A
Revolução
de
25
de
Abril
de
1974
alimentou,
ao
longo
dos
meses
sequentes,
um
período
de
forte
reivindicação
popular
por
melhores
condições
de
vida,
em
sectores
sociais
anteriormente
negligenciados
pelo
Estado
Novo.
Os
primeiros
governos
provisórios
procuraram
resolver
essa
“urgência”
social,
e
concretizar,
em
menos
de
dois
anos,
políticas
públicas
semelhantes
àquelas
que
outros
países
europeus
desenvolviam,
pelo
menos,
há
duas
décadas.
Nas
ruas
e
praças
da
Revolução
misturavam-‐se,
então,
reivindicações
por
direitos
de
várias
gerações:
direitos
estruturais,
como
os
conquistados
na
Europa
do
II
pós-‐guerra
–
na
saúde,
na
educação,
na
habitação…
–
e
direitos
culturais,
como
os
reivindicados,
por
exemplo,
no
Maio
de
68
francês
–
na
igualdade
de
género,
na
emancipação
sexual,
na
liberdade
de
expressão…
Nesse
“curto-‐ circuito”
–
como
lhe
chamou
Boaventura
de
Sousa
Santos
–,
entre
pré-‐modernidade
e
pós-‐ modernidade,
poder
e
contra-‐poder,
cultura
e
contracultura,
forjou-‐se
o
lado
mais
fascinante,
mas
também
o
lado
mais
volúvel,
desse
processo
revolucionário.
No
universo
da
Habitação
Social,
nenhuma
outra
política
foi
tão
marcada
por
esse
fascínio
e
por
essa
volubilidade
quanto
a
da
Portaria
do
SAAL
–
Serviço
de
Apoio
Ambulatório
Local
–
lançada,
em
Julho
de
1974
por
Nuno
Portas,
então
Secretário
de
Estado
da
Habitação
do
Primeiro
Governo
Provisório.
A
medida
procurava
uma
rápida
e
directa
resposta
às
reivindicações
por
novo
alojamento,
apresentadas
por
diferentes
associações
de
moradores,
estabelecidas
em
todo
o
país,
e
apoiadas
tecnicamente
por
equipas
interdisciplinares
formadas,
localmente,
por
arquitectos,
sociólogos,
assistentes
sociais
e
juristas
–
as
denominadas
“brigadas
SAAL”.
Na
cidade
do
Porto,
abrangida
pelo
SAAL/Norte,
essas
brigadas
estiveram
sob
coordenação,
entre
outros,
de
Alexandre
Alves
Costa,
arquitecto
cuja
estratégia
assentava
na
manutenção
das
populações
carenciadas
no
centro
urbano,
contrariando
anteriores
tendências
para
a
erradicação
dos
bairros
operários
tradicionais
–
as
“ilhas”
–
e
o
desenraizamento
dos
seus
habitantes,
sistematicamente
realojados
em
novos
conjuntos
periféricos,
do
tipo
“Carta
de
Atenas”.
Para
a
maioria
dos
arquitectos
portuenses
envolvidos
no
novo
programa,
era
imperativo
assumir
esses
bairros
espontâneos
–
conformados
por
correntezas
de
casas
e
ruas
interiores,
abertas
nas
traseiras
de
lotes
estreitos
e
profundos
–
reabilitando-‐os,
ou
aprendendo
com
a
sua
estrutura,
no
desenho
dos
novos
conjuntos
habitacionais.
Este
foi,
por
exemplo,
o
método
seguido
por
Álvaro
Siza,
no
projecto
de
dois
conjuntos
que
viriam
a
ser
integrados
no
SAAL:
o
Bairro
de
São
Vítor,
no
lado
oriental
e
o
Bairro
da
Bouça,
no
lado
ocidental
da
cidade.
