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Anais do III Simpósio de Cognição e Artes Musicais - Internacional

Proceedings of the 3rd Symposium on Cognition and Musical Arts -


International

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Universidade Federal da Bahia

Reitor
Naomar Monteiro de Almeida Filho

Vice-Reitor
Francisco José Gomes Mesquita

Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação


Herbet Conceição

Assessor para Assuntos Internacionais


Emílio José de Castro e Silva

Diretor da Escola de Música


Horst Karl Schwebel

Vice-Diretor da Escola de Música


Lucas Robatto

Coordenador do Colegiado de Pós-Graduação em Música


Ricardo Mazzini Bordini

Chefe do Departamento de Música Aplicada


Heinz Schwebel

Chefe do Departamento CLEM


Pedro Kröger

Coordenadora do Núcleo de Pesquisa em Performance Musical e Psicologia


Diana Santiago

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Anais do III Simpósio de Cognição e Artes Musicais - Internacional

Proceedings of the 3rd Symposium on Cognition and Musical Arts -


International

Diana Santiago e Ricardo Bordini


Organizadores

Escola de Música da UFBA


Programa de Pós-Graduação em Música
Salvador, Bahia, 2007

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Editoração
Josias Almeida Jr.

Capa
Virgínia Lúcia Pimentel Souza
Revisão
Diana Santiago

S612 Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais (3. : 2007 : Salvador, BA).
Anais do 3º Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais / Escola
de Música, Programa de Pós-Graduação; Diana Santiago e Ricardo Bordini
organizadores. - Salvador : EDUFBA, 2007.
687 p.

ISBN 978-85-60667-04-8

1. Música - Congressos. 2. Compositores - Congressos. I. Santiago, Diana.


II. Bordini, Ricardo. III. Universidade Federal da Bahia. Escola de Música. IV. Título.

CDU - 78
CDD - 780.7

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III Simpósio de Cognição e Artes Musicais - Internacional

Proceedings of the 3rd Symposium on Cognition and Musical Arts -


International

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Salvador, Bahia, 21 a 25 de maio de 2007
Escola de Música da Universidade Federal da Bahia
Programa de Pós-Graduação em Música
Associação Brasileira de Cognição e Artes Musicais

Cordenador Geral/Symposium Chair


Diana Santiago

Coordenadores Científicos/Co-Chairs of the Scientific Committee


Diana Santiago, Ricardo Bordini (UFBA), Beatriz Ilari & Mauricio Dottori (UFPR)
Comitê Científico/Scientific Committee
Afonso Galvão – UCB
Ângelo Martingo – Instituto Politécnico do Porto, Portugal
Beatriz Ilari – UFPR
Beatriz Raposo de Medeiros – USP
Claudiney Carrasco – Unicamp
Carlos Alberto Monsores da Fonseca – NUPSIMUS-UFBA
Christian Alessandro Lisboa – NUPSIMUS-UFBA
Elizabeth Reis Teixeira – UFBA
Maurílio Rafael – UFPB
Pedro Kröger – UFBA
Pedro Robatto– UFBA
Reinhard Kopiez – Hanover University for Music and Drama
Rodolfo Coelho de Souza– USP
Siw Nielsen – Norges musikkhøgskole, Oslo, Noruega
Tânia Lisboa – Royal College of Music, Inglaterra
Thelma Sydenstricker – UFES

Coordenação Artística/Chair, Artistic Committee


Heinz Schwebel (UFBA)

Produção executiva/Production manager


Fernando Marinho
Comissão organizadora/Organizing Committee
Carlos Alberto Monsores da Fonseca, Christian Alessandro Lisboa, Diana Santiago, Mackely
Ribeiro Borges, Maria Luiza Santos Barbosa, Marineide Maciel, Mariana Wild, Norberto
Krüger, Vilma de Oliveira Silva Fogaça

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Artistas/Artists
Ângelo Martingo
Cristina Capparelli
Grupo de Música Eletroacústica da EMAC - UFG
Henrique Neto
Lucas Robatto
Mario Ulloa
Pedro Robatto
Ricardo Dourado Freire
Tânia Lisboa
Terri Mitchell
Zélia Chueke

Agradecimentos/Acknowledments
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia - FAPESB
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES
Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-graduação da UFBA
Prof. Horst Schwebel
Christian Alessandro Lisboa
Maria Luiza Santos Barbosa
Norberto Krüger
Virgínia Lúcia Pimentel Souza
Anorita Guimarães da Ressurreição
Eretuza Nunes Pugliese
Mackely Ribeiro Borges
Universidade Federal do Paraná
Hotel Tropical da Bahia

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Apresentação

Com enorme satisfação, constatamos o crescente interesse na área de Cognição e


Música no Brasil, que já nos permite realizar o III Simpósio de Cognição e Artes Musicais -
Internacional (SIMCAM), desta vez na Universidade Federal da Bahia, cujo Programa de
Pós-graduação em Música conta com pesquisadores envolvidos na área, alguns nela atu-
ando desde 1995, quando da criação do Núcleo de Pesquisa em Performance Musical e
Psicologia.
Dando prosseguimento aos dois profícuos encontros que o antecederam, realizados
ambos pelo Departamento de Artes da Universidade Federal do Paraná, o III SIMCAM
congrega pesquisadores de catorze países em um fórum de debates amplo e diversifica-
do. Firma, assim, os estudos sobre Cognição e Música em nosso país, oportunizando espa-
ço para novos avanços em área fundamental à compreensão dos processos inerentes ao
fazer musical em suas múltiplas formas, e para a consolidação da recém-criada Associação
Brasileira de Cognição e Artes Musicais.
A publicação destes Anais sela os temas aqui levantados e presenteia-nos com o
material indispensável à reflexão durante o espaço de tempo a nos separar dos próximos
encontros, em São Paulo em 2008 (Nacional) e Goiânia em 2009 (Internacional).
Axé!

Salvador, 18 de abril de 2007.

Diana Santiago

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Sumário

Palestras/Key-note speeches ................................... 19


Musical Arts, Cognition, and Innate Expertise
Daniel J. Levitin ...................................................................................................................................................................... 21

The Art and Science of Musical Memory


Aaron Williamon ................................................................................................................................................................... 30

Métodos e Modelos de Representação para


a Pesquisa Empírica em Expressividade Musical
Maurício Loureiro ................................................................................................................................................................. 40

Mecanismos neurais de agrupamentos auditivos impondo regras à


percepção musical: Um estudo através das regras de “condução das
vozes”
J. Zula de Oliveira .................................................................................................................................................................. 41

Mesas redondas /Round table discussions ............. 67


Processos cognitivos em composição e percepção
Música no mundo da virtualidade
Anselmo Guerra de Almeida ........................................................................................................................................... 69

O processo de transferência na percepção e transcrição do Ditado


Musical
Ricardo Dourado Freire ...................................................................................................................................................... 74

O que pensa e o que sente o compositor quando compõe?


Ricardo Mazzini Bordini e Matheus Santana Dantas .............................................................................................. 82

Processos cognitivos na performance musical


Três aspectos da cognição na performance musical
Graziela Bortz ......................................................................................................................................................................... 83

Por que um performer deve pesquisar cognição musical?


Sonia Ray ................................................................................................................................................................................... 88

Memorizing in Cello Playing:


practice, performance and expression
Tânia Lisboa
Roger Chaffin
Kristen Begosh & Topher Logan ...................................................................................................................................... 96

Desenvolvimento cognitivo através das artes musicais


Quando as crianças falam e cantam: conceitos de desenvolvimento
musical e musicalidade das crianças brasileiras
Beatriz Ilari ........................................................................................................................................................................... 101

O canto espontâneo como manifestação do


desenvolvimento cognitivo-musical da criança
Maria Betânia Parizzi ........................................................................................................................................................ 107

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Desenvolvimento cognitivo e música:
questões para a educação musical
Denise Álvares Campos ................................................................................................................................................... 114

Pensar, cantar, tocar e ouvir:


Reflexões sobre a musicalidade em crianças pequenas
Esther Beyer ......................................................................................................................................................................... 119

Aspectos da Psicolingüística e da Semiótica


O processo de aquisição da língua materna
Elizabeth Reis Teixeira ..................................................................................................................................................... 120

Psicolingüística e Musicalização
Marineide Marinho Maciel Costa ................................................................................................................................ 120

Aspectos da Abstração na Cognição Musical e Imagética


Rodolfo Coelho de Souza ............................................................................................................................................... 125

Música e cognição social


Memória e melos:
abordando etnograficamente a cognição musical
Elizabeth Travassos ............................................................................................................................................................ 127

Nomadismo musical entre os Maxakali


Rosângela Pereira de Tugny .......................................................................................................................................... 128

A Prática Musical no Culto ao Caboclo nos Candomblés Baianos


Sonia Chada .......................................................................................................................................................................... 137

Sessões temáticas especiais /


Special thematic sessions .................................... 145
Pesquisa em música
A Comunicação da Expressão na Execução Musical ao Piano
Cristina Capparelli Gerling
Regina Antunes Teixeira dos Santos .......................................................................................................................... 147

Valsa de Esquina nº 2, um estudo do tempo


Fredi Vieira Gerling .......................................................................................................................................................... 154

Reflexões Críticas sobre a Pesquisa em Música no Brasil:


Alguns Anos Depois
Jamary Oliveira ................................................................................................................................................................... 158

Relato de Experiência
O efeito de exercícios corporais como
esquentamento e preparação para recital público de piano
Alda Oliveira ........................................................................................................................................................................ 159

Pesquisa em performance musical e psicologia da música na UFBA


Diana Santiago .................................................................................................................................................................... 164

Relato da Vice-presidente da SACCOM


Isabel Martinez ................................................................................................................................................................... 171

O Ensino de Psicologia da Música


Olin G. Parker ....................................................................................................................................................................... 172

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Sessões orais temáticas/Oral sessions .................. 173
Tema 1. A mente e a percepção das artes musicais
O pensamento sincrético da criança:
Henri Wallon e uma pesquisa de campo
Beatriz de Souza Bessa .................................................................................................................................................... 175

Musicoterapia
Maria Angélica Santos Oliveira .................................................................................................................................... 182

Effects of musical characteristics and listeners’


abilities on figure identification: I. The embedded figures test
Neta Spiro ............................................................................................................................................................................. 190

La conciencia musical
Luc Delannoy ....................................................................................................................................................................... 200

Incidence of stylistic knowledge on rhythm perception


Juan Fernando Anta
Isabel Martinez
Monica Valles ....................................................................................................................................................................... 207

A influência da família e da escola no Desenvolvimento


do canto das crianças de dois a seis anos de idade
Vivian Dell’ Agnolo Barbosa
Beatriz Ilari ........................................................................................................................................................................... 218

Celebrando a vida com doces canções


Virgínia Maria Mendes Oliveira Coronago ............................................................................................................. 223

The perception of emotional meaning in music


performance - singing. Measuring facial e-motion.
Antonio Salgado
Alan Wing .............................................................................................................................................................................. 224

A percepção do sentido emocional da performance musical -


canto lírico medindo a e-moção facial.
António Salgado
Alan Wing .............................................................................................................................................................................. 236

“Menos o olfato e o paladar, todos os outros sentidos são


necessários para o trabalho em grupo”. A percepção dos sentidos
no desenvolvimento da performance orquestral
Glêsse Collet
Ricardo Dourado Freire ................................................................................................................................................... 238

Reflecting upon tempo perception and its future perspectives:


a review of issues
Eleni Lapidaki ....................................................................................................................................................................... 245

Do cálculo inconsciente da alma: estrutura e desvios


expressivos como critério de preferência musical
Ângelo Martingo ............................................................................................................................................................... 254

O Método Bonny de Imagens Guiadas e Músicas:


a música e os estados alterados de consciência
Thelma Sydenstricker Alvares ...................................................................................................................................... 256

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O medo do desconhecido: Pesquisa em andamento.
A familiaridade com o inusitado no testemunho de pianistas
“destemidos”
Zélia Chueke ........................................................................................................................................................................ 257

Towards a comprehensive theory of the emotional meaning of


music: a multimethodological research approach and
some empirical findings
Kari Kallinen ......................................................................................................................................................................... 265

Tema 2. A mente e a produção das artes musicais


Investigação sobre arquétipos musicais relacionados
ao arquétipo do malandro em canções de Chico Buarque
Christian Hackradt Zimmermann ................................................................................................................................ 273

Técnica Alexander e cognição na pedagogia da performance


musical
Patrícia Furst Santiago ..................................................................................................................................................... 278

Cognição e corpo na performance musical


Patrícia Furst Santiago
Patrícia Lima Martins Pederiva .................................................................................................................................... 287

Expertise, criatividade e resolução de problemas em música


Bernardo Grassi ................................................................................................................................................................... 292

Os principais desconfortos físico-posturais dos Flautistas e


suas implicações no estudo na performance da flauta
Marcelo Parizzi Marques Fonseca .............................................................................................................................. 300

Conhecimentos musicais envolvidos na preparação do


repertório pianístico de três bacharelandos sob a ótica da matriz
de habilidades cognitivas em música de Davidson e Scripp
Regina Antunes Teixeira dos Santos
Liane Hentschke ................................................................................................................................................................. 305

“Can you beat it?” A hierarchy of rhythm performance


patterns for children ages six and seven years
Debbie Lynn Wolf .............................................................................................................................................................. 312

Resolução de Problemas na Escolha de Repertório em


Aula Prática de Violão
Milson Fireman ................................................................................................................................................................... 318

The mind-body connection and musician’s health


Terri Mitchell ....................................................................................................................................................................... 324

Improvisação na Música Clássica da Índia: Abdução e Significação


José Luiz Martinez ............................................................................................................................................................. 330

Incorporando a mente musical


Marcos Vinício Cunha Nogueira .................................................................................................................................. 336

Ansiedade de Performance em Música –


Causas, Sintomas e Estratégias de Enfrentamento
Carlos Alberto M. da Fonseca ........................................................................................................................................ 342

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Tema 3. Artes musicais, lingüística e cognição
Repensando o aprendizado inicial de leitura e escrita
musical a partir de estudos de cognição do ritmo
Darcy Alcântara Neto ....................................................................................................................................................... 350

O tempo musical sob uma ótica narrativa


Felipe Copetti Hickmann ............................................................................................................................................... 363

Contribuição do aprendizado de canções no desenvolvimento


da linguagem verbal
Luciane Cristina Simionato
Cristina Tourinho ................................................................................................................................................................ 371

Bringing order to aesthetics in school. Discursive positioning


in discussions with teachers and head teachers
Monica Lindgren ................................................................................................................................................................ 378

Metáforas no ensino de música: um estudo de caso sobre


o emprego de linguagem figurada em master class de violão
Ricieri Carlini Zorzal ......................................................................................................................................................... 384

Merleau-Ponty e a sala-de-aula de piano


Denise Andrade de Freitas Martins ........................................................................................................................... 390

Aspectos entoacionais da canção e o saber-fazer cancional


Beatriz Raposo de Medeiros ......................................................................................................................................... 395

As Funções da Linguagem Musical e o problema da


compreensibilidade da Música segundo Mário de Andrade
Marcus Straubel Wolff ...................................................................................................................................................... 402

Gender equality projects in popular music as cultural


and discursive practice
Cecilia Björck ....................................................................................................................................................................... 407

The language of gestures in the singing lesson


Alessia Vitale ........................................................................................................................................................................ 415

Wagner, o artista enquanto filósofo e as relações


interartísticas na obra de arte total - Gesamtkunstwerk
Sylmara Cintra Pereira
Márcio Pizarro Noronha .................................................................................................................................................. 416

Quando é musica?
Caio Manoel Nocko ........................................................................................................................................................... 420

Musical sense-making between sensory experience and symbolic


computations: enactive, ecosemiotic and biosemiotic claims
Mark Reybrouck .................................................................................................................................................................. 426

Uma investigação em cantores líricos brasileiros: análise do fluxo


expiratório na emissão cantada e falada de vogais do português
Rita de Cássia Fucci Amato ............................................................................................................................................. 435

Educação Musical e Motivação: uma revisão bibliográfica a partir da


pirâmide de hierarquia das necessidades de Abraham Maslow
João Fortunato Soares de Quadros Júnior .............................................................................................................. 442

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Tema 4 . Tecnologia, Artes Musicais e a Mente
“Reflexive interaction” between children and musical systems
Anna Rita Adessi ................................................................................................................................................................. 449

The Brain’s Training in the Improvement of Pitch and Tempo Acuities


Olin Parker ............................................................................................................................................................................ 450

Fatores do desempenho e ação pianística. Estratégias interdisciplinares


para a otimização do movimento - um procedimento experimental
Maria Bernardete Castelan Povoas ............................................................................................................................ 452

Tema 5. Artes musicais e cognição social


A questão da Identidade local e o Ensino Coletivo utilizando
Bandinha Rítmica e Capoeira: Relatos de experiência em
escola pública de Educação Especial em Salvador-Bahia
Marcos dos Santos Moreira
Henrique Trindade ............................................................................................................................................................ 463

Music teachers’ knowledge and social representations of music


Anna Rita Addessi
Felice Carugati
Patrizia Selleri ..................................................................................................................................................................... 467

A partilha social da música


Rosemyriam Cunha ........................................................................................................................................................... 476

Música: linguagem formadora de identidades sociais


Auro Sanson Moura ........................................................................................................................................................... 481

A utilização de modelos de performance no ensino de


instrumento musical
Paulo David Amorim Braga ............................................................................................................................................ 488

Levels of attachment in western classical singing lessons: the perception


in singing performance
Sofia A. Serra ......................................................................................................................................................................... 493

Tema 6. O desenvolvimento paralelo da mente e das artes


musicais
Criatividade musical: aproximações com as idéias de Jean Piaget
José Nunes Fernandes ..................................................................................................................................................... 495

Prática instrumental e motivação: uma reflexão sobre a


possibilidade da experiência de fluxo
Rosane Cardoso de Araújo
Grace Filipak Torres
Agnes Leimann Ilescas .................................................................................................................................................... 504

Natural and learned schemata in the musical expressions of


Israeli-Arab kindergarten children: a case study
Claudia Gluschankof ......................................................................................................................................................... 511

A criança e a música: As implicações da música no desenvolvimento


intelectual e emotivo infantil entre zero e dois anos
Carolina Chaves Gomes
Isaac Samir Cortez de Melo
Danilo César Guanais de Oliveira ................................................................................................................................ 519

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Músicos e não-músicos: o treinamento musical influencia a
atenção visual?
Ana Carolina Oliveira e Rodrigues
Leonor Bezerra Guerra
Maurício Alves Loureiro ................................................................................................................................................. 527

O desenvolvimento da percepção do tempo em crianças de dois a seis


anos: um estudo investigativo a partir do canto espontâneo
Maria Betânia Parizzi ........................................................................................................................................................ 534

Ação pianística, desempenho e controle do movimento –


uma perspectiva interdisciplinar
Maria Bernardete Castelan Povoas ............................................................................................................................ 540

Children’s practice and understanding of music:


A series of teaching and learning strategies
Tânia Lisboa .......................................................................................................................................................................... 548

Children abilities to conserve some basic sound parameters


Elisabetta Piras .................................................................................................................................................................... 551

Como ocorre o pensamento criador musical no adulto


Kristiane Munique Costa e Costa ................................................................................................................................ 552

Sessões de demonstração/Demonstrations ......... 561


Aplicação de pistas visuais e táteis no controle da afinação
em uma obra virtuosística para contrabaixo
Fausto Borém
Guilherme Menezes Lage
Maurílio Nunes Vieira ...................................................................................................................................................... 563

Experimentando o mesotônico com Froberger


Edmundo Hora .................................................................................................................................................................... 569

Sessões de pôsteres /Poster sessions ................... 575


A incidência de lesões por esforço repetitivo em músicos
instrumentistas e suas conseqüências psicológicas
Taianara Goedert ................................................................................................................................................................ 577

Aspectos cognitivos da iniciação ao contrabaixo: uma


análise dos materiais e processos pedagógicos utilizados no Brasil
Sonia Ray ................................................................................................................................................................................ 578

A percepção do corpo na performance musical: o lugar da


imagem corporal na prática camerística
Thiago Cazarim ................................................................................................................................................................... 582

O contraponto do som no cinema: A exploração do som e


seu efeito dramático na Sonoplastia Musical
Débora Regina Opolski .................................................................................................................................................... 588

A semiótica de Agawu e a busca da compreensão dos


arquétipos musicais presentes em canções de Chico Buarque
Christian H. Zimmermann ............................................................................................................................................... 590

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Desenvolvimento da prática de leitura e performance musical
baseada no sistema de Solfejo Fixo-Ampliado
Iracema Yrlanda Simon
Ricardo Dourado Freire ................................................................................................................................................... 590

Diagnóstico da prática musical na graduação em Música na UFBA


(licenciatura e bacharelado)
Lucas Campello do Nascimento
Maria Luiza Santos Barbosa
Diana Santiago .................................................................................................................................................................... 597

Construção da Performance por um Aluno de Graduação em


Piano: Um Estudo da Prática Musical
Estevam Dantas
Diana Santiago .................................................................................................................................................................... 599

O regente enquanto educador musical no ensino coletivo


de instrumentos de banda
Fabrício Dalla Vecchia ...................................................................................................................................................... 601

Musical utterances in an African Gray Parrot (Psittacus erithacus):


a descriptive study
Luciana Bottoni
Simone Masin
Daniela Lenti Boero .......................................................................................................................................................... 606

Inteligência Musical se aprende: Experiência de


Aprendizagem Mediada em Música
Simone Marques Braga .................................................................................................................................................... 607

Infant cry as musicians hear it


Daniela Lenti Boero
Gianni Nuti
Luciana Bottoni ................................................................................................................................................................... 613

A aprendizagem musical através do taiko e do rap e sua


contribuição para o desenvolvimento cognitivo de jovens
Lílian N. Nakahodo .............................................................................................................................................................. 615

Música: Linguagem formadora de identidades sociais


Auro Sanson Moura ........................................................................................................................................................... 622

Música e educação especial: O Ensino da Música


nas Escolas de Educação Especial
Ana Paula Ferreira Moreno ........................................................................................................................................... 623

USI MÚSICA para sentir vida


Celina Maydana
Fátima Brasil ......................................................................................................................................................................... 624

Inter-relações entre o fator do desempenho, coordenação


motora e a ação pianística
Maria Bernadete Castelan Póvoas
Elian Dirce Colombi Martins
Guilherme Ferreira Amaral ........................................................................................................................................... 625

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Flexibilidade e rapidez de movimento, uma correlação
interdisciplinar com a técnica pianística
Vânia Eger Pontes
Maria Bernardete Castelan Povoas ............................................................................................................................ 633

A aplicação de elementos modais nas aulas de música


Luiz Bourscheidt
Rosane Cardoso de Araújo ............................................................................................................................................. 637

Implicações da prática percussiva nas habilidades espaciais e musicais


em crianças de 7 a 10 anos
Juliana Carla Bastos ........................................................................................................................................................... 644

Influência da música no comportamento de crianças


participantes do projeto de musicalização para bebês na UFBA
Angelita Maria Vander Broock ..................................................................................................................................... 651

Força e fadiga na ação pianística. Relações interdisciplinares


Daniel da Silva
Maria Bernardete Castelan Povoas ............................................................................................................................ 657

Avaliando o Desempenho Cognitivo Musical


Vilma de Oliveira Silva Fogaça ..................................................................................................................................... 667

As reações de crianças de 2 a 5 anos à música com texto e


sem texto, em tom maior e menor
Kamile Santos Levek ......................................................................................................................................................... 672

Programa/Program ................................................. 675

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Palestras
Key-note speeches

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Musical Arts, Cognition, and Innate Expertise

Daniel J. Levitin
Department of Psychology
Program in Behavioural Neuroscience
Department of Music Theory
McGill University
levitin@psych.mcgill.ca

1. Why arts?
An adequate scientific account of the relationship between arts education and the
development of non-arts cognitive skills requires an understanding of how the arts differ
from other domains, and why humans have evolved to appreciate the arts. Even if we do
discover causal links between arts training and other domains (such as math, spatial ability,
G or full-scale IQ), the how and why questions form the cornerstone of any fully-formed
scientific theory.
To this end, we might well ask why people like the music they do – how people form
their musical preferences – and also how some people become expert performers and
others don’t. The questions of why and how music affects us (and the broader, related issue
of arts in general) are beginning to be answered. We now know that music is processed
in many of the most primitive regions of the brain – regions that antedate our own species
– and that pleasurable music activates many of the same pleasure regions as chocolate,
winning money, drugs, and sex (Menon & Levitin, 2005). Music appears to capture and
communicate many of the complexities of human emotional life, better even than does
speech (Meyer, 1956). The evolutionary origins of music, although debated, are the subject
of renewed interest (Cross, 2003; Huron, 2001; Miller, 2001). These investigations link
music, language, culture, art and science.

2. Music vs. Science


Might there exist a relation between music and science that could contribute to
skill transfer across these domains? Many people think of music and science as mortal
enemies, ways of thinking or looking at the world that are fundamentally incompatible
with one another. Several interesting parallels exist between science and the arts which
may account for some of the emerging findings of domain transfer of skills. Artist and
scientists both live in a world of interpretation and reinterpretation – an open-ended state
in which knowledge and understanding evolve over time. Artists and scientists are
ultimately in search of universal truths, and yet both know that truth depends on perspective,
and can be revised over time. Universal does not equate with immortal. Artists know that

21

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Handel’s “Messiah” and Goya’s “Virgin,” to name but two, held very different meanings
centuries ago than they do for us, yet we are able to find an artistic truth in them that is just
as powerful. Scientists know that many of the greatest scientific discoveries are or will
someday be overturned, from Einstein’s special and general theories of relativity (which
are now understood to contain flaws) to Piaget’s theories of cognitive development (which
have been largely revised or replaced).
Music can be used in the classroom effectively to illustrate and teach a variety of
scientific subjects, for example:
• Cognitive psychology and neuroscience (memory, categorization, attention, skill
acquisition)
• Physics (overtone series, waves, acoustics)
• Computer science (information retrieval, template and pattern matching)
• Mathematics (scales, tonal relations, higher-dimensional manifolds, topology, group
and set theory)
• History
• Law (intellectual property, copyright)
And advantage of using music in the classroom is that it can motivate discussions
that may seem otherwise uninteresting or irrelevant to students, and it employs something
that they care about, especially when the instructor strives to bring in musical examples
with which the students are familiar. It is also well known that music is more memorable
than text alone, and the distinctiveness of musical examples can serve well for memory
encoding and retrieval.

3. Musical competence and expertise.


Chomsky’s most important contribution to cognitive science was in proposing an
innate linguistic module; all human infants are born with the capacity to acquire whichever
of the world’s languages they are born into. Corollary to this notion is that nearly all
humans are competent (some might even say“expert”) speakers of their native language.
The complexity of what is required to possess this competence, and the means by which
it is acquired, is underscored by the fact that no computer yet created can speak or
understand human language as well as even a 5-year old child.
In addition, recent research shows that all of us are competent (or “expert”) music
listeners. Infants by eight months have developed memory schemata for musical structure
(Ilari & Polka, 2006), and by age 5, most children have internalized rules about what chord
progressions are legal or typical of their culture’s music (Trehub, 2003). Nearly all of us,
even without explicit music training, can detect a harmony-violating chord or a single
note that is out of key (Tighe & Dowling, 1993). We can recognize alternate versions of
songs we know, even when these new versions change tempo, key, instrumentation,
timbre, and style. Consider, for example, a bluegrass version of Tchaikovsky’s Nutcracker
Suite performed on four mandolins instead of the customary version with full orchestra
(Modern Mandolin Quartet, 1991). We can even recognize songs that are played without
what we conventionally think of as pitch, as we hear in the example of Beethoven’s Fifth

22

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Symphony played on power tools (Phillips, 1998). In cases such as this, the brain is capable
of extracting out those invariant features of the melody and sifting through thousands of
stored compositions until the right one is retrieved. All of this occurs without our conscious
control or awareness, and so rapidly that it seems instantaneous. This type of template
match is still impossible with even the most advanced computers.
My colleagues and I have conducted a series of experiments to explore the innate
musical competence of humans. We find that even untrained people tend to sing their
favorite song at or very near the correct pitch (Levitin, 1994) and tempo (Levitin & Cook,
1996) demonstrating something akin to absolute pitch, which Deutsch (2006) dubs latent
absolute pitch. Many non-musicians are as good at discriminating the in-tuneness of notes
as true absolute pitch possessors (Levitin & Rogers, 2005). We are currently studying the

Mean ratings by expressivity level and


musical experience

0.75
0.7
Nonmusicians
0.65
3-5 yr musicians
0.6
8+ musicians
0.55
0.5
0.45
0.4
0.35
0.3
l
ve

ca
50
75

25
si

ni
es

ha
pr

ec
Ex

Expressivity level

ability of musicians and non-musicians to detect subtle changes in the emotional


expressiveness of a musical performance. A professional concert pianist performed Chopin
Nocturnes on our Yamaha Disklavier recording piano. We edited the computer file obtained
in the recording and stripped away all of the expressive nuance carried in the performance
(piano performance entails only three degrees of freedom: pedal position, velocity of
hitting the key=loudness, and timing of hitting the key). Then, with a perfectly mechanical
version and the original version of the performance acting as anchors, we were able to add
back in the expressivity (as conveyed by variations in pedal position, loudness and key
timing) systematically, creating interim versions of the performance with varying amounts
of expressivity. Participants hear all the versions in random order and rate how expressive
they are on a 10 point scale. This leads to the psychophysical questions of (i) whether a
given amount of expressive increase in the physical domain (say 10%) is perceived as an
equivalent amount of expressivity in the psychological domain; (ii) what precisely is the

23

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psychophysical function relating changes in the physical domain to their psychological
representation; (iii) what is the smallest increment of change that is noticeable. We were
also interested in intergroup differences. A random condition, in which the timing, loudness
and pedaling values were randomly assigned, served as a control. Our preliminary findings
(n=16), are that for all subjects – with or without musical training – the function is nearly
monotonic, with the expressive version being rated as most expressive. The function
appears non-linear, with 25% of the expressivity serving as a threshold in that less than this
amount is perceived as equivalent as 0%. Musicians with more than 8 years of training
produce a steeper function on average than those with less or no training, indicating a
greater sensitivity to the emotional nuances of performance.

4. The cognitive neuroscience of music.


Music engages nearly every region of the brain that we have so far mapped. Listening,
performing, and composing music involve memory (both short term and long term),
attention, the utilization of grouping principles, temporal perception, prediction, and the
formation and maintenance of categories. As such, music is a window into higher cognitive
function, and can be a valuable tool in understanding the general architecture of thought
and the instantiation of complex cognitive activities in the human brain.
Music contains functionally isolable components, including pitch, rhythm, timbre
and syntax. One factor that has hindered research on the neuroscience of music, and in
particular research addressing collateral benefits of music training, is that these elements
are rarely treated separately; rather, global levels of musical training and experience are
often used to correlate with other skills. In the real world, of course, these different
elements of music do not always cohere even within professional musicians. There are
some with a highly developed sense of rhythm and impairments of pitch processing
(some become drummers), and some with an extraordinary ability to write music but an
inability to play music – Irving Berlin, one of the most successful composers of the 20th
century, was a poor instrumentalist and could barely play the piano. It is important, therefore,
not to consider “music” as a single, monolithic entity, but to fractionate it into distinct
components, some of which may correlate with non-musical tasks in specific ways and for
specific, readily-understandable reasons. Taking into account the evolutionary basis of
musical behaviors in humans and other species (the why and the how questions mentioned
earlier), combined with a systems approach to studying the cognitive neuroscience of
music, promises to advance our understanding of the transfer of skills from one cognitive
domain to another. In addition, precisely because music involves so many subskills, this
approach promises to advance our understanding of structural and functional human
brain anatomy in general.
The complexity of a musical pieces has been shown to influence judgments of its
duration (Bueno, Firmino & Engleman, 2002), suggesting that differential processes are
engaged with increasing musical complexity. In language, a specific network of neural
regions in prefrontal cortex is involved with increasing sentential complexity. We recently
found that the real-time tracking of musical structure employs regions that are anatomically
overlapping with regions responsible for the tracking of linguistic structure, whether that

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structure is manifest through spoken or signed language (Levitin & Menon, 2003, 2005).
More complex music presumably engages these regions more fully, an hypothesis yet to
be tested.

5. Music cognition as a scientific field.


The study of music perception and cognition traces its origins to experimentation
with musical instruments in ancient Greece and China. Aristoxenus (364-304 B.C.E.) was
perhaps the first music cognition theoriest, arguing that one should study the mind of the
listener, not merely the collection of sounds impinging upon the ear.The science of music
was a central topic in science for the next 2,000 years, studied by Beeckmann, Descartes,
Mersenne, Galileo, and others who showed a particular interest in musical scales and
questions of consonance and dissonance (i.e., pleasant/unpleasant sound combinations).
The Gestalt psychology movement, for example, was founded to address questions about
the nature of melody and melodic transformations (Ehrenfels, 1890/1988), and Wundt,
Fechner and Helmholtz devoted a great deal of their research to understanding
fundamentals of sound (Boring, 1942). Currently, music psychology is experiencing a
renaissance, with an exponential increase in activity in the last 100 years (700 papers were
published in 2006). This surge of interest follows increasing communication across scholarly
disciplines, the emergence of cognitive psychology in the 1960s, and new technologies
that facilitate the preservation, presentation, and manipulation of sound (e.g., magnetic
tape, hard disks, computers, digital signal processing).
Perhaps the largest paradigm shift has occured in the last decade or so, with an
increased interest in the psychology of musical emotion (Bueno & de Macedo, 2004;
Galvao, 2006; Juslin & Sloboda, 2001; Menon & Levitin, 2005; Vines et al., 2005) and the
neural underpinnings of musical experience (e.g. Artal, Cabrera & Horan, 2004; Hutchison,
et al., 2003; Janata, et al., 2002; Patel, 2003; Peretz & Zatorre, 2003), both enhanced by the
development of neuroimaging techniques. Interesting new work also addresses the soci-
al psychology of music (e.g. Bapista, et al., 2002; Ilari, 2006), the development of expertise
(Williamon, 2002) and the structure and formation of musical preferences (e.g. Pimental,
et al., 2006; Rentfrow & Gosling, 2003).
Music engages neural regions that are widely distributed throughout the brain both

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26

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throughout the cortex (upper two panels) and subcortical regions including the brain
stem, pons, and cerebellum (bottom panel).

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The Art and Science of Musical Memory1

Aaron Williamon
Centre for Performance Science
Royal College of Music, London
awilliamon@rcm.ac.uk

The ability to transcend the limitations of memory has long since captured the
public’s imagination. This paper examines the art and science of musical memory.
Current psychological theories that account for exceptional memory abilities
are discussed, and the findings of recent scientific investigations of these theories
in music performance are presented. The evidence, arising from behavioural and
psychophysiological studies, suggest that expert musical memory is underpinned
by the strategic use of salient ‘structural’ cues that permit the generation of a
retrieval architecture for a musical work.

‘The true art of memory,’according to Samuel Johnson,‘is the art of attention’(Tankard,


2005). Scientific research on memory, since the experimental work of Hermann Ebbinghaus
(1885), would suggest that Dr Johnson’s observation was essentially correct. Information
that passes to us from the outside world – by sight, sound, smell, taste or touch – is held
momentarily in a Sensory Store. This mechanism for capturing environmental stimuli has
several distinctive properties, two of which are its limited capacity, determined by the
sensory apparatus through which stimuli enters, and its transience, with forgetting occurring
rapidly, well under one second. Only by attending to that information will it persist beyond
a fleeting moment.
This is not the only area where attention and memory intersect. Short-term Memory,
the second of three widely acknowledged memory stores, draws in attended sensory
stimuli and retains it, without the need to rehearse the information, for periods of 20-30
seconds. Yet, its capacity is still small: a mere seven (plus or minus two) items. With further
directed attention and rehearsal, select information can transfer to the third of the three
stores, Long-term Memory (LTM) (see Baddeley, 1990). Unlike Short-term Memory, LTM is
often portrayed as a seemingly limitless repository of skills, knowledge and experience. It
enables us to interact with our pasts, engage with the present and plan for our futures. We
use and access it when training to carry out new tasks (procedural memory, e.g. how to
ride a bicycle or how to play chess). We exploit it when learning some new fact (semantic
memory, e.g. that Washington was the first US president or that Lisbon is the capital of
Portugal). We refer back to it when thinking of distinct moments in our lives (episodic
memory, e.g. a first kiss or seeing a striking painting).

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These three stores, though simplified in the above description, are seen as common to all humans,
and they permit functions that are routinely evinced in everyday life. Disorders such as amnesia
and dementia notwithstanding, it is not unusual for us to take in a range of sensory information
from the environment and then to attend to and rehearse that information for later recall, be it in
two minutes or in two years. In this respect, Dr Johnson would hardly have seen anything artistic in
such behaviour. Rather, it is the ability to transcend the limitations of common memory that has
long since captured the public’s imagination: the chess grandmaster’s apparent ease at replaying
a three-hour match move-for-move, the expert mathematician’s unhesitating recitation of
complex formulae, the concert pianist’s facility at performing J.S. Bach’s Goldberg Variations without
reference to the printed page. This paper explores this ‘art of memory’ in further detail and, in
particular, the art of musical memory. Current scientific theories that account for exceptional
memory abilities are reviewed and recent empirical investigations of these theories in music are
presented.

Accounting for exceptional memory


Exceptional memory is a hallmark of expertise. A number of theories have been
proposed to explain how experts, across all fields of endeavour, achieve prodigious feats
of memory in performance.These include: Elementary Perceiver and Memorizer, Chunking
Theory, Skilled Memory Theory, Adaptive Control of Thought, State Operator And Result,
and the Long-Term Working Memory Theory (see Gobet, 1998, for a review).
In many respects, Skilled Memory Theory (Chase & Ericsson, 1981) has been accepted
as accounting for the remarkable memory abilities observed in experts across domains.
The theory is based on three core principles. First, experts are able to use their existing
knowledge structures in semantic memory to store information during skilled performance
of a given task. Second, this information is indexed into a retrieval structure (or internal
representation), a memory structure in which cues are used strategically to facilitate the
efficient encoding and retrieval of information in LTM.Third, the time required by encoding
and retrieval operations decreases with extended practice.
Retrieval structures, which are central to the theory, were initially proposed to explain
how individuals, after considerable training, were able to expand their memory capacity
for lists of numbers by over 1000%. According to Chase and Ericsson (1981), encoded
information within the retrieval structure is organised and retrieved according to hierarchical
and serial principles. Hierarchy is the arrangement of components into various levels of
complexity and importance; serial organisation refers to the sequential (i.e. linear)
organisation of encoded material. Subsequent studies of mnemonists (Ericsson, 1988),
memory experts (Wilding & Valentine, 1997) and others have provided strong supporting
evidence for the existence and utility of such structures in exceptional memory
performance.
In 1995, Ericsson and Kintsch extended the Skilled Memory Theory into the Long-
Term Working Memory (LT-WM) Theory. They proposed that information can be encoded
and retrieved through:
1. a hierarchical organisation of retrieval cues associated with units of encoded
information (i.e. a retrieval structure),

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2. a knowledge-based, elaborated structure that permits units of encoded information
to be associated to other items in LTM or to the context (i.e. schemas and patterns), or
3. both.
According to Ericsson and Kintsch (1995), the demands a given activity makes on
memory dictate the type of encoding used, so that one can attain reliable and rapid
storage of and access to the information in LT-WM. For example, a musician who is
performing a composition from memory (the main focus of this paper) will rely almost
entirely on a hierarchically organised set of pre-formed retrieval cues to ensure that
encoded information is recalled reliably and efficiently.This retrieval structure will develop
throughout the course of extended practice on the piece. Conversely, a performer who is
sight-reading or improvising music will draw on schemas and patterns arising from previous
experience and the surrounding context, but will not exploit a set of pre-formed retrieval
cues, as the music has not been rehearsed prior to performance. Finally, one performing
from a notated source may rely on a combination of cues, previous experience and
information drawn from the surrounding content.
In sum, the LT-WM Theory is consistent with the notion that superior memory
performance is domain-specific. Also, the acquired nature of LT-WM implies that differences
may exist between tasks and that ‘individual differences in the implementation of LT-WM
for a given task may potentially emerge’ (p. 220). Using their theoretical account, Ericsson
and Kintsch explain empirical findings of studies on digit span memory, memory for menu
orders, mental multiplication, mental abacus calculation, chess, medical expertise and text
comprehension.
Two questions, however, should be addressed before aspects of the LT-WM Theory,
or any theory of general expertise for that matter, can be applied to the domain of music.
First, is musical expertise comparable to expertise in other domains? Though the nature of
performance in music may differ fundamentally from that of other domains – such as
chess, closed sport skills (e.g. figure skating, ballet and gymnastics) and open sport skills
(e.g. tennis, basketball and field hockey) – skilled musicians share some of the same
demands on skill and memory as other experts. Memory, for instance, plays an important
role in closed sports because individuals must memorise sequences of movements that
constitute a given performance and perform those movements with reference to defined,
technical standards. Since technical skills are judged according to ideal forms, performers
must make concurrent comparisons between ‘actual’ and ‘ideal’ techniques.The bases for
these comparisons are drawn from LTM, acquired over many years of training (see Allard &
Starkes, 1991). Concert soloists, like experts of closed sport skills, recall series of actions
that constitute a performance; refer to defined, technical standards expected by audiences
and judges; and make concurrent comparisons to gauge the quality of their actual
performance. The second question is: Do performing musicians, as is predicted by the
theory, accumulate a vast, domain-specific knowledge base, acquired through extended
practice? The answer is, of course, yes.Young concert artists often have 10-15 concerti and
six or more recital programmes ready to perform by the start of their professional careers,
as well as acute knowledge of scales, arpeggios, études and suchlike (Chaffin, Imreh, &
Crawford, 2002). This enormous body of prepared material – invariably accrued through

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extensive practice over several years (Ericsson, Krampe, & Tesch-Römer, 1993) – certainly
demonstrates possession of a vast knowledge base within the domain.

In search of evidence in music


To what extent, then, is there evidence to suggest that secure musical memory relies
on the formation and exploitation of formed retrieval structures, and what form exactly do
these structures take?
In a longitudinal investigation, Roger Chaffin and colleagues systematically studied a
concert pianist’s practice and memorisation of the ‘Presto’ from J.S. Bach’s Italian Concerto
(Chaffin et al., 2002). They analysed over 33 hours of videotaped practice and found that
the pianist started and stopped her practice more frequently at ‘structural’ boundaries,
complying with the pianist’s understanding of the work’s formal structure, than in the
middle of sections. From this, they argued that, since the encoding of information was
organised according to structural components, the retrieval of that information must too
be dependent on the same components.They used comments made by the pianist during
and after each practice session and in interviews to confirm their interpretation of the
data. In addition, a follow-up study 27 months later (in which she was asked to write out
the first page of the score from memory without prior warning) revealed that recall accuracy
was significantly better for the bars beginning each section than for bars at other locations.
This provided support for their claim that the music’s structure afforded an enduring
foundation for the pianist’s retrieval structure (or LTM representation) of the piece.
Subsequent work published in Cognitive Psychology (Williamon & Valentine, 2002)
and the European Journal of Cognitive Psychology (Williamon, Valentine, & Valentine, 2002)
offers further support for the notion that performers use their understanding of musical
structure as the basis for organising retrieval cues associated with encoded information.
Similar to Chaffin’s research, the practice of 22 pianists at different levels of skill was
recorded and studied. From the recorded practice, values for the frequency of practice
starts and stops on (individually identified) ‘structural’,‘difficult’and‘other’bars were obtained.
The analyses revealed that all pianists, regardless of skill level, started and stopped their
practice increasingly on structural bars and decreasingly on difficult bars, from the initial
practice session until the session just prior to performance.This pattern of results was most
pronounced for musicians at the highest levels of skill and, thereby, suggests that the
effective use of highly ordered retrieval structures for memorising music develops as a
function of expertise, a finding which is consistent with LT-WM theory predictions.
Still, these studies say very little about the neural substrates of musical memory. This
is primarily due to the fact that the kinaesthetic and movement-oriented aspects of
performance (see Williamon, 2002), especially at the level observed in elite performers,
has typically been seen to preclude investigations of related brain activity. However, given
that so much so-called ‘behavioural’ data seemed to confirm the prevalence of musical
structure in encoding and retrieval processes of expert musicians, Tobias Egner and I
designed a laboratory-based, psychophysiological study that aimed to investigate whether
structurally important moments in music (as defined by performers themselves) are indeed
integral to the encoding and retrieval of a memorised piece (Williamon & Egner, 2004).

33

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We hypothesised that, if there are structurally crucial moments that aid encoding and
retrieval by providing a cue for the recollection of a subsequent section of music, then
they would be processed differently to other moments within the piece. Specifically,
recognition of such moments would be accomplished with greater ease, and they should
be distinguishable from other segments of the music in terms of the brain activity
underlying their retrieval.
In terms of brain activity, we collected event-related potentials (ERPs), which reflect
stimulus- or response-locked averaged electroencephalographic (EEG) activity. ERPs have
proved to be an important tool for assessing brain activity related to processes of memory
encoding and retrieval (Rugg, 1995). For example, ERP studies have shown that brain
responses during the encoding of stimuli that subsequently are recalled successfully differ
from those that are not remembered (Sanquist, Rohrbaugh, Syndulko, & Lindsley, 1980).
With respect to memory retrieval, on the other hand, it is a well-established finding that
word stimuli that are correctly classified as ‘old’ (i.e. learned during a pre-testing phase)
versus ‘new’ elicit a positive event-related component maximal over left parietal scalp
regions, referred to as the ‘old/new effect’ (Herron, Quayle, & Rugg, 2003).
In order to test our hypothesis, we devised a recognition memory task that required
participants (a group of advanced pianists) to identify bars from a piece of music they had
recently learned to play from memory: the Prelude in A Minor from J.S. Bach’s Well-
Tempered Clavier II, BWV 889.The pianists were asked simply to provide a ‘yes/no’ response
when presented with individual bars on a computer screen – that is, to distinguish bars
belonging to the prelude (yes) from similar bars not belonging to the prelude (no). Figure
1 provides a sample of the presented stimuli. Of interest to our predictions was whether
responses to hypothesised ‘structural’ bars would differ, in terms of response times and
ERPs, from bars that also belonged to the prelude but were presumed to be ‘nonstructural’.
Thus, even though structural and non-structural bars belonged to the same response
category in the recognition task (prelude versus non-prelude), we expected differing
behavioural and cortical responses to these stimuli.

