Você está na página 1de 21

AGRICULTURA

CLIMATICAMENTE
INTELIGENTE E
SUSTENTABILIDADE

Ronei Tiago Stein


Políticas públicas
e a sustentabilidade
do agronegócio
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Descrever os processos de formulação de políticas públicas para o


agronegócio.
 Reconhecer políticas públicas que visam a sustentabilidade na
agricultura.
 Exemplificar a aplicação de políticas públicas no cotidiano do agricultor.

Introdução
De modo geral, políticas públicas são definidas como o conjunto de
programas, ações e atividades desenvolvidas pelo Estado (União e Es-
tados), com a participação de entes públicos ou privados, que visam
assegurar determinado direito de cidadania global ou para determinado
seguimento social, cultural, étnico ou econômico. Como exemplo de
direitos assegurados constitucionalmente que devem ser promovidos
por políticas públicas podemos citar o acesso à educação, à saúde e à
segurança logo. Mas e no setor agrícola, quais são as políticas públicas?
Neste capítulo, examinaremos os processos de formulação dessas
políticas, conheceremos os modos como o Estado está tentando pro-
mover a sustentabilidade agrícola e, por fim, veremos como as políticas
agrícolas ajudam no dia a dia do agricultor.

Políticas públicas
O termo “políticas públicas” pode ser definido como o conjunto de atividades
que tem como referência o Estado, destinando-se a orientar sua atuação para
2 Políticas públicas e a sustentabilidade do agronegócio

melhorias do atendimento à sociedade. De modo geral, as políticas públicas


consistem em programas, ações e atividades desenvolvidos pelo governo, nas
escalas federal, estadual e municipal, com a participação de entes públicos e/
ou privados (SENAR, 2015).
O principal objetivo dos programas, ações e atividades das políticas pú-
blicas é assegurar determinados direitos de cidadania ou melhorias sociais e
econômicas, de forma geral ou para determinado segmento social, cultural,
étnico ou econômico (SENAR, 2015). Nesse sentido, segundo Velasquez (2001)
e Souza (2006), as políticas públicas visam colocar o governo em ação, ou
então analisar suas ações e, quando necessário, propor eventuais mudanças
no rumo ou curso dessas ações.
Uma vez planejadas e formuladas, as políticas públicas desdobram-se em
planos, programas, projetos e, por fim, ações. Obviamente, é preciso realizar
acompanhamentos e avaliações para verificar a efetividade de cada uma dessas
etapas. Caso necessário, elas podem sofrer reformulações e até alterações mais
drásticas, a fim de corrigir eventuais problemas estruturais, técnicos ou de
qualquer outra natureza (VELASQUEZ, 2001).
São dois os elementos fundamentais das políticas públicas:

 Intencionalidade pública: consiste na motivação para estabelecer


ações para o tratamento ou resolução de um problema.
 Problema público: a diferença entre a situação atual vivida (status
quo) e uma situação ideal possível à realidade coletiva.

A Figura 1 traz uma representação de um problema público.

Figura 1. Representação de um problema público.


Fonte: Gonçalves et al. (2017, p. 28).
Políticas públicas e a sustentabilidade do agronegócio 3

Um problema só se torna público quando os atores públicos consideram o problema


(situação inadequada) e o público (relevante para a coletividade) a que se destina a
política (SOUZA, 2006).

Segundo a abordagem proposta por Pereira e Barbosa Júnior (2018), para


formular uma política pública é necessário que haja a formação de uma agenda
governamental, isto é, um conjunto de assuntos sobre os quais o governo e as
pessoas ligadas a ele concentram sua atenção em um determinado momento.
Após a formação de uma agenda, o próximo passo é delimitar o problema e
analisá-lo. A partir de então, alternativas poderão ser formuladas para resolvê-
-lo e, por fim, adotadas na forma de política pública.
Existem inúmeros atores que formulam as políticas públicas, os quais, de
acordo Pereira e Barbosa Júnior (2018), podem ser divididos em:

 Atores governamentais: inclui o presidente da República, o alto e


médio escalão, os políticos eleitos, os parlamentares, os funcionários
do Legislativo e os membros do Judiciário, os governadores estadu-
ais e prefeitos municipais, as empresas públicas, as fundações e as
autarquias públicas.
 Atores não governamentais: instituições de pesquisa, acadêmicos, con-
sultores, organismos internacionais (como ONU, OMC, Unesco, entre
outros), sindicatos e associações civis de representação de interesses,
partidos políticos e organizações privadas não governamentais.

