjunto de atores diversificados e interconectados”
(MOURA; BEZERRA, 2016, p. 93).

Ficou claro, acadêmico? Problemas sociais que são de alta complexidade,


tais como aqueles relativos à sustentabilidade, necessitam de uma atenção
especial em suas múltiplas escalas e em seus múltiplos setores, exigindo, assim,
que o próprio Estado possua uma atuação interescalar e intersetorial.

FIGURA 2 – INTER-RELAÇÃO ENTRE GOVERNANÇA E POLÍTICAS PÚBLICAS

FONTE: O autor

Por meio desses novos entendimentos, o conceito de políticas públicas


vai sendo determinado também pelos elementos relativos à governança e à
sustentabilidade. A política pública também é a soma da governança com a
sustentabilidade. A eficácia de uma política pública não depende apenas de um
governo em específico ou de um mecanismo único de gestão, mas da combinação
de uma estrutura institucional (governança) que permite a participação
(sustentabilidade) de atores sociais distintos e do mercado na definição de
políticas públicas (MOURA; BEZERRA, 2016).

Caro acadêmico, você deve ter percebido que o tema da participação social
possui um lugar destacado quando falamos em políticas públicas – ainda mais
quando a sustentabilidade é trazida como variável interveniente. Vamos estudá-lo
um pouco melhor?

60
Capítulo 2 GOVERNANÇA PÚBLICA E TERRITÓRIO

O conceito relevante aqui é o de gestão participativa, uma vez que se


caracteriza como a institucionalização de espaços de participação dos atores
sociais durante o processo de elaboração, implementação e acompanhamento
das políticas públicas, bem como nas decisões relativas aos investimentos
públicos.

O envolvimento dos cidadãos com a tomada de decisões nas políticas


públicas é denominado de participação social.

Dessa forma, todas as experiências que, de alguma forma, permitem maior


interação entre os indivíduos que são atingidos, ou que são objetos-alvo das
políticas públicas, se referem à gestão participativa. Desde a década de 1990,
a gestão participativa também foi denominada como participação popular,
participação comunitária, participação política ou participação democrática
(AZEVEDO, 2015).

Por meio da participação social, não apenas se garante que os atores sociais
se envolvam na dinâmica das políticas públicas, mas que grupos anteriormente
excluídos dos objetivos governamentais também façam parte da totalidade social,
possibilitando maior equidade na governança pública.

FIGURA 3 – PARTICIPAÇÃO SOCIAL

FONTE: <https://brasilnaagenda2030.files.wordpress.com/2020/03/
manifestotransparenciacorona_edit.jpg?w=860&h=280&crop=1>. Acesso em: 16 nov. 2020.

Do ponto de vista histórico, a ampliação dos mecanismos de participação


social no Brasil ocorre a partir da Constituição Federal de 1988. É quando são
institucionalizados espaços de participação e desenvolvida uma gestão mais
democrática das decisões públicas (AZEVEDO, 2015).

Cabe lembrar que as eleições diretas para prefeitos, após a ditadura militar,
ocorreram apenas em 15 de novembro de 1985, encerrando o ciclo de prefeitos
nomeados pelos militares e elegendo 201 prefeitos pelo voto direto da população.

61
SuSTENTABiLiDADE E PoLÍTiCAS PÚBLiCAS

Contudo, as candidaturas ainda ficaram restritas às capitais e a alguns municípios.


Apenas em 1988, todos os municípios do país puderam eleger seus prefeitos de
forma livre (MEMORIAL DA DEMOCRACIA, c2020).

Você sabia que em 1985 o ex-presidente Fernando Henrique


Cardoso foi candidato a prefeito da cidade de São Paulo? Você já
ouviu os jingles dessa campanha eleitoral? Descubra esta e outras
curiosidades sobre as eleições municipais no Brasil acessando o
endereço eletrônico a seguir: http://memorialdademocracia.com.br/
card/capitais-voltam-a-eleger-prefeitos.

A construção da Constituição de 1988, conhecida como Constituição


Cidadã, foi realizada a partir de uma ampla mobilização social em defesa dos
direitos sociais, uma vez que o país acabava de sair de um sistema autoritário e
sem nenhuma participação da sociedade. Desse modo, procurou-se assegurar
“mecanismos de participação direta dos cidadãos; a autonomia administrativa
dos municípios e ensejado o desafio de democratizar a gestão pública por meio
da inclusão da participação social no planejamento governamental por meio dos
conselhos de políticas públicas” (AZEVEDO, 2015, p. 214, grifo nosso).

Os conselhos municipais, também chamados de conselhos de


políticas públicas, são uma das ferramentas que possibilitam aos
cidadãos uma participação ativa no processo de criação de políticas
públicas no Brasil. Embora já houvesse uma discussão sobre o tema
antes da Constituição de 1988, a garantia constitucional traz um
avanço enorme para a implementação e organização de ambientes,
órgãos e espaços para a discussão das políticas públicas. Como a
participação popular é uma garantia constitucional, normalmente
existem vários conselhos em um único município, pois cada um trata
de uma área diferente do interesse público, tais como: educação,
saúde, infância e juventude, direitos da mulher, mobilidade urbana
e meio ambiente. Em 1999, por exemplo, existiam quase 24.000
conselhos municipais de políticas públicas no Brasil. Acompanhe no
gráfico a seguir sua distribuição por área.

62
Capítulo 2 GOVERNANÇA PÚBLICA E TERRITÓRIO

GRÁFICO 1 – CONSELHOS MUNICIPAIS POR ÁREA

FONTE: <https://www.politize.com.br/conselhos-municipais-
fatos-importantes>. Acesso em: 16 nov. 2020.

Os conselhos de políticas públicas não foram os únicos instrumentos criados


com o objetivo de tornar a gestão pública mais democrática e participativa. Aqui
cabem os exemplos dos Orçamentos Participativos, os Fóruns Participativos, as
Conferências municipais, estaduais e federais, as Audiências Públicas, o Plano
Diretor Participativo e os processos participativos no âmbito da elaboração dos
Planos Plurianuais.

O fato é que a gestão participativa se consolidou no contexto das políticas


públicas a partir da soma de variadas experiências de participação social. As
origens desses exemplos estão no desenvolvimento de novas perspectivas
governamentais, que procuraram enfatizar a transparência das ações públicas
e uma maior accountability por parte das esferas governamentais (AZEVEDO,
2015).

Tanto a transparência quanto a accountability exigem que os responsáveis


pelas políticas públicas prestem contas à sociedade quanto à utilização dos

63
SuSTENTABiLiDADE E PoLÍTiCAS PÚBLiCAS

recursos públicos, financeiros ou não financeiros, pois o modo pelo qual tais
recursos são empregados resultará em impactos mais positivos ou mais negativos
para a sociedade; mais favoráveis ou mais desfavoráveis para a população. Por
exemplo: se os responsáveis por um determinado governo estadual contratam
profissionais com pouca qualificação para a construção de estradas, o processo
de implementação das políticas públicas relativas à infraestrutura é falho, seja por
utilizar recursos de forma incorreta, seja no insucesso das obras executadas.

O conceito de accountability é bastante relevante quando queremos entender


os aspectos de participação contidos nas políticas públicas. Acompanhe uma
rápida revisão sobre este termo por meio da leitura a seguir.

O que é accountability?

Uma das conquistas mais significativas do processo de


democratização que vem se desenvolvendo em algumas regiões
é constituída pela transparência e pela prestação de contas de
cada uma das atividades que são levadas a cabo nos setores das
entidades públicas. Em alguns países, essa exigência estende-se
às organizações da sociedade civil, na medida em que estas têm a
oportunidade e procuram participar de maneira mais dinâmica nos
assuntos públicos das mais variadas naturezas: direitos humanos,
equidade de gênero, preservação ambiental, direitos indígenas,
entre outros e, para tanto, recebem recursos destinados ao
desenvolvimento mais adequado de suas respectivas atividades.
O termo inglês accountability foi traduzido ou usado como
fiscalização, responsabilização ou controle, embora o uso mais aceito
e, por conseguinte, mais difundido, seja o da prestação de contas.
Assim, cumpre fundamentalmente aos governantes e tomadores de
decisões, ao assumirem uma responsabilidade pública, a obrigação
iniludível de prestar contas da sua atuação, do manejo dos recursos
públicos, ou ainda do cumprimento de programas prioritários para o
conjunto ou algum setor da população.
A partir da perspectiva das políticas públicas, a transparência e
a prestação de contas acrescentam elementos fundamentais, para
seu mais completo desenvolvimento, toda vez que a administração
pública se torna mais transparente e acessível à população, em
contraste com os cenários que prevaleciam anteriormente, quando a
opacidade, o patrimonialismo, a discricionariedade da classe política
e a corrupção constituíam aspectos característicos predominantes. A

64
Capítulo 2 GOVERNANÇA PÚBLICA E TERRITÓRIO

partir da década de 1990, a sociedade dispõe de maiores recursos


e meios para exigir contas, como o controle social, o acesso à
informação pública governamental e a mobilização. Esse conjunto
cria condições para a obtenção de melhores resultados, assim como
para a participação de atores governamentais e não governamentais
na formulação, implementação e avaliação das políticas públicas.

FONTE: ESPINOSA, R. M. Accountability. In: CASTRO, C. L. F.


de; GONTIJO, C. R. B.; AMABILE, A. E. de N. (Org.). Dicionário de
políticas públicas. Barbacena: EdUEMG, 2012. 242 f.

A Controladoria-Geral da União (CGU), o Tribunal de Contas da União (TCU)


e o Ministério Público são alguns dos órgãos que exercem a accountability a
partir do próprio Estado brasileiro. Outro exemplo estaria no papel dos já referidos
conselhos de políticas públicas, tal como o Conselho Municipal de Educação
de um determinado município, por exemplo, quando seus integrantes realizam
o levantamento dos gastos realizados com relação à qualidade dos serviços
oferecidos. Todo esse processo está diretamente ligado ao contexto das políticas
públicas e da participação.

FIGURA 4 – SEDE DA CGU EM BRASÍLIA

FONTE: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/3/38/
Sede_da_CGU.jpg>. Acesso em: 16 nov. 2020.
65
SuSTENTABiLiDADE E PoLÍTiCAS PÚBLiCAS

No contexto de novas perspectivas na condução das políticas


públicas foi criado no Brasil o Portal da Transparência, que se
trata de um endereço eletrônico no qual o cidadão pode encontrar
informações sobre como o dinheiro público é utilizado. Disponível
em:
http://www.portaltransparencia.gov.br.

Em 2014, o tema da gestão participativa no âmbito das políticas públicas


brasileiras foi revalorizado a partir da criação do Decreto nº 8.243, que criava
a Política Nacional de Participação Social (PNPS) e o Sistema Nacional de
Participação Social (SNPS). Embora o Decreto tenha sido derrubado pela Câmara
dos Deputados no mesmo ano, o assunto ainda é um tema debatido.

A política foi composta por um conjunto de conceitos e de diretrizes aos


órgãos e instituições da esfera governamental para a criação de mecanismos
de participação social e de diálogo entre Governo e Sociedade, no sentido de
fomentar uma gestão participativa da condução das políticas públicas (AZEVEDO,
2015).

Entre estes mecanismos é possível citar como exemplos as seguintes


instâncias: conselhos de políticas públicas, conferências nacionais, estaduais e
municipais, ouvidoria pública federal, mesas de diálogo, consultas e audiências
públicas e ambientes virtuais de participação social. Estas experiências já
existem independente de uma determinação legal, por isso, as mudanças a partir
da aprovação do Decreto iriam no sentido dos órgãos e instituições da esfera
governamental terem a obrigação de considerar estas instâncias quando forem
formular, implementar e avaliar as políticas públicas (ALMEIDA, 2017).

“Outra novidade apresentada no decreto é o acompanhamento do processo


de implementação da política e a prestação de contas por parte de todos os
órgãos da administração pública direta e indireta sobre a implementação em seus
programas e políticas” (ALMEIDA, 2017, p. 663).

66
Capítulo 2 GOVERNANÇA PÚBLICA E TERRITÓRIO

Projeto retoma criação de Política Nacional de Participação


Social

O Projeto de Lei nº 128/19 institui a Política Nacional de


Participação Social (PNPS), com o objetivo de articular o diálogo e a
atuação conjunta entre a administração pública federal e a sociedade
civil. Junto à PNPS, o texto cria o Sistema Nacional de Participação
Social, que vai executar as diretrizes da PNPS. A proposta tramita na
Câmara dos Deputados.
O texto foi apresentado pela deputada Renata Abreu (Pode-SP).
Proposta semelhante tramitou no Senado e na Câmara (PL 8.048/14),
mas ambas foram arquivadas ao final da legislatura passada,
encerrada em janeiro. Abreu decidiu recuperá-lo por entender que o
assunto é importante.
O projeto repete a redação de um decreto assinado pela
ex-presidente Dilma Rousseff, que gerou polêmica na época da
sua edição (Decreto nº 8.243/14). A oposição alegou que o texto
presidencial invadia prerrogativas do Congresso Nacional. O Plenário
da Câmara chegou a aprovar o projeto suspendendo o decreto, que
hoje está em análise no Senado.

Mecanismos

Entre as diretrizes gerais da PNPS estão a ampliação dos


mecanismos de controle social e a autonomia e livre funcionamento
das organizações da sociedade civil. Desenvolver mecanismos
de participação social acessíveis aos excluídos e vulneráveis e
consolidar a participação social como método de governo são alguns
dos objetivos da política.
As instâncias de participação devem, pela proposta, ter presença
paritária de representantes do governo e da sociedade civil, que
deverão ser escolhidos de acordo com critérios transparentes e ter
rotatividade.
O Sistema Nacional de Participação Social vai organizar várias
instâncias consultivas de participação da sociedade nas políticas
públicas, como os conselhos de consulta popular. Esses conselhos,
que são a parte mais visível do sistema, poderão participar do
‘processo decisório e na gestão de políticas públicas’, segundo o
projeto.
Já a Secretaria-Geral da Presidência da República ficará
responsável por acompanhar e orientar a implementação da política

67
SuSTENTABiLiDADE E PoLÍTiCAS PÚBLiCAS

de participação social. Além disso, o governo deverá criar uma


coordenação interministerial das demandas sociais, chamada de
Mesa de Monitoramento, para fazer a ponte entre as pautas dos
movimentos sociais e o Executivo.

Tramitação

O projeto será analisado em caráter conclusivo pelas comissões


de Trabalho, de Administração e Serviço Público; Finanças e
Tributação; e Constituição e Justiça e de Cidadania.

FONTE: <https://www.camara.leg.br/noticias/552087-projeto-retoma-criacao-
de-politica-nacional-de-participacao-social/>. Acesso em: 16 nov. 2020.

Um último aspecto relevante da relação entre políticas públicas e gestão


participativa diz respeito à distribuição do poder entre os atores sociais. Para que
o processo decisório ocorra por meio de arranjos participativos é necessário que o
poder público ceda parte de suas responsabilidades de decisão para os cidadãos
e organizações da sociedade civil deliberarem sobre o investimento dos recursos
públicos, ou seja, uma política pública mediada pela participação não pode ser
elaborada e conduzida exclusivamente pelo governo (AZEVEDO, 2015).

De que forma as instituições são estruturadas para permitir a participação?


A definição de políticas públicas é de caráter consultivo ou deliberativo? A
capacidade de participação depende destas características mais formais das
instituições. Embora também seja resultado de mecanismos mais informais, cuja
diferença nas relações de poder podem dificultar a inter-relação entre os atores
sociais envolvidos com as políticas públicas.

É devido a esse contexto que se faz necessário compreender algumas das


experiências brasileiras relacionadas às políticas públicas e à sustentabilidade.
Vamos lá!? Antes de continuar, realize as seguintes atividades de estudo.

1 Qual a importância da governança no âmbito das políticas públicas?


R.: ____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________

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Capítulo 2 GOVERNANÇA PÚBLICA E TERRITÓRIO

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2 Por que a governança tem relevância para os problemas ambientais


e sociais?
R.: ____________________________________________________
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___________________________________________________

3 O que é gestão participativa?


R.: ____________________________________________________
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3 ESTUDOS APLICADOS EM
POLÍTICAS PÚBLICAS: ICMS
ECOLÓGICO E PLANO DIRETOR
As políticas públicas no Brasil relacionadas à sustentabilidade possuem
muitos mecanismos de controle e regulamentação das questões ambientais, seja
no destino dos resíduos, a partir da Política Nacional de Resíduos Sólidos, ou
nas penalidades decorrentes da poluição industrial. Portanto, para os impactos
já ocorridos no meio ambiente, há um conjunto de políticas públicas bastante
desenvolvido.

Contudo, faz-se necessário avançar em políticas públicas que promovam, e


tenham como princípio, o desenvolvimento sustentável, já que as demais normas

69
SuSTENTABiLiDADE E PoLÍTiCAS PÚBLiCAS

e legislações atuais acabam sendo um dos promotores da insustentabilidade dos


recursos naturais.

3.1 ICMS ECOLÓGICO


A legislação ambiental vigente, relativa a autorizações, licenças e estudos de
impacto ambiental, possui um papel importante, mas o foco das políticas públicas
deve, ainda, considerar a equidade e o uso racional dos recursos naturais, no
sentido de propiciar um desenvolvimento sustentável para todos os indivíduos
(MOURA; BEZERRA, 2016).

O sucesso quanto à sustentabilidade de uma política pública não deveria


ser dependente do insucesso de outra política pública, mas o que se quer dizer
com isso? É preciso que os objetivos mais gerais das políticas públicas sejam
homogêneos. Do contrário, tem-se a seguinte situação: uma determinada política
pública que garante o crescimento econômico dos indivíduos, por meio do acesso
ao trabalho, depende de uma segunda política pública para conduzir os níveis
de produção industrial para condições sustentáveis, isto é, as políticas públicas
ambientais acabam recebendo um papel secundário enquanto promotoras do
desenvolvimento sustentável.

Um dos movimentos neste sentido se deu com a implementação pelos


estados brasileiros do chamado ICMS ecológico ou ICMS socioambiental. O
ICMS ecológico é um instrumento que permite a utilização do principal tributo dos
estados, o ICMS (Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias
e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de
Comunicação), como um instrumento econômico de gestão ambiental.

O ICMS ecológico não é um novo imposto, mas introduz novos critérios de


redistribuição dos recursos arrecadados pelo ICMS, resultando em uma política
pública com atenção à sustentabilidade.

O ICMS ecológico é utilizado no Brasil desde a década de 1990, com início


a partir das experiências dos estados do Paraná, Minas Gerais e São Paulo.
Embora haja dificuldades e resistências, a política pública espalhou-se para
todo o país. Em 2015, apenas nove estados brasileiros não faziam parte deste
mecanismo de política pública para o meio ambiente (BRITO; MARQUES, 2017;
MOURA; BEZERRA, 2016).

Afinal, como esta política pública é operacionalizada? De que forma ela


promove a sustentabilidade do desenvolvimento? Começaremos pelo ICMS (não

70
Capítulo 2 GOVERNANÇA PÚBLICA E TERRITÓRIO

ecológico): trata-se de um tributo em nível estadual que representa grande parte


da arrecadação dos estados brasileiros. Acompanhe na figura a seguir: 82,64%
da arrecadação total dos estados brasileiros em 2019 foram oriundos do ICMS
– mais de R$ 328 bilhões. Em segundo lugar, aparece o IPVA, representando
9,92% do total arrecadado.

Do valor arrecadado pelos estados a partir do ICMS, os municípios têm direito


a 25% do total, ou seja, 25% da arrecadação estadual com o ICMS é distribuído
entre os municípios.

FIGURA 5 – DISTRIBUIÇÃO DA ARRECADAÇÃO DOS


ESTADOS BRASILEIROS EM 2019

FONTE: <https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiYjE1ZDQzNTAtNTUxMC00MTc2LWEyM
TEtZjdkZjRlZjk4YzUyIiwidCI6IjNlYzkyOTY5LTVhNTEtNGYxOC04YWM
5LWVmOThmYmFmYTk3OCJ9>. Acesso em: 18 nov. 2020.

Como estes 25% do ICMS são distribuídos entre os municípios de cada


estado? Um quarto deste montante é repassado aos municípios conforme a
Legislação Estadual de cada estado. O restante é de acordo com a participação
dos municípios na produção econômica (Valor Adicionado Fiscal).

71
SuSTENTABiLiDADE E PoLÍTiCAS PÚBLiCAS

E quanto ao ICMS ecológico? A política pública em torno do ICMS


ecológico procura incluir critérios ambientais à parcela do ICMS que os
municípios recebem por meio da Legislação Estadual. Acompanhe na figura
a seguir: do total arrecadado com ICMS pelos estados, 25% são distribuídos
entre os municípios. Conforme os critérios de repartição do imposto, 75% são
determinados pelo volume de produção econômica. São dos 25% restantes, ou
seja, 6,25% do total arrecadado pelo estado, que se origina o ICMS ecológico.

FIGURA 6 – REPARTIÇÃO DO ICMS ENTRE OS MUNICÍPIOS

FONTE: <https://www.tce.pe.gov.br/internet/images/
grafico_2.png>. Acesso em: 16 nov. 2020.