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Figure 1. Examples of structural, non-structural and non-prelude bars presented to pianists as part of the
stimulus set. The entire set consisted of the 32 prelude bars and a matched set of 32 non-prelude bars.

The results confirmed our hypothesis that bars of music that are putatively crucial for
memory encoding and retrieval of a piece are processed differently from other bars
within a memorised piece. In the memory task, correct identification of structural bars was
found to be significantly faster (and tended to display higher accuracy) than recognition of
non-structural ones (see Table 1). Furthermore, in comparison with non-structural bars, as
well as with non-prelude bars, recognition of structural bars was associated with a
significantly greater negative ERP peak at a latency of around 300-400 ms post-stimulus,
displaying a right centro-parietal scalp distribution, and with a tendency toward greater
peak negativity within the 50-150 ms window, here displaying strongest effects at left
temporal electrodes (see Figures 2 and 3).

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Table 1. Mean response times (RT) in milliseconds, and percentage of correctly
identified stimuli (accuracy) for stimulus categories (standard deviation in brackets).

RT Accuracy
Prelude bars 1037 (231) 84.2% (12.5)
Structural bars 1010 (237) 89.9% (9.8)
Non-structural bars 1145 (449) 82.2% (15.1)
Non-prelude bars 975 (137) 90.3% (5.3)

Figure 2. Grand mean average ERP waveforms elicited by structural and non-structural prelude bars, and
non-prelude bars, recorded from central and parietal scalp electrodes.

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Figure 3. (a) Representative ERP traces elicited by structural versus non-structural prelude bars at the
right central C4 electrode site. The vertical lines indicate the time interval for the late negative peak,
which showed a significantly higher amplitude towards structural bars. (b) The topography of the late
negative peak amplitude differences between structural and non-structural bars over electrode sites.

In terms of the LT-WM theory, the study confirms several predictions for music
cognition. In particular, it supports earlier work in music which demonstrated that musicians
form and rely on highly ordered retrieval structures when recalling the compositions they
memorise (Williamon et al, 2002). In this case, as with previous studies, the data suggest
that the salient components of the musicians’ retrieval structures (i.e. the retrieval cues)
coincided with the composition’s identified structure. Indeed the findings show that
structural bars were accessed more quickly and in a qualitatively different way than the
other encoded musical information (Williamon & Egner, 2004, pp. 42-43).

Conclusions
The above studies have supplied behavioural and psychophysiological evidence for
the hypothesis that expert musical memory is underpinned by the strategic use of ‘structural’
cues for creating a retrieval architecture of a musical work.These cues are recognised with
greater ease and are associated with different brain responses than correctly recognised
stimuli that are not of importance to the memory structure. The data support the basic
tenet of the LT-WM theory in that they provide evidence that skilled musicians develop
and exploit domain relevant retrieval structures based on generally accepted characteristics
of associative encoding and retrieval of information in LTM (Ericsson & Kintsch, 1995).
Moreover, they provide initial insight into how such performers are able to update and
transform information in LT-WM rapidly, without compromising efficiency and reliability of
retrieval.
Nevertheless, before firm deductions can be made about the neural foundations of
musical memory – or of expert memory more generally – additional research must be
conducted with more participants and with stimuli drawn from other types of music. With

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regard to the latter point, the majority of studies in music cognition focus on the encoding,
retrieval, expression and communication of tonal music from the standard repertory of
solo instruments (namely, the piano). It is well-documented that such music conforms to
hierarchical and serial principles of organisation, both of which also appear to be cognitive
principles of wide generality (Palmer & van de Sande, 1995). The demands on musicians’
memories, however, are not limited to the successful recollection of just those types of
compositions. Rather, they must frequently learn and perform pieces that run counter to
the tonal, rhythmic and structural ‘rules’ that have been established through the works of
composers such as J.S. Bach, Mozart, Haydn, Brahms, Mendelssohn, and so on. Studying
exactly whether and, if so, how performers form, organise and exploit retrieval structures
when learning and performing music that defies (or at least does not conform exactly to)
convention should provide insight into characteristics of cognition that have enabled
musicians to meet new and evolving demands for hundreds of years.
Moreover, whilst these studies do say something of the art of musical memory, they
say very little about the artistry of musical performance. One may be forgiven for thinking
that current psychological theories predict that performers will draw on very similar
cognitive mechanisms when preparing pieces for performance, and so, may be very likely
to produce performances that are similar in their expressive and interpretative content.
However, eminent musicians, as is typically expected of them, proceed to interpret and
communicate music in decidedly different and original ways. Existing theories of expert
performance within psychology do not account well for such idiosyncrasy, and it is in the
marriage of universal cognitive mechanisms with individual differences where fruitful
theoretical advances are likely to be made.

Notas
1
Portions of this article are to appear in Studien zur Wertungsforschung (2007) and were presented as part
of the symposium ‘Time lost, time regained: Oblivion and recollection in music’ of the festival Steirischer
Herbst (2005), University of Music and Dramatic Arts, Graz Austria.

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Métodos e Modelos de Representação para a
Pesquisa Empírica em Expressividade Musical

Maurício Loureiro
Universidade Federal de Minas Gerais
mauricio@musica.ufmg.br

Inovações tecnológicas a partir do surgimento da computação científica ofereceram


novas possibilidades metodológicas para a análise musical a partir de medições objetivas
de grandezas físicas relacionadas à música, permitindo abordagens analíticas focalizadas
na percepção. Um grande número de pesquisa quantitativa em diferentes aspectos da
expressividade musical vem sendo realizado com base em medições de parâmetros acús-
ticos visando identificar e quantificar a correlação entre variações destes parâmetros e as
intenções do intérprete para comunicar ao ouvinte diferentes aspectos da música que
eles tocam. Assim como a partitura representa a música por meio de uma seqüência de
notas, que especifica a altura, a posição temporal, a intensidade e a instrumentação de
cada uma, uma grande variedade de modelos buscaram representar a performance desta
música como listas de eventos sucessivos, contendo informação semelhante, porém em
diferentes níveis de especificação e precisão, com a finalidade de descrever como e por
que o músico modifica, às vezes inconscientemente, o que é indicado na partitura.
Paradigmas e aspectos emergentes na pesquisa em expressividade musical serão discuti-
dos, particularmente abordagens por modelagens da performance musical a partir de
informação de conteúdo musical extraída do som e de gestos físicos do interprete, já que
muitos destes movimentos corporais estão relacionados a características específicas da
música ou a intenções expressivas do músico e não apenas às necessidades de geração do
som.

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Mecanismos neurais de agrupamentos
auditivos impondo regras à percepção musical:
Um estudo através das regras de “condução das
vozes”

J. Zula de Oliveira
jotazula@uol.com.br
Universidade de São Paulo

Introdução
Achei que seria importante estudarmos como conseguimos ouvir música. Geral-
mente não nos preocupamos com o como a ouvimos, ou seja: como a audição de elemen-
tos (sons e células rítmicas) que são produzidos isoladamente assumem o papel de
estruturas, formando um discurso completo e cheio de significados.
Como percebemos música? Quais os mecanismos neurais que nos levam a agrupar
elementos em estruturas ou separar o que aparentemente está agrupado?
Ao ouvir música somos afetados por rápidas e complexas mudanças de espectros
acústicos, decorrentes da superposição de sons e movimentos rítmicos (ou não) proveni-
entes de diferentes fontes sonoras. O sistema auditivo tem a tarefa de analisar estes
espectros de forma a recompô-los, catalogá-los, julgar sua similaridade e diferenças, sua
pertinência, ou não, de agrupamentos de uns com os outros2.
A partir desta consideração pomos em evidência, sobretudo dois aspectos: a) O fato
de ao nosso sistema auditivo ser apresentada apenas uma série de “elementos isolados”
(elementos de primeira ordem, em música: elementos pré-musicais) e que através de
mecanismos especiais são combinados de forma a constituir agrupamentos ou estruturas;
b) Como são feitas abstrações a partir das combinações efetuadas de tal forma a permitir
que o sistema perceptivo da audição elabore equivalências e similaridades em música.
Para estudar os mecanismos que organizam estes dois aspectos temos que partir
do estudo, tanto das dimensões do som (altura, intensidade e timbre), como das dimen-
sões pertinentes ao ritmo (precisão, elasticidade continuidade), e determinar, para cada
caso, quais seriam os princípios que agem efetivando os agrupamentos. É sabido que tanto
o som como o ritmo apresenta padrões muito complexos, mas que seguem determinadas
regras para que ocorram tais agrupamentos.
Os psicólogos da Gestalt (Max Wertheimer, Christian von Ehrenfels, Felix Krüger,
Wolfgang Köhler e Kurt Koffka) propuseram que os agrupamentos dos elementos primá-

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rios em configurações têm base em várias regras (ou leis) simples sitiadas no cérebro das
pessoas: as leis gestálticas (vide Anexo 1). A Fig. 1 (copiada de D. Deutsch, 1999) ilustra
algumas destas leis para estímulos visuais.

Fig 1: Ilustrações de algumas leis da Gestalt (proximidade,


similaridade e boa continuação) para estímulos visuais

Na ilustração “a” o agrupamento é feito segundo a lei da proximidade: os elementos se agrupam


segundo a proximidade de sua configuração espacial; neste exemplo os elementos são agrupados
dois a dois. No exemplo “b” está ilustrada a lei da semelhança: esta lei nos leva a perceber de um
lado, as filas verticais formadas pelos círculos vazios e do outro as filas formadas pelos círculos
cheios. O terceiro exemplo, o “c”, ilustra a lei da boa continuação: a percepção segue a direção em
que os elementos são mais “convenientemente” distribuídos. A percepção do observador segue
o caminho da estrutura formada por tais elementos, no exemplo o caminho de A a B e C a D.

As ilustrações acima foram feitas para estímulos visuais, mas quando aplicadas à
percepção auditiva, podem explicar como percebemos “forma” na audição de música.
(vide Gregory, 1994; Deutsch, 1975; Bregman, 1978, 1990; Narmour, 1991 1992; Huron,
1993c). Os agrupamentos efetuados em conformidade com tais leis é que efetivamente
nos permitem interpretar nosso ambiente sonoro. As leis acima ilustradas para estímulos
visuais, quando aplicadas a estímulos musicais poderiam ser ilustradas com:
• Lei da proximidade: a proximidade dos sons em música pode efetuar-se tanto
quanto à coerência na sucessão dos sons (p. ex. proximidades de tonicidade ou de
diatonicidade), como na continuidade existente entre dois ou mais sons quanto à sua
temporalidade No caso da tonicidade e diatonicidade, a razão numérica entre as freqüên-
cias dos intervalos (melódicos ou harmônicos) formados pelos sons é o determinante
básico do “parentesco” existente entre estes sons. Desta forma, os intervalos do uníssono,
da 8ªe da 5ª (que têm razões intervalares muito simples) não favorecem à percepção
individual dos sons que formam os intervalos e sim, tende a fundi-los.
• Lei da semelhança: agrupamentos em música quanto à semelhança podem efetu-
ar-se a partir, por exemplo, de formação tímbricas (iguais ou diferentes), combinações de
instrumentos de corda com instrumentos de sopro ou percussão, de repetição de notas

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etc. A lei da semelhança nos possibilita o reconhecimento das “semelhanças” que dão
unidade a uma obra musical.Temas, motivos etc. que se repetem proporcionam integração
à música, direcionam a atenção, despertam um certo ludismo e conseqüente prazer (ou
fruição) na audição da obra musical.
• Lei da boa continuação: de modo geral todas as leis gestálticas ditam a maneira de
os eventos musicais serem percebidos levando em consideração os universais da música
(Carterette and Kendall, 1999)3. Mas de todas as leis a que se propõe mais como função
dos princípios gestálticos é a da boa continuação. A “continuação” é “boa” quando atende
às nossas expectativas que por sua vez são estabelecidas a partir de experiências anterio-
res. Desta forma são válidas as afirmativas: nota puxa nota, inciso puxa inciso, frase puxa
frase, tema puxa tema, ritmo puxa ritmo, movimento puxa movimento, coerência puxa
coerência em qualquer nível da composição musical. Alguns exemplos: eventos musicais
semelhantes (p. ex. quanto ao timbre) provavelmente serão originados e interpretados,
sensorialmente ou virtualmente, como provenientes de uma fonte comum; podem dar
origem a agrupamentos coerentes. Por outro lado, sons dessemelhantes podem ser inter-
pretados como provenientes de fontes diferentes, não dando ensejo à formação de estru-
turas, não se conseguindo estabelecer através deles uma“boa continuação”.Uma sucessão
que muda suavemente (p. ex., em freqüência) pode ter origem em uma única fonte, e ao
contrário, uma transição de freqüência abrupta pode refletir a presença de uma fonte
diferente. É provável que componentes de espectros complexos semelhantes que sur-
gem em sincronia, apresentem características que permitam agrupamentos por sua se-
melhança prejudicando o princípio da percepção independente das vozes, como veremos.
Mas isto não é tudo o que se deve saber a respeito da percepção de música. Existe
ainda outra questão de fundamental importância: será que tais agrupamentos resultam da
ação de um único mecanismo neural de decisão, ou será que múltiplos mecanismos estão
envolvidos nesta tarefa, cada um responsabilizando-se por critérios de agrupamentos
diferentes? Do que já foi pesquisado há evidências psicológicas de que os subsistemas
subjacentes aos processos da percepção auditiva são vários e atendem a características
específicas tanto do som (construto espacial), como do ritmo (construto temporal). Tais
evidências nos permitem formular a hipótese de que os agrupamentos auditivos não são
efetuados por um único mecanismo neural, mas por vários que agem separadamente em
estágios diferentes, mas que interagem entre si. Desta forma o mecanismo que agrupa as
informações da altura são diferentes dos que agem sobre o timbre ou sobre a intensidade,
sobre a localização da fonte sonora etc. (Oliveira, 2002), ou sobre o ritmo e suas caracterís-
ticas. Há evidências também de que podem surgir ilusões resultantes da forma “incorreta”
das ligações entre os diferentes eventos musicais fenômeno que D. Deutsch chamou de
ilusão auditiva (Deutsch, 1974, 1975a, 1975b, 1980a, 1981, 1983a, 1983b, 1987, 1995).
Diante de tais descobertas podemos concluir que a organização perceptual na música
envolve um processo no qual os elementos são agrupados entre si, de forma a sinalizar
valores para diferentes atributos separadamente e isto é seguido por um processo de
elaboração de síntese na qual os significados de atributos diferentes são combinados
correta ou incorretamente.

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Como surgiram as regras que compõem as gramáticas musicais
que aprendemos ao estudar música
Nossa exposição será feita a partir da análise das regras prescritas para a composição
de um cantus firmus (o elemento básico para a realização de um contraponto seiscentista)
e da harmonia tradicional (séculos XVIII e XIX), procurando justificar tais regras do ponto de
vista das leis da acústica, da psicofísica, da cognição, da aculturação e, sobretudo dos
processos neurológicos, levando em conta em conta as leis gestálticas e os universais da
música. Estas regras foram estabelecidas pelos mestres, seja do contraponto seiscentista,
que tem como um dos expoentes G. Palestrina (Gauldin, 1985; Jeppesen,1939/1963; Fux,
1725/1971; Bertucci, 1947), seja do Barroco, brilhantemente representado por J. S. Bach
(Benjamin, 1986; Parks, 1984; Tryhall, 1993), seja da harmonia clássica e romântica, pratica-
da com maestria por A. W. Mozart, L. van Beethoven, P. Tchaikoswki (Hindemith, 1944;
Aldwell & Schachter, 1989; Piston, 1978; Schoenberg, 1911/1978; Schoenberg, 1954/1969;
Grabner, 1962, Koellreutter, 1986; Oliveira e Oliveira, 1978; Salzer, 1952), seja do contraponto
atonal4, cujos criadores e expoentes são A. Scheonberg, A. Webern, A. Berg (Fortner, 1960;
Krenec, 1940).
As regras que introduzem os alunos nas gramáticas da composição musical são
muitas e não trataremos de todas elas, mas apenas das que se evidenciam. Fazemos
exceção das regras que orientam para a composição pós-tonal (geralmente escritas a
priori, ao contrário das tonais, geralmente escritas depois de terem sido comprovadas na
prática). Portanto, depois de terem sido consideradas convenientes à percepção musical.
(Vide algumas dessas regras no Anexo 2 (Regras para a prática da harmonia clássica e
romântica Anexo 3 (Regras para a composição de um cantus firmus).

Princípios de agrupamentos auditivos que fazem da percepção


de elementos musicais estruturas.
Neste trabalho vamos estudar os princípios que levam a percepção musical de ele-
mentos à construção de estruturas musicais, focando as regras para a condução das vozes
ou partes. Segundo Huron (2001)5 estes princípios se resumem a 10, sendo seis, os básicos
e quatro que contribuem para a identificação dos gêneros musicais:
• Princípios básicos para a percepção musical: 1. a afinação do som segundo
audibilidade de seus harmônicos (toneness) ou diatonicidade; 2. a continuidade temporal;
3. um mínimo de mascaramento; 4. a fusão tonal; 5. a proximidade das freqüências (ou dos
sons segundo sua diatonicidade); 6. a co-modulação do som;
• Princípios que favorecem o reconhecimento dos gêneros musicais: 7. a sincronicidade
de ataque (onset); 8. o limite de densidade; 9. a diferenciação tímbrica; 10. a localização da
fonte sonora.
Vejamos em detalhes cada um destes princípios e o seu papel no processo de
agrupar/desagrupar os elementos musicais.

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1. A afinação do som a partir da audibilidade de seus harmônicos (toneness, diatonicity)
Huron (2001) sugere que o som musical quando exibe um alto grau de afinação,
desperta em quem o ouve imagens auditivas, ou seja: quando porta uma boa audibilidade
de seus harmônicos (tonicidade ou diatonicidade). Uma medida usada para conferir o grau
de afinação é fornecida pelo peso virtual desta afinação. Os sons que têm alto peso virtual
de afinação a partir da forma como são percebidos pelo ouvintte são os sons complexos
centrados na região situada entre F2 e G5 Sons contendo parciais inarmônicos
produzem percepção musical de afinação competitiva, evocando em função disto ima-
gens auditivas confusas. Este item pode estar relacionado com as propriedades acústicas
da fonte sonora, entre outros fatores.
Na natureza um som, de modo especial um som musical, nunca ocorre sozinho.
Sempre vem acompanhado de harmônicos (ou parciais) ou inarmônicos. São estes parci-
ais que formam seu espectro e são eles também que nos possibilitam a fusão ou a sepa-
ração de tais sons (como veremos). Para estudar a relação entre os harmônicos e a afinação
de um som tem-se que estudar sua harmonicidade (a relação harmônica que eles man-
têm com a freqüência fundamental à qual estão ligados) e a relação que este som man-
tém com outros sons, da qual decorre o nível de fusão/separação entre os sons.
Frente à harmonicidade o sistema auditivo interpreta o que ouve como uma “com-
binação harmônica” da qual é gerada uma única imagem sonora. Ao tocar sons em instru-
mentos musicais são-nos fornecidos exemplos de como a percepção agrupa os harmônicos.
Tanto instrumentos de corda, como de sopro e outros de “afinação definida” produzem
sons cujos parciais são harmônicos, tanto mais harmônicos para a percepção quanto mais
audíveis forem estes parciais, caracterizando-se cada som pelo nível de audibilidade de
cada parcial, o que determina o espectro (o timbre) do som. Esta característica confere ao
som seu grau de “musicalidade”, sendo tanto “mais musical” quanto mais audíveis forem
seus harmônicos. A harmonicidade proporciona uma forte impressão de fusão. Sinos e
gongos, no entanto, produzem parciais que não são harmônicos e que nos dão uma
sensação de freqüências difusas.
Huron (1991b), baseado em trabalhos anteriores seus e de outros autores, estudou a
relação entre harmonicidade e fusão espectral para música polifônica. Este gênero de
música tem como característica principal preservar a independência das vozes simultâne-
as dentro da trama polifônica. Em análise de peças de J. S. Bach executadas ao teclado,
mostrou que os intervalos harmônicos eram evitados na proporção em que eles promovi-
am a fusão tonal. A conclusão de Huron foi que Bach usou esta estratégia de composição
com a finalidade de otimizar a percepção das vozes individualmente. Isto parece ser mais
freqüente ainda na música polifônica seiscentista.
Na contramão do princípio da independência das vozes, compositores mais recen-
tes, sobretudo a partir do impressionismo musical, privilegiaram em suas composições os
elementos que favoreciam a fusão tonal. Em trabalho de experimentação com sons que
foram produzidos por instrumentos diferentes (inclusive sintetizadores e geradores de
som) tocando simultaneamente, tais instrumentos foram usados de forma a perderem sua
identidade e ao mesmo tempo produzir a impressão de um único som. Por exemplo,

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Debussy e Ravel e outros representantes do impressionismo musical, em algumas peças
orquestrais fizeram bastante uso do que se poderia chamar de diluição das harmonias
(acordes quebrados, arpejos, uso de timbres semelhantes etc). Os compositores pós-to-
nais como Schoenberg, Stravinsky, Webern e Varèse muitas vezes usaram estruturas alta-
mente individualizadas, ao que, segundo o termo de Varèse, foram chamadas de “massas
sonoras” (Erickson, 1975). Sob este ponto de vista as combinações de melodias que con-
têm relações harmônicas simples oferecem uso preferencial, uma vez que não está mais
sendo focada em primeiro plano relações intervalares que favoreçam à percepção indivi-
dualizada das partes na composição de melodias, mas sim outras relações como a tímbrica
ou de “massas sonoras” (Klangfarbenmelodie).
Em estudo com a fala foi demonstrado em laboratórios que determinados padrões
no uso da fala (p. ex. quando muitas pessoas falam simultaneamente), são melhores per-
cebidos quando as vozes são produzidas sobre fundamentais diferentes (Rasch, 1978), o
que é fundamental para a compreensão do que se está falando. A diferença intervalar
entre as fundamentais, segundo Assmann e Summerfield (1990), Broks e Nootebohm
(1982) e Sheffers (1983) deve situar-se pelo menos em torno de um a três semitons. Além
disto, formantes resultantes de uma mesma fundamental tendem a ser percebidos como
uma unidade perceptiva, portanto fundidos, como conseqüência de provável
mascaramento, enquanto que formantes constituídos a partir de fundamentais diferentes
tendem a serem percebidos como distintos uns dos outros (Darwin e Gardner 1986;
Gardner., Gaskill, and Darwin, 1989).
Existem ainda outros fatores que interferem nos processos de agrupamentos (fusão/
separação) na música. Por exemplo, as fontes sonoras e sua localização são um deles.
Outro: Moore, Glasberg e Peters (1986) referem-se ao fato de que quando um componen-
te de um complexo harmônico é desafinado em relação aos outros, ele é ouvido como
separado dos demais. Outros atributos do som também podem provocar fusão/separação
na percepção dos sons e Darwin e Carlyon (1995) sugerem serem necessários para a
realização da fusão/separação um processo de percepção grupal que esteja envolvido
com certo número de mecanismos neurais e que tais mecanismos não usam necessaria-
mente os mesmos critérios.
Imbricado com o princípio da“Afinação do som” poderiam estar:a) as“Leis Gestálticas”
(vide Anexo 1) de nºs 4 (Lei da Pregnância) e 6 (Lei da experiência passada ou do fato
comum); b) as“Regras para a condução das vozes na prática harmônica” (vide Anexo 2) de
nº 1 (que estabelece a tessitura de melhor audibilidade de harmônicos), nº 2 (que regula
a formação dos acordes compondo-os com 3 ou 4 sons da série harmônica, bem afinados,
o que aumenta a possibilidade de audição dos harmônicos (tonicidade e harmonicidade);
nº 6 e 7 (que estabelecem sustentação dos sons comuns ou o uso de passos pequenos
diatônicos, o que facilita manter a afinação); c) as regras da composição de um cantus
firmus (vide Anexo 3) de nº 2 (que estabelece o uso dos modos litúrgicos e clássicos como
escalas a serem usadas, pois elas fazem parte de uma cultura secular e isto invoca a
afinação culturalmente definida), nº 4, 6 e 8 (que proíbem o uso de intervalos “artificiais”
a estes modos, o que poderia “facilitar” a desafinação ou mudança de campo harmônico).

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2. A continuidade temporal
A música acontece no tempo. É nele que as estruturas sonoras se formam através da
duração dos sons. Mas para que se formem é necessário que os sons sejam percebidos
como um contínuo. A partir desta continuidade é que a música é percebida e as imagens
sonoras evocadas. São vários os fatores que interferem para que a percepção continuada
seja afetuada, sendo o principal deles a continuidade temporal, na qual a energia do som
é mantida por um certo período de tempo, estabelecendo-se um processo mental, uma
espécie de “memória ecóica” (Houtgast, 1972; Thurlow, 1957; Warren, Obusek & Ackroff,
1972), com duração de aproximadamente 1 a 5 segundos. A “memória ecóica” desperta,
a partir da audição de sons específicos continuados, imagens auditivas, mesmo quando
alguns destes sons estão fisicamente ausentes. Para isto é necessário que os sons sejam
mais contínuos, repetitivos e suficientemente fortes.. O mascaramento6 dos sons neste
particular age em contrário à continuidade temporal. A continuidade e intermitência dos
sons não devem ser interrompidas por mais de aproximadamente 800 milesegundos (ms)
de silêncio ou de outro fato qualquer, para que a percepção do contínuo não seja quebra-
da. Conclui-se a partir das pesquisas que imagens auditivas consistentes sejam evocadas a
partir de sons que ou são contínuos ou interrompidos apenas por curtos espaços de tempo
(menor do que 800 ms).
A importância da relação temporal para a fusão ou separação da percepção já foi
estudada por Helmholtz em seu tratado On the Sensations of Tone (1859/1954), onde es-
creve (citação de D.Deutsch, 1999 pg. 302).
Now there are many circunstances which assist us first in separating the musical tones
arising from different sources, and secondly, in keeping together the partial tones of each separate
source. Thus when one musical tone is heard for some time before being joined by the second, and
then the second continues after the first has ceased, the separation in sound. is facilitated by the
succession in time. We have a1ready heard the first musical tone by itself and hence know
immediately what we have to deduct from the compound effect for the effect of this first tone.
Even when several parts proceed in the same rhythm in polyphonic music, the mode in which
the tones of the different instruments and voices commence, the nature of their increase in
force, the certainty with which they are held and the manner which they die off, are generally
slightly different for each... When a compound tone commences to sound, alI its partial tones
commence with the same comparative stregth;. when it swells, alI of them generally swell
uniformly; when it ceases, alI cease simultaneously. Hence no opportunity is genera1ly
given for hearing them separately and indepen dently. (pp. 59—ó0) 7.

Este item está relacionado com o tempo em música.Trata-se de um estudo diferente


do de quando os sons são produzidos ao mesmo tempo e se consideram em primeiro
plano seu aspecto espectral e a relação entre seus componentes que são o elemento
fundamental para a percepção como um todo, ou seja, de forma a constituir fusão. Na
prática real ao se executar uma música, fatores temporais entram em ação. Um destes
fatores é a sincronicidade/assincronicidade do ataque dos sons. A sincronicidade afetando
a afinação dos sons e a assincronicidade contribuindo para a percepção individual de cada
som. Quando componentes de um som complexo soam sincronizadamente, é provável
que eles tenham origem na mesma fonte sonora; ao contrário quando eles soam em

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dissintonia é igualmente provável que tenham origem em fonte sonora diferente. Neste
caso estamos estudando a correspondência temporal na flutuação dos componentes.
Helmholtz (1859 / 1954) afirma ser a temporalidade na ocorrência dos harmônicos que
nos permite sua separação em unidades discretas.
Imbricadas com o principio da “Continuidade temporal” poderiam estar: a) as “Leis
Gestálticas” de nº 1 (Lei da Semelhança); nº 2 (Lei da Proximidade), 3 (associada com a de
nº 1 e 2, Lei da Boa Continuação), nº 4 (Lei da Pregnância), entre outras; b) as “Regras para
a condução das vozes na prática harmônica” de nº 3 (que estabelece uma continuidade
nos espectros das vozes quanto às tessituras de baixo, tenor, contralto e soprano); nº 7 (que
regula a condução dos sons de forma a garantir continuidade, tanto linearmente (melodia)
como em profundidade (harmonia); nº 9 (que quebraria a continuidade do fluxo melódi-
co, uma vez que o cruzamento das vozes interrompe o fluxo da melodia ou harmonia
intencionada); c) as regras da composição de um cantus firmus de nº 1 (o cantus firmus é
um contínuo que é garantido pela limitação do número e duração isorítmica dos sons
usados); nº 9 (uma boa melodia tem continuidade que é definida por um ponto de partida,
um desenvolvimento, um clímax e um repouso. A regra 9 solicita isto); nº 10 (os fecha-
mentos criados estabelecidos na regra 10 sugerem à continuidade associada à compensa-
ção no uso dos intervalos diatônicos).

3. Um mínimo de mascaramento
Békésy (1943/1949, 1960) e depois Skarstein (Kringlebotn, Gundersen, Krokstad, &
Skarstein, 1979) foram os precursores do que se chamou de mapa tonotópico da cóclea,
ou seja: cada freqüência tem seu ponto de ancoragem apropriado na membrana basilar,
sendo as freqüências agudas recebidas na base da cóclea e as freqüências graves no ápex.
A partir dos estudos de Békésy, outros pesquisadores (p. ex. Fletcher, 1940, 1953) têm
demonstrado que há relação entre a distância ao longo da membrana basilar e a região de
mascaramento, definindo o que se chamou de banda crítica, o limite para a ocorrência de
mascaramento8. O passo seguinte é dado por Zwicker, Flottorp e Steven, (1957) estabele-
cendo a largura da banda crítica mais como algo real do que hipotético e sugerindo
também a distância ao longo da membrana basilar como uma função da totalidade da
freqüência dispendida por vários sons ou de uma banda de ruídos. Greenwood (1961b,
1990), partindo dos estudos de Fletcher, estabeleceu que há uma relação linear que limita
a banda crítica, sendo de cerca de 1 mm a distância em que é capaz de receber as
freqüências que se mascaram mutuamente. Greenwood sugere também que os efeitos
tonotópicos podem refletir-se em aspectos da percepção de dissonâncias referenciadas
como sensibilidade para dissonância, levando-se em consideração que tanto a consonân-
cia como a dissonância podem sofrer influencia cultural (fator de aprendizagem) e senso-
rial (fator inato). Vários outros pesquisadores ainda se ocuparam com este assunto, a
exemplo de Cazden (1945), Mayer (1894), Pomp e Levelt (1965) que deram continuidade
aos estudos de Greenwood quanto à percepção de dissonância e banda crítica e a mecâ-
nica da membrana basilar. Note-se, no entanto que muitos destes experimentos foram
feitos com sons puros que em música não são usados e que para sons complexos, os sons
musicais, é fator decisivo para a sensação de clareza da consonância ou dissonância, a

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região em que se situa o intervalo, lembrando que as sonoridades mais usadas na prática
musical, sobretudo harmônica, situam-se entre o F2 e o G5, ao que se somam os efeitos da
cultura e da sensibilidade humana.
Concluindo: o macaramento auditivo é um efeito acústico que limita a percepção
individualizada dos sons. A fim de minimizá-lo em algumas sonoridades verticais, as somas
de energia espectral dos sons não devem cair na banda crítica, e que para sons complexos,
determinados harmônicos devem ser dispostos mais espaçados na medida em que o
registro se torna mais grave (veja o uso da “harmonia larga” que exibe sonoridade mais
ampla do que a “harmonia estreita”).
Levando-se em consideração que a música é composta por partes (ou vozes) que
devem ser ouvidas individualmente, imbricadas com o principio do “Mascaramento” po-
deriam estar: a) as “Leis Gestálticas” de nºs 1 e 4 (Lei da Semelhança, e da Pregnância de
um lado atuando como catalisadoras de agrupamentos e de outro atuando como disposi-
tivos de fusão dos sons que impedem a audição individual das partes); b) as “Regras para a
condução das vozes na prática harmônica” de nº 2, 3 e 4 (que estabelecem o número e a
tessitura das vozes a serem usadas na composição musical e a maneira como elas devem
ser usadas de forma a evitar o quanto possível os mascaramentos); nº 4 e 10 (que regulam
o uso de intervalos que poderiam favorecer o mascaramento: uníssonos, 8ªs e 5ªs justas);
c) as regras da composição de um cantus firmus não estão diretamente imbricadas com o
efeito do mascaramento por se tratar de desenvolvimento linear (melódico) em que o
mascaramento pode ocorrer apenas com relação a cada som em particular. No entanto
mascaramentos podem ocorrer na composição de um contraponto.

4. A fusão tonal
A fusão tonal é a tendência a fundir em um som combinações de sons de acordo
com sua coerência. Esta fusão ocorre quando o sistema auditivo interpreta certas combi-
nações de freqüências como compondo parciais de um único som.(DeWitt & Crowder,
1987). A fusão tonal é afetada, sobretudo por dois fatores: a) a razão existente entre as
freqüências dos sons componentes e b) seu conteúdo espectral. A fusão tonal acontece
com maior probabilidade quando o conteúdo espectral está em conformidade com uma
série harmônica mesmo que hipotética. E ainda com maior probabilidade quando as fre-
qüências dos tons componentes são compostas por razões de números inteiros e simples.
Neste caso incluem-se os uníssonos, as 8ªs e as 5ªs. Há discussões entre os pesquisadores,
no entanto, se fusão tonal e consonância tonal são o mesmo fenômeno (Bregman, 1990),
ao que parece tratar-se de uma confusão dos conceitos:“smooth sounding” e“sounding as
one” (“som que se extingue” e “sonoridade que soa como um som”). No entanto os
estudos vistos anteriormente (Greenwood, Plomp e Levelt e outros) sugerem as distânci-
as na banda crítica como determinante de consonâncias e dissonâncias e que a sensibili-
dade está mais afeta a esta distância do que à harmonicidade ou à fusão tonal.
Se a fusão tonal é ou não é um fenômeno desejado para a composição musical
depende da percepção musical e das intenções do compositor. Os compositores dos
períodos renascentista, barroco, clássico e romântico a evitaram não usando uníssonos, 8ªs
e 5ªs e se isto ocorre são bem menos freqüentes do que o uso de outros intervalos.

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Naturalmente estes intervalos se tornam bem mais “fundíveis” num contexto musical
quando aparecem em paralelo, servindo como justificativa da proibição do uso das 5ªs, 8ªs
e uníssonos paralelos.
Tendo como base os conceitos de fusão tonal e sensação à dissonância é que os
intervalos das escalas diatônicas têm sido classificados pelos teóricos da música em conso-
nâncias perfeitas (uníssonos, 8ªs e 5ªs) que apresentam baixa taxa de sensação à dissonância
e alta taxa de fusão tonal, e consonâncias imperfeitas (3ªs e 6ªs maiores e menores) que
exibem baixa taxa de sensação à dissonância e também baixa taxa de fusão tonal, e
finalmente dissonâncias (2ªs e 7ªs maiores e menores, bem como os trítonos) que exibem
alta taxa de sensação à dissonância e baixa taxa de fusão tonal.
Resumindo; a percepção de independência de tons concorrentes é enfraquecida
quando a relação de suas freqüências induz à fusão tonal. Os intervalos que mais promo-
vem a fusão tonal são (em ordem decrescente): o uníssono, a 8ª e a 5ª (justas). Quando se
tem o objetivo da percepção independente dos sons concorrentes, devem ser evitados os
intervalos que promovem tal fusão, a exemplo dos acima citados.
De todos os princípios da percepção musical quanto às teorias de agrupamento/
separação dos elementos musicais, o princípio da Fusão Tonal parece ser um dos que mais
se impõem. Com este princípio poderiam estar imbricadas: a) as“Leis Gestálticas” de nºs 1,
4 e até certo ponto 5 e 6 (Lei da Semelhança, da Pregnância, do Fechamento e do Fato
Comum. De um lado atuando como catalisadoras de agrupamentos/separações e de
outro atuando como dispositivos de fusão dos sons que impedem a audição individual das
partes); b) as “Regras para a condução das vozes na prática harmônica” de nº 1 (que
delimita a tessitura onde a fusão tonal é mais susceptível e prestando-se mais à prática da
harmonia); 2 e 3 (que estabelecem o número e a tessitura das vozes a serem usadas na
composição musical e a maneira como elas devem ser usadas de forma a favorecer/
dificultar a fusão tonal); nº 4 e 10 (que regulam o uso de intervalos que poderiam favore-
cer/dificultar a fusão tonal: uníssonos, 8ªs e 5ªs justas paralelas); c) as Regras da composição
de um cantus firmus de nºs 2, 4, 5, 6 e 8 (que estabelecem proibições ao uso de intervalos
que levariam à desestruturação da ambientação tonal (modal) favorável à integração e
coerência do fluxo melódico); nº 9 (um “pico culminante” - e um só – exigido pela regra
de nº 9 é um dos elementos mais integradores de uma estrutura melódica).

5. A proximidade das freqüências (ou dos sons segundo sua diatonicidade e temporalidade)
Quanto à proximidade das freqüências ou dos sons podem ser considerados como
exemplo de proximidade das freqüências os trinados, dos quais distinguimos dois: a) os
que são feitos em intervalos pequenos e com muita velocidade, que provocam a sensação
de ondulação sonora e b) os que são feitos em intervalos grandes e pouca velocidade, que
provocam a sensação de uma forma específica de execução de uma melodia. Estas forma-
ções intervalares associadas ao tempo em que são executadas têm sido assunto de muitos
estudos, sendo os mais significativos os de Dowling (1967) e os de van Noorden (1975).
Van Noorden mapeou a relação entre tempo e som na fusão e separação do fluxo
sonoro, sugerindo que quando o tempo é lento e/ou os sons estão próximos, a seqüência
resultante é sempre percebida como uma estrutura sonora única (o que recebeu o nome

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de fission boundery - fusão de fronteira). Enquanto que se a distância entre os sons é
grande e/ou o tempo é rápido, duas estruturas sonoras são percebidas (o que ele chamou
de temporal coherence boundery - coerência temporal de fusão). E van Noorden identifica
ainda uma área fronteiriça em que o ouvinte pode perceber uma ou duas estruturas
sonoras, dependendo de sua disposição. A percepção que se tem no primeiro caso, fusão
de fronteira (fission boundery), é bem menos intensa do que a percepção que se tem no
segundo caso, coerência temporal de fusão (temporal coherence boundery).
A proximidade dos sons é também um fator que insinua o fluxo da percepção.
Estudos feitos por Dowling (1973) usando duas melodias conhecidas que se cruzavam e
por Deutsch (1975) e por van Noorden (1975) demonstraram que melodias ascendentes
e descendentes, que têm o mesmo timbre, e que se cruzam, são percebidas segundo o
fluxo induzido pela proximidade de seus intervalos. A Fig. 2 mostra esta lei da percepção.

Fig. 2 : Esquema ilustrando as duas possibilidades de


percepção de trajetórias de sons que se cruzam.
Percepção “cruzada” (à direita) são mais comuns para
estímulos formados por seqüências discretas de sons,
quando os timbres são idênticos.

Resumindo: pelo menos quatro fenômenos são importantes na definição da proxi-


midade das freqüências dos sons que determinam a fusão ou a separação do fluxo auditi-
vo para a percepção: a) a fusão de seqüências de sons monofônicos em perceptos
pseudopolifônicos (Miller e Heise, 1950); b) a descoberta de “degradações” do processo
de informação em tarefas temporais de fluxos cruzados (Schouten, Norman, Bregman e
Campbell e Fitzgibbons, Pollatsek e Thomas); c) a dificuldade de a percepção detectar o
fluxo auditivo quando há cruzamento de sons (Dowling, Deutsch, van Noorden); d) a
proeminência da proximidade do som sobre a trajetória do som na continuação do fluxo
auditivo (Bregman e outros). A separação do fluxo é ainda fortemente dependente da
proximidade de sons sucessivos. Então a coerência do fluxo auditivo é mantida pela proxi-
midade dos sons com sons sucessivos no fluxo. O fluxo de um som básico é assegurado
quando o movimento do som está de acordo como limite de fusão (van Noorden), (nor-
malmente em torno de dois semitons ou menos) que têm a duração de pelo menos 700
ms. Quando a distância entre os sons ultrapassa estes limites, mesmo assim ainda é possí-
vel manter a percepção de um único fluxo reduzindo o tempo de duração dos sons.
Imbricado com o princípio da Proximidade das freqüências (ou dos sons segundo sua
diatonicidade e temporalidade) poderiam estar: a) as “Leis Gestálticas” de nºs 2, 3 e 6 (Lei
da Proximidade, Lei da Boa continuação e lei do Fato Comum, atuando como“solicitadores”
da boa continuação e atendimento de expectativas criadas pela experiência e pela cultura

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favorecendo agrupamentos/separações no tempo e no espaço e dando (ou não) ensejo
à formação de estruturas); b) as “Regras para a condução das vozes na prática harmônica”
de nº 4, 8, 9e 10 (que delimitam o uso de intervalos que andam na contramão da percep-
ção individualizada das partes que favorecem o contínuo exigido pela forma musical); c)
as regras da composição de um catus firmus de nº 1 (que estabelece o uso de valores
isoritmicos favorecendo a continuidade sugerida); nºs 5, 7 e 10 (que estabelecem o uso de
intervalos que favoreçam à continuidade decorrente da proximidade das freqüências,
sem que isto implique em mascaramento).

6. A co-modulação tonal
Em 1863 Helmholtz já sugeriu que a movimentação concomitante de sons contribui
para a percepção de forma fundida dos sons que comparecem ao mesmo tempo. Recen-
temente este tema foi retomado por Chowing (1980) e Bregman e Doehring (1984), que,
além de confirmarem a indicação de Helmholtz, acrescentaram novas indicações, por
exemplo, Bregman e Doehring (1984) que demonstraram experimentalmente que a
fusão tonal aumenta significativamente quando dois sons são modulados em mudanças
correlacionadas do logaritmo das freqüências e que a intensidade da fusão tonal é maior
para os sons que mudam a freqüência, do que para os sons que permanecem na mesma
afinação.
Na prática musical este princípio se verifica. D. Huron mostrou que os compositores
da polifonia evitaram usar sons que tinham uma correlação positiva, sobretudo correlação
que implicava em movimento paralelo. Do que concluiu como princípio para a co-modu-
lação: a fusão perceptual de sons concomitantes e concorrentes é aumentada quando os
sons estão correlacionados positivamente e é ainda mais aumentada quando a correlação
é precisa com respeito ao logaritmo das freqüências.
Com o princípio da Co-modulação tonal, ou seja, da movimentação concomitante
de estruturas tonais, poderiam estar imbricados: a) praticamente todas as“Leis Gestálticas”
quando a relação entre as freqüências dos sons concomitantes favorecem à semelhança
entre os sons, a proximidade quanto às freqüências, à boa continuação de cada elemento
em relação ao todo, à pregnância que sintetiza a resultante das freqüências, ao fechamen-
to da(s) estrutura(s) formada(s) pelos intervalos, à experiência comum que induz a um
determinado paradigma da percepção; b) as“Regras para a condução das vozes na prática
harmônica” de nº 1 (que favorece à fusão das vozes quando usadas de acordo com os
determinantes que induzem à fusão); nº 4, 5, 6, 7, 9 e 10 (que regulam o uso dos intervalos
que favorecem/contrariam a fusão tonal dos sons, incentivando/restringindo a percepção
individual das partes; c) as regras da composição de um cantus firmus não estão direta-
mente imbricadas com os efeitos decorrentes da co-modulação tonal por se tratar de
desenvolvimento linear (melódico), ou seja, da ocorrência de um som apenas a cada
tempo. A não ser que se pense nos efeitos lineares decorrentes do uso de sons sucessivos.
Concluímos os comentários a respeito dos seis princípios básicos para a composição
musical, tendo efetuado após cada um deles, algumas ligações entre as regras
estabelecidas para esta atividade e os princípios exigidos para que se obtenha uma audi-
ção clara e individualizada das partes componentes da música. O propósito destes comen-

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tários foi sinalizar o porquê de determinadas indicações e proibições nas gramáticas da
composição musical. Assim sendo o principal objetivo para a condução das vozes é criar
duas ou mais vozes (ou partes) que sejam percebidas distintamente. Uma boa condução das
vozes deve otimizar a audição das estruturas sonoras para que se ouça cada voz individu-
almente. Do que se conclui que uma boa condução das vozes requer a integração de uma
audição clara das partes individualmente e que haja uma separação clara da audição das
estruturas entre cada parte concorrente. Isto é comprovado, sobretudo por axiomas como:
a audição de estruturas coerentes é melhor quando se usa sons que evoquem imagens
auditivas claras, e que são indubitavelmente os sons complexos que evocam imagens
auditivas mais claras. É então que surgem as regras da condução das vozes que devem
usar sons que evoquem fortemente e de maneira única, sensações sonoras. Isto é conse-
guido de maneira eficiente quando se usam sons harmonicamente complexos e é menos
eficiente quando se usa, por exemplo, ruídos. Em outras palavras, a tonicidade e
harmonicidade são os princípios básicos para que se consiga a integração individual das
partes. Os sons que são mais condizentes com estas exigências são os contidos próximos
de 300 Hz ou mais amplamente entre 80 e 800 Hz. Na gama do som musical a melhor
tessitura para uma boa condução das vozes está situada entre F2 e G5, região centrada no
D4. A partir das imposições para uma boa condução das vozes (ou partes) foram surgindo
as regras retro indicadas e outras. Quanto à continuidade temporal é mais eficaz usar sons
continuados do que fontes com sons interrompidos.
Na prática musical, praticamente em todo mundo, a base da produção dos sons que
são usados na música são os instrumentos musicais que produzem sons com alto nível de
audibilidade de harmônicos. Instrumentos que produzem inarmônicos (p. ex. instrumen-
tos de percussão) são menos usados, sobretudo na formação das vozes ou melodias.
Instrumentos de percussão de afinação definida (glokenspiels, marimbas, xilofones etc.)
são mais apropriados para produzir sons de base para as harmonias. Exemplos típicos deste
caso são os carrilhões. Sons sustentados têm melhor uso quando intercalados com peque-
nas pausas ou interrupções. É preciso também evitar os mascaramentos que são prejudi-
ciais à audição individualizada das partes. Isto acontece quando os parciais localizam-se no
âmbito da banda crítica. A partir desta exigência formam-se regras como: em geral os sons
que compõem os acordes tonais (excluídos os clusters) devem situar-se o mais separada-
mente possível, usando-se intervalos mais largos (harmonia larga) entre as vozes mais
graves, sendo isto ainda mais solicitado quando se trata de sonoridades mais graves no
contexto geral.
Por outro lado uma boa condução das vozes é violada quando se usam sons que
induzem à fusão tonal, o que acontece quando se usam uníssonos, seguidos pelas 8ªs e 5ªs
justas que em uso paralelo são inaceitáveis.
No geral estes princípios foram respeitados pelos mestres da música desde G.
Palestrina, passando por J. S. Bach até o romantismo (fase madura de Beethoven,Tchaikowsky
etc.).
Visando a audição clara e individualizada das partes, muitas outras regras juntam-se
para conseguir este objetivo. E sintetizando o anteriormente exposto: a) usar notas próxi-
mas priorizando os passos de segunda ou sons sustentando (vides Regras para a composi-

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ção de um cantus firmus, nºs 5 e 6 e da Prática harmônica nºs 5, 6 e 7) b) evitar grandes
saltos (Regras nºs 6, 8 do cantus firmus e nºs 8 da Prática Harmônica). Intervalos grandes
ameaçam a coesão da linha melódica, quando não forçam a abandonar o campo harmôni-
co (vide Regras nºs 6 e 8 do cantus firmus). Quando for inevitável o uso de intervalos
grandes, cuide-se de usar notas longas em uma ou ambas as partes que compõem o
intervalo. Esta regra se completa com uma outra que diz: c) quando existem sons comuns
em dois acordes seguidos deve-se manter a nota comum na mesma voz; d) o cruzamento
das vozes deve ser evitado, pois é um obstáculo à percepção continuada e individualizada
das vozes (vide nº 9 das Regras para a prática harmônica); e) evite-se a condução paralela
das vozes, sobretudo em uníssonos, 8ªs e 5ªs.
Quanto ao desenvolvimento das vozes ou partes instrumentais há uma recomenda-
ção importante: faça-se uso preferencial da tessitura da voz ou instrumento que mais os
caracteriza, pois cada voz ou instrumento é mais bem caracterizado em determinadas
regiões.