No caso do agronegócio, temos um sistema que engloba todos os atores


envolvidos com a produção, processamento e distribuição de um produto.
Tal sistema inclui o mercado de insumos agrícolas, a produção, operações de
estocagem, processamento, atacado e varejo, englobando todo um fluxo que
vai dos insumos até o consumidor final (SENAR, 2015).
Os principais formuladores de políticas públicas para o agronegócio no
Brasil são (SENAR, 2015): Ministério da Agricultura, Pecuária e Abasteci-
mento (Mapa); Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA); Ministério
do Meio Ambiente (MMA); Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
(Embrapa); Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa); Compa-
nhia Nacional de Abastecimento (Conab); Agência Nacional de Assistência
4 Políticas públicas e a sustentabilidade do agronegócio

Técnica e Extensão Rural (Anater); Agência Nacional de Águas (ANA);


Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA); Confederação
Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag); Associação Nacional
do Agronegócio (Abag); Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar);
e Confederação Nacional dos Agricultores Familiares e Empreendedores
Familiares Rurais (Conafer).
No Brasil, o marco legal da Política Agrícola Brasileira foi estabelecido
pela Constituição Federal de 1988. De acordo com o art. 187, a política agrícola
deve ser planejada e executada na forma da lei, com a participação efetiva do
setor de produção, envolvendo produtores e trabalhadores rurais, bem como
dos setores de comercialização, armazenamento e transportes (BRASIL,
1988). O artigo destaca ainda, em seu parágrafo primeiro, que as atividades
agroindustriais, agropecuárias, pesqueiras e florestais estão incluídas no
planejamento agrícola, e, no parágrafo segundo, que as ações de política
agrícola e de reforma agrária devem ser compatibilizadas.
Mais tarde, em 1991, o Governo Federal promulgou a Lei 8.171, a qual dispõe
sobre a política agrícola brasileira. Tal legislação estabelece (BRASIL, 1991):

 o setor agrícola será constituído pelos segmentos de produção, insumos,


agroindústria, comércio e abastecimento;
 a agricultura deve proporcionar rentabilidade compatível com a de
outros setores da economia;
 o adequado abastecimento alimentar é condição básica para garantir a
tranquilidade social, a ordem pública e o processo de desenvolvimento
econômico e social.

A Lei 8.171 de 1991 define ainda que os instrumentos de políticas agrí-


colas devem obedecer a planos plurianuais e abranger em sua alçada as
seguintes atividades: planejamento agrícola; pesquisa agrícola tecnológica;
assistência técnica e extensão rural; proteção do meio ambiente, conservação
e recuperação dos recursos naturais; defesa da agropecuária; informação
agrícola; produção, comercialização, abastecimento e armazenagem; as-
sociativismo e cooperativismo; formação profissional e educação rural;
investimentos públicos e privados; crédito rural; garantia da atividade
agropecuária; seguro agrícola; tributação e incentivos fiscais; irrigação e dre-
nagem; habitação rural; eletrificação rural; mecanização agrícola; e crédito
fundiário (BRASIL, 1991).
Políticas públicas e a sustentabilidade do agronegócio 5

Como mencionado anteriormente, foi pela Constituição Federal de 1988


que se estabeleceu o marco legal da Política Agrícola Brasileira. No en-
tanto, desdobramentos históricos, políticos e sociais ocorreram no âmbito
da reforma agrária, levando a Legislação Fundiária Brasileira a passar por
diversas fases (Quadro 1).

Quadro 1. Estrutura da política agrária brasileira

Controle Atores ou instituições Legislação Fundiária


democrático envolvidas Brasileira

Conselho Nacional Famílias assentadas Lei de Terras/1850:


de Desenvolvimento Lei nº 601/1850
Rural Sustentável

Plano Nacional de Movimento dos Constituição Federal


Reforma Agrária Trabalhadores Rurais (CF)/1934: Código rural
Sem Terra (MST,
organização política)

Cédula da Terra Instituto Nacional de CF/1946:


Colonização e Reforma Desapropriação por
Agrária (Incra, principal interesse social
segmento do Estado)

Banco da Terra Estatuto do


trabalhador rural/1963:
Lei nº 4212/63

Crédito Fundiário de Estatuto da Terra/1964:


Combate à Pobreza Lei nº 4504/64

Programa Agrário MST/1980


Brasileiro

Programa Nacional CF/1988: Política


de Fortalecimento Agrícola e Fundiária
da Agricultura e da Reforma Agrária
Familiar (Pronaf) arts. 184 –191

Fonte: Adaptado de Polinski e Pinto (2012).