Por meio do ICMS ecológico, os municípios passam a receber uma parcela


maior ou menor do ICMS, conforme seu enquadramento em critérios ambientais.
De um lado, o ICMS ecológico surge a partir de um movimento dos governos
estaduais em modernizar seus instrumentos de políticas públicas. Isso ocorre
justamente no período em que o tema do desenvolvimento sustentável entra na
agenda das políticas públicas no Brasil e no mundo – no próximo capítulo deste
livro você estudará com maior profundidade este tema.

De outro lado, o ICMS ecológico tende a compensar o prejuízo econômico


reclamado por muitos municípios. O que se passa é que as relações econômicas
tendem a avançar para diferentes espaços nos municípios para poderem
crescer economicamente, mas municípios com áreas destinadas à preservação,
mananciais de abastecimento de água, áreas inundadas, reservatórios de água,
terras indígenas, áreas com resíduos sólidos, entre outros, passaram a sentir-
se prejudicados economicamente por não poderem avançar nestes espaços
destinados à preservação (BRITO; MARQUES, 2017).

72
Capítulo 2 GOVERNANÇA PÚBLICA E TERRITÓRIO

O ICMS ecológico é criado tanto devido às necessidades dos governos em


adequar suas políticas públicas ao contexto da sustentabilidade quanto para
compensar financeiramente os municípios que possuírem restrições do uso de
solo em seus territórios.

“O ICMS Ecológico é uma solução que pode contribuir na melhoria das


condições de gestão, por estabelecer critérios na distribuição que incentivem
boas práticas ambientais” (BRITO; MARQUES, 2017, p. 363). Ao mesmo tempo
que serve como fonte de renda aos municípios, incentiva o investimento na
preservação ambiental, propiciando o desenvolvimento sustentável.

Para que a distribuição dos recursos aos municípios aumente ou, pelo
menos, se mantenha, os espaços destinados à preservação precisam continuar
sendo preservados dentro do município para que o percentual de recebimento do
ICMS ecológico seja atribuído.

Visualize na figura a seguir os estados brasileiros participantes do ICMS


ecológico por fazerem o uso de critérios ambientais para a distribuição dos
recursos do ICMS.

FIGURA 7 – ESTADOS COM ICMS ECOLÓGICO VIGENTE EM 2015

FONTE: Brito e Marques (2017, p. 367)

73
SuSTENTABiLiDADE E PoLÍTiCAS PÚBLiCAS

As informações sobre os estados que possuem ICMS ecológico em 2015


mostram que poucos estados ainda não possuem critérios ambientais na
distribuição dos recursos, sendo que pouco a pouco novos estados passam a
compor este panorama (MATTA, 2015).

“O ICMS Ecológico é uma maneira de proporcionar benefícios aos municípios


pelas externalidades positivas geradas por manterem UCs e outros atributos
ambientais” (PINTO, 2019, p. 31). Isso ocorre porque a existência de Unidades de
Conservação (UCs) nos municípios é um critério que aparece em quase todos os
estados que utilizam o ICMS ecológico.

Dessa forma, o mecanismo de política pública trazido pelo ICMS ecológico


vem sendo apontado como um fator importante no investimento das questões
ambientais em diferentes escalas e esferas governamentais (PINTO, 2019).

Quando se enfatiza a análise dos estados que estão inseridos na Mata


Atlântica, os resultados da implementação desta política pública ficam mais
evidentes, uma vez que o número de Unidades de Conservação (UCs) criadas
aumentou rapidamente após o ICMS ecológico. Acompanhe na figura a seguir.

FIGURA 8 – NÚMERO DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO


CRIADAS NA MATA ATLÂNTICA

FONTE: Pinto (2019, p. 34)

Os dados do gráfico anterior revelam que após o início da década de 1990,


quando o ICMS ecológico começou a ser utilizado pelos estados brasileiros, o
número de Unidades de Conservação (UCs) nos estados que compõem a Mata

74
Capítulo 2 GOVERNANÇA PÚBLICA E TERRITÓRIO

Atlântica disparou, seja nas UCs municipais, estaduais ou federais. Evidentemente


que a criação do ICMS ecológico não é a única variável explicativa, mas a
correlação desta política pública com o tema da sustentabilidade é bastante clara
(PINTO, 2019).

Cabe mencionar que a nomenclatura para essa política pública que


traz critérios ambientais para a distribuição do ICMS é diferente nos estados
brasileiros, sendo denominada ICMS ecológico, ICMS verde, ou ICMS
socioambiental. Contudo, os objetivos são os mesmos. Veja no quadro a seguir
os estados brasileiros que implementam esta política pública, conforme o ano de
sua instituição.

QUADRO 1 – ESTADOS COM ICMS ECOLÓGICO E ANO DE INSTITUIÇÃO


Estado Ano de instituição Estado Ano de instituição
Acre (ICMS Verde) 2004 Paraná (ICMS Ecológico) 1990
Pernambuco (ICMS
Amapá 1996 2000
Socioambiental)
Ceará 2007 Piauí (ICMS Ecológico) 2008
Goiás 2007 Rio de Janeiro 2007
Mato Grosso (ICMS Ecológico) 2000 Rio Grande do Sul 1997
Mato Grosso do Sul (ICMS
1994 Rondônia 1996
Ecológico)
Minas Gerais 1995 São Paulo 1993
Pará (ICMS Verde) 2012 Tocantins 2002
FONTE: Brito e Marques (2017, p. 368)

Dessa forma, é possível perceber que o ICMS Ecológico pode ser um


importante instrumento de política pública para a promoção do desenvolvimento
sustentável. Embora cada estado possua critérios próprios para a distribuição do
ICMS, novos estados devem passar a incluir a utilização do ICMS ecológico em
suas políticas públicas, tal como é o caso da Paraíba, mais recentemente.

Para aprofundar um pouco mais sobre o tema do ICMS ecológico e das


políticas públicas para a sustentabilidade, acompanhe a leitura a seguir.

75
SuSTENTABiLiDADE E PoLÍTiCAS PÚBLiCAS

ICMS Ecológico vira recurso para conservação ambiental

A Lei nº 9.985, criada no ano 2000, instituiu o Sistema Nacional


de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC) e estabeleceu
critérios e normas para a criação, a implantação e a gestão das
Unidades de Conservação, conforme seu artigo 1º. Quase 20
anos após a sanção da lei, o Brasil possui mais de 720 unidades
de conservação, com diferentes modelos e diferentes objetivos a
conquistar. Como uma ferramenta de compensação para auxiliar os
municípios na preservação dessas Unidades – e que tem registro e
situação regularizada junto aos órgãos responsáveis –, o Imposto
sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) Ecológico, ou
ICMS verde ou socioambiental, é um mecanismo de remuneração
dos municípios na luta pela manutenção dos recursos naturais
brasileiros.
Uma Unidade de Conservação ambiental é caracterizada pelo
seu objetivo institucional de preservar e conservar os recursos
hídricos, a fauna e a flora, assim como as características geológicas
do espaço. Além da luta pela preservação, as unidades ainda têm
como propósito recuperar os ecossistemas degradados pela ação de
terceiros, promover o desenvolvimento sustentável e instrumentalizar
a defesa do meio ambiente. O ICMS Ecológico não é um novo imposto
para atuar nessa questão. Na realidade, ele serve como uma nova
forma de redistribuição de recursos dentro do ICMS, considerando
o nível de atividade econômica nas cidades e a preservação dos
espaços ambientais. [...]
Em 1991, o Paraná tornou-se o primeiro estado brasileiro a
implantar o sistema, via lei complementar. Os paranaenses, seguidos
pelos paulistas e os mineiros, abriram o caminho para o pensamento
sobre a alocação dos recursos em propósitos ambientais e, hoje,
somam 17 estados regulamentados no sistema. No Rio Grande do
Sul, o ICMS Ecológico existe desde 1997, através da Lei Estadual
nº 11.038, por iniciativa da Secretaria Estadual do Meio Ambiente e
Infraestrutura (Sema), refletindo as experiências relativamente bem-
sucedidas das regiões que já utilizavam o sistema.
No Rio Grande do Sul, o critério de repasse considera o tamanho
das áreas das Unidades de Conservação que estão contidas nos
limites das cidades, com o percentual do ICMS de 7% destinado
a essas Unidades. Dessa forma, os 25% do ICMS repassado
consideram: área do município, produção primária, população,
evasão escolar, entre outros, completando 18% do montante total.

76
Capítulo 2 GOVERNANÇA PÚBLICA E TERRITÓRIO

Esses critérios se somam aos 7% destinados às unidades de


conservação, ou áreas indígenas e áreas inundadas por barragem
(somente em caso da atividade principal, como uma hidrelétrica, por
exemplo, não seja realizada no município beneficiado), atingindo o
total de um quarto do ICMS total do Estado.
O pensamento sobre o ICMS Ecológico nasceu como uma
compensação financeira às cidades que estavam inseridas em
áreas de preservação e, por consequência, poderiam enfrentar baixa
arrecadação pela impossibilidade de receberem indústrias – por
muitas vezes poluentes e destruidoras do meio ambiente. Para Daniel
Vilasboas Slomp, analista ambiental da Sema, o repasse representa
uma forte fonte de renda para os municípios, mas com um valor
ambiental maior. “A compensação acontece devido à preservação de
determinada área e que traz ao município um ganho econômico e
ambiental maior do que a exploração daquele ambiente de outras
formas”, conta o analista. [...]
O Rio Grande do Sul possui, atualmente, 108 Unidades de
Conservação, dispostas em 87 municípios ao redor do Estado,
segundo o levantamento da Sema. Embora o repasse do ICMS
Ecológico seja uma garantia aos municípios para garantir a
conservação dos espaços ambientais, Slomp salienta que existem
mais de 100 Unidades de Conservação ao redor do Estado que
não são regularizadas pela Sema, órgão responsável por cadastrar
as áreas no sistema estadual. “Gramado e Canela, por exemplo,
apresentam Unidades de Conservação que não estão regularizadas
pela secretaria, o que resulta na impossibilidade de eles receberem o
repasse”, explica. Além da obrigatoriedade de regularização, a Sema
atua no monitoramento sobre a preservação das zonas e, caso haja
irregularidades, tem o poder de retirar o cadastro já realizado pelo
município junto ao Estado.
Mesmo sendo uma verba com um propósito predefinido – de
fortalecer as áreas ambientais municipais –, não existem instrumentos
que garantam a alocação dos recursos recebidos através do ICMS
para finalidade ambiental. O que existe é uma instrução, também
realizada pela Sema, na qual os analistas orientam os gestores
municipais a realocarem esses valores na questão ambiental. Slomp
afirma que uma gestão eficiente dos recursos naturais das cidades,
somada a uma equipe técnica eficiente na elaboração do plano
ambiental, pode trazer ainda mais capital para o município, uma vez
que fortalece as possíveis participações de editais voltados ao meio
ambiente, como o Fundo Nacional do Meio Ambiente ou do banco de
desenvolvimento estatal alemão KFW, com forte presença no Brasil.

77
SuSTENTABiLiDADE E PoLÍTiCAS PÚBLiCAS

Preservação da Mata Atlântica brasileira pode ser financiada


via tributação

A Fundação SOS Mata Atlântica lança o estudo ICMS Ecológico


e as Unidades de Conservação Municipais da Mata Atlântica (2019),
que traz uma conclusão fundamental para o debate sobre valorização
dos parques e reservas brasileiros: além de não impedir que a cidade
se desenvolva economicamente, pode ser mais vantajoso para
alguns municípios de baixa renda proteger uma determinada área
e receber o ICMS Ecológico do que investir em outras atividades
produtivas.
Para chegar a essas conclusões, a ONG analisou, de forma
inédita, o cenário das UCs municipais – mais conhecidas como
parques e reservas – da Mata Atlântica. Além disso, buscou verificar
como o ICMS Ecológico pode ser um mecanismo indutor para criação
e implementação de áreas protegidas.
“Nossa análise mostra que o ICMS Ecológico é uma fonte
importante para financiar um sistema de proteção ambiental de
qualidade nas cidades da Mata Atlântica, ou seja, 3.429 municípios
onde vivem mais de 70% da população. Com isso, os municípios
podem otimizar recursos para outras áreas também estratégicas,
como educação e saúde, garantindo a melhoria da qualidade de vida
da população”, afirma Erika Guimarães, gerente de Áreas Protegidas
da Fundação SOS Mata Atlântica e coordenadora do estudo.
O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços
(ICMS) com critérios ambientais é conhecido como ICMS Ecológico
(ICMS-E). Ele institui medidas ambientais como critério de repasse
dos recursos financeiros, abrindo oportunidades para transformações
importantes da gestão ambiental municipal.
“Na prática, trata-se de um mecanismo tributário que possibilita
aos municípios acesso a parcelas maiores dos recursos financeiros
arrecadados pelos estados através do ICMS. Ao atender a
determinados critérios ambientais estabelecidos em leis estaduais,
esses municípios recebem valores além daqueles já de direito. As
áreas protegidas e outras medidas ambientais se tornaram critério
de repasse dos recursos financeiros desse tributo fiscal, abrindo
oportunidades para transformações importantes da gestão ambiental
municipal”, afirma Luiz Paulo Pinto, biólogo responsável pelo estudo,
que é mestre em Ecologia pela Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG).
Por outro lado, mesmo com os avanços obtidos em quase três
décadas, é importante observar que os municípios ainda demonstram
dificuldades para a internalização do tributo. A falta de capacidade

78
Capítulo 2 GOVERNANÇA PÚBLICA E TERRITÓRIO

institucional e a implementação de mecanismos financeiros e de


cooperação técnica entre os órgãos ambientais e com os demais
setores governamentais, são os principais gargalos nesta área.
Apenas 25,8% (266) das UCs municipais da Mata Atlântica
registradas nesse estudo estão inseridas no Cadastro Nacional
de Unidades de Conservação (CNUC). Somente 35% das UCs
municipais possuem algum tipo de informação nos websites das
prefeituras e/ou estão registradas no CNUC, evidenciando o desafio
de sistematizar informações a respeito delas. Em São Paulo, por
exemplo, seria muito importante a incorporação das UCs municipais
nos critérios de repasse do ICMS Ecológico, já que somente as UCs
estaduais são consideradas nos critérios ambientais do tributo. A
inclusão das municipais beneficiaria pelo menos 32 municípios que
já possuem UCs municipais, assim como poderia incentivar outros
municípios a criarem suas próprias áreas protegidas.
Além disso, é necessário monitoramento e análise constante
do mecanismo para que os municípios não fiquem desestimulados.
Segundo o estudo, quanto mais municípios aderirem ao índice e
criarem UCs em seus territórios, menor será o retorno financeiro,
a menos que o montante arrecadado cresça na mesma proporção.
Existe a necessidade de ampliar o conhecimento sobre as UCs
municipais e o ICMS Ecológico para possibilitar o aperfeiçoamento
desses mecanismos e das políticas públicas capazes de proporcionar
a proteção da biodiversidade em longo prazo, com a contribuição dos
governos locais.

Contabilidade ambiental ajuda na gestão dos recursos


naturais

A lógica contábil do Sistema de Contas Nacionais (SCN) permite


uma avaliação do desempenho global da economia, por meio da
apresentação das relações entre agentes econômicos, transações,
atividades, produtos e ativos e passivos. Calcula-se, assim, o Produto
Interno Bruto (PIB), que representa a soma (em valores monetários)
de todos os bens e serviços finais produzidos em uma determinada
região durante um período determinado.
A contribuição das atividades econômicas para a economia pode
ser medida por um indicador, como o PIB, no entanto, esse indicador
não incorpora a contribuição que os recursos naturais (incluindo os
ecossistemas) têm na economia.
Dentro dessa lógica, o Sistema de Contas Econômicas
Ambientais (SCEA) surge como um conjunto de metodologias
para a contabilidade de recursos naturais (como água, florestas e
ecossistemas) associados à atividade econômica.
79
SuSTENTABiLiDADE E PoLÍTiCAS PÚBLiCAS

O SCEA complementa o SCN utilizando seus princípios


contábeis às informações ambientais, e permite uma análise
combinada entre dados ambientais e informações econômicas (em
termos físicos e monetários) em uma única estrutura. [...]
A Lei nº 13.493, de 17 de outubro de 2017, instituiu no Brasil
o Produto Interno Verde (PIV), cujo cálculo será considerado o
patrimônio ecológico nacional. O cálculo do PIV deverá possibilitar
a convergência com sistemas de contas econômicas ambientais e
uma melhor interpretação dos bens e serviços produzidos pelo país
através da inclusão de elementos de sustentabilidade.

FONTE: <https://www.jornaldocomercio.com/_conteudo/cadernos/
jc_contabilidade/2019/07/695229-icms-ecologico-vira-recurso-para-
conservacao-ambiental.html>. Acesso em: 16 nov. 2020.

Percebeu como o tema do ICMS ecológico e das políticas públicas


relacionadas à sustentabilidade é bastante atual? Antes de avançar para o último
item deste capítulo, realize as atividades de estudo a seguir.

1 O que é o ICMS ecológico?


R.: ____________________________________________________
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2 Como se realiza a distribuição dos recursos a partir do ICMS


ecológico?
R.: ____________________________________________________
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Capítulo 2 GOVERNANÇA PÚBLICA E TERRITÓRIO

3 Qual a participação dos estados brasileiros no ICMS ecológico?


R.: ____________________________________________________
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3.2 PLANO DIRETOR


As políticas públicas na área urbana são motivo de intenso debate entre o
setor público e o privado há alguns anos, cujas soluções ganham novos olhares
a partir da participação dos demais atores sociais envolvidos e atingidos pelas
políticas públicas de regulação urbanística no Brasil. É neste contexto que são
criados espaços de participação social específicos à problemática urbana, tais
como são os orçamentos participativos, os conselhos urbanos e as conferências
municipais.

A obrigatoriedade da implementação de Planos Diretores municipais


não aconteceu por acaso, nem saiu da mente de apenas um indivíduo bem-
intencionado, mas faz parte de um longo processo chamado Reforma Urbana.
Um dos principais elementos presentes neste contexto é o tema da participação –
pilar do conceito de desenvolvimento sustentável e das próprias políticas públicas.

Um novo posicionamento para o desenvolvimento especificamente das


cidades remete à década de 1980 e à criação de diversas entidades associativas
Brasil afora, como é o caso de Associações de Municípios e Associações de
Moradores. Trata-se de um processo social intenso de lutas pelo direto à cidade e
à moradia em contraposição a um modelo de urbanização que exclui as pessoas
das áreas urbanas de grandes cidades (ROLNIK, 2012).

O Estado de Santa Catarina, por exemplo, conta até a atualidade com


Associações de Municípios que dialogam com diversos setores da sociedade.
Organizações da Sociedade Civil que tratam do tema urbano existem em
todo o Brasil. Ao longo do tempo essas instituições passaram a convergir com
movimentos sociais e com o campo técnico e acadêmico urbano. Contudo,
desde o início, o peso dos técnicos era demasiadamente grande, prejudicando a
formação de um movimento forte para (re)pensar as cidades por meio da Reforma
Urbana.

81
SuSTENTABiLiDADE E PoLÍTiCAS PÚBLiCAS

Na década de 1990 houve uma repartição deste movimento: de um lado,


técnicos urbanos de prefeituras e ONGs, que recebiam orientações de professores
e pesquisadores ligados a algumas Universidades. De outro lado, ficara o ativismo
de base, de luta social, os grupos de moradores de favelas ou bairros formais.

No campo dos técnicos, priorizou-se estritamente a elaboração de planos e


legislações para o contexto da cidade, inclusive os Planos Diretores. Já no lado
dos movimentos sociais da cidade, os processos de ativismo urbano em bairros
e favelas foram sendo esvaziados pela dificuldade de articulação autônoma,
embora muitos destes movimentos ainda existam em diversas lutas urbanas
atuais (SOUZA, 2005).

Uma leitura fundamental para compreender o tema do direito à


cidade é o livro do importante geógrafo David Harvey.

HARVEY, D. Cidades Rebeldes: do direito à cidade à revolução


urbana. São Paulo: Martins Fontes, 2014.

FIGURA 9 – CAPA DO LIVRO CIDADES REBELDES, DE DAVID HARVEY

FONTE: <https://images-na.ssl-images-amazon.com/images/
I/81vhKiIx5FL.jpg>. Acesso em: 16 nov. 2020.

82
Capítulo 2 GOVERNANÇA PÚBLICA E TERRITÓRIO

O tema também é tratado pelo autor em diversos artigos


publicados em revistas eletrônicas, como é o caso da Revista Piauí,
de julho de 2013. Você encontra o artigo completo em: https://piaui.
folha.uol.com.br/materia/o-direito-a-cidade.

Portanto, vemos que há um processo mais amplo no qual se insere a criação


dos Planos Diretores municipais. A preocupação com as cidades no Brasil fica
explícita, pela primeira vez, já na Constituição Federal de 1988. Primeiramente, a
partir do reconhecimento dos municípios como entes federativos, com atribuições
específicas e autonomia em sua organização político-administrativa, constituindo
uma das esferas de poder do Estado.