7. A sincronicidade de ataque (onset)


O sétimo princípio que induz à percepção da música como estrutura refere-se ao
tempo em que ocorrem os ataques de cada voz, ou seja, o momento em que cada voz
começa. Se um compositor ao escrever para várias vozes deseja que cada voz seja ouvida
independentemente, tem que obedecer a regras estabelecidas, (mais heurística do que
formalmente), sendo uma delas evitar o ataque simultâneo das vozes. O ataque de cada
voz deve ocorrer pelo menos com 100 ms de diferença ou um pouco mais. Ou seja, a
entrada (onset) de cada voz não deve ocorrer no mesmo instante. Como para todos os
princípios a observância deste princípio nem sempre é seguida pelos compositores. Por
uma e por outra, o que mais caracteriza a polifonia é a assincronia das entradas de cada
voz. Pois, quando da ocorrência de um intervalo que favorece a fusão tonal, a assincronia
dos ataques alivia o efeito da fusão tonal. Isto vale como uma regra que sugere usar este
expediente, sobretudo quando se usam uníssonos, 8ªs e 5ªs. Há, no entanto casos em que
a sincronia é desejada pelo compositor. Um destes casos é quando se trata de música vocal
com texto, deixando-se claro que o efeito polifônico perde em parte sua força.
Não pode ser esquecido também o papel do ritmo na composição das partes. Alguns
gêneros como danças, marchas, hinos etc. até exigem sincronia no ataque das partes (do
que resultam composições “homofônicas”), exatamente o contrário de outros gêneros
como as invenções, fugas e fugatos que por sua própria constituição estrutural exigem
assincronia de ataque na entrada das vozes.
Imbricado com o princípio da Sincronicidade de ataque (onset) das vozes podem ser
lembrados que: a) praticamente todas as “Leis Gestálticas” têm seu papel na percepção da
música a mais vozes, exigindo a assincronia na entrada delas, uma vez que isto é relevante
para estabelecer semelhanças, proximidade, boa continuação etc. favorecendo à percep-
ção individualizada das partes e coerência das partes para com o todo. b) as“Regras para a
condução das vozes na prática harmônica”, à maneira do contraponto, exigem para a
elaboração de uma harmonização, o preenchimento da função de cada som dentro do
acorde e do acorde dentro das cadências que pontuam o discurso musical. A sincronicidade

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favorece o desempenho deste papel. As regras de nºs 5, 6, 7 e 9 podem ser associadas a
este tema; c) conquanto as regras da composição de um cantus firmus não estejam dire-
tamente envolvidas com a sincronicidade do ataque dos sons (o cantus firmus é uma
sucessão de sons) a realização de um contraponto polifônico (que tem como base a
combinação dos cantos firmes - canti firmi) está profundamente compromissada com a
observância das entradas assincrônicas das vozes.

8. O limite de densidade ou número de vozes ou de partes na composição.


Na polifonia renascentista são freqüentes as peças compostas para um número
grande de vozes (são encontradas peças compostas para até 32 vozes, oito coros mistos).
Mas será que temos um aparato neuropsicológico que seja capaz de perceber todas elas?
A “lenda popular” diz que fulano ou sicrano consegue ouvir até 6 ou 7 vozes. No
entanto, o comum “entre os mortais” é ouvir no máximo 3 ou 4 vozes, e de preferência
quando são assincronicamente distribuídas. Para as demais pessoas o resto é resto.
Fatores como ritmo e timbre diferenciados em cada voz são importantes sinalizadores
para a percepção individualizada das vozes. Em todo caso, o compositor que deseja que
cada parte de sua composição seja ouvida individualmente, terá que compô-la preferen-
cialmente para 3 ou 4 vozes e, no caso da orquestração dividir estas vozes em uma
instrumentação condizente que facilite a percepção de cada uma delas. Não é a toa que
a harmonia clássica é praticada de preferência a 4 vozes (tetrafonia).Todavia a composição
romântica e pós-romântica, com freqüência, desobedeceu a este princípio. Nela são fre-
qüentes acordes 5, 6 e mais sons diferentes, por exemplo com acordes de 9ª, 12ª aumen-
tada e 13ª9.
Princípio da densidade ou número de vozes ou de partes na composição é exigido,
entre outros motivos, pelas limitações do sistema auditivo humano. Constatados estes
limites, na prática, estabeleceram regras como: a) a “Lei Gestáltica” de nº 6 que afirma que
a forma como estamos acostumados a ouvir é a que predomina na audição de estruturas.
Então se trata uma lei decorrente da experiência que sugere o que podemos e o que não
podemos ouvir. b) as “Regras para a condução das vozes na prática harmônica” de nº 1, 2,
3, 4, 9 e 10 (e talvez as demais também) ditam os procedimentos que limitam a densidade
(profundidade) da música e advertem que da desobediência às limitações da percepção
surgem desperdício de material sonoro ou ambigüidades na percepção do todo; c) quanto
à aplicação das regras da composição de um cantus firmus ao princípio da densidade da
composição, a regra nº 1 (limita o número de sons) estabelece a dimensão linear da
estrutura sonora (aproximadamente 10 semibreves) e a nº 7 (que estabelece o âmbito de
uma 8ª como o intervalo favorável à percepção da estrutura melódica.

9. A diferenciação tímbrica
Depois da altura, o timbre é a propriedade do som que mais caracteriza uma linha
melódica. Na composição pós-tonal até se teve a idéia de compor melodias de timbre
(Klangenfarbenmelodie). Uma das principais características da composição dodecafônica
é a valorização do timbre. Sua diferenciação é fundamental para que ao ouvinte seja mais
fácil distinguir cada voz. Portanto se cada voz é escrita em um único timbre e sendo cada

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voz escrita em um timbre diferente, a percepção das diferentes linhas melódicas é facili-
tada.
Vários pesquisadores estudaram os efeitos do timbre (espectro do som) na percep-
ção das estruturas sonoras. Dentre eles D.Huron cita: van Noorden (1975), Wessel (1979),
Mc Adams e Bregman (1979), Bregman, Liao e Levitin (1990), Hartmann e Johnson (1991)
e Gregory (1994) ao que acrescentamos as conclusões obtidas em nossa tese de doutora-
do (Oliveira 2002).
A recomendação final (que vale como um princípio) é que se um compositor pre-
tende escrever música na qual tem a intenção que os ouvintes ouçam cada parte individu-
almente pode valer-se do princípio da caracterização de cada melodia com timbre diferente.
Este princípio também é freqüentemente contrariado. Haja vista as composições
para instrumentos que têm timbres semelhantes, como por exemplo, os quartetos de
corda ou de sopro etc. Justificando esta contravenção outro princípio se contrapõe: o de
que a homogeneidade facilita a percepção do resultado final que gostamos de observar.
Coerência puxa coerência, semelhança puxa semelhança, uma característica puxa a outra,
como palavra puxa palavra assim também timbre puxa timbre. A razão desta
homogeneidade parece estar mais nas leis da percepção (aparato neurológico?). Já no
caso da música vocal, cada voz tem seu timbre próprio o que a torna perfeitamente
diferenciada das demais vozes. Infelizmente esta característica nem sempre é cobrada
dos coralistas por alguns regentes de coro.
Um timbre diferente é algo que chama a atenção do ouvinte direcionando-a para
este timbre. E se não tiver outro evento que seja mais importante para o fluxo da atenção
é ele que predomina no direcionamento da atenção.
Princípio da diferenciação tímbrica confere individualidade às melodias ou aos acor-
des. Praticamente todas as leis getálticas, regras para a condução das vozes na prática
harmônica” e as regras da composição de um cantus firmus concretizado na elaboração de
uma peça polifônica voltam-se para este princípio que confere sabor e especificação às
melodias. A mudança de timbre chama a atenção, direcionando-a para um determinado
fluxo, criando expectativas. Procedimentos que favorecem à percepção individualizada
das partes da música que geralmente são desejadas pelo compositor.

10. A localização da fonte sonora


Também ajuda na percepção individual de cada voz a localização das vozes, separan-
do-as no espaço bi- e tri-dimensional disponível.
A separação das fontes sonoras na execução das partes de uma música favorece a
percepção independente de cada parte. A origem diferente das vozes direciona a atenção
de forma que ainda é possível mantê-la em outros eventos de uma forma menos intensa
ou até encoberta, mas permanecendo todas presentes no campo da percepção.
A audição dicótica das fontes sonoras confere à música profundidade e indepen-
dência à seleção do que se ouve. Neste particular a intensidade e o timbre de cada voz são
fatores sinalizadores para a direção em que a atenção deve movimentar-se. Neste caso o
evento sonoro pode perder sua característica musical e se tornar apenas um efeito acús-
tico (Divenvi e Oliver, 1989), com pouca capacidade de fusão.

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A aplicação do princípio de distanciamento espacial das partes é discutida por alguns
(principalmente pelos músicos atuantes). Em todo caso ela é praticada por muitos, princi-
palmente no caso da música atonal (Y. Xenakis, K. Stockhausen, J. Kage, M. Kagel e vários
outros compositores do século XX), em que o compositor pode intencionar juntar efeitos
sonoros (música) com efeitos sociais e de comunicação (quadridimensionalismo).
A distância entre as fontes é relativa ao efeito que se quer obter e ao espaço dispo-
nível para isto. Geralmente os maestros diferem quanto à distância entre as partes: 5
metros é um referencial muito adotado. Há peças modernas para coral ou para orquestra
para cuja execução os maestros distribuem os músicos entre os ouvintes, mesmo com
prejuízo da audição do efeito musical total em benefício da integração social dos assisten-
tes, e neste caso a comunicação é feita mais pela presença do músico do que pela música
em si.
Ao que foi dito a respeito do princípio da diferenciação tímbrica podem ser acrescen-
tados os efeitos da localização da fonte sonora. A localização diferente das fontes sonoras,
quando não provocam eventos extramusicais, é bem-vinda para a caracterização das
melodias através da dissociação da audição em canais distribuídos em espaços diferentes.
Praticamente todas as leis gestálticas, regras para a condução das vozes na prática harmô-
nica” e as regras da composição de um cantus firmus concretizado na elaboração de uma
peça polifônica, voltam-se para este princípio que confere independência à percepção
das melodias e da música como um todo. A mudança de timbre chama a atenção,
direcionando-a para um determinado fluxo; o mesmo ocorre quando ouvimos sons prove-
nientes de localizações diferentes. A atenção é direcionada, surgem expectativas que
podem ser atendidas ou não.
Naturalmente esta tentativa de associação das leis gestálticas e regras da harmonia
e da composição do cantus firmus com os princípios da percepção musical é empírica,
superficial e incompleta, deixando margem para discordâncias. Trata-se de uma área que
ainda exige estudos e pesquisas mais aprofundadas.

Conclusão
Neste trabalho procuramos apresentar princípios que determinam a percepção
musical.Tais princípios geralmente estão compromissados com a organização musical da
música ocidental.Tivemos também a intenção de salientar que as regras para a composi-
ção musical, geralmente estabelecidas empiricamente, inclusive a posteriori, têm um fun-
damento neuropsicológico e/ou psicoacústico, que condizem com a prática musical.Todavia
sabe-se que nem todas estas regras são seguidas por todos, havendo transgressões propo-
sitais ou não (sendo estas transgressões as principais responsáveis pelas inovações no
campo da criação musical, não só das gramaticais, mas também dos estilos ou estéticas).
Naturalmente trata-se de um trabalho incompleto e que deixa muitas questões sem
respostas. A música tem seus segredos que ainda não foram revelados pelos estudiosos da
acústica ou da psicoacústica, da cognição ou da psicologia, ou da sociologia cultural dos
povos. Procuramos juntar a música como evento empírico com as justificativas que impul-
sionam o ser humano a percebê-la como de fato a percebem ou a criam.

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Fica ainda em aberto à discussão a questão referente aos universais da música: a
quem conferir o peso maior, se ao potencial neuropsicológico da percepção humana, ou
se ao fator sócio cultural.

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Notas
1
Portions of this article are to appear in Studien zur Wertungsforschung (2007) and were presented as part
of the symposium ‘Time lost, time regained: Oblivion and recollection in music’ of the festival Steirischer
Herbst (2005), University of Music and Dramatic Arts, Graz Austria.
2
Uma idéia da forma como percebemos, constituindo um processo de inferência inconsciente, já foi pro-
posto por Helmholtz (1909-1911/1925). A proposição de Helmholtz tem se desenvolvido até nossos dias
sem que se tenha chegado ainda a um ponto final sobre o assunto.
3
Carterette e Kendall (1999, pg. 780) admitem como universais da música para o ser humano: a) um forte
senso de estruturação musical; b) estratégias de agrupamento dos elementos auditivos (p. ex. as leis
gestálticas); c) o uso de um referencial estável de afinação que pode se efetivar com perfeição no “ouvido
absoluto” que algumas pessoas possuem; d) a divisão de uma oitava em graus; e) o uso de um referencial para
a pulsação; f) a indução de padrões rítmicos a partir de subdivisões simétricas/assimétricas de pulsos tem-
porais.
4
No contraponto atonal (p. ex. dodecafônico ) nem sempre as regras são determinadas após a comprovação
na prática, mas antecipadamente.
5
De quem copiamos idéias importantes para escrever este trabalho.
6
A prática musical se vale de vários artifícios para evitar o mascaramento que prejudica a percepção do
contínuo musical, interceptando o despertar de imagens auditivas. Alguns destes artifícios são a mescla de
timbres, a forma como os sons são produzidos, ora por instrumentos de sopro, ora por instrumentos de
corda, ora fortes, ora em piano etc. A invenção do pianoforte e outros instrumentos com diferentes formas
de produzir os sons, os pedais de que fazem uso vários instrumentos, o uso de registros diferentes etc.
colaboram para evitar o mascaramento.
7
Desta forma, há muitas circunstâncias que nos ajudam, em primeiro lugar a separar os sons musicais que
surgem de fontes diferentes e em segundo lugar a manter ao mesmo tempo os parciais dos sons de cada
fonte. Assim quando um som musical é ouvido durante algum tempo, antes de se unir a um segundo e o
segundo a continua depois de o primeiro se extinguir, a separação entre os sons é facilitada no tempo pela
sucessão. Uma vez que já temos ouvido o primeiro som musical em si e conseqüentemente sabemos o que
temos a deduzir do efeito da combinação para o efeito deste primeiro som imediatamente. Até mesmo
quando várias partes procedem no mesmo ritmo na música polifônica, o modo no qual os sons dos instru-
mentos diferentes e vozes começam, a natureza do aumento deles em vigor, a certeza com que eles são
segurados e a maneira fora a qual eles se extinguem, é geralmente ligeiramente diferente para cada um...
Quando um som composto começa a soar, todos os seus tons parciais começam a soar com o mesmo em
rumo comparativo. Quando aumenta, todos eles geralmente aumentam uniformemente; quando se extin-
guem, todos se extinguem simultaneamente. Conseqüentemente, nenhuma oportunidade é dada para
ouvi-los separada e independentemente. (pp. 59-ó0).
8
Mascaramento é a diminuição da audibilidade de um som devido a presença de outro. Pode acontecer
devido a presença de um som próximo em freqüência (mascaramento em freqüência ou simultâneo) sen-
do um deles mais forte do que o outro, ou no tempo (mascaramento temporal). O mascaramento pode
ocorrer antes de um som mais forte (pré-mascaramento) ou depois (pós-mascaramento). Têm curta dura-
ção: o pré-mascaramento 20 ms e o pós- até 200 ms.
9
Deixando à parte os “clusters” da música pós tonal que não tem limite preestabelecido para sua abrangência.

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Anexo 1

Leis Gestálticas (Resumo)


Quando A + B = C (e não A + B)
No início do século XX, alguns psicólogos alemães (Christian von Ehrenfels, Felix
Krüger, Wolfgang Köhler e Kurt Koffka), em oposição às teorias “associacionistas” (que
procuravam explicar as imagens através de associações de estímulos a experiência passa-
das) surgiram com uma nova teoria, a teoria da Gestalt (que afirmava que não se poderia
ter conhecimento do todo através de suas partes e sim das partes a partir do todo). Cada
conjunto ou configuração possui leis próprias que regem os elementos. Só através da
percepção da totalidade é que o cérebro pode perceber, decodificar e assimilar uma
imagem ou um conceito. Então “A + B” não seria simplesmente igual a “A + B”, e sim daria
origem ao um terceiro evento:“C” com propriedades próprias.
Então: a percepção humana seria regida por leis que se manifestariam através dos
sentidos (visão, audição, tato etc.) Trata-se de um processo natural ao cérebro quando
desencadeia o processo de percepção seja através de qualquer sentido. Os elementos
constitutivos seriam agrupados de acordo com tais leis, das quais as mais importantes
estão resumidas a seguir.

1. “Lei da semelhança” (ou similaridade)


Os objetos ou eventos semelhantes tendem a se agrupar. Semelhança na cor, na
forma, na textura, no odor, na temperatura, no timbre, no ataque dos sons, nos motivos etc.
Tais características geralmente são exploradas (analisadas) quando procuramos seme-
lhança entre os objetos ou eventos sonoros.
2.“Lei da Proximidade”
Os objetos são agrupados de acordo com a distância que os separa. Esta distância
pode ser considerada sob o ponto de vista temporal, freqüencial, dinâmico etc. A proximi-
dade dos objetos faz com que eles se agrupem ou se separem.
3.“Lei da Boa continuação”
De modo geral todas as leis gestálticas ditam a maneira de os eventos serem perce-
bidos levando em consideração a cultura, a formação, o interesse das pessoas etc. Mas de
todas elas a que se propõe mais como função deste princípio é a da boa continuação. A
“continuação” é “boa” quando atende às nossas expectativas que por sua vez são
estabelecidas a partir de experiências anteriores. Desta forma são válidas as afirmativas
“nota puxa nota”,“inciso puxa inciso”, frase puxa frase”, tema puxa tema”, coerência puxa
coerência em qualquer nível ou direção da composição musical. Alguns exemplos: sons
semelhantes (p. ex. quanto ao timbre) provavelmente serão originados e interpretados
como provenientes de uma fonte comum, dando origem a agrupamentos coerentes; sons

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dessemelhantes podem ser interpretados como provenientes de fontes diferentes, não
dando ensejo à formação de estruturas. Uma sucessão que muda suavemente (p. ex., em
freqüência) pode ter origem em uma única fonte, e ao contrário, uma transição de fre-
qüência abrupta pode refletir a presença de uma fonte diferente. É provável que compo-
nentes de espectros complexos que surgem em sincronia, apresentem características
que permitam agrupamentos por sua semelhança. A lei da “boa continuação” sempre
aponta para ua direção única.
4. “Lei da Pregnância”
Procura simplificar (sintetizar) a percepção de um conjunto de elementos. Trata-se
uma lei que se vale com freqüência dos processos simbólicos e de abstração. Vê-se aquilo
que temos em mente ver.
5. “Lei do Fechamento”
A boa forma se completa. Não permanece aberta e seu fechamento “mental” é uma
exigência da percepção humana. Mesmo quando incompleta uma forma, seja visual ou
auditiva, o sistema perceptivo a completa virtualmente. A seqüência lógica é o caminho
mais seguido pelo processo de percepção. Exemplos: um semicírculo sugere completar o
círculo. Uma cadência à dominante com sétima, sugere a complementação com o acorde
de tônica.
6. “Lei da Experiência Passada” (ou do fato comum)
A experiência passada (o aculturamento, sobretudo) é fundamental para a percep-
ção de determinadas formas. O que vemos, geralmente já vimos. O que ouvimos geral-
mente já ouvimos. Desta forma, ao ouvir grande parte da música clássica temos a impressão
de que já ouvimos esta ou aquela música, mesmo sem saber de quem é ou quaisquer
características daquela música e mais, mesmo sem nunca ter ouvido a respectiva música.

Concluindo: para fazer a análise de um evento, seja ele visual ou auditivo, é preciso
primeiro identificar os elementos que fazem parte da composição. A semiótica analisa os
elementos apenas sob o ponto de vista das ligações e significado das partes. A Gestalt os
vê sob o ponto de vista de como eles se estruturam em uma determinada forma. A teoria
da Gestalt vê primeiro o todo e a seguir parte para a análise dos elementos procurando
descobrir o que os une, as semelhanças na forma, na cor, no timbre, na sonoridade etc. que
por sua vez serão reagrupados possibilitando em geral melhor percepção do todo. A
percepção gestáltica permite separar o “mais importante” do menos importante. Sua apli-
cação vai desde um quadro a uma imagem, a um discurso, a uma cena, a um comercial de
propaganda política, a uma sinfonia, a uma melodia, a um intervalo musical etc.

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Anexo 2

Regras para a condução das vozes na prática harmônica


1. Estabelecimento da tessitura a ser usada na composição: geralmente de F2

a G5 , no caso de uso das vozes humanas (homens e mulheres ou crianças que ainda
não mudaram de voz). Quando se usa instrumentos obedece-se à tessitura dos instrumen-
tos, tendo o cuidado de preservar a região da tessitura mais característica do instrumento
que se está usando.
2. Número de vozes (ou partes) que devem ser usadas. O número de vozes determi-
na a densidade da música. É mais comum usar-se 4 partes (tetrafonia). No caso do uso de
vozes: Soprano (S), Contralto (C), Tenor (T) e Baixo (B).
3 O intervalo entre as vozes obedece ao seguinte: entre o S e o C e entre o C e o T
não usar intervalos maiores do que uma oitava (8ª). Entre o T e o B, todavia não há restrições
quanto ao intervalo a ser usado.
4. O uníssono entre as vozes deve ser evitado, pois pode enfraquecer ou pelo menos
desequilibrar a sonoridade harmônica.
5. Os sons comuns em acordes consecutivos devem ser mantidos na mesma voz (ou
parte).
6. Caso, por alguma razão a voz não possa manter o mesmo som de um acorde para
o seguinte, a voz deve se movimentar para o som mais próximo compatível com a harmo-
nia usada.
7. se a voz tem que mudar de som, deve fazê-lo, de preferência por grau conjunto
diatônico.
8. Grandes intervalos melódicos são proibidos (p. ex. intervalos maiores do que uma
5ª - com exceção da 8ª e da 6ª menor que poderão ser usadas em movimento ascendente
- As regras para a composição de um cantus firmus – que expomos adiante – são bem
específicas e rigorosas neste sentido).
9. As vozes (ou partes) não devem cruzar-se em suas tessituras, sobretudo quando
isto quebra a linha principal da melodia.
10. Uníssonos, 5ªs e 8ªs paralelas (simples ou compostas, expressas ou ocultas), quan-
do resultantes da condução de duas ou mais vozes em passos consecutivos são proibidas.
Existem ainda muitas outras regras na prática da harmonia clássica que não estão
consideradas aqui e que variam de autor para autor. As regras do contraponto seiscentista,
principalmente as da composição de um cantus firmus (que expomos no Anexo 2) são
bem mais rigorosas e precisas. Mas de uma maneira geral os mestres da arte das gramáti-
cas de composição musical são unânimes em afirmar que a condução das vozes na arte da
criação musical é essencial. Facilitam a percepção musical que faz despertar as imagens
sonoras necessárias à percepção das estruturas musicais.

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Anexo 3

Regras para a condução da voz na composição de um cantus


firmus
Regras para a composição de um cantus firmus, o ponto de partida para a composi-
ção de um bom contraponto.
O Cantus Firmus (C.F.) é o ponto de partida para o estudo do Contraponto seiscentista.
Inspira-se em recordações do Cantochão (cantus planus) ou canto gregoriano e em melo-
dias medievais. Compor um C.F. bom, bem feito é um forte documento de sensibilidade,
estética e técnica de compor melodias. Trata-se de uma atividade guiada por leis internas
à percepção.. Estas leis internas ditam regras que quando desobedecidas o resultado ficará
comprometido.Veja um exemplo de cantus firmus.:

Regras básicas para composição de um C. F.:.

1. faz-se uma melodia isométrica usando para sua escrita unicamente semibreves
(o) em número de aproximadamente 10 (dez). Neste particular (valores isorírtmicos
e número de notas) o cantus firmus se distingue do canto dado (C.D.), comumente utiliza-
do para exercícios da harmonia clássica, que não é nem isorítmico, nem escrito somente
em semibreves.
2. usam-se preferencialmente os modos litúrgicos (ou eclesiásticos) e os modos
clássicos (maiores e menores em sua forma original - jônico e eólio), excetuando-se de
forma categórica o modo menor harmônico C.F. deve ser iniciado sempre no 1º grau do
modo que está sendo usado, ao qual se deverá chegar no fim da melodia (fim da frase
melódica) por grau conjunto ascendente ou descendente.
3. No caso de ser usado um modo plagal ((Hypo-), inicia-se e conclui-se o C.F. no
primeiro grau do respectivo autêntico. P. ex., se se está usando o modo de “lá” (hypo-dórico
de “ré”), começa-se sempre com a nota “ré” que é a inicial do modo autêntico de “lá”.
4. nos modos litúrgicos e no modo menor melódico (natural), o 7º grau, quando
alterado (geralmente por imperativo da nota sensível, uma exigência da música tonal),
não deve ser alcançado, nem deixado por intervalo aumentado ou diminuto.
5. a linha melódica deve ser composta de intervalos pequenos, bem cantáveis. Isto é
conseguido usando-se o maior número possível de graus conjuntos, evidentemente, na-
turais.
6. a composição não deve conter trítonos, sétimas, intervalos aumentados ou dimi-
nutos. A 6ª também é proibida, com exceção da 6ª menor ascendente, que é admissível.

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7. a melodia deve desenvolver-se dentro do âmbito de uma 8ª e também não deve
se manter em tessitura por demais estreita. Isto a enfraqueceria muito.
8. os intervalos cromáticos (intervalos artificiais), saltos seguidos, arpejos, seqüências
tonais, repetições de notas (repercussão) devem ser evitados.
9. o C.F. só deve, mas deve, ter um pico culminante, que geralmente coincide com a
nota mais aguda da melodia e, de preferência deve localizar-se no 2º terço da mesma.
10. tomando-se por referência para a composição do C.F. os modos indicados na
regra 2, os passos diferentes de graus conjuntos (saltos) devem ser compensados e/ou,
muitas vezes, preparados, por graus conjuntos em sentido contrário. Assim: no desenvol-
vimento da melodia, os saltos maiores devem sempre ficar abaixo dos menores. Assim:
saltos ascendentes não devem ser precedidos por graus conjuntos no mesmo sentido
(ascendentes), o mesmo acontecendo com os saltos descendentes que também não
devem ser precedidos por graus conjuntos descendentes (esta regra é a opositora da
anunciada no nº 10).

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Mesas redondas
Round table discussions

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Mesa redonda: Processos cognitivos em
composição e percepção

Música no mundo da virtualidade

Anselmo Guerra de Almeida


Escola de Música da Universidade Federal de Goiás
anselmo@musica.ufg.br
aguerra@uol.com.br

Resumo
O modo como se pensa, se cria e se propaga a música sofre mudanças radicais
sempre que surgem novos paradigmas trazidos pelas transformações tecnológicas.
Assim foi com a música transmitida de forma oral diante do surgimento da escrita
musical, do manuscrito à difusão pelas técnicas tipográficas e, mais adiante, com
a possibilidade do registro fonográfico.
Com a revolução da informática e, com ela, a chegada da virtualidade, surgem
novas formas de representação do conhecimento musical, aqui, nosso objeto de
estudo.

Introdução
A partitura musical, a tradução do texto sonoro em texto gráfico, até hoje sobrevive
a séculos de transformações, de estilos e correntes estéticas diversas. Entende-se a obra
musical erudita como aquela que segue um certo cânone construído a partir de um
conjunto significativo de obras daqueles considerados grandes mestres da música. A
partitura apresenta-se como grande catalisador da música em si, uma vez que seu código
é compartilhado por aqueles que se inserem na mesma cultura. Mesmo sendo um docu-
mento que representa parcialmente uma realidade sonora, a partitura firmou-se como
sendo a própria música.
Uma grande revolução tecnológica que transformou o rumo de nossa história ocor-
reu quando o alemão Johannes Gensfleisch, conhecido como Gutemberg, em cerca de
1440 inventou a tipografia, ou seja, a composição por caracteres móveis. Como efeito em
cadeia, proliferaram a imprensa, as editoras e, dentre elas, as editoras musicais. Os grandes
editores seriam, a partir daí, os guardiões dos cânones da cultura.

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O ano de 1877, particularmente para a música, também foi um turning point, com o
surgimento do fonógrafo, invenção do físico norte-americano Thomas Edison. A música,
objeto efêmero, deixou de depender de sua sombra ¾ a partitura ¾ congelando-se em um
meio físico. A música estaria ali, no cilindro de cera de carnaúba, depois no disco de vinil ou
na fita magnética. Abriu-se, assim, o caminho para o crescimento da indústria cultural.
Mas a música estaria ali, naquele suporte físico? – questionou Theodor Adorno (1963),
quando publicou “Ueber Fetischcharakter in der Musik und die Regression des Hoerens”
(Sobre o Caráter Fetichista na Música e a Regressão da Audição), no qual, fundado na
dialética de Marx, apresenta uma crítica ao fetichismo que, segundo ele, dominava a
cultura musical e estaria causando uma coletiva regressão na audição. Para ele, a música
tornara-se mercadoria e o valor estético perdera seu devido espaço. A indústria da comu-
nicação em massa, assim, seria a grande responsável por essa catástrofe. Hoje, essas afir-
mações podem nos parecer pessimistas ou apocalípticas, mas é inegável o poder que o
marketing cultural exerce sobre o gosto do público, que agora é tratado simplesmente
como consumidor.
Seguindo a trilha de Adorno, Edward Said (1992) aponta para o divórcio entre a
composição e a performance. Segundo Said, a especialização extrema de todas as ativida-
des estéticas do Ocidente contemporâneo se estabeleceu e se inscreveu na performance
musical a ponto de diferenciar totalmente o compositor do intérprete. Há também a
especialização dos ouvintes que formam as audiências de eventos musicais, como os
apreciadores de óperas, os freqüentadores de concertos eruditos ou shows populares.
Lembrando Adorno, no relato da “regressão da audição” citado acima, Said enfatiza a falta
de continuidade, concentração e conhecimento dos ouvintes. Acrescenta que a
profissionalização da performance aumenta a distância entre o inatingível “artista” e o
ouvinte. Conclui que a performance desligada da composição constitui uma forma espe-
cial de possessão de território de trabalho.
Para Said, a performance moderna está ligada aos direitos assegurados sobre a mú-
sica escrita, direitos adquiridos por um especializado treinamento de interpretação, em
geral não fundamentado na composição. O ato de executar uma peça não seria mais um
ato de afeição (relacionado ao termo“amador”), mas um ato de maestria quase institucional
e, portanto, uma situação pública. O que se experimenta nas salas de concerto é o total
deslocamento do local de realização de uma partitura musical, da casa do amador à sala de
concerto, de um período de tempo ordinário, doméstico e privado, para uma ocasional e
elevada experiência do repertório solo ou de concerto, por um intérprete profissional. As
performances da música clássica ocidental tornaram-se altamente concentradas e rarefei-
tas. Elas adquiriram uma racionalidade comercial ligada à venda de ingressos e às turnês, à
comercialização de discos. Said conclui que a situação do concerto é o resultado de um
complexo processo histórico e social - uma situação cultural que se funda em especializadas
e excêntricas habilidades de um intérprete.
Eis que, na última década do século 20, populariza-se um novo espaço social: a
internet. Apesar de todos os esforços para se estabelecer formas de controle, a internet é
um espaço livre que, inclusive, trouxe ao espaço e ao tempo doméstico, novas formas de
experienciar a música.

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Música na Internet
Ao mesmo tempo em que significa uma revolução da música no ambiente domés-
tico, as possibilidades tecnológicas promovidas pela internet, e pelos avanços da informática
em geral, trouxeram novos paradigmas em criação e difusão, quando pensamos em mú-
sica como texto. Aliás, o termo “ambiente doméstico” se torna estreito, pois não abarca
uma nova espécie de espaço, o mundo virtual. Um espaço que pode ser individualmente
controlado, que nos acompanha mesmo em trânsito, nas lan houses, nos iPods, na telefo-
nia móvel.
Uma nova metáfora define o usuário desse mundo virtual – o navegador. As memó-
rias de acesso aleatório dos computadores, bem como os dispositivos de armazenamento
não-lineares – como os HDs, os CD-ROMs, os DVDs, ou mesmo a informação armazenada
na rede – possibilitam a disponibilidade instantânea de todos os dados armazenados, ou
seja, eles permitem que o processo de leitura seja cumprido como um percurso, definido
pelo leitor-navegador, ao longo de um universo textual onde todos os elementos são
dados de forma simultânea. Com os meios de armazenamento das informações
computacionais, o leitor pode entrar no dispositivo audiovisual a partir de qualquer ponto,
seguir para qualquer direção e retornar a qualquer “endereço” já percorrido.
Com as memórias de acesso aleatório, os computadores oferecem novas possibili-
dades de textos, que funcionam como máquinas, apontando caminhos, de modo a permi-
tir que o navegador encontre rapidamente seu próprio caminho, aproveitando a arquitetura
tridimensional das estruturas hipertextuais.
Sobre as possibilidades do hipertexto audiovisual, temos uma descrição de Arlindo
Machado:
A disponibilidade instantânea de todas as possibilidades articulatórias do texto audiovisual favo-
rece uma arte da combinatória, uma arte potencial, em que, ao invés de se ter uma “obra” acabada,
tem-se apenas seus elementos e as suas leis de permutação definidas pelo algoritmo combinatório.
O hipertexto parece fazer ecoar formas escriturais limítrofes que já haviam sido prefiguradas
pelos poetas experimentais. A “obra” agora se realiza exclusivamente no ato de leitura e em cada
um desses atos ela assume uma forma diferente, embora, no limite, inscrita no potencial definido
pelo algoritmo. Cada leitura é, num certo sentido, a primeira e a última. O texto audiovisual já não
é mais a marca de um sujeito (visto que o sujeito que o realiza é um outro: o leitor), mas um campo
de possíveis, de que o sujeito apenas fornece o programa (Machado 1994).

Mais do que um mero jogo de múltipla escolha, o navegador deixa de ser um leitor
passivo, ou seja, deixa de ser somente leitor para participar de uma experiência que é
única, podendo tornar-se um co-autor. Esse potencial, pensando no texto musical, traz
possibilidades interativas que podem manipular aquela música até então apresentada em
sua forma congelada, imutável, portanto, morta. O preço da música viva é o abandono da
vaidade da autoria, a diluição do texto original, recursivamente passando de navegador a
navegador, até atingir o anonimato, como bem aponta Machado:
Assinalam os especialistas que os textos críticos do futuro talvez não sejam mais
objetos que se possa ter às mãos. É possível que tais textos cheguem até nós através da
linha telefônica e que os leiamos e os vejamos numa tela eletrônica sobre a qual podemos

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também escrever o nosso texto, superposto àqueles que recebemos. A escritura, confun-
dida com a leitura, tenderá a se tornar coletiva e anônima. A separação entre autor e leitor
será apenas contingencial, mas não absoluta, podendo ser revertida a qualquer momento,
já que tanto o hipertexto como a hipermídia são essencialmente sistemas interativos. O
próprio leitor deste texto que ora está exibido na tela, se assim o desejar, poderá acrescen-
tar a ele os seus próprios comentários. Os comentários do leitor servem inclusive para
corrigir os equívocos eventualmente encontrados no texto lido (Machado 1994).
Mesmo desplugados da rede, podemos identificar práticas que podemos chamar,
talvez, de desconstrutivas, como no caso da música sampleada, onde são aproveitados
sons isolados de outras composições para se fazer uma nova. Esse processo é largamente
usado na música popular feita em estúdio, ou mesmo nas discotecas, em tempo real, nas
mãos dos DJs.
Com as estruturas hipertextuais, podemos dizer que o escritor, o crítico, o músico, o
cientista já não mais escrevem textos; eles “processam idéias”. Conforme Pierre Lévy
(1994), o espírito humano conheceu, ao longo da história, três tempos distintos: o da
oralidade (baseado na memória, na narrativa e no rito), o da escrita (baseado na interpre-
tação, na teoria e na legislação) e, finalmente, o da informática (baseado na modelação e
na simulação como forma de conhecimento).

Tempo virtual e tempo real


Podemos deduzir que a escolha dos modelos de representação é fundamental para
explorarmos as potencialidades musicais utilizando recursos informáticos. Se não estiver-
mos atentos, podemos montar estruturas falaciosas.
Para explicar melhor, recorremos agora à filósofa Susanne Langer. Em seu texto “The
image of Time” (1992), a autora parte primeiramente do conceito de elementos musicais:
estes não se encontram na altura, duração, audibilidade, acordes, ou tempos medidos nos
sons físicos; existe, como em todos elementos artísticos, algo virtual, criado somente para
a percepção – segundo Hanslick (1992), – as formas sonoras em movimento – movimento
considerado a essência da música.
Movimento musical é algo completamente diferente de deslocamento físico. Em
uma seqüência tonal, por exemplo, onde uma escala ascendente atinge sua tônica, sabe-
mos musicalmente que esta frase atingiu seu ponto de repouso. No entanto, fisicamente,
o que encontramos nessa tônica é a freqüência mais alta do que o resto da escala.
Dentro desta perspectiva, o movimento musical é algo inteiramente diferente do
deslocamento físico: é nada mais que uma aparência. O domínio no qual as entidades se
movem é o domínio da duração pura. Essa duração, no entanto, não é um fenômeno real.
Não é um intervalo de tempo cronometrado, mas algo radicalmente diferente do qual
nossa vida transcorre. A duração musical é uma imagem do que se chamou tempo vivido
ou experenciado – a passagem de vida em que se sente a expectativa do “agora”. A
passagem é a medida somente em termos de sensibilidade, tensões e emoções; não é
meramente uma medida diferente, mas um conjunto de estruturas diferentes do tempo
prático ou científico.

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Tempo virtual é uma separação da seqüência de acontecimentos reais, assim como
o espaço virtual é do espaço real. A música torna o tempo audível e sensível a sua forma e
continuidade.
A divergência radical entre tempo virtual e tempo real reside na estrutura, no padrão
lógico, que é mono-direcional no caso dos propósitos práticos. O tempo virtual criado na
música é uma imagem de tempo em modo diferente, ou seja, parece ter diferentes
condições e relações. Uma unidade de tempo pode ser grande ou pequena, segundo
parâmetros subjetivos. Os fenômenos que preenchem o tempo são as tensões – físicas,
emocionais e intelectuais. A experiência direta da passagem (senso de transitoriedade),
como ocorre na vida individual, é algo real, como real é o progresso do relógio ou do
metrônomo. E, como toda realidade é somente em parte percebida, essa fragmentação
de dados é suplementada pelo conhecimento prático e idéias que trazemos de outros
domínios. Esse é o modelo de tempo virtual criado na música.

Conclusão
Diante das infinitas e inovadoras possibilidades oferecidas com os recursos de
hipermídia, precisamos estar atentos aos aspectos intersemióticos entre o universo da
tecnologia e o universo musical. Caso contrário, corremos o risco de transformar a música
na internet num tipo de música de segunda classe, tal como ocorreu com a música regis-
trada em formato MIDI.
Uma transformação tecnológica também implica numa transformação de consciên-
cia do criador e, conseqüentemente, do usuário. Não adianta ter à disposição um aparato
multimidiático e usá-lo de forma linear e cartesiana. Assim sendo, nunca passaríamos do
estágio em que apenas mimetizamos no virtual os mesmos aparatos do mundo concreto.
Pensar em música na Internet é também pensar na relação som e imagem, pois
estamos diante de uma máquina que trabalha essencialmente com a linguagem visual, e
essa relação precisa ser mais aprofundada em futuros estudos. Se compararmos hoje a
internet ao cinema, podemos dizer que ela ainda está no estágio do cinema mudo, onde
a música apresenta-se de modo apenas ornamental ou secundário.

Referências
Adorno, Theodor (1963) “Ueber Fetischcharakter in der Musik und die Regression des
Hoerens” Dissonanzen, Goettingen: Vandenhoeck und Ruprecht, pgs. 9-45.
Hanslick, Edward (1992) Do Belo Musical (trad. Nicolino Simone). Campinas: Ed. UNICAMP.
Langer, Susanne (1992) “The image of Time”. Contemplating Music – Source Readings in the
Aesthetics of Music – Ruth Kats & Carl Dhlhaus, editores. Vol. III, NY: Pendragon Press, pgs.
164-178.
Lévy, Pierre (1994) As Tecnologias da Inteligência (trad. Irineu da Costa). RJ: Editora 34.
Machado, Arlindo (1994) “Arte Permutacional” . CDROM-Arte Cidade: A cidade e seus Fluxos,
SP: Secretaria de Cultura do Estado de S. Paulo.
Said, Edward (1992) Elaborações Musicais (trad. Hamilton dos Santos). RJ: Imago.