6 Políticas públicas e a sustentabilidade do agronegócio

De modo bastante resumido, o principal objetivo das políticas públicas no


agronegócio é regular os mercados agrícolas, garantindo preço e rendas para
os agricultores, além de estimular a produção doméstica, a fim de garantir que
o abastecimento alimentar não seja comprometido pela escassez de produtos
ou por preços internos altos demais.

Para saber mais sobre políticas públicas no setor do agronegócio, você pode acessar
vídeos de duas entrevistas bastante instrutivas nos links a seguir. O primeiro deles
foi produzido pela rede estatal NBR a respeito dos incentivos do governo à agri-
cultura familiar. Já o segundo, produzido pela Universidade Federal da Integração
Latino-Americana (Unila), aborda os efeitos da retração das políticas públicas para o
desenvolvimento rural.

https://qrgo.page.link/DUAqC

https://qrgo.page.link/YJcu1

Importância das políticas públicas para


a sustentabilidade agrícola
Altieri (2002) descreve que os fantásticos aumentos de produtividade na
agricultura convencional têm sido acompanhados, na grande maioria das
vezes, pelo uso excessivo de recursos naturais, acarretando em degradação
ambiental (erosão do solo, poluição com pesticidas, salinização, entre outros)
e problemas sociais, principalmente êxodo rural.
Assim, devido aos impactos negativos da agricultura convencional, a
agricultura ecológica torna-se cada vez mais uma necessidade mundial.
Ela se caracteriza por exigir mais conhecimentos científicos, um enfoque
sistêmico, menor consumo de energia e de insumos e menor dependência
do sistema agribusiness. A agricultura ecológica propicia rendimento equi-
valente ao sistema convencional e lucro líquido maior, sobretudo quando o
sistema adquire estabilidade, geralmente após um período de transição, que
pode levar de um a quatro ou cinco anos. Além disso, utiliza mais mão-de-
Políticas públicas e a sustentabilidade do agronegócio 7

-obra, é mais estável em períodos de estiagem e produz alimentos de melhor


qualidade biológica, sendo também uma agricultura ambientalmente mais
equilibrada e socialmente mais justa (CLARO, 2001).

Agribusiness diz respeito à totalidade das empresas e negócios que giram em torno
da atividade rural, um grande negócio que gera mais da metade da riqueza total
produzida no Brasil. A atividade agropecuária não é composta apenas pelas fazendas,
seus animais, plantações e empregados diretos; é muito mais do que isso: nesse setor
encontramos indústrias de grande porte, multinacionais instaladas no país, milhares
de pequenas empresas de serviços e pequenas indústrias que produzem tudo que é
consumido pelo setor rural (RURAL NEWS, 2015).

Devido ao seu elevado desempenho produtivo e à sua grande participação


no volume do comércio internacional, a agricultura brasileira é vista como
referência mundial. Com o aumento da eficiência produtiva, o Brasil passou
a ser um dos maiores exportadores agropecuários mundiais (SENAR, 2015).
Porém, existem muitos gargalos que impedem um desenvolvimento ainda
maior do setor agrícola. Talvez o maior desses gargalos esteja relacionado
com os problemas que a agricultura convencional trouxe ao meio ambiente.
Por isso, é fundamental que haja políticas públicas que visem promover a
sustentabilidade na agricultura.
Conforme mencionado anteriormente, as políticas públicas voltadas ao
agronegócio devem incentivar a sustentabilidade deste setor. No entanto,
não podemos esquecer que a sustentabilidade deve sempre conciliar as
questões sociais e econômicas. A seguir, são apresentados alguns exemplos
de políticas públicas que buscam este objetivo central, conforme destacado
pela Embrapa ([2019a]):

 Programa Brasil Sem Miséria: visa aumentar a capacidade produtiva


de agricultores familiares e promover a entrada de seus produtos nos
mercados consumidores.
 Agricultura de Baixa Emissão de Carbono (Plano ABC): composto
por sete programas (recuperação de pastagens degradadas; integração
lavoura–pecuária–floresta [ILPF] e sistemas agroflorestais [SAFs];
8 Políticas públicas e a sustentabilidade do agronegócio

sistema plantio direto [SPD]; fixação biológica de nitrogênio [FBN];


florestas plantadas; tratamento de dejetos animais; adaptação às mudan-
ças climáticas), o Plano ABC visa fomentar a adoção de tecnologias de
produção sustentáveis, com o objetivo de responder aos compromissos
de redução de emissão de gases do efeito estufa (GEE) no setor agro-
pecuário assumidos pelo país.