O capítulo II da Constituição Federal de 1988 é dedicado à Política Urbana


(Artigos 182 e 183). Neste momento, são colocadas no papel as diretrizes para
a criação de uma Política de Desenvolvimento Urbano: ordenar o pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus
habitantes (BRASIL, 1988).

No esquema a seguir, encontram-se os itens que integram a Política Urbana


já em 1988.

FIGURA 10 – A POLÍTICA URBANA BRASILEIRA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

FONTE: O autor

83
SuSTENTABiLiDADE E PoLÍTiCAS PÚBLiCAS

Contudo, apenas nos anos 2000 a Política Urbana contida na Constituição


de 1988 é devidamente regulamentada por meio da criação da Lei nº 10.257, de
10 de julho de 2001, conhecida como Estatuto da Cidade. Em 2001, em 4 de
setembro, por meio da Medida Provisória 2.220, cria-se o Conselho Nacional de
Desenvolvimento Urbano (CNDU), vinculado à Presidência da República, com as
seguintes competências:

FIGURA 11 – COMPETÊNCIAS DO CONSELHO NACIONAL


DE DESENVOLVIMENTO URBANO

FONTE: O autor

A regulamentação da Política Urbana ocorre por meio da defesa de uma


cidade mais democrática e pela priorização dos interesses coletivos. A partir de
1988, a população é corresponsável pela condução do planejamento das
ações nos municípios e outras esferas de poder.

O que se percebe é que a problemática urbana não é recente e vem sendo


debatida oficialmente desde 1988; atual, é o enfrentamento destas questões
de forma democrática. Os principais avanços trazidos pela redemocratização
após 1988 foram os movimentos de regulamentação da Política Urbana a partir
do Estatuto da Cidade e da criação do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Urbano.

Além disso, em 2003, houve a criação de um novo órgão do Governo


Federal, o Ministério das Cidades. Entre os principais objetivos do Ministério
está a transformação das cidades em espaços mais humanizados, democráticos,
com foco na redução das desigualdades sociais.

84
Capítulo 2 GOVERNANÇA PÚBLICA E TERRITÓRIO

De volta ao Plano Diretor, cabe enfatizar que se trata do principal instrumento


de política pública no âmbito do Estatuto da Cidade. A premissa básica contida
no Plano Diretor é sobre ser construído a partir de ampla participação popular,
contendo os princípios básicos da política urbana e municipal. Dessa forma, o
Plano Diretor deixa de ser um simples documento criado por duas ou três pessoas
e passa a ser um Plano de todos, abrangendo diversos setores da sociedade, e
que sua elaboração, implementação e sua natural revisão sejam feitas de forma
coletiva (OLIVEIRA, 2001).

De acordo com o Estatuto da Cidade, o Plano Diretor deve ser aprovado


por uma lei municipal e compatibilizado com as finanças públicas municipais,
plano plurianual e orçamento anual. Outra exigência diz respeito a sua revisão,
que deve ser realizada, pelo menos, a cada dez anos. Assim, todo o processo
de diagnóstico e elaboração deve ser totalmente revisto e até mesmo refeito,
gerando um novo Plano Diretor adaptado às novas problemáticas sociais locais.

Conforme o Artigo 41 do Estatuto da Cidade, além da obrigatoriedade de


sua implementação nas cidades com mais de vinte mil habitantes, também são
obrigadas (mesmo com menos de vinte mil habitantes) as cidades:

a) integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas;


b) integrantes de áreas de especial interesse turístico;
c) inseridas na área de influência de empreendimentos ou atividades com
significativo impacto ambiental de âmbito regional ou nacional;
d) no caso de cidades com mais de 500 mil habitantes, deverá ser elaborado
um plano de transporte urbano integrado, compatível com o plano diretor
ou nele inserido.

Afinal, de que forma a dinâmica do Plano Diretor vem se concretizando


no espaço brasileiro? Acompanhe os dados a seguir relativos ao processo de
elaboração dos Planos Diretores municipais entre 2005 e 2018.

85
SuSTENTABiLiDADE E PoLÍTiCAS PÚBLiCAS

FIGURA 12 – PERCENTUAL DE MUNICÍPIOS COM


PLANO DIRETOR, BRASIL, 2005-2018

FONTE: IBGE (2019, p. 23)

Por meio dessa evolução ao longo dos anos, é possível perceber que
o percentual de municípios com Plano Diretor aumentou entre 2005 e 2013,
passando de 14,5% do total de municípios para 50%. Contudo, até 2018 este
percentual não evoluiu.

Quando a análise enfatiza os municípios com mais de 20.000 habitantes, os


resultados são bem melhores: se em 2005 eram apenas 33% dos municípios que
possuíam Plano Diretor, em 2018 este percentual passa para 90%, com 4% dos
municípios já estarem no processo de elaboração do Plano Diretor. Apenas 5,6%
dos municípios brasileiros com mais de 20.000 habitantes ainda não possuíam
Plano Diretor em 2018.

Já os dados do quadro a seguir aprofundam esta análise para o ano de 2018,


revelando a atual situação da implementação dos Planos Diretores Municipais no
Brasil.

86
Capítulo 2 GOVERNANÇA PÚBLICA E TERRITÓRIO

QUADRO 2 – MUNICÍPIOS COM PLANO DIRETOR, 2018

Municípios
Classes de tamanho da Com Plano Diretor Sem Plano Diretor
população dos municípios Total O plano diretor foi Com Plano Dire-
Total Total
revisto tor em elaboração
Brasil 5.570 2.866 836 2.701 533
Até 5.000 1.257 388 72 869 124
De 5.001 a 10.000 1.203 407 79 796 126
De 10.001 a 20.000 1.348 486 116 861 207
De 20.001 a 50.000 1.096 927 262 167 70
De 50.001 a 100.000 349 341 151 8 6
De 100.001 a 500.000 271 271 130 - -
Mais de 500.000 46 46 26 - -
FONTE: Adaptado de: <https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/
livros/liv101668.pdf>. Acesso em: 18 nov. 2020.

Uma primeira constatação é que praticamente a metade dos municípios


brasileiros não possui um Plano Diretor implantado. Dos 5.570 municípios
brasileiros, apenas 2.866 já elaboraram o Plano. Contudo, em 533 municípios o
Plano está em fase de elaboração.

Um dado preocupante é referente àqueles municípios que têm


obrigatoriedade de terem o Plano Diretor desde 2001 (municípios com mais de
vinte mil habitantes): são 167 que ainda não o fizeram e 70 ainda não concluídos.
De outro lado, há boas notícias, pois todos os municípios brasileiros com mais de
100.000 habitantes já possuíam um Plano Diretor em 2018.

Por definição, podemos dizer que o Plano Diretor é um conjunto de regras


orientadoras da ação dos agentes que (re)constroem e utilizam o espaço urbano
constantemente. Portanto, faz parte da leitura da cidade real, envolvendo
aspectos urbanos, sociais, econômicos e ambientais – todas aquelas dimensões
discutidas ao longo do desenvolvimento sustentável. Sua finalidade não é
a de somente resolver os problemas atuais da cidade, mas ser um instrumento
contínuo com definições para as futuras intervenções, servindo de base para uma
gestão cada vez mais democrática do espaço da cidade. Em outras palavras,
garantir o direito à cidade.

“O poder público municipal se encontra, a partir da vigência do Estatuto


da Cidade, com poderosas ferramentas na mão para enfrentar os já históricos
desafios do desenvolvimento urbano, todas elas se vinculam ao instrumento
básico da política urbana, que é o Plano Diretor” (OLIVEIRA, 2001, p. 23).

87
SuSTENTABiLiDADE E PoLÍTiCAS PÚBLiCAS

O esquema a seguir mostra de forma resumida as etapas durante a


elaboração do Plano Diretor.

FIGURA 13 – ETAPAS PARA A ELABORAÇÃO DO PLANO DIRETOR

FONTE: O autor

A ‘identificação da realidade local’ diz respeito a um diagnóstico municipal


e urbano que seja mais próximo possível da realidade. Portanto, requer que
seja feito com ampla participação dos envolvidos, moradores e atores sociais,
resultando em um diagnóstico e na identificação dos detentores do controle da
existência de grupos excluídos.

Após a etapa inicial, inicia-se a ‘definição da temática a ser desenvolvida’,


por meio de reuniões, audiências públicas, além de outras formas que se julgar
pertinente para a localidade em questão.

Como vimos, uma das etapas se refere à ‘aprovação pela Câmara de


Vereadores’, que permite a consolidação das propostas e a elaboração do projeto
de lei do Plano Diretor, mas sempre resguardando as questões debatidas e
compactuadas pela sociedade civil envolvida.

A última etapa para a atual gestão do Plano Diretor é o ‘estabelecimento


de prazos’ para a prática do Plano. É preciso que se definam as formas de
implementação e de monitoramento das questões abordadas, ou seja, que se
construa um Plano de Ação detalhado. Outras medidas podem ser a criação de
instâncias específicas de discussão e decisão, por exemplo, a partir da criação de
Conselhos Municipais.

88
Capítulo 2 GOVERNANÇA PÚBLICA E TERRITÓRIO

Depois do Plano finalizado e posto em execução, cabe o seu constante


acompanhamento como forma de prever algum tipo de ‘revisão do plano’.
Contudo, segundo o Estatuto da Cidade, pelo menos a cada dez anos o Plano
deve ser revisado.

Para finalizarmos os estudos sobre o Plano Diretor e a sustentabilidade,


cabe lembrar que o Estatuto da Cidade ainda possui outros instrumentos para o
desenvolvimento sustentável no âmbito das cidades, a saber:

a) O imposto predial ou territorial urbano, os consórcios imobiliários e


as operações urbanas consorciadas, com vistas ao desenvolvimento
urbano.
b) Para a democratização da gestão urbana, a criação de órgãos colegiados
de política urbana, o fomento de debates, audiências e consultas
públicas, a gestão orçamentária participativa e a gestão participativa
metropolitana.
c) Sobre a regularização fundiária: usucapião de imóvel urbano e a
concessão de direito de uso.
d) Para o financiamento da política urbana, contribuem, novamente, o
imposto predial ou territorial urbano, as desapropriações e as operações
urbanas consorciadas.

Ainda, criou o Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV), que tem por objetivo
contemplar a análise dos efeitos positivos e negativos de empreendimentos na
qualidade de vida da população residente na área ou em suas proximidades,
sendo obrigatória a realização do EIV como forma de prever os impactos: centros
comerciais e de negócios, conjuntos habitacionais, parques urbanos ou de
esportes e qualquer empreendimento que puder causar geração de tráfego de
veículos e de pessoas.

Os impactos previstos podem se manifestar como um adensamento


populacional intensivo; a necessidade de equipamentos urbanos e comunitários;
o uso e a ocupação do solo; a valorização imobiliária local; a geração de tráfego;
a demanda por transporte público; a alteração da paisagem urbana e substituição
do patrimônio natural e cultural.

Para aprofundar o estudo sobre a participação no âmbito da implementação


das políticas públicas, acompanhe a leitura a seguir.

89
SuSTENTABiLiDADE E PoLÍTiCAS PÚBLiCAS

Plano Diretor participativo: necessidade ou ilusão?

Afinal, por que é tão difícil planejar uma cidade?

Planejar cidades não é algo simples. Primeiramente porque a


cidade é um organismo vivo, dinâmico, que se constitui, se transforma
e se comporta de maneiras que não podem ser plenamente previstas
ou controladas por ninguém. Quem decide se você vai morar no
bairro A ou no bairro B? Quem decide se você vai ao trabalho de
carro, de ônibus ou de bicicleta? Quem determina o que você vai
usar mais, uma praça ao ar livre ou um teatro? Em princípio, essas
são todas decisões individuais, tomadas por nós mesmos. Nenhum
administrador público tem o poder de nos obrigar em nenhuma dessas
escolhas, em princípio somos livres para fazê-las dentro das nossas
preferências. Contudo, isso tem duas implicações importantes.
A primeira é que, apesar de individuais, essas escolhas causam
impacto coletivo. Se opto por ir de carro, contribuo para um trânsito
mais intenso e amplio as chances de promover congestionamentos.
Se escolho morar no bairro A, contribuo para a valorização dos
imóveis nele, em detrimento do bairro B. Se vou para a praça
correr ao invés do teatro, contribuo para que o esporte seja mais
valorizado que a cultura clássica. Somadas, essas microdecisões
causam inúmeros efeitos, e como são individualmente realizadas por
cidadãos livres, não podem ser alvo do controle do poder público.
A segunda implicação é que não somos totalmente livres para
escolher. Se o preço dos imóveis no bairro A é o dobro do preço dos
imóveis no bairro B e eu não tenho como bancá-los, ir para o bairro B
será minha única escolha. Se não há uma linha de ônibus que sai de
perto da minha casa na hora que preciso sair para o trabalho, tenho
que ir de carro para chegar a tempo. Se a praça local é frequentada
por traficantes de drogas, não me sentirei seguro para sair de casa,
mesmo que queira fazer uma corrida.
Essas inúmeras variáveis causam um efeito dialético: os
comportamentos individuais afetam o todo e o todo restringe ou
condiciona os comportamentos individuais. As cidades acabam
sendo o cenário de uma batalha diária entre o que gostaríamos de
ser, ter e fazer e aquilo que realmente somos, temos e fazemos.
O segundo grande motivo pelo qual planejar cidades não é
simples é que o processo para a formulação de um plano dessa
natureza é sempre permeado pela disputa entre interesses
conflitantes, pois a escolha por um caminho implica na renúncia

90
Capítulo 2 GOVERNANÇA PÚBLICA E TERRITÓRIO

a outro. Tomemos um simples exemplo: verticalizar uma parte


da cidade, permitindo prédios mais altos, é bom ou ruim? Para
alguns, será muito bom. Construtoras vão construir, imobiliárias vão
vender e o poder público gastará menos para levar infraestrutura
(água, esgoto, iluminação, transporte) à população. Para outros,
será péssimo. O trânsito na região pode piorar, residentes com
dificuldades respiratórias podem ter suas doenças agravadas e a
vista da cidade não será mais a mesma. O que prevalece? Qual é o
critério para decidir o que é melhor para a cidade?
No final, é necessário admitir que essas escolhas envolvem
um juízo de valor. O que é melhor ou pior resulta de um processo
de conciliação pública, na qual forças políticas farão pressão
para que suas próprias vontades sejam atendidas, muitas vezes
em detrimento das vontades de outros. O risco óbvio é o de que
segmentos numericamente inferiores, mas politicamente mais
poderosos, tenham suas prioridades atendidas em prejuízo do bem-
estar da população como um todo, tornando a cidade um espaço
desigual, onde uns poucos colhem os maiores benefícios e outros
muitos ficam com os maiores problemas – como os longos tempos de
deslocamento, a falta de infraestrutura sanitária, a moradia precária,
entre tantos outros.
Desse modo, o processo de elaboração de um plano diretor
é extremamente desafiador e problemático. Para entender esses
desafios, os separamos em duas categorias: quanto ao produto
(plano em si) e quanto ao processo (planejamento).

Problemas e desafios do plano diretor em si

Planos isolados:
Alguns planos diretores resumem-se a tratar o território de forma
isolada dos aspectos sociais, econômicos e ambientais, tornando-se
pouco estratégicos do ponto de vista da gestão urbana. Por exemplo,
define-se a expansão do perímetro urbano sem se ter clareza do
que se quer com a ocupação daquela área. Um bom plano diretor
é capaz de articular determinações sobre o território considerando
seus impactos na economia local, na qualidade de vida do cidadão e
na sustentabilidade ambiental.
Soluções possíveis: o primeiro passo é entender qual é a cidade
que se quer, incluindo aspectos sociais, econômicos e ambientais,
antes de se definir diretrizes para o plano diretor em si. Afinal, será
uma cidade mais industrial ou com uma economia mais baseada em
serviços? O que mais preocupa a população, a falta de emprego ou a
falta de segurança? Em determinado bairro, é preferível a instalação

91
SuSTENTABiLiDADE E PoLÍTiCAS PÚBLiCAS

de uma creche ou uma escola profissionalizante? Essas prioridades


devem estar claras antes de qualquer determinação com relação ao
território.

Planos vagos:
Há uma tradição na literatura acadêmica de que o plano diretor
deve focar no nível estratégico, estabelecendo grandes linhas de
desenvolvimento para a cidade. Contudo, é comum que os planos
diretores fiquem apenas em diretrizes vagas, sem efeito prático, uma
vez que não impõem regras claras para a ocupação do território, nem
definem atributos aos instrumentos de gestão e desenvolvimento
urbano. Não surpreende que, ao final do seu período de execução,
observe-se que quase nada tenha sido feito.
Soluções possíveis: além de diretrizes mais amplas, é importante
que o plano diretor contenha algumas disposições autoaplicáveis.
Isso significa que o que está no plano diretor seja suficientemente
claro para ser aplicado imediatamente após sua promulgação, ou
então que dê direções claras para a regulamentação de instrumentos
derivados dele. Por exemplo, se ele definir que haverá IPTU
progressivo, que ele já aponte para as regras que serão detalhadas
em lei específica posterior.

Problemas e desafios do processo de planejamento

Capacidade técnica (supostamente) insuficiente:


Os corpos técnicos de servidores das Prefeituras se veem
frequentemente despreparados para a elaboração do plano diretor.
Não raro, o trabalho de elaboração do plano diretor é terceirizado
a consultorias externas, causando toda sorte de problemas: o plano
se torna estranho aos servidores públicos, que não o consideram
legítimo e resistem na sua implementação; o plano fica tecnicamente
bom, mas politicamente inviável, porque ignora as forças de poder
locais; o plano não fica nem tecnicamente bom, nem politicamente
viável, pois os consultores não conhecem a realidade local. No
limite, o plano chega a ser uma cópia de planos de outras cidades,
substituindo nome e alguns dados do município.
Soluções possíveis: o plano diretor deve ser elaborado pela
equipe técnica da prefeitura, em consonância com a realidade
particular do município. A primeira e mais simples solução à aparente
falta de preparo é compatibilizar a complexidade do processo com o
tamanho do município: o plano diretor de um município de trinta mil
habitantes deve ser muito mais simples (e, por conseguinte, mais fácil
de elaborar) do que o plano diretor de uma cidade como São Paulo.

92
Capítulo 2 GOVERNANÇA PÚBLICA E TERRITÓRIO

Mesmo assim, se o corpo técnico local sentir que lhe falta ainda
algum conhecimento, parcerias com universidades locais podem ser
empreendidas, trazendo a expertise de acadêmicos de diferentes
setores (urbanismo, engenharia, ciência sociais) para dentro do
processo. Além disso, a tecnologia pode ser uma aliada, promovendo
processos de crowdsourcing, em que o próprio cidadão pode ser
engajado no processo de alimentação de dados e provimento de
conhecimentos técnicos relevantes, por meio de plataformas digitais.
No limite, consultorias externas podem ser contratadas para suprir
apenas parte do escopo geral, como o levantamento de dados e
a elaboração de estudos técnicos, ficando a cargo dos técnicos a
interpretação desses dados, a promoção da participação social e a
elaboração das propostas finais.

Participação política desnivelada:


A elaboração do plano diretor pressupõe participação social em
todo o processo. Contudo, esse é um enorme desafio. O cidadão
comum das periferias urbanas frequentemente não entende como,
onde e por que participar, não tendo ninguém que o represente
de forma organizada. Geralmente, esses são os segmentos já
marginalizados e excluídos no processo de urbanização, que
mais sofrem o ônus da expansão urbana – longos tempos de
deslocamento diário, falta de infraestrutura e segurança – e colhem
as menores fatias de benefícios – valorização imobiliária e ampliação
do comércio.
Enquanto os moradores das periferias se veem sub-
representados, os cidadãos residentes nos bairros nobres e
os agentes portadores de interesses econômicos específicos
(construtoras, imobiliárias) estão geralmente muito bem
representados. Enquanto audiências públicas nas periferias ou
áreas de pouco interesse econômico por vezes nem acontecem
por falta de quórum, as audiências em bairros centrais ou visados
pelas empresas atraem muitas pessoas. Enquanto entidades de
representação das “elites” se organizam para preencher em massa
os espaços de participação – chegando por vezes ao absurdo de
contratar pessoas para que participem, votem e se pronunciem em
favor de suas posições –, as poucas entidades de representação dos
segmentos menos poderosos atuam comumente de forma pouco
eficaz, criando cartas de reivindicações e fazendo manifestações
públicas com pouco efeito prático.
Soluções possíveis: para minimizar esse fenômeno, é
importante que os mecanismos de participação sejam compatíveis
com o repertório cognitivo, cultural e social das pessoas que serão

93
SuSTENTABiLiDADE E PoLÍTiCAS PÚBLiCAS

chamadas a participar. Cabe à administração pública promover


esforços ativos para explicar ao cidadão comum a importância
de participar, com campanhas criativas que passem a mensagem
de maneira clara. Nas audiências, faz-se necessário traduzir as
informações técnicas para uma linguagem acessível, na qual os
participantes entendam e possam interagir.
Mais uma vez, a tecnologia pode ser uma aliada, seja com
ferramentas que ajudem a fazer essa “tradução” (mapas digitais
interativos, gráficos autoexplicados), seja dando oportunidade a
pessoas que não podem participar presencialmente os meios de fazê-
lo à distância, por ferramentas como smartphones, hoje acessíveis a
um grande contingente de pessoas (mesmo nas periferias). Para o
cidadão comum, organizar-se em redes de cooperação (como ONGs)
e usar ferramentas digitais pode também ser uma forma de mobilizar
a população para que participe, criando eventos e campanhas em
redes sociais.
São muitas as críticas ao plano diretor e a experiência
demonstra que ele tem frequentemente fracassado em promover
o desenvolvimento inclusivo, equilibrado e sustentável das cidades
brasileiras. Mesmo assim, é preciso analisar essas críticas de modo
a buscar superá-las, usando criatividade e as novas tecnologias para
de fato fazer valer seu potencial de promoção de cidades melhores a
todos os brasileiros. Fica o desafio!

