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Adriana Capretz Borges da Silva Manhas – 2009.

Apontamentos de aula

A CIDADE MODERNA
• O problema urbanista com o pós-guerra
As primeiras modificações estruturais nas cidades haviam sido causadas já pela Revolução Industrial. A
partir do final do século XIX, com a chamada “segunda revolução industrial” e todos os acontecimentos
gerados a partir da Primeira Grande Guerra, há uma ruptura radical na estrutura, na forma, na
organização distributiva e nos conteúdos e propósitos na urbanística da cidade.

Antes, a cidade apresentava uma prefiguração quase utópica de uma situação que ocorreria no futuro,
agora, se apresenta com extrema gravidade em vários aspectos:

- Funcional: a cidade é um organismo produtivo, que deve desenvolver força de trabalho, portanto,
deve se libertar de tudo o que emperra seu funcionamento;

- Social: a classe operária é a componente mais forte da comunidade urbana, já não podendo ser
considerada pelo critério de um instrumento manobrável e irresponsável;

- Higiênico, em sentido fisiológico e psicológico: a cidade-fábrica é insalubre e também um ambiente


opressor, psicologicamente alienante;

- Político: para utilizar a cidade, é preciso tirá-la das mãos de quem a explora simplesmente em
benefício próprio – o que vem impedindo a adequação da estrutura à função urbana;

- Tecnológico: a tecnologia industrial substituiu a técnica tradicional ou artesanal das construções.


Além disso, se o problema da arquitetura é colocado em escala urbanista, portanto, de construção
civil em série, tal problema só pode ter solução com a tecnologia industrial.

• A cidade moderna – gênese


A chamada cidade moderna, assim como todo o “movimento moderno”, é resultado das
experimentações e formulações teóricas da primeira metade do século XX. Após a Segunda Guerra até
os anos 60-70, com a intensa reconstrução das cidades, esses ideais passam a ter maior aceitação no
escalão técnico e administrativo. Porém, o que antes fora polêmico, inovador, resultado do
pensamento de grandes mestras, passa a ser utilizado indiscriminadamente por projetistas menores,
gerando a monotonia e banalidade, reduzindo a um “estilo modernista”.

Pode-se dividir a gênese da cidade moderna em dois períodos:

- Primeira fase, situada entre as 2 grandes Guerras Mundiais: período “heróico” das formulações
teóricas e experimentações, em que os arquitetos “modernos” se lançam na oposição à urbanística

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formal (tradicional) e na organização da estrutura e morfologia da nova cidade. Todos os
arquitetos vivem em uma era de grande fé nas novas tecnologias. Neste período, são formuladas
experiências de destruição e abandono do quarteirão, da rua e da praça, sendo em seu lugar propostas
novas tipologias de torres e blocos; a cidade é distribuída em zoneamentos rígidos. Boa parte da
afirmação do Movimento Moderno pertence à arquitetura dos edifícios e ao fascínio que a nova
estética exerceu. Assim, a urbanística é apoiada pela arquitetura e artes plásticas, numa convulsão
intelectual;

- Segunda fase, do final da Segunda Guerra até os anos 70: a reconstrução das cidades (devido à
guerra e também a outros fenômenos sociais) e as novas necessidades habitacionais levam à
construção de habitações, bairros e cidades em um ritmo nunca antes conhecido. Os executivos da
reconstrução européia encontram na urbanística moderna a resposta rápida para seus problemas,
facilitado pela ascensão de arquitetos modernos em cargos de decisão. Esta avalanche de planos e
projetos também instala rotina e monotonia. Na França e Portugal, por exemplo, a separação da
composição urbana por sistemas independentes – com preponderância para o sistema viário – torna
a engenharia de tráfego o motor do planejamento, com traçado de vias antecedendo os traçados
urbanos. Este período é denominado “urbanística operacional”, e os resultados passam a provocar
violentas críticas e reações nos anos posteriores.

• A questão do alojamento
Novas tipologias construtivas, novas formas urbanas.
O urbanismo moderno é de início um urbanismo habitacional, tanto pela importância do
alojamento quanto pelas novas tipologias construtivas: o bloco, a torre, o conjunto.

