Você está na página 1de 4

TORIBA III

© Naylah Leite Corrêa e Castro.

O primeiro Toriba é um veleiro de fibra: Brasília 32 pés que


compramos em 1980 e esta conosco até hoje. Gostamos do nome
guarani, que tem um belo significado: casa da paz. Depois vieram o
Toriba II, um arrastão de camarão e depois o Toriba III, uma traineira
de 12 mts, de pesca de linha e espinhel. Um barco muito bem feito, com
uma linha muito bonita, construído em Ubatuba. Hilze fez uma reforma
na cozinha que ficou muito boa, deu uma bonita pintura e o barco foi
para a pesca. A trabalheira foi muita: abastecer de iscas, mais ou menos
600 kg de bonito ou galhudo, ainda o gêlo e o rancho para seis
tripulantes durante 15 ou 20 dias. Angra não tem pescadores treinados
em pesca de linha, pesca lá fora no mar novo. É um verdadeiro tabu.
Hilze tinha de arrebanhar os pescadores no Rio, Niterói ou Nova
Iguaçu, era mesmo uma dor de cabeça, pois sempre faltava um: ora o
mestre ou o cozinheiro, o maquinista ou o geleiro ou então os
pescadores, não dava, mesmo assim Hilze aguentou mais de ano.
Nenhum pescador de Angra se interessou em aprender este tipo de
pescaria, a não ser um de Provetá que foi numas duas viagens. A
intenção do Hilze era que esse barco funcionasse mais como escola,
desde que a pesca dentro da baia não dá mais. O Toriba III foi usado
então para transportar mergulhadores ou turistas e assim ficou mais
de ano. Mas Hilze estava cansado e aborrecido de ficar preso por causa
do barco, não podíamos mais dar nossas velejadas nem fazer passeios,
era aquela obrigação para com os mergulhadores e fregueses do barco.
Foi então que resolveu vendê-lo, mas em Angra estava difícil. Então
abastecemos o barco e o preparamos para vendê-lo no Rio. Saímos à
tarde direto rumo à Praia Vermelha, I. G., onde passamos um dia e deu
tempo para darmos uma olhada na nossa casa de lá, procurarmos uns
amigos e mantermos contato com o pessoal da Ass. de Moradores e
saber das novidades: quais os problemas que foram resolvidos e quais
os novos. Partimos no dia seguinte à tardinha, o mar estava lindo e o
céu já se colorindo para o pôr-do-sol, mas havia formação de nuvens
negras de chuva vindas do poente e elas vieram rápido. Já havia chuva
1
a nossa pôpa ao nosso encalço. Escureceu e a chuva caiu forte, veio o
vento e o mar agitou-se ficando encapelado, era melhor ancorar numa
baía abrigada, jantarmos e dormimos, seguir no dia seguinte.
Pernoitamos numa baía próxima do Abraão, creio que das Estrelas, não
dava para reconhecer por causa da escuridão. A nossa noite foi mal
dormida, o temporal apertou, relâmpagos e trovões violentos, e como
sacudia o barco! Tomávamos cuidado para não cair do beliche até que
amanheceu. O temporal passou, céu azul, mar liso e sereno e então
chegamos no Abraão onde passamos o dia. Passeamos bastante,
encontramos conhecidos, batemos papo com os pescadores. O Abraão
tem progredido muito, lindas pousadas surgindo, muitas delas se
preparando para o turismo que vai chegar pesado. Abraão é uma vila
muito engraçadinha e pitoresca. A praia muito grande e linda, tudo é
plano, suas ruas largas, ótimas para um passeio de bicicleta que lá tem
muito. Os quintais grandes e cheios de árvores frutíferas, coqueiros
nativos por tôda parte e ao fundo belas montanhas e uma delas com
uma plataforma para vôos livres de asa-delta. Aí sempre fazem
campeonatos. Deixamos Abraão à tarde, fomos costeando revendo a
beleza daqueles lugares, tão conhecido, até o Morcego. Quando o sr.
Mário Peixoto aí morava sempre fazíamos uma visitinha ao amigo,
agora pertence ao sr. Klabin e apreciamos de longe. Pernoitamos
partindo bem de madrugada, ainda com o escuro, rumo a Ponta da
Pombeba na Marambaia, já no oceano. A viagem corria normal com o
mar manso. Dormi mais um pouco enquanto Hilze pilotava. Quando
começou o nascer do sol ele acordou-me porque é um espetáculo que
não gosto de perder, é maravilhoso o nascer do sol no mar, fico
extasiada com tanta beleza, só quem já viu pode compreender.
Tomamos o café da manhã, Hilze foi dormir e eu pilotar. O Toriba III
estava comportado, gingando naquelas grandes ondas que algumas
vêzes fazia até jacaré, mas a traineira era valente mesmo. Barra de
Guaratiba, Recreio dos Bandeirantes e sucessivamente: Barra da
Tijuca, São Conrado, Leblon, Ipanema, Copacabana, Leme. A paisagem
do Rio é deslumbrante, demos umas voltas lá pelas ilhas Cagarras onde