FONTE: <https://www.politize.com.br/plano-diretor-participativo-
necessidade-ou-ilusao>. Acesso em: 16 nov. 2020.

Agora que já estudamos algumas experiências relacionadas às políticas


públicas, realize as seguintes atividades de estudo.

1 Como se originou a participação junto aos Planos Diretores?


R.: ____________________________________________________
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____________________________________________________
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____________________________________________________
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Capítulo 2 GOVERNANÇA PÚBLICA E TERRITÓRIO

2 Qual a relevância do Plano Diretor para a participação nas políticas


públicas?
R.: ____________________________________________________
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____________________________________________________
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3 De que forma o Plano Diretor se conecta à sustentabilidade?


R.: ____________________________________________________
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____________________________________________________

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
A partir das experiências relacionadas às políticas públicas e à
sustentabilidade o tema mais teórico vai ganhando contornos práticos, não é
mesmo? No Capítulo 1 vimos que os conceitos pertinentes à grande área das
políticas públicas são fundamentais para sua correta interpretação. Aqui, no
Capítulo 2, procurou-se trazer a discussão para o processo de implementação
das políticas públicas no território.

Quando se fala em política, ainda mais no que diz respeito às políticas


públicas, a noção de participação necessita estar no centro do debate. As
decisões tomadas no contexto público nada mais são do que a representação
e os anseios de uma coletividade social. Portanto, pensar na sustentabilidade é
também pensar na política. Um dos questionamentos-chave é: de que forma a
dinâmica política pode contribuir para a sustentabilidade do desenvolvimento das
sociedades?

Vamos relembrar os objetivos desse capítulo? Explicar as dinâmicas


que envolvem o processo de governança pública; identificar e distinguir a
implementação de políticas públicas nas esferas federal, estadual e municipal e
apontar experiências de políticas públicas potencialmente relevantes.

95
SuSTENTABiLiDADE E PoLÍTiCAS PÚBLiCAS

Esses itens servem como reflexão para perguntas como: qual a relevância da
transparência nas atividades públicas? É possível pensar em modelos de políticas
públicas que não valorizem justiça e equidade social? De que forma ocorre a
implementação nas diferentes esferas do Governo?

A partir das experiências do ICMS ecológico e do Plano Diretor foi possível


perceber casos específicos de elaboração e implementação de políticas
públicas no âmbito da sustentabilidade, ou seja, processos que envolvem novos
olhares para o desenvolvimento dos territórios, procurando garantir crescimento
econômico, equidade social e equilíbrio ambiental.

Entretanto, a compreensão do desenvolvimento sustentável não deve ficar


limitada à análise desses casos específicos. No capítulo seguinte, avançaremos
para uma interpretação mais crítica sobre a sustentabilidade, pela qual o tema
possa ser entendido do ponto de vista internacional do debate, bem como a
respeito de sua relação mais profunda com a dinâmica das políticas públicas no
Brasil.

Siga em frente para o Capítulo 3. Até breve!

REFERÊNCIAS
ALMEIDA, D. C. R. de. Os desafios da efetividade e o estatuto jurídico da
participação: a Política Nacional de Participação Social. Revista Sociedade e
Estado, v. 32, n. 3, p. 646-679, set./dez. 2017.

AZEVEDO, N. D. Gestão participativa. In: CASTRO, C. L. F. de; GONTIJO, C. R.


B.; PINTO, L. M. R. S. (Org.). Dicionário de políticas públicas: volume 2. Belo
Horizonte: EdUEMG, 2015. 490 p.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.


Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

BRITO, R. de O.; MARQUES, C. F. Pagamento por serviços ambientais: uma


análise do ICMS Ecológico nos estados brasileiros. Revista Planejamento e
Políticas Públicas, n. 49, 2017. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/ppp/
index.php/PPP/article/view/727/455. Acesso em: 17 nov. 2020.

ESPINOSA, R. M. Accountability. In: CASTRO, C. L. F. de; GONTIJO, C. R. B.;


AMABILE, A. E. de N. (Org.). Dicionário de políticas públicas. Barbacena:
EdUEMG, 2012. 242 f.

96
Capítulo 2 GOVERNANÇA PÚBLICA E TERRITÓRIO

IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de Informações


Básicas Municipais: 2018. c2020. Disponível em: https://www.ibge.gov.
br/estatisticas/sociais/educacao/10586-pesquisa-de-informacoes-basicas-
municipais.html?=&t=resultados. Acesso em: 8 out. 2020.

IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Perfil dos municípios


brasileiros: 2018. Rio de Janeiro: IBGE, 2019. 131 p.

MATTA, J. L. F. Contribuição do ICMS Ecológico para a Conservação


Ambiental Municipal no Estado do Rio de Janeiro. Dissertação (Mestrado em
Direito e Políticas Públicas). Rio de Janeiro: Universidade Federal do Estado do
Rio de Janeiro, 2015. 160 f.

MEMORIAL DA DEMOCRACIA. 15 de novembro de 1985: capitais voltam a


eleger prefeitos. c2020. Disponível em: http://memorialdademocracia.com.br/
card/capitais-voltam-a-eleger-prefeitos. Acesso em: 13 out. 2020.

MOURA, A. S. de; BEZERRA, M. do C. Governança e sustentabilidade das


políticas públicas no Brasil. In: MOURA, A. S. de. (Org.). Governança ambiental
no Brasil: instituições, atores e políticas públicas. Brasília: Ipea, 2016. 352 p.

OLIVEIRA, I. C. E. de. Estatuto da cidade: para compreender. Rio de Janeiro:


IBAM/DUMA, 2001.

PINTO, L. P. Valorização dos Parques e Reservas. ICMS Ecológico e as


Unidades de Conservação Municipais da Mata Atlântica. 2019. Disponível em:
https://www.sosma.org.br/wp-content/uploads/2019/07/Ucs-municipaisdigital.pdf.
Acesso em: 14 out. 2020.

ROLNIK, R. Dez anos do Estatuto da Cidade: das lutas pela reforma urbana às
cidades da Copa do Mundo. In: RIBEIRO, A. C. T.; VAZ, L. F.; SILVA, M. L. P. da
(Org.). Leituras da cidade. Rio de Janeiro: Letra Capital/ANPUR, 2012. p. 87-
104.

SOUZA, M. L. de. De ilusão também se vive: caminhos e descaminhos da


democratização do planejamento e da gestão urbanos no Brasil (1989-2004). In:
XI Encontro Nacional da Anpur. Anais... Salvador/BA, 2005.

97
SuSTENTABiLiDADE E PoLÍTiCAS PÚBLiCAS

98
C APÍTULO 3
SUSTENTABILIDADE E POLÍTICAS
PÚBLICAS

A partir da perspectiva do saber-fazer, são apresentados os seguintes


objetivos de aprendizagem:

• Esclarecer a relevância da sustentabilidade para o desenvolvimento das


sociedades.
• Definir conceitos relativos à sustentabilidade do desenvolvimento.
• Conhecer perspectivas críticas quanto ao crescimento econômico.
• Identificar o debate das políticas públicas no âmbito da sustentabilidade.
• Discutir a problemática do desenvolvimento sustentável a partir de um ponto de
vista crítico.
• Examinar o processo produtivo no interior de experiências sustentáveis.
• Demonstrar a relação entre sustentabilidade e políticas públicas.
• Constatar a existência de novos entendimentos de política pública a partir da
sustentabilidade.
SuSTENTABiLiDADE E PoLÍTiCAS PÚBLiCAS

100
Capítulo 3 SUSTENTABILIDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS

1 CONTEXTUALIZAÇÃO
O tema da sustentabilidade tomou o cenário das políticas a partir dos
Estados, sobretudo, durante a década de 1990. Embora o tema já estivesse sendo
discutido no âmbito internacional desde os anos 1960, o termo desenvolvimento
sustentável veio à tona após a publicação do chamado Relatório Brundtland, em
1987.

Problematizar o desenvolvimento dos países está diretamente relacionado


à percepção de que desenvolvimento não é apenas uma etapa social assumida
como resultado do crescimento econômico, ou seja, as discussões em torno
do desenvolvimento se referem a entender o desenvolvimento a partir de duas
múltiplas dimensões, inclusive a econômica. O conceito de desenvolvimento
sustentável inclui todo esse contexto.

Bom, mas qual a relevância dessa perspectiva para o conjunto das políticas
públicas? O que ocorre é que as políticas públicas também acompanham e se
inserem na evolução do desenvolvimento dos territórios. Assim, é fundamental
entendermos a noção de desenvolvimento sustentável e todos os seus impactos
para que compreendamos a inserção das políticas públicas no tema da
sustentabilidade.

Uma das grandes inovações trazidas pela ideia de sustentabilidade diz


respeito à participação da sociedade civil organizada nas tomadas de decisão.
Ora, você consegue perceber como essa discussão se aproxima do conceito de
políticas públicas?

Para que as políticas públicas sejam formuladas e implementadas de maneira


adequada de forma a intervirem em problemas que sejam comuns é crucial que
haja uma comunicação entre o governo e o conjunto de atores sociais a serem
atingidos por uma determinada política pública.

É sobre a relação entre sustentabilidade e políticas públicas a ênfase


que você perceberá aqui no Capítulo 3 do livro de Sustentabilidade e Políticas
Públicas. Assim, iremos esclarecer e definir os conceitos que compreendem a
discussão entre desenvolvimento e sustentabilidade para as sociedades, bem
como aprofundar o debate da sustentabilidade no âmbito das políticas públicas.

Qual a diferença entre crescimento econômico e desenvolvimento


sustentável? Como se origina o debate sobre sustentabilidade? De que forma
a sustentabilidade se aproxima das políticas públicas? Quais políticas públicas
brasileiras resultam do contexto internacional do desenvolvimento sustentável?

101
SuSTENTABiLiDADE E PoLÍTiCAS PÚBLiCAS

As respostas para estas e outras perguntas você encontrará nas páginas a


seguir. Desejamos um ótimo período de estudo e uma boa leitura. Até mais!

2 A PERSPECTIVA DO
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Já tivemos a oportunidade de estudar ao longo dos capítulos anteriores a
relação entre políticas públicas e desenvolvimento, cujos avanços teóricos se
entrelaçam fortemente entre si. Agora, um novo tema é adicionado à discussão: a
sustentabilidade.

A sustentabilidade como um todo está diretamente relacionada às discussões


sobre o desenvolvimento, bem como no que diz respeito ao tema mais específico
das políticas públicas. O tipo de desenvolvimento mais ou menos adequado à
realidade econômica, social e política de cada país e região também é resultado
do conjunto das políticas públicas implementadas em um determinado território.

Seria possível imaginar uma forma ou modelo de desenvolvimento único para


todos os indivíduos? Quais as plataformas políticas mais viáveis à consecução
desse objetivo mais amplo? As respostas para estas perguntas foram sendo
discutidas em torno da temática do desenvolvimento sustentável.

Conforme descobriremos ao longo deste capítulo, o desenvolvimento


sustentável teve sua utilização difundida de forma ampla e em grande parte do
mundo a partir da década de 1980. Contudo, seu surgimento está no questionamento
de um modelo massificante e predatório de desenvolvimento, sobretudo, a partir
da década de 1950. Portanto, é quando os ideais desenvolvimentistas amparados
fortemente, e tão somente, no crescimento econômico dos países passam a ser
minados por abordagens que percebem desenvolvimento para além do aumento
concentrado do volume do Produto Interno Bruto (PIB).

Por meio dessa perspectiva, a produção em larga escala resultava em


uma associação da noção de bem-estar social ao consumo exacerbado dos
indivíduos, modelo que questionava o próprio projeto de modernidade em curso.

“O aumento do fluxo de renda, por unidade de força de trabalho utilizada, tem


sido aceito, desde a época dos [economistas] clássicos, como o melhor indicador
do processo de desenvolvimento de uma economia” (FURTADO, 1983a, p. 77).
O desenvolvimento acaba surgindo como um elemento próprio da economia,
pois quanto mais economicamente avançado fosse um país, mais desenvolvido
ele seria. Por isso, no trecho anterior, Celso Furtado destaca que o ‘aumento do

102
Capítulo 3 SUSTENTABILIDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS

fluxo de renda’ (isto é, a renda das pessoas) foi constantemente visto como uma
indicação de que o país era desenvolvido ou não.

Afinal, qual é a diferença entre crescimento econômico e desenvolvimento?


São dois conceitos que se completam? O crescimento econômico é um estágio
anterior ao desenvolvimento?

O crescimento econômico de um país pode ser visto a partir do crescimento


de sua capacidade de fornecer bens econômicos, que são cada vez mais diversos,
para a sua população, ao longo de um certo período. Esta capacidade está
baseada no avanço da tecnologia e nas adaptações institucionais e ideológicas
que ela requer (SOUZA, 2012).

Logo, para se crescer economicamente é preciso aumentar quantitativamente


a produção de bens. Geralmente, o crescimento entre os diferentes países é
medido e comparado pelo Produto Interno Bruto (PIB).

O Produto Interno Bruto (PIB) é medido pela soma de todos os


bens e serviços produzidos dentro do território nacional, independente
da origem da empresa, ou seja, bens e serviços produzidos por
empresas nacionais e estrangeiras. Já o Produto Nacional Bruto
(PNB), diz respeito ao PIB somado (+) à Renda que foi recebida do
exterior, mas diminuindo (-) a Renda enviada ao exterior. O PNB
contabiliza o fluxo de comércio internacional.

Muitas vezes, o conceito de desenvolvimento foi (e continua sendo)


confundido com o de crescimento econômico. O fato de o nível de vida da
população estar relacionado com o nível de renda contribuiu para os conceitos
terem se aproximado.

A diferença está no crescimento alterar somente estruturas simples,


enquanto o desenvolvimento realiza mudanças estruturais em conjuntos
complexos. “Se o conjunto econômico apresenta uma estrutura simples, [...]
como no caso de uma empresa ou de um setor produtivo especializado, convém
evitar o conceito de desenvolvimento e utilizar simplesmente o de crescimento”
(FURTADO, 1983a, p. 78). O crescimento é a expansão da produção real em um
subconjunto econômico, cujas modificações não implicam alterações nas funções

103
SuSTENTABiLiDADE E PoLÍTiCAS PÚBLiCAS

de produção, isto é, na forma em que se combinam os fatores de produção em um


determinado setor produtivo (SOUZA, 2012).

FIGURA 1 – CELSO FURTADO

FONTE: <https://portaldisparada.com.br/wp-content
uploads/2019/07/99-anos-de-Celso-Furtado.jpg>;

<https://d1pkzhm5uq4mnt.cloudfront.net/imagens/
capas/_813bfbed81f76b7df6ef1ed718b89ae024ef358a.jpg>. Acesso em: 19 nov. 2020.

Celso Monteiro Furtado nasceu em Pombal (PB) no dia 26 de


julho de 1920 e foi um dos mais importantes economistas brasileiros.
Sua principal obra foi publicada em 1959, sob o título Formação
Econômica do Brasil, mas foi autor de cerca de 30 livros sobre teoria,
política e história econômica. Além da carreira acadêmica, ocupou
cargos no Governo Federal, tal como no Ministério do Planejamento e
na Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE). O
pesquisador possui uma ampla contribuição sobre o desempenho do
papel do Estado na economia para a promoção do desenvolvimento.

FONTE: <http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-
biografico/celso-monteiro-furtado>. Acesso em: 19 nov. 2020.

104
Capítulo 3 SUSTENTABILIDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS

Interessou-se pela obra e pelo economista Celso Furtado?


Entenda mais a partir da leitura do texto de Tamás Szmrecsányi:
Sobre a formação da Formação Econômica do Brasil de C. Furtado,
publicado na Revista Estudos Avançados. Disponível em:
https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=
S0103-40141999000300011.

O conceito de desenvolvimento nos permite olhar para o conjunto das


relações sociais de uma forma mais ampla, não enfocando apenas as atividades
econômicas. “A teoria do desenvolvimento trata de explicar, numa perspectiva
macroeconômica, as causas e o mecanismo do aumento da produção e na
forma como se distribui e utiliza o produto social” (FURTADO, 1983a, p. 15). Ou,
ainda, por meio de uma outra compreensão, podemos entender que o conceito
de desenvolvimento se refere a um processo de mudança social, buscado de
forma deliberada, viabilizado pela mobilização de recursos (econômicos e não
econômicos), visando alcançar fins previamente definidos por uma coletividade ou
por grupos sociais que a representem (SOUZA; THEIS, 2009).

Em outras palavras: de forma isolada, a ideia de crescimento econômico


não consegue explicar por completo a dinâmica complexa do desenvolvimento
de um país. Se crescimento diz respeito apenas ao aumento da produção, de que
forma este aumento produzirá automaticamente maior democracia nas decisões
políticas, por exemplo? O aumento da produção, sozinho, poderia equilibrar o
acesso à saúde ou à educação?

Ficou clara a distinção entre crescimento e desenvolvimento? Acompanhe:

Podemos, portanto, admitir que o crescimento é o aumento da


produção, ou seja, do fluxo de renda, ao nível de um subconjunto
econômico especializado, e que o desenvolvimento é o mesmo
fenômeno quando observado do ponto de vista de suas
repercussões no conjunto econômico de estrutura complexa
que inclui o referido setor especializado (FURTADO, 1983a, p.
79, grifo do autor).

Desse modo, uma verdadeira política pública para o desenvolvimento


deverá conter as preocupações e os desejos daqueles grupos sociais que
procuram discutir os seus problemas. A tarefa prática do desenvolvimento é
a de ativar e canalizar forças sociais que nem sempre estão ativas em um certo

105
SuSTENTABiLiDADE E PoLÍTiCAS PÚBLiCAS

território. Por isso que desenvolvimento é muito mais social, cultural e político do
que econômico. “Ora, somente a atividade política pode canalizar essas energias
de forma a produzir os fenômenos de sinergia” (FURTADO, 1983b, p. 149).

As políticas públicas para o desenvolvimento contêm em si a missão de


representar os grupos sociais na resolução de seus problemas e entraves em
múltiplas dimensões.

A partir da problemática mais ampla quanto à percepção do desenvolvimento


enquanto crescimento econômico, que diz respeito à própria organização das
sociedades como um todo, é que novas visões passam a compor o tema do
desenvolvimento, tendo início a partir da temática ambiental.

A questão ambiental ganha relevância, sobretudo, entre as décadas de 1960


e 1970 devido às visões preservacionistas, bem como ao movimento ambientalista
a partir da criação de diversas Organizações Não Governamentais (ONGs)
(COSTA, 2008). Desse modo, num primeiro momento, a preocupação estava
em preservar o meio ambiente da ação humana: a natureza devia ser intocada.
É quando se acentua a criação de Florestas Nacionais e de Códigos Florestais
(legislação) específicos para proteger o meio natural. Somente nos anos 1980
é que o tema passa a relacionar a preocupação ambiental com o acelerado
crescimento econômico mundial.

A base cognitiva para o ‘pensamento ambiental’ foi sendo formada pela


nossa interpretação do significado da poluição ambiental e dos desastres naturais
provocados pelo Homem. No caso dos Estados Unidos, por exemplo: o ar poluído
em Los Angeles, a morte lenta do Lago Erie, derramamentos de óleo e o projeto
de inundar o Grand Canyon, passaram a ocupar grande parte do jornal New
York Times por meio de artigos ambientalistas. Se em 1960 cerca de 150 artigos
sobre o tema foram escritos no periódico, em 1970 este número passa para 1.700
(SACHS, 2003).

Você sabia que a WWF (World Wide Fund for Nature) foi a
primeira Organização não Governamental (ONG) que debateu
a temática ambiental em nível mundial? A WWF foi criada em
1961 na Suíça e vem contribuindo fortemente com o movimento
ambientalista mundial, embora venha recebendo críticas recentes de
alguns setores quanto a sua participação em atividades comerciais
prejudiciais à biodiversidade. A origem do movimento ambientalista
também está ligada à ONG Greenpeace, criada no Canadá em 1971

106
Capítulo 3 SUSTENTABILIDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS

como forma de impedir testes nucleares do governo dos Estados


Unidos na costa do Alasca. As explosões não deixaram de ocorrer,
mas a história da ONG tomou o mundo.

