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Jan Gehl

Cap 1 pag 21

A tendência para viver e em cidades e áreas residenciais moribundas que acompanhou a


industrialização, a segregação de várias funções da cidade e a dependência do automóvel
levaram também as cidades a se tornarem mais enfadonhas e mais monótonas. Isto aponta
para outra necessidade importante, mormente a necessidade de estimulação.

Experienciar outras pessoas representa uma oportunidade particularmente variegada e


atraente de estimulação. Quando comparada com o experiencias edifícios e de outros objetos
inanimados, experiencias outras pessoas, que falam e se deslocam, oferece uma abundante
variedade sensitiva. Quando as pessoas circulam entre outras pessoas nenhum momento é
como o anterior ou o seguinte.

As cidades vivas, portanto, aquelas em que as pessoas podem interagir umas com as outras,
são sempre estimulantes porque são ricas em experiências, em contraste com as cidades
moribundas, que mal podem evitar ser pobres em experiências e são, por conseguinte
enfadonhas, independentemente da quantidade de cores e de formas que sejam introduzidas
nos seus edifícios.

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A vida entre edifícios é aqui discutida porque a extensão e o caráter das atividades exteriores
são grandemente influenciados pelo planejamento físico. Tal como é possível criar, através da
escolha de materiais e de cores, uma certa paleta numa cidade, é igualmente possível, através
das decisões de planeamento, influenciar padrões de atividades, criar melhores ou piores
condições para acontecimentos exteriores e criar cidades vivas ou moribundas.

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O fato de um aumento marcado das atividades exteriores ser muitas vezes observado em
ligação a melhorias da qualidade, torna evidente que a situação encontrada numa área
específica e num certo momento dá frequentemente uma indicação incompleta da
necessidade de espaços públicos e atividades exteriores e que podem, na verdade, já existir na
área. O estabelecimento de um enquadramento físico apropriado para atividades sociais e
recreativas tem revelado, uma e outra vez, uma necessidade humana reprimida que foi à
partida ignorada.

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No que respeita à forma, existem variações aparentemente grandes entre os diferentes


modelos de cidade, especialmente de um ponto de vista da História da Arte, mas na realidade
e em relação com a presente discussão acerca das ideologias de planeamento urbano e
atividades exteriores apenas ocorreram dois desenvolvimentos radicais dignos de nota: um
relacionado com o Renascimento e outro com o movimento funcionalista.

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As cidades medievais e pequenas vilas auto-erigidas, não se desenvolveram baseadas em


planos, mas, ao invés, evoluíram através de um processo que o mais das vezes levou muitas
centenas de anos, esse processo lento permitiu um ajustamento e uma adaptação contínuos
do ambiente físico às funções da cidade. A cidade não era um fim em si própria, mas uma
ferramenta moldada para uso.

A base para o planejamento urbano foi radicalmente alterada por duas vezes desde a Idade
Média.

A primeira mudança radical deu-se durante o Renascimento e tem uma relação direta com a
transição de cidades livremente erigidas para cidades planejadas. Um grupo especial de
urbanistas profissionais assumiu o encargo de construir cidades e desenvolveu teorias e ideias
acerca de como as cidades deveriam ser.

As áreas entre edifícios as funções nelas contidas deixariam de constituir os principais pontos
de interesse; ao invés, seria dada precedência aos efeitos espaciais, aos edifícios e aos artistas
que os moldavam.

Neste período foi principalmente a aparência da cidade e os seus edifícios – os aspectos visuais
– que foram desenvolvidos e transformados nos critérios da boa arquitetura e desenho
urbano. Ao mesmo tempo, certos aspectos funcionais foram examinados, em particular os
problemas relacionados com a defesa, transportes e funções sociais formalizadas.

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O segundo desenvolvimento importante da base do planejamento deu-se por volta de 1930


sob o nome de funcionalismo. Durante este período, os aspectos físico-funcionais das cidades
e dos edifícios foram desenvolvidos como uma dimensão do planejamento independente e
complementar da estética.

A base do funcionalismo foi, antes de mais, o conhecimento médico desenvolvido durante o


século XIX e primeiras décadas do século XX. Por volta de 1930, este novo e extenso
conhecimento médico fundamentou vários critérios para uma arquitetura saudável e
fisiologicamente adequada. As habitações deveriam ter luz, sol e ventilação, e aos moradores
deveriam ser garantido o acesso a espaços desafogados. Os requisitos para a orientação de
edifícios isolados em direção ao sol e não, como antes, em direção à rua e os requisitos para a
separação entre áreas residenciais e áreas de trabalho foram formulados durante este período
a fim de assegurar condições de vida individuais saudáveis e distribuir mais justamente os
benefícios físicos

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Os funcionalistas não referiram os aspectos psicológicos e sociais do desenho de edifícios ou


de espaços públicos. Esta falta de interesse é também evidente a respeito dos espaços
públicos. Não foi sequer considerando que o desenho de edifícios pudesse influenciar
atividades recreativas, padrões de contato e possibilidades de encontro, só uma ideologia de
planejamento física e materialmente orientada.

De forma simplificada, a estética formulada na Renascença e desenvolvida nos séculos


seguintes, bem como os preceitos funcionalistas a respeito dos aspectos fisiológicos do
planeamento, são as ideologias segundo as quais as cidades e as habitações foram construídas
nos anos que vão de 1930 até às últimas décadas do século XX. Estes conceitos foram
cuidadosamente examinados nos últimos anos e adotados especificamente em regulamentos
e códigos de edificação. E foi à volta destes conceitos que uma parte importante do trabalho
dos arquitetos e urbanistas se centrou durante aquelas importantes décadas em que se
realizou a maioria de toda a urbanização dos países industriais.

Como alternativa as já existentes habitações operárias, sombrias, sobrepovoadas e malsãs, os


novos e iluminados blocos ofereciam muitas vantagens óbvias e foi fácil argumentar a seu
favor.

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A disseminação e o desbaste das habitações asseguraram luz e ar, mas também causaram uma
rarefação excessiva de pessoas e acontecimentos. A diferenciação da função entre habitações
e fábricas, edifícios públicos e por aí em diante pode ter reduzido as desvantagens fisiológicas,
mas também reduziu as possíveis vantagens de um contato mais próximo.

Grandes distâncias entre pessoas, acontecimentos e funções caracterizam as novas áreas das
cidades. Os sistemas de transporte, baseados no automóvel, contribuíram ainda mais para a
redução de atividades exteriores. Além disso, o desenho espacial mecânico e insensível,
resultante de projetos de edificações individuais, teve um efeito dramático nas atividades
exteriores.

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Esses exemplos ilustram como o planejamento do pós-guerra influenciou significativamente a


vida entre edifícios. A vida foi literalmente posta de fora destas novas áreas, não como parte
de um conceito de planejamento sensata, mas como um subproduto de uma longa série de
outras preocupações.

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