A
partir
de
1975,
e
em
pleno
coração
do
Porto,
construíram-‐se
os
primeiros
blocos
destes
conjuntos,
fazendo
adivinhar
as
intenções
de
Siza
e
dos
seus
companheiros:
recriar
o
tecido
denso
dos
bairros
operários,
com
as
suas
ruas
comunitárias,
abraçadas
por
muros
e
rematadas
por
equipamentos
locais,
alinhando
ou
sobrepondo
fogos
de
dois
pisos,
com
entradas
directas
a
partir
de
pátios,
escadas
individuais
ou
galerias
comuns.
O
projecto
e
a
construção
destes
blocos
nasceram
de
processos
participativos,
colocando,
frente-‐ a-‐frente,
os
técnicos
das
brigadas
e
as
populações,
e
excluindo
outras
formas
de
gestão
ou
de
planeamento
que
não
decorressem
da
sua
interacção
quotidiana.
No
entanto,
e
após
o
restabelecimento
da
tecnocracia
municipal
portuense
–
nas
primeiras
eleições
autárquicas
pós-‐revolução
(1976)
–,
esta
mesma
passou
a
encarar
o
programa
SAAL
como
um
processo
de
contra-‐gestão
e
de
contra-‐plano,
anárquico
e
radical.
A
sua
integração
política
foi
preterida
a
favor
do
seu
desmantelamento
técnico,
pondo
assim
cobro
a
dois
anos
de
forte
activismo
por
parte
das
brigadas.
A
democracia
“representativa”
impunha-‐se,
deste
modo,
à
democracia
“participativa”,
obliterando
os
seus
processos
mais
experimentais
e
informais.
A
breve
história
do
SAAL
marcou,
em
síntese,
um
ciclo
inusitado
e
paradoxal
na
história
da
cidade
contemporânea
europeia:
aquele
em
que,
por
breves
momentos,
a
contracultura
se
tornou,
assumidamente,
“cultura”.
É
sobre
esse
paradoxo
que
nos
falam
os
documentários
de
João
Dias
–
As
Operações
SAAL,
2007
–
e
de
Catarina
Alves
Costa
–
Casas
para
o
Povo,
2010
-‐,
ambos
colocando
a
voz
e
a
imagem
na
primeira
pessoa:
naqueles
que
viveram
militantemente
esse
tempo
(contra)cultural.
Nuno
Grande
(Luanda,
1966)
Arquitecto,
Doutorado
pelo
Departamento
de
Arquitectura
da
Universidade
de
Coimbra,
onde
lecciona
desde
1993.
Docente,
por
extensão
de
serviço,
na
Faculdade
de
Arquitectura
da
Universidade
do
Porto,
onde
se
licenciou
em
1992.
É
investigador
do
Centro
de
Estudos
Sociais
(CES)
da
Universidade
de
Coimbra,
no
Núcleo
“Cidades,
Cultura
e
Arquitectura”.
Exerceu,
na
última
década,
as
actividades
de
programador
cultural
(Porto
2001,
Capital
Europeia
da
Cultura),
de
curador
(Trienal
de
Arquitectura
de
Lisboa,
2007;
Bienal
de
São
Paulo,
2007;
Guimarães
2012,
Capital
Europeia
da
Cultura)
e
de
crítico
de
arquitectura,
(é
membro
português
da
AICA,
Association
Internationale
des
Critiques
d’Art),
com
textos
publicados
em
edições
nacionais
e
estrangeiras
(em
Espanha,
França,
Croácia,
Holanda,
Suíça
e
Japão).
O
seu
trabalho
crítico
e
curatorial
abrange
a
relação
entre
Cultura,
Cidade
e
Arquitectura,
com
especial
incidência
no
impacto
urbano
de
conjuntos
habitacioniais,
de
equipamentos
e
de
eventos
culturais.
A Confederação Nagô-Macamba-Malunga dos Abolicionistas: O Movimento Social Abolicionista no Rio de Janeiro e as Ações Políticas de Libertos e Intelectuais Negros na Construção de um Projeto de Nação Para o Pós-Abolição no Brasil