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O processo de transferência na percepção e
transcrição do Ditado Musical1

Ricardo Dourado Freire


Universidade de Brasília
freireri@unb.br
www.musicaparacriancas.unb.br

Resumo
O ditado musical apresenta-se como uma atividade cognitivamente complexa
por envolver diversas habilidades entre elas audição, memória, decodificação
melódica, decodificação rítmica e a grafia musical. Esta pesquisa teve o objetivo
de identificar procedimentos que favorecem a transferência entre a prática do
solfejo e a percepção musical. Foram realizados testes que avaliaram a combina-
ção de ditados decodificados (apresentados com solfejo) e ditados simples no
desempenho de estudantes em tarefas de percepção e transcrição musical.
Palavras Chave: Percepção Musical, Ditado Musical, Transferência, Solfejo

Conhecer o código musical e a teoria musical não é fator determinante para a


percepção musical. Existem diversos aspectos cognitivos relacionados com a percepção
musical que envolvem memória, processos de decodificação, associação de sílabas-sons e
também leitura e escrita musical. O funcionamento da memória apresenta diversos as-
pectos que influenciam na retenção e codificação das informações musicais e os testes
muitas vezes são baseados na memorização inicial de trechos musicais para o posterior
processamento, compreensão e transcrição das informações musicais. Neste processo
existe uma dicotomia entre solfejo e percepção que agrava ainda mais a situação. Muitos
alunos não possuem segurança no solfejo e assim perdem a principal ferramenta de
aprendizagem na percepção musical. Em muitas situações, o preparo mecânico para a
escrita musical não é considerado como fator importante no processo da transcrição e o
código escrito não é considerado como fator de interferência na percepção musical.
(Freire, 2003)

Ditado Musical
As atividades tradicionalmente propostas em tarefas de percepção musical são ge-
ralmente baseadas em ditados musicais. Os ditados podem ser executados a partir de
gravações, performance instrumental ou cantada para que os estudantes transcrevam as
alturas, o ritmo ou um trecho melódico-rítmico. O ditado é utilizado como critério de

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seleção de alunos dos cursos superiores de música, sendo parte das provas específicas das
principais universidades brasileiras. No entanto, uma grande parte dos candidatos é exclu-
ída durante o processo. Na prova de habilidade específica em música para o vestibular da
Universidade de Brasília de 2002, quando foi realizado um ditado musical com a canção
folclórica “Terezinha de Jesus”, na tonalidade de Si menor, o percentual de respostas corre-
tas foi apenas 8% do total das provas. Desta maneira, 92% dos participantes não foram
capazes de realizar um ditado musical simples a partir de uma música conhecida pela
maioria dos participantes.
Esta pesquisa teve o objetivo de identificar procedimentos que favorecem a transfe-
rência entre a prática do solfejo e a percepção musical e identificar estratégias que pro-
movem a transferência entre o solfejo externo, o solfejo interno, a percepção auditiva e a
transcrição musical.
Várias autoras brasileiras, entre elas Cristina Grossi (2001) e Virgínia Bernardes (2001)
têm questionado a validade e utilidade destes procedimentos como ferramentas efetivas
para o desenvolvimento da percepção musical.
Verticalizando um pouco essa questão, o que é um ditado musical na concepção pedagógica tra-
dicional? Seria o professor tocar, geralmente ao piano, para serem escritos pelo aluno, melodias a
uma, duas ou mais vozes, intervalos melódicos e/ ou harmônicos, acordes isolados ou encadeados,
enfim, toda sorte de signos musicais isolados ou na forma de fragmentos musicais geralmente
criados por ele ou tomados ao repertório musical e que apresentem determinadas questões que
necessitam ser trabalhadas auditivamente. Quando um professor faz (toca) um ditado espera que
o aluno escreva exatamente aquilo que ele tocou. Normalmente o que não é literalmente
decodificado, de acordo com a versão que o professor tem em mãos, é considerado errado. Cada
nota, ritmo, cifra, enfim, o que for objeto do ditado, vale pontos. (Bernardes, 2001, 75)

O ditado musical apresenta diversas dificuldades para estudantes de música e mes-


mo para músicos profissionais. Estudo de Baczewski e Killam (1995) realizou um exame
das freqüências e tipos de erros em testes de ditado melódico com músicos profissionais.
Foi realizado um teste a partir da transcrição de um duo para violino e viola, em Lá Maior,
de W. A. Mozart com duração de 16 compassos que foi repetido três vezes para que os
músicos profissionais realizassem a sua transcrição. A análise dos erros demonstrou que a
grande maioria ocorreu nos intervalos de 2ª menor, 2ª Maior, 3ª menor, 3ª Maior e 4ª Justa.
No final, os autores argumentam que “apesar do movimento por graus conjuntos estar
associado com probabilidades de erros menores, o simples movimento entre tons não
produz a menor margem de erro. Os resultados indicam que certos contornos melódicos
podem promover a percepção de alterações do que o simples movimento entre notas
contíguas.” (Baczewski e Killam, 1995)
A abordagem tradicional do ditado musical é baseada na divisão de um exemplo
musical em trechos curtos, seguidos de repetições de cada trecho e no final a apresenta-
ção do exemplo completo. Maurice Lieberman chega a afirmar que “as dificuldades que
os estudantes podem experienciar ao escrever melodias e ritmo nos ditados musicais é,
ao menos, parcialmente atribuído aos seus procedimentos errados.” (Liberman, 1959, 29).
O autor indica que o estudante necessita apenas seguir os seguintes passos: 1) Não

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escrever as notas imediatamente, memorizar 2) Determinar se a melodia inicia no grau 1,
3 ou 5, 3) Indicar a tonalidade corretamente e escrever o ditado, 4) Estabelecer métrica, 5)
Determinar os ritmos usados em de cada compasso. Lieberman finaliza afirmando que “o
uso consistente desta abordagem tornará a escrita do ditado rápida e automática.”
A proposta de Lieberman enfatiza o processo a partir da memorização como um
processo único, no entanto pesquisas mais recentes colocam a memória musical como
um sistema heterogêneo e subdividido.
A memória na música precisa ter o funcionamento de um sistema heterogêneo, no qual as várias
subdivisões se diferenciam a partir da pré-existência de elementos a partir do qual irão reter a
informação. O modelo assume que a informação musical está inicialmente sujeita a um conjunto
de análises perceptivas, que são processadas em diferentes subdivisões do sistema auditivo. Estas
análises resultam na atribuição de valores de alturas, volume, duração, e outros, assim como infor-
mações abstratas como intervalos harmônicos e melódicos, relações de durações e timbre. (Deutsch,
1999, 390)

Para evitar a análise do processo de memorização musical e os possíveis aspectos


que interferem na memória, os exercícios foram desenvolvidos a partir da perspectiva da
resposta em tempo real, ou seja: os ditados devem ser escritos no momento em que eles
são apresentados, cada nota é escrita logo em seguida ao estímulo sonoro. O Ditado em
Tempo Real (DTR) exige uma concentração muito maior, uma vez que as informações
devem ser ouvidas e imediatamente processadas para a escrita. Desta maneira, a memória
não é um fator de processamento da informação musical e poderemos avaliar apenas a
atividade de audição e transcrição das notas musicais.

Transferência
O conceito de transferência tem sido discutido desde o princípio do séc. XX quando
Thorndike and Woodworth (1901), argumentaram que “quando os estímulos em duas
situações são similares e as mesmas respostas devem ser esperadas, a transferência deve-
rá acontecer e quanto maior o número de elementos que são idênticos ao de outra
situação, maior será a transferência.” (Gage, Berliner, 1984, 353)
De acordo com Sternberg (2000), os psicólogos cognitivos usam o termo transferên-
cia para descrever o fenômeno mais amplo de qualquer transporte de conhecimento ou
habilidades. A transferência positiva pode ser considerada como envolvendo a transferên-
cia de conhecimento factual ou de habilidades de um cenário para outro.
Slavin (1986) define transferência como a aplicação de um conhecimento ou habi-
lidade adquirida em uma situação em novas situações. Ela afirma que “não é possível
assumir simplesmente que estudantes serão capazes de transferir o que aprenderam na
escola para situações práticas, nós precisamos ensiná-los a usar suas habilidades em situ-
ações semelhantes ao que encontrarão na vida real.”
No entanto, a transferência não ocorre automaticamente e sem um esforço delibe-
rado na apreciação e prática das oportunidades de transferência em uma determinada
situação de aprendizagem. (Ausebel, 1968, 147)

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Gagné (1974) analisa o processo de transferência a partir do conceito de eventos de
aprendizagem. Neste caso, a transferência está inserida na fase de generalização e torna-
se o procedimento de “uso de uma informação aplicada em um contexto diferente do
qual ela foi aprendida inicialmente. Assim, a generalização e a transferência para novas
situações são fases críticas no processo de aprendizagem.Transferência pode ser promo-
vida ao estimular que os estudantes usem as informações em novas ocasiões e circunstân-
cias.” (Gage, Berliner, 1984, 208)
Rens (2002) apresentou um estudo sobre a relação de transferência entre música e
linguagem de idiomas tonais. Um aspecto importante do processo de transferência a
partir de elementos verbais é que para muitas atividades cognitivas é vantajosa a retenção
de resultados, de maneira que eles possam ser imediatamente acessados da memória, ao
invés de serem re-elaborados a partir do início a cada vez. Este processo já foi demonstra-
do em operações matemáticas, formação de palavras. Neste caso, o processo musical e
lingüístico não deve ser uma exceção.
Estudos de tarefas-de-transferência na performance musical de Meyer e Palmer
(2003) indicaram que a métrica, ritmo e movimentos motores de pianista aprendidos para
uma seqüência musical ajudavam a performance de novas seqüências musicais. Neste
caso a representação das seqüências musicais auxiliava na performance de novas seqüên-
cias sendo que melodias com métricas e ritmos semelhantes eram aprendidos mais rapi-
damente independente do movimento motor.
Edwin Gordon (1997) estabeleceu uma Teoria da Aprendizagem Musical na qual
estão definidos vários “Níveis e Subníveis da Seqüência de Aprendizagem de Competên-
cias” (Figura 1). A estrutura de Gordon reflete a organização do processo de aprendiza-
gem a partir dos estímulos musicais e as diversas maneiras como cada estímulo pode ser
processado. O Estágio de Discriminação é organizado a partir do processo de identificação
e comparação das informações musicais apresentadas por meio de atividades interativas
de imitação, e pó r atividades de pergunta e repostas O nível mais simples, Aural/Oral (1)
processa a informação musical a partir da capacidade de ouvir o som (Aural) e a reprodu-
ção vocal (Oral) com sílabas neutras. No segundo nível, Associação Verbal (2) será possível
associar os sons ouvidos anteriormente ao nome das notas musicais e reforçar a relação
entre altura musical e nome da nota. Síntese Parcial (3) refere-se ao processo de compa-
ração e diferenciação de trechos musicais em modos diferentes, por exemplo Maior e
menor, sendo que um mesmo exemplo deve ser apresentado no dois modos e diferenci-
ado a partir da comparação de suas características particulares. Associação simbólica (4)
define a passagem nas informações trabalhadas oralmente para o processo de escrita
musical e a identificação e significação dos símbolos musicais. O nível Síntese Composta
(5) corresponde ao processo de diferenciação dos modos maiores e menores a partir da
escrita musical; neste nível, o processo de síntese iniciado no nível 3 será completado pois
torna-se possível identificar as diferenças entre os modos tanto auditivamente quanto
visualmente.

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Figura 1

O estágio de inferência é caracterizado pelo processo de aprendizagem por desco-


berta pelo estudante e pela transformação dos conhecimentos.
No estágio de discriminação , o professor ensina o que deve ser aprendido e como pode ser reali-
zada a aprendizagem. No estágio de inferência, o professor indica como pode ser feita a aprendi-
zagem, e os estudantes ensinam a si mesmo o que vai ser apreendido. Na fase de disciminação os
estudantes reconhecem o que é conhecido (familiar), enquanto na fase de inferência, os estudan-
tes são estimulados a identificar o que não é desconhecido (não familiar) a partir do que é conhe-
cido. (Gordon, 1997, 121)

O nível de Generalização (6) refere-se ao processo de aplicação dos conceitos de


Associação Verbal (sílabas de solfejo), Síntese parcial (identificação de contextos tonais),
Associação Simbólica (leitura musical) e Síntese Composta (identificação de contextos
tonais escritos) a partir de estímulos sonoros com sílabas neutras. Neste nível os exemplos
são tocados em instrumentos e repetidos com sílabas de solfejo- AV, reapresentados em
modos diferentes – SP, ou escritos na grafia musical- AS, ou mesmo reescrito em novos
contextos tonais- SC.
Creatividade e Improvisação (7) indica o nível no qual o estudante é estimulado
elaborar idéias musicais a partir dos contextos e atividades apresentadas nos níveis ante-
riores. Aqui a instrução é baseada no diálogo de idéias musicais que podem ser desenvol-
vidas de várias estruturas tonais como modos, acordes, progressões e também aplicando
os conhecimentos de solfejo e escrita musicais nas atividades criativas. No último nível,
Compreensão Teórica (8), será possível trabalhar os conteúdos teóricos a partir da experi-
ência auditiva. A partir do domínio dos níveis anteriores, nos quais foram trabalhadas as
habilidades de cantar, solfejar, ler, escrever e criar músicas será possível identificar as
estruturas que organizam a música de acordo com a capacidade de audiar e compreender

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música desenvolvida por cada estudante.
A abordagem de Gordon foi fortemente influenciada modelos cognitivos de instru-
ção formulados por Jerome Brunner e Robert Gagné (Freire, 2006). As contribuições de
Gagné podem ser observadas na organização das Sequências de Aprendizagem, no uso
dos conceitos de Associação Verbal e no trabalho de discriminações múltiplas. Outro
aspecto derivado de Gagné é a caracterização de um nível de Generalização no qual
torna-se possível fazer inferências a partir das habilidades trabalhadas anteriormente. O
conceito de inferência usado por Gordon é muito semelhante ao conceito de transferên-
cia de Gagné. Em ambos os casos torna-se possível aplicar um conhecimento anterior em
situações novas. Por exemplo, Gordon utiliza a repetição de trechos instrumentais com
sílabas do solfejo para caracterizar uma atividade de generalização. Neste caso, o objetivo
é promover a transferência do conhecimento anterior no uso de sílabas de solfejo para
novos contextos instrumentais.

Ditados Melódicos
Foi realizada uma experiência piloto com o objetivo de avaliar a ocorrência de trans-
ferência na combinação de tipos diferentes de ditados melódicos. O teste1 foi realizado
em duas aulas de Introdução a Música 1, disciplina do primeiro semestre dos cursos de
música com a presença de alunos de outros cursos da Universidade de Brasília. Foram
realizados Ditados em Tempo Real (DTR) nos quais cada exercício foi apresentado uma
única vez, com semínima no valor de 54 bpm, e cada nota correspondendo a um tempo.
Os participantes deveriam transcrever o ditado ao mesmo tempo em que o exercício foi
apresentado. Foram realizados dois tipos de exemplos: 1) Ditado decodificado, cantado
com as sílabas do solfejo, e 2) Ditado simples, melodia apresentada no piano.
O teste foi elaborado visando oferecer duas situações de avaliação do ditado musical
a partir dos mesmos exemplos musicais. Foram realizados ditados com 25 notas no âmbito
de uma 7ª Maior, sendo que cada ditado continha graus conjuntos e os mesmos saltos
musicais de 3ª menor, 3ª Maior, 4ª Justa, 5ª Justa e 6ª menor em pontos diferente da linha
melódica. Os ditados foram transcritos nas tonalidades de Dó Maior (clave de Dó na 2ª
linha), em Dó menor (clave de fá na terceira linha), em Sol Maior (clave de Dó na 3ª linha)
e em Sol menor (clave de Sol). Os ditados musicais eram idênticos, mas foram apresenta-
dos seguidos dois procedimentos distintos: 1) ditado decodificado (com solfejo) seguido
do ditados simples e 2) ditado simples seguido de ditado decodificado.
Em ambos testes foram realizadas, inicialmente, uma atividade de decodificação
para avaliar a capacidade de transcrição musical dos participantes a partir da transcrição de
melodias folclóricas sendo “O cravo brigou com a rosa”,em Sol Maior, na primeira avaliação
e “Terezinha de Jesus”, em Sol menor, na segunda avaliação.
O teste foi elaborado a partir das atividades baseadas em Gordon (1997). A combina-
ção de uma primeira atividade de Associação Verbal, na qual os exemplos musicais são
realizados com o auxílio do solfejo, seguido imediatamente de uma atividade de Genera-
lização na qual os exemplos são apresentados com sílaba neutra e os participantes devem
inferir e conseguir transcrever o trecho musical corretamente.
O teste piloto apresentou alguns problemas, como a realização correta de 90% de

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todos os exercícios por parte de 50% dos alunos, fator que levou ao descarte destas
avaliações, por não demonstrarem nenhum elemento de transferência no processo. Ou-
tro fator que prejudicou as análises foi a realização de exercícios nas claves de Dó e Fá, que
provocaram uma série de erros injustificados, sendo que vários exercícios foram deixados
incompletos, ou simplesmente em branco. O exercício com o maior número de respostas
completas foi o no. 4, na clave de Sol em Sol menor, que foi considerado válido para a
análise de dados.
A partir da correção do exercício de transcrição da canção folclórica, foi possível
selecionar um grupo focal de 15 alunos, baseado nas dificuldades nas atividades de
decodificação, sendo que este grupo foi composto principalmente por estudantes de
outros departamentos da UnB, com pouco conhecimento e prática musical.
O contraste entre exercícios iguais, apresentados a partir da combinação entre dita-
do decodificado + ditado simples (Avaliação 1) e ditado simples + ditado decodificado
(Avaliação 2) apresentou resultados diferentes nos níveis de acerto do ditado simples. Em
ambas as avaliações o nível de acerto do ditado decodificado foi cerca de 90%. No entan-
to, o ditado simples teve 72,05% na Avaliação 1, enquanto 45,59% na Avaliação 2, uma

diferença de 26,47%. (Figura 2)


Figura 2- Grupo Focal

Analisando as respostas de todos os participantes, o gráfico demonstra o mesmo


resultado, com o nível de acertos do ditado simples sendo melhor quando a atividade é

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realizada após o ditado decodificado. (Figura 3)
Figura 3

O processo de transcrição auditiva de trechos musicais é complexo e requer várias


habilidades cognitivas sendo que a decodificação de alturas sonoras em notas musicais
pode ser trabalhada por meio do solfejo, de maneira a reforçar a relação entre as sílabas e
facilitar a identificação das notas musicais. O processo de Ditado em Tempo Real (DTR)
permite que o foco de realização seja a identificação imediata e transcrição dos exemplos
sem a influência direta da memória durante a tarefa.
A partir desta experiência piloto foi possível identificar que a combinação de ditados
decodificados e simples pode favorecer o processo de transferência entre solfejo e identifi-
cação das notas musicais. Realizados em seqüência, ditados decodificados e ditados simples
demonstraram uma melhora significativa no percentual de acerto tanto de alunos com
formação musical anterior,quanto alunos sem uma formação musical anterior.Os resultados
indicam que a seqüência de atividades decodificadas e simples promove uma maior taxa de
transferência na identificação das notas musicais de um contexto com sílabas de Solfejo
(Associação Verbal) para um contexto de sílabas neutras (Generalização).

Notas
1
Agradeço a colaboração de Raquel Marques que me auxiliou no processo de correção dos dados desta
pesquisa.

Referências
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and Winston, Inc.
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Magnitude in the Melodic Dictation of Professional Musicians. Comunicação apresentada
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Bernardes, Virgínia (2001). A percepção musical sob a ótica da linguagem. Revista da ABEM,
Porto Alegre, n. 6, p. 73-85.

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Gordon, Edwin E. (1997). Learning Sequences in Music: Skill, Content, and Patterns. Chicago:
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Perception. Fall 2003, Vol. 21, No. 1, 81–104
Slavin, Robert (1986). Educational Psychology: Theory into practice. Englewwod Cliffs-NJ:
Prentice-Hall,.
Sternberg, Robert (2000) Psicologia Cognitiva. Porto Alegre: Artes Médicas Sul.

O que pensa e o que sente o compositor quando


compõe?

Ricardo Mazzini Bordini e Matheus Santana Dantas


Universidade Federal da Bahia (UFBA)
bordini@ufba.br

Resumo
Esse trabalho objetiva compreender melhor os processos cognitivos envolvidos no
ato compositivo abrangendo tanto o aspecto do pensar quanto do sentir. Apresen-
ta e comenta uma pesquisa experimental envolvendo cinco sujeitos com diferen-
tes graus de experiência em composição. Discute dados preliminares resultantes da
pesquisa os quais serão futuramente ampliados e melhor estudados como parte
do projeto: Processos cognitivos em composição e percepção, vinculado ao Núcleo
de Pesquisa em Performance Musical e Psicologia (NUPSIMUS-UFBA).
Palavras-chave: processos compositivos, cognição e criatividade, pesquisa experi-
mental em composição
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Mesa redonda: Processos cognitivos na
performance musical

Três aspectos da cognição na performance


musical

Graziela Bortz
Universidade Estadual Paulista
g_bortz@hotmail.com

Resumo
Discute três aspectos que afetam a cognição em performance musical: o papel do
corpo como fonte de prazer motor na execução; a inclusão dos exercícios de
percepção musical e memória na prática diária do instrumentista; e a influência
do ambiente de trabalho, especialmente orquestral, no resultado do trabalho
individual do músico. Embora os três aspectos não sejam necessária ou direta-
mente conectados entre si, o texto sugere que são fatores que carecem de maior
questionamento e investigação por parte de educadores, pesquisadores e músi-
cos. Entre os dois primeiros aspectos, o papel do corpo na execução e a percepção
musical, há uma conexão óbvia. No entanto, esses aspectos são tratados isolada-
mente na educação musical. Por um lado, o trabalho motor do estudo do instru-
mento, por outro, os cursos de percepção musical, sendo os dois integrados
automaticamente pelos processos cognitivos de cada estudante. Sugere a inclu-
são dos exercícios comumente destinados à disciplina de percepção musical no
estudo diário do instrumento. No terceiro aspecto, a influência do ambiente de
trabalho orquestral na performance, baseia-se no texto de Afonso Galvão (2006):
“Aspectos psicológicos do trabalho orquestral” publicado na Revista de Cognição
e Artes Musicais, que aponta para o estado de alienação relatado na pesquisa
feita com músicos de orquestra, para opor esse estado a outro descrito como
fluxo por Mihaly Csikszentmihalyi (1990). Perguntas sobre como seria possível
uma transformação no ambiente orquestral e na própria formação do performer
seguem sem resposta, sugerindo futuras investigações.
Palavras-chave: performance musical; percepção musical, orquestra.

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O corpo na performance musical
Leppert (1993, p. 214-215) discute o papel central do corpo na produção musical
através comentário de Mendelssohn sobre suas Canções sem Palavras, onde diz que, ao
contrário do que a maioria das pessoas pensa, para ele, as palavras são mais ambíguas que
a música:“A linguagem está para a mente, assim como a música está para a mente-corpo.
...A linguagem é ambígua precisamente porque é radicalmente abstrata e porque opera
como se fosse divorciada do corpo”. 1 Música é,“para Mendelssohn, concreta (‘definida’) e,
portanto, sem palavras porque seu impacto é sensual/emocional, corporal e físico – mas
não separado da cognição”. Acrescenta que Roland Barthes expressa bem o pensamento
de Mendelssohn ao dizer que a “sensualidade da música não é puramente auditiva, mas
também muscular”,descrevendo o prazer que sente ao tocar ainda que lhe falte técnica.
Leppert completa:“Fazer música é um ato físico-cognitivo, no qual a separação da mente
e do corpo desaparece momentaneamente”.
O papel indiscutível do corpo na produção musical é evidenciado não apenas na
área de interpretação, mas também em sua influência na composição. Ao analisar
Fantasiestücke, op. 12 de Schumann, Rosen (1995, p. 33) afirma que tanto os materiais
estruturais, tais como: harmonia, motivos e textura, quanto a técnica pianística empregada
(neste caso, o uso do cruzamento dos polegares) servem à construção da obra. Em outras
palavras, o corpo passa a estruturar a peça, assim como as idéias “puramente” musicais.
É comum imaginar a palavra performance como apresentação, embora ela denote,
também, o processo de aprendizado. A maior parte do tempo de dedicação à música do
performer é ocupada com deleite privativo, onde o corpo tem papel fundamental. Rosen
(1995, p. 5-6) menciona o papel primordial do corpo na audição impossível de certas
estruturas composicionais (cita a Oferenda Musical de J. S. Bach), que são apenas percep-
tíveis pelo intérprete que não somente vê a partitura, mas sente suas notas sob seus
dedos: “A realização imperfeita em som de uma estrutura perfeita é a base de sua arte
privativa”.Lembra que a maioria das fugas para teclado de Bach foi escrita “para o prazer e
instrução particular”,ou seja, para o deleite do corpo e da mente do intérprete.
O fato é que a dissociação do corpo e da mente é muitas vezes necessária para o
estudo da música, mas é importante que os dois se unam eventualmente para lograr o que
chamamos de performance musical. Essa integração não é necessariamente linear. Não
parece ser possível separar a idéia do corpo sistematicamente, até porque a idéia se
alimenta das sensações e memórias de sensações já vivenciadas. Como afirma Godinho
(2006, p. 366), “a representação mental resulta das conexões estabelecidas entre os
neurônios cerebrais, conexões que são alimentadas por mensagens enviadas ao cérebro
pelos vários canais sensitivos e pelo corpo em geral. Estas informações, distribuídas por
todo o cérebro, participam em simultâneo em padrões de conexões que tendem a preser-
var-se e a reactivar-se no futuro, construindo assim a base das nossas memórias”.
Ao se analisar uma partitura enquanto se toca seus acordes ao piano, por exemplo,
pode-se acessar a audição de uma maneira distinta de quando simplesmente se ouve a
gravação dessa mesma peça e se observa a partitura. É comum que se ouça a função de
um acorde somente quando se o toca. É necessário, no entanto, que no estudo para a

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performance, a ênfase em certos aspectos da música seja dada separadamente, conforme
as necessidades do momento do intérprete, sendo que cada aspecto alimente o outro
continuamente para que se possa tornar mais complexo o conhecimento que se tem da
música.

Solfejo e ditado incorporados ao estudo do instrumento


O papel da análise musical em sua aplicação à performance tem sido bastante discu-
tido recentemente (Moreira & Pascoal, 2005, Santiago, 2006, p. 84-85 e Berstein, 1981),
seja como auxiliar na memorização, na percepção de estruturas em pequena e larga
escala ou para conduzir e argumentar escolhas de interpretação. Textos de análise, tais
como Rosen (1995, 1990, 1971), cuja atenção não é direta ou exclusivamente dirigida ao
intérprete, discutem aspectos da prática de interpretação (performance practice) que
logicamente dizem respeito às escolhas do intérprete. Na maior parte das escolas de
música, instrumentistas são obrigados a cursar as disciplinas teóricas de harmonia,
contraponto e análise.
O estudo da percepção musical nos termos em que se convencionou chamar de
solfejo e ditado nos cursos escolares, no entanto, ainda carece de maior conexão entre a
prática do instrumentista e àquela das aulas, não porque os materiais disponíveis não se
apliquem ao desenvolvimento necessário do intérprete, mas porque ainda não houve, por
parte dos professores de instrumentos e os próprios estudantes, uma consciência de que,
tanto o solfejo quanto o ditado, podem ser incorporados ao estudo diário do instrumento.
Isso seria um agente facilitador na integração entre o treino físico-motor no instrumento
e a mente trabalhando com a percepção musical diretamente aplicada à execução.
Enquanto os estudantes de jazz transpõem padrões melódicos de memória para
todas as tonalidades e, desta forma, desenvolvem a compreensão e o controle do sistema
no qual supostamente irão improvisar, os instrumentistas de formação erudita do século
XXI, especialmente os orquestrais, cuja educação deixou no passado (exceto em escolas
que mantêm a tradição da chamada música antiga) quase toda a tradição da improvisação
e se debruçou veementemente sobre a ‘correta’ interpretação da partitura, estudam esca-
las com exclusivo propósito técnico, repertório e trechos orquestrais de dois compassos
repetidamente. Brown (1999, p. 3-5) comenta a expansão dessa tendência em interpretar
a partitura ‘corretamente’ com a publicação das edições urtext a partir da segunda metade
do século XIX. Isentando o instrumentista da possibilidade de improvisação, pouco espaço
para a invenção foi deixado ao intérprete, privando-o, assim, de um importante fator de
cognição musical.
O problema é apenas aparentemente complexo. Para uma mudança nessa perspec-
tiva, bastaria a conscientização dos intérpretes e a incorporação dos materiais da disciplina
de percepção no estudo do instrumento. Métodos de solfejo e ditado tonal, tais como
Berkowitz et. al (1960), Benward (2000) e Kraft (1967), ou mesmo parte do repertório
tradicional, poderiam facilmente ser adotados como fonte de estudo nesse sentido. Os
livros citados, por introduzirem as melodias e harmonias cada vez mais complexas, passo
a passo, fornecem material organizado didaticamente. Além disso, como os materiais são

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de simples execução, o músico pode se concentrar em desenvolver a memória e
relativização das estruturas ao transpor as melodias e harmonias, especialmente se o
treino for feito de memória e não através da transposição por meio de claves (leitura).
A harmonia no teclado é um curso que tem sido gradativamente incorporado em
algumas escolas (nos EUA, Queens College é uma das escolas que oferece este curso; no
Brasil, a Unicamp, por exemplo) e seria, nesse sentido, de maior aplicação que a disciplina
chamada de piano complementar. Com alguns bons teclados providos de fones de ouvido
em sala de aula, é possível oferecer o curso coletivamente.

A influência do ambiente de trabalho – a orquestra


No decorrer da carreira de um músico, a escola e o trabalho podem afetar positiva ou
negativamente o desenvolvimento do aprendizado. O ambiente externo pode levar o
indivíduo tanto ao estado de apatia quanto ao de ansiedade descritos por Czikszentmihalyi
(1988). No primeiro, as habilidades do indivíduo se encontram além das tarefas e, no
segundo, o contrário.Tornar a tarefa mais complexa pouco a pouco mantém o interesse do
indivíduo na atividade, se os objetivos forem claros e os desafios intrínsecos, preferencial-
mente. É preciso estar sempre atento às interferências exteriores nesse processo para
manter o que Czikszentmihalyi denominou estado de fluxo. O trabalho orquestral, em
particular, parece oferecer o ambiente ideal para se cair em um extremo ou outro – a
apatia ou a ansiedade.
Galvão (2006, p. 13) menciona o estado de alienação no ambiente orquestral em
pesquisa em que os participantes se declararam “frustrados” com o trabalho.“Parece haver
uma tendência da orquestra tornar-se uma espécie de trabalho burocrático em que os
músicos progressivamente perdem o entusiasmo, e mesmo o orgulho artístico, tornando-
se apáticos e responsivos”. Além disso, menciona a competição e o jogo de poder como
fonte de insatisfação, onde “muitos músicos são conscientes desse jogo de poder, com
alguns se recusando a participar e outros buscando se beneficiar”.
Galvão também discute diferentes fontes de estresse presentes no trabalho orques-
tral, entre elas, além dos desafios do repertório propriamente dito, a relação com os cole-
gas e o maestro.“Como relataram alguns participantes, por mais que a passagem esteja
sendo bem executada, quando um maestro pede para que seja repetida pela quinta vez,
dizendo que não está boa, um músico começa a duvidar de si mesmo e a ficar ansioso; a
passagem musical acaba ficando realmente ruim” (p. 11).
Em relação a esse aspecto do trabalho orquestral, os EUA construíram uma maneira
eficiente de evitar abusos de poder por parte do maestro através do sindicato local. Sem o
risco de ser demitido da orquestra, como ocorre no Brasil e em algumas orquestras da
Europa, um representante da Union (que não pertence ao quadro de músicos da orques-
tra) pode estar presente em qualquer ensaio para regulamentar os horários e o tratamento
dos músicos por parte do maestro. Essa seria uma importante discussão a se conduzir
neste momento em que vários estados no Brasil requerem, justamente, a não-
obrigatoriedade da afiliação à Ordem dos Músicos do Brasil para o trabalho. A conquista
dessa liberdade poderia criar uma nova forma de os músicos se organizarem, defendendo
verdadeiramente seus direitos.

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Conclusão
A ansiedade em apresentação tem sido uma preocupação entre os intérpretes e
alvo de vários estudos (Berstein, 1981; Reubart, 1985, Carvalho & Ray). Galvão menciona os
vários recursos utilizados pelos músicos de orquestra em pesquisa realizada no Canadá
para lidar com o estresse, entre eles:“(i) preparação musical; (ii), intervenções corporais;
(iii) preparação psicológica e (iv) intervenções químicas” (p.12). Esses são, entretanto,
considerados recursos paliativos. O artigo levanta a questão de como ainda existem as
orquestras organizadas em uma hierarquia rígida numa sociedade liberal.
Como poderia, então, a orquestra e a própria educação musical se adequar melhor às
novas estruturas sociais, oferecendo melhor ambiente de trabalho e aprendizado ao mú-
sico? Outras questões a serem feitas: Por que o músico deve se preparar para se apresen-
tar? Por que ele deve se apresentar? Por que o fazer musical não faz parte do dia-a-dia do
homem comum? Se a pressão existe é porque é extrínseca e porque é incomum. Talvez se
a prática musical fosse comum a mais pessoas no universo ocidental, a performance –
como apresentação pública – pudesse ser tomada como algo normal, como uma conse-
qüência natural do dia-a-dia da prática de qualquer pessoa, algo a se dividir com todos,
como sugere um dos estilos de atuação mencionados por Santiago (2006, p. 85).
A apresentação pública parece ter-se mitificado. Os vários aspectos que afetam os
processos cognitivos da performance musical, entendida aqui mais como um processo
que como um resultado final são, acima de tudo, fonte de prazer, que não pode ser
minimizado em detrimento do resultado final. A apresentação pode servir como objetivo
– ao menos idealizado, mas tornar o objeto de estudo mais complexo (não somente do
ponto de vista técnico), de maneira a mantê-lo sempre interessante é, para o performer,
mais importante que torná-lo visível, ou até mesmo audível.

Notas
1
Essa e outras traduções no texto foram feitas pela autora.

Referências
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Csikszentmihalyi, M. & Csikszentmihalyi, I. S. (Eds.). (1988). Optimal experience:
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Trabalho apresentado no I Encontro Nacional de Cognição e Artes Musicais (ENCAM).
Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Brasil.

Por que um performer deve pesquisar cognição


musical?

Sonia Ray
Universidade Federal de Goiás
soniaraybrasil@yahoo.com.br

Por que um performer deve pesquisar cognição musical? Por razão nenhuma. Não
há nenhuma obrigação ou pré-requisito para se tocar ou ensinar performance que exija de
um instrumentista, cantor ou regente pesquisar cognição. Porém, se a questão mudasse
para ‘pra quê’, tudo seria diferente.Tudo o que se pesquisa sobre cognição musical interes-
sa e acrescenta na atuação do performer, mesmo que ele não se dê conta disto. Os estudos
que se ampliam a cada dia sobre o funcionamento do cérebro, têm nos permitido apren-

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der muito sobre como este órgão age no comando de nosso corpo. À medida em que o
compreendemos mais, novas diretrizes para o estudo da música são propostas, discutidas,
experimentadas e adotadas. Em alguns casos, princípios consolidados de ensino de instru-
mento já foram mudados radicalmente em função de aproveitamento de estudos cientí-
ficos – como a iniciação ao contrabaixo (Ray, 2007a). Assim, o performer que deseja
ampliar seu conhecimento sobre seus próprios limites físicos e mentais poderia fazer uso
de resultados de trabalhos sobre o funcionamento do cérebro e da mente para otimizar
seus estudos e/ou sua atuação em palco, mesmo que nunca realize seus experimentos ou
construa seus próprios argumentos. Este texto pretende chamar a atenção dos músicos
interessados em saber mais sobre as aplicações dos estudos atuais em cognição musical
na performance, bem como sugerir algumas razões para que um novo ‘aventureiro’ se una
ao grupo crescente de performers-pesquisadores em cognição musical no Brasil na busca
do ‘pra quê’ pesquisar o tema.

1. Cognição e Música
Os alicerces para as pesquisas em cognição da performance musical não poderiam
deixar de passar por conceitos de cognição em si, cognição na música e finalmente no
nosso objeto, cognição na performance musical. Muitos pesquisadores têm lançado olha-
res cuidadosos sobre estes conceitos e não caberia aqui resumir todos os estudos realiza-
dos. Assim, farei um breve histórico dos estudos em cognição musical e discutirei aplicações
de estudos recentes da área na performance musical.
A palavra de origem latina (cognitione) encontra-se empregada comumente como
sinônimo de ‘conhecimento’ ou ‘percepção.’ Os estudos sobre como se adquire o conhe-
cimento, a epistemologia ou teoria do conhecimento, são chamados estudo da cognição.
O termo foi inicialmente utilizado por pesquisadores na área de matemática em estudos
sobre computação. Na década de 1960, estudos liderados pelo MIT - Massachusetts Institute
of Technology, passaram a empregar oficialmente o termo ‘cognição’ em estudos sobre
inteligência artificial. Em 1960, a Universidade de Harvard sediou o “Center for Cognitive
Studies“ sob a coordenação dos pesquisadores J. Bruner e G. Miller (Lavy, 2007). O centro
passou a ser um embrião de pesquisas interdisciplinares que atrairia psicólogos, lingüistas
e musicólogos.
Os anos 70 e 80 assistiram o surgimento de vários centros de pesquisa visando
estudos interdisciplinares e multidisciplinares envolvendo música. Alguns deles são: a
Society for Research in the Psychology of Music and Music Education (Reino Unido), a
Society for Music Perception and Cognition (SMPC, América do Norte), a Japanese Society
for Music Perception and Cognition (JSMPC, que passa a publicar o periódico Journal of
Music Perception and Cognition a partir de 1995) e a Deutsche Gesellschaft for Music
Psychology (DGM, Alemanha). Simultaneamente aos centros de pesquisa viu-se a criação
e consolidação de periódicos específicos, a exemplo do Psychology of Music (1972) e o
Music Perception (1983).
Dos final dos anos 1980 aos dias atuais presenciamos a contínua expansão das
conferências e publicações específicas sobre cognição envolvendo música. Em 1989,
realizou-se a primeira conferência internacional de percepção musical e cognição

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(International Conference on Music Perception & Cognition - ICMPC), que agora em 2007
terá sua 10ª edição. Em 1991, foi criada a European Society for the Cognitive Science of
Music (ESCOM, que publica o periódico Musicae Scientiae). Seguindo-se a estas iniciativas,
vieram a Korean Society for Music Perception and Cognition (KSMPC) em 1998, a Asia-
Pacific Society for the Cognitive Sciences of Music (APSCOM) em 2000, a Argentinian
Society for the Cognitive Sciences of Music (SACCOM) em 2001 e a Associação Nacional
de Cognição e Artes Musicais (Brasil), em 2006.
Além das pesquisas documentadas divulgadas pelos periódicos específicos, os anais
de todos estes eventos e as constantes novas publicações têm facilitado o acesso a estu-
dos recentes e inspirado o aumento de investigações na área de cognição musical. Neste
contexto, os projetos multidisciplinares envolvendo performance musical têm atraído
cada vez mais músicos-instrumentistas, tanto na qualidade de colaboradores em grava-
ções, como ativos pesquisadores. No Brasil há grupos de estudos institucionalizados que
desenvolvem pesquisas nesta área nas Universidades Federais de Goiás, de Minas Gerais,
do Rio Grande do Sul e do Paraná, além da Universidade Estadual de Santa Catarina.Todos
os grupos são localizáveis através dos sites das referidas instituições.

2. Cognição Musical: aplicações na performance musical


O volume crescente de artigos em periódicos e em anais de congressos enfocando
algum aspecto da cognição musical com a atividade do performer é notável. Um grande
responsável por este aumento foi a realização do SIMCAM – Simpósio de Cognição e Artes
Musicais (2005 e 2006). O evento não só inspirou pesquisadores, mas gerou o aumento de
publicações também em periódicos sobre música e cognição. Na Revista Música Hodie do
PPG da UFG (da qual sou editora) este reflexo pode ser observado com a publicação de 5
artigos envolvendo cognição e performance nos volumes de 2005 e 2006: Wildt, Carvalho &
Gerling (2005), Ray & Andreola (2005), Costa (2005), Silveira (2006) e Fucci Amato (2006).
Este crescimento, entretanto, não se encontra refletido nas dissertações e teses defendidas
na área de performance musical no estudo mais recente sobre o tema (Borém, 2005), no
qual o pesquisador demonstra que as defesas na área de música no Brasil abordando
performance e aspectos biomédicos (medicina, biomecânica, neurociência) somavam ape-
nas cerca de 2% do total - em agosto de 2001. Um estudo mais recente ainda precisa ser
realizado para demonstrar se este quadro mudou nas dissertações e teses como mudou em
publicações periódicas. Mas como todas estas publicações podem afinal, sugerir razões para
que mais performers-pesquisadores no Brasil se interessem pela cognição musical?
Dentre os temas mais abordados pelos pesquisadores brasileiros estão aqueles que
auxiliam a preparação para a performance musical. Este parece ser o tema mais atraente
para quem quer iniciar-se na área de pesquisa e contribuir para sua formação contínua
como performer. Vejamos então, alguns trabalhos neste sentido. Para a praticidade da
apresentação e discussão dos estudos envolvendo preparação para a performance musi-
cal, estes foram divididos em 4 grupos a saber: 2.1) estudos de caráter conceitual; 2.2)
estudos analíticos a partir do conteúdo musical; 2.3) estudos sobre aspectos anato-fisioló-
gicos e 2.4) estudos sobre aspectos psicológicos e neurológicos.

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2.1) estudos de caráter conceitual e de revisão de literatura
São aqueles que buscam caminhos para redefinir conceitos há muito utilizados e
que carecem de atualização. A ampliação da abrangência de um conceito pode levar a
necessidade de se criar um novo. Estudos neste sentido têm sido desenvolvidos no GEPEM
– grupo de estudos em Performance Musical. Em publicação recente, uma proposta de
mapeamento do estudo da performance musical através dos EPM – Elementos da
Performance Musical, foi proposto por mim (Ray, 2005). Definiu-se ‘figuras de interferên-
cia’ que podem ser abordadas como ponto de partida para o estudo de um EPM em um
dado momento da performance (preparação, execução ou avaliação). O estudo procura
oferecer ao pesquisador uma ferramenta com amplas possibilidades de uso para que
várias abordagens do estudo da performance possam ser estudadas a partir de um
referencial. Estudos como este ainda são poucos no Brasil, mas tendem a aumentar, pois a
ampliação das ferramentas de pesquisa são uma necessidade.
As revisões de literatura nacional e estrangeira, tradicionais na área da lingüística e
biomédica, têm sido recebidas na área de música com entusiasmo crescente ao longo dos
últimos 6 anos. Congressos e periódicos têm publicado textos que resumem e criticam
conjuntos de trabalhos sobre um tema específico relacionado a performance musical,
bem como textos de referência traduzidos para o português. Ambas as publicações são
fundamentais para que possamos entrar em contato de maneira mais efetiva com o que
há de mais novo sobre o tema. Neste sentido cito como referência principal o texto de
Gerling & Souza (2000), no qual as autoras definem o objeto de pesquisa ‘performance
musical’ e fazem uma revisão crítica da literatura mais relevante para as pesquisas em
performance musical até 2000 publicadas no Brasil, Estados Unidos e Europa. Obviamente
o trabalho precisa de uma atualização, porém, discute textos usados como referência para
a área (de autores como Rink, Clarke, Repp, Gabrielsson e Sloboda) que ainda são de
grande valia. Gerling (2005) fez uma breve atualização do texto em questão ao falar na
mesa redonda sobre performance musical da ANPPOM (RJ, 2005), admitindo que os
performers hoje freqüentam laboratórios como membros ativos de grupos
multidisciplinares de pesquisa, e não apenas como consultores, como ela e Souza haviam
concluído em sua revisão de 2000 (Gerling & Souza, 2000, p.123). Suas pesquisas hoje
abrangem amplas propostas que, por vezes, usam e extrapolam o material musical. São
também importantes os trabalhos de Pederiva (2004), Borém (2005) e Carvalho & Ray
(2006), entre outros.

2.2) estudos analíticos a partir do conteúdo musical


O conteúdo musical, ou seja, o contexto estilístico e técnico no qual determinada
obra foi composta, bem como os procedimentos que são exigidos do performer para
interpretá-la, têm inspirado a grande maioria dos trabalhos sobre performance musical no
Brasil. Isto talvez se dê por esta abordagem ser a que está mais diretamente ligada a uma
obra específica (ou um estilo). Têm-se discutido, em especial, a construção da performance
através de análises que partem da própria partitura, subsidiada pelo contexto em que a
obra foi composta. Para citar alguns exemplos, destaco os trabalhos de Gerling; Barrenechea
(2000), Cardassi (2004 e 2005), Milazzo & Carvalho (2004), Borém (2004), Bredel & Cavazotti

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(2005), Gusmão & Gerling (2005), Copetti & Tokeshi (2005), Ray (2006), Borém (2006),
entre outros.

2.3) estudos sobre aspectos anato-fisiológicos


São estudos que discutem e analisam como se dá a relação corpo-performer em
vários momentos da atividade destes músicos. Os trabalhos concentrados na preparação
para a performance tendem a estudar como o indivíduo lida com seu corpo dentro e fora
da atuação musical a fim de detectar a origem de prováveis distúrbios. Neste grupo inclui-
se trabalhos que discutem técnicas de reeducação corporal e suas aplicações na
performance (Alexander,RPG, Pilates, etc.). Algumas publicações que discutem este enfoque
são os de Andrade & Fonseca (2000), Costa (2005), Ray & Andreola (2005) e Carvalho,
Broseghini & Ray (2004). Outra vertente dos estudos nesta área são as relações biomecânicas
com a atividade do performer, o estudo do movimento (relações entre articulações, ossos,
tecidos e forças que agem sobre o corpo). São estudos que exigem medições laboratoriais
e, portanto, limitada a centros especializados. Trabalhos de excelência em performance
têm sido desenvolvidos na UDESC (Povoas, 2007), na UFMG (Borém, Vieira & Lage 2003 e
Borém, 2007) e na UFG (Ray, 2007b), todos em grupos de pesquisa multidisciplinares.

2.4) estudos sobre aspectos psicológicos e neurológicos


Muitos dos estudos sobre psicologia da performance são direcionados para a prepa-
ração para a atuação em público e estudam o medo de palco (Oliveto, 2001 e Carvalho &
Ray, 2005 e 2006). Tradicionalmente, a psicologia é estudada nos processos pedagógicos
em geral. Trabalhos sobre pedagogia da performance têm expandido a discussão para
além de métodos de ensino, à medida em que se discutem abordagens mais adequadas
dos materiais usados no ensino da performance musical. Os estudos exploram desde
técnica do instrumento, passando por técnicas de estudo e de ensaios, até o momento da
performance propriamente dita. Alguns exemplos são os trabalhos de Santiago (2006) e
Cazarim & Ray (2005 e 2006).
A neurociência tem inúmeras aplicações quando nos perguntamos o ‘porquê’ agi-
mos, re-agimos, aprendemos, registramos informações de determinada maneira e se há
outras possibilidades. Neste sentido, estudar como o cérebro apreende e consolida o
conhecimento musical, em particular os aspectos específicos aplicáveis a performance,
têm preocupado pesquisadores no mundo todo. No Brasil, pesquisadores interessados no
tema parecem ter encontrado um fórum para refletir a respeito no SINCAM. Os anais deste
simpósio (2005 e 2006) são as fontes mais atualizadas sobre pesquisas nesta área no Brasil.
Discussão sobre aspectos neurológicos na performance também posem ser encontradas
na apresentação dos Elementos da Performance Musical - EPM (Ray, 2005).

