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Apontamentos de aula
A CIDADE MODERNA
• O problema urbanista com o pós-guerra
As primeiras modificações estruturais nas cidades haviam sido causadas já pela Revolução Industrial. A
partir do final do século XIX, com a chamada “segunda revolução industrial” e todos os acontecimentos
gerados a partir da Primeira Grande Guerra, há uma ruptura radical na estrutura, na forma, na
organização distributiva e nos conteúdos e propósitos na urbanística da cidade.
Antes, a cidade apresentava uma prefiguração quase utópica de uma situação que ocorreria no futuro,
agora, se apresenta com extrema gravidade em vários aspectos:
- Funcional: a cidade é um organismo produtivo, que deve desenvolver força de trabalho, portanto,
deve se libertar de tudo o que emperra seu funcionamento;
- Social: a classe operária é a componente mais forte da comunidade urbana, já não podendo ser
considerada pelo critério de um instrumento manobrável e irresponsável;
- Político: para utilizar a cidade, é preciso tirá-la das mãos de quem a explora simplesmente em
benefício próprio – o que vem impedindo a adequação da estrutura à função urbana;
- Primeira fase, situada entre as 2 grandes Guerras Mundiais: período “heróico” das formulações
teóricas e experimentações, em que os arquitetos “modernos” se lançam na oposição à urbanística
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formal (tradicional) e na organização da estrutura e morfologia da nova cidade. Todos os
arquitetos vivem em uma era de grande fé nas novas tecnologias. Neste período, são formuladas
experiências de destruição e abandono do quarteirão, da rua e da praça, sendo em seu lugar propostas
novas tipologias de torres e blocos; a cidade é distribuída em zoneamentos rígidos. Boa parte da
afirmação do Movimento Moderno pertence à arquitetura dos edifícios e ao fascínio que a nova
estética exerceu. Assim, a urbanística é apoiada pela arquitetura e artes plásticas, numa convulsão
intelectual;
- Segunda fase, do final da Segunda Guerra até os anos 70: a reconstrução das cidades (devido à
guerra e também a outros fenômenos sociais) e as novas necessidades habitacionais levam à
construção de habitações, bairros e cidades em um ritmo nunca antes conhecido. Os executivos da
reconstrução européia encontram na urbanística moderna a resposta rápida para seus problemas,
facilitado pela ascensão de arquitetos modernos em cargos de decisão. Esta avalanche de planos e
projetos também instala rotina e monotonia. Na França e Portugal, por exemplo, a separação da
composição urbana por sistemas independentes – com preponderância para o sistema viário – torna
a engenharia de tráfego o motor do planejamento, com traçado de vias antecedendo os traçados
urbanos. Este período é denominado “urbanística operacional”, e os resultados passam a provocar
violentas críticas e reações nos anos posteriores.
• A questão do alojamento
Novas tipologias construtivas, novas formas urbanas.
O urbanismo moderno é de início um urbanismo habitacional, tanto pela importância do
alojamento quanto pelas novas tipologias construtivas: o bloco, a torre, o conjunto.
- BAIRRO: unidade urbana a partir da qual existe vida comunitária e social. Esta pesquisa aborda os
aspectos quantitativos e distributivos: a dimensão ótima do bairro como unidade de vida urbana e
sua organização funcional. Produz múltiplas variantes de “unidades de vizinhança”.
- CIDADE: unidade urbana de dimensão máxima como organismo vivo e corretamente organizado.
A forma urbana irá decorrer das considerações habitacionais, em detrimento de espaços urbanos: O
espaço urbano torna-se “resíduo” diante das exigências habitacionais. A partir do alojamento como
unidade-base, estruturam-se as tipologias habitacionais: o bloco, a torre, o complexo, a moradia.
Estas, por sua vez, dispõem-se no terreno em função de necessidades higiênicas, de insolação,
arejamento e acessos. Assim, os edifícios deixam de pertencer à estrutura superior do quarteirão e
se autonomizam. As ruas deixam de pertencer às relações físico-espaciais da cidade e se reduzem a
traçado de circulação e serviço.