Os objetivos específicos do Plano ABC, segundo o Senar (2015), são:


 contribuir para o cumprimento dos compromissos de redução da emissão de GEE
assumidos voluntariamente pelo Brasil no âmbito dos acordos climáticos interna-
cionais e previstos na legislação;
 garantir o aperfeiçoamento contínuo e sustentado das práticas de manejo nos
diversos setores da agricultura brasileira que possam vir a reduzir a emissão de
GEE e, adicionalmente, aumentar a fixação atmosférica de gás carbônico (CO2) na
vegetação e no solo;
 incentivar a adoção de sistemas de produção sustentáveis que assegurem a redução
de emissões de GEE e elevem simultaneamente a renda dos produtores;
 incentivar o uso de tratamento de dejetos animais para a geração de biogás e
compostos orgânicos;
 incentivar os estudos e a aplicação de técnicas de adaptação de plantas, de sis-
temas produtivos e de comunidades rurais aos novos cenários de aquecimento
atmosférico;
 promover esforços para reduzir o desmatamento de florestas decorrente dos
avanços da pecuária e de outros fatores.

 Política Nacional de ILPF, ou sistema agrossilvipastoril: tem entre


seus objetivos promover a recuperação de pastagens degradadas com
a adoção de sistemas de integração lavoura–pecuária–floresta. Ou
seja, é uma modalidade de integração que contempla os componentes
agrícola, pecuário e florestal na mesma área, seja em rotação, consórcio
ou sucessão (Figura 2).
Políticas públicas e a sustentabilidade do agronegócio 9

Figura 2. Representação da Política Nacional de ILPF.


Fonte: Antunes (2013, documento on-line).

Dentre os benefícios da Política Nacional de ILPF, a Sociedade de Investigações Florestais


(SIF) (TRECENTI, 2016) cita:
 Benefícios econômicos: redução ou viabilização do custo de recuperação/re-
novação de pastagens em processo de degradação ou degradadas; aumento da
taxa de lotação das pastagens; aumento do ganho de peso animal; aumento da
produção de leite; diversificação das atividades na propriedade; redução dos riscos
climáticos e de mercado; aumento da produção por unidade de área; agregação
de valor à produção; dentre outros.
 Benefícios ambientais: maior taxa de infiltração e armazenamento de água no
solo; controle de erosão; redução de perdas de nutrientes do solo; uso racional
de agrotóxicos e consequente redução dos riscos de intoxicação e de contamina-
ção do ambiente; melhoria das condições de ambiência animal (proteção contra
tempestades, ventos frios, granizo, altas temperaturas) pelo sombreamento das
pastagens, reduzindo o estresse dos animais; redução da emissão de GEE; sequestro
de carbono pela biomassa aérea e radicular das árvores e da forragem; mitigação
do desmatamento pelo aproveitamento de áreas degradadas, dentre outros.
 Benefícios sociais: geração de empregos; redução na sazonalidade de uso da mão-
-de-obra na propriedade; necessidade de capacitação técnica dos colaboradores;
incremento no valor da remuneração pela qualificação do trabalhador; melhoria
da renda e da qualidade de vida na propriedade rural; maior oferta de alimentos,
fibras e agroenergia com sustentabilidade.
10 Políticas públicas e a sustentabilidade do agronegócio

 Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo):


também conhecido como Brasil Ecológico, tem como objetivo central
articular e implementar programas e ações indutoras da transição
agroecológica, da produção orgânica e de base agroecológica, como
contribuição para o desenvolvimento sustentável, possibilitando
à população a melhoria de qualidade de vida por meio da oferta e
consumo de alimentos saudáveis e do uso sustentável dos recursos
naturais (BRASIL, [201-]).
 Plano Safra da Agricultura Familiar: compreende um conjunto
de políticas que visam fortalecer a agricultura familiar e a produção
sustentável.
 Plano Agrícola e Pecuário: prevê incentivos à inovação tecnológica e
à adoção de práticas de agricultura de baixa emissão de carbono. Entre
as linhas de crédito, destaca-se o Programa ABC, que objetiva financiar
práticas e tecnologias agropecuárias sustentáveis.
 Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia
Legal (PPCDAm): atua na implementação do plano com atividades de
treinamento e transferência de tecnologia em atividades sustentáveis
para as regiões com presença do bioma amazônico.
 Código Florestal: institui as regras gerais sobre onde e de que forma
o território brasileiro pode ser explorado, ao determinar as áreas
de vegetação nativa que devem ser preservadas e quais regiões são
legalmente autorizadas a receber os diferentes tipos de produção rural.