FONTE: <https://www.wwf.org.br/wwf_brasil/wwf_mundo>;
<https://www.greenpeace.org/brasil/quem-somos/nossa-
historia>; <https://www.dw.com/pt-br/jornalista-alem%C3%A3o-
acusa-organiza%C3%A7%C3%A3o-wwf-de-pactuar-com-a-
ind%C3%BAstria/a-16119697>. Acesso em: 19 nov. 2020.

A literatura sobre o tema revela que a expressão ‘desenvolvimento sustentável’


teve sua utilização mais antiga em 1968 na realização das ‘Conferências
sobre a biosfera’, em Paris, e sobre ‘Aspectos Ecológicos do Desenvolvimento
Internacional’, em Washington (COSTA, 2008). As posições predominantes na
discussão enfatizavam a criação de mecanismos de proteção ambiental para
a correção de problemas decorrentes do desenvolvimento econômico, mas,
também, a reversão da intensidade do crescimento demográfico para se atingir
uma população estável.

Um aspecto relevante no debate que se iniciava dizia respeito à separação


entre meio ambiente e sociedade. Sendo todos nós constantemente
dependentes do meio natural, seja na produção de alimentos, roupas, casas e
automóveis, o desafio estava em assumir um compromisso simultâneo com o
meio ambiente e com as demandas de uma sociedade pautada no consumo.
Nesse contexto haverá uma diferença entre os países mais desenvolvidos dos
menos desenvolvidos, por terem maior e menor acesso aos recursos de produção
necessários para a criação de produtos úteis à sociedade. Essa distinção entre os
níveis de desenvolvimento marcou profundamente o debate inicial sobre os limites
de crescimento econômico e possibilidades da sustentabilidade (COSTA, 2008).

O desenvolvimento dos países já industrializados na década


de 1960 só foi possível devido à utilização exaustiva de recursos
naturais globais. Se voltarmos ainda mais na história, percebemos
que os países considerados menos desenvolvidos na atualidade são
aqueles mais duramente explorados no período da colonização. O
Brasil se enquadra nesse grupo. De que forma os países que não
tinham alcançado um alto nível de industrialização na década de
1960 superariam suas dificuldades renunciando à utilização massiva

107
SuSTENTABiLiDADE E PoLÍTiCAS PÚBLiCAS

de tais recursos? Se o caminho para a sustentabilidade estava no


uso adequado dos recursos naturais, de que forma os países menos
desenvolvidos alcançarão aqueles mais desenvolvidos?

As Conferências sobre sustentabilidade, realizadas ao longo do tempo,


trouxeram como resultado um caminho intermediário entre visões extremas. De
um lado, tinha-se uma confiança excessiva de soluções a partir da tecnologia.
Outra visão previa a catástrofe do planeta devido ao aumento da população e da
utilização completa do meio natural.

Dessa forma, um espaço de debate sobre as questões ambientais e sociais


vinha se formando, principalmente, por meio de diversas Conferências e eventos
ao redor do mundo. Entre as mais importantes estão as edições da ‘Conferência
das Nações Unidades sobre o Meio Ambiente Humano’, organizadas pela
Organização das Nações Unidades (ONU), com o intuito de reunir governantes,
pesquisadores e entidades para debater a temática do desenvolvimento
sustentável (COSTA, 2008).

A primeira destas Conferências ocorreu em Estocolmo, capital


da Suécia, em 1972, e é considerada como um marco na discussão
ambiental em nível internacional, uma vez que foi responsável
por popularizar o termo ‘desenvolvimento sustentável’. Ela ficou
conhecida por Conferência de Estocolmo.

108
Capítulo 3 SUSTENTABILIDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS

FIGURA 2 – CONFERÊNCIA DE ESTOCOLMO, 1972

FONTE: <http://www.korin.com.br/wp-content/uploads/2015/06/
stockholm102-_v-original.jpg>. Acesso em: 19 nov. 2020.

A Conferência em Estocolmo é responsável por inaugurar uma agenda


ambiental internacional, ou seja, é quando a discussão sobre a utilização dos
recursos não renováveis ganha dimensão internacional, uma vez que diversos
países, tanto os pobres quanto os ricos, procuravam modos comuns para
resolver problemas que afetavam diversas populações. Esta e as subsequentes
Conferências reuniram os chefes de Estado de mais de 100 países, além de mais
de 400 instituições governamentais e não governamentais situadas em diferentes
países.

As Conferências sobre sustentabilidade tiveram por objetivo unificar


globalmente o debate por meio de ratificação de acordos, elaboração de planos de
ação e metas para o desenvolvimento sustentável, além da criação de instituições
relacionadas à sustentabilidade e da inter-relação entre distintos atores sociais e
econômicos.

Outro marco no âmbito das Conferências se refere à publicação em 1987


do Relatório Brundtland – Nosso futuro comum, que representou o início da
generalização do discurso sobre o desenvolvimento sustentável. O relatório foi
organizado a partir da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento,
uma Comissão interna da Organização das Nações Unidas (ONU). Por isso é
comum atribuirmos à década de 1990 o título de ‘Década da Sustentabilidade’.

109
SuSTENTABiLiDADE E PoLÍTiCAS PÚBLiCAS

O Relatório Nosso Futuro Comum ficou conhecido como


Relatório Brundtland porque foi coordenado pela então primeira-
ministra da Noruega, Gro Harlem Brundtland. Ela assumiu a
Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU
em 1983 e participou das atividades de pesquisa até a publicação do
Relatório. Você pode acessar o documento na íntegra por meio do
link:
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4245128/mod_
resource/content/3/Nosso%20Futuro%20Comum.pdf.

FIGURA 3 – GRO HARLEM BRUNDTLAND

FONTE: <https://aws.imagelinenetwork.com/agronotizie/materiali/ArticoliImg/gro-
harlem-brundtland-primo-ministro-di-norvegia-durante-il-discorso-del-1987-primo-art-
ott-2019-rosato-fonte-environmental-history-resources.jpg>. Acesso em: 19 nov. 2020.

O que se pode perceber é que o tema vai ganhando cada vez mais espaço
na discussão internacional sobre o desenvolvimento. O Relatório de 1987 “[...] não
representa uma inovação quanto às formulações feitas em Estocolmo quinze anos
antes, mas reafirma sua necessidade e urgência, constituindo um fortalecimento
político do termo” (COSTA, 2008, p. 82).

Com a difusão política do desenvolvimento sustentável o tema passa a


compor a pauta e a agenda da própria política pública dos Estados.

110
Capítulo 3 SUSTENTABILIDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS

Se a Conferência de Estocolmo em 1972 serviu como pilar da discussão


sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento em um nível internacional, o Relatório
Brundtland procurou reunir percepções para uma agenda possível, permitindo
que as políticas públicas de diferentes Estados também pudessem incorporar
essa temática.

A divulgação de imagens de satélite na década de 1980 que mostravam o


‘buraco na camada de ozônio’ sobre a Antártida traz o Relatório Brundtland para
o centro das atenções internacionais ao questionar o impacto planetário das
ações humanas. Mais tarde, estudos científicos reforçaram ainda mais o tema,
ao comprovar que a origem da destruição do ozônio estava em substâncias
inventadas no início do século XXI e utilizadas em larga escala no ambiente
produtivo (FELDMANN, 2003).

FIGURA 4 – CAPA DO RELATÓRIO BRUNDTLAND

FONTE: <https://profleandrodias.wordpress.com/desenvolvimento-
sustentavel/nosso-futuro-comum-1987/>. Acesso em: 19 nov. 2020.

Segundo o relatório Brundtland, a definição oficial de desenvolvimento


sustentável diz respeito “àquele que atende às necessidades do presente sem
comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem as suas próprias
necessidades” (CMMAD, 1991, p. 46).

A definição oficial sobre o que é desenvolvimento sustentável representa


um consenso possível a respeito do desenvolvimento, pois não procura discutir
os tipos de desenvolvimento existentes, ou os modelos e as alternativas para a
resolução dos problemas econômicos, sociais e ambientais.

111
SuSTENTABiLiDADE E PoLÍTiCAS PÚBLiCAS

A ênfase está no chamado compromisso intergeracional, que procura


garantir adequadas condições de vida para as populações presentes e possibilitar
que as gerações futuras também possam atingir graus de vida adequados sem
serem prejudicadas por nosso estilo de vida atual (COSTA, 2008).

Não há dúvidas de que a generalização do conceito de desenvolvimento


sustentável ampliou sobremaneira a discussão sobre os modelos de sociedade
que podemos ter. O conteúdo da proposta para a sustentabilidade do
desenvolvimento vem alcançando diversas interpretações, ou seja, embora haja
consenso sobre os fins e objetivos do desenvolvimento sustentável, existe uma
constante disputa teórica e, também, política, quanto aos meios, procedimentos e
à forma para, de fato, alcançar um desenvolvimento mais sustentável.

Para pensarmos em meios de se alcançar uma sociedade mais sustentável,


devemos obter respostas para perguntas como estas: quem são os atores
sociais e econômicos que produzem uma determinada sociedade? Ou pensando
em termos mais práticos: quais são os atores que produzem políticas públicas
amparadas na sustentabilidade? Será que todos os habitantes, representantes,
governantes e empresários são consultados no processo de concepção de
políticas públicas? Quais serão as estratégias e medidas privilegiadas para a
discussão do desenvolvimento, agora sustentável?

Agora que já entendemos a origem da discussão sobre sustentabilidade no


âmbito do desenvolvimento das sociedades, podemos aprofundar um pouco mais
a construção teórica do conceito de desenvolvimento sustentável. Vamos lá!?

Antes e depois da publicação do Relatório Brundtland muitos pesquisadores


se dedicaram aos estudos em torno das dimensões do desenvolvimento. Por
isso, é importante que conheçamos um pouco as conceituações que a ideia de
desenvolvimento sustentável vem recebendo.

O próprio documento da Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e


Desenvolvimento, o Relatório Brundtland, é muito rico para compreendermos
esse conceito, vejamos alguns trechos contidos no documento.

“O conceito de desenvolvimento sustentável tem seus limites impostos pelo


estágio atual da tecnologia e da organização social, no tocante aos recursos
ambientais, e pela capacidade da biosfera de absorver os efeitos da atividade
humana” (CMMAD, 1991, p. 9).

A partir desse primeiro entendimento podemos perceber a ênfase dada à


questão do avanço da tecnologia para a resolução dos problemas oriundos da
organização irregular e até mesmo predadora do crescimento econômico das

112
Capítulo 3 SUSTENTABILIDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS

sociedades. É dessa forma que os investimentos em Ciência e Tecnologia para a


questão ambiental e sustentável possuem um amparo teórico.

Em seguida, destaca-se a problemática da pobreza. Neste período, viu-se


que a pobreza não era apenas um problema dos países subdesenvolvidos, mas,
também, daqueles considerados desenvolvidos, pois a distribuição de renda
era (e ainda é) concentrada em praticamente todos os países do mundo, e não
apenas naqueles mais pobres.

“A pobreza não é apenas um mal em si mesmo, mas para haver um


desenvolvimento sustentável é preciso atender às necessidades básicas de todos
e dar a todos a oportunidade de realizar suas aspirações de uma vida melhor”
(CMMAD, 1991, p. 9-10).

“Tal equidade [entre pobres e ricos] seria facilitada por sistemas políticos que
assegurassem a participação efetiva dos cidadãos na tomada de decisões e por
processos mais democráticos na tomada de decisão em âmbito internacional”
(CMMAD, 1991, p. 10).

Já no trecho anterior, é importante ressaltar o interesse em recriar as


instâncias de tomadas de decisão, ou seja, os próprios sistemas políticos. Aqui é
possível perceber uma conexão bastante forte do tema do desenvolvimento
sustentável com o das políticas públicas. Esta é uma abordagem que
acompanha todas as conceituações sobre sustentabilidade, pois diz respeito à
participação.

As políticas públicas se conectam fortemente com a sustentabilidade no que


diz respeito à reordenação de tomadas de decisão com base na participação
social.

O tema da participação ganha destaque justamente com o debate sobre


o desenvolvimento sustentável, procurando discutir quem deve tomar as
decisões, quem deve decidir quais estratégias serão melhores, na resolução
de quais problemas. É o momento em que a sociedade civil se percebe como
corresponsável e sujeito construtor da própria realidade social em que está
inserido.

De forma mais ampla, Ignacy Sachs (1993) procura mostrar que a reflexão
sobre nossas sociedades não deve partir de uma escolha entre desenvolvimento
ou meio ambiente, mas da escolha entre formas de desenvolvimento sensíveis ou
insensíveis ao meio ambiente. A partir dessa percepção, Sachs procura aprimorar
a ideia do ‘planejamento para o desenvolvimento sustentável’ por meio da
consideração de, pelo menos, cinco dimensões para o ecodesenvolvimento:
social, econômica, ecológica, espacial e cultural.
113
SuSTENTABiLiDADE E PoLÍTiCAS PÚBLiCAS

FIGURA 5 – IGNACY SACHS

FONTE: <http://www.iea.usp.br/midiateca/foto/eventos-2007/5o-painel-do-ciclo-
civiloza/ignacy-sachs/image_view_fullscreen>. Acesso em: 19 nov. 2020.

Ignacy Sachs é um economista polonês, nascido em Varsóvia,


em 1927. A contribuição de Sachs para o desenvolvimento sustentável
e o ecodesenvolvimento como um todo é internacionalmente
reconhecida, bem como seus estudos no Brasil e sobre o Brasil.
Ao lado de outros pesquisadores, foi responsável por redigir a
declaração final da Conferência das Nações Unidas de Estocolmo,
de 1972, a partir da qual a proteção do ambiente se transformou em
um problema e um objetivo mundial.

FONTE: <https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S0101-31572013000200010>. Acesso em: 19 nov. 2020.

No quadro a seguir podemos entender um pouco melhor as dimensões para


o ecodesenvolvimento abordadas por Ignacy Sachs.

114
Capítulo 3 SUSTENTABILIDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS

QUADRO 1 – DIMENSÕES DO ECODESENVOLVIMENTO


Equidade na distribuição de bens e renda, reduzindo a diferença entre pobres e
Social
ricos.
Eficiência na alocação e gerenciamento dos recursos e dos investimentos públicos
Econômica
e privados.
Redução no consumo de recursos não renováveis e no volume de resíduos e
Ecológica
poluição.
Configuração rural-urbana equilibrada e melhor distribuição dos assentamentos
Espacial
humanos.
Cultural Continuidade e valorização cultural, tanto da população quanto do local.

FONTE: Adaptado de Sachs (1993)

Dessa forma, os delineamentos para o ecodesenvolvimento ficam mais


claros, uma vez que foram exploradas suas especificidades. Cada uma dessas
dimensões, mas não de forma separada, precisa ser levada em conta para se
conceber um desenvolvimento sustentável. O aspecto econômico não pode estar
desvinculado das questões sociais e ecológicas, e, estes, devem respeitar as
características espaciais e culturais.

Agora que já temos uma visão mais ampla sobre crescimento econômico e a
perspectiva do desenvolvimento sustentável, podemos ampliar este entendimento
voltando ao tema das Conferências sobre sustentabilidade.

Um dos importantes avanços trazidos pela Conferência de Estocolmo foi


relativo à criação de um espaço dentro da própria Organização das Nações
Unidas (ONU) para o debate constante sobre os problemas oriundos dos tipos de
desenvolvimento existentes nos diferentes territórios.

Com a criação em 1972 do Programa das Nações Unidas para o Meio


Ambiente (PNUMA, sigla em português para United Nations Environment
Programme (UNEP)), a ONU, em conjunto com os Estados e demais atores
nacionais e internacionais, passa a coordenar as ações da ‘Declaração
sobre o Ambiente Humano’. Esta Declaração reuniu 26 princípios para um
desenvolvimento mais adequado e um Plano de Ação Mundial. Foi um passo
importante, pois se tratou de um direcionamento discutido entre governantes de
diversos países, pesquisadores de Universidades e instituições da sociedade civil
organizada.

115
SuSTENTABiLiDADE E PoLÍTiCAS PÚBLiCAS

FIGURA 6 – LOGOMARCA DO PROGRAMA CRIADO PELA ONU

FONTE: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:PNUMA_
logo.png>. Acesso em: 19 nov. 2020.

Com relação aos primeiros acordos firmados sobre o tema, cabe citar
o Protocolo de Montreal, publicado em 1987. O acordo foi criado a partir da
Convenção de Viena para a Proteção da Camada de Ozônio (1985) e procurou
trocar informações em nível internacional, estudar e proteger a camada de ozônio.
Oficialmente nomeado de ‘Protocolo de Montreal para Substâncias que Destroem
a Camada de Ozônio’, tem por objetivo o controle e a redução progressiva de
diversas substâncias químicas que destroem a camada de ozônio (BRASIL,
2012).

Por ele se previu a eliminação gradual, por exemplo, dos clorofluorcarbonos


(CFC), capazes de destruir a camada de ozônio, que eram utilizados na produção
de refrigeradores. Atualmente, 197 países já assinaram o acordo. O Brasil aderiu
ao Protocolo em 1990, sendo que em 2010 os CFC tiveram seu consumo proibido
no país.

Nesse sentido, foi criado no Brasil o Programa Brasileiro de Eliminação dos


HCFCs, aprovado em 2011 pelo Comitê Executivo do Fundo Multilateral para
a Implementação do Protocolo de Montreal, com o objetivo claro de auxiliar a
redução e a eliminação do consumo de HCFCs do Brasil (BRASIL, 2012).

Trata-se de um momento importante para o tema da sustentabilidade e das


políticas públicas no Brasil, já que tanto o Protocolo de Montreal e as suas
emendas foram todas ratificadas e promulgadas no Brasil a partir de legislações
próprias do país.

Em 2016, durante a 28ª Conferência das Partes, houve uma atualização


do Protocolo que incluiu os hidrofluorcarbonos (HFCs) à lista de substâncias

116
Capítulo 3 SUSTENTABILIDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS

químicas controladas e renovou as metas de redução no consumo para algumas


e completo não uso de outras substâncias. Os HFCs servem de substituto aos
CFCs e HCFCs (hidroclorofluorcarbonos). Embora os HFCs não causem danos
à camada de ozônio, contribuem fortemente e de forma negativa ao sistema
climático global (PROTOCOLO DE MONTREAL, 2017).

Veja no quadro a seguir os prazos para a redução do consumo total de


HCFCs para o Brasil.

QUADRO 2 – CRONOGRAMA DAS REDUÇÕES NO CONSUMO DOS HCFCS


Linha de base = média no consumo nos anos 2009 e 2010
2013  congelamento da linha de base
Etapa 1
2015  redução em 16,6% em relação à linha de base
2020  redução em 39,3% em relação à linha de base
Etapa 2
2021  redução em 51,6% em relação à linha de base
2025  redução em 67,5% em relação à linha de base
Etapa 3 2030*  redução em 97,5% em relação à linha de base
2040  redução em 100% em relação à linha de base
* o consumo residual (2,5%) poderá ser usado apenas para o setor de serviços.

FONTE: Adaptado de Brasil (2012)

Acompanhe a atualidade do tema relativo ao Programa Brasileiro de


Eliminação dos HCFC a partir da leitura a seguir.

Brasil reduz consumo de HCFCs em 37,5%

O Brasil assumiu o compromisso de reduzir em 39,3% o


consumo dos hidroclorofluorcarbonos (HCFCs) até o ano de 2020.
De acordo com o Ministério do Meio Ambiente, o país já conseguiu
reduzir esse consumo em 37,75% em relação à linha de base, que
é de 1.327 toneladas PDO/ano (Potencial de Destruição do Ozônio),
equivalente à média dos anos 2009 e 2010. Ao todo, foram eliminadas
501,04 toneladas PDO.
Os hidroclorofluorcarbonos (HCFCs) são substâncias químicas
utilizadas, principalmente, por indústrias dos ramos de refrigeração
e automotiva, na produção de espumas, na agricultura e em
laboratórios. Os HCFCs são também os principais responsáveis pela
degeneração da camada de ozônio. A redução do consumo dessas

117
SuSTENTABiLiDADE E PoLÍTiCAS PÚBLiCAS

substâncias é meta prevista do Protocolo de Montreal, que começou


a vigorar em 1987 e tem a adesão de 197 países.
O MMA destaca ainda que a redução do consumo dos HCFCs,
além de contribuir para a preservação da camada de ozônio, reafirma
os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil na questão
do combate ao aquecimento global.

PBH

O governo tem o Programa Brasileiro de Eliminação dos


HCFCs (PBH), coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente
(MMA). De acordo com o ministério, as ações buscam sensibilizar
os consumidores das Substâncias Destruidoras da Camada de
Ozônio (SDOs), principalmente os setores de refrigeração, espuma
e serviços associados para que adotem estratégias de controle,
redução e eliminação dessas substâncias.
O programa prevê também a realização de campanhas para
os 74 mil supermercadistas do país sobre os benefícios ambientais
e econômicos da substituição dos HCFCs por substâncias não
nocivas à camada de ozônio na manutenção dos equipamentos de
refrigeração.

Protocolo de Montreal

O tratado começou a vigorar em 1987 e tem a adesão de 197


países que assumiram o compromisso de reduzir e eliminar a geração
e o consumo de substâncias nocivas à camada de ozônio. O Brasil
aderiu ao acordo três anos depois e, em 2010, extinguiu o consumo
dos CFCs. Apesar de menos agressivos, os HCFCs também devem
ser substituídos por outros compostos que não destruam a camada.
A meta é que até 2040 essas substâncias não sejam mais usadas.