A lógica funcionalista zonifica a cidade por funções e determina a concepção urbana por sistemas
independentes – sistema de circulação, sistema habitacional, sistema de equipamentos, sistema de
trabalho, sistema de recreio etc. – sistemas que se localizam no território autonomamente, em
função de lógicas próprias e problemas específicos. Isso gera autonomização e independência física
dos vários sistemas entre si, e eles deixam de se relacionar espacial e formalmente. Até a
representação acontece por meio de sistemas independentes: planta viária, planta de
equipamentos, mapa cadastral; etc. Na cidade tradicional, estes sistemas se encontravam numa
matriz comum, o que não acontece na cidade moderna, sendo esta a ruptura. Este funcionalismo
aconteceu na arquitetura, na medida em que, com o sistema de prefabricação, o edifício passou a
ser feito rapidamente, no mesmo modo, em qualquer lugar, não havendo preocupação de sua
adequação com o entorno (escala dos edifícios, por exemplo). A cidade moderna consumirá
grandes áreas para bairros habitacionais (tantas vezes dormitórios). Esta questão volta
recentemente com o “novo urbanismo”.
- Cidade Moderna: associa-se a operações em que o Estado ou a municipalidade detém o uso do solo
(adquirido por compra ou expropriação) e urbanizam sem redivisão fundiária, ou, quando muito,
privatizam só o espaço do edifício. No caso dos edifícios com pilotis, (Le Corbusier), até o próprio
solo do edifício é público.
A forma dos bairros resultava da forma da gleba. Assim, esta possibilidade de encher facilmente a
gleba será posteriormente aproveitada tanto por administrações públicas quanto por interesses
privados. Este processo abriu a possibilidade de loteamentos independentes, organizados no
interior de cada propriedade, embora não garantisse a continuidade espacial das parcelas
contíguas. Assim, a cidade moderna pretende, sem a necessidade de lotear, com o solo livre de
parcelamento, o edifício era livremente disposto no terreno, organizando livremente a forma do
bairro e da cidade.
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• Relação edifício & cidade moderna
A morfologia da cidade moderna assentará em coleções de objetos isolados, albergando suas funções e
bem orientados pelo sol arejados e afastados uns dos outros. Não é uma morfologia de espaços
urbanos: de ruas, praças, avenidas, largos e sim, de volumes e objetos “pousados” no território. Isso
possibilitou aos arquitetos sua criatividade e afirmação pessoal, sem os constrangimentos da
integração urbana. Assim, a arquitetura se dissocia do urbanismo.
As discussões promovidas nos CIAMs tiveram duas vertentes: a interna, polêmica, apaixonada, tantas
vezes contraditória, refletindo as suas tendências, sensibilidades, posições e contradições; e a exterior,
para conhecimento público e a divulgação dos ideais comuns, portanto, clara na sua exposição e no
conteúdo, mas necessariamente redutora, porque consensual.
Para os CIAM, a nova urbanística não poderia reduzir-se à melhoria técnica da urbanística corrente,
mas constituir uma alternativa com inspiração ideológica e política distinta. Na produção teórica, os
trabalhos do CIAM passaram por três fases:
- 2ª fase: de 1933 a 1947, fortemente influenciada por Le Corbusier. No Congresso de 1933 foi redigida
a Carta de Atenas, publicada oito anos depois. Neste período são abordadas as questões do
planejamento urbanos sob uma óptica funcionalista e é o período que terá mais influência na
urbanística e na organização das cidades.
- 3a fase: de 1947 até seu encerramento definitivo em 1959, em Waterloo. Aponta a necessidade de
uma ambiente físico que satisfizesse as necessidades emocionais e materiais do homem,
questionando a eficácia das formas modernas, desenterrando a validade dos espaços da cidade
tradicional e iniciando crítica ao racionalismo e funcionalismo.