A Lei de Proteção da Vegetação Nativa, chamada popularmente de


Novo Código Florestal Brasileiro, (Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012) é
a lei brasileira que dispõe sobre a proteção da vegetação nativa. Segundo
seu art. 4º, são considerados Área de Preservação Permanente (APP) os
espaços de qualquer curso d’água natural perene e intermitente, excluídos
os efêmeros, desde a borda da calha do leito regular (BRASIL, 2012).
A APP mínima é exigida conforme a largura do curso d’água, conforme
ilustrado na Figura 3a. Porém, o Código Florestal define também que em
áreas rurais consolidadas, ou seja, área de imóvel rural com ocupação
antrópica preexistente a 22 de julho de 2008, com edificações, benfeitorias
ou atividades agrossilvipastoris, as faixas de APP diminuem, conforme
apresentado na Figura 3b.
Políticas públicas e a sustentabilidade do agronegócio 11

Figura 3. As faixas mínimas de vegetação nativa que devem ser pre-


servadas em áreas agrícolas: (a) delimitação de APP em áreas rurais não
consolidadas; (b) recomposição de APP de rios, riachos e ribeirões em
áreas rurais consolidadas.
Fonte: Áreas... ([20--], documento on-line).
12 Políticas públicas e a sustentabilidade do agronegócio

As matas ciliares são legalmente protegidas, pois estão inseridas em APPs. Tais áreas,
que podem estar cobertas ou não por vegetação, cumprem a função ambiental de
preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade,
além de facilitar o fluxo gênico da fauna e da flora, proteger o solo e assegurar o bem-
-estar das populações humanas, de acordo com o Inciso II Art. 3º da Lei 12.651/2012
(BRASIL, 2012).
Na Figura 3b, o termo módulo fiscal diz respeito a uma unidade de medida, em
hectares, cujo valor é fixado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(Incra). A dimensão de um módulo fiscal varia de acordo com o município onde
está localizada a propriedade, podendo ir de 5 a 110 hectares (EMBRAPA, [2019b]),
levando-se em conta:
a) o tipo de exploração predominante no município (hortifrutigranjeira, cultura
permanente, cultura temporária, pecuária ou florestal);
b) a renda obtida no tipo de exploração predominante;
c) outras explorações existentes no município que, embora não predominantes,
sejam expressivas em função da renda ou da área utilizada; 
d) o conceito de “propriedade familiar”.

Atualmente, a produção agrícola intensiva insere-se na economia nacional a


fim de beneficiar um número restrito de produtores que, motivados por políticas
governamentais, assumem o controle e o domínio de grandes latifúndios, o
que intensifica a concentração de terras e a desigualdade social no campo,
além de lhes proporcionar uma representatividade política bastante expressiva.
Por isso, é fundamental que também haja no país políticas públicas para os
pequenos produtores rurais.

Aplicação de políticas públicas no cotidiano


do agricultor
O ingresso do capitalismo no meio rural brasileiro se acentuou na década de
1960, levando a uma modernização tecnológica da nossa agricultura. Com
isso, trabalhadores inseridos no contexto da agricultura familiar se viram
obrigados a se adaptar ao novo cenário proposto pelo mercado, mediante a
conciliação entre suas tradições arraigadas e a adoção de novas tecnologias
que modernizaram o setor (HENIG; SANTOS, 2016).
Nos últimos anos, conforme Silva, Dias e Silva (2014), vem havendo no
Brasil uma maior preocupação com políticas públicas diferenciadas, que
Políticas públicas e a sustentabilidade do agronegócio 13

visam inserir a temática do desenvolvimento rural na agenda governamen-


tal, focando principalmente na agricultura familiar. O marco institucional
dessa novidade foi o lançamento do Pronaf, em 1996, demarcando uma
diferenciação nas até então predominantes políticas agrícolas de fomento
à agricultura.

O Pronaf tem por objetivo prestar um atendimento diferenciado aos pequenos agri-
cultores brasileiros, fortalecendo as atividades desenvolvidas pelo pequeno agricultor
e integrando-o à cadeia do agronegócio por meio da modernização do sistema
produtivo. Para saber mais sobre o Pronaf, acesse o link a seguir.