FONTE: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2019-07/brasil-reduz-consumo-
de-hcfcs-em-375-quase-meta-prevista-para-202>. Acesso em: 19 nov. 2020.

Voltando ao tema das Conferências, cabe destacar que, após Estocolmo, a


mais importante delas ocorreu no Brasil, em 1992: a Cúpula da Terra do Rio,
também conhecida por Rio-92 ou Eco-92. Nesta Conferência das Nações Unidas
para o Meio Ambiente e Desenvolvimento, participaram 179 governos contando
com mais de 20 mil pessoas, de 9 mil instituições não governamentais, com o
objetivo de debater os problemas ambientais globais.

118
Capítulo 3 SUSTENTABILIDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS

Debateu-se as energias alternativas, a produção de toxinas, os povos


originários, as questões climáticas, o tema da água, entre tantos outros que
permeiam o desenvolvimento sustentável, além de influenciar as questões
relacionadas aos direitos humanos, o desenvolvimento social, as mulheres e
os assentamentos humanos. Assim, percebeu-se que os problemas ambientais
estavam ligados às condições econômicas e à justiça social (ONU, c2020).

FIGURA 7 – CONFERÊNCIA DA ONU NO RIO DE JANEIRO, 1992

FONTE: <https://oglobo.globo.com/sociedade/o-globo-90-anos-rio-
92-inicia-discussao-sobre-meio-ambiente-mas-poucos-avancos-
preocupam-16970238>. Acesso em: 19 nov. 2020.

Passados vinte anos desde a Conferência de Estocolmo, um dos resultados


da Rio-92 se refere à criação de grandes acordos internacionais, tais como:

• Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, composta


por 27 princípios para o desenvolvimento sustentável.
• Agenda 21, que se tratou de uma proposta de planejamento para o
desenvolvimento sustentável, com objetivos, planos e estratégias.
• Declaração de Princípios das Florestas, o primeiro em escala
internacional que contém orientações e recomendações sobre o manejo
e conservação das florestas de todo o mundo.
• Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas
(UNFCCC), o qual definiu a resposta global às questões climáticas.
• Convenção sobre Diversidade Biológica, com foco na conservação e uso
sustentável dos recursos genéticos (MALHEIROS; PHLIPPI JUNIOR;
COUTINHO, 2008; ONU, c2020).

119
SuSTENTABiLiDADE E PoLÍTiCAS PÚBLiCAS

Ainda durante a década de 1990, com o objetivo de atender às recomendações


da Rio-92, foi criado o Protocolo de Kyoto. Neste caso, a ênfase estava no
comprometimento em reduzir a emissão dos gases que provocam o efeito estufa
e que suas emissões fossem comercializadas. Estes acordos internacionais
são relevantes para o contexto das políticas públicas, pois são a origem de
diversas políticas públicas nacionalmente localizadas.

Os acordos internacionais sobre o desenvolvimento sustentável resultaram


em diversas políticas públicas no Brasil e no mundo.

As experiências a partir da Agenda 21 e do Protocolo de Kyoto


serão estudadas ainda neste capítulo.

Em 2002, após dez anos da realização da Rio-92, ocorre na África do


Sul a Cúpula da Terra de Joanesburgo ou Rio+10. Novamente, milhares de
pessoas do mundo inteiro reúnem-se para tratar especificamente do tema da
sustentabilidade, gerando o ‘Plano de Implantação de Joanesburgo’, contendo
questões sociais, da pobreza e da saúde mundial. Como grande objetivo a
Conferência procurou reforçar os compromissos políticos assumidos com a
sustentabilidade desde 1992.

FIGURA 8 – CONFERÊNCIA DA ONU NA ÁFRICA DO SUL, 2002

FONTE: <https://choicetours.biz/wp-content/uploads/2016/06/2002-World-Summit-
for-Sustainable-Development-Johannesburg.jpg>. Acesso em: 19 nov. 2020.
120
Capítulo 3 SUSTENTABILIDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS

Na subsequência dos eventos internacionais realizados no âmbito da ONU,


cabe ser citado aqui, por fim, a Conferência Rio+20, realizada, novamente,
no Rio de Janeiro, em 2012, marcando os vinte anos da Rio-92 e contribuindo
para (re)construir a agenda sobre sustentabilidade para o desenvolvimento nas
próximas décadas.

A Conferência teve dois temas principais: (1) Economia verde no contexto


do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza; e (2) Estrutura
institucional para o desenvolvimento sustentável (RIO+20, c2020).

O que se pode ver é que o tema da pobreza permanece como fundamento


básico para se pensar o desenvolvimento das sociedades desde as décadas de
1960 e 1970, e, no segundo grande tema, a questão do (novo) institucionalismo
é colocado na pauta das discussões, ou seja, qual é o papel das instituições
(Estado, mercado, organizações temáticas e da sociedade civil organizada) na
condução do desenvolvimento sustentável? Lembre-se de que este foi um dos
temas vistos em nosso primeiro capítulo.

FIGURA 9 – LOGOMARCAS DA CONFERÊNCIA RIO+20

FONTE: <https://www.envolverde.com.br/wp-content/
uploads/2012/05/c9.jpg>. Acesso em: 19 nov. 2020.

FIGURA 10 – CHEFES DE ESTADO REUNIDOS DURANTE A REALIZAÇÃO DA RIO+20

FONTE: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/6/65/World_Leaders_
at_Rio%2B20.jpg/450px-World_Leaders_at_Rio%2B20.jpg>. Acesso em: 19 nov. 2020.
121
SuSTENTABiLiDADE E PoLÍTiCAS PÚBLiCAS

Veja uma síntese histórica das Conferências e acordos mais importantes


realizados no mundo sobre desenvolvimento sustentável na figura a seguir.

FIGURA 11 – CONFERÊNCIAS E ACORDOS SOBRE


O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

FONTE: O autor

Agora que já conseguimos revisar a ampla discussão sobre desenvolvimento


sustentável, podemos nos aprofundar ainda mais na dinâmica da sustentabilidade
e das políticas públicas estudando algumas experiências brasileiras. Vamos lá!?

Antes disso, não deixe de conferir as seguintes atividades de estudo. Elas


permitem que você assimile melhor os conceitos e temas discutidos até aqui.

1 Como podemos diferenciar crescimento econômico do


desenvolvimento?
R.: ____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________

122
Capítulo 3 SUSTENTABILIDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS

2 Qual a relação entre políticas públicas e desenvolvimento?


R.: ____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
__________________________________________________.

3 Como podemos compreender o conceito de desenvolvimento


sustentável?
R.: ____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________

3 A SUSTENTABILIDADE NA AGENDA
DAS POLÍTICAS PÚBLICAS
Na década de 1990 o tema da sustentabilidade entra, de fato, na pauta
de discussão dos Estados e governos durante o processo de formulação e
implementação de políticas públicas. O Brasil tem uma importante inserção
nesse debate, dada sua grande reserva de recursos naturais e conjunto de atores
sociais que se inter-relacionam mutuamente na resolução de questões sociais e
econômicas.

Conforme estudamos no item anterior, muitas Conferências internacionais


mais recentes sobre o tema da sustentabilidade tiveram sede no Brasil, resultando
em impactos diversos para o desenvolvimento sustentável do país, bem como no
processo de formulação de políticas públicas.

Ainda são muitas as dificuldades em estabelecer um planejamento integrado


de longo prazo para o desenvolvimento sustentável, o qual articule órgãos
federais, estaduais e municipais e ainda promova espaços de participação e

123
SuSTENTABiLiDADE E PoLÍTiCAS PÚBLiCAS

interação entre atores e tomadores de decisão. Contudo, é preciso reconhecer


que muitos foram os avanços para o conjunto das políticas públicas entre
1992 e 2012, período relativo às Conferências Rio-92 e Rio+20. Houve ajustes na
economia brasileira, criação de marcos legais e institucionais em diversas áreas
das políticas públicas, além da consolidação do processo democrático (MOURA;
BEZERRA, 2016).

Cabe relembrar que o tema da sustentabilidade não é composto apenas de


meio ambiente, mas, também, de redução da desigualdade social, distribuição
adequada de recursos financeiros públicos e privados e promoção da articulação
institucional. A Agenda 21, por exemplo, faz parte desse processo ao trazer
à tona grandes problemas que atingem diferentes níveis geográficos e sociais,
cuja resolução necessita de pactos entre Estado e sociedade para que um
desenvolvimento baseado na sustentabilidade ambiental, econômica, social e
institucional possa ser atingido.

Vamos estudar um pouco melhor esse caso? Acompanhe as próximas


páginas e procure perceber de que forma o tema da sustentabilidade passa a
fazer parte das políticas públicas no Brasil.

A experiência com a Agenda 21 brasileira é resultado de um planejamento


amplamente participativo, chegando a ser considerada um plano nacional de
desenvolvimento sustentável que incorpora princípios, compromissos e objetivos
estabelecidos na Agenda 21 Global e os traduz para o contexto do Brasil
(MALHEIROS; PHLIPPI JUNIOR; COUTINHO, 2008; MOURA; BEZERRA, 2016).
Entretanto, de que forma ela se originou?

A proposta da Agenda 21 Global foi aprovada na Conferência Rio-92 e


teve contribuição de governos e organizações da sociedade civil de 179 países
durante os anos que antecederam o evento. Trata-se de um plano de ação a
ser implementado em nível global, nacional e local. O documento da Agenda 21
global, que possui sugestões para o desenvolvimento de todos os países, possui
40 capítulos e foi ratificado em 1992, representando a mais abrangente tentativa
de promover um outro desenvolvimento para todo o planeta (BRASIL, c2020).

A proposta recebeu este nome/número justamente porque objetiva repensar


o desenvolvimento para todo o século XXI. O objetivo é realizar um planejamento
para o desenvolvimento sustentável de forma participativa, unindo métodos de
proteção ambiental, justiça social e eficiência econômica, e formulando políticas
públicas específicas para cada realidade social e econômica.

Portanto, a Agenda 21 Global procura reunir propostas para questões que


são comuns a todos os países, tais como combate à pobreza, mudanças nos

124
Capítulo 3 SUSTENTABILIDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS

padrões de consumo, combate ao desflorestamento, a infância e a juventude no


desenvolvimento sustentável, arranjos institucionais internacionais, informação
para a tomada de decisões, entre outros (BRASIL, c2020).

Os países que firmaram o acordo sobre a Agenda 21 na Conferência Rio-92


assumiram o compromisso de elaborar suas próprias ‘Agendas 21’. Estima-se que
entre 1991 e 2002, 6.400 governos locais, em 113 países, estiveram envolvidos
em atividades relacionadas à Agenda 21 Local (MALHEIROS; PHLIPPI JUNIOR;
COUTINHO, 2008).

O Brasil também encarou o desafio: a Agenda 21 Brasileira é um


instrumento de planejamento participativo para o desenvolvimento sustentável,
resultado de uma vasta consulta à população brasileira. Durante esse processo
foi criada uma Comissão no Ministério do Meio Ambiente própria para sua criação
e implementação enquanto política pública.

A Agenda 21 brasileira foi coordenada pela Comissão de Políticas de


Desenvolvimento Sustentável e da Agenda 21 (CPDS) e construída a partir das
diretrizes da Agenda 21 Global por meio de um processo que ocorreu entre 1996
e 2002. Durante a Conferência de Joanesburgo, em 2002, o documento completo
da Agenda 21 Brasileira foi entregue à sociedade (BRASIL, c2020; MOURA;
BEZERRA, 2016).

FIGURA 12 – LOGOMARCA DA AGENDA 21 BRASILEIRA, PUBLICADA EM 2002

FONTE: <https://pt.slideshare.net/PauloMesquita5/
agenda21brasileira>. Acesso em: 19 nov. 2020.

125
SuSTENTABiLiDADE E PoLÍTiCAS PÚBLiCAS

A construção da Agenda 21 Brasileira é considerada um dos mais


amplos processos participativos na definição de políticas públicas, ao
procurar organizar um plano nacional de desenvolvimento sustentável.
Suas consultas públicas para identificação e diagnóstico dos problemas nacionais
relacionados ao desenvolvimento sustentável contaram com a participação de 40
mil pessoas em Estados e macrorregiões do país.

A partir de 2003 a Agenda 21 passa a compor as políticas públicas do governo


brasileiro ao entrar no Plano Plurianual do período entre 2004 e 2007.

Em 2003 a Agenda 21 passa a ser executada com o acompanhamento


do Ministério do Meio Ambiente e é adicionada como um Programa do Plano
Plurianual do Governo Federal, entre 2004 e 2007. A novidade trazida pela
proposta da Agenda 21 é a possibilidade de a população participar das decisões
a serem tomadas e, ainda, identificar os problemas que são próprios do nosso
país e da nossa realidade, procurando escapar da noção de um desenvolvimento
sustentável único para todo o planeta (MALHEIROS; PHLIPPI JUNIOR;
COUTINHO, 2008).

No PPA de 2004-2007 foram destinados quase R$ 17 milhões para as ações


e recursos do Programa Agenda 21, entre os processos de elaboração, fomento
a projetos, formação continuada, gestão e administração e implementação.
Contudo, no PPA de 2008-2011 esta cifra se reduz para R$ 10,5 milhões, ao retirar
a ação de implementação da Agenda 21 (MOURA; BEZERRA, 2016).

A Agenda 21 no Brasil é norteada por cinco questões estratégicas: economia


da poupança na sociedade do conhecimento; inclusão social para uma sociedade
solidária; estratégia para a sustentabilidade urbana e rural; recursos naturais
estratégicos: água, biodiversidade, florestas; governança e ética para a promoção
da sustentabilidade. Para cada uma destas questões foram elaborados objetivos
específicos de ação, resultando num documento composto por 21 ações
prioritárias para o desenvolvimento sustentável brasileiro (CPDS, 2002).

Num próximo momento, seguindo as orientações da Agenda 21 Global,


também foram implementadas as Agendas 21 Locais, as quais são relativas
a um espaço de trabalho menor do que o espaço nacional. O essencial aqui é
que a população participe cada vez mais e ativamente do processo de decisão
no âmbito das políticas públicas. Desse modo, novas consultas públicas foram
realizadas, contando com novos eventos preparatórios e rodas de diálogo em
diversos locais do Brasil.

126
Capítulo 3 SUSTENTABILIDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS

FIGURA 13 – ESCALAS ESPACIAIS DA AGENDA 21

FONTE: <https://pixabay.com/illustrations/earth-world-planet-globe-
global-3107835>; <https://seeklogo.com/images/M/mapa-brasil-logo-
202D35463A-seeklogo.com.png>; O autor. Acesso em: 19 nov. 2020.

As primeiras Agendas 21 Locais do Brasil foram as das cidades de São


Paulo/SP, Rio de Janeiro/RJ e Vitória/ES, criadas em 1996, de Joinville/SC, criada
em 1998, Florianópolis/SC e Jaboticabal/SP, nos anos 2000, e em Ribeirão Pires/
SP, em 2003. Ainda foram criadas Agendas 21 Locais em âmbito estadual, como
em São Paulo, no ano 2000, e Pernambuco, em 2002 (MALHEIROS; PHLIPPI
JUNIOR; COUTINHO, 2008).

Os dados da tabela a seguir mostram que, em 2002, 1.650 municípios


brasileiros já haviam iniciado o processo de elaboração da Agenda 21 Local,
representando 30% do total de municípios brasileiros. Destes, a maior parte das
Agendas 21 Locais estava concentrada em grandes municípios, com mais de
500.000 habitantes, e então distribuídas gradativamente em municípios médios
e menores. Por outro lado, em 60% dos municípios brasileiros o processo de
elaboração da Agenda 21 Local não havia se iniciado, dado que se explica pela
recente divulgação da Agenda 21 Nacional, ocorrida um ano antes.

Uma informação relevante é que entre todos os municípios brasileiros,


apenas 10% desconheciam totalmente o tema da Agenda 21 Local em 2002,
mostrando que o processo de implementação de políticas públicas relativas à
sustentabilidade vinha sendo amplamente debatido entre os atores da sociedade
civil organizada e o Estado brasileiro.

127
SuSTENTABiLiDADE E PoLÍTiCAS PÚBLiCAS

TABELA 1 – MUNICÍPIOS DA AGENDA 21 LOCAL NO BRASIL, EM 2002


Porcentagem de municípios por processo de elaboração
Classes de tamanho Número de
Não Desconhecem o que
da população municípios Iniciado Total
iniciado seja Agenda 21 Local
Tamanho dos municípios em população (habitantes)
Até 5.000 1.371 16,5 67,5 16,0 100,0
De 5.001 a 20.000 2.664 31,1 58,3 10,6 100,0
De 20.001 a 100.000 1.291 37,7 56,9 5,7 100,0
De 100.001 a 500.000 198 46,0 53,0 1,0 100,0
Mais de 500.000 33 69,7 30,3 0,0 100,0
Total 5.557 29,7 59,9 10,4 100,0
FONTE: Malheiros, Phlippi Junior e Coutinho (2008, p. 9)

Portanto, é interessante observar que o difícil debate travado ao longo


dos anos por diversos grupos sociais do mundo a respeito do desenvolvimento
sustentável das sociedades trouxe alguns resultados positivos. Os dados
estatísticos a seguir dão uma ideia da implementação das Agendas 21 Locais ao
longo do tempo no Brasil.

TABELA 2 – POPULAÇÃO RESIDENTE EM MUNICÍPIOS


COM AGENDA 21 LOCAL, BRASIL, 2002-2015
2002 2009 2012 2013 2015
50,6% 41,2% 47,0% 36,0% 51,5%
FONTE: Adaptada de IBGE (c2020)

Os dados da tabela revelam que em 2002 metade da população brasileira


vivia em municípios com Agendas 21 Locais implementadas, mas ao longo do
tempo, este percentual se reduz: cai para 41,2%, em 2009; 47%, em 2012;
chegando a apenas 36% o percentual de pessoas em 2013. Somente em 2015,
quando comparamos com 2002, é que o percentual de pessoas que vivem em
municípios com Agenda 21 Local volta a subir, para 51,5%. É perceptível que
um processo mais participativo de formulação de políticas públicas tem dificultado
sua implementação ao longo do tempo.

Uma das etapas importantes para a implementação da Agenda 21 Local é a


criação de um Fórum permanente de desenvolvimento sustentável local para que
diferentes atores possam confrontar visões e debater temas relativos ao plano
de desenvolvimento sustentável local para um determinado município ou região.
Por meio da quantidade de pessoas envolvidas nos Fóruns da Agenda 21 Local
é possível compreender o andamento do processo de formulação de políticas
públicas relacionadas à sustentabilidade. Veja os dados da tabela a seguir.

128
Capítulo 3 SUSTENTABILIDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS

TABELA 3 – POPULAÇÃO RESIDENTE EM MUNICÍPIOS COM AGENDA 21 LOCAL


E COM FÓRUM DA AGENDA 21 LOCAL, TOTAL E ATIVO, BRASIL, 2002-2015
2002 2009 2012 2013 2015
Total 22,9% 30,1% 29,9% 26,2% 42,4%
Ativo* - 22,0% 21,0% 12,0% 12,9%
* Os Fóruns da Agenda 21 Local ativos se referem àqueles com
pelo menos uma reunião nos 12 meses anteriores.

FONTE: Adaptada de IBGE (c2020)

Entre 2002 e 2013, em média, 27% da população brasileira residia em


municípios que possuíam Agenda 21 Local. Em 2015, o percentual aumenta para
42%, contabilizando 86,6 milhões de pessoas. Contudo, não são todos os Fóruns
que se encontram ativos, já que em muitos casos não ocorrem reuniões há mais
de 12 meses. Enquanto em 2009 22% da população residia em municípios com
Fóruns da Agenda 21 Local ativos, em 2012 o percentual se reduz para 21%, e em
2013 reduz ainda mais, para 12%. Em 2015, 13% da população brasileira reside
em municípios com Fórum da Agenda 21 Local ativo, mesmo assim, somam mais
de 26 milhões de pessoas.

Acompanhe na tabela a seguir a distribuição estadual da população que


reside em municípios que possuem Agenda 21 Local. As barras indicam o volume
percentual de pessoas em cada estado (Unidade da Federação) entre 2009 e
2015.

129
SuSTENTABiLiDADE E PoLÍTiCAS PÚBLiCAS

TABELA 4 – PERCENTUAL DA POPULAÇÃO NA AGENDA 21 LOCAL, 2009-2015

FONTE: Adaptada de IBGE (c2020)

Os dados mais recentes da tabela mostram que, em 15 estados brasileiros,


mais da metade do número de pessoas vive em municípios que possuem
Agendas 21 Locais, chegando a 100% no Distrito Federal. Apenas uma Unidade
da Federação possui percentual inferior a 35% em 2015, o estado do Acre. Todos
os demais têm percentuais significativos de populações que vivem sob as políticas
públicas da Agenda 21 Local.

Já na tabela a seguir é possível visualizar a etapa de implantação em que se


encontra a Agenda 21 Local.