ancoramos, almoçamos e tiramos uma boa soneca. Daí para a frente
tôda a atenção é pouca, o trânsito marítimo muito intenso: navios,
barcos de pesca, de esporte, rebocadores, petroleiros, etc. Passamos
bem em frente do Pão de Açúcar, pouco depois Aeroporto Santos
2
Dumont, Escola Naval, Praça XV, aquelas inúmeras ilhotas, e
prosseguindo na direção da Ponte Rio-Niterói. Passando por baixo
aproamos a Ilha do Governador e aí vem Galeão, Jardim Guanabara, o
nosso destino era o Zumbi, uma baía tranquila e bom porto. Passamos
em frente a Ribeira onde fica o nosso apartamento. Nessa região a
navegação é muito trabalhosa e precisa muita atenção, muita pedra,
pedras submersas, ilhotas cercadas de pedras, bancos de areia, partes
muito rasas com fundo de muita lama e tudo sem sinalização. Atenção
para não bater e para não encalhar. Demorou muito para rompermos
este trecho e ficamos cansados por causa de muita atenção. Passamos
pela Ilha Sêca e outras ilhas onde ficam os tanques da Petrobrás, Shell,
Esso, é proibido passar próximo dessas ilhas. A nossa dificuldade era
porque ainda não conhecíamos os canais e passagens. Ancoramos no
Zumbi, e arriando o caíque com a nossa bagagem fomos para o
apartamento que é bem próximo. Hilze, depois do banho e jantar
voltou para dormir no barco, era mais seguro e não tínhamos
descarregado tudo. No dia seguinte procuramos o sr. Manuel, um
pescador português, um velho amigo de muitos anos. Ele morava bem
ali no morro de frente para a baía e de sua casa avistava o nosso barco.
D. Ana se prontificou logo em ajudar a vender o barco, com o telefone
era uma grande ajuda. Os filhos do sr. Manuel, hoje casados e donos de
barcos de transporte, orientaram o Hilze na melhor maneira de
ancorar o barco até mesmo emprestaram uma de suas poitas. Tudo
feito e bem encaminhado, só faltava agora anunciar o barco no
“Balcão”, o que Lígia faria no sábado. Hilze precisava voltar a Angra
naquele dia pois deixou cousas pendentes, voltaria no dia seguinte à
tarde. Eu ficaria no apartamento mas, duas vezes por dia tinha de
pegar o caíque e remar até a traineira e tocar a bomba manual de
esgotar o porão e também dar uma presença. Assim fiz no domingo de
manhã, tudo em ordem. Na parte da tarde resolvi ir mais cedo porque
queria ir à missa e também porque começou um vento cabreiro.
Chegando à praia levei um susto, minhas pernas até amoleceram, nada
de barco, olhava que olhava e nada. Com certeza foi roubado. Depois
avistei o barco longe, perto da ilha da Shell, bem no meio das pedras.
Pensei em pegar o caíque e ir até lá onde jogaria a âncora
sucessivamente puxando o barco para mais longe e depois colocaria as
duas âncoras n’água para segurar bem o barco, mas com o vento que
3
soprava não ia conseguir voltar no caíque. Não havia vivalma no
estaleiro nem na praia, era domingo! Corri para a casa do sr. Manuel
para procurar socorro. Subi as escadas correndo chegando quase sem
fala. Encontrei D. Ana que acabava de mudar a roupa para ir avisar-me
lá no apartamento do sumiço do barco. Sr. Manuel está bem doente e
não faz mais nada, os filhos Manuel e Francisco estavam no mar
trabalhando; Joaquim, o mais velho e doente é meio abobalhado. D. Ana
disse-me para levar o Joaquim, mesmo assim, para ajudar nos remos.
Joaquim é grandão e gordo, quando assentou-se na pôpa do barco,
afundou a pôpa e eu na prôa fiquei lá em cima e quase não alcançava
com o remo n’água. Joaquim ia remando com o caíque ao contrário, a
pôpa para a frente, sem falar uma palavra e na maior moleza. Eu na
maior aflição, daquele jeito nunca alcançaríamos o Toriba III que iria se
espatifar nas pedras. Mas Deus é grande, percebi que havia alguém no
barco e fazia sinais, gritava. Então apareceu um barco que se
aproximava do Toriba III. Era o Francisco! Graças à Deus. Francisco
trouxe o Toriba III no reboque, passou por nós e nos pegou e fomos
para perto dos barcos do Manuel que estavam apoitados. Então joguei
as duas âncoras, sendo uma de temporal, estava firme agora. Francisco
nos deixou lá e seguiu, estava de serviço. Tudo arrumado. Marcelo, um
amigo que pedindo carona foi socorrer nosso barco conseguindo salvá-
lo, levou o Joaquim para terra enquanto eu tocava a bomba de porão.
Enfim no apartamento para um bom banho e descanso merecido, a luta
foi feia, mas a missa já era, perdi-a, mas o Toriba III estava salvo.

-- X --

Você também pode gostar