2. Objetivos
Este texto apresenta um breve revisão da literatura em língua portuguesa sobre
cognição musical aplicada à performance, com o intuito de chamar a atenção dos músicos
interessados em saber mais sobre os estudos atuais na área, bem como sugerir algumas
razões para incentivar novas pesquisas em cognição musical no Brasil.

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3. Contribuições
A apresentação e breve discussão dos trabalhos acima prentende ser uma contribui-
ção no caminho de um mapeamento dos estudos da Cognição musical no Brasil que têm
a performance como núcleo. Vários “pra quês” foram sugeridos no sentido de indicar
literatura e possíveis caminhos para pesquisas envolvendo performance musical e cognição.
Acredito que a investigação do tema pode tornar mas compreensível cada etapa inerente
a preparação, execução e avaliação de uma performance musical, deixando o processo
como um todo ‘sob controle’. Fica afasta-se cada vez mais a “mística” de que não se possa
colocar em palavras como se dá uma performance musical. A parte do fazer artístico que
não se traduz em palavras, aquela que apreciamos tocando ou assitindo, não impede que
se estude, e muito, o fazer musical. Pelo contrário, fazer música é o que nos impulsiona a
estudá-la cada vez mais. Os performers-pesquisadores aqui citados o provam. Assim, a
partir desta revisão inicial, pretende-se e espera-se incentivar a produção de mais traba-
lhos de crítica da literatura disponível, bem como constantes revisões do ‘estado da arte’.

4. Implicações
A partir desta revisão inicial, pretende-se inspirar o surgimento de novos trabalhos
de crítica sobre a literatura disponível, de forma a oferecer à comunidade de pesquisado-
res atualizações do presente ‘estado da arte’.

5. Sub-áreas de conhecimento
Performance Musical; Cognição Musical; Pesquisa em Música

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Memorizing in Cello Playing: practice,
performance and expression

Tânia Lisboa
tlisboa@rcm.ac.uk
Royal College of Music
Roger Chaffin
roger.chaffin@uconn.edu
University of Connecticut
Kristen Begosh & Topher Logan
kristen.begosh@huskymail.uconn.edu
University of Connecticut

Abstract
Research in music performance has been growing in the last few decades, from
examining practice to studying several complex areas related to the preparation
of performances. One important part of this preparation relates to memorizing
music. Research on memory and music, however, has often focused on pianists,
perhaps justified by the facilities encountered in collecting data from MIDI pia-
nos. This paper focuses on the study of practice, memory and performance on the
cello. Previous studies have shown that experienced professional musicians use
the hierarchical structure of the music as a retrieval scheme and establish mental
landmarks in the music (performance cues) to allow recovery from mistakes. Here,
we investigate 34 hours of practice as a professional cellist prepared Suite No. 6
(Prelude) by J.S. Bach for public performances. A year later, the cellist wrote out the
score from memory and the analysis of the data identified serial position effects
in recall, which showed that memory was most accurate at section boundaries
and at performance cues representing expressive goals. Timing data from early,
middle and later practice sessions as well as from eight public performances were
also analyzed. The results show that hesitations at performance cues for basic
technique during early practice performances suggested that memory retrieval
was not fast enough at these points to keep pace with the performance. The
musical structure provided the cellist with a hierarchical retrieval organization,
and extended retrieval practice was required to achieve the automaticity needed
for reliable performance.
Keywords. memory, music, performance

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Background
Since Franz Liszt and Clara Schumann created an impact in the concert halls of
Europe in the 1830’s by playing without a score, professional musicians have been faced
with the challenge of performing long pieces from memory. The demands placed on
memory can be extraordinary and, not surprisingly, memory and attentional lapses are not
uncommon. Moreover, musicians are required to perform in such a way as to make the
performance seem fresh, expressive, and not mechanical. For the psychologist, the act of
performing music from memory provides a unique opportunity to study the process of
memorization. For the musician, results from psychological research offer scientific evidence
for elaborating strategies that can make the memorizing process quicker and more solid,
leading to more security and less anxiety in performance.
From the psychological point of view, the intuitions that professional musicians can
bring to a study examining the processes by which they memorize a piece can be very
valuable to researchers. However, as Ericsson and Simon (1984) warn, subjective self-
reports such as these must be interpreted with caution. Conversely, completely ignoring
the insights that professional musicians can offer would be an equally large mistake.
Combining objective behavioral data, such as the practice record from video-taped practice
sessions, with the self-reports of expert participants can provide a more complete
understanding of the memorization process than either source of information alone. Thus,
this paper focuses on a collaborative research project between a musician and cognitive
psychologists.
Previous investigation with pianists, a singer, conductor and a jazz musician have
shown that when memorizing music for performances, musicians establish a hierarchy of
performance cues — those places in the music that they must think about during a
performance for it to unfold as planned (Chaffin, Imreh, & Crawford, 2002). Three types of
performance cues are carefully selected during practice: Basic cues are locations at which
the musician made decisions about technical details such as fingerings; interpretive cues
where decisions were made about features such as dynamics, phrasing, and tempo; and
expressive cues where the musician made decisions about what emotion to convey to the
audience. Because of the rapid tempo of most musical compositions, it would be impossible
for the musician to think about every note while performing the piece. Selecting
performance cues allows the musician to attend to certain aspects of the music, while
letting the rest of it unfold automatically.This study extends the study of performance cues
to a different instrument – the cello — and follows their development through repeated
public performances.

Method
An experienced cello soloist (the first author) recorded her practice as she learned
and memorized the Prelude from J.S. Bach’s Suite No. 6 for solo cello and then performed.

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Procedure
Practice sessions and performances. The cellist video-recorded her practice and
public performances from the first time she sat down with the Prelude until the eighth
public performance nearly two years (92 weeks) later, Of the total of 34 hours practice,
28½ hours were recorded.The cellist recorded all sessions and performances in a logbook
in which she noted the date, time, duration and main goals or activities. In addition to
practice and public performances, the cellist also performed the piece before small
audiences in the laboratory 12 times on three separate occasions. The times for these
performances are included in the total times reported above. Practice was transcribed by
recording the location of starts and stops during practice. Half bars were numbered
consecutively from the beginning of the piece and the half bar and the beat within the
half bar where each start and stop occurred was recorded. Practice sessions were combined
into groups of adjacent sessions on the basis of the stages and cycles of practice (described
below) and of preliminary regression analyses of starts, stops and repetitions similar to
those described below. Practice and comments were summed across sessions within
each group.
There were 21 practice performances in which the cellist played through the entire
piece from memory without interruption as part of a normal practice session. These were
divided into early, middle, and later practice performances.
Tempo. Tempo was measured for each half bar of each performance with Soundforge,
a commercial sound wave processing program applied to the soundwave for each
performance. Measurements were made from the start of the first note sounded in each
half-bar to the start of the first note of the next half-bar.The inter-half-bar-intervals (IBI in
seconds) were then converted to tempo estimates in beats per minute (tempo = (1/
IBI)*2*60).The mean tempo of each half bar was computed across practice performances
for early, middle, and late practice performances and for the later live performances.
Measurements that differed from the mean of all the performances by more than 1.75
standard deviations were repeated.
Recall. Ten months after public performance 8, the cellist was asked to write out the
score from memory. She had not practiced or performed the piece in the intervening
months. The probability of correct recall was measured for each half bar by dividing the
number of notes correctly recalled for each half bar by the number of notes in the score.
Bars which were not attempted were given a score of zero. Notes were scored based
upon their position within the bar, meaning that a mistake in the beginning of a measure
which led to an incorrectly transposed passage, could negatively effect the score on the
rest of the bar, regardless of whether the passage followed the appropriate intervals.
Seven weeks after the written recall test, the cellist was asked to record herself
playing the piece from memory. Again, she had not practiced or performed the piece in
the intervening weeks. The probability of correct recall was again measured in the same
way as for the written recall. In addition, tempo was measured for each half bar.
Comments during practice. As she practiced, the cellist talked about what she
was doing to the camera.These spontaneous comments were transcribed in the practice

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record following the practice segment during which or after which each comment was
made. The transcribed comments were classified by topic.
There were seven major categories of topics: Technique (bowings, fingerings, hand
position, intonation, etc), Interpretive (dynamics, expression, phrasing, articulation, etc.),
Memory (identifying memory cues, testing memory, plan for memory, evaluation, etc.),
Musical Structure (melodic, harmonic and formal structure of the music), Performance/
Practice Strategies (rhythmic variation drills, tempi, patterns, etc), Metacognitive (session
plans, research process, errors, fatigue, etc.), and Other (primarily reference points in the
score—e.g. “measure 68”).
Cellist’s reports. The cellist reported all of the decisions that she made about the
piece during practice by marking them on copies of the score. She described the musical
structure of the piece, her decisions about basic technique (e.g., bowing) and interpretation
(e.g., dynamics), and the performance cues she attended to during performance (e.g.,
expression). Performance cues were reported as basic, interpretive and expressive. Multiple
regression analyses related these reports to the location of starts and stops during practice,
tempo fluctuations during performance, and accuracy of recall when writing out the score
from memory.
Analysis. Multiple regression analyses were used to determine how the cellist’s
practice, playing, and recall were affected by the various aspects of the music described in
her reports.

Results
As in previous studies, a hierarchy of performance cues was established, organized in
terms of the musical structure. At the last SIMCAM conference, the learning process was
described, showing how practice started and stopped at section boundaries and at basic,
interpretive and expressive cues. Starts and stops during practice reflected changes in the
cellist’s attention to different aspects of the music. This paper will show the continuation of
the project and describe the analysis of the performance data.The analysis revealed that
there were hesitations during practice performances at basic performance cues (e.g. for
bowing). Like other expert memorists, the cellist used a hierarchical retrieval organization
(based on the musical structure) and engaged in extended practice to bring memory
retrieval up to the speed needed for performance.
Recall. Overall accuracy on the written recall task was approximately 52%. Recall of
the piece was greater at expressive performance cues and became progressively worse
for notes farther away. This indicated the cellist’s reliance on expressive cues for recall,
even long after having performed the work. However, overall accuracy for the played
recall task was near ceiling at approximately 97%. Her marked improvement on the
subsequent task can be attributed to greater similarity of the played recall task to the
situation in which the piece was initially learned.
Tempo. The tempo analyses also revealed the importance of performance cues.
First, the tempo of each performance fluctuated. In later polished performances, changes
in the tempo corresponded to places where the cellist indicated expressive and interpretive

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performance cues, suggesting that variations in tempo were part of the musical
interpretation through which the performer conveyed her musical understanding of the
piece to the audience. In contrast, in earlier practice performances, changes in tempo
occurred not only at places where the musician intended to convey expression, but also at
places where she had difficulties.
Specifically, the cellist tended to hesitate at basic performance cues for bowing and
to speed up at cues for fingering. Speeding up at these locations may reflect the musician’s
desire to quickly get through the difficult passages, while slowing down at other locations
may indicate difficulty with memory retrieval.

Conclusion
An important part of the artist’s preparation of a piece for performance is to develop
a flexible memory retrieval system that will permit the performance to continue, whatever
may go wrong.This investigation describes how an experienced cello soloist learned and
memorized one of the most technically challenging works of the solo cello repertoire.
When considered in conjunction, the behavioral data for tempo and recall along with the
information cellist’s self-reports provided the researchers with a good understanding of
the manner in which music is committed to memory for later retrieval. Like other
experienced performers, the musician used a well-learned retrieval structure, and practiced
in order to rapidly retrieve information from long-term memory.
In this study, the cellist played a dual role as performer and researcher. Although this
was a difficult position to be in, without such a dual role, interpretation of the results would
have solely rested on an outsider’s speculation. Therefore, other researchers interested in
studying expert performers should consider utilizing the valuable knowledge that those
individuals have about their fields when interpreting the results of their studies. Here, the
collaboration between psychologists and musicians has proven to be fruitful to both areas
of research.

References
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Mahwah, NJ: Lawrence Erlbaum Associates.
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Mesa redonda: Desenvolvimento cognitivo
através das artes musicais

Quando as crianças falam e cantam: conceitos


de desenvolvimento musical e musicalidade
das crianças brasileiras

Beatriz Ilari
beatrizilari@ufpr.br
Universidade Federal do Paraná

Das palavras e canções sussurradas aos bebês pelas amas de leite do século XVII aos
jogos musicais e brinquedos cantados da atualidade, a música tem estado presente no
cotidiano das crianças brasileiras (Ilari, 2006). Entretanto, conforme ocorre em diversas
partes do globo, o estudo da relação entre a mente e a infância musical no Brasil tem
encontrado, comparativamente falando, pouco espaço na literatura científica. Há alguns
motivos que possivelmente explicam essa ausência tão significativa: (1) o fato das práticas
musicais e das canções referentes à infância, tais como acalantos e jogos musicais que são
normalmente associadas às crianças e às mulheres, terem sido consideradas de valor
inferior às canções de trabalho dos homens no decorrer da história (veja Bowers, 1993;
Koskoff, 1987); (2) a compreensão relativamente recente da infância como um período
diferenciado, em que crianças não são vistas como adultos imperfeitos (vide Del Priore,
2004); e (3) a carência de métodos específicos para o estudo da música na mente do bebê
e da criança (Ilari, 2002). No entanto, as crianças e jovens brasileiros vêm fazendo música
há muito tempo, desde os primórdios da história do nosso país.
Fortemente marcada pelas diferenças sociais, econômicas e religiosas, a história da
música das crianças brasileiras é muito mais rica e antiga do que costumamos pensar.
Canções, danças e práticas musicais de origens, períodos e gêneros diversos baseados em
temáticas váriadas, fazem parte do patrimônio imaterial da história da música na infância
brasileira. O repertório e as práticas musicais ensinadas pelos Jesuítas aos curumins no
século XVI (vide Budasz, 2003; Castagna, 1994), o repertório erudito ensinado às moças ‘de
fino trato’ na educação musical doméstica do período da república (Veiga, 2003), as can-
ções patrióticas entoadas pelas crianças e jovens nos corais orfeônicos da década de 1940
(Goldemberg, 1990), e as composições das crianças e jovens que participam do movimen-
to Hip Hop em diversos centros urbanos (Fialho & Araldi, 2004), constituem alguns dos

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muitos exemplos de práticas musicais que têm integrado a infância e a juventude brasilei-
ra. Em todos esses exemplos há uma idéia implícita comum: a existência de um desenvol-
vimento musical subjacente.
Porém, apesar de haver um certo consenso acerca da existência do desenvolvimen-
to musical quando o assunto é crianças brasileiras, até o presente momento, há poucos
estudos na literatura sobre o desenvolvimento da mente musical no Brasil. Pouco se sabe,
até o momento, como as crianças e jovens brasileiros, de diversas regiões e sub-culturas,
desenvolvem habilidades musicais específicas como perceber sons diversos, cantar, tocar
um instrumento, compor, improvisar, representar. Obviamente, a ausência de estudos so-
bre as diversas habilidades musicais das crianças e jovens brasileiros resulta na ausência de
modelos de desenvolvimento musical que sejam genuinamente brasileiros, e que partam
do contexto (ou contextos) em que nossas crianças e jovens vivem (ver Ilari, 2006). So-
mente ao conhecermos como se dá o desenvolvimento das habilidades musicais de
nossas crianças e jovens é que poderemos verificar a validade e a aplicabilidade dos
estudos Euro-americanos e de seus modelos de desenvolvimento em nossa realidade
(vide Dowling, 1994; Imberty, 1994; Rutkowski & Miller, 2003; Zenatti, 1981). Ao meu ver,
essa é uma “tarefa de base” que precisa ser realizada com a máxima urgência.
Pensando sobre essas questões, tenho me dedicado nesses últimos anos ao estudo
do desenvolvimento musical das crianças e jovens brasileiros. Em minha fala de hoje,
concentrar-me-ei em um estudo que venho realizando e que, ao meu ver, traz alguns
insights interessantes acerca do desenvolvimento musical de nossas crianças. O estudo
refere-se ao canto infantil, e parte da análise de entrevistas e gravações de canções reco-
lhidas em diversas regiões do país, para fazer alguns comentários sobre o desenvolvimen-
to musical no Brasil.
Mais precisamente, o objetivo deste estudo foi documentar, descrever e categorizar
o desenvolvimento do canto das crianças brasileiras de 3 a 12 anos de idade. O canto foi
escolhido por seu aspecto democrático; trata-se de uma das principais atividades musicais
realizadas pelas crianças pelo mundo afora, independentemente de quanta educação
musical formal elas têm (Custodero, Britto, Brooks-Gunn, 2003; Ilari, 2005). Através do
canto, as crianças praticam suas habilidades lingüísticas e musicais, improvisam e brincam
com os sons, exercitam a imaginação auditiva e aprendem conceitos centrais as suas
culturas (Chen-Hafteck & Masulele, 2002; DeNora, 2003; Ilari & Majlis, 2002; Keil, 2003). Ou
seja, o canto me pareceu ser um ponto de partida ideal para o estudo do desenvolvimento
musical no Brasil. Como ficou dito, o presente estudo encontra-se em andamento, e
pretende ser o primeiro de uma série, a ser desenvolvida nos anos vindouros.

Método
Amostra
Com o consentimento dos pais ou responsáveis, 82 crianças brasileiras, de 3 a 12
anos de idade foram entrevistadas e tiveram suas vozes cantadas gravadas em Curitiba e
Ortigueira (PA), na periferia de São Luis do Maranhão (MA), às margens do rio Quianduba e

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na Ilha de Marajó (PA), no centro do Rio de Janeiro (RJ), Campinas e Ribeirão Preto (SP).
Dessas crianças, apenas 26 faziam aulas de música extra-curriculares, 28 aprendiam músi-
ca na escola regular. As demais aprendiam música no âmbito de suas comunidades, atra-
vés de práticas comunais em conjuntos específicos (carimbó, tambor de crioula, roda de
capoeira), ou simplesmente através da exposição, ora passiva, ora ativa, à música.

Procedimentos
Todas as crianças foram observadas, entrevistadas e gravadas in loco; em suas escolas,
casas ou centros comunitários, nas cidades/áreas supra-citadas. Cada criança foi convidada
a cantar uma canção de sua preferência. As crianças com idade acima de 6 anos foram
entrevistadas, e responderam questões acerca de seus ambientes familiares e experiênci-
as musicais cotidianas. Apenas quatro crianças abaixo de 6 anos foram entrevistadas; no
caso das demais, as entrevistas ficaram a cargo de seus pais ou responsáveis, que fornece-
ram as informações acerca do ambiente e das experiências musicais das crianças. Todos os
entrevistados (crianças e, no caso das menores, seus responsáveis) responderam a ques-
tões relativas aos níveis sócio-econômico e educacional, e descreveram uma ou mais
pessoas que considerassem ‘musicalmente especiais’, dentro e fora de suas comunidades,
explicando suas escolhas. Notas de campo, dados obtidos através de entrevistas e grava-
ções de canções foram usados para fins de análise.

Resultados
Dados oriundos de entrevistas: A questão da musicalidade
A análise dos dados obtidos através de entrevistas sugeriu que a maioria das crianças
deste estudo provinha de classes desprivilegiadas; muitas vivendo abaixo do nível de
pobreza estipulado pelo Índice de Desenvolvimento Humano da ONU. Aproximadamente
metade das crianças (47%) tinha acesso a recursos eletrônicos e audiovisuais como
tocadores de CD e televisão, e apenas uma minoria (26%) estava matriculada em escolas
privadas. Independentemente das diferenças nos níveis cultural, educacional e sócio-
econômico, a maioria das crianças (62%) e dos adultos argumentou em favor da existência
de uma musicalidade intrínseca em alguns indivíduos, e foi capaz de apontar e descrever
pessoas ‘musicalmente especiais’ em suas comunidades. Entretanto, não houve consenso
acerca da natureza da ‘pessoa musical’. Para algumas crianças, o indivíduo musical é o bom
improvisador (como sugeriram algumas crianças de um grupo de tambor de crioula do
Maranhão); para outras (de um grupo de carimbó no Pará e de um coral no Rio de Janeiro),
a pessoa musical é aquela que canta de maneira afinada. Para um terceiro grupo (compos-
to por algumas crianças do MST em Ortigueira e uma dupla sertaneja mirim em Ribeirão
Preto), ser musical é sinônimo de estar na mídia ou “ser famoso”.

Localização geográfica das crianças e a escolha do repertório a ser gravado


Apesar de todas as crianças estarem envolvidas com música, algumas diferenças
acerca das canções escolhidas para as crianças emergiram. O fator que mais influenciou a

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escolha do repertório infantil foi a localização geográfica das crianças. Por exemplo, as
crianças do Maranhão e Pará cantaram mais canções de natureza religiosa (canções da
Igreja Católica, hinos protestantes, cânticos de tambor de mina) do que as crianças do sul
e sudeste do país, que cantaram mais canções infantis e pop. No entanto, a variedade
temática esteve presente em todas as regiões visitadas. Em Ortigueira, as crianças do MST
cantaram inúmeras canções de caráter político bem como hits da Banda Calypso; as crian-
ças que viviam às margens do rio Quianduba cantaram inúmeras canções que versavam
sobre temas amazônicos (o boto, a saracura, a matinta-perê, a cobra-grande), e as crianças
campineiras cantaram versos de canções de Folia de Reis e alguns raps.

O efeito da aula de música na escolha de repertório


O fato de a criança ter ou não aulas de música parece ter influenciado enormemente
as seleções musicais infantis, bem como desejo de gravar uma canção. As crianças que
aprendiam música em suas comunidades (sem aulas formais de música) levaram menos
tempo para selecionar sua canção favorita, e muitas cantaram canções aprendidas em
suas comunidades. Já as crianças que aprendiam música através de aulas institucionalizadas
levaram um tempo maior para escolherem sua canção favorita, como se aguardassem
pela aprovação de um adulto (ou professor, quando ele ou ela estavam próximos). Tam-
bém foi interessante notar que as crianças que tinham aulas de instrumento foram as mais
relutantes em cantar no microfone.
Além disso, as crianças que tinham mais de 9 anos cantaram mais canções aprendi-
das ou ouvidas em casa. Já as crianças menores (de 3 a 8 anos) cantaram uma quantidade
equivalente de canções aprendidas em casa e na escola. Esses resultados estão de acordo
com as idéias de Boal-Palheiros (2006), que sugeriu que as crianças já fazem uma distin-
ção clara entre a música ‘da escola’ e a música ‘de casa’.

Análise do conteúdo musical das canções (em andamento)


O conteúdo musical (alturas, contornos melódicos, padrões rítmicos) das canções
recolhidas está sendo analisado no presente momento, a fim de verificar se há tendências
desenvolvimentistas no canto das crianças brasileiras Considerando-se que, até onde sei,
não há modelos de desenvolvimento vocal para o Brasil, a análise está sendo feita com
base no modelo de quatro fases, proposto por Welch (2003). Uma análise preliminar (32
canções) sugere que as crianças que têm aulas de música baseadas na música de tradição
européia, tendem a cantar de um modo ‘mais afinado’ que as demais. No entanto, isso não
parece ser uma regra geral, já que algumas crianças instrumentistas, treinadas nos moldes
da música européia, não demonstraram tais habilidades. Além disso, tudo indica que os
estilos musicais e suas funções nas práticas musicais de cada comunidade influenciam e
por vezes determinam a afinação. Tão logo a análise quantitativa seja finalizada, dados
mais conclusivos serão apresentados a respeito do conteúdo musical das canções coletadas.

Conclusões
A conclusão mais interessante desse estudo seja, talvez, o fato de que, independen-
temente de classe social, nível educacional ou experiência musical, a maioria das crianças

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brasileiras está envolvida com a música, e possui crenças e preferências próprias. Foi
interessante notar que não houve um consenso, entre as crianças, para a definição do que
seja uma ‘pessoa musical’. A noção de ‘musicalidade’, que é freqüentemente compreendi-
da com um sinônimo de ‘talento’, varia entre as sub-culturas musicais do Brasil. Em outras
palavras, para as crianças brasileiras, o conceito de ‘musicalidade’ parece ser totalmente
dependente de um contexto, onde se misturam noções de cultura, crenças pessoais,
religião, estereótipos, gênero e riqueza, entre outros.
Apesar dos resultados serem ainda preliminares, os dados do presente estudo pare-
cem apontar para a idéia de que o desenvolvimento do canto nas crianças brasileiras pode
ser análogo ao desenvolvimento do canto em crianças européias e norte-americanas, nos
casos em que a educação musical enfatiza a música de tradição européia. Nas demais
regiões ou comunidades, onde a música é oriunda de outras influências, ou não está
necessariamente baseada nas hierarquias rítmicas e tonais propostas pela psicologia da
música (vide Krumhansl, 2006), ou ainda, desafia as noções de melodia, harmonia e ritmo
propostas pela teoria musical tradicional, modelos de desenvolvimento vocal como aque-
le proposto por Welch (2003) podem não ser suficientes para explicar o desenvolvimento
do canto no nosso país. Em outras palavras, em alguns lugares do Brasil, a questão de cantar
afinado e ‘no tempo’ parece estar baseada na estética musical de cada sub-cultura, e não
necessariamente nas regras da música européia. Esse dado é de grande relevância para a
educação musical.
Por conta de seu caráter mestiço, a aplicação de modelos tradicionais de desenvol-
vimento musical no Brasil é bastante complexa. Por esta razão, é necessário conduzirmos
novos estudos que levem em consideração os contextos sócio-econômico, educacional e
cultural dos grupos a serem estudados. Quem sabe, assim, poderemos vir a compreender
melhor como se dá o desenvolvimento musical de nossas crianças e inclusive opinar, de
maneira informada e consciente, a respeito da natureza do desenvolvimento musical do
ser humano como um todo.

Referências
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Women in Music, 1, 14-20.
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O canto espontâneo como manifestação do
desenvolvimento cognitivo-musical da criança

Maria Betânia Parizzi


betaniaparizzi@hotmail.com
Universidade do Estado de Minas Gerais

Resumo
O desenvolvimento musical vem sendo amplamente estudado através da psico-
logia cognitiva e social, da antropologia, das ciências da educação e das ciências
da saúde. A partir da observação do comportamento musical procura-se investi-
gar como a compreensão musical se manifesta quando as crianças ouvem, tocam,
criam e reagem à música. Partindo desse pressuposto, o canto espontâneo, mani-
festação vocal que demonstra ter evolução análoga ao desenvolvimento cognitivo,
também se constitui em importante recurso que poderá levar pesquisadores a
compreender o desenvolvimento cognitivo-musical da criança, abrindo novas
possibilidades de sua utilização na puericultura, na neurologia pediátrica, na psi-
cologia infantil, na psicopedagogia e em outras áreas correlatas.

Introdução: A psicologia cognitiva e o desenvolvimento


musical
O estudo do desenvolvimento musical vem passando por profundas transformações
nos últimos trinta anos As investigações, que até a década de setenta, privilegiavam a
mensuração de habilidades auditivas, abriram espaço para a psicologia cognitiva, princi-
palmente após duas importantes publicações dos autores John Davies (1978) e Diana
Deutsch (1982), ambas denominadas The Psychology of Music (HARGREAVES, 2004, p.3). A
partir desse momento, a teoria piagetiana do desenvolvimento cognitivo tornou-se um
importante referencial teórico para o estudo do desenvolvimento musical (HARGREAVES,
1986, p.31; ZIMMERMAN, 1984, p.32). Este interesse decorreu da possibilidade de se estu-
dar o assunto através de recursos investigativos semelhantes aos utilizados pelos
cognitivistas, ou seja, observando-se o comportamento da criança (HARGREAVES, 1986,
p.15).
Os estudos piagetianos revelaram que o pensamento da criança se manifesta em
suas ações observáveis, portanto, em seu comportamento (ZIMMERMAN, 1984, p.31). Os
mecanismos utilizados pela criança para pensar são derivados das suas ações sobre os
objetos no mundo exterior. Sendo assim, o pensamento, pode ser concebido como uma

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forma internalizada de ação (HARGREAVES,1986, p.32). Por esta razão, Santrock afirma que
as crianças podem ser consideradas agentes ativos na construção de seu mundo cognitivo
(2004, p.208). Vale ressaltar que a neurociência contemporânea vem confirmar essas
idéias, partindo de modelos neurobiológicos1:
O cérebro e o comportamento são muito diferentes, mas estão ligados. O cérebro é um objeto
físico, um tecido vivo, um órgão do corpo. O comportamento é uma ação momentaneamente
observável, porém passageira. Ainda assim, um é responsável pelo outro, que é responsável pelo
outro, e assim por diante (KOLB e WHISHAW, 2001, p.3).

A psicologia cognitiva, segundo Hargreaves e Zimmerman (1992), procura investi-


gar como as pessoas “constroem modelos mentais de seus diversos mundos (inclusive do
mundo musical), os quais lhes possibilitam desenvolver, planejar e expandir seu conheci-
mento e compreensão sobre as coisas” (apud FRANÇA, 1998, p.84). De forma análoga,
Sloboda (1985, p.5) atribui à psicologia cognitiva da música a possibilidade de investigar
“como a música é internamente representada, como o conhecimento musical é organiza-
do e armazenado e como as pessoas se comportam musicalmente em conseqüência
desta representação”. A existência dessa representação é inferida, uma vez que não é
possível observá-la fisicamente. Ela se manifesta na forma como as pessoas ouvem, tocam,
criam e reagem á música (SLOBODA, 1985, p.3). Assim, “as principais modalidades do
comportamento musical se constituem em ‘janelas’ através das quais os construtos men-
tais se manifestam e, portanto, podem ser investigados” (FRANÇA, 1998, p.84).
Dessa maneira, o canto espontâneo, música vocal produzida espontaneamente pela
criança a partir de seu segundo ano de vida, pode ser considerado uma modalidade de
comportamento musical, através do qual seu desenvolvimento cognitivo-musical pode
ser estudado (PARIZZI, 2005).

A evolução do canto espontâneo


A origem e a evolução do canto espontâneo são descritas com detalhes por Parizzi
(2006). Segundo este estudo, o bebê ao nascer já dispõe de um trato vocal que lhe
permite, a partir de uma motivação intrínseca, explorar e brincar com os sons, bem antes
de ser capaz de falar (PAPOUSEK M., 1996, p.88).
Os sons podem ser alterados de muitas formas para finalidades musicais ou de
comunicação, principalmente através de mudanças de timbre, altura, intensidade e dura-
ção (PAPOUSEK H., 1996, p.42). O bebê brinca com sua voz provavelmente com o objetivo
de explorar todas essas possibilidades (DOWLING, 1984, p.145) e influência de pais e
cuidadores neste processo é fundamental (PAPOUSEK H., 1996, p.37).
Hanus Papousek (1996, p.38) enfatiza que estudos realizados no contexto sócio-
cultural das crianças têm elucidado a importante atuação dos pais e cuidadores (caregivers)
como “professores competentes” da língua materna e como mediadores das influências
culturais. Essa atuação, imprescindível para o desenvolvimento da capacidade de comuni-
cação da criança, ocorre de forma inconsciente, através de intervenções intuitivas.
Três níveis de expertise vocal emergem, gradativamente, durante o desenvolvimen-
to pré-verbal dos bebês, como conseqüência da pré-disposição inconsciente de pais e

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cuidadores (PAPOUSEK H., 1996, p.44). O primeiro nível, observado em torno dos dois
meses de idade, ocorre quando a vocalização inicial do bebê, dependente de seu padrão
respiratório, evolui para sons eufônicos prolongados. A criança torna-se capaz de produzir
e de modular, através de vogais, seus primeiros sons melódicos vocais. A fala dos pais
direciona, de forma intuitiva, a vocalização dos bebês neste sentido. Hanus Papousek
(1996, p.44) afirma que esses sons são muitas vezes interpretados como “meras expres-
sões de mudanças de humor da criança” mas que, entretanto, eles representam um indí-
cio importante do seu desenvolvimento cognitivo.
A segunda fase de expertise inicia-se por volta dos quatro meses de idade, sendo
caracterizada como um“jogo exploratório” através do qual o bebê expande seu repertório
vocal (PAPOUSEK M., 1996, p.104). Ele passa a ser capaz de produzir consoantes (utilizando
o trato vocal superior), de brincar com a voz, utilizando alturas, intensidades e timbres
diferentes (PAPOUSEK M., 1996, p.104). Esta fase é particularmente relevante em relação
às competências musicais iniciais da criança, pois envolve sua capacidade criativa intrínse-
ca. Segundo Moog (apud SWANWICK, 1988, p.59), o “balbucio musical”, típico desta fase,
está relacionado ao fascínio da criança pelo som e ao prazer de dominá-lo e de controlá-
lo. Neste período, os bebês parecem usar sua voz como seu brinquedo favorito e passam
a ser capazes de repetir sons descobertos por acaso e de repetir ou modificar, com alegria,
sua própria produção vocal (PAPOUSEK M., 1996, p.105).
Pais e cuidadores também participam intuitivamente deste jogo vocal. Eles tendem
a imitar os sons emitidos pelos bebês e a fornecer modelos vocais, repletos de alterações
de andamento, de intensidade, altura, de timbre, os quais serão rapidamente absorvidos
pela criança (PAPOUSEK M., 1996, p.105). Segundo Trevarthen (2004, p. 22), os relaciona-
mentos iniciais entre pais e bebês se desenvolvem de forma semelhante a uma“narrativa”
cujos significados são intersubjetivos e construídos mutuamente, o que contribui decisi-
vamente na construção das memórias e da identidade do indivíduo.
O comportamento musical do bebê com a intenção de chamar a atenção das pesso-
as pode ser considerado uma forma inicial de manifestação de sua identidade social como
membro de um grupo –“um grupo cujos hábitos, experiências e habilidades são valoriza-
dos pelos laços que eles representam e reforçam” (TREVARTHEN, 2004, p.22). A explora-
ção da musicalidade intrínseca é uma forma de demonstração da aceitação de um amigo
ou de um grupo.
O terceiro nível de expertise é caracterizado pela capacidade da criança de reprodu-
zir o que Hanus e Mechthild Papousek (1996, p.44-45; 102-106) denominam “balbucios
canônicos”,os quais se caracterizam pela repetição de sílabas como,“mamama ou dadada”.
Essas sílabas canônicas são comuns a todas a línguas do mundo e representam as “unida-
des mínimas rítmicas e universais” de todas as línguas faladas (OLLER e EILERS, 1992,
p.174-91).
Observa-se que neste nível de expertise, pais e cuidadores atribuem um significado
denotativo ao que é dito (PARIZZI, 2003, 2006), pois eles passam, intuitivamente, a atribuir
significados às sílabas articuladas pelos bebês, nomeando pessoas, objetos e eventos
próprios do ambiente da criança. Estes sons produzidos pelos bebês, portanto, vão se
transformando em palavras.

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Durante o segundo ano de vida, os sons emitidos pelos bebês para falar e para cantar
vão se diferenciando progressivamente (DOWLING, 1984, p.145). Segundo Sloboda (1985,
p.202), essa grande mudança pode ser nitidamente observada a partir de um ano e meio
de idade. A fala passa a ser utilizada pela criança com a finalidade de comunicação e as
vocalizações passam a ser claramente percebidas como cantos espontâneos. Esses
cantos, muitas vezes associados ao ato de brincar, se diferenciam da fala pela utilização de
vogais cantadas com afinação instável, pela reprodução de intervalos melódicos distintos
e pela utilização de pulsos tendendo à regularidade, no âmbito de cada frase (ibid). Esses
pulsos regulares acontecem sob a forma de impulsos rítmicos, como aponta Koellreutter
(1984). Este autor refere-se a essa forma de manifestação rítmica como “pulso mágico
vital”.
A afinação errática, não temperada, que caracteriza os cantos dessas crianças, tende
a soar como “desafinada”, aos ouvidos dos adultos (DOWLING, 1984, p.145). Segundo
Koellreutter, esta afinação não temperada está relacionada ao fato de que a criança pe-
quena ainda não divide racionalmente o tempo (passado, presente e futuro) e o espaço.
Assim, ela não é capaz de separar os sons a ponto de obter uma afinação temperada (apud
PARIZZI, 1986, 2005, 2006).
O canto espontâneo da criança sofre profundas modificações durante seu terceiro
ano de vida. Ele torna-se mais longo e começa a mostrar uma certa organização interna
(SLOBODA, 1985, p.203). Repetições melódicas e rítmicas, aparentemente intencionais,
começam a ser notadas:
Em torno dos dois anos e meio, a criança parece ter compreendido que a música é construída em
torno de intervalos pré-estabelecidos e que a repetição de padrões rítmicos e melódicos é a
pedra fundamental do fenômeno musical (SLOBODA, 1985, p.204).

Porém, as relações hierárquicas, capazes de criar uma direção para esses padrões
rítmicos e melódicos, não foram ainda absorvidas pela criança. Seus cantos, nesta idade,
são“errantes”,pois podem continuar durante um longo tempo, sem nenhuma previsibilidade
quanto ao seu final. A decisão quanto ao momento de finalizá-los é inteiramente arbitrária
(SLOBODA, 1985, p.204).
Segundo Hargreaves, os cantos espontâneos criados por crianças em torno de dois
ou três anos de idade tendem a soar como “esboços” de canções (1986, p.69-70). Elas
demonstram ter alguma idéia do que seja uma canção, mas não se atêm a detalhes como
a precisão das relações de alturas e de duração. De forma análoga, entre dois e três anos de
idade, a criança tende a criar “esboços” de histórias, constituídas apenas de inicio e fim
(MANDLER; JOHNS apud DAVIES, p.23). Porém, os finais são imprevisíveis e arbitrários,
como confirma Sloboda (1985, p.204).
A partir dos três anos de idade, a criança adquire a capacidade de reproduzir ou de
imitar inteiramente canções de sua cultura. O ritmo e o contorno melódico são apreendi-
dos mais rapidamente. Porém, a afinação precisa dos intervalos e a permanência numa
mesma tonalidade somente devem ocorrer mais tarde (SLOBODA, 1985, p.205). O reflexo
imediato da aquisição desta capacidade de imitação na produção musical da criança é que
seus cantos espontâneos tornam-se mais longos.

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Uma das transformações mais significativas identificadas nesta idade é o senso de
conclusão presente nos cantos espontâneos (PARIZZI, 2005, p.142). Canções, imprecisas
em relação às durações e alturas, portanto ainda se caracterizando como esboços de
canções, passam a anunciar sua finalização. A imprecisão rítmico-melódica, típica de crian-
ças entre dois e três anos, é como que compensada por algo talvez muito significativo
neste momento: uma música que se inicia deve ter um final, agora previsível. Assim, é
possível que o senso de conclusão seja uma das primeiras relações hierárquicas da música
tonal a ser incorporada pela criança a partir dos três anos, pois esta forma de direcionamento
parece acontecer antes da estabilização do pulso e da aquisição plena da tonalidade (ibid).
Uma nova modalidade de canto espontâneo que ocorre por volta dos três ou quatro
anos de idade é a“pot pourri”,criada a partir de fragmentos de canções conhecidas (MOOG,
1976, p.115). A criança cria sua música “colocando numa mesma canção partes de can-
ções conhecidas” elaborando sua própria versão dessas canções. Palavras, linhas melódi-
cas e células rítmicas são “misturadas, alternadas, separadas e unidas novamente de uma
nova maneira, constituindo-se assim uma idéia original” (MOOG, apud SLOBODA, 1985,
p.205).
Também nessa época, surge outra forma de canto espontâneo, a canção “imaginati-
va ou narrativa”, através da qual a crianças conta suas próprias histórias (MOOG, 1976,
p.115). Qualquer palavra ou trecho de canções conhecidas pode ser incorporado às can-
ções imaginativas, desde que se encaixe na história. Moog relaciona os “pot pourris” e as
“canções imaginativas” à forma como as crianças brincam neste período de suas vidas.
Os brinquedos e demais objetos podem ser arranjados e rearranjados de várias maneiras, de acor-
do com as possibilidades criadas pelo jogo. Assim, na música, a criança analogamente arranja e
rearranja eventos no tempo”(MOOG, apud DAVIES, 1992, p.22).

A partir dos cinco anos, a freqüência do canto espontâneo diminui significativamen-


te, exceto quando as crianças são incentivadas neste sentido (SLOBODA, 1985, p.206). A
criança já tem o domínio da linguagem verbal, mas o seu desenvolvimento musical, entre-
tanto, não evolui com a mesma intensidade (SWANWICK,1988, p.60).
... o processo musical da criança por volta dos quatro ou cinco anos de idade está longe de atingir
o mesmo nível de desenvolvimento de sua linguagem, provavelmente por que a criança recebe
estímulos dos adultos para falar e não para fazer música (SWANWICK,1988, p.60).

Sloboda (1985, p.206) afirma que nesta idade “a criança tem uma maior consciência
de si e está preocupada em evitar erros e em ser precisa nas suas imitações”. As crianças
passam a ser detalhistas e tendem a abandonar a fase anterior, caracterizada pela impreci-
são (GARDNER e WOLF, 1981, apud SLOBODA, 1985, p.206). Agora, a criança começa a
detalhar o que antes ela apenas esboçava. As histórias que a criança inventa passam a ser
mais ricas em detalhes, apresentando princípio, meio e fim. Sloboda considera de extrema
riqueza a analogia dos cantos espontâneos com as histórias criadas pela criança. A estrutu-
ra de uma história, composta de um início declarativo, seguido de período de turbulência
que conduz a uma resolução é análoga à estrutura formal de muitos cantos espontâneos
produzidos por crianças a partir dos cinco anos (apud DAVIES, 1992, p.24).

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A preocupação da criança nesta idade com a precisão e com a repetição tem como
importante conseqüência a incorporação de questões musicais fundamentais como a aqui-
sição da tonalidade e do tempo métrico (SLOBODA, 1985, p.206). Neste momento, a criança
é também capaz de ir além dos modelos advindos da música de sua cultura criando canções,
mais comumente sem letra, nas quais parecem experimentar ritmos irregulares e novos
timbres, criando desta maneira contrastes e“elementos surpresa” (DAVIES, 1992, p.46). Essa
nova modalidade de canto espontâneo é denominada “canção transcendente” (PARIZZI,
2005, 2006), pois as crianças, mesmo sendo capazes de lidar com características da música
de sua cultura, demonstram habilidades para transcendê-las.
As canções “imaginativas ou narrativas”,já descritas por Moog (1976, p.115) continu-
am a ser criadas nessa fase. Da mesma forma, o senso de conclusão já identificado por
Parizzi (2005) em cantos de crianças de três anos de idade, continua cada vez mais evi-
dente nas canções criadas por crianças de cinco e seis anos (DAVIES, 1992, p. 25).
Nesta faixa etária, há indícios de que as crianças já possuam um senso de hierarquia:
às vezes o material sonoro pode variar, enquanto as frases de quatro compassos são
mantidas, como se constituíssem “instâncias superiores” (DAVIES, 1992, p.46). As crianças
parecem buscar uma estrutura formal para suas músicas, mesmo quando ainda não têm
domínio completo da tonalidade, da fluência melódica e de um vocabulário musical espe-
cífico. A criança ainda não é capaz de explicitar através da palavra sua compreensão sobre
o fenômeno musical, mas em seu canto espontâneo ela organiza eventos sonoros no
tempo (ibid). Isso sugere que as crianças parecem compreender “o sentido, a significância
e a estrutura da música como uma imagem do tempo” (DAVIES, 1992, p.47).

Considerações finais
Dos balbucios nasce o canto espontâneo. Surgem, então, os esboços de canções, as
canções pot-pourri, as canções imaginativas, finalmente as canções transcendentes. As
profundas transformações pelas quais passa a criança desde seu nascimento parecem se
revelar em seu canto espontâneo, assim como nas formas já consagradas de representa-
ção: a imitação diferida, o jogo imaginativo, o desenho e a linguagem. Sua música vocal
demonstra ter um curso evolutivo previsível, de forma análoga ao seu desenvolvimento
cognitivo. Já há indícios suficientes para se afirmar que o canto espontâneo também pode
ser considerado uma forma de representação utilizada pela criança para manifestar sua
forma singular de perceber o mundo (PARIZZI, 2005).
Este canto se diferencia da fala no segundo ano de vida e vai, aos poucos, incorporan-
do o que a criança é capaz de perceber intuitivamente da música de sua cultura, o que
vem ressaltar a importância das interações sociais tão enfatizadas por Lev Vygotsky. As
investigações sobre o canto espontâneo e sobre as outras modalidades de comportamen-
to musical ultrapassaram, assim, as fronteiras da psicologia cognitiva. A psicologia da mú-
sica, cada vez mais, tem encontrado confluências não apenas com a ciência cognitiva, mas
também com a sociologia, antropologia, educação e ciências da saúde (HARGREAVES,
2004, p.3).
Essa nova abordagem multidisciplinar certamente contribuirá para que pesquisado-
res compreendam mais profundamente questões ainda obscuras sobre o canto espontâ-

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neo da criança. Se através dessa forma de expressão, a criança manifesta sua maneira de
perceber o mundo, o canto espontâneo certamente poderá servir como recurso para
estudos voltados ao desenvolvimento da criança com implicações na puericultura, na
neurologia pediátrica, na psicologia infantil, na psicopedagogia, na educação musical e
outras áreas correlatas.
Minha tarefa pode ser comparada à obra de um explorador que penetra numa terra desconhecida.
Descobrindo um povo, aprendendo sua língua, decifro sua escrita e compreendo cada vez melhor
sua civilização. Acontece o mesmo com todo adulto que estuda a arte infantil. (STERN, 1966)

Notas
1
Pesquisadores têm investigado amplamente o papel o cérebro no comportamento, incluindo as influên-
cias da experiência e do aprendizado nas estruturas cerebrais (KOLB e WHISHAW, 2001, p.253-4), o que vem
reforçar a importância das interações sociais, tão preconizadas por Vygotsky, na aquisição das habilidades
cognitivas.