https://qrgo.page.link/DzU5e

Existe uma grande variedade de políticas públicas que visam auxiliar e


melhorar a qualidade de vida do produtor rural. Na esfera federal, essas políticas
advêm de órgãos como o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
(MAP), Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), Ministério do Meio
Ambiente (MMA), Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa),
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Agência Nacional de
Águas (ANA), entre outros.
Nos governos estaduais, as políticas públicas para o agronegócio são vin-
culadas às secretarias estaduais de agricultura. Na maioria das vezes, essas
pastas contam com empresas de assistência técnica e extensão rural (Ematers)
e outras instituições de apoio ao agronegócio (empresas de pesquisa, centrais
de abastecimento etc.), além das federações da agricultura e dos sindicatos
rurais (SENAR, 2015).
No Brasil, de acordo com o Senar (2015), o planejamento das ações nas
diversas áreas de atuação governamental, incluindo a agropecuária, visa orien-
tar a definição de políticas públicas prioritárias e auxiliar em sua execução,
a partir de diagnósticos e estudos prospectivos. Tais ações têm como base
principalmente as leis orçamentárias:

 Plano Plurianual (PPA): define as políticas públicas do Governo Fe-


deral para construir um Brasil melhor, com base nos compromissos
firmados na eleição (BRASIL, 2015).
14 Políticas públicas e a sustentabilidade do agronegócio

 Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO): estabelece as metas e prio-


ridades para o exercício financeiro seguinte; orienta a elaboração do
orçamento, dispõe sobre alterações na legislação tributária e estabelece
a política de aplicação das agências financeiras de fomento.
 Lei Orçamentária Anual (LOA): um planejamento que indica quanto
e onde gastar o dinheiro público federal no período de um ano, com
base no valor total arrecadado em impostos.

O crédito rural é, sem dúvida alguma, um dos instrumentos mais impor-


tantes na política agrícola brasileira. Historicamente, sempre ocupou lugar de
destaque nos planos, programas e projetos que fomentaram a agropecuária
nacional (SENAR, 2015). As políticas de crédito rural são fundamentais, e a
grande maioria é voltada para a agricultura familiar. Segundo Pereira e Barbosa
Júnior (2018), dentre as principais políticas públicas presentes no cotidiano
do produtor rural, estão: Plano Nacional de Agroenergia (PNA); Programa de
Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR); Plano de Defesa Agropecuária
(PDA); Plano de Garantia de Preços Mínimos (PGPM); Pronaf; Programa
de Aquisição de Alimentos (PAA); Programa de Modernização da Frota de
Tratores Agrícolas e Implementos Associados e Colheitadeiras (Moderfrota);
Programa de Incentivo à Irrigação e à Armazenagem (Moderinfra); e Programa
para Construção e Ampliação de Armazéns (PCA).
De acordo com o Senar (2015), as políticas de crédito rural são divididas
em diferentes categorias, como, por exemplo:

 Crédito de custeio (uso no ciclo produtivo): aquisição de sementes


para plantio; aquisição de fertilizantes para aplicação na cultura.
 Crédito de investimento (uso em mais de um ciclo produtivo): cons-
trução, reforma ou ampliação de um galpão; instalação de uma cerca;
formação ou recuperação de uma pastagem; proteção, correção ou
recuperação de um solo; aquisição de tratores e implementos.
 Crédito de comercialização: financiamento para a estocagem da colheita.

Alguns estados (como Rio Grande do Sul e Santa Catarina) apresentam


as seguintes políticas públicas, de acordo com a Secretaria da Agricultura,
Pecuária e Desenvolvimento Rural do RS (RIO GRANDE DO SUL, [2019]):

 Programa Estadual de Agroindústria Familiar (Peaf): além de reco-


nhecer as dinâmicas de desenvolvimento local, estas ações demonstram
respeito aos valores de uma agricultura voltada à diversificação dos
Políticas públicas e a sustentabilidade do agronegócio 15

sistemas produtivos e do meio ambiente, com seu foco na agroecolo-


gia. Sob esta visão, vem-se desenvolvendo uma série de medidas para
facilitar a implantação e a legalização de agroindústrias familiares.

A importância da agricultura familiar (Figura 4) é cada vez mais evidenciada por políticas
públicas para a melhoria da qualidade de vida destas famílias. No contexto da produção
rural do país, a agricultura familiar responde pelo emprego de mais de 14 milhões
de trabalhadores rurais, o que corresponde a 74% da mão-de-obra empregada no
campo, além de representar a principal fonte de alimentos do Brasil.

Figura 4. As políticas públicas devem oferecer subsídios à agricultura familiar.


Fonte: Catalin Petolea/Shutterstock.com.

