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MACKENZIE I 2007 1
Denise Antonucci Θ
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Taisa Nogueira Silva
Roberto Schweigert Θ
Resumo
Esta pesquisa tem como foco a habitação social e edifícios multifuncionais projetados e
construídos pelos IAPs na cidade de São Paulo. O interesse por essa tipologia onde os usos
residenciais, comerciais e de serviços compartilham a mesma edificação representou um
paradigma do viver na cidade trazido pela grande expansão urbana verificada na primeira
metade do século XX. Atualmente essa discussão está sendo retomada como alternativa de
revitalização e recuperação de áreas centrais nas grandes metrópoles.
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Doutora em Planejamento Urbano – FAU USP. Docente e Pesquisador da FAU – Universidade Presbiteriana
Mackenzie
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Mestre em Arquitetura e Urbanismo – Univ. Mackenzie, Doutorando FAU USP. Docente e Pesquisador da FAU –
Universidade Presbiteriana Mackenzie
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Bacharel em Artes Plásticas pela UNESP.
Aluna do 7º semestre de Arquitetura e Urbanismo pela UPM. Bolsista pelo Programa Institucional de Bolsas de
Iniciação Científica (PIBIC – Mackenzie)
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Mestre FAU Mackenzie
III FÓRUM DE PESQUISA FAU.MACKENZIE I 2007 2
Introdução
O crescimento exacerbado das cidades no século XX provocou uma mudança nos padrões de
produção e apropriação do espaço urbano e trouxe modificações no modo de organização
das cidades. No Brasil, a partir da Revolução de 1930, a intervenção do Estado estimulou a
criatividade dos arquitetos brasileiros que resolveram enfrentar o problema habitacional do
país atuando sob os novos paradigmas colocados pelo Movimento Moderno.
Na produção paulista dos conjuntos dos IAPs podemos destacar alguns arquitetos como
Attílio Corrêa Lima (Várzea do Carmo), Carlos Frederico Ferreira (Vila Guiomar/Santo André),
Eduardo Kneese de Mello (edifício Japurá), os irmãos M. M. M. Roberto (edifício Anchieta),
Marcial Fleury de Oliveira (Santa Cruz) e Paulo Antunes Ribeiro (Moóca).
A habitação social é uma constante no quadro urbano da cidade, desde o início da formação
da metrópole paulistana. O grande déficit habitacional em São Paulo é hoje estimado em
mais de 500 mil unidades, no que se refere à população de baixa renda (até 6 salários
mínimos) 3 . Ainda assim, a participação da universidade tem sido tímida face à importância
do assunto, na busca de soluções concretas, do ponto de vista técnico, para a questão
habitacional.
O conceito moderno de morar que já vinha sendo divulgado desde a primeira década do
século 20 na Europa, tomou grande impulso no final da 1a. Guerra Mundial, em 1918. A
necessidade de reconstrução das principais cidades européias destruídas pela guerra
imprimiu um grande impulso ao Movimento Moderno na arquitetura.
No período Getúlio Vargas (1930 – 1945), a habitação social foi considerada condição básica
para a reprodução da força de trabalho visando à industrialização do país. A habitação
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Entre 1933 e 1938, foram criados os institutos, que apresentavam diferenças na qualidade,
volume dos benefícios e serviços prestados. Assim, foram criados seis destes Institutos: IAPB
(bancários), IAPC (comerciários), IAPI (industriários), IAPETEC (condutores de veículos e
empregados de empresas de petróleo) e IAPE (estivadores).
A constituição de 1937, que instituiu o Estado Novo, determinava em seu artigo 124 que a
família estaria sob proteção do Estado, apresentando um cunho moralista:
“No cortiço e em outras habitações coletivas seria invalida a vida familiar plena e
normal, devido às tentações, a infidelidade, a delinqüência e aos maus hábitos” (BONDUKI,
1998: 102).
Em discurso proferido em 1939, Vargas incluiu a habitação entre os direitos básicos dos
trabalhadores:
A partir do Decreto nº 1749, em 1937, surgem as condições para a atuação dos IAPs no
campo habitacional 6 . Foram, então, definidos planos de financiamento de habitação aos
trabalhadores, desde a locação e venda das unidades até os empréstimos hipotecários, bem
como operações imobiliárias convenientes à política dos IAPs.