130
Capítulo 3 SUSTENTABILIDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS

TABELA 5 – PERCENTUAL DA POPULAÇÃO RESIDENTE EM MUNICÍPIOS COM


AGENDA 21 LOCAL DISTRIBUÍDO PELA ETAPA DE IMPLANTAÇÃO, BRASIL, 2009-2015
Etapa de implantação da Agenda 21 Local 2009 2012 2013 2015
Sensibilização/mobilização 41,8 28,0 45,6 34,1
Definição de diagnóstico e metodologia 0,0 5,7 8,1 7,5
Elaboração do plano de desenvolvimento sustentável 13,3 27,1 14,4 11,0
Implementação de ações da Agenda 21 em políticas públicas 44,9 39,1 29,9 45,8
FONTE: Adaptada de IBGE (c2020)

Agora é possível perceber que, embora sejam de menor número as


populações com Fóruns de Agenda 21 Local, há uma maior parte das experiências
de Agenda 21 Local em processo de ‘Implementação de ações da Agenda 21 em
políticas públicas’, ou seja, na última fase da Agenda 21 Local, o momento no
qual a sensibilização da população já foi realizada, a metodologia também já foi
definida e o plano de desenvolvimento sustentável está completo.

Uma segunda informação relevante nos dados se refere à grande parte da


população que se encontra situada em municípios com situação de ‘sensibilização/
mobilização’ da Agenda 21 Local, representando novos municípios implantando
Agendas 21 Locais. Contudo, se os municípios permanecerem muito tempo nesta
etapa, evidencia que não puderam concluir a implantação da Agenda 21 Local.

A dinâmica da Agenda 21 no âmbito local, seja em municípios, escolas,


bairros, bacias hidrográficas, consórcios municipais, entre outros espaços política
e socialmente construídos, procurou incorporar ao tema da sustentabilidade as
etapas mais delicadas e complicadas durante a implementação das políticas
públicas que dizem respeito ao diagnóstico de uma determinada realidade a partir
da ampla participação dos atores sociais e políticos que possam estar envolvidos
em um problema comum.

“Os benefícios gerados pelos processos de Agenda 21 vêm de mudanças


resultantes de reflexões, discussões, resolução de conflitos, integração entre
atores envolvidos e sinergismo da proposta de desenvolvimento sustentável
como um todo” (MALHEIROS; PHLIPPI JUNIOR; COUTINHO, 2008, p. 17).
As dificuldades observadas ao longo dos anos se referem à avaliação da
implementação das ações, bem como os resultados relativos à Agenda 21, uma
vez que grande parte dos esforços desprendidos com esta experiência enfocou o
período de construção das Agendas 21.

Dessa forma, a Agenda 21 reúne todos os méritos de colocar em


funcionamento o processo de elaboração de políticas públicas de forma mais
participativa possível, mas necessita que avanços para as intenções dos atores

131
SuSTENTABiLiDADE E PoLÍTiCAS PÚBLiCAS

sociais sejam transformadas em legislações e instrumentos enquanto políticas


públicas.

A Agenda 21 Brasileira representa o momento culminante das discussões


sobre possíveis estratégias de desenvolvimento sustentável para o país, uma vez
que se insere amplamente nas recomendações originadas na Conferência no Rio
de Janeiro em 1992.

“O principal compromisso pactuado com a sociedade era o de subsidiar o


sistema de planejamento do país, incluindo no PPA ações capazes de orientarem
os rumos do país na direção do desenvolvimento sustentável” (MOURA;
BEZERRA, 2016, p. 103-104). Entretanto, a alteração de políticas públicas
relacionadas ao meio ambiente não é uma tarefa simples. O que se pode perceber
a partir de uma síntese é que a Agenda 21 brasileira atuou mais como instrumento
de mobilização social e referencial para a elaboração de políticas e programas
voltados à promoção do desenvolvimento sustentável.

Vamos aprofundar o entendimento da relação que existe entre a Agenda 21


Brasileira e as políticas públicas? A leitura a seguir procura mostrar a relevância da
Agenda 21 para o contexto das políticas públicas relacionadas à sustentabilidade.
Não perca!

Desenvolvimento sustentável

O principal instrumento de políticas públicas, originário da


Rio Eco 92 a partir da definição de desenvolvimento sustentável,
é a denominada Agenda 21. A Agenda 21 está definida no sítio do
Ministério do Meio Ambiente brasileiro como: um instrumento de
planejamento para a construção de sociedades sustentáveis, em
diferentes bases geográficas, que concilia métodos de proteção
ambiental, justiça social e eficiência econômica. Mesmo assim, pode-
se avaliar que o documento reconhece de forma tímida as injustiças
ambientais. A partir do documento aprovado pela Comissão de
Meio Ambiente da ONU, foram construídas a Agenda 21 Brasileira,
apontada pelo governo brasileiro como instrumento de planejamento
participativo para o desenvolvimento sustentável do país; e a Agenda
21 local, definida como o processo de planejamento participativo de
um determinado território que envolve a implantação do Fórum de
Agenda 21, formado por governo e sociedade civil. Este Fórum é
responsável pela construção de um Plano Local de Desenvolvimento

132
Capítulo 3 SUSTENTABILIDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS

Sustentável, que estrutura as prioridades locais por meio de projetos


e ações de curto, médio e longo prazos.
O fato é que não existe uma política pública ambiental sem
conflitos sociais, inclusive o desenvolvimento da política pública
ambiental é a mediação de diferentes e opostos interesses sociais
em face dos interesses ambientais. Há casos de políticas públicas
ambientais que excluem da sustentabilidade ambiental a própria
sustentabilidade social e cultural, como quando se definem áreas
protegidas que excluem os direitos de povos tradicionais que vivem
há muitas gerações de maneira sustentável com o meio ambiente.
Nesta direção, a preservação da diversidade ambiental
do ponto de vista do desenvolvimento sustentável nas políticas
públicas só pode ser completa se colocada diante do arcabouço da
sociobiodiversidade. Trata-se da produção de cultura e conhecimento
humanos através do inter-relacionamento com o meio ambiente na
forma de sistemas de manejo da fauna e flora, oportunizando, assim,
a conservação da diversidade biológica (DIEGUES, 2001).
Assim, não existiria nenhuma forma efetiva de desenvolvimento
sustentável sem a combinação com o desenvolvimento humano,
social e cultural. Nesta direção, uma real sustentabilidade deve
tornar mais evidente como as relações que os homens estabelecem
entre si na transformação da natureza são de ordem histórica,
incluem valores, diferenças e desigualdades sociais, e estão sujeitas
a permanentes conflitos de interesses e visões (LEROY et al., 2002).
Desde o aparecimento da noção de desenvolvimento
sustentável, a metodologia de planejamento e construção de
consensos da Agenda 21 já foi adaptada e aplicada a outras áreas
das políticas públicas, como nas políticas urbanas em interface com
a ambiental, em contextos de projetos de planejamento urbano e
regional, e mais recentemente nas políticas de cultura por meio da
denominada ‘Agenda 21 da cultura’. Foi com a Rio+20 – Conferência
das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, realizada
em 2012, na cidade do Rio de Janeiro, que se referendou mais
um elemento essencial para a sustentabilidade. A conferência em
seu Relatório Final afirma que apenas o crescimento econômico,
o equilíbrio ambiental e a inclusão social não são suficientes para
a geração de um desenvolvimento sustentável. A partir disso, o
desenvolvimento cultural é apresentado como o quarto pilar do
desenvolvimento sustentável. Lenta e gradualmente, firma-se a
importância do papel da cultura na consolidação do conceito de
desenvolvimento sustentável e das melhores práticas sustentáveis.
Enfim, uma correta definição de desenvolvimento sustentável
deve ser vista além do campo econômico e entendida como o

133
SuSTENTABiLiDADE E PoLÍTiCAS PÚBLiCAS

processo pelo qual as sociedades administram as condições


materiais de sua reprodução, visando à redefinição dos princípios
éticos e sociopolíticos que orientam a distribuição (desigual) de seus
recursos ambientais (LEROY et al., 2002). Dessa forma,
a sustentabilidade ambiental não pode ser tratada de forma
isolada e nem dissociada da noção de sustentabilidade social e
cultural. Se o desenvolvimento sustentável é dar o mundo às novas
gerações em condições em que estas possam cuidar do mundo para
si e para aquela que virá em seguida, esta sustentabilidade deve
pressupor o desenvolvimento social e cultural com superação da
pobreza, distribuição de renda, ampliação da qualidade de vida para
toda a população.
Dessa maneira, qualquer política pública que busque o
caminho do desenvolvimento sustentável só pode ser garantida com
efetividade e abrangência se desenhada de forma intersetorial, ou
melhor, de maneira transversal a outras políticas públicas.

FONTE: FONSECA, R. N. J. Desenvolvimento sustentável. In: CASTRO,


C. L. F. de; GONTIJO, C. R. B.; PINTO, L. M. R. S. (Org.). Dicionário de
políticas públicas: volume 2. Belo Horizonte: EdUEMG, 2015.

Caro acadêmico, antes de avançar em seus estudos, não deixe de realizar


as atividades de estudo a seguir, elas podem ser muito úteis na assimilação dos
conteúdos.

1 Como podemos entender a dinâmica das escalas da Agenda 21?


R.: ____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________

2 Qual a relevância da experiência da Agenda 21 no âmbito das


políticas públicas?

134
Capítulo 3 SUSTENTABILIDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS

R.: ____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________

3 Como ocorreu o processo de implementação da Agenda 21 Local


no Brasil?
R.: ____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________

4 ACORDOS AMBIENTAIS
INTERNACIONAIS DE IMPACTO
NACIONAL
Uma vez que a temática da sustentabilidade e das políticas públicas dialoga
com a organização global das sociedades a partir do uso dos recursos naturais,
mas também sobre suas relações econômicas, sociais e políticas, é interessante
conhecer o tema das Mudanças Climáticas em nível internacional, cujas atividades
impactaram no desenvolvimento da maior parte dos países do mundo, assim
como foi no caso do Brasil.

Os dois principais instrumentos criados no âmbito do tema das Mudanças


Climáticas foram a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças
Climáticas, de 1992 (em inglês, United Nations Framework Convention on
Climate Change (UNFCCC)), e o Protocolo de Kyoto, de 1997.

135
SuSTENTABiLiDADE E PoLÍTiCAS PÚBLiCAS

A Convenção-Quadro é um tratado internacional que resultou


da Conferência Rio-92, prevendo a estabilização da concentração
dos gases do efeito estufa. A partir da Convenção-Quadro, abriu-se
espaço para a criação de mecanismos de controle das emissões, tal
como o Protocolo de Kyoto.

Uma primeira aproximação do tema nos remete ao esquema a seguir:

FIGURA 14 – MUDANÇAS CLIMÁTICAS

FONTE: O autor

O tema Mudanças Climáticas surge justamente do enfrentamento de


problemas que são comuns aos territórios. Um exemplo está no ‘uso’ da
atmosfera. Trata-se de um bem público global, mas sua utilização é limitada a
sua capacidade de absorver poluição ou gases de efeito estufa ao ponto que não
interfira na saúde humana ou no clima do planeta. As ações de um dos atores
não devem excluir a possibilidade de uso dos demais atores sociais, Estados e
instituições da sociedade civil organizada (VIOLA, 2002).

Um primeiro passo na direção de uma discussão internacional sobre o


clima e o meio ambiente ocorre por meio da constituição, em 1988, do Painel

136
Capítulo 3 SUSTENTABILIDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS

Intergovernamental sobre Mudança do Clima (conhecido pela sigla IPCC


(Intergovernmental Panel on Climate Change)) (VIOLA, 2002). O IPCC se refere
a um gigantesco grupo que reúne pesquisadores de diversos países e procurou
fornecer subsídios sólidos para a comunidade científica e pública durante toda a
década de 1990 e até a atualidade. As informações são agrupadas nos ‘Relatórios
do IPCC’, que somam cinco até hoje. Além dos relatórios principais, outros tantos
foram publicados, como os de cunho metodológico, técnicos ou especiais.

O mais recente Relatório do IPCC foi publicado em 2018 e


possui uma versão em português que pode ser visualizada na
íntegra em: https://www.ipcc.ch/site/assets/uploads/2019/07/SPM-
Portuguese-version.pdf. Este relatório mostra que as atividades
humanas já causaram 1,0 °C de aquecimento global, sendo provável
que este aumento chegue a 1,5°C entre 2030 e 2052. O IPCC possui
um endereço eletrônico repleto de informações atualizadas sobre as
questões climáticas. Não perca! Conheça-o em: https://www.ipcc.ch.

Contudo, desde o início dos anos 2000 o IPCC vem alertando sobre o
impacto do aquecimento global para a vida humana na Terra. Os prejuízos são
para os ecossistemas naturais, para a agricultura, para as estruturas urbanas,
para as regiões costeiras e para a própria saúde humana. As evidências vêm
dos estudos sobre os fenômenos climáticos mais recentes, relativos a tormentas,
furacões, secas prolongadas, ondas de calor, inundações, entre outros episódios
mais ou menos localizados regionalmente (VIOLA, 2002).

Historicamente, portanto, após a instituição do IPCC, houve a realização da


Rio-92 com a criação da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças
Climáticas, cujas atividades foram operacionalizadas a partir de 1994 ao promover
uma interação sistemática entre os atores internacionais sobre a temática das
mudanças climáticas. As arenas-chave nesse processo ocorreram em torno
das Conferências das Partes da Convenção de Mudança Climática (COP),
promovidas pela própria Convenção-Quadro (CAPINZAIKI, 2015).

A 1ª Conferência das Partes da Convenção de Mudança Climática (COP1)


ocorreu em Berlim, em 1995. O então presidente norte-americano Clinton defendia
uma posição de estabelecer metas obrigatórias tanto aos países ‘emergentes’
quanto aos considerados ‘em desenvolvimento’, ambos classificados à parte

137
SuSTENTABiLiDADE E PoLÍTiCAS PÚBLiCAS

do Anexo I. O Brasil exerceu um papel importante nesse momento na defesa


desses países, argumentando que naquela primeira fase do Protocolo não seria
apropriado o estabelecimento de compromissos relacionados às emissões,
posição que teve apoio do Japão, isolando as reivindicações norte-americanas
(BARROS, 2011; VIOLA, 2002).

O Anexo I da Convenção-Quadro se refere aos países


industrializados que faziam parte da Organização para a Cooperação
e Desenvolvimento Econômico (OECD) até 1992 e os países
da Europa Central e Leste com economias em transição a uma
economia de mercado. Os países em desenvolvimento não fazem
parte do Anexo I. Todos os países da América Latina, por exemplo,
não fazem parte do Anexo I (BENITES, 2015).

Na 2ª Conferência das Partes (COP2), ocorrida em 1996 em Genebra, foram


negociadas especificamente as metas para a redução da emissão de Gases de
Efeito Estufa (GEE). Nesse momento, introduz-se pela primeira vez a perspectiva
de comercialização de cotas de emissões de carbono. O objetivo das cotas
de carbono era flexibilizar a redução das emissões para os países do Anexo I
(CAPINZAIKI, 2015).

Entre a COP2 e a COP3, a ser realizada em Kyoto, no Japão, em 1997, os


movimentos para a formulação do Protocolo de Kyoto já passam a acontecer.
A assinatura do Protocolo de Kyoto ocorre durante a 3ª Conferência das Partes,
estabelecendo uma meta de redução de emissões de GEE em 5,2% para os
países do Anexo I, utilizando como referência o ano de 1990 (CAPINZAIKI, 2015).

Um dos maiores obstáculos para o consenso em torno do Protocolo de Kyoto


foi devido à oposição dos Estados Unidos em ratificar o Protocolo. Já que em
1990, período-base para o acordo, os Estados Unidos respondiam com 25% das
emissões mundiais de combustíveis fósseis, seriam eles os responsáveis pelas
maiores reduções das emissões. Assim, a recusa dos Estados Unidos gerava
um impasse significativo, uma vez que a vigência do acordo estava vinculada à
participação dos países que representassem ao menos 55% das emissões totais
de GEE.

A alternativa encontrada naquele momento para a resolução do conflito da


participação norte-americana se deu com as discussões sobre o Mecanismo de
138
Capítulo 3 SUSTENTABILIDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS

Desenvolvimento Limpo (MDL). O MDL permitia que os países desenvolvidos


cumprissem parte de suas metas de redução de emissões por meio do
financiamento de projetos de desenvolvimento sustentável aplicados nos países
emergentes e em desenvolvimento (BENITES, 2015; CAPINZAIKI, 2015).
Portanto, as metas de emissões reais dos países desenvolvidos que não fossem
cumpridas poderiam ser compensadas através de projetos de desenvolvimento
sustentável em espaços nacionais que se enquadram à parte do Anexo I.

O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, conhecido pela sigla MDL, tornou-


se um importante instrumento no âmbito da sustentabilidade e das políticas
públicas no Brasil e no mundo.

O MDL é classificado como um instrumento de política pública ambiental


internacional do tipo regulatório, cujas regras e convenções permitem a
implementação de práticas desejáveis de redução de GEE. Entretanto, sua eficácia
está diretamente relacionada à integração do MDL com outros instrumentos de
políticas públicas, nos níveis nacional e subnacional, que estimulem investimentos
e estudos de mitigação das mudanças climáticas (SILVA JUNIOR et al., 2011).

Assim como em outras áreas temáticas, as políticas públicas


relacionadas à sustentabilidade necessitam estar articuladas com atores
sociais, políticas e instituições de outras áreas igualmente relevantes para o
contexto do desenvolvimento sustentável.

A América Latina mostrou-se pioneira no desenvolvimento de projetos no


âmbito do MDL, a partir da ratificação local do Protocolo de Kyoto por alguns
países já em 1999. Quando o Protocolo entrou em vigor em 2005, a América
Latina possuía 46 projetos, chegando em 2006 com 259 registrados no Conselho
Executivo do MDL, 49% da quantidade global registrada (BENITES, 2015).

Acompanhe na figura a seguir os dados sobre a distribuição dos projetos


de MDL registrados na América Latina durante o primeiro período de metas do
Protocolo, entre 2005 e 2012.

139
SuSTENTABiLiDADE E PoLÍTiCAS PÚBLiCAS

FIGURA 15 – DISTRIBUIÇÃO DE PROJETOS DE MDL REGISTRADOS NA


AMÉRICA LATINA NO PERÍODO 2005-2012 DO PROTOCOLO DE KYOTO

FONTE: Benites (2015, p. 5)

As negociações posteriores junto às Conferências das Partes seguiram


com variados obstáculos. A segunda fase da COP 6, que ocorreu em Bonn, na
Alemanha, em 2001, marcou a saída definitiva dos Estados Unidos do processo
de negociação em torno do Protocolo de Kyoto: “a diplomacia americana alegou
que as metas de redução seriam muito onerosas para sua economia, além de
ressaltar o fato de que não existiam limites de emissão de GEE para os países em
desenvolvimento” (CAPINZAIKI, 2015, p. 206).

Como resultado, a União Europeia passa a assumir a frente na condução do


Protocolo de Kyoto e do MDL. Contudo, apenas em fevereiro de 2005 o Protocolo
de Kyoto entraria em vigor, após a entrada da Rússia (em novembro de 2004),
garantindo que os países participantes do acordo representassem ao menos 55%
das emissões totais de GEE. Naquele mesmo ano, entre novembro e dezembro,
é realizada a COP 11 em Montreal, no Canadá, em conjunto com a 1ª Reunião
das Partes do Protocolo de Kyoto (MOP1, do inglês, Meeting of Parties, ou
também chamada Conference of Meeting of Parties - CMP1), pela qual passam
a ser discutidas questões relacionadas exclusivamente ao Protocolo de Kyoto
(CAPINZAIKI, 2015; UNFCCC, c2020).

Ficou clara a dinâmica entre o tema das Mudanças Climáticas e o Protocolo


de Kyoto? Relembrando: a partir de 1995, portanto, são realizadas anualmente
Conferências das Partes da Convenção de Mudanças Climáticas, as chamadas

140
Capítulo 3 SUSTENTABILIDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS

COP, tornando-se o principal espaço de debates e negociações em torno da


Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas. Com a
entrada em vigor do Protocolo de Kyoto, em 2005, as COP são acompanhadas
das Reuniões das Partes do Protocolo de Kyoto, as MOP. É deste cenário que
emanam as principais políticas públicas relacionadas à sustentabilidade.

Confira no quadro a seguir um panorama desses eventos internacionais por


meio do histórico de locais e datas de realização.