A Carta de Atenas
A Carta de Atenas constituiu uma síntese das posições dos CIAM sobre a organização e planejamento
das cidades, resultado do trabalho desenvolvido em oito dias pelo IV CIAM, em 1933, a bordo do navio
Patria, navegando de Marselha a Atenas. Tornada pública somente em 1941 por iniciativa de Le
Corbusier, que redigiu o texto final e terá sido seu principal mentor, a carta evidencia a coincidência de
posições e identificação da sua obra com os CIAM. A morfologia contida nos postulados da Carta
influencia fortemente a produção no pós Segunda Guerra até o final dos anos 60.
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As quatro funções principais – habitar, trabalhar, recrear e circular – engendram áreas específicas. A
cada função a sua área de solo exclusiva e a área residencial ocupa o lugar privilegiado. A circulação,
hierarquizada, deve organizar a cidade existente. O grande objetivo será a boa circulação, com
separação total entre carro e pedestre. A aplicação exaustiva deste postulados conduziu à “cidade
funcionalista”. Hoje parece existir um consenso entre as malfeitorias do funcionalismo: áreas centrais
vazias à noite e cidades-dormitório. Também a necessidade de circular rapidamente provocou
estragos irreparáveis às cidades, pela destruição dos bairros e dos tecidos sociais, alargando ruas,
destruindo edifícios etc., afastando os congestionamentos para cada vez mais longe. Hoje esta
prática está sendo substituída pelo inverso, que é a “domesticação do automóvel”.
moderna
- trabalhar;
- circular.
Como a residência é o elemento mais importante da cidade, é inseparável dos serviços, que são
“prolongamentos das moradas”.
Esses 3 estabelecimentos devem substituir a cidade tentacular tradicional, que mistura as 3 funções e
impede seu desenvolvimento.
As atividades recreativas são reavaliadas e requerem espaços livres apropriados, esparsos por toda a
cidade. Na cidade burguesa, eram ilhas separadas num tecido contínuo compacto.
A circulação é selecionada segundo os caracteres dos vários meios de transporte e as necessidades das
outras funções, por ordem de importância. Ruas separadas para pedestres, bicicletas, veículos velozes
ou lentos, traçados livremente pelo espaço contínuo da cidade-parque.
É preciso individualizar algumas combinações que resolvam um dado problema recorrente, e que se
prestem, em seguida, a serem associadas em outras combinações mais complexas.
Se o problema for simples (abrir e fechar), o objeto pode ter uma forma constante, com poucas
variantes; se o problema for complexo (dormir, estudar), o objeto pode assumir várias formas, com
numerosas variantes, de acordo com o problema novo (quarto com isolamento acústico, aberto para o
exterior etc.).
Os arquitetos modernos redesenham a gama de objetos móveis que forma o entorno imediato das
operações da vida diária. Mas esta busca se estende para os elementos funcionais que correspondem às
4 funções urbanas.
Assumindo a moradia (e não o edifício) como ponto de partida para reorganizar a cidade, passa-se a
rejeitar os modelos de edifícios da cidade burguesa tradicional (casa no alinhamento da rua e vila
afastada). Considerando que esta tipologia foi fundamentada na relação propriedade pública x
particular, a arquitetura moderna se propõe a reconstruir a cidade segundo as exigências dos
habitantes e não dos proprietários. Assim, a arquitetura moderna busca:
- estabelecer regras para agrupar livremente as moradias, sempre considerando as necessidades dos
habitantes, considerando as relações moradia x serviços coletivos (escolas, lojas, hospitais, teatros,
clubes) formam o bairro, estrutura principal de uma cidade moderna.
A pesquisa sobre a residência não termina na escala da moradia, mas prolonga-se na escala do bairro, e
leva a individualizar outros elementos funcionais, que compreendem um certo número de moradias e
de serviços, as unidades de habitação.
A unidade menor (300-400 moradias) com serviços básicos, se combina com outras, formando uma
unidademaior, uma unidade secundária (100-1200 moradias).
Assim, todos os elementos da cidade podem ser colocados numa relação exata com as casas. A
estrutura urbana se torna verdadeiramente subordinada à residência.
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