Os conjuntos residenciais dos IAPs apresentavam bom nível em seus projetos, inovação
arquitetônico-urbanística de novas tipologias de ocupação, aliando qualidade à baixo custo.
Os Planos A e B tinham objetivo social, ainda que os institutos tenham atendido associados
de média ou alta renda e o Plano C apresentava perspectiva atuarial dos IAPs visando a
assegurar a máxima rentabilidade para as reservas acumuladas. Financiava construções de
todo tipo – de asilos a indústrias – mas os edifícios para classe média e alta foram a principal
inversão (80% do total do IAPI).
Além da polêmica entre rentabilidade ou função social dos investimentos dos IAPs, havia
uma disputa por recursos públicos entre os que lutavam por uma política social de habitação
e os incorporadores privados, interessados na construção e venda de apartamentos de luxo
(BONDUKI, 1998: 105).
A adoção do aluguel como forma de acesso aos conjuntos produzidos pelos IAPs (Plano A)
mostra outro aspecto da ambigüidade da ação habitacional no período. Os Institutos
defendiam a preservação do patrimônio e dos recursos previdenciários, sem levar em conta
aspectos ideológicos. Além disso, mantinha-se a renda gerada pelos aluguéis.
Como essa política foi traçada antes da Lei do Inquilinato e da crise do mercado de locação,
o Plano A pode ser entendido como uma combinação de um programa de habitação social
com uma forma de investimento das reservas previdenciárias, estatizando uma atividade – a
construção de casas de aluguel – até então rentável e reservada ao setor privado. A venda de
apartamentos ocorreu simultaneamente à desestruturação do mercado de locações e do
setor rentista.
Uma política de habitação social deveria estabelecer critérios de investimento que dirigisse
os subsídios para quem de fato tivesse necessidade, definindo a origem dos recursos para
cobri-los. Garantir o retorno dos recursos a serem financiados para que não houvesse
depreciação dos seus fundos. Só nessas condições seria possível manter um fluxo constante
de recursos para sustentar a produção habitacional.
A atuação dos institutos no setor permaneceu restrita e insuficiente para um país que se
urbanizava com rapidez. De fato, os IAPs não eram órgãos de habitação. Porém, reuniam tal
volume de recursos recolhidos dos trabalhadores, metade dos quais podia ser utilizada nas
carteiras prediais, que era inevitável a pressão para que fossem destinados à habitação
social (BONDUKI, 1998: 111).
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A arquitetura moderna brasileira afirma-se nos anos 1930, dando origem a experiências e
contribuições marcantes, inclusive no campo da moradia popular e das tipologias verticais.
Apesar de periférica e excludente, nossa urbanização fez uso dos discursos ideológicos
modernistas, o que correspondeu a um significativo processo de verticalização, inicialmente
concentrado no centro da cidade.
Edifício Japurá
Dentre eles podemos citar o projeto do Edifício Japurá, desenvolvido pelo arquiteto Eduardo
Kneese de Mello para o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários. Neste projeto
foram empregados de forma pioneira no Brasil os princípios de “l’unité d’habitation”
projetada por Le Corbusier em Marselha, como o modelo de habitação vertical social. O
edifício Japurá se destacou em termos arquitetônicos e urbanísticos, entre as iniciativas de
padrão vertical realizadas pelo IAPI.
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Projetado no final dos anos 40, localiza-se no bairro da Bela Vista (Bexiga), próximo ao
centro de São Paulo, em terreno antes ocupado pelo cortiço “Navio Parado”, um dos maiores
da capital.
O edifício foi projetado para atender aos industriários que trabalhavam em algumas
indústrias localizadas junto ao centro da cidade, sendo possível o trajeto residência-trabalho
ser feito a pé.
O artigo 144 do Código de Obras limitava a altura dos edifícios construídos no alinhamento
da rua a uma vez e meia a largura da via. Como a rua Japurá tem largura de apenas 13 m, a
altura máxima de um bloco junto ao alinhamento seria de apenas 19,50 m, o que resultaria
em edifício com apenas 6 pavimentos, já que o pé direito mínimo exigido pelo código era de
3 metros. A solução foi implantar o edifício afastado do alinhamento da via. Pelo artigo 145:
“...poderão ser construídos pavimentos recuados desde que fiquem as partes mais altas
dentro da linha de interseção traçada do alinhamento da guia do lado oposto da via...”.