 Gestão sustentável: incentiva o protagonismo da juventude, promo-


vendo a autonomia das mulheres rurais e a geração de renda.
 Troca-troca de sementes: leva ao campo sementes de milho e sorgo
com subsídio de 28%. Com essa ação, o Estado estimula o aumento da
produção e da produtividade, gerando desenvolvimento e qualidade à
vida dos agricultores, fixando-os no meio rural e garantindo susten-
tabilidade ao setor.
 Conservação do solo e da água: adoção de práticas de manejo e con-
servação do solo e da água, mediante uma política permanente. Para
isto, entre outras iniciativas, é oferecido: capacitação de técnicos e agri-
16 Políticas públicas e a sustentabilidade do agronegócio

cultores em agricultura conservacionista; validação e transferência de


tecnologia em uso, manejo e conservação do solo e da água; implantação
de práticas conservacionistas em Unidades de Referência Tecnológica
(URTs); realização de campanhas de uso, manejo e conservação do solo
e da água; produção de um manual de boas práticas de uso, manejo e
conservação do solo e da água.
 Mais grãos de qualidade: incentiva a secagem e armazenagem de grãos
em propriedades rurais, por acreditar que esta é uma forma de agregar
valor aos produtos agrícolas, reduzir custos e aumentar a eficiência da
comercialização, além de manter o produto na mão do produtor para
venda em momento apropriado.
 Programa sementes forrageiras: disponibiliza linhas de crédito com
bônus de adimplência de 30% para aquisição de sementes forrageiras
para pastagens. O objetivo da iniciativa é propiciar aumento de produção
e produtividade e melhorar a qualidade do leite e dos rebanhos de corte
nos estabelecimentos de base familiar.
 Programa estadual de correção e acidez do solo: tem como objetivo
central aumentar a produtividade e, consequentemente, a produção da
pequena propriedade de exploração familiar, promovendo sua susten-
tabilidade e sobrevivência na atividade agropecuária. Além do efeito
direto e imediato sobre o aumento da produtividade, estrategicamente, o
programa pretendeu fomentar e difundir o emprego do insumo calcário
para corrigir a acidez do solo.

Fica claro, enfim, que as políticas públicas são fundamentais não apenas
para o setor agrícola, mas para todos os setores da economia. Assim, é
vital que as políticas públicas estejam voltadas principalmente para a agri-
cultura familiar, visto que, de acordo com o último Censo Agropecuário,
ela é a base da economia de 90% dos municípios brasileiros com até 20
mil habitantes. Além disso, é responsável pela renda de 40% da população
economicamente ativa do país e por mais de 70% dos brasileiros ocupados
no campo (BRASIL, 2018).
Ademais, as políticas públicas devem incentivar a sustentabilidade agrícola
e, para isso, a principal estratégia a ser adotada é a restauração da diversidade
agrícola da paisagem rural. Um problema crítico da agricultura convencional
é a perda da biodiversidade, que atinge formas extremas. Sendo assim, é fun-
damental que o governo dê subsídios e ferramentas para que o setor agrícola
possa se desenvolver de forma harmoniosa com o ambiente.
Políticas públicas e a sustentabilidade do agronegócio 17

ALTIERI, M. Agroecologia: bases científicas para uma agricultura sustentável. Guaíba:


Agropecuária, 2002.
ANTUNES, W. Câmara aprova Projeto de Lei que institui a Política Nacional de iLPF.
Embrapa, 2013. Disponível em: https://www.embrapa.br/busca-de-noticias/-/noti-
cia/1489462/camara-aprova-projeto-de-lei-que-institui-a-politica-nacional-de-ilpf.
Acesso em: 12 set. 2019.
ÁREAS de preservação permanente. Cartilha do Código Florestal Brasileiro, [20--]. Dis-
ponível em http://www.ciflorestas.com.br/cartilha/APP-o-que-deve-ser-recomposto-
-nas-areas-rurais-consolidadas.html. Acesso em: 11 set. 2019.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União,
5 out. 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/consti-
tuicao.htm. Acesso em: 12 set.. 2019.
BRASIL. Lei no. 8.171, de 17 de janeiro de 1991. Dispõe sobre a política agrícola. Diário
Oficial da União, 18 jan. 1991. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/
L8171.htm. Acesso em: 11 set. 2019.
BRASIL. Lei no. 12.651, de 25 de maio de 2012. Dispõe sobre a proteção da vegetação
nativa; altera as Leis nºs 6.938, de 31 de agosto de 1981, 9.393, de 19 de dezembro de
1996, e 11.428, de 22 de dezembro de 2006; revoga as Leis nºs 4.771, de 15 de setem-
bro de 1965, e 7.754, de 14 de abril de 1989, e a Medida Provisória nº 2.166-67, de 24
de agosto de 2001; e dá outras providências. Diário Oficial da União, 28 maio 2012.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12651.
htm. Acesso em: 11 set. 2019.
BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Secretaria de Agricultura
Familiar e Cooperativismo. Agricultura familiar do Brasil é 8ª maior produtora de alimentos
do mundo. 2018. Disponível em http://www.mda.gov.br/sitemda/noticias/agricultura-
-familiar-do-brasil-%C3%A9-8%C2%AA-maior-produtora-de-alimentos-do-mundo.
Acesso em: 11 set. 2019.
BRASIL. Ministério da Economia. Planejamento, Desenvolvimento e Gestão. O que é Lei
de Diretrizes Orçamentárias (LDO)? 2015. Disponível em: http://www.planejamento.gov.
br/servicos/faq/orcamento-da-uniao/leis-e-principios-orcamentarios/o-que-e-lei-de-
-diretrizes-orcamentarias-ldo. Acesso em: 11 set. 2019.
BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. O PEAAF no Plano Nacional de Agroecologia e Pro-
dução Orgânica — PLANAPO. [201-]. Disponível em: https://www.mma.gov.br/destaques/
item/10207-o-peaaf-no-plano-nacional-de-agroecologia-e-produ%C3%A7%C3%A3o-
-org%C3%A2nica-planapo. Acesso em: 11 set. 2019.
CLARO, S. A. Referenciais tecnológicos para a agricultura familiar ecológica: a experiência
da Região Centro Serra do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: EMATER/RS-ASCAR, 2001.
18 Políticas públicas e a sustentabilidade do agronegócio