- ALOJAMENTO: célula-base da organização da cidade. Através dos sistemas de agregação desta


unidade- base, se atinge as tipologias de bloco, torre, complexo habitacional, ou ainda, em alguns
casos, a vivenda unifamiliar.

- BAIRRO: unidade urbana a partir da qual existe vida comunitária e social. Esta pesquisa aborda os
aspectos quantitativos e distributivos: a dimensão ótima do bairro como unidade de vida urbana e
sua organização funcional. Produz múltiplas variantes de “unidades de vizinhança”.

- CIDADE: unidade urbana de dimensão máxima como organismo vivo e corretamente organizado.

A forma urbana irá decorrer das considerações habitacionais, em detrimento de espaços urbanos: O
espaço urbano torna-se “resíduo” diante das exigências habitacionais. A partir do alojamento como
unidade-base, estruturam-se as tipologias habitacionais: o bloco, a torre, o complexo, a moradia.
Estas, por sua vez, dispõem-se no terreno em função de necessidades higiênicas, de insolação,
arejamento e acessos. Assim, os edifícios deixam de pertencer à estrutura superior do quarteirão e
se autonomizam. As ruas deixam de pertencer às relações físico-espaciais da cidade e se reduzem a
traçado de circulação e serviço.

Portanto, a diferença da cidade tradicional (urbanística formal) e da cidade moderna é que na


primeira, o alojamento e o edifício eram determinados pelo lote, ou seja, gerados pela posição e
implantação previamente determinados pela forma urbana. Agora, ao contrário, na cidade
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moderna é o alojamento (edifícios, blocos, torres) que determinam as formas urbanas. O que
sobre é espaço residual, não é mais objeto de desenho urbano.

• Funcionalismo - a simplificação dos problemas.


A urbanística moderna se preocupou obsessivamente pela boa arrumação e distribuição dos usos
do solo. A Carta de Atenas (Le Corbusier, 1941) chegou a obrigar a isolar, separar e arrumar as
principais funções da cidade: habitar, trabalhar, cultivar corpo e espírito e circular.

A lógica funcionalista zonifica a cidade por funções e determina a concepção urbana por sistemas
independentes – sistema de circulação, sistema habitacional, sistema de equipamentos, sistema de
trabalho, sistema de recreio etc. – sistemas que se localizam no território autonomamente, em
função de lógicas próprias e problemas específicos. Isso gera autonomização e independência física
dos vários sistemas entre si, e eles deixam de se relacionar espacial e formalmente. Até a
representação acontece por meio de sistemas independentes: planta viária, planta de
equipamentos, mapa cadastral; etc. Na cidade tradicional, estes sistemas se encontravam numa
matriz comum, o que não acontece na cidade moderna, sendo esta a ruptura. Este funcionalismo
aconteceu na arquitetura, na medida em que, com o sistema de prefabricação, o edifício passou a
ser feito rapidamente, no mesmo modo, em qualquer lugar, não havendo preocupação de sua
adequação com o entorno (escala dos edifícios, por exemplo). A cidade moderna consumirá
grandes áreas para bairros habitacionais (tantas vezes dormitórios). Esta questão volta
recentemente com o “novo urbanismo”.

• Questão fundiária – parcelamento e solo público


- Cidade tradicional: o desenho urbano assimila o parcelamento e a divisão cadastral, separando o
solo privado e o solo público.

- Cidade Moderna: associa-se a operações em que o Estado ou a municipalidade detém o uso do solo
(adquirido por compra ou expropriação) e urbanizam sem redivisão fundiária, ou, quando muito,
privatizam só o espaço do edifício. No caso dos edifícios com pilotis, (Le Corbusier), até o próprio
solo do edifício é público.

A forma dos bairros resultava da forma da gleba. Assim, esta possibilidade de encher facilmente a
gleba será posteriormente aproveitada tanto por administrações públicas quanto por interesses
privados. Este processo abriu a possibilidade de loteamentos independentes, organizados no
interior de cada propriedade, embora não garantisse a continuidade espacial das parcelas
contíguas. Assim, a cidade moderna pretende, sem a necessidade de lotear, com o solo livre de
parcelamento, o edifício era livremente disposto no terreno, organizando livremente a forma do
bairro e da cidade.