Referências
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113

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Zimmerman, M. P (1984). The relevance of piagetian theory for music education.
International Journal of Music Education, Londres, v. 3, mai. p. 31-34.

Desenvolvimento cognitivo e música: questões


para a educação musical

Denise Álvares Campos


camposilva@cultura.com.br
Universidade Federal de Goiás

Resumo
As conexões entre música e desenvolvimento cognitivo permitem uma dupla
abordagem: a utilização dos estudos sobre a cognição como suporte para um
processo de educação musical bem fundamentado e bem orientado; e a utiliza-
ção da música para a promoção de habilidades cognitivas. Do ponto de vista da
educação musical é importante a afirmação do protagonismo da música por si
mesma no processo pedagógico, sem prescindir, no entanto, do conhecimento
dos estudos relacionados ao desenvolvimento cognitivo e da utilização da pró-
pria prática do educador musical como fonte de pesquisas nessa área.
Palavras-chave: desenvolvimento cognitivo; educação musical; transferência
cognitiva.

Ao pensar sobre o tema dessa mesa redonda não pude me furtar a fazê-lo com um
olhar de educadora musical. E, com esse olhar, foi inevitável a inclusão de uma outra
‘palavrinha’ para associar a cognição à música. Dessa forma, gostaria de tratar do tema a
partir de dois aspectos: a) o desenvolvimento cognitivo e o processo de educação musical;
e b) o desenvolvimento cognitivo através da educação musical.
O primeiro aspecto tem chamado a atenção de educadores musicais e de psicólo-
gos que se preocupam com a integração entre a música e a psicologia, interessados em

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um desenvolvimento musical coerente com o desenvolvimento cognitivo da criança e do
adolescente. Assim, são inúmeros os estudos, reflexões e pesquisas realizados em busca
do entendimento e otimização de cada um dos processos envolvidos na educação musi-
cal: a percepção, a performance, a criação, a memória e o próprio processo de educação
musical. Se, por um lado, há educadores que chamam a atenção para o fato de que a
música e seu ensino não se limitam aos processos cognitivos, por outro, há aqueles que
buscam na psicologia cognitiva um suporte teórico para a educação musical. Hargreaves,
por exemplo, há mais de 20 anos, já preconizava que os estudos da psicologia cognitivo-
evolutiva poderiam explicar o fenômeno do desenvolvimento musical. Segundo ele “es-
sas explicações podem formar a fundamentação natural para a educação musical (1986, p.
213)”. E, mais ou menos na mesma época, já se buscava, no Brasil, “apontar condições
necessárias à elaboração da abordagem cognitiva em música (Beyer, 1988, p. X)”. Atual-
mente, os Parâmetros Curriculares Nacionais: Arte (1998) indicam que “os conteúdos da
arte precisam ser transpostos didaticamente de maneira adequada. [...]sua ordem precisa
considerar os conhecimentos anteriores dos alunos e seu nível de desenvolvimento cognitivo
(p. 44. Grifo da autora).
Os estudos e experimentos nesse campo abrangem uma diversidade de questões
que permeiam o dia-a-dia do educador musical. Desde questões mais amplas como aque-
las que traçam paralelos entre as etapas do desenvolvimento cognitivo e o desenvolvi-
mento musical (por exemplo, Hargreaves, 1996; Swanwick, 1988) àquelas relacionadas a
aspectos mais específicos da educação musical, como, por exemplo, a percepção musical,
sobre a qual eu mesma pesquisei há alguns anos atrás (Campos, 1998). Os relatos que
constam dos Anais dos SIMCAM já realizados mostram que, no caso dos educadores mu-
sicais brasileiros, não ocorre apenas uma apropriação dos resultados obtidos por outros,
em sua maioria, estrangeiros, mas que há estudos, revisões e pesquisas a partir da prática
docente exercida em nosso meio.
É necessário destacar que o conhecimento das propostas pedagógicas para a educa-
ção musical já não é suficiente para o educador musical de nossos dias. Mesmo que
pedagogos como Orff, Kodály e Dalcroze sejam representantes de uma abordagem ativa
da educação musical, não se destaca em seus métodos uma preocupação com a integração
educação musical/desenvolvimento psicológico do aluno. Willems foi quem mais de per-
to preocupou-se com este tema, ao escrever sobre “As bases psicológicas da educação
musical”(1956). No entanto, conforme analisamos em um texto anterior, ele “não diz
explicitamente a que tipo de estudos psicológicos se refere ao defender uma ou outra
idéia. As ‘bases psicológicas’ nos parecem, às vezes, um pouco abstratas, ou muito genéri-
cas, sem definições mais concretas (Campos, 1998, p.107)”.
Quanto ao segundo aspecto - o desenvolvimento cognitivo através da educação
musical - existem algumas questões a considerar. No Brasil, talvez pela obrigatoriedade do
ensino de Arte presente na nova legislação, talvez pela disseminação e apropriação arbi-
trária dos estudos mais recentes da psicologia cognitiva, há uma tendência a sustentar a
importância do ensino da música em argumentos extra-musicais. A ABEMÚSICA (Associa-
ção Brasileira de Música) publica e divulga um livreto intitulado “A importância da música
para as crianças”, no qual apresenta pesquisas e estudos sobre o cérebro e a música. Os

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resultados apresentados apontam não só uma ligação causal entre a música e a inteligên-
cia, mas, vão mais além ao afirmar que as “Crianças que estudam música saem-se melhor
na escola e na vida (ABEMÙSICA, 2002, p.20)”. Baseados nesses estudos, os professores e
diretores de escolas são estimulados a comunicar-se com os pais através de cartas que
visam divulgar a importância da música, tornando-os, também, defensores da música na
escola. Essa forma de justificar o ensino musical está presente não só em textos acadêmi-
cos, mas, também, em artigos de opinião e na mídia em geral.
A música seria, também, uma parceira na aprendizagem de outras disciplinas, seja
como motivadora, seja como provedora de ‘potencialidades’ necessárias a outras áreas.
Nos Parâmetros Curriculares Nacionais lê-se que, através do ensino de Arte, o aluno
adquire conhecimentos específicos, mas que as potencialidades que ele desenvolve atra-
vés da Arte podem“contribuir para a consciência do seu lugar no mundo a para a compre-
ensão de conteúdos das outras áreas do currículo (Parâmetros Curriculares Nacionais- Arte,
1998, p. 43. Grifo da autora)”.Essa é uma abordagem já bastante conhecida dos educadores
musicais, que, na maioria das vezes, pode levar a música a mero acessório no processo de
educação escolar.
Em artigo publicado nos Anais do I SIMCAM, Beatriz Illari trata “dos efeitos da apren-
dizagem musical em outras áreas de conhecimento (2005, p. 56) e cita quatro ‘relações de
causa e efeito’ relacionadas a esse tema: o aprendizado musical e o desenvolvimento da
inteligência humana; o aprendizado musical e o raciocínio lógico-matemático; o aprendi-
zado musical e o aprendizado da linguagem e o aprendizado musical e a leitura. Nessas
relações e em outras das quais se tem ouvido falar, está implícito, como a própria autora
diz, um conceito de “transferência cognitiva de uma área para a outra (p. 59)”.Tal conceito
associa-se, por sua vez, à concepção de inteligência defendida pelo pesquisador ou estu-
dioso que trata do tema. Se o ponto de partida é a concepção de que há uma inteligência
única, as transferências entre as diversas áreas seriam quase que ‘automáticas’. No entanto,
se há concordância com a teoria das Inteligências Múltiplas, defendida por Gardner, então
seria necessário analisar caso a caso tais possibilidades de transferência. Ao considerar a
habilidade artística como,principalmente,“um âmbito de uso humano de símbolos (Gardner,
1990, p. 29)”, ele diz que ela apresenta similaridades e diferenças com relação a outros
sistemas simbólicos (tais como a linguagem, o desenho, as representações tridimensionais,
os gestos, a dança, entre outros). Para explicar as possibilidades de interação entre esses
diversos sistemas, Gardner e Wolf falam em ‘correntes’ e ‘ondas’ de simbolização (1983).
Conforme cito em outro texto (Campos, 1998),
As primeiras seriam caracterizadas por fatores peculiares de sistemas simbólicos específicos e as
outras por fatores que podem estar presentes em diversos sistemas simbólicos [....] se há ‘correntes’
específicas do desenvolvimento em determinados domínios, biologicamente determinados, tam-
bém há propriedades que se apresentam em forma de ‘ondas’ que se estendem através de diversos
domínios simbólicos. No entanto, essas ‘ondas de simbolização’ são descritas pelos autores, limita-
das a quatro tipos básicos. [...] Não se trata de uma ampla transferência de processos entre domínios
distintos (p. 16-7).

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Ou seja, se nem mesmo entre sistemas simbólicos tão próximos quanto a música e
a dança se pode falar em uma transferência automática, como defender tal transferência
entre as diversas formas de inteligência, ou entre áreas de conhecimento distintas?
No entanto, a partir de uma interpretação própria das idéias de Gardner, autores
como Frances W. Aronoff defendem que “Normalmente, as inteligências na realidade se
influenciam mutuamente e superpõem sua ação desde o começo da vida (Aronoff, 1993,
p. 30)”.Com base nessa afirmação ele propõe “estimular e desenvolver os distintos tipos de
inteligência da criança através da música (1993, p. 30)”. São propostas que me parecem
precipitadas, uma vez que o próprio Gardner diz que são os resultados empíricos que
deverão dizer “quais das várias habilidades simbólicas são especialmente prováveis (ou
especialmente resistentes) à transferência (Gardner e Wolf, 1983, p. 34)”.
De fato, do ponto de vista empírico, as conexões entre o desenvolvimento cognitivo
e a música têm sido um desafio para muitos pesquisadores. Neurologistas e
neurofisiologistas têm desenvolvido pesquisas sobre os mais diversos aspectos relaciona-
dos a possíveis associações entre ambas as áreas. Temas como as “janelas de oportunida-
de” ou o uso da música como instrumento diagnóstico são divulgados pela mídia a partir
dos resultados de pesquisas que utilizam os mais modernos instrumentos de investigação.
No entanto, talvez tenhamos, atualmente, mais perguntas do que respostas definitivas
sobre tais conexões.
Voltando à minha postura de educadora musical, penso que minha motivação básica
não depende das respostas a essas perguntas. Por uma parte, parece-me fundamental que
estejamos atentos às questões relacionadas aos dois aspectos citados no início: o “e” e o
“através”.Não só atentos para conhecer o que é produzido por outras pessoas, mas fazen-
do de nossa própria experiência docente uma fonte de pesquisas que ajudem a elucidar
as questões implícitas na discussão sobre o desenvolvimento cognitivo e a música. Por
outra parte, o educador musical deve equilibrar todos esses fatores de forma que a educa-
ção musical seja algo onde a música em si mesma exerça o papel de protagonista. Todos
os benefícios que ela traz de forma implícita são importantes o suficiente para justificar
nossa prática pedagógica. Beatriz Illari, em artigo já citado, conclui dizendo que “A música
tem valor próprio e há muitas razões que justificam sua inserção na escola (2005, p. 60)”.Os
estudos sobre as conexões entre a música e a cognição podem ser valiosos nessa ‘inser-
ção’ na medida em que ofereçam fundamentação para a prática pedagógica ou que
apresentem resultados empíricos que propiciem um melhor aproveitamento do tempo,
dos recursos e do potencial humano que temos em nossas mãos na educação básica ou
nos espaços específicos de educação musical.

Referências
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ARONOFF, F.W. (1993). Cómo conocer al niño pequeño a través da la música: la teoría de
Howard Gardner de las inteligências múltiples como modelo. In: V. H. de Gainza (org.) La
educación musical frente al futuro (pp. 27-34). Buenos Aires: Guadalupe.
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UFRGS.

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CAMPOS, D. Á. (1998) La percepción musical en escolares: relaciones com la psicologia cognitivo-
evolutiva y la pedagogia musical. Tese de Doutorado, Madrid: Universidad Autônoma de
Madrid.
GARDNER, H. (1990). Art Education and Human Development. Los angeles: The Getty Center for
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humano. Barcelona: Paidós, 1994).
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HARGREAVES, D.J. (1986). The Developmental Psychology of Music. Cambridge: Cambridge
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_________________ (1996). The Development of Artistic and Musical Competence. In: I.
DELIÈGE & J. SLOBODA (Orgs.) Musical Beginings. (pp. 145-170). New York: Oxford University
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Pensar, cantar, tocar e ouvir: Reflexões sobre a
musicalidade em crianças pequenas

Esther Beyer
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
ebeyer@sogipa.esp.br

Ao abordar o tema do desenvolvimento musical em um ser humano, percebe-se


claramente que há diferentes concepções envolvidas sobre o que é ele musicalmente
falando, e também sobre o que este pode ser. Especificamente quando se fala de bebês,
parece haver relatos ainda mais difusos. Consequentemente, ao se decidir sobre as propos-
tas musicais a serem realizadas com estes pequenos, vemos muitas vezes atividades muito
voltadas para ações com resultados concretos e visíveis, como indicadores da musicalidade.
Este artigo se ocupa de levantar algumas reflexões sobre os fatores considerados
importantes ao determinar a musicalidade em crianças na Educação Infantil. O texto con-
sidera comentários do senso comum e ao mesmo tempo percorre pesquisas que vem
sendo realizadas na área, tais como McPherson (2006), Gembris (1998), Young & Glover
(1998), Maffioletti (2001), passando também por um panorama histórico sobre a
musicalidade.
Para tanto, foram examinados alguns vídeos de crianças realizando atividades musi-
cais, no intuito de levantar questionamentos sobre o que em geral se considera como
musical em uma criança pequena. Além disso, foi realizada uma pequena pesquisa com
educadores musicais e com pais de crianças sobre os fatores envolvidos na musicalidade
de crianças. Por fim, levanta-se algumas dimensões da musicalidade a serem consideradas
por um educador musical ou pais nas propostas de atividades com crianças.

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Mesa redonda: Aspectos da Psicolingüística e da
Semiótica

O processo de aquisição da língua materna

Elizabeth Reis Teixeira


ereist@ufba.br
Universidade Federal da Bahia

Examina-se a questão de como um indivíduo se constitui em FALANTE, apossando-


se do sistema lingüístico de uma dada LÍNGUA, e, desta forma, acionando seu potencial ou
sua capacidade lingüística. A aquisição começa com a produção dos primeiros sons pela
criança, após o que se instalam os sistema fonológico e lexical. De posse de um sistema
gramatical minimamente organizado, a criança chega à dimensão macro-lingüística do
texto, através do desenvolvimento do nível discursivo.

Psicolingüística e Musicalização

Marineide Marinho Maciel Costa


marineide.costa@gmail.com
Núcleo de Educação Musical da Escola de Música da UFBA

Resumo
A Psicolingüística como uma disciplina autônoma, procura estudar os fatores que
afetam as estruturas psicológicas que nos capacitam a entender as expressões,
palavras, orações, e textos da comunicação humana, considerada uma contínua
Percepção – Compreensão - Produção. Dependendo dos estímulos externos rela-
tivos à audição e à visão, as etapas sensoriais são diferentes e a Música, conside-

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rada uma das mais importantes expressões humanas, presente em todos os mo-
mentos da vida do ser humano, exerce um papel preponderante no processo de
aquisição da língua materna.
O texto discorre as diferentes etapas do processo de aquisição da língua materna
e a sua relação com o processo de musicalização das crianças de 0 a 6 anos.
PALAVRAS- CHAVE: Psicolingüística, Musicalização, Aquisição da língua materna.

O conhecimento de como se processa a aquisição da língua materna sempre foi


uma curiosidade pessoal, por conta do meu trabalho como educadora musical nas classes
de educação infantil desde a década de setenta em Salvador. Era curioso observar como as
crianças pequenas acompanhavam as músicas que escutavam, muitas vezes somente
com movimentos corporais e outras vezes tentando balbuciar as palavras contidas nas
poesias das canções. Até que em 1982, a direção do então Jardim de Infância 1,2,3,
proporcionou aos seus professores, um curso, denominado Aquisição da Língua Materna,
com a Professora Elisabeth Reis Teixeira que acabara de fazer o seu doutourado na Ingla-
terra.
Para mim foi fascinante, pois até então trabalhava com as crianças de forma empírica,
sempre observando, refletindo as dificuldades encontradas, muitas vezes lidando com
patologias da fala, sem nenhum respaldo científico sobre o assunto.
Conhecendo a história do surgimento da Psicolingüística no Brasil na década de 80,
descobri então, que a Bahia, como sempre privilegiada, foi um dos primeiros Estados a
receber a nova área de estudos da psicologia e lingüística, visto que a Psicolingüística é
considerada uma disciplina autônoma que se destaca no mundo nos anos 50, promovida
pela insistência do lingüísta Noam Chomsky, que defendia a necessidade da Lingüística
ser encarada como parte da Psicologia Cognitiva, chegando ao Brasil e na Bahia na década
de 80.
A musicalização das crianças, nessa época, era feita através de métodos ativos emer-
gentes, como Dalcroze, Willems, Orff, que valorizavam o movimento do corpo, o ritmo das
palavras e o movimento sonoro contido nas canções, o que me fez refletir e experimentar
o valor da música no processo da aquisição da linguagem.
Que relação podemos estabelecer entre linguagem verbal e a música? Observei
que haviam semelhanças tão naturais como articulação sonora, ou seja, o movimento do
som quer ascendente ou descendente, o ritmo predominante nas palavras, frases e
períodos, termos também usados na música.
Conhecendo através de pesquisa bibliográfica as fases do processo de aquisição da
língua materna, procurei experimentá-las com crianças da faixa etária condizente com
cada etapa, fazendo com que a música estivesse presente no dia a dia dessas crianças.
A criança nasce imersa num mundo de sons, com 100% de audição, segundo estu-
dos realizados, e com capacidade de emitir sons diferenciados através do aparelho fonador
que aos poucos vai amadurecendo, adquirindo o essencial do que ouve ao seu redor,
começando a criar uma gramática simplificada, formulando suas próprias orações, pondo
em jogo um complicado mecanismo de coordenação neuromuscular dos órgãos oro-
faríngeo-laríngeos, unidos a uma integração e maturação do sistema nervoso central.

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A primeira fase desse processo é o chamado período da Pré-fala, que consiste no
choro, repetições silábicas, ou jogo vocálico. O choro, o primeiro som emitido pelo bebê,
pode ter vários significados, sendo entendido apenas pela mãe ou pessoas que vivem no
contexto do bebê, podendo caracterizar uma situação de fome, de dor, de solidão, com
entonações diferentes. O jogo vocálico vem em seguida, com pequenas variações na
intensidade da voz, também chamado gorgeio, após o que vêem as repetições silábicas,
fase em que a criança emite vogais e consoantes pouco definidas quando comparadas
com o sistema fonológico do adulto. Nesta fase há um circuito auditivo de
“retroalimentação” em que a criança se distrai com as suas próprias emissões, como por
ex:“goi,goi,goi”,“pa,pa,pa”,“mã,mã,mã”. Vale salientar que estas repetições são feitas em
diversas alturas de som, variando também o ritmo, quando destacamos a presença do
elemento melódico, pois a criança se interessa pelo aspecto melódico das palavras, cap-
tando seu conteúdo expressivo, apesar de ainda não compreender o seu significado. É a
também chamada fase do jargão. Esta é fase em que os pais ou responsáveis pela criança
podem interagir, repetindo e criando novos sons que chamam a sua atenção, estimulando
as repetições. É o “mamanhês” tão falado. Os pais também podem observar se o aparelho
auditivo está em perfeito funcionamento, pois caso contrário não haverá a “retro-
alimentação” e consequentemente as brincadeiras vocálicas e repetições silábicas não
prosseguirão, caracterizando uma DA - Deficiência Auditiva.
A segunda fase é a chamada HOLOFRÁSICA: é a fase das primeiras palavras, ou
seja: a criança usa apenas uma palavra em lugar de uma frase e para entende-la é preciso
que o acompanhante esteja no contexto, como por ex: [‘TUKU] = Suco, que pode ser:
você quer suco? Ou, Quero suco, ou ainda, Olhe o suco! Onde está o suco? Nestes exem-
plos o diferencial é o traço melódico ou seja: a entonação da voz da criança.
A terceira fase é a TELEGRÁFICA – A criança usa duas palavras justapostas que já
expressam mais abertamente a organização frasal emergente. Ex: [‘ka’ pa/ð/ðiu] = (carro
painho) que pode significar: - o carro é de painho, carro igual ao de painho, quero ver o
carro de painho, quero passear no carro de painho e, mais uma vez, para entender o
enunciado o que difere é ainda a entonação melódica e o contexto. Aos poucos a criança
vai elaborando a sua gramática , quando se observa que nas primeiras emissões da frase
telegráfica, há combinação da estrutura substantivo-substantivo, sendo que o alcance
semântico destas frases vai muito além do que objetivamente lhe daria o adulto.
A quarta fase é das Orações complexas – Nesta fase, a criança começa a usar
complementos para o verbo, alguma orações relativas e palavras mais longas, como por
ex: [kelu’ maji ga’gau] = quero mais mingau. A partir daí as orações tornam-se mais
complexas, a criança começa a adquirir as regras que fazem com que uma oração se
desmembre em outras, como:“Fui no parque com painho! Andei na roda gigante, fui no
trem fantasma! Andei de helicóptero! De minhocão!Tonton também foi.“(Marione 3 anos
e 6 meses)
Há ainda uma quinta fase, a da Intuição Lingüística – quando a criança já conse-
gue refletir sobre a gramaticalidade da sua fala e chega a intuições lingüísticas como:“eu
queria que você isse comigo” (Tonton 4 anos e 6 meses). A intuição leva essa criança a usar
o verbo irregular como regular. É uma tentativa de compreensão da regra gramatical.

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“A criança vive imersa num banho de linguagem”,diz Lapierre, 1977; mas, aos poucos
vai descobrindo o significado e o seu uso, pois a linguagem surge como um processo de
tentativa de imitação da língua materna através de modelos verbais que pouco a pouco
vão se interiorizando. Segundo Noam Chomsky, maior expoente da escola inatista, os
humanos têm inata uma Gramática Universal abrangendo todas as línguas humanas. No
entanto, os funcionalistas, se opondo a esta tese, afirmam que a linguagem somente é
aprendida através do contato social, embora tenha a capacidade inata, já provada cientifi-
camente, de aprender línguas desde que esteja exposto a elas durante um período de
tempo necessário. Afirma também que uma criança aprende com mais facilidade qual-
quer língua enquanto que um adulto levará muito mais tempo para aprender uma segun-
da língua.
As atividades musicais nesse período parecem ser de grande importância, se obser-
varmos que há um ponto em comum entre música e o processo de aquisição da lingua-
gem; o SOM e suas qualidades altura, intensidade timbre e duração. Nas atividades musicais
com crianças de 0 a 6 anos, são usadas: brincadeiras rítmicas, sons de instrumentos musi-
cais variados, voz falada e cantada, movimentos corporais, todos elementos que contribu-
em para um bom desenvolvimento da aquisição da língua materna.
Partindo dessa constatação, após quase dez anos vivenciando a música na educação
infantil, período em que centenas de crianças de várias escolas das redes pública e privada
da cidade de Salvador tiveram a oportunidades de ouvir criar e executar, ou melhor fazer
música em grupo, quer cantando ou tocando, resolvi em 1989, fazer uma pesquisa que
poderia servir de base para a confirmação do papel da música na aquisição da linguagem
quer falada ou escrita. O objetivo principal da pesquisa seria comprovar a diferença entre
crianças musicalizadas e não musicalizadas em realação às habilidades e competências
necessárias para uma boa consciência fonológica e aprendizagem da leitura e da escrita.
Para isso foi elaborado um teste de sondagem com apenas quatro questões sobre
segmentação silábica e acentuação tônica, que foi aplicado em 40 (quarenta) crianças de
várias Escolas em Salvador.

As crianças foram selecionadas em quatro grupos aos quais denominei:


• Grupo 1 - 10 (dez) crianças de Escola Pública não musicalizadas
• Grupo 2 - 10 (dez) crianças de Escola Pública musicalizadas
• Grupo 3 - 10 (dez) crianças de Escola Particular não musicalizadas
• Grupo 4 - 10 (dez) crianças de Escola Particular musicalizadas

A primeira questão constava de dez palavras as quais as crianças deveriam separar as


sílabas.
A segunda questão tratava da acentuação tônica, ou seja: as crianças deveriam reco-
nhecer a sílaba forte das palavras.
A terceira questão consistia em encontrar palavras que combinassem com uma
célula rítmica escrita, o que exigia um pouco mais de conhecimento musical.
A quarta questão foi mais polêmica. Foram escritas 25 palavras para que as crianças
organizassem em grupos considerando o rítmo (acentuação tônica)

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O resultado pode ser visto através dos gráficos a seguir:

Nota-se claramente a diferença entre os grupos de crianças musicalizadas e não


musicalizadas como resultado dessa investigação.

Considerações finais
Considerando que a língua portuguesa falada no Brasil é uma língua de ritmo acentual
e por isso rica em ritmo, som, entonação, elementos também encontrados na música,
pode-se afirmar, face ao que foi visto, que é na primeira infância, ou seja de 0 (zero) a 6
(seis) anos, o período em que a criança deve começar a participar de atividades musicais
tanto nas classes de educação infantil, creches, quanto nas escolas de Música.É preciso, no
entanto, que os professores estejam bem informados das necessidades das crianças nessa
faixa etária e bem preparados musicalmente.

Referências
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Cagliari, Luis Carlos. (1990) Elementos para um estudo do ritmo da fala. Livre docência.
________________________ Alfabetização e Lingüística. Editora Scipione
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Monografia.Trabalho apresentado no final do curso Alfabetização e Aquisição da Língua
Materna.Universidade Federal da Bahia,Salvador Brasil
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Aquisição da Linguagem. Monografia. Trabalho apresentado no final do curso em
Psicolingüística. Universidade Federal da Bahia, Salvador, Brasil
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Greene, Judith(1980) Psicolingüística: Chomsky e a Psicologia. Rio de Janeiro: Zahar Editores.
Lapierre, André. (1977) Simbologia Del Movimiento. Barcelona: Editorial Científico Médica
Lamprech, Regina Ritter (org).(2004). Aquisição fonológica do Português. Porto Alegre:
Artmed

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Aspectos da Abstração na Cognição Musical e
Imagética

Rodolfo Coelho de Souza


rcoelho@usp.br
ECA-USP-Ribeirão Preto

Resumo
Nos estudos cognitivos, um dos paradigmas mais elementares é a dicotomia entre o
concreto e o abstrato.Todavia não se comenta com freqüência que essa oposição registra
na História da Arte direções de evolução diferentes para as manifestações que utilizam
sons e as que utilizam imagens. A produção de imagens, dos primórdios da cultura huma-
na até o século XIX, buscava sua materialização em suportes físicos que garantissem
perenidade ao objeto: esculturas eram feitas em mármore e bronze, pinturas utilizavam
tintas de cores supostamente estáveis. Suportes que envelheciam com mais rapidez,
como o papel, eram utilizados preferencialmente para esboços e portanto menos valori-
zados. Mesmo as artes performáticas, como o teatro, buscavam seu suporte essencial no
texto literário, que era possível preservar, e pouca atenção era dedicada ao registro dos
aspectos voláteis da produção teatral, como a movimentação e gesticulação dos atores,
cenários e iluminação.
A música, por sua vez, sofreu ao longo dos séculos uma lenta evolução na tentativa
de fugir de uma de suas características essenciais que é sua existência efêmera no tempo.
A escrita musical representou um esforço coletivo milenar para captar os aspectos abstra-
tos do som e convertê-los em representações concretas. Ainda assim o objeto final da
música era a execução ao vivo que exigia do receptor uma alta capacidade de assimilação
de aspectos abstrato da mensagem.
O século vinte assistiu a uma inversão dessas tendências. Cada vez mais as artes
plásticas foram prescindindo da materialidade. As esculturas ousaram utilizar suportes
frágeis, como o vidro na célebre obra de Duchamp, ou mesmo perecíveis, como nas
instalações das Bienais e mostras de arte contemporânea. Outras vezes as produções
visuais abandonaram completamente a materialidade de qualquer suporte na busca de
sua essência conceitual. Mesmo a manipulação de materiais concretos procurou muitas
vezes prescindir do sentido da representação para poder revestir-se de uma aura de
abstração conceitual. A difusão do cinema e da televisão banalizou o movimento contínuo
na linguagem visual, provocando uma valorização da efemeridade na percepção imagética,
a despeito da facilitação da reprodutibilidade.
Na música, por outro lado, gravações utilizaram suportes cada vez mais eficazes,

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enquanto o rádio, o som no cinema e na televisão, tornaram ubíqua a presença da música,
banalizando a recepção da música que muitas vezes pareceu então dispensar o esforço da
abstração.
Passamos a “ver” música, em vez de “ouvir” música, substituindo os paradigmas
cognitivos tradicionais da recepção de sons, pelos da recepção de imagens. O som dos
filmes tornou-se cada vez mais concreto e cada vez menos abstrato. Sonoplastias e efeitos
sonoros especiais passaram a ocupar o papel daquilo que entendíamos como música na
trilha dos filmes. Certamente podemos entender esse movimento como uma difusão do
paradigma da música eletroacústica nas mídias áudio-visuais, mas de uma maneira não-
conforme ao preceito fundamental da música concreta schaefferiana que era o esforço
em direção a abstração. Uma interpretação desse fenômeno a luz das categorias da
semiótica de Peirce poderá nos ajudar a entender melhor o processo.

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Mesa-redonda: Música e cognição social

Memória e melos: abordando


etnograficamente a ‘cognição musical’

Elizabeth Travassos
Instituto Villa-Lobos e Programa de Pós-graduação em Música
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO
etravas@alternex.com.br

Minha intervenção na mesa-redonda tem duas partes: a primeira destina-se a


rememorar brevemente algumas questões referentes ao interesse pela cognição nas
ciências sociais; a segunda retoma dados empíricos de minha pesquisa sobre o repentismo
ou cantoria-de-viola e revê o problema da memorização de melodias e seu papel na
transmissão oral de música.
A arte e a sociologia não se dão bem, observou Antoine Hennion. Cognitivismo e
ciências sociais também não têm um encontro pacífico, a despeito das interseções entre
os dois. Comprometidas com a dinâmica da mente humana, as ciências da cognição
compartilham limitadamente as premissas que caracterizam o estudo da cultura. Foi a
ruptura com o cogito associal cartesiano que deu lugar ao nascimento das ciências huma-
nas (na leitura que Claude Lévi-Strauss fez de Rousseau).Toda a sociologia de Durkheim,
mais tarde, consistiu em revelar os fundamentos sociais das categorias do entendimento
humano: a existência em sociedade é a condição de possibilidade das operações
intelectivas de classificação, relação causal etc. Essa inclinação fundadora das ciências
sociais não impediu, contudo, o surgimento da etnociência e de abordagens antropológi-
cas do fenômeno da cognição, sobretudo nos Estados Unidos.
A etnomusicologia, por sua vez – e por seu vínculo estreito com as teorias antropo-
lógicas – tanto se alinha com as vertentes mais alheias ao cognitivismo quanto produz
resultados interessantes com base nas metodologias da etnociência. Ao absorver e rever
criticamente temas e objetos empíricos do folclore musical, essa disciplina herda toda a
discussão acerca da transmissão oral de música. Como já sabiam os folcloristas, sem me-
mória não há transmissão oral, pois as transferências da boca ao ouvido e novamente à
boca que canta dependem de uma série de operações caras às ciências da mente: percep-
ção auditiva, categorização, retenção, recuperação, produção de novo enunciado etc. O
mistério das memórias de longa duração, que motivou teorizações sobre a correlação
entre oralidade e mentalidade (como a do antropólogo Jack Goody), sempre assombrou
folcloristas e etnomusicólogos.
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Em meu convívio com cantadores repentistas, não pude deixar de colocar-me a
pergunta acerca da memorização das toadas – melodias que integram um “estoque”
disponível para uso no fluxo da improvisação. À luz dos conceitos de modelo e de fórmula,
bem como da discussão sobre o estilo oral-formular, apresento algumas conclusões sobre
a natureza social das operações mentais ligadas à memória de toadas.

Nomadismo musical entre os Maxakali

Rosângela Pereira de Tugny


Escola de Música da Universidade Federal de Minas Gerais
tugny@terra.com.br

palavras-chave: Música, Maxakali, Xamanismo

Os atuais grupos falantes da língua maxakali já foram algumas vezes denominados “o


povo do canto”. De fato, para aqueles que passam alguns dias em suas aldeias, entre eles
cantar parece ser mais que algo que valorizam, conscientes que seriam da importância de
sua capacidade de resistência cultural: cantar parece ser uma obsessão. Ainda pensando
nos termos desta resistência cultural, é surpreendente confrontar a riqueza e a qualidade
do repertório que eles atualizam em seu cotidiano, com suas condições atuais de vida.
Habitam um território extremamente reduzido4. As qualidades ambientais mínimas para
sua existência já há muito tempo não existem em sua terra e na região que os circunda:
não há matas, não há caça, não há peixes, não há água limpa, não há relação cordial com
seus vizinhos. Difícil compreender como este povo mantêm plenamente ativa a sua má-
quina de resistência ao Estado, afirmando assim suas diferenças radicais com respeito a
quaisquer lógicas preconizadas pelos órgãos governamentais e implantadas nos discursos
e atitudes dos que encontraram durante três séculos de contato. Assim prosseguem.
Atravessam tempo e espaço, voltando aparentemente suas costas para um mundo exter-
no, totalmente interessados que estão em apenas prosseguir cantando. Esta é uma im-
pressão que provavelmente pode marcar aqueles que deles se aproximam.
Na realidade, esta impressão carrega alguns equívocos. Os Maxakali não praticam
um fechamento deliberado ao mundo dos brancos, à sociedade nacional envolvente. Ao
contrário. Os limites entre mundos externos, internos, centrais, marginais, superiores e
inferiores, parecem ser de uma outra ordem, e é precisamente destes limites que suas
práticas musicais estão sempre a tratar. Elas consistem no vetor que os faz transitar nestes
diferentes espaços. É sobre esta operação musical que tentarei tratar a seguir.

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Atualmente os Maxakali denominam seus cantos segundo diferentes grupos de
espíritos-xamãs: tatakox, yãmîy/yãmîhxex, xûnîm, mõgmõgka, koatkuphi, amaxux (ou
mîmxux), po’op, kõmãykop e putuxop. Os nomes de alguns deles referem-se a potências
animais e a uma coletividade, nunca a um indivíduo: putuxop é um coletivo de papagaios,
amaxux é o coletivo da anta, tatakox refere-se ao coletivo da lagarta listrada, po’op ao do
macaco grande, xûnîm ao do morcego e mõgmôgka ao do gavião. Os demais (koatkuphi,
kõmãyxop e yãmîy/yãmiyhex) não possuem potências animais e se apresentam apenas
em formas humanas. Em todos os casos, estes espíritos-xamãs são seres múltiplos, pois se
dão a ver em diferentes estados, donos cada um de um extenso ciclo ritualístico onde
cantam, dançam, caçam, trocam alimentos e aparatos e se tornam visíveis para os homens
e mulheres. Tratam de temáticas diferenciadas e possuem junto aos Maxakali funções
também diferenciadas. Alguns são mais importantes nas cerimônias de cura, outros preci-
samente finalizam estas cerimônias levando embora as doenças, outros são auxiliares
favoritos na caça ou na guerra, etc. Cada um destes ciclos ritualísticos tem seu estilo
próprio de emissão de voz, de assovios, de estruturas dos cantos, de efetivo vocal, de
pinturas corporais, aparatos de dança e sonoros, etc. É desta forma que são reconhecidos
pelas mulheres e crianças, quando se aproximam das aldeias, e discernidos em situações
de alta densidade ritualística.
Saber cantos é um valor extremamente cultivado entre os maxakali. Os homens
mais velhos são precisos e exigentes com a correta execução dos cantos, e todos passam
muito tempo comentando a acuidade e conhecimento musical de cada pessoa. É pelos
cantos que o conhecimento praticado entre eles se produz e se transmite. É o que explica
que, apesar de já a várias gerações, não possuírem mais variedades de fauna e flora no
território em que transitam, conhecerem todos, com detalhes, um número extenso de
animais e plantas, atendo-se a detalhes como a cor de uma plumagem sob as axilas de um
pássaro, o perfume de uma planta, as diferenças entre sapos, cobras e abelhas e etc. É
pelos cantos que se processa todo o conhecimento que os maxakali e seus espíritos
aliados possuem sobre o mundo. (Tugny 2006)
Segundo os Maxakali, todo este extenso e sofisticado repertório musical foi trazido
até eles pelos espíritos acima nomeados. Seriam fruto de uma relação inicial, de uma
aliança selada entre um ancestral e um espírito, após um encontro inesperado – na flores-
ta, na beira de um rio, na roça. É assim que narram por exemplo, o início de uma longa
aliança e construção de intimidade com o espírito-morcego, o xinîm. Transcrevo aqui uma
narrativa traduzida por um professor maxakali, falante do português5:
Antigamente, no tempo dos antepassados, não tinha religião6 de morcego para contar. O
antepassado estava plantando banana. A bananeira cresceu e deu cacho. Ele colheu o cacho, que
já estava de vez, deixou na roça pra amadurecer.
Quando o antepassado voltou para buscar o cacho de banana madura, só encontrou as cascas, por-
que o xinîm tinha comido. O xinîm, que mora dentro do mato, tinha saído, comido as bananas, e
voltado para dentro do mato.
O antepassado então deixou outro cacho na roça, para voltar mais tarde e descobrir quem tinha
comido as bananas. De tardinha, ele voltou e viu o xinîm comendo. O xinîm saiu correndo e o
antepassado gritou:

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- Espera aí!
Ai, xinîm parou, e o antepassado perguntou:
- Voc½„comeu minhas bananas?
O xinîm falou:
- Sim, comi. A banana é nosso alimento, nós não comemos outra coisa.
O antepassado então falou:
- Você tem alguma música?
- Xinîm respondeu que sim: Ak, hak hak hak
O antepassado falou pra ele sair do mato e vir morar na aldeia, na casa de Religião.
Aí xinîm falou para o antepassado:
- Eu vou marcar hora para você esperar na aldeia, eu vou chegar lá de tardezinha.
Xinîm chamou os companheiros, cortou o pau para fazer M)mãnãm7. Cada um pintou um pedaço
do M)mãnãm, cantando sua música, com a ajuda dos outros (cada xunin tem a sua música).
Quando terminaram, foram levando o mimãnãm para a aldeia.
O antepassado cavou um buraco para fincar o m)mãnãm na aldeia. Os xinîm foram para o kuxex. Lá,
o antepassado que tinha virado yãyã8 porque aprendeu a música do xinîm, ensina os meninos no
kuxex junto com os xinîm.

Após esta narrativa, o tradutor complementou dizendo que os xinîm, muitas vezes
vêm às aldeias e pegam as crianças de dois anos para fazê-las crescer. Assisti a um destes
momentos. Estes estados de xûnîm são denominados ûyîn ka’ok (o que pode ser traduzido
como ‘corpo forte’). Estavam todos sentados em círculo diante de uma importante massa
de argila, e com ela fixaram suportes para todos os alimentos e bebidas que lhes foram
trazidos. Faziam um repasto de manteiga e pão. Passavam camadas espessas de argila
sobre o pão e comiam-no diante dos olhares de homens e mulheres. Logo alguns dos
homens se apressaram em me dizer:“é a manteiga deles, nós não comemos desta man-
teiga”.
De todos os espíritos que compõem os elos entre os Maxakali, o xinîm é tido como
aquele que possui o repertório mais extenso. Já me disseram, referindo-se ao livro de
cantos do xinîm que nos propusemos escrever, que não temos como escrever todos estes
cantos. O livro não acabaria nunca. Os cantos do xinîm narram suas visões de viagens
xamânicas por todos os espaços que percorre.
Quando as narrativas se reportam ao ‘antigamente’ que vimos no seu início, trata-se
de um antigamente não cronológico, de um tempo co-intensivo ao nosso, ao momento
em que foi possível a um humano comunicar-se, as acima de tudo, criar relações com o
morcego-espírito. É por isto que, embora a narrativa fale do encontro e aprendizado reali-
zados ‘antigamente’, os cantos do xinîm possam se referir aos aviões, às suas visitas à Belo
Horizonte, aos brancos e seus gestos, além das descrições de um mundo infinito de cenas
de intimidade entre o morcego-espírito e os seres que encontra. O xinîm é segundo eles
o principal espírito auxiliar nas curas e por isto precisa sempre ampliar seu repertório.
Os espíritos, e mais especificamente os morcego-espírito, são sempre motivo de
extensas referências dadas pelos Maxakali. Geralmente, quando os desenham, apresen-
tam-nos em sua forma animal e sua forma humana. Insistem em dizer que são muitos. São
infinitos.‘Possuem equipes’. Gafanhotos, borboletas e outras espécies podem compor a
intensa família do morcego-espírito. A efusão de imagens que tornam visíveis e

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diferenciáveis os estados daquilo que denominam o morcego-espírito faz-nos dizer que,
bem mais que uma categoria distintiva de espécies – animais ou espirituais – o que
chamamos com eles de ‘espíritos’ seja uma modalidade de transformação que o canto
proporciona. Cada ‘espírito’ – múltiplo como citamos acima: tatakox, yãmîy/yãmîhxex,
xûnîm, mõgmõgka, koatkuphi, amaxux (ou mîmxux), po’op, kõmãykop e putuxop - é uma
destas modalidades de transformações. Seria como dizer que cada grupo ritualístico en-
cerra um estilo de transformações que lhe é próprio e por tanto trata de temáticas e
formas relacionais específicas.
Disse acima que a atividade musical é a forma de conhecer o mundo entre os
Maxakali, a sua ciência. Mas em que consistiria esta modalidade? Quando o conhecimento
se produz entre eles, não se dá na forma da objetificação daquilo que é observado, con-
templado. As operações de distinção – distinção de um sapo de uma piaba, por exemplo
– não buscam criar categorias, reduzir o que se dá a ver a substantivos. O que parece
interessar a esta forma de conhecimento não é tanto colocar-se defronte ao que se dá a
ver, e sim experimentar pontos de vista, percorrer intervalos de espaço entre um e outro
corpo. Esta forma da ação e do pensamento xamânicos para a qual as etnografias amazô-
nicas vêm chamando cada vez mais a atenção, coloca-se na direção oposta àquela que se
pratica no pensamento ocidental moderno:
O xamanismo é um modo de agir que implica um modo de conhecer, ou antes, um certo ideal de
conhecimento. Tal ideal é, sob vários aspectos, o oposto polar da epistemologia objetivista favorecida
pela modernidade ocidental. Nesta última, a categoria do objeto fornece o telos: conhecer é
objetivar; é poder distinguir no objeto o que lhe é intrínseco do que pertence ao sujeito
cognoscente, e que, como tal, foi indevida e/ou inevitavelmente projetado no objeto. Conhecer,
assim, é dessubjetivar, explicitar a parte do sujeito presente no objeto, de modo a reduzi-la a um
mínimo ideal. Os sujeitos, tanto quanto os objetos, são vistos como resultantes de processos de
objetivação: o sujeito se constitui ou reconhece a si mesmo nos objetos que produz, e se conhece
objetivamente quando consegue se ver ‘de fora’, como um ‘isso’. Nosso jogo epistemológico se
chama objetivação; o que não foi objetivado permanece irreal e abstrato. A forma do Outro é a
coisa.
O xamanismo ameríndio parece guiado pelo ideal inverso. Conhecer é personificar, tomar o ponto
de vista daquilo que deve ser conhecido – daquilo, ou antes, daquele; pois o conhecimento xamânico
visa um ‘algo’ que é um ‘alguém’, um outro sujeito ou agente. A forma do Outro é a pessoa. (Viveiros
de Castro 2002 : 358)

Ora, se podemos pensar como Viveiros de Castro que a forma do Outro é a pessoa, o
mundo conhecido pelo xamã-espírito-morcêgo, é povoado de sujeitos. E a qualidade que
interessa nos sujeitos é a sua imperfeição, sua incompletude, ou melhor, sua contínua
mutabilidade. Conhecer é, neste caso, um processo infinito de transformação. Criar dife-
renças, ser sempre outra coisa, jamais se reduzir a uma identidade fixa: esta é a aptidão dos
espíritos e é esta a qualidade que os torna tão necessários na estética relacional dos
Maxakali e das sociedades indígenas em geral, como vêm apontando ainda Viveiros de
Castro (2004).
Disse logo acima que as diferenças pré-cosmológicas são infinitas e internas, em
contraste com as diferenças finitas externas entre as espécies. Estou me referindo aqui ao