QUADRO 3 – DATAS E LOCAIS DE REALIZAÇÃO DAS CONFERÊNCIAS


DAS PARTES DA CONVENÇÃO DE MUDANÇAS CLIMÁTICAS (COP) E
REUNIÕES DAS PARTES DO PROTOCOLO DE KYOTO (MOP)
COP1 - Berlim, Alemanha, 1995 COP14/CMP4 - Poznan, Polônia, 2008
COP2 - Genebra, Suíça, 1996 COP15/CMP5 - Copenhague, Dinamarca, 2009
COP3 - Kyoto, Japão, 1997 COP16/CMP6 – Cancún, México, 2010
COP4 - Buenos Aires, Argentina, 1998 COP17/CMP7 – Durban, África do Sul, 2011
COP5 - Bonn, Alemanha, 1999 COP18/CMP8 - Doha, Catar, 2012
COP6 - Haia, Holanda, 2000 COP19/CMP9 - Varsóvia, Polônia, 2013
COP7 - Marrakesh, Marrocos, 2001 COP20/CMP10 - Lima, Peru, 2014
COP8 - Nova Délhi, Índia, 2002 COP21/CMP11 - Paris, França, 2015
COP9 - Milão, Itália, 2003 COP22/CMP12 - Marrakesh, Marrocos, 2016
COP10 - Buenos Aires, Argentina, 2004 COP23/CMP13 - Bonn, Alemanha, 2017
COP11/CMP1 - Montreal, Canadá, 2005 COP24/CMP14 - Katowice, Polônia, 2018
COP12/CMP2 – Nairóbi, Quênia, 2006 COP25/CMP15 - Madri, Espanha, 2019
COP26/CMP16 - Glasgow, Escócia, 2020 (adia-
COP13/CMP3 – Bali, Indonésia, 2007
da devido à covid-19)
FONTE: Adaptado de Proclima (c2020)

Acompanhe na leitura a seguir um pouco mais sobre a atualidade das


Conferências das Partes da Convenção de Mudanças Climáticas (COP)
e do Protocolo de Kyoto. Procure observar de que forma o tema global sobre
as Mudanças Climáticas se encontra com o espaço nacional, bem como sua
articulação com as políticas públicas brasileiras.

141
SuSTENTABiLiDADE E PoLÍTiCAS PÚBLiCAS

O que é o mercado de carbono e como o Brasil pode se


beneficiar com ele

Em 2015, como resultado da COP-21 na França, 194 países


ratificaram o Acordo de Paris, um marco na história da política
ambiental mundial. Toda as nações-membro apresentaram
metas de redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE),
comprometendo-se a modificar suas atividades econômicas a
fim de limitar o aumento da temperatura global em menos de 2 °C
e preferencialmente 1,5 °C, em relação aos níveis de emissões
pré-industriais até o ano de 2100. A recomendação é do Painel
Intergovernamental para as Mudanças Climáticas (IPCC), que reúne
milhares de cientistas de todo o mundo. Cada nação, com base em
suas realidades, apresentou Contribuições Nacionais Determinadas
(NDCs, na sigla em inglês) que devem ser concretizadas da forma
que acharem mais adequada.
Para promover a cooperação entre os países, o acordo prevê,
no artigo sexto, a regulação de um mercado de compra e venda
de créditos de excedentes de redução de emissões – o famoso
mercado de carbono. Trata-se de um mecanismo complementar –
não pode ser utilizado em 100% das metas – que pode ajudar países
a atingirem a redução de forma mais rápida, enquanto outras ações
de transição energética são implementadas.
“A ideia é que o país venda créditos de carbono da sua
performance de redução de emissões”, explica Caroline Prolo. “Ao
fazer suas políticas de mitigação de GEE, o país pode transferir parte
desses resultados para outro e aí serão criadas regras para limitar a
quantidade de créditos que poderá ser alocada para essa finalidade”.
[...].
O mercado de carbono não é exatamente uma novidade – foi
ratificado em 1997 no Protocolo de Quioto – mas como só os países
desenvolvidos tinham metas, apenas eles podiam comercializar
créditos. O acordo convencionou que cada tonelada de emissão de
carbono reduzida equivale a um crédito. Isso significa que caso uma
determinada nação reduzisse suas emissões além da meta, podiam
vender os créditos excedentes a outros países. O protocolo também
já previa que as nações ricas comprassem créditos de carbono ao
financiar projetos que reduzissem a emissão de GEE em países em
desenvolvimento – usinas eólicas no lugar de usinas termelétricas
a carvão, por exemplo, mas esse dispositivo foi alvo de críticas
porque não considerava riscos sociais. Alguns projetos receberam

142
Capítulo 3 SUSTENTABILIDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS

críticas, como hidrelétricas que, embora reduzam emissões de


GEE, trazem diversos problemas sociais e ambientais relacionados,
como o alagamento, a remoção de populações tradicionais e de
comunidades indígenas.
Mesmo livres de metas, os países em desenvolvimento
que recebiam esses empreendimentos se beneficiavam com os
investimentos, a diminuição da poluição atmosférica local e a
redução da degradação ambiental. “Isso gerou uma economia forte e
o Brasil sempre foi líder nesse tipo de projeto”, conta Thiago Metzker,
pesquisador e diretor-presidente do Instituto Bem Ambiental (Ibam) e
membro de um grupo do IPCC que trabalha na criação de um banco
de dados sobre estoques de carbono para uso em modelagens
climáticas por cientistas.
O Acordo de Paris trouxe novas medidas consideradas uma
evolução em relação ao Protocolo de Quioto. Disposto no artigo 6,
a maior inovação é o Mecanismo de Desenvolvimento Sustentável
(MDS), que inclui todos os 196 países signatários do acordo no
comércio de emissões de carbono.
“A novidade que o MDS traz é que, além do compromisso
de diminuição de GEE, existe um comprometimento com o
desenvolvimento sustentável”, avalia Metzker. “Então, o objetivo é
que países ricos e empresas aportem recursos para os países em
desenvolvimento para auxiliá-los nos upgrades tecnológicos e nessa
transição energética”.
O novo contexto do mercado de carbono tem animado diversos
setores que veem a possibilidade de o comércio de emissões
acontecer de forma global, com real transferência de créditos vindos
de mitigação, chamada de Internationally Transferred Mitigation
Outcomes (ITMO). A expectativa é que os mercados internos
já existentes na China e União Europeia, por exemplo, possam
participar do comércio de emissões global, conectando mercados
subnacionais e permitindo escalas maiores de trocas.
Apesar de um período de euforia inicial, o valor do crédito de
carbono foi caindo até ser considerado a pior commodity do mercado.
No começo de 2019, o preço chegou a um dólar por tonelada, tão
baixo que tornava a viabilização de projetos impossível. A expectativa
era que a regulamentação ocorresse em dezembro passado, durante
as negociações da COP-25, em Madri, mas ela não foi correspondida.

Cinquenta milhões de hectares degradados

Energias renováveis, agricultura de baixo carbono e recuperação


de florestas são algumas das áreas que representam oportunidades

143
SuSTENTABiLiDADE E PoLÍTiCAS PÚBLiCAS

para uma participação ativa do Brasil no mercado de carbono. A


projeção de um cenário favorável abre caminho para a restauração de
áreas degradadas, que engloba terras abandonadas, subutilizadas,
ambientalmente prejudicadas ou em processo de erosão. Além do
compromisso com o Acordo de Paris, em que o Brasil se comprometeu
a reflorestar 12 milhões de hectares, o país também é signatário do
Desafio de Bonn. Nele, 39 nações se dispuseram a reflorestar 350
milhões de hectares até 2030. No mundo todo, existem 2 bilhões de
hectares degradados que precisam ser restaurados, de acordo com
estudos da WRI (ONG World Resources Institute Brasil).
“Para cumprir os 12 milhões de hectares que estão nas
obrigações nacionais precisamos da Política Nacional de
Restauração. Se houvesse dinheiro para fazer a restauração
necessária no Brasil hoje, não teríamos viveiros produzindo todas
essas mudas, então temos que criar essa cadeia de restauração”,
alerta a bióloga Ludmila Pugliese, Coordenadora Nacional do Pacto
pela Restauração da Mata Atlântica.
Desde que o Novo Código Florestal foi sancionado, em 2012, a
política ambiental perdeu força e viveiros que atendiam a uma série
de programas pararam de produzir mudas. Com períodos maiores
para se fazer a averbação da reserva legal e a restauração das áreas,
muitos proprietários foram adiando os compromissos e os viveiros
passaram a ter cada vez menos demanda. Grande parte faliu. Como
resultado, hoje não há capacidade instalada para se ter todas as
mudas necessárias. “O dinheiro vindo será importante para a criação
desses viveiros, por exemplo. Tem que ser muito estruturada a
maneira de pensar um planejamento maior para quando esse recurso
[do mercado de carbono] entrar”, diz Pugliese.
Não são apenas viveiros que faltam. Outra dificuldade
enfrentada na cadeia da restauração é a questão das sementes
para as mudas. “De onde você coleta essas sementes nativas? Hoje
quase não existem mais remanescentes de floresta”, diz ela. “Então
tem que se pensar em melhorar as condições de preservação dos
fragmentos e evitar desmatamentos a todo custo para que se tenha
uma matriz”.
Caroline Prolo também acredita que o Acordo, quando
regulamentado, pode favorecer o desenvolvimento do Brasil.
“Temos todo o interesse que o mercado funcione o quanto antes,
para já começar a acelerar esse processo, antecipar-se para esse
mercado e tomar decisões de investimentos que reflitam isso”,
afirma. “O potencial de reflorestamento é uma das frentes que esteve
contemplada no texto de negociação na COP-25, para que se possa
gerar créditos de carbono de reflorestamento de áreas degradadas”.

144
Capítulo 3 SUSTENTABILIDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS

O Mecanismo de Desenvolvimento Sustentável do Acordo


de Paris deve trazer novas oportunidades para restauração,
mas uma das críticas, no entanto, é de que os projetos podem
incentivar monoculturas em vez de focar em espécies nativas. No
MDL (Mecanismo de Desenvolvimento Limpo) do Protocolo de
Quioto, inicialmente, muitos projetos tinham uma perspectiva de
gerar carbono florestal independente da origem, o que favoreceu
monoculturas, como Pinus e Eucalipto.
Para Metzker, esse não será um problema. “Eu acredito que
aí entra a questão da maturidade. Com o passar do tempo as
metodologias da Convenção-Quadro das Nações Unidas foram
evoluindo e começaram a também atribuir pontos na avaliação e
auditoria para projetos que já pensavam em produção de água, em
serviços ecossistêmicos, em biodiversidade”, avalia. “Então eu diria
que essas lições aprendidas do MDL vão fazer a diferença hoje no
MDS. Os projetos de reflorestamento que são monoculturas estarão
dentro, mas os que contemplam plantio de florestas nativas também,
com uma contabilização mais positiva”. [...].

Um caso de sucesso na restauração

O Pacto pela Restauração da Mata Atlântica nasceu em 2009,


em um momento em que o Brasil ainda não dominava os processos
necessários para sua restauração. A ideia era atender gargalos
técnicos e metodológicos da área. Hoje ele conta com mais de 200
instituições parceiras que atuam nos diversos setores da cadeia –
entre academia, governos, empresas e ONGs – e tem como objetivo
restaurar 15 milhões de hectares de Mata Atlântica até 2050.
Estima-se que o custo por hectare restaurado de Mata Atlântica
fique entre R$ 14 mil e R$ 20 mil. Até 2019, foram contabilizados
970 mil hectares em processo de restauração através do programa,
o que demonstra a efetividade do compromisso inicial de recuperar 1
milhão de hectares até 2020. O sucesso representa uma esperança.
Projetos de restauração geralmente são pequenos, com um hectare
em média, o que torna difícil alcançar grandes metas.
Em 2016, o Pacto trabalhou junto ao Ministério do Meio Ambiente
a fim de criar um Plano Nacional para Recuperação da Vegetação
Nativa, uma iniciativa do Governo Federal para tentar identificar
as principais barreiras da restauração. Foram listadas oito linhas
estratégicas a serem trabalhadas. A primeira delas é a sensibilização
das pessoas sobre a importância de se fazer restauração, os
benefícios socioambientais e na mitigação das mudanças climáticas.
Outra trata sobre financiamento da restauração e como conseguir

145
SuSTENTABiLiDADE E PoLÍTiCAS PÚBLiCAS

recursos. Além dessas linhas, estão a necessidade da formação


de mercado para produtos advindos da restauração; pesquisa e
desenvolvimento para entender quais as melhores espécies para cada
região; questões relacionadas ao mercado de sementes e mudas, já
que não há a quantidade de viveiros necessários e a criação de um
banco de dados; e uma plataforma para monitorar a restauração em
todo território brasileiro. Com tantas frentes enumeradas, Pugliese
acredita que os créditos do mercado de carbono só serão efetivos se
forem aplicados de maneira ampla.
O Brasil sempre esteve à frente nas metas de restauração.
Tecnicamente, é um dos países que mais produzem conhecimento
na área de restauração, não só de metodologia como também de
governança. “O Pacto é um dos exemplos mundiais de como se
trabalha com vários parceiros para atingir um objetivo comum.
A gente tem inteligência, capacidade e estamos avançados no
conhecimento das espécies. Na verdade, estamos estagnados na
falta de vontade política e da pressão da sociedade para que isso
saia do planejamento e seja implantado”, afirma Pugliese.

FONTE: <https://www.nationalgeographicbrasil.com/meio-
ambiente/2020/02/o-que-e-o-mercado-de-carbono-e-como-o-brasil-
pode-se-beneficiar-com-ele>. Acesso em: 19 nov. 2020.

Ficaram claras essas informações? A dinâmica das políticas públicas na


prática é muito mais complexa do que parece, não é mesmo? Ainda mais quando
se trata da discussão ambiental. A sustentabilidade do desenvolvimento das
sociedades envolve dimensões múltiplas, as quais não são operacionalizadas de
forma isolada. Daí se origina a necessidade de articulação de diferentes atores
sociais, instituições e Estado, em escalas espaciais distintas.

A estrutura brasileira de organização das políticas públicas na área de


sustentabilidade é marcada por avanços e conflitos que se estendem desde
a década de 1980 até a atualidade, assim como foi possível perceber pela
experiência estudada a partir da Agenda 21 Brasileira.

Desde 1981, a partir da Lei nº 6.938, o Brasil possui uma Política Nacional do
Meio Ambiente, com foco no Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama), do
qual faz parte o Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), ou seja, trata-
se de uma estrutura a partir do Estado brasileiro que permite a formulação
e a implementação de políticas públicas na área do meio ambiente, com
mecanismos democráticos e instâncias de participação social que legitimam

146
Capítulo 3 SUSTENTABILIDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS

o processo de construção das políticas públicas. Aí temos a formação de uma


grande rede de conselhos e comitês temáticos, tanto estaduais quanto municipais,
como são os casos dos Comitês de Bacias Hidrográficas e de Unidades de
Conservação (MOURA; BEZERRA, 2016).

Entretanto, um dos desafios ainda está na promoção adequada da


representatividade da sociedade civil, uma vez que, no âmbito do Conama, “apenas
as ONGs ambientalistas têm acesso a esse fórum de discussão e proposição de
políticas, o que não garante a necessária contraposição de ideias e negociação
no ciclo de formulação de políticas públicas” (MOURA; BEZERRA, 2016, p. 95).
Dessa forma, embora as atividades de diversas ONGs ambientalistas brasileiras
sejam fundamentais para o fortalecimento do desenvolvimento sustentável e das
políticas públicas relacionadas, a discussão sobre a qualidade dos processos
participativos no Brasil e no mundo continua sendo necessária.

FIGURA 16 – ONG SOS MATA ATLÂNTICA

FONTE: <https://www.sosma.org.br/iniciativa/aprendendo-com-a-mata-atlantica/>;
<https://www.sosma.org.br/iniciativa/florestas-do-futuro/>. Acesso em: 19 nov. 2020.

A Fundação SOS Mata Atlântica é uma ONG ambiental


brasileira criada em 1986 que atua na promoção de políticas públicas
para a conservação da Mata Atlântica por meio do monitoramento do
bioma, produção de estudos, projetos demonstrativos, diálogo com
setores públicos e privados, aprimoramento da legislação ambiental,
comunicação e engajamento da sociedade. Atualmente, faz parte
das maiores ONGs ambientalistas do Brasil, cujo nascimento
representou um passo importante no amadurecimento do movimento

147
SuSTENTABiLiDADE E PoLÍTiCAS PÚBLiCAS

ambientalista no país. Desde o início, a ONG alia o ideal da


conservação ambiental ao objetivo de profissionalizar pessoas e
de gerar conhecimento sobre a floresta. Suas causas se estendem
desde a Mata Atlântica em si até o restauro e a valorização de outros
espaços naturais do Brasil.

FONTE: <https://www.sosma.org.br>. Acesso em: 19 nov. 2020.

Apesar dos conflitos existentes, a sociedade civil organizada no Brasil possui


um papel importante na discussão sobre a formulação de políticas públicas para o
desenvolvimento sustentável, seja na denúncia à opinião pública e disseminação
de informações referentes a problemas ambientais; na capacitação e formação em
temas relativos à sustentabilidade; na defesa de direitos e políticas públicas para o
meio ambiente e o desenvolvimento sustentável; na concepção e implementação
de projetos, ou na prestação de serviços de assessoria e replicação de boas
práticas e ideias (MOURA; BEZERRA, 2016).

De forma mais ampla, as instituições da sociedade civil organizada


contribuem para o fortalecimento de mecanismos sociais de controle, tais como
as audiências públicas e o planejamento participativo, temas que estudamos no
capítulo anterior. Os espaços de participação se constituíram, sobretudo, por meio
dos muitos Fóruns de discussão sobre o tema do desenvolvimento sustentável.
Uma das experiências vimos quando estudamos os Fóruns da Agenda 21
Brasileira.

O fato é que a sociedade civil organizada brasileira vem exercendo uma


influência importante desde a elaboração do capítulo ambiental da Constituição
Federal brasileira de 1988, mas, também, tem um papel ativo nas Conferências
da ONU sobre sustentabilidade a partir da Rio-92 e posteriores. As ONGs
ambientalistas participam de Conselhos de meio ambiente em nível federal,
estadual e municipal e atuam como parceiras importantes do governo, ao
trazerem novas percepções e soluções no âmbito das políticas públicas
sobre sustentabilidade.

São muitos os “foros de ONGs ambientais, como as Assembleias


Permanentes de Defesa do Meio Ambiente (Apedemas) e o Fórum Brasileiro
de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento
Sustentável (FBOMS)” (MOURA; BEZERRA, 2016, p. 99). Além de exercerem
opinião pública sobre problemas comuns à sociedade, as instituições atuam na
apresentação de demandas junto aos poderes Legislativo e Executivo de governo
no que diz respeito às questões ambientais.
148
Capítulo 3 SUSTENTABILIDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS

Caro acadêmico, para finalizar seus estudos, relembre alguns dos principais
temas a partir da realização das atividades de estudo a seguir.

1 Como podemos entender a Convenção-Quadro das Nações Unidas


sobre Mudanças Climáticas?
R.: ____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________

2 O que é o chamado Protocolo de Kyoto?


R.: ____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________

3 Qual a importância do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo


(MDL)?
R.: ____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________

149
SuSTENTABiLiDADE E PoLÍTiCAS PÚBLiCAS

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Caro acadêmico, esse foi o último capítulo do livro de Sustentabilidade
e Políticas Públicas. Os temas e as discussões que procuramos esclarecer se
referem a algumas das principais perspectivas e das abordagens encontradas
tanto sobre a sustentabilidade quanto sobre as políticas públicas. Contudo, a
totalidade das experiências que envolvem sustentabilidade e políticas públicas
não poderiam ser apresentadas em um único livro.

Dessa forma, é fundamental que você fique atento à atualidade do


enfrentamento dos problemas e situações aqui abordados. O desenvolvimento
sustentável é um conceito em constante formação, embora já possua um longo
caminho teórico e prático a respeito de sua utilização. As políticas públicas
também vêm se reinventando a todo momento, seja por novas perspectivas, seja
por meio de seus impactos nos países. Implementar e avaliar políticas públicas
no contexto da sustentabilidade ainda é um desafio a ser vencido pelos governos.

Você lembra de alguns de nossos objetivos aqui no Capítulo 3? Relembre:


esclarecer a relevância da sustentabilidade para o desenvolvimento das
sociedades; definir conceitos relativos à sustentabilidade do desenvolvimento;
conhecer perspectivas críticas quanto ao crescimento econômico e identificar o
debate das políticas públicas no âmbito da sustentabilidade.

Por isso, cabe a você refletir sobre esses propósitos. É possível conduzir
uma sociedade ao rumo do desenvolvimento sustentável? Quais os instrumentos
a partir do Estado? Que tipo de ferramenta pode ser utilizada pela sociedade
civil organizada? Os conceitos de políticas públicas compreendem a temática da
sustentabilidade? Governos e gestores estão aptos a pensarem a sustentabilidade
no processo de formulação e implementação de políticas públicas?

São muitos os questionamentos possíveis. As experiências que tivemos a


oportunidade de estudar mostram tanto os avanços quanto os desafios a serem
enfrentados. Se muitos dos processos relativos à sustentabilidade encontram
entraves e constantemente falham, quais são as amarras que deveriam ser
desprendidas?

O conjunto de temas estudados aqui, bem como aqueles disponibilizados


para consulta, tais como sites, livros, artigos, notícias e vídeos, tem como objetivo
aumentar seu escopo de entendimento sobre a ampla temática da sustentabilidade
e políticas públicas. Não deixe de avançar ainda mais na pesquisa desses temas.

Desejamos ótimos estudos e até breve!

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Capítulo 3 SUSTENTABILIDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS

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