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• Relação edifício & cidade moderna
A morfologia da cidade moderna assentará em coleções de objetos isolados, albergando suas funções e
bem orientados pelo sol arejados e afastados uns dos outros. Não é uma morfologia de espaços
urbanos: de ruas, praças, avenidas, largos e sim, de volumes e objetos “pousados” no território. Isso
possibilitou aos arquitetos sua criatividade e afirmação pessoal, sem os constrangimentos da
integração urbana. Assim, a arquitetura se dissocia do urbanismo.

• Os CIAMs e a Carta de Atenas


Os CIAMs foram Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna, que promoveram e divulgaram
idéias da arquitetura e urbanística modernas, com o objetivo de comparar periodicamente as
experiências, a fim de aprofundar os problemas tratados e apresentar ao público as soluções
encontradas. O primeiro CIAM aconteceu no castelo de La Sarraz, no ano de 1928. Desde La Sarraz
até Watterloo, durante 30 anos, foram realizados onze congressos.

As discussões promovidas nos CIAMs tiveram duas vertentes: a interna, polêmica, apaixonada, tantas
vezes contraditória, refletindo as suas tendências, sensibilidades, posições e contradições; e a exterior,
para conhecimento público e a divulgação dos ideais comuns, portanto, clara na sua exposição e no
conteúdo, mas necessariamente redutora, porque consensual.

Para os CIAM, a nova urbanística não poderia reduzir-se à melhoria técnica da urbanística corrente,
mas constituir uma alternativa com inspiração ideológica e política distinta. Na produção teórica, os
trabalhos do CIAM passaram por três fases:

- 1ª fase: de 1928 a 1933, tratando sobretudo os problemas habitacionais;

- 2ª fase: de 1933 a 1947, fortemente influenciada por Le Corbusier. No Congresso de 1933 foi redigida
a Carta de Atenas, publicada oito anos depois. Neste período são abordadas as questões do
planejamento urbanos sob uma óptica funcionalista e é o período que terá mais influência na
urbanística e na organização das cidades.

- 3a fase: de 1947 até seu encerramento definitivo em 1959, em Waterloo. Aponta a necessidade de
uma ambiente físico que satisfizesse as necessidades emocionais e materiais do homem,
questionando a eficácia das formas modernas, desenterrando a validade dos espaços da cidade
tradicional e iniciando crítica ao racionalismo e funcionalismo.

A Carta de Atenas
A Carta de Atenas constituiu uma síntese das posições dos CIAM sobre a organização e planejamento
das cidades, resultado do trabalho desenvolvido em oito dias pelo IV CIAM, em 1933, a bordo do navio
Patria, navegando de Marselha a Atenas. Tornada pública somente em 1941 por iniciativa de Le
Corbusier, que redigiu o texto final e terá sido seu principal mentor, a carta evidencia a coincidência de
posições e identificação da sua obra com os CIAM. A morfologia contida nos postulados da Carta
influencia fortemente a produção no pós Segunda Guerra até o final dos anos 60.
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As quatro funções principais – habitar, trabalhar, recrear e circular – engendram áreas específicas. A
cada função a sua área de solo exclusiva e a área residencial ocupa o lugar privilegiado. A circulação,
hierarquizada, deve organizar a cidade existente. O grande objetivo será a boa circulação, com
separação total entre carro e pedestre. A aplicação exaustiva deste postulados conduziu à “cidade
funcionalista”. Hoje parece existir um consenso entre as malfeitorias do funcionalismo: áreas centrais
vazias à noite e cidades-dormitório. Também a necessidade de circular rapidamente provocou
estragos irreparáveis às cidades, pela destruição dos bairros e dos tecidos sociais, alargando ruas,
destruindo edifícios etc., afastando os congestionamentos para cada vez mais longe. Hoje esta
prática está sendo substituída pelo inverso, que é a “domesticação do automóvel”.

• Inovações trazidas pelo Movimento Moderno


1. Análise das funções que se desenvolvem na cidade

moderna

Le Corbusier classifica 4 principais funções da cidade:

- habitar (mais importante);

- trabalhar;

- cultivar corpo e espírito

- circular.

Como a residência é o elemento mais importante da cidade, é inseparável dos serviços, que são
“prolongamentos das moradas”.