Como o recuo máximo possível era de 17,60 m, o edifício poderia atingir a uma altura de 14
pavimentos.
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JAPURÁ
Fonte: E. K. Mello
Em 1938 o IAPI adquiriu uma grande área de terreno nas imediações do Parque D. Pedro,
junto à avenida do Estado, em São Paulo. Nesta área de 185 ha a equipe comandada pelo
arquiteto Attílio Corrêa Lima desenvolveu o projeto do primeiro conjunto residencial do IAPI
em São Paulo.
Este empreendimento, parcialmente construído no início dos anos 40, previa a implantação
de um ambicioso programa habitacional, com a construção de vários blocos residenciais que
abrigavam 4022 apartamentos, creche, escola, posto de puericultura e grandes áreas
ajardinadas para lazer, incluindo um clube. Foram projetados também um hotel, um edifício
comercial, um restaurante popular, um terminal de ônibus e um posto de gasolina, dando ao
conjunto um caráter multifuncional e que o tornava uma verdadeira cidade, com mais de 20
mil habitantes.
Considerando-se o alto valor do terreno, situado a apenas dois quilômetros de Praça da Sé,
foi proposto um programa misto, de alta densidade (1.250 hab/ha), com a construção de
edifícios de 12 pavimentos, servidos por conjuntos de 6 elevadores cada um. Tratava-se de
fato inédito no Brasil, em se tratando de habitação social. Estes edifícios altos, entretanto,
jamais foram construídos, pois a continuidade da segunda guerra impediu a importação dos
diversos componentes estruturais previstos no projeto.
As soluções habitacionais da Era Vargas foram resultado de uma série de medidas, voltadas
a retornos de curto prazo não podendo ser consideradas fruto de política habitacional. A
produção de moradias foi significativa, mesmo que tenha ficado aquém das necessidades
concretas da população. Do ponto de vista qualitativo, por sua vez, essas experiências
induziram uma renovação significativa da linguagem e das tipologias arquitetônicas no que
se refere ao uso habitacional.
No meio ambiente construído, dada a íntima relação entre sustentabilidade e evolução dos
núcleos urbanos, essa reflexão deve ser estendida também às práticas urbanísticas para que
se possa “deter e reverter o enorme processo de degradação do meio ambiente natural que
pesa sobre a maior parte das cidades” (NEIRA ALVA, 1997: Introdução).
Se “o futuro das cidades dependerá em grande parte dos conceitos constituintes do projeto
de futuro construído pelos agentes relevantes na produção do espaço urbano” (ACSELRAD,
1999: 81), as políticas urbanas calcadas nos conceitos de sustentabilidade devem considerar
a totalidade da cidade e lembrar os desequilíbrios podem ultrapassar os limites locais e
regionais e seus efeitos se refletem, atingindo, em muitos casos, escala nacional e
internacional. Há inúmeros estudos e pesquisas que demonstram como as ações dos
homens “afetam locais distantes de onde acontecem, em muitos casos implicando todo o
planeta ou até mesmo a biosfera” (SACHS, 2002: 50). As informações disponíveis podem
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Acredita-se que esta proposta é uma das alternativas para se evitar a impossibilidade de
vida urbana futura devido ao desgaste de recursos naturais (FRANCO, 2001: 22), porque a
gestão urbana necessita, mais do que nunca, de soluções que possam conter o
espraiamento da urbanização. As habitações das classes menos favorecidas são um dos
intensificadores deste espraiamento que, ao alcançar maior extensão territorial, aumentam
os danos ambientais desproporcionadamente, pois não se conta com infra-estrutura
suficiente para atender a população. Verticalizar os novos projetos destinados às habitações
de interesse social pode ser uma das muitas mudanças de paradigma necessárias à
sustentabilidade do meio ambiente urbano.
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São Paulo: HUCITEC; EDUSP, 1994.
Quanto mais dependesse do apoio popular para se manter no poder, maior seria seu
empenho para implementar projetos de habitação social capazes de manter sua imagem de
protetor dos trabalhadores (Bonduki, 1998: 100).
10
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