EMBRAPA. Código florestal: entenda a Lei 12.651 de 25 de maio de 2012. [2019b]. Dis-
ponível em: https://www.embrapa.br/codigo-florestal/entenda-o-codigo-florestal.
Acesso em: 11 set. 2019.
EMBRAPA. Programas de Governo. [2019a]. Disponível em: https://www.embrapa.br/
programas-de-governo. Acesso em: 11 set. 2019.
GONÇALVES, G. C. et al. Elaboração e implementação de políticas públicas. Porto Alegre:
SAGAH, 2017.
HENIG, E. V.; SANTOS, I. A. Políticas públicas, agricultura familiar e cidadania no Brasil:
o caso do PRONAF. Revista Brasileira de Políticas Públicas, v. 6, n. 1, p. 255–269, 2016. Dis-
ponível em: https://www.publicacoesacademicas.uniceub.br/RBPP/article/view/3343/
pdf. Acesso em: 11 set. 2019.
PEREIRA, L. F.; BARBOSA JÚNIOR, M. R. Direito aplicado ao agronegócio. Porto Alegre:
SAGAH, 2018.
POLINSKI, A. C.; PINTO, L. B. Política agrária no Brasil. CRESS PR, 2012. Disponível em:
http://www.cresspr.org.br/site/politica-agraria-no-brasil/. Acesso em: 11 set. 2019.
RIO GRANDE DO SUL. Secretaria da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural.
Políticas públicas. [2019]. Disponível em: https://www.agricultura.rs.gov.br/programas-
-e-projetos. Acesso em: 11 set. 2019.
RURAL NEWS. Agronegócio ou agribusiness. Rural News, 2015. Disponível em: http://
ruralnews.com.br/visualiza.php?id=794. Acesso em: 11 set. 2019.
SENAR (org.). Curso técnico em agronegócio: políticas públicas para o agronegócio.
Brasília: SENAR, 2015.
SILVA, M. G.; DIAS, M. M.; SILVA, S. P. Relações e estratégias de (des)envolvimento rural: po-
líticas públicas, agricultura familiar e dinâmicas locais no município de Espera Feliz (MG).
Revista de Economia e Sociologia Rural, v. 52, n. 2, p. 229–248, 2014. Disponível em http://
www.scielo.br/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S0103-20032014000200002&lng=
pt&nrm=iso. Acesso em: 11 set. 2019.
SOUZA, C. Políticas públicas: uma revisão da literatura. Sociologias, n. 16, p. 20–45,
2006. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pi
d=S1517-45222006000200003. Acesso em: 11 set. 2019.
TRECENTI, R. iLPF — o que é a integração lavoura-pecuária-floresta? Sociedade de
Investigações Florestais, 2016. Disponível em: http://www.sif.org.br/noticia/ilpf--o-que-
-e-integracao-lavoura-pecuaria-floresta. Acesso em: 11 set. 2019.
VELASQUEZ, A. V. Notas sobre o Estado e as políticas públicas. Santa Fe de Bogotá: Al-
mudena Editores, 2001.

Você também pode gostar