As atividades produtivas (agricultura, indústria e comércio) são colocadas no mesmo nível, e


determinam os três tipos de estabelecimentos humanos: 1. unidade de cultivo agrícola (espalhado pelo
território); 2. cidade linear industrial; 3. cidade radiocêntrica das trocas.

Esses 3 estabelecimentos devem substituir a cidade tentacular tradicional, que mistura as 3 funções e
impede seu desenvolvimento.

As atividades recreativas são reavaliadas e requerem espaços livres apropriados, esparsos por toda a
cidade. Na cidade burguesa, eram ilhas separadas num tecido contínuo compacto.

A circulação é selecionada segundo os caracteres dos vários meios de transporte e as necessidades das
outras funções, por ordem de importância. Ruas separadas para pedestres, bicicletas, veículos velozes
ou lentos, traçados livremente pelo espaço contínuo da cidade-parque.

Desde o início, os arquitetos modernos criticam a combinação entre interesse público e


propriedade particular que já se encontrava na base da cidade burguesa, e indicam a
alternativa a alcançar: a reconquista do controle público sobre todo o espaço da cidade.
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2. A definição dos mínimos elementos para cada uma das funções urbanas:

É preciso individualizar algumas combinações que resolvam um dado problema recorrente, e que se
prestem, em seguida, a serem associadas em outras combinações mais complexas.

Na vida cotidiana, encontram-se continuamente estas combinações: a união de um mecanismo interno,


de uma chapa externa e de uma empenhadeira formam uma maçaneta, que resolve o problema de
abrir e fechar a porta; a maçaneta, junto com a armação, o batente e as dobradiças, formam uma
porta; esta, junto com a janela, paredes, piso, móveis e teto formam o quarto, que serve para dormir
ou estudar; vários quartos formam uma moradia; várias moradias formam um bairro e vários bairros
formam uma cidade.

Se o problema for simples (abrir e fechar), o objeto pode ter uma forma constante, com poucas
variantes; se o problema for complexo (dormir, estudar), o objeto pode assumir várias formas, com
numerosas variantes, de acordo com o problema novo (quarto com isolamento acústico, aberto para o
exterior etc.).

Os arquitetos modernos redesenham a gama de objetos móveis que forma o entorno imediato das
operações da vida diária. Mas esta busca se estende para os elementos funcionais que correspondem às
4 funções urbanas.

Assumindo a moradia (e não o edifício) como ponto de partida para reorganizar a cidade, passa-se a
rejeitar os modelos de edifícios da cidade burguesa tradicional (casa no alinhamento da rua e vila
afastada). Considerando que esta tipologia foi fundamentada na relação propriedade pública x
particular, a arquitetura moderna se propõe a reconstruir a cidade segundo as exigências dos
habitantes e não dos proprietários. Assim, a arquitetura moderna busca:

- analisar a estrutura interna da moradia e das relações entre as partes componentes;

- estabelecer regras para agrupar livremente as moradias, sempre considerando as necessidades dos
habitantes, considerando as relações moradia x serviços coletivos (escolas, lojas, hospitais, teatros,
clubes) formam o bairro, estrutura principal de uma cidade moderna.

3. Busca de modelos de agrupamentos entre os elementos funcionais, isto é, a definição da


estrutura deconjunto da cidade moderna.

A pesquisa sobre a residência não termina na escala da moradia, mas prolonga-se na escala do bairro, e
leva a individualizar outros elementos funcionais, que compreendem um certo número de moradias e
de serviços, as unidades de habitação.

A unidade menor (300-400 moradias) com serviços básicos, se combina com outras, formando uma
unidademaior, uma unidade secundária (100-1200 moradias).

Assim, todos os elementos da cidade podem ser colocados numa relação exata com as casas. A
estrutura urbana se torna verdadeiramente subordinada à residência.

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BIBLIOGRAFIA:
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. História da Arte como História da Cidade. Ed. Companhia das
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GÖSSEL, P. & LEUTHÄUSER, G. Arquitetura no século XX. Germany: Benedikt Taschen,
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1998.PERRY, Clarence. The neighborhood unit. In: Committee on regional plan of New York and its environs, Nova
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SILVA, Adriana Capretz B. da. Unidades de Vizinhança. VII ENTAC. Salvador, 2000.
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1989.

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