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fato de que o que define os agentes e pacientes dos sucessos míticos é sua capacidade
intrínseca de ser outra coisa; neste sentido, cada ser mítico difere infinitamente de si
mesmo, visto que é“posto” inicialmente pelo discurso mítico apenas para ser“substituído”,
isto é, transformado. É esta auto-diferença que define um espírito, e que faz com que
todos os seres míticos sejam espíritos. A suposta indiferenciação entre os sujeitos míticos
é função de sua irredutibilidade radical a essências ou identidades fixas, sejam elas gené-
ricas, específicas ou individuais (pense-se nos corpos destotalizados e “desorganizados”
que vagueiam nos mitos).
Embora os cantos dos espíritos que freqüentam as aldeias maxakali não sejam a
enunciação visionária ‘em tempo real’ de uma viagem xamânica auxiliada pela ingestão de
pós alucinógenos, ervas ou tabaco, eles não deixam de tratar de um desvendamento de
um mundo que se faz pelo deslocamento do espírito-morcego, em vários espaços, dife-
rentes corpos e no intervalo de várias formas de relação. O ‘antepassado’ ao qual a narrativa
acima se refere, não é um homem que viveu no passado cronológico, mas aquele que
pode se comunicar com o morcego-espírito e com ele realizar uma troca como represen-
tante dos humanos diante do xinîm como o representante dos espíritos-morcego. É o que
as ontologias indígenas chamam de xamã, e que os Maxakali glossam como mõnãyxop ou
yãyã. Ambos possuem papéis similares com respeito às espécies que representam. Am-
bos se encontram em uma zona e momento de indiscernibilidade e são capazes desta
comunicação e, sobretudo, confrontação interespecíficas. É desta forma que em várias
ontologias amazônicas os conceitos de ‘xamã’ e ‘espíritos’ se cruzam e se complementam.9
Dadas as exegeses oferecidas pelos próprios Maxakali e a complexidade dos jogos
pronominais dos textos em questão, falar de um morcego-viajante-narrador, como forma
substantiva, distante daquilo que vê, não é possível. Os cantos do xinîm são eles mesmos
postos em operação para que ocupem as posições dos encontros, habitem pontos de vista
(Viveiros de Castro 2004). Tento agora levantar algumas informações sobre os cantos do
morcêgo-espírito para que seja possível deseonvolver esta noção.
Ao trazer o mîmãnãm até a aldeia, os xinîm o fazem em uma seqüência de cantos,
os quais denomino segundo a forma mais corrente empregada por eles: borboleta, girino,
capivara, minhoca, sol, îymõg, îynûn, zabelê, etc. Estes cantos são sempre necessários
neste momento10. Até o momento em que chegam na aldeia e recebem alimento das
mãos das mulheres, estes cantos ‘não contam histórias’, são o que denominam de ‘cantos
vazios’ (kutex kopox). Os textos são acrescentados aos cantos após esta primeira troca
entre mulheres e xunîm. Assim mesmo, ao escrever o livro, os Maxakali transcreveram as
letras destes primeiros cantos e fizeram suas explicações. Todos eles descrevem um des-
locamento e tratam da busca da água. Já me disseram que xinîm chama a chuva. O que
dizem os cantos traz sempre paralelismos com os acontecimentos do ritual e pode assu-
mir novos sentidos durante uma sessão de cura, mas, sobretudo, este deslocamento refe-
re-se também ao início de uma viagem que é toda ela transformacional. Em primeiro lugar
o xinîm anuncia que irá onde tem água para virar borboleta e voar; em seguida, assume o
corpo do girino que aprecia a folha seca que mantém sua água fresca, e assim prossegue
este deslocamento, pelo ar, pela água, dentro da terra, sobre a terra e sobre as
nuvens....Quando chegam na aldeia, esperados por homens, mulheres e crianças, os dois

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cantos referem-se a este cruzamento: îymõg (eu vou), îynûn (venha)11. No primeiro os
xunîm dizem que estão indo para sua casa – o que pode tanto ser a ‘casa dos espíritos’ que
fica na extremidade de um semicírculo da aldeia, quanto sua casa na aldeia dos yãmîyxop
(espíritos) – enquanto no segundo, os xunîm chamam outros espíritos (yãmîy) para desce-
rem e virem. Este cruzamento celeste é intensificado no canto do zabelê (crypturellus
noctivagus zabele, Tinamidae), o qual percorre vários caminhos desta cartografia sonora:
para no alto do morro e canta, para no vale e canta, para no boqueirão e canta, desce para
onde tem água limpa e canta, etc.Todos estes cantos são produzidos por vozes masculinas.
Geralmente os espíritos-cantores são auxiliados por seus donos, já que os Maxakali são
cada um o depositário de um grupo de espíritos e seus conjuntos de cantos.
Quando os espíritos-morcego se deslocam da zona do encontro inicial – na floresta,
na roça – à aldeia, instituem à coletividade a abertura a esta modalidade do conhecimento
xamânico. Entre os Maxakali o canto é coletivo, assim como o xamanismo o é. Não se
escuta sessões isoladas, nas quais um homem mais conhecedor dotado das faculdades de
cura ou de condução do ritual entoe solitariamente seus cantos. Todos os homens e
mulheres cantam. Todos compartilham da viagem do espírito-morcego e podem vir ao
encontro de algum doente para diagnosticar a causa, ou melhor, o sujeito de sua doença,
e cantar para realizar a cura. A sessões de exegeses dos sonhos do doente são públicas,
coletivas, e as visões e comunicações realizadas com os espíritos auxiliares se fazem
igualmente aos olhos e ouvidos de todos, com a colaboração discreta de todos. Os mais
velhos e reputados como maiores conhecedores, naturalmente conduzem as sessões,
possuem maior habilidade para fazê-lo e dar início aos cantos. Assim, se houve um primei-
ro encontro solitário entre o espírito e o xamã, antes que aquela aliança fosse selada, é a
coletividade como um todo que adquire e se torna responsável pela manutenção da
modalidade de transformação que os cantos produzem.
Estes cantos iniciais possuem seqüências estruturais muito semelhantes, com
marcadores (ou vinhetas) iniciais e finais similares e algumas outras marcas que se repro-
duzem em todo o grupo. No entanto, o que mais parece interessar aos cantores, são as
diferenciações que se fazem em passagens cuja vocação musical consiste na possibilida-
de de gerar variações internas e sutis. As demais sessões de cada canto podem ser pensa-
das como várias fendas, como possibilidades de aberturas, para a expansão da forma, ou
introdução de novos materiais, e isto na medida em que o ritual se intensifica e as temáticas
se tornem mais complexas e os textos mais extensos. Um recurso muito eficaz deste jogo
variacional é a alternância de registros vocais entre o cantado e o falado, o que permite
uma farta gama de deslocamentos de acentos. Outra noção que parece ser muito impor-
tante na musicalidade maxakali é a forma de tecer a textura temporal. Alguns segundos
antes de cantar, ainda que não dancem, os espíritos e demais cantores perfazem movi-
mentos de flexão com os joelhos que – mesmo sem maiores análises – demonstram uma
necessidade deliberada em desfazer qualquer sincronicidade: entre os gestos dos canto-
res, entre acentos das vozes e o uso do chocalho. Quando os questionei a respeito do uso
do chocalho em outras ocasiões em que observei o mesmo deslocamento, me disseram
que, quando são vários a acionar o chocalho, não podem deixar que os movimentos se
igualem. Caso isto aconteça, algum deles interrompe o movimento até recomeçar a fazê-

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lo soar nos intervalos entre os demais movimentos. Estaria por trás desta forma de promo-
ver deliberadamente a eliminação de qualquer medida e repartição do tempo, a base
estética da música maxakali? Assim como a forma pela qual os materiais musicais se
justapõem, sem que devam ser parte de algum entrelaçamento funcional (os materiais
não são funções, são traços) , podendo apontar para vários fluxos temporais (não é a
velocidade que age sobre o material sonoro, e sim o material que cria as acelerações e
espaçamentos), esta musicalidade está sempre a tornar sua textura mais complexa, mais
aberta. As percepções temporais devem ser função das relações existentes entre os ele-
mentos sonoros e não submetê-los. Os chocalhos, bem como as flexões dos joelhos dos
cantores servem para abrir este espaço e não para determiná-lo, estriá-lo, ainda que em
porções desiguais. A cada movimento, uma nova diferenciação se produz. Ainda que
esperando maiores análises e verificações junto aos seus especialistas, seria possível pen-
sar sobre esta estética a partir de um conceito que Pierre Boulez denominou de ‘tempo
liso’ ou ‘amorfo’, em contraposição ao ‘tempo estriado’, ao refletir sobre qualidades tempo-
rais possíveis à experiência musical:
Apenas o tempo pulsado é susceptível de ser acionado pela velocidade, aceleração ou
desaceleração : o quadro regular ou irregular sobre o qual ele se fundamenta é função de um
tempo cronométrico, largo, variável ; a relação entre o tempo cronométrico e o tempo de pulsa-
ção será o índice da velocidade. O tempo amorfo será apenas mais ou menos denso, segundo o
número estatístico de acontecimentos que ocorrerão durante um tempo global cronométrico; a
relação desta densidade com o tempo amorfo será o índice de ocupação 12

e mais além :
No tempo liso, ocupa-se o tempo sem que ele seja contado. No tempo estriado, conta-se o tempo
para ocupá-lo. (Boulez 1963 ) 13

Esta musicalidade que parece ser ela mesma a instância de produção da ínfima
variação e de uma experiência temporal que se converte na abertura ao espaço14, consiste
em uma estética, ao mesmo tempo que em uma ecologia15 e uma forma relacional. É
onde reside a diferença radical dos grupos maxakali com respeito à estética ocidental das
sociedades modernas. Deleuze & Guattari transportaram apropriadamente estes concei-
tos boulezianos de tempos liso e estriado, em conceitos de espaço-tempo, ao falar das
percepções de território e espaço ocupadas pelos ‘nômades’:
Enquanto no espaço estriado as formas organizam uma matéria, no liso materiais assinalam forças
ou lhes servem de sintomas. É um espaço intensivo, mais do que extensivo, de distâncias e não de
medidas. Spatium intenso em vez de Extensio. Corpo sem órgãos, em vez de organismo e de orga-
nização. Nele a percepção é feita de sintomas e avaliações mais do que de medidas e propriedades.
Por isso, o que ocupa o espaço liso são as intensidades, os ventos e ruídos, as forças e as qualidades
tácteis e sonoras, como no deserto, na estepe ou no gelo. Estalido do gelo e canto das areias. O que
cobre o espaço estriado, ao contrário, é o céu como medida, e as qualidades visuais mensuráveis
que derivam dele. (Deleuze & Guattari 1980) 16

Recentemente os Maxakali escolheram alguns cantos como ponto de partida para


refazerem as viagens do espírito-morcego, buscando os territórios onde terá visto as

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cachoeiras, os boqueirões, os pássaros e demais animais e as matas. Na realidade, prepara-
ram uma viagem para as terras onde viveram seus ancestrais mortos já sabedores de que
o território intenso que os cantos fazem presente não mais existe. Não há mais florestas
nestas regiões. Estes percursos pelas terras vizinhas e distantes demonstraram, reforçan-
do apenas o que seus cantos e mitos dizem insistentemente, como o território para os
Maxakali não é um espaço marcado, fechado, recortado. Ainda que convivam com um
longo e violento histórico de expulsões e de lutas entre as fronteiras, ainda que conheçam
os processos de demarcação e as cercas que os separam dos fazendeiros, a vivência que
têm eles do espaço onde transitam é o resultado de relações. O espaço é aquilo que as
relações constituíram. Os locais que procuramos encontrar a partir dos cantos são resultan-
tes de um percurso afetivo, relacional.Talvez por isto pareça que os Maxakali não reivindi-
quem explicitamente a ampliação de suas terras, o restabelecimento das condições
sanitárias mínimas por meio de projetos de recuperação das matas, das cabeceiras dos rios
e dos animais. O que sempre ressaltam diante das autoridades são seus problemas
relacionais com outros grupos maxakali, com vizinhos, entre famílias, ou com os fazendei-
ros mais próximos que soltam gado em suas terras. O território para os Maxakali é um
espaço liso, desenhado e preenchido pelos encontros que fazem e fizeram com todas as
espécies com as quais mantêm a possibilidade de se comunicarem. Ele é o rastro de
sensações experimentadas por seus xamãs e transmitidas como o verdadeiro conheci-
mento: são a temperatura de uma folha seca que caiu sobre a perereca, o perfume de
urucum deixado por quem ali passou, o brilho do sol sobre uma outra folha, o som de um
peixe assustado, o choro de um gavião saudoso, etc. Ele não é uma medida, uma quantida-
de de hectares, algo desenhado pelas cercas fronteiriças. É por isto que as andanças dos
Maxakali pelos territórios são muito conhecidas pelos regionais. Eles são capazes de ir
caminhando por semanas, apenas pelo prazer de freqüentar estas terras ancestrais e
reencontrar estes momentos de intimidade vividos e relatados pelos Yãmîyxop, tendo a
atividade musical como uma cartografia, mas não uma cartografia que segmenta o espa-
ço, e sim que o faz se desdobrar.

Notas
1
Cinco mil hectares para 1270 indivíduos, com uma recente ampliação de mais 500 hectares, após uma
cisão entre grupos. Todos se encontram no estado de Minas Gerais e repartem-se atualmente nas Terras
Indígenas de Água Boa e Pradinho, próximos aos municípios de Santa Helena de Minas e Bertópolis respec-
tivamente, na Terra Indígena Aldeia Verde próxima ao município de Ladainha e no assentamento próximo
à cidade de Campanário.
2
Esta tradução, bem como todo o material aqui discutido é fruto de uma pesquisa iniciada em 2003 com
apoio do CNPq e da FAPEMIG. Trata-se de um projeto de elaboração de livros bilingües, escritos e ilustrados
pelos colaboradores maxakali. A dinâmica do projeto depende dos acordos selados entre os diferentes
grupos maxakali, desde a escolha dos cantos a serem transcritos, edição de cds até a escolha dos
interlocutores. O processo se faz durante as viagens alternadas da pesquisadora às aldeias e dos Maxakali
à Belo Horizonte. Durante o primeiro semestre de 2006 os colaboradores do projeto foram convidados
pelas Escola de Música e Artes Cênicas da UFMG a ministrar uma disciplina e realizar várias atividades no
quadro do projeto ‘Artistas Visitantes’. O material coletado – em filmes, gravações, fotos e desenhos foi
utilizado pelos convidados durante estas disciplinas e encontra-se sob a custódia do Laboratório de
Etnomusicologia da UFMG.

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6
O termo “religião” entre os Maxakali é utilizado para traduzir yãmîyxop. Refere-se tanto ao espírito dono
de um ciclo ritualístico, quanto ao próprio ritual e aos cantos deste ritual. O kuxex, a casa onde se reúnem
os homens e espíritos para cantarem e onde as mulheres não penetram, é por eles traduzido como “casa de
religião”.
7
Mîmãnãm é por eles traduzido como “pau de religião”. Ele é trazido por três grupos de espíritos: xunîm,
mõgmõgka e yãmîy, quando estes vêm passar um tempo mais prolongado nas aldeias.
8
Este termo pode se referir ao homem ou à mulher mais velhos, mas subentende sempre o conhecimento
dos cantos e conseqüentemente o xamanismo.
9
“A reverberação entre as posições de xamã e de espírito se verifica em diversas culturas amazônicas. No
Alto Xingu, por exemplo, os grandes xamãs são chamados “espíritos” pelos leigos, enquanto eles próprios se
referem aos seus espíritos associados como “meus xamãs” (Viveiros de Castro 2002: 80-1). Para os Ese Eja da
Amazônia boliviana, “todos os eshawa [espíritos] são eyamikekwa [xamãs], ou melhor, os eyamikekwa têm
os poderes dos eshawa’ [Alexiades 1999: 226]. Entre os Ikpeng do médio Xingu (Rodgers 2002), o termo
pianom designa os xamãs, seus vários espiritos auxiliares, e os pequenos dardos potencialmente auto-
intoxicantes que estes espíritos introduzem no abdômen dos xamãs e que são o instrumento do xamanismo.
Esta observação de Rodgers é importante, por indicar que, se o conceito de espírito designa essencialmen-
te uma população de afetos moleculares (ver adiante), uma multiplicidade intensiva, então o mesmo se
aplica ao conceito de xamã: “o xamã é um ser múltiplo, uma micropopulação de agências xamânicas abrigada
em um corpo” (op.cit. n.18). Longe de serem super-indivíduos, portanto, os xamãs — pelo menos os xamãs
“horizontais” [Hugh-Jones 1996a] mais comuns na região — são seres super-divididos: federação de agen-
tes sobrenaturais como nos Ikpeng, morto antecipado e vítima canibal potencial como nos Araweté (Vivei-
ros de Castro 1992), corpo repetidamente perfurado como nos Ese Eja (Alexiades 1999: 221). Além disso, se
o xamã é, efetivamente, “diferente”, como dizem os Ikpeng (Rodgers op.cit), resta que esta diferença entre
os ele e os leigos é uma questão de grau, não de natureza.” (...)
“Assim, a interferência sincrônica entre humanos e animais (mais geralmente, não-humanos) que se expri-
me nos conceitos de xamã e de espírito possui uma dimensão diacrônica fundamental, remetendo a um
passado absoluto — passado que nunca foi presente e que portanto nunca passou, como o presente não
cessa de passar — em que as diferenças entre as espécies “ainda” não haviam sido atualizadas.” (Viveiros de
Castro 2004)
10
É possível que sejam cantados cantos do xûnîm em outras circunstâncias, sem que eles tragam o mîmãnãm.
Neste caso, podem iniciar o ritual a partir de outra seqüência de cantos. Quando trazem o mîmãnãm, isto
caracteriza o fato de que permanecerão por um longo tempo na aldeia, durante o qual estarão sempre
cantando, todas as noites, na casa dos cantos.
11
A tradução dos cantos está ainda em fase de revisão e não podemos trazer uma versão definitiva. O que
mais oferece dificuldade, aos olhos dos estudiosos desta língua, é precisamente o uso dos pronomes. Note-
se aqui que o mesmo pronome îy foi glossado pelos tradutores maxakali – e depois de várias conferências
de minha parte – com direções distintas 1a pessoa (eu vou - mõg) e 2a pessoa (venha – nûn). Acrescente-se
que estas não são as formas pronominais da língua corrente, pois que os cantos utilizam léxicos diferenci-
ados.
12
[Nossa tradução].
13
Idem.
14
Os trabalhos de Piedade (1999 e 2004), que muito colaboram para estas reflexões, já vêm tratando de
ambas temáticas: a produção de diferenças mínimas pela atividade musical e a possibilidade que ela abre
para atravessar mundos, aceder ao que não é visível. Ressalto aqui que o morcego, dono do ritual que
estamos a comentar, se locomove por meio das ondas ultra-sonoras que produz. O som é sua visão e sua
forma de deslocamento e espacialização.
15
Lima e Rodgers (2006) desenvolvem este tema de forma contundente. Sinto-me aqui inspirada por seus
trabalhos e agradecida pelas fecundas discussões.
16
Reproduzo aqui a versão traduzida (trad. Peter Pál Pelbart e Janice Caiafa) Mil Platôs. Capitalismo e
esquizofrenia, Editora 34, (1997/2005) vol 5, p. 185.

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Referências
Boulez, Pierre . Penser la Musique Aujourd’hui, Paris, Gallimard, 1963, rééd. coll. « Tel », 1987.
Deleuze, Gilles & Guattari, Félix. Mille Plateaux. Les Éditions de Minuit, 1980.
Lima, Ana Paula & Rodgers, David. “Espaço granulado, espaço inundado”. http: //
abaete.wikia.com. 2006
Piedade, Acácio Tadeu de C. “Flautas e trompetes sagrados do Noroeste Amazônico: sobre
gênero e música do Jurupari”. In Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 5, n. 11, 93-118,
outubro de 1999.
________ O canto do Kawoká: Música, cosmologia e filosofia entre os Waujá do Alto Xingú.
Tese de doutorado. PPGAS, UFSC, 2004.
Viveiros de Castro, Eduardo. A inconstância da alma selvagem. São Paulo, Cosac & Naify, 2002.
Viveiros de Castro, Eduardo. “The Forest of Mirrors. A few notes on the ontology of
Amazonian spirits” 2004. www. Amazon. Wikia.com (“A floresta de cristal: notas sobre a
ontologia dos espíritos amazônicos”).
Tugny, R. P. A misteriosa ciência dos Maxakali. In: Beto Ricardo & Fany Ricardo. (Org.). Povos
indigenas no Brasil. 1 ed. São Paulo: Instituto Sócio Ambiental, 2006, v. 10, p. 757-760.

A Prática Musical no Culto ao Caboclo nos


Candomblés Baianos

Sonia Chada
sonchada@ufba.br
Universidade Federal da Bahia

Resumo
O grande desafio da Etnomusicologia talvez seja o de relacionar música, um
subsistema, com todos os outros subsistemas da cultura, na busca de um enten-
dimento do que ela possa representar para o ser humano que a produz e explicar
a conexão entre música e seu contexto sociocultural baseados nos processos
cognitivos do ser humano e de sua experiência social. A prática musical como um
processo de significado social capaz de gerar estruturas que vão além de seus
aspectos meramente sonoros é de extrema importância nos rituais dedicados aos
Caboclos no candomblé. Os processos de aquisição e aprendizagem de música, de
construção de conhecimento e de desenvolvimento da percepção musical acon-

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tecem socialmente, por meio da participação nos rituais, através da interação e da
ação conjunta entre os sujeitos envolvidos na construção coletiva, além da coor-
denação de ações individuais na distribuição e compartilhamento da cognição
social. O contexto, de fundamental importância, modela a prática musical, ao mes-
mo tempo em que é modelado por ela.
Palavras – chave: Música; Caboclo; Candomblé.

A música como comportamento social, como meio de interação social, e o fazer


musical como comportamento culturalmente aprendido se constituem em objetos de
estudo da etnomusicologia. Compreende-se o estudo de música como muito mais do
que o estudo puramente do som musical.Todavia, a etnomusicologia não se ocupa apenas
do estudo da música, mas também do ser humano que faz a música. Assim sendo, são de
fundamental importância para esses estudos as relações dos elementos cognitivos e
socioculturais que determinem a relação da música com o seu contexto, a inserção da
música nas diferentes atividades sociais e os múltiplos significados decorrentes dessa
interação.
O grande desafio da Etnomusicologia talvez seja o de relacionar música, um
subsistema, com todos os outros subsistemas da cultura, na busca de um entendimento
do que ela possa representar para o ser humano que a produz e explicar a conexão entre
música e seu contexto sociocultural baseados nos processos cognitivos do ser humano e
de sua experiência social. A ação humana se manifestaria, por um lado, em uma síntese de
sistemas de operações universais, inatos e específicos do gênero humano, que se concre-
tizariam em processos cognitivos particulares de uma determinada cultura e por outro,
em normas de expressões culturais adquiridas no contexto das relações sociais e das
emoções associadas a elas (Blacking, 1995).
Os rituais dedicados aos Caboclos no candomblé, da qual a música é parte funda-
mental, devem ser entendidos como uma expressão formal que se relacionam com um
conteúdo e um significado simbólico remetendo a referentes exteriores, tais como a
organização social, mitos e rituais. Assim, as idéias e conceitos expressos musicalmente
podem ser interpretados de acordo com o sistema cultural no qual se inserem. A música
dedicada aos Caboclos neste contexto é interpretada como um sistema de representa-
ções, que fornecem explicações sobre como o grupo pensa a si próprio e o mundo que o
rodeia, como também uma forma de identificação étnica entre indivíduo e grupo. Como
linguagem dotada de alta expressividade,“símbolo não consumado”, como a vê Susanne
Langer (1989: 238), a música reflete melhor que qualquer outra linguagem as nuances
afetivas dos indivíduos e dos grupos que a praticam, por isso mesmo se prestando à
intermediação entre os homens e os deuses.
O culto ao Caboclo compreende um conjunto de práticas normatizadas, que visam
inculcar valores e normas de comportamento através da participação nos rituais, implican-
do numa continuidade com o passado. Neste culto há uma fusão de elementos católicos,
africanos, indígenas e espíritas que se agregam dando-lhe um caráter mais sincrético e
nacional mais profundo. No candomblé, chega-se a Deus pela alegria. Acredita-se que não
é necessário o sofrimento para a purificação, mas, se Deus é a essência e amor, essa

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essência é alegre, assim como o real é reconhecido na forma da alegria e por isso busca-
se fazer tudo cantando, com alegria e amor. O âmago da fé religiosa é o contato, sempre
renovado, com os antepassados, tanto com entidades divinas quanto com os ancestrais,
espíritos de seres humanos, que acontece através de diversos rituais que asseguram a
continuidade de sua força e proteção. Com a inclusão dos mortos, no mundo dos vivos,
passa a existir uma relação contínua entre o passado, o presente e o futuro sendo, a
música, extremamente importante nesse processo, pois cabe a ela a comunicação entre
os homens e o sobrenatural.
Os Caboclos são entidades brasileiras, os donos da terra, espíritos que foram pessoas
como nós, apresentando por isto mesmo, características humanas com seus defeitos e
virtudes.Têm as suas obrigações, seus fundamentos e seus preceitos. As divindades Cabo-
clas, apresentando características distintas dos Orixás, demandaram um repertório musical
adequado aos rituais em que são cultuados, às suas características míticas e a suas formas
de pensar e agir, não semelhantes ao das divindades africanas, mas relacionados.
Nos rituais dedicados aos Caboclos, música e dança são predominantemente inter-
ligadas. A música e a dança são multisensoriais, pois atraem a atenção dos sentidos (visão,
movimento, sonoridade) e evocam respostas variadas nos executantes e nos observado-
res sendo possibilidades férteis para o entendimento deste universo. Seus significados
refletem a cultura, o modo de vida e a visão de mundo. Das pesquisas sobre cognição,
emoção e comunicação não-verbal, sabe-se que música e dança funcionam como uma
linguagem, que requerem as mesmas faculdades cerebrais de conceituação, criatividade
e memória, tal como a linguagem verbal escrita e falada. Tanto a música quanto a dança
possuem vocabulário, gramática e semântica, com seus significados múltiplos, simbólicos,
emocionais e alusivos. No contexto destes rituais, músicos e dançarinos desenvolvem a
habilidade de alterar o tempo, levando os indivíduos a estados alterados de consciência.
Os executantes movimentando-se ou produzindo sons intencionalmente, com o objetivo
de transmitir informações e enviar mensagens através da sua prática.
A prática musical como um processo de significado social, capaz de gerar estruturas
que vão além de seus aspectos meramente sonoros, embora estes também tenham um
papel importante na sua constituição é de extrema importância neste contexto. A execu-
ção, com seus diferentes elementos (participantes, interpretação, comunicação corporal,
elementos acústicos, texto e significados diversos) seria uma maneira de viver experiên-
cias no grupo. Assim, suas origens principais têm uma raiz social dada dentro das forças em
ação dentro do grupo, mais do que criadas no próprio âmago da atividade musical. Isto é,
a sociedade como um todo é que definirá o que é música. A definição do que é música
toma um caráter especialmente ideológico. A música será então um equilíbrio entre um
“campo” de possibilidades dadas socialmente e uma ação individual, ou subjetiva.
No ritual dedicado ao Caboclo, a prática musical indica o que pode ser executado, o
que está além de seu alcance e o que nunca pode ser pronunciado. Através da observação
da prática musical é possível identificar paralelos entre as manifestações expressivas e as
respectivas estruturas sociais sendo a dramatização/representação musical, uma leitura
das questões sociais. É através dela que podemos encontrar também a ritualização do
sagrado, apreendendo assim a relação entre a música e as esferas mítica e espiritual.

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O repertório musical dedicado aos Caboclos compreende um extenso corpo de
cantigas, altamente dependente do contexto, com funções litúrgicas determinadas, que
acompanham as diversas atividades rituais e podem ser classificadas da seguinte maneira:
salvas para diversas finalidades, sambas (cuja finalidade principal é lúdica.), rezas e uma
família mais restrita de cantigas de sotaque (cantadas pelos Caboclos, já manifestados,
para fazerem críticas ou mandarem mensagens de forma direta e sem rodeio, a pessoas
presentes aos rituais, o que tem relação com a personalidade dos Caboclos) que apresen-
tam características distintivas e mais uniformidade em relação à estrutura rítmica do que
à melódica.
Concisamente pode-se afirmar que este repertório musical é composto de melodi-
as curtas que se repetem integralmente, se mantém entre os limites de uma oitava ou um
intervalo menor e os saltos intervalares em uma cantiga são geralmente pequenos e não
ultrapassam de uma oitava, as cantigas apresentam tamanhos que variam entre quatro e
dezesseis ciclos considerando solista e coro e são cantadas em solo pelo “puxador das
cantigas” e depois repetidas pelo coro formado pelos adeptos e freqüentadores que
cantam de modo monofônico, fatores estes que facilitariam a sua aprendizagem. As me-
lodias das cantigas se incluem em grande parte em estruturas heptatônicas com uma
concentração significativa no que equivaleria à nossa escala maior e em menor grau a
vários tipos de escalas hexatônicas, pentatônicas e tetratônicas, característica que poderia
ser interpretada em relação à nacionalidade do Caboclo: brasileira. Os toques de Congo,
Barravento e Samba – este último relacionado à nacionalidade do Caboclo, fornecem o
acompanhamento rítmico para todas as cantigas que apesar de polimétrico e polirrítmico
tende à uniformidade, somente o Barravento apresentando a hemíola, característica fun-
damental do ritmo africano. Aspectos da metrificação popular se refletem na freqüente
presença de rimas no segundo e quarto verso de quadras e, muitas vezes na presença de
redondilhas. As letras das músicas são em português e os temas mais freqüentes são o
campo e o gado, as matas e as guerras, o caráter sagrado da música e da dança e do papel
fundamental do ritual na manutenção da sociedade sendo comum que estes textos sejam
impregnados de valores humanos e patrióticos, em adição aos aspectos funcionais que
refletem, características estas que podem ser relacionadas à “essência” dos Caboclos (Cf.
Chada, 2006).
As cantigas cuja autoria é atribuída aos Caboclos, via pessoas em estado de transe,
não são entendidas pela comunidade à maneira que nós chamaríamos de “composições”,
isto é, como produtos intencionais de indivíduos e sim como cantigas que são trazidas de
Aruanda por essas entidades - segundo os adeptos, Aruanda é uma terra distante, a terra
prometida, lugar onde provavelmente habitam todos os Caboclos. Não existe para o grupo
neste contexto o conceito de compositor, estando essa atividade sempre relacionada com
a função mágica e religiosa. O processo criativo é tanto de melodias quanto de textos, ou
dos dois, sendo a elaboração de textos tão importante quanto a das melodias. De um
ponto de vista ético, parte do repertório musical dos Caboclos é constituído de variantes
de material musical já existente que é combinado e recombinado de acordo com os
moldes tradicionais constituindo-se em cantigas diferentes.

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A idéia de que as canções de alguma forma existem no cosmo e de alguma forma
são fornecidas por intermediação sobrenatural pode sugerir que este processo seja in-
consciente. Contudo, de acordo com Béhague:
considerar esses processos como inconscientes resulta, mais uma vez de um caso agudo de
etnocentrismo, pois é sabido que o transe xamânico ou a possessão espiritual representa uma das
fontes mais poderosas de revelação ou criação musical, e que o mundo espiritual dos indígenas ou
dos adeptos das religiões africanas tradicionais e afro-brasileiras é totalmente verdadeiro, real e
consciente por ser vivenciado a cada instante (1992: 8).

A produção das cantigas é incontável visto o dinamismo que leva à transformação de


cantigas e à criação de outras. Parte do repertório musical não são propriamente cantigas
compostas, mas um “fenômeno de aparente transformação estilística por inovação”
(Béhague, 1976: 132). Contudo, embora a possibilidade de inovação exista, como estamos
tratando de música ritual, com função litúrgica determinada e alta dependência do con-
texto, ela só se torna possível sobre dados conhecidos da tradição musical onde o limite é
imposto pela própria finalidade das cerimônias.
Diz Béhague (1976: 132):
apesar de serem essas cantigas “inventadas” de acordo com os moldes tradicionais, alguns elemen-
tos externos à tradição, mas sem dúvida pertencentes à tradição secular do improvisador, tendem
a aparecer.

Um dos postulados básicos da Etnomusicologia atual é o de que de alguma forma a


sociedade se reflita em sua música. Enquanto criadores, os Caboclos são também transmis-
sores de padrões da cultura. Este depende de sistemas de pensamento e valores em que o
grupo acredita. Mesmo que essas estruturas não possam ser verbalizadas, elas existem, de
alguma forma, na mente das pessoas. Segundo Blacking (1974: 89), a música é“uma síntese
dos processos cognitivos que estão presentes na cultura e nos seres humanos: a forma que
ela toma e os efeitos dela sobre as pessoas são gerados pelas experiências sociais dos seres
humanos em diferentes contextos culturais.” Música sendo“som humanamente organiza-
do” expressa aspectos das experiências dos indivíduos na sociedade.
Esse repertório musical dedicado aos Caboclos, sustentado atualmente (nem sem-
pre foi assim) pelo mesmo conjunto instrumental que acompanham todos os rituais do
candomblé é composto pelo gã - idiofone percutido diretamente com uma vareta de
metal, composto de duas campânulas metálicas superpostas, de diferentes tamanhos
(que produzem sons distintos), em forma cônica, sem badalos, unidas por um arco em
forma de U e, por três atabaques - membranofones percutidos diretamente, altos e estrei-
tos, afunilados, de corpo em barril, feito de tiras de madeira mantidas juntas por aros de
ferro, de uma só membrana. Os atabaques, em ordem decrescente de tamanhos, são
chamados de Rum, Contra-rum e Rumpi. O gã é o responsável pela introdução das fórmu-
las rítmicas básicas que controlam o ciclo,“linha guia” (Nketia, 1974: 131), e indicam o tipo
de toque a ser seguido pelos atabaques. Os atabaques são instrumentos de fundamental
importância no culto. São eles os encarregados de chamar e estabelecer o vínculo entre os
homens e o sobrenatural.

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Nos rituais dedicados ao Caboclo, os atabaques são tocados com as mãos em duas
regiões: centro e borda dos atabaques, produzindo alturas diferentes. Funcionam tanto como
instrumentos rítmicos quanto “melódicos”, embora haja dificuldade para uma percepção
precisa dessas melodias. Poder-se-ia dizer que os atabaques fornecem um acompanhamen-
to rítmico e“harmônico”para a melodia vocal, e a produção desta“harmonia”,também difícil
de ser percebida, parece corresponder a uma lógica musical própria da comunidade.
De acordo com Kubik (1979: 238-247), o padrão interno de afinação é culturalmente determinado
e, em algumas culturas musicais, isso é possível por fatores puramente físicos. Tais padrões formam
a base da afinação e da audição da música e são extremamente resistentes a mudanças. Uma vez
aprendidos são aparentemente irreversíveis. Padrões de afinação são algumas vezes nomeados e
identificados e as fórmulas de afinação verbais ou silábicas podem freqüentemente fornecer in-
formações para a afinação. Essa fórmula fica gravada na memória do músico, embora alguns desvios
de padrões culturais gravados sejam tolerados em todas as culturas.
No caso particular do culto ao Caboclo, o conceito de “afinação” dos tambores é relevante, embora
pareça inconsciente ou, talvez, difícil de ser verbalizado. Há entre os músicos uma preocupação
com a sonoridade dos atabaques. É muito comum, durante as cerimônias, ver os músicos regulando
as tarraxas que prendem o couro na base dos atabaques. Esse fato é sempre explicado, pelos exe-
cutantes, pela tensão do couro, “o couro está fofo” ou “o couro está apertado demais.” Talvez, os
ajustes de altura, também possam ser compensados pelos próprios músicos, a depender do lugar
em que toca o instrumento.

Não raro as fórmulas rítmicas são transmitidas através de sílabas onomatopaicas que
reproduzem a altura e o ritmo emitido por eles, facilitando o aprendizado. Se na
etnopedagogia dos executantes fórmulas onomatopaicas apareçam para a percussão es-
tes poderiam ser um indício de que o músico teria um padrão de afinação interior como
sugerido por Kubik. Por outro lado, o gã, responsável pela “linha guia” e o instrumento que
puxa os atabaques poderia servir de referência para a afinação dos atabaques ainda que
não possamos afirmar como essa relação entre o gã e os atabaques aconteceria.
Em adição é necessário que se distinga mera audição de percepção. A percepção é
um processo que envolve motivação, conhecimento, observação e então compreensão,
esta compreensão por sua vez reativa todo o processo, de forma que a percepção é uma
espiral que se aprofunda com o tempo enquanto a própria audição fenece.
No candomblé, se isso é possível, a percepção da nota inicial das cantigas poderia ser
um requisito importante para o julgamento de um bom cantor e não só o domínio do
repertório. Por outro lado, as cantigas geralmente iniciam sem acompanhamento instru-
mental, de forma bastante livre. A nota inicial da cantiga poderia ser fornecida tanto pelo
conjunto instrumental quanto pelo solista que neste caso seria a referência para a afinação
dos instrumentos, ou ainda, poderia haver um ajuste entre os puxadores das cantigas e o
grupo instrumental durante as cerimônias.
Nestes rituais, as práticas musicais acontecem socialmente, em vários níveis, de acordo
com a condição social individual, não havendo possibilidade de eventos musicais fora do
âmbito social. A ação social correspondente é o que confere valor a uma atividade musical.
Identificam-se três formas de participação musical nos rituais dedicados aos Caboclos: como
instrumentista, como puxador das cantigas e como participante do coro, cada uma dessas
categorias apresentando conhecimentos e percepções musicais distintas.

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Os instrumentistas são pessoas escolhidas, preparadas e confirmadas para ocupar
esse cargo. Passam pelo processo de iniciação para poderem exercer essa função. O cargo
é conferido exclusivamente aos homens. Ainda que algumas mulheres se interessem em
aprender a tocar, o que não é muito comum, e que algumas cheguem a fazê-lo muito
bem, nenhuma mulher é confirmada para esse cargo. Dificilmente são vistas tocando em
uma cerimônia pública.
A maior função dos instrumentistas, pela combinação dos padrões rítmicos, é a de
induzir o estado de transe sem, no entanto, jamais ficar possuído, embora pareça algumas
vezes estar na iminência de cair em possessão esta não é a regra nem pode acontecer.
Sem eles as divindades não virão. São os responsáveis pela organização musical do ritual e
têm plena consciência da sua importância sendo bem recebidos e respeitados nas casas
de candomblé. Possuem conhecimento de todos os toques, não raro incluindo o de dife-
rentes nações. Têm, aliás, obrigação de aprender todos os toques e as cantigas, devendo
ter um conhecimento amplo do repertório musical, assim como da sua função no culto,
não só de sua nação, mas também de todas as outras. Geralmente o tocador que detém o
maior conhecimento do repertório é o que fica encarregado de tocar o “rum”, sendo,
também, sua função dar os avisos que se fizerem necessários através dos toques dos
atabaques.
As cantigas normalmente são puxadas pelos ogãs (cargo hierárquico concedido
exclusivamente aos homens) pertencentes a casa ou por pessoas ligadas a determinadas
casas que sigam as mesmas tradições. Algumas vezes essa tarefa é exercida pelo próprio
pai ou mãe-de-santo da casa, ou ainda pelos instrumentistas, que similarmente tenham
um amplo conhecimento do repertório, conteúdo das cantigas e suas funções no culto.
Nos rituais dedicados aos Caboclos, depois de manifestados, os próprios Caboclos assu-
mem esse cargo. Coerentemente, para o julgamento do bom cantor, o que importa não é
a qualidade da voz, mas a amplitude do aludido conhecimento. No caso específico do
puxador das cantigas, o grupo faz distinção entre um“bom” e um“mau” puxador. Contudo,
tanto o “bom” quanto o “mau” puxador têm domínio do repertório musical e suas respec-
tivas funções e são capazes de manipulá-los fazendo o povo cantar. Notou-se, algumas
vezes, que um puxador considerado “bom” pela comunidade esquecia ou trocava os
textos ou ainda encurtava as cantigas. O julgamento de valor feito pelo grupo sugere que
o “bom” puxador detém conhecimentos especiais de acordo com os valores da cultura,
além dos citados, que lhe permite exprimir e transmitir todas as nuanças de expressão
requeridas pelos critérios estéticos de sua cultura.Também não será de pouca importância
um certo carisma pessoal.
O coro é formado por todas as pessoas presentes ao culto. Este grupo, bastante
heterogêneo, compreende tanto pessoas iniciadas na religião quanto não iniciadas que
apresentam formas distintas de conhecimento e percepção da prática musical. A partici-
pação do coro é cobrada muitas vezes durante uma festa pelo puxador das cantigas, não
importando se as pessoas têm ou não boas vozes, se conhecem as cantigas, se trocam
letras, se são “afinadas” ou não. O que de fato interessa é a participação de todos no ritual.
Em grande parte das cantigas o coro repete a mesma melodia e texto que é entoado pelo
puxador das cantigas. Mas, em outras podemos observar a forma de pergunta e resposta.

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A aprendizagem musical neste contexto não é um processo formal e direto, mas
uma absorção em contexto, gradual e lenta realizada no seio dos rituais, sendo a participa-
ção nos rituais a condição básica para o aprendizado. É um processo de socialização que
tem como ponto de partida o processo de iniciação à religião e continua pela vida afora.
Toda a sabedoria do candomblé é transmitida oralmente tanto de geração para
geração quanto entre indivíduos da mesma geração. Os ensinamentos são passados mais
por gestos do que por palavras. As pessoas apreendem os procedimentos com olhos e
ouvidos. Prestam atenção a tudo, quase não perguntam nada e o tempo individual de cada
um é respeitado. O desenvolvimento cognitivo-musical neste contexto ocorre através de
processos principalmente de imitação e repetição ostensiva, e normalmente está associ-
ado a diversas funções psico-sociais como a comunicação, inclusive de emoção, entre os
participantes, o endosso de normas culturais e étnicas e o entretenimento.
O pai-de-santo, responsável pela transmissão a seus filhos do repertório musical, da
coreografia das danças, do segredo das plantas, das práticas religiosas, dos rituais sagrados,
em suma, de todos os segredos do candomblé, é a verdadeira fonte do conhecimento
religioso na sua comunidade.
Os filhos-de-santo, em relação à prática musical, devem aprender a identificar os
toques e as cantigas das divindades às quais estão associados. Devem conhecer o repertó-
rio das suas próprias divindades assim como de todas as outras, pois, do contrário, sua
participação nas cerimônias será comprometida. Entretanto, novos iniciados em geral, têm
um conhecimento bastante limitado do repertório musical.
O sistema musical refletindo assim o sistema cognitivo de seus praticantes, seus
sentimentos, suas experiências culturais, além de suas atividades sociais, intelectuais e
musicais. A música tem os seus próprios termos, os termos do grupo, da cultura e o dos
seres humanos que as ouvem, criam e/ou executam.

Referências
Béhague, Gerard. (1992). Fundamento Sócio-Cultural da Criação Musical. Art 19 (ago.): 5-17.
Béhague, Gerard. (1976). Correntes Regionais e Nacionais na Música do Candomblé Baiano.
Afro-Ásia 12 (jun.): 129-36.
Blacking, John. (1995). Music, Culture and Experience. In Reginald Byron (Ed.). Music, Culture &
Experience (pgs. 223-242). Chicago: The University of Chicago Press.
Blacking, John. (1974). How musical is Man? 2a ed. Washington: University of Washington
Press.
Chada, Sonia. (2006). A Música dos Caboclos nos Candomblés Baianos. Salvador: Fundação
Gregório de Mattos/Edufba.
Kubik, Gerhard. (1979). Pattern Perception and Recognition in African Music. In The
Performing Arts: Music and Dance. The Hague: Mouton Publishers.
Langer, Susanne K. (1989). Filosofia em Nova Chave. Tradução de Janete Meiches e J.
Guinsburg. 2 ª ed. São Paulo: Perspectiva.
Nketia, Joseph H. Kwabena. (1974). The Music of Africa. Nova York: W. W. Norton.

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Sessões temáticas
especiais
Special thematic sessions

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Sessão temática especial: Pesquisa em música

A Comunicação da Expressão na Execução


Musical ao Piano

Cristina Capparelli Gerling


cgerling@ufrgs.br
Regina Antunes Teixeira dos Santos
jhsreg@adufrgs.ufrgs.br
Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Resumo
A primeira parte do texto apresenta um resumo de comentários de autores cujos
trabalhos são relevantes na nossa área de atuação como professoras de instru-
mento musical. A segunda parte estabelece o modelo (GERMS) proposto por
Juslin e colaboradores (2004) para a atividade relatada na terceira seção. Essa
atividade foi conduzida com alunos de piano da graduação e da pós graduação
da UFRGS contemplando a interpretação de uma obra musical de pequeno porte,
envolvendo as relações entre a comunicação de expressão pretendida pelo intér-
prete, a percepção da audiência e a estrutura musical.
Palavras chave: modelo GERMS, comunicação da expressão, percepção da audiência.

Abstract
The first section of this text presents a brief discussion of authors relevant to our
activities as instrumental music teachers, the second section establishes the
theoretical framework postulated by Juslin et alli, (2004, GERMS) and the third
section outlines the realization of an activity related to the communication of
expressive content in a short piece played by undergraduate and graduate piano
students.
Keywords: GERMS model, communication of expression, audience perception.

PARTE I- Breve Revisão de trabalhos na área de Execução Musical


No Primeiro Seminário Nacional de Pesquisa na Performance Musical (2000), apre-
sentamos um texto com o objetivo de descortinar as amplas avenidas recentemente

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abertas pela pesquisa na área de execução musical. Avaliando as tendências sobre as mais
variadas temáticas do campo das práticas interpretativas desenvolvidas por especialistas
de cada uma das sub-áreas, oferecemos reflexões sobre a definição do objeto, transforma-
ções e reorientações teórico-metodológicas pelas quais a pesquisa em artes musicais
vinha passando até aquele momento (Gerling e Souza, 2000). Se naquela época pudemos
mostrar como cientistas, sobretudo psicólogos, se voltavam com máximo interesse e rigor
para o estudo da execução musical, passados sete anos o número de trabalhos sofreu um
incremento tão exponencial que vemo-nos obrigadas a delimitar drasticamente nossa
abordagem.
Especificamente no Brasil, identificam-se pesquisadores que têm trabalhado na área
de execução instrumental em temáticas como representação mental em performance
musical (Dra. Diana Santiago da UFBA), sistematização de princípios e procedimentos
norteadores da interpretação musical, bem como o desenvolvimento da técnica e expres-
são musical na realização e ensino de repertório (Dr. Fausto Borém de Oliveira, da UFMG);
a perspectiva de técnica como ação pianística dentro de uma abordagem interdisciplinar
(Dra. Maria Bernardete Castelan Povoas da UDESC), a relação do artista com sua própria
especialidade dentre as diversas formas de manifestação artística (Dra. Zélia Chueke da
UFPR) e propostas de exercícios para o estudo (Dra. Sônia Ray da UFG).
No trabalho anteriormente apresentado (Gerling e Souza, 2000), e que até hoje se
revela útil como uma introdução em português, baseamo-nos em artigos publicados em
revistas e livros especializados, comentando trabalhos desenvolvidos por pesquisadores
de máxima distinção. Boa parte do que afirmamos anteriormente, permanece em vigor ou
seja, a maioria dos trabalhos continuam sendo conduzidos por psicólogos, em laboratórios
altamente equipados, por cientistas, muito deles detentores de habilidades estatísticas e
outras ferramentas matemáticas relacionadas, conhecimento de computação, equipa-
mento de última geração, evidenciando assim uma convivência íntima com a tecnologia.
As principais tendências detectadas relacionam-se com o contínuo estabelecimento de
grupos interdisciplinares e publicações na forma de livros cujos títulos são atrativos e
pertinentes aos músicos. Os cientistas vêm estreitando parcerias não só com educadores
musicais, mas também com executantes. Um exemplo não só da intensificação, mas
também das parcerias é o caso da Dra. Tânia Lisboa (2002), violoncelista e ela própria
pesquisadora que trabalha em colaboração próxima com grupos interdisciplinares de
pesquisadores na Inglaterra e nos Estados Unidos. McPherson e Parncutt (2002) editaram
a obra The Science and Psychology of Music Performance com cerca de 20 artigos, escritos
em parceria entre dois acadêmicos: um cientista (psicólogo, acústico, fisiologista ou físico)
e um educador musical ou instrumentista. Para os editores, esse tipo de colaboração
buscou contemplar os dois lados: o científico e o artístico, pois freqüentemente, na litera-
tura, existem generalizações simplistas em áreas que envolvem processos cognitivos e
artísticos, ou ainda, fazendo afirmações musicais muito óbvias e negligenciando a funda-
mentação científica da literatura. Na segunda parte deste livro, denominada de habilida-
des subsidiárias da performance musical, encontram-se alguns artigos, que trouxeram
reflexões para o escopo da presente pesquisa, abordando: Leitura à primeira vista, Prática,
Memória, Comunicação Estrutural, Comunicação Emocional e Movimentos do Corpo. Es-

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ses seis artigos reúnem, em conjunto, de cerca de 300 referências bibliográficas. Assinala-
mos portanto não só a proliferação de literatura demonstrando um intenso intercâmbio
de pesquisadores com competências complementares na configuração dos seus inte-
grantes mas com presença forte de psicólogos em parcerias com músicos de diversas
proveniências.
Em 2003, Gabrielsson apresenta um breve histórico e comenta sobre a efervescência
do campo de pesquisa. Ao declarar-se atordoado com a quantidade e admirando a
qualidade incontestável em mais de cinco centenas de trabalhos surgidos somente entre
1975 e 2003 (p. 222) apresenta uma revisão de alto teor de lucidez. Citamos Gabrielsson
(2003), em particular, porque ele retomou algumas das linhas iniciadas por Seashore nos
anos trinta do século passado e, principalmente, por seu reconhecimento da importância
das atividades que fazemos com a execução e o ensino da execução musical.
No início do novo século, algumas publicações trazem contribuições marcantes, fato
destacado pelo próprio Gabrielsson. Assinalamos, com satisfação, o surgimento de uma
importante vertente, qual seja trabalhos voltados para o planejamento e o desenvolvi-
mento da execução como um caminho promissor a despeito da incrível complexidade
requerida na execução musical (p. 238). Referindo-se à efervescência nesse campo,
Gabrielsson (2003) comenta sobre autores que citam outras centenas de autores recen-
tes, especializados e com abordagens diversas sem que haja cruzamento de referências.
Assim sendo, vemo-nos obrigadas a restringir nossos comentários a uma vertente, uma
escolha baseada não só em preferência mas em experiência.
Salientando o papel decisivo que o conhecimento dessas pesquisas vem exercendo
na nossa prática pedagógica, optamos por destacar que a devoção pela arte musical e a
busca de um entendimento dos processos inseridos no fazer artístico é um aspecto mais
saliente nos trabalhos que mencionaremos. E, mesmo correndo o risco de cometer enga-
nos para fazer uma ampla generalização, em alguma medida esses cientistas não se
deixam amedrontar por um fator que até agora nos manteve reféns de nós mesmos. É
possível estudar a mágica, o embevecimento, o arrebatamento do fazer musical? É possí-
vel estudar fenômenos tão absurdamente complexos e ainda manter um vínculo com o
sistemático e com o criterioso? A quem interessa desvendar o mistério do que fazemos?
Como abraçar a multiplicidade de variáveis e ainda chegar a conclusões relevantes?
Juslin (2003) confirma uma noção intuitivamente cultivada entre os músicos, qual
seja, a complexidade dos processos de interpretação. Para esse autor, interpretação refe-
re-se à perspectiva de ação individual da apresentação de uma obra tendo por base as
idéias musicais do executante. Trata-se, segundo esse estudioso, de um aspecto ainda
pouco investigado. Contudo, estudos recentes e pertinentes têm mostrado a importância
de fatores internos (emoção e vontade de expressar algo pessoal) e externos (estilo
musical, a estrutura da peça, as intenções do compositor, entre outros). Juslin conceitua
expressão como um conjunto de qualidades perceptivas que refletem relações psicofísicas
entre propriedades objetivas e subjetivas da música e impressões causadas no ouvinte (p.
276). A expressão não reside somente nas propriedades acústicas da música, nem habita
somente a mente do ouvinte; pois, via de regra, ouvintes concordam sobre aspectos gerais
de uma execução. O autor coloca uma ênfase especial em tendências antropomórficas na

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percepção da forma expressiva, na emoção provocada ou evocada no ouvinte e, de forma
ainda mais complexa, na resposta estética. Ainda que as duas últimas respostas não sejam
um requisito para que o ouvinte qualifique uma execução como expressiva, estudos
mostram que sinceridade do executante e sua capacidade de atrair simpatia são um fator
na comunicação artística. O escopo do presente texto não nos permite prosseguir mas,
preciso afirmar a profunda influência que todos essas investigações têm exercido na
nossa prática pedagógica. Na segunda parte desse trabalho apresentaremos alguns resul-
tados obtidos no laboratório de execução musical.
Um questionamento que surge na prática de ensino do instrumento diz respeito à
falta de sistematização que os alunos demonstram frente ao seu fazer musical em termos
de desempenho artístico, sobretudo no que diz respeito ao conteúdo emocional, à comu-
nicação da expressividade. Na nossa experiência diária, constatamos a prevalência de uma
atitude de “aluno”,uma postura de recato e parcimônia para com o potencial expressivo.
Essa atitude constitui-se em um aspecto curioso porque as oportunidades de convívio
com artistas nacionais e internacionais, as gravações, os DVDs, o “youtube” e outras moda-
lidades de intercâmbio nunca estiveram tão disponíveis. Nossa hipótese prevê que essa
situação espelhe processos inadequados de musicalização e educação instrumental, nas
quais os alunos de maneira geral gostam de música, mas não sabem como se expressar
musicalmente, nem foram encorajados a fazê-lo. O posicionamento que parece evidente
é um comportamento neutro, uma atitude que passa por ser respeitosa, mas que revela
temor, despreparo, ou mesmo falta de conhecimento das possibilidades inerentes. A ques-
tão do estilo, por exemplo, funciona como um forte elemento de restrição: os alunos
chegam na graduação com certa noção do que não se pode e não se deve realizar,
raramente demonstram confiança nas experiências prévias. O nível de desconforto é
palpável. Buscar elevar os níveis de confiança e expressividade torna-se, portanto, uma
meta prioritária.
Por outro lado, estudos demostram que a expressividade tem sido abordada nos
últimos cem anos (Gabrielsson, 1999), principalmente através da medição de parâmetros
acústicos na execução e sua relação com a notação musical (Williamon, 2004).Trata-se de
estudos de desvios ou de variações sistemáticas nos parâmetros definidos como tempo
(agógica), dinâmica, timbre e altura, ou seja o que tem sido definido como a“microestrutura
da execução” e que confere diferenciação entre uma execução e outra (Palmer, 1997).
Esse estudos podem ser feitos tomando por base medições exatas em laboratório, ou com
painéis de ouvintes das mais variadas formações ou ainda uma combinação. Nos primeiros
trabalhos verificou-se como executantes expressavam a estrutura da frase mas no mo-
mento autores procuram saber o que torna uma execução inesquecível ou pelo menos
muito especial (Williamon, 2004).

O Modelo GERMS na prática


Juslin, Friberg, Schoondewarldt e Karlsson (apud Williamon 2004) discutem o modelo
denominado GERMS que serve de base para nossa ação pedagógica. Apontando para a
dificuldade de lidar com descrições formais do que é mais intangível na música e na execu-

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ção, esses autores mostram que os pesquisadores mal iniciam a formulação de teorias
pertinentes ao desenvolvimento de novas estratégias para o ensino da expressividade. Esses
textos têm sido influentes na nossa atividade. Por exemplo, temos procurado deixar bem
esclarecido para cada aluno o objetivo a ser alcançado. No laboratório de execução musical,
temos trabalhado de forma razoavelmente sistemática para fortalecer alguns conceitos e
quebrar alguns tabus descritos por esses autores. Entre os mitos, temos trabalhado especifi-
camente para mostrar que, a despeito da inegável e tão insubstituível subjetividade, estraté-
gias para causar o surgimento e o fortalecimento de uma expressividade individual pode e
será trabalhada partindo de modelos lingüísticos, ou de artistas, ou entre colegas. O laborató-
rio cria o ambiente para exploração de diversas atitudes, para o estabelecimento de modelos
e metas, bem como para análises das próprias execuções e discussões de resultados seja de
gravações em áudio, vídeo ou em execuções ao vivo.
Seguindo os passos descritos, incentivamos, a partir de uma série de exercícios e
procedimentos propostos visando o desenvolvimento de estratégias individuais para pro-
jetar sentimentos específicos, tendo por base configurações musicais contextuais especí-
ficas, frente a uma obra em preparação.. Em outras palavras, por um tempo, procuramos
suspender os medos e pudores tão disseminados para projetar emoções realmente vivi-
das segundo recomendações de Juslin et alli (apud Williamon 2004). Os participantes
recebem instruções explícitas no monitoramento de seu desempenho podendo, inclusi-
ve, supervisionar-se através de gravações. Além disso, existe farta dose de estímulo, cama-
radagem e comentário nas formas mais variadas que incentivem processos de
conscientização (inter)pessoal.
Por outro lado, superadas fases iniciais muito explícitas ou até mesmo caricaturais se
for necessário, estimula-se também o privado, o inacessível e o indizível, procuramos
valorizar o misterioso sempre que algo inefável é detectado. Acreditamos que o artista de
fato atinge níveis mais elevados e indescritíveis de comunicação e que o aprendiz de
artista precisa ser guiado nessa busca. Para tanto discutimos vários aspectos, por exemplo
procuramos o entendimento dos processos e a superação dos temores, procuramos valo-
rizar cada ganho do caminho percorrido. Como apontado em vários estudos (Juslin et alli,
apud Williamon 2004, p. 249).), é comum que alguns alunos mostrem-se arraigados a
processos menos produtivos ou francamente destrutivos. O estudo do mecanismo condu-
zido de forma excessiva e desligado do conteúdo expressivo, a crença em um futuro
sempre distante de que seus problemas serão resolvidos por soluções rígidas tais como
repetições divorciadas do entendimento do que está sendo repetido e sobretudo, que é
melhor não entender dos processos de comunicação expressiva fazem parte dos compor-
tamentos usuais ou como detectam os autores, integram o folclore (Juslin et alli, apud
Williamon 2004). Portanto, trabalhamos a conscientização da comunicação expressiva de
forma que, uma vez internalizada, torne-se segunda natureza (Woody, 1999).
O laboratório é fórum de permanente discussão e uma oportunidade para avaliação
e auto-avaliação. Manipulações em vários graus de sutileza de tempo, dinâmica, articula-
ção e mesmo de timbre são conduzidas visando a comunicação da expressividade e os
nossos resultados só não são mais surpreendentes porque confirmam relatos em estu-
dos correlatos (Gerling e Souza, 2000).

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A resposta dos alunos, a despeito da boa vontade reinante, é previsivelmente desi-
gual, mas creio que a atitude de interesse e participação ativa é um dado concreto. Recei-
os persistem, entre a vontade de tocar bem e o medo de jamais atingir o nível desejado,
observamos alunos que ainda não se convenceram que a expressividade pode ser apren-
dida e internalizada, alunos cujo nível de confiança ainda requer trabalho mas, entre
outros fatores, o laboratório procura estabelecer uma situação de permanente aprendiza-
do e desafio.
Assinalamos ainda os benefícios auferidos através do modelo LENS que descreve os
ganhos da retroalimentação cognitiva (Williamon, p.256). Esse modelo relaciona-se proxi-
mamente com o conceito de prática efetiva17, um assunto que tem sido desenvolvido por
Hallam (1997). O trabalho que apresentamos a seguir modela-se em linhas gerais na
proposta GERMS, discutidos nas publicações recentes assinadas por Juslin, Sloboda,
Williamon, pesquisadores que têm nos contemplado com um imenso encorajamento na
certeza de que a execução musical consciente e artística é a atividade mais atrativa,
fascinante e complexa desenvolvida por seres humanos.

A Comunicação da Expressividade e da Emoção (Uma


atividade realizada no Laboratório de Execução Musical)
A seguir, apresentamos uma atividade realizada no laboratório com alunos entre
17 e 26 anos, todos alunos de piano no bacharelado e no mestrado em música da UFRGS.
A audiência é composta por professores da graduação e da pós graduação. Os alunos
receberam uma partitura desconhecida e foram instruídos a mobilizarem todo seu co-
nhecimento artístico e pianístico para projetar um sentimento específico18, sendo solici-
tados a não trocar comentários entre si. As gravações foram realizadas sem que um
executante ouvisse o outro, mas os colegas da audiência puderam ouvir todos. Durante
a gravação, cada presente na audiência foi instruído a colocar no papel uma breve
descrição do sentimento despertado por cada execução. O delineamento previu ainda
que todas as execuções gravadas e transcritas para identificação de eventuais padrões,
tendências e desvios na intenção de performance para a comunicação pretendida. No
tratamento dos dados, correlações entre sentimento pretendido, sentimento percebido
e estrutura musical concebida pelos intérpretes é previsto. Após a primeira gravação, os
alunos sugeriram uma ampliação na atividade, que será apresentada no simpósio, pois é
forte indicativo do clima de interesse. A divulgação dos dados será apresentada no
decorrer do Simpósio.
Essas atividades voltadas para o encorajamento e motivação dos alunos são realiza-
das de forma a propiciar discussões com elevado nível de franqueza a respeito dos proble-
mas surgidos e dos ganhos obtidos. Apesar dos desafios, temos contado com a colaboração
dos alunos, que procuram valorizar os ganhos obtidos, nesse fórum de discussão. Quere-
mos deixar bem claro que realizamos várias ações e que essas envolvem sobretudo a boa
vontade e a parceria dos envolvidos. Não se trata de um experimento porque, ao contrário
de um pesquisador que busca neutralizar seu viés, estamos totalmente comprometidas
com o sucesso dos alunos e com o estabelecimento de oportunidades de aprendizado.

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Constatamos, a impossibilidade e a inutilidade no isolamento de fatores. Ao contrário,
buscamos abraçar a complexidade e suas implicações.

Notas
17
Prática deliberada tal como descrito por K.A. Ericsson, R.T. Krampe e R. Krampe (1993) ,“ The Role of deliberate
practice in the acquisition of expert performance. Psychological Review 100 (3), 363-406;
18
Essa breve peça, “Tempo Livre”, faz parte de Oito peças de Jamary Oliveira (1944) e no meu próprio estudo
projetei vários cenários, todos relacionados ao desolado, distante, frio, triste, como astros distantes viajan-
do no céu. Assim, assumo totalmente o direcionamento do ambiente emocional requerido dos alunos, mas
usei um único sentimento no primeiro conjunto de instruções. Os participantes foram encorajados a ex-
pressar sua idéia própria do sentimento na sua execução.

Referências
(2005) Anais do Primeiro Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais, Curitiba- Deartes-
UFP.
(2006) Anais do Primeiro Encontro Nacional de Cognição e Artes Musicais, Curitiba-Deartes- UFPR.
Gabrielsson, Alf, (2003). “Music performance research at the millennium”, in: Psychology Of
Music, XXXI (3):221-272.
Gerling, Cristina C. e Souza, Jusamara, (2000). “A Performance como Objeto de Investigação”. In:
Anais do I Seminário Nacional de Pesquisa em Performance Musical, 114-125,.
Hallam, Susan (1997). “What do we know about practicing? Towards a model synthesizing
the research literature” In: Does practice make perfect? Current theory and research on instrumental
music practice; 179-231. Oslo: Norwegian State Academy of Music.
Juslin, Patrik N, (2003). “Five facets of musical expression: a psychologist´s perspective on
music performance”. In: Psychology of Music, XXXI (3):273-302.
Juslin, Patrik N. and Sloboda, John A, (2001). Music and Emotion- Theory and Research. Oxford
University Press.
Juslin, Patrik N., Friberg Anders, Schoonderwaldt, Erwin e Karlsson, Jessika (2004). “Feedback
Learning of Musical Expressivity”. In: Musical Excellence. Strategies and techniques to enhance
performance. Oxford University Press, 247-270.
Lisboa Tânia, Williamon A, Zicari M, Eiholzer H. An alternative to MIDI data: Analysing timing
and dynamics of string performances. In anais do 7th International conference on music
perception and cognition. Sydney, Australia, 2002.
Parncutt, Richard e McPherson, Gary, (2002). The Science and The Psychology Of Music
Performance- Creative Strategies For Teaching and Learning. New York: Oxford University Press.
Palmer, Caroline, (1997).“Music Performance”, Annual Review of Psychology, 48: 115-38,.
Sloboda, John, (2005). Exploring the Musical Mind- Cognition, Emotion, Ability, Function. Oxford
University Press.

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Williamon, Aaron, (2004). Musical Excellence. Strategies and techniques to enhance performance.
Oxford University Press.
Woody, Robert H. (1999). “The relationship between explicit planning and expressive
performance of dynamic varations in an aural modeling task”. Journal of Research in Music
Education 47, 331-342.

Valsa de Esquina nº 2, um estudo do tempo

Fredi Vieira Gerling


fredi.gerling@ufrgs.br
Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Resumo
Esta é uma apresentação da comparação de oito gravações da Valsa de Esquina
nº 2 de Francisco Mignone (1898-1986) para detectar o rubato empregado pelos
executantes com o objetivo de compreender o processo de moldagem do tempo
de cada intérprete.
Palavras chave: rubato, moldagem do tempo, estudo de gravações.
Abstract: This presentation compares eight recordings of Francisco Mignone´s
(1898-1986) Valsa de Esquina nº2 in order to study the tempo design employed to
shape rubato by various performers.
Key words: rubato, tempo design, performance analyses.

A escuta de gravações como parte da preparação de uma execução não é uma ativida-
de fora do comum, ao contrário, trata-se de uma prática bem disseminada. Certa vez ouvi
uma renomada professora de piano recomendar a seus alunos que ouvissem o maior núme-
ro de gravações de uma peça para então copiarem aquilo que mais gostavam em cada uma
delas assegurando assim a originalidade do resultado.Tenho certeza que a professora queria
guiar seus alunos para algo mais do que uma colcha de retalhos de ritardandos à Rubinstein
e fermatas à Horowitz, claro que nenhum destes ritardandos ou fermatas presentes na
partitura. No entanto, a recomendação desta professora ilustra um método utilizado corri-
queiramente ao comparar gravações e utilizar os resultados obtidos.
Atualmente, existem varios pesquisadores trabalhando com alternativas bem mais
sofisticadas do que a abordagem ingênua descrita acima. O filósofo Peter Kivy, ao escrever
sobre as características individuais de cada interpretação diz:

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Sabemos, no entanto, que o número de diferenças é muito superior do que as diferenças de dinâ-
mica entre uma execução de Casals e uma de Janigro, uma execução de Serkin e uma de Horowitz,
uma de Toscanini e uma de Bernstein: diferenças no agrupamento das notas, no fraseado, na respi-
ração, na articulação, no valor da pausa, no valor da nota.19.

Estas diferenças constituem a essência do que percebemos como interpretações


singulares. Escutamos gravação para entendermos como outros músicos, ao interpreta-
rem a mesma partitura, atingem interpretações diferentes. Se isto é verdade, então por-
que não deveríamos copiar os aspectos singulares destas interpretações realizadas por
artistas tão renomados? Porque não podemos selecionar o que mais gostamos para criar a
nossa execução original?
Peter Kivy, ao discutir a autenticidade e a arte da execução, argumenta com
eloquência que uma execução para ser artística deve emanar
como uma “extensão” direta (por assim dizer) da personalidade do próprio artista, e não como uma
imitação derivativa do trabalho de outro artista. E... é somente através desta autenticidade pessoal
que o artista pode atingir duas das qualidades mais admiradas no trabalho artístico: estilo e origi-
nalidade. Se um artista... se mantem verdadeiro aos seus próprios valores, gostos e intuição estéti-
ca, [e]...se seus valores, gostos e intuições forem interessantes e viáveis, seu trabalho pode resultar
em um estilo individual, incofundivelmente próprio, e também original. Mas se o artista segue as
idéias alheias como um escravo, sejam quais forem as qualidades admiráveis que sua arte possa ter,
seu estilo será derivativo e suas obra não terão originalidade. 20

Se aceitarmos a posição de Kivy, ou seja, concordarmos que a cópia não produz nada
além de uma arte derivativa, porque deveríamos ouvir gravações? O que um executante
pode aprender da gravação que não pode ser aprendido na análise da partitura?
Esta pergunta nos levará a questões como: O que é uma partitura? Qual o tipo de
dado que é codificado na partitura? A partitura é uma prescrição para uma única execução
verdadeira ou uma receita para múltiplas versões?
Cook responde a primeira destas perguntas afirmando que:
A partitura de uma obra musical, então, não é em sentido algum uma representação direta do seu
som musical mas sim uma combinação de certas características do estímulo musical com aquelas
elicitadas pela resposta do ouvinte, e esta combinação se processa de maneira bastante informal.21

A discussão de Cook sobre partitura inclui portanto a resposta do ouvinte. Se uma


partitura expressa “certas características do estímulo musical” para o ouvinte, gravações
como mídia tem a mesma função. A questão aqui não é se o ouvinte gosta da interpreta-
ção de um artista mais do que a de outro, ao invés disto, o que nos interessa nas gravaçãoes
é que sendo “uma representação do som musical” de uma obra, também podem ser
usadas como ferramenta complementar para a leitura da partitura. Cook questiona o real
valor da informação obtida em textos. Para ele partituras não são
uma representação objetiva dos dados musicais. Por uma lado [partituras] não podem ser relacio-
nadas ao som físico da música a não ser por meio de algum tipo de análise contextual que involve
atribuições psicológicas de alturas; mas por outro lado não são mais do que um guia aproximado
dos julgamentos de alturas que ouvintes e executantes na realidade fazem, de forma que uma
análise dedutiva da partitura revela mais sobre as propriedades da notação do que sobre dados
específicos da música em questão. 22
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Se é verdade que as partituras oferecem apenas uma guia para as execução de
ritmos e alturas, também é verdade que estas partituras contém informaçõs fixas que nos
permitem estudar como estes parametros são executados por diferentes intérpretes. Por
exemplo, podemos entender muito mais sobre as concepções de ritmo e afinação de
Heifetz através de suas gravações do que através de um exame de suas partituras pesso-
ais.
As possibilidades do estudo de gravações ampliam-se quando consideramos outros
parâmetros musicais. Para Cook,
quando um compositor escreve música, ele está se colocando em uma posição de forte dependên-
cia do ouvido musical e da imaginação de seu leitor que irá suprir com precisão os valores
intervalares, rítmicos e dinâmicos que a notação omite, assim como este ouvinte precisa contri-
buir para os valores sonoros, dramáticos e emocionais que não podem de forma alguma serem
especificados na partitura. 23

Para que possamos detectar e comprender as sutís diferenças na leitura da partitura


que resultam em diferentes intepretações descritas por Kivy, precisamos nos munir de
diretrizes específicas para o estudo de gravações. A comparação de gravações não irá
garantir respostas definitivas—a não ser que queiramos copiá-las—mas podem oferecer
apoio valioso na compreensão da mudança de gostos e convenções no decorrer do tem-
po. Podemos também estudar as características individuais de um executante, ou os ele-
mentos comuns de estílo de um período ou de uma escola de execução. Compreender o
que faz uma execução “original”, ao invés de copiar, pode contribuir para que um execu-
tante formate seus valores, gostos e intuição estética, que por sua vez, poderá levar a um
estilo individual.
O número crescente de estudiosos que comparam gravações indica que existe, de
fato, um vasto conhecimento a ser ganho através deste recurso. Seus artigos não se cons-
tituem apenas em críticas para revistas especializadas. A análise de gravações desenvolve
e aprofunda muito assuntos tais como: Por que executantes devem estudar gravações?
As indicações de tempo da partitura deven ser seguidas tão fielmente quanto as indica-
ções de valores e alturas?
O estudo das diferenças estilisticas atráves do tempo, o que coloquialmente chama-
mos de “estar na moda”,e o estílo específico sugerido por um gênero musical ou por títulos
sugestivos são duas áreas que considero ricas em oportunidades para o pesquisador bra-
sileiro.Títulos como Valsa de Esquina,Tango Brasileiro, Impressões Seresteiras, Choro Tortu-
rado entre tantos outros, sugerem estudos para localizarmos se há alguma unidade no
entendimento dos executantes quanto às implicações deste adjetivo modificador do
título na execução. A valsa de esquina tem semelhança com a valsa vienense de Strauss ou
com as valsas de Tchaikowsky? Ou melhor dizendo, o que a faz ser uma valsa brasileira?
São vários os parametros que contribuem para este resultado. Elementos como articula-
ção e dinamica são dificeis de quantificar, mas as variações de tempo são mensuraveis
com bastante facilidade e sem equipamentos cientificos. Segundo Bowen, torna-se difícil
avaliar os aspectos singulares de uma execução porque muitas decisões são influenciadas
por convenções de estilo e tradição, não por escolha individual. A decisão de um intérpre-

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te de iniciar um a tempo antes ou depois do ponto indicado, por exemplo, pode estar
baseada em múltiplas opções interpretativas ditadas pela tradição daquela passagem em
particular. Ele propõe que pesquisas devam focalizar mais práticas de execução e menos
no texto, em outras palavras, o que os contemporâneos de uma obra valorizaram como
uma bela execução. Ele aborda a questão de períodos estilísticos com uma analogia do
sotaque que caracteriza a linguagem de uma região específica, ou ainda o sotaque que
identifica o estrangeiro. Da maneira que nos sentimos em relação ao nosso próprio sota-
que e portanto para nós natural—os outros é que soam estranhos. Por isto, os executantes
do nosso tempo soam naturais enquanto os antigos mostram graus variados de sotaques.
Ao estudar textos, nós dificilmente podemos determinar o sotaque particular que teria
matizado uma execução, mas as gravações antigas oferecem uma variedade de “sota-
ques” para comparação. Continuando com a analogia da linguagem, Bowen nos lembra
que o aprendizado de uma nova língua abre portas em ambas as direções. Aprende-se
que existem maneira alternativas para a expressão de idéias. 24
Esta questão do sotaque é muito apropriada ao estudo de obras com caracteristicas
nacionalistas pois podemos estudar como vários interpretes imprimem um “sotaque”
diferente dependendo de sua formação ou estilos próprios. O trabalho apresentado nesta
mesa será um estudo comparativo de sete interpretações da Valsa de Esquina nº 2 de
Francisco Mignone. Atráves de um estudo das variações de tempo procuraremos enten-
der como o sotaque dos diferentes executantes colore a realização desta obra cuja
partitura tem fartas indicações de rubato e caráter. Que o rubato é decisivo na realização
desta obra fica evidente assim que ouvimos mais de uma interpretação. Foi a curiosodade
de ver como cada interprete molda sua concepção temporal que nos leva a considerar
esta obra como o objeto deste estudo.
Epstein considera que o pulso estável é também um fator no rubato. O fraseado
aparentemente livro do rubato é justaposto a uma matriz periódica estabelecida pelo
pulso. O rubato na frase então é ouvido e compreendida a partir do desvio do pulso e
subsequente retorno em fase com o pulso, o processo portanto é duplo com sistemas
temporais acoplados que correm em paralelo.25
As intrepretações da Valsa de Esquina nº 2 de Francisco Mignone que estudamos são
uma excelente via para compreendermos este processo. Não temos por objetivo escolher
a melhor realização ou a realização mais fidedigna da partitura e sim compreendr o pro-
cesso de moldar o tempo de cada intérprete. Acredito que este entendimento é uma
ferramenta poderosa para a tomada de nossas decisões em questões de tempo. No caso
da Valsa de Esquina nº 2 podemos ainda constatar que grande parte do “sotaque”, especi-
almente na versão do compositor, está ligada a elementos de articulação que, embora não
possam ser quantificados, podem ser fácilmente assimilados quando colocados vis-a-vis
com os gráficos da estrutura de tempos de cada versão.

Notas
19
Peter Kivy, Authenticities (Cornell University Press, 1955), 133.
20
Ibid, 123.

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21
Nicholas Cook, Musical Analysis and the Listener (New York: Garland, 1989), 154.
22
Ibid, 207
23
Ibid., 227.
24
Bowen, Performance Practice, 33.
25
Epstein, Shaping Time, 449.

Referências
Bowen, José. “Performance Practice versus Performance Analysis: Why should Performers
Study Performance?” Performance Practice Review Vol. 9/1 (1996) : 16-35.
Bowen, José. “Tempo, Duration, and Flexibility: Techniques in the Analysis of Performance.”
The Journal of Musicological Research XVI/2 (1996) : 111-156.
Cook, Nicholas. Musical Analysis and the Listener. New York: Garland, 1989.
Epstein, David. Shaping Time. New York, Schirmer Books, 1995.
Gerling, Fredi. Performance Analysis and Analysis for Performance: A Study of Villa-Lobos’s
Bachianas Brasileiras No. 9, D.M.A Essay University of Iowa, 2000.
Kivy, Peter. Authenticities. Ithaca: Cornell University Press, 1995.

Reflexões Críticas sobre a Pesquisa em Música


no Brasil: Alguns Anos Depois

Jamary Oliveira
jamary@ufba.br
Universidade Federal da Bahia

Em 1992 tivemos a honra de proferir a aula inaugural do Programa de Pós-Gradua-


ção em Música da UFRGS, ocasião na qual apresentamos uma série de reflexões sobre a
pesquisa em nossa área. Tendo esse trabalho como referência, aproveitamos a oportuni-
dade para examinar algumas de nossas afirmações e, 15 anos depois, voltar a refletir sobre
as mudanças, avanços e retrocessos.

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Sessão temática especial:
Relato de Experiência

O efeito de exercícios corporais como


esquentamento e preparação para recital
público de piano

Alda Oliveira
olival@ufba.br
Universidade Federal da Bahia

Resumo
Este texto se relaciona com o tema ansiedade na performance. A autora fala do
efeito do uso de exercícios físicos antes da performance pública (recital de piano)
em um teste aplicado em si mesma, no auditório da Reitoria da UFBA. Estudos
médicos na área de esportes são relatados para descrever o que acontece a partir
dos exercícios corporais em homens e mulheres.
Abstract: This text is related to the subject performance anxiety. The author
describes the effects of using body exercises before a public performance (piano
recital) in a self- made test at the Reitoria auditorium (UFBA). Medical studies in
sports are analyzed to describe what happens when body exercises are done by
men and women.

Relato
Este texto se relaciona com o tema ansiedade na performance, popularmente co-
nhecida como medo do palco. Nem todos os músicos são afetados por esse tipo de
ansiedade pois depende de outras variáveis como personalidade e aspectos clínicos que
permitam a pessoa estar susceptível a este problema. A literatura nos informa que a
ansiedade na performance não se restringe somente a amadores, mas também a grandes
músicos. Os sintomas são palpitações do coração, rigidez muscular, falta de ar, náuseas,
boca seca, dificuldade de engolir, distúrbios visuais como vista turva, suor nas mãos e na
testa e alfinetadas musculares (Hargreaves & North, 1997, pp. 229-230). A ansiedade na
performance é um problema comum entre músicos amadores e profissionais que se

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instala freqüentemente em situações de avaliação e exposição ao público. Os tratamen-
tos mais bem sucedidos “combinam treinamento de relaxamento com inoculação da
ansiedade (desenvolvendo expectativas realísticas aos sintomas autonômicos) e
reestruturação cognitiva (modificando a própria fala numa direção positiva).” (idem, p.
243) Outras técnicas têm sido testadas, como a técnica Alexander, a hipnose ou a adminis-
tração de drogas beta-bloqueadoras.
Dentre essas técnicas de tratamento, são mais comuns abordagens que lidam com
treinamento de concentração, relaxamento corporal. Embora a técnica Alexander (TA)
não seja dirigida especificamente para aliviar a ansiedade na performance, ela tem sido
usada por músicos. A TA usa instruções verbais e procedimentos práticos visando corrigir
hábitos posturais, economizar energia para executar as passagens que exigem mais esfor-
ço e também para desenvolver o equilíbrio de movimentos de forma a aliviar as tensões
corporais. Hargreaves menciona o estudo feito por Valentine et al (1995) que pesquisou
a TA em 25 músicos que tiveram 15 aulas de TA e os comparou com um grupo controle
que não teve aulas de TA. Após medidas fisiológicas, auto-avaliação dos índices de ansie-
dade, e avaliação de vídeos da performance musical por juízes independentes (que igno-
ravam quem foi submetido ao tratamento feito), ficou constatado que o grupo que fez TA
teve superioridade na performance, além de uma atitude mais positiva na execução.
Outras vantagens foram a diminuição das oscilações das batidas do coração e índices
menores de ansiedade. Porém o Dr. Hargreaves pondera que esses resultados só foram
positivos para situações que exigiam pouco stress e que estes não parecem ser transferí-
veis para condições de alto stress, como recitais.
Neste texto, vamos relacionar esse estudo com uma técnica desenvolvida através da
experiência prática, que abordou o problema da ansiedade da performance de forma
oposta, ou seja, com exercícios físicos de esquentamento corporal. Esta foi aplicada es-
pontaneamente por esta autora em si mesma, em 1982 quando fazia um recital de piano
na Reitoria da Universidade Federal da Bahia. Do programa constava a Prole do Bebé n. 2,
completa, de Heitor Villa-Lobos, que posteriormente foi executada também no Teatro da
Paz em Belém do Pará e gravada em disco vinil stereo, apoiado pela UFBA e por três
empresas do Pólo Petroquímico de Camaçari da Bahia.
Os pensamentos que chegavam à mente antes da performance eram relacionados
à responsabilidade da execução, receio de errar, de esquecer trechos ou de ficar nervosa
diante das imensas dificuldades técnicas e interpretativas envolvidas com esse tipo de
performance. A execução da Prole do Bebé n. 2 envolve um longo período de concentra-
ção que dura mais de meia hora. Como o ambiente do auditório da Reitoria era refrigera-
do, fazia muito frio. A ansiedade aumentava pelo fato de ter de tocar aquela obra gigantesca,
naquelas condições. Além disso, a obra necessitava de muito esforço técnico e de prepa-
ração física, pois tem partes com acordes, oitavas, andamentos rápidos, saltos, notas repe-
tidas, etc. A decisão foi drástica: fazer movimentos corporais exagerados visando esquentar
os músculos, coisa que nunca antes havia tentado fazer consigo mesma. Os tipos de
movimentos usados foram: andar rápido, levantar os braços várias vezes, correr no lugar,
pular, agachar, alongar braços e pernas, dar pequenos e súbitos sons vocais. Os movimen-
tos foram bastante exagerados até sentir os músculos fortes, quentes e prontos para a

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execução. A entrada no auditório da Reitoria foi rápida, quase correndo. Ao sentar no
piano, imediatamente segui-se o toque da música. Foi incrível: o resultado foi uma sensa-
ção de muita calma, coração tranqüilo, facilidade em tocar as notas no teclado, transferên-
cia do peso do corpo para os braços apoiados no teclado devido ao relaxamento físico.
Além disso, a memória ficou tão boa que não houve erros. Foi uma sensação muito boa a
de ter conseguido aquela execução impecável e com calma, o que raramente acontece
em recital público. Sempre ocorrem alguns erros ocasionais. A concentração na
performance foi total e impecável.
Pessoalmente, senti como se esta fosse a melhor performance que já havia feito
desta obra. E isso tudo diante do público, o qual eu nem percebia, diante da concentração
que eu estava naquele momento quase mágico. Eu senti como se estivesse anestesiada
para coisas relacionadas com nervoso de palco. Depois desse fato, comecei a me pergun-
tar se os exercícios físicos para esquentamento corporal feitos antes da performance
tinham realmente ajudado a diminuir o stress da performance em público. Apesar da
decisão ter sido aleatória e arriscada, foi bem sucedida neste caso.
Fazendo um revisão da literatura médica e relacionada aos esportes, encontramos
estudos que podem explicar em parte, os resultados do relato acima. Resultados do
estudo dos pesquisadores alemães Heitkamp, Schulz, Rocker e Dickhuth (1998), indicam
que o treinamento de resistência modula as respostas hormonais de beta-EP e ACTH a
comparáveis cargas de trabalho de alta intensidade. Depois do programa de treinamento
as máximas concentrações são significativamente mais baixas durante o período de recu-
peração. A tendência à elevação basal de ACTH, e conseqüentemente elevação de cortisol,
pode ser um novo fator a ser considerado na avaliação dos distúrbios hormonais induzidos
no treinamento de resistência em mulheres.
Pesquisadores suíços, do Hospital da Universidade de Genebra, estudaram os efeitos
de uma ultra-maratona de 110 kilômetros nos níveis plasmáticos de hormônios. Eles
analisaram amostras de sangue de 11 corredores treinados durante a maratona e compa-
raram com um grupo controle que seguiu a corrida. Eles estudaram as modificações
ocorridas com os hormônios sexuais, cortisol, prolactina (PRL) e beta-endorfinas. O cortisol
e as beta-endorfinas tiveram um aumento significativo durante a corrida, sem modifica-
ção significativa depois da segunda fase da corrida. A tetosterona diminuiu ao longo da
corrida. O hormônio Luteinising (LH) ficou mais baixo no final da corrida comparado com
o início nos corredores treinados. Não houve modificação de prolactina (PRL) nos corre-
dores. A maioria das modificações, exceto o testosterona, foram observadas desde o
início até a segunda etapa da corrida; mesmo na performance exaustiva nenhuma modi-
ficação foi notada daquele ponto em diante. (Fournier, Stalder, Mermillod e Chantraine,
1997)
Estudo realizado por Heitkamp, Huber e Scheib (1996) na Alemanha sobre as respos-
tas de 14 corredoras mulheres relativas à beta-endorfina e à adrenocorticotrofina depois
de exercícios e corrida em maratona mostram que as corredoras comparadas com os
homens, apresentam concentrações na linha de base e maiores aumentos em ACTH
depois de ambos os tipos de exercícios. A diminuição retardada na concentração de
hormônios depois da maratona foi similar em corredores masculinos e femininos.

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Na Austrália, os pesquisadores Harte, Eifert e Smith (1995) estudaram os efeitos de
correr e meditar na beta-endorfina, na liberação do hormônio corticotropina e do corticol
no plasma e no humor. A beta-endorfina pertence à família dos opióides, responsáveis
pelo bem estar. Foram analisadas as relações entre 3 hormônios: o hipotalâmico-pituitátio-
adrenocorticical (HPA), axis, beta-endorfina (beta-EP), liberação do hormônio corticotropina
(CRH) e cortisol na mudança de humor em 11 corredores de elite e 12 altamente treina-
dos mediadores emparelhados em idade, sexo e personalidade. Apesar das diferenças
metabólicas entre correr e meditar, os pesquisadores previram que a mudança de humor
depois destas atividades seriam similares quando associadas com mudanças similares de
hormônios. Comparando com os valores do pré-teste e do controle, o humor ficou eleva-
do depois de ambas as atividades mas não significativamente diferente entre os dois
grupos no pós-teste. Houve elevações significativas de beta-EP e CRH depois da corrida e
de CRH depois da meditação, mas não houve diferenças significativas na elevação em
CRH entre os grupos. CRH foi correlacionado com mudanças positivas em mudanças de
humor depois da corrida e da meditação. Os níveis de cortisol foram geralmente altos mas
erráticos em ambos os grupos. Os autores concluem que o efeito positivo está associado
com a imunoreatividade do plasma CRH que está significantemente associado com a
circulação de beta-EP dando suporte ao papel do CRH na liberação de beta-EP. O aumento
da imunoreatividade CRH que seguiu a meditação indicou entretanto, que o exercício
físico não é um requerimento essencial para a liberação de CRH.
Pierce e Pate (1993), em Richmond, Virgínia, estudaram as alterações no humor
em 16 adultos idosos após exercícios intensos. Nesta pesquisa houve também aumento
significativo de beta-endorfina e ACTH em magnitudes similares, com a tendência da
beta-endorfina ser mais alta depois da corrida de maratona. As concentrações de ambos
os hormônios aumentaram exponencialmente durante a corrida da maratona. Correla-
ções positivas entre beta-endorfina e concentração de ACTH foram determinadas no
final de ambas as corridas. Foi constatado que os exercícios exaustivos como corrida de
maratona induzem um aumento de magnitude similar tanto de beta-endorfina como
de ACTH.
Kraemer, Dzewaltowski, Blair, Rinehardt e Castracane (1990), na Universidade Esta-
dual do Oeste do Texas examinaram os efeitos da corrida na alteração do humor em
homens e mulheres e suas relações com as mudanças de beta-endorfina (B-EM),
corticotropina (ACTH) e hormônio do crescimento (GH). O humor melhorou depois da
corrida para ambos os sexos sem concomitante aumento em B-EM. Parece que um
aumento em concentração de beta-endorfina periférica pode não ser uma contribuição
principal para melhorar o humor relacionado ao exercício, mas é um indicador de humor
negativo em homens.
Strassman, Appenzeller, Lewy, Qualls e Peake (1989) estudaram em 46 pessoas o
aumento na melatonina do plasma, a beta-endorfina e o cortisol depois de uma corrida de
28.5 milhas em alta altitude na montanha e fizeram a relação com a performance e a
ausência de efeito de naltrexone. A pesquisa foi feita na cidade de Albuquerque, EUA. Eles
concluíram que exercício prolongado em atletas treinados pode aumentar a melatonina
no plasma e que este aumento não é devido à liberação concomitante de opióides.

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Na Itália, Universidade de Modena, os pesquisadores Petraglia, Bacci Modena, Comitini,
Scazzina, Facchinetti, Fiasch Genazzani, Barletta, Scavo e Genazzani (1990) constataram o
aumento dos níveis de beta-endorfina no plasma e de beta-lipotropina em 15 atletas bem
treinados depois de exercícios competitivos e não competitivos. Em todos os atletas, os
níveis tanto do plasma beta-EP quanto do beta-LPH foram significativamente mais altos
depois do final da corrida maratona do que em condições basais (p menos do que 0.01). O
exercício prolongado com bicicleta ergonômica significantemente estimulou os níveis do
plasma beta-EP e do beta-LPH. Estes dados confirmam que a corrida de maratona é um
potente estímulo para o stress, mostram que a duração e os fatores relacionados mas não
a carga de trabalho pode ser considerado crítico para estimular a liberação de beta-EP e
beta-LPH durante o exercício físico.
Após o relato deste caso na performance em recital de piano e da revisão de estudos
relacionados com exercícios físicos, humor e liberação de hormônios relacionados ao
bem estar, recomendamos uma testagem sistemática de técnicas de esquentamento
com exercícios corporais em outros sujeitos em situação de performance musical pública,
a fim de testar a sua eficácia e também de estudar o que acontece em relação aos
hormônios a partir dos exercícios e da meditação, visando facilitar a performance musical
tanto de músicos profissionais como de amadores de várias idades.

Referências
Fournier PE, Stalder J, Mermillod B, Chantraine A. Effects of a 110 kilometers ultra-marathon
race on plasma hormone levels. Int J Sports Med. 1997 May;18(4):252-6.Related Articles, Links.
Division of Physical Medicine and Rehabilitation, University Hospital Geneva, Switzerland.
Hargreaves, David & North, Adrian (Eds.). The social psychology of music. Oxford: Oxford
University Press, 1997.
Harte JL, Eifert GH, Smith R. The effects of running and meditation on beta-endorphin,
corticotropin-releasing hormone and cortisol in plasma, and on mood. Biol Psychol. 1995
Jun;40(3):251-65.Related Articles, Links. School of Behavioral Sciences, James Cook University
of North Queensland, Townsville, Australia.
Heitkamp HC, Huber W, Scheib K. Beta-Endorphin and adrenocorticotrophin after
incremental exercise and marathon running—female responses. Eur J Appl Physiol Occup
Physiol. 1996;72(5-6):417-24.Related Articles, Links. Medical Clinic and Polyclinic, Department
of Sportsmedicine, Tubingen, Germany.
Heitkamp HC, Schmid K, Scheib K. Beta-endorphin and adrenocorticotropic hormone
production during marathon and incremental exercise. Eur J Appl Physiol Occup Physiol.
1993;66(3):269-74. Related Articles, Links Medical Clinic, University of Tubingen, Germany.
Heitkamp HC, Schulz H, Rocker K, Dickhuth HH. Endurance training in females: changes in
beta-endorphin and ACTH. Int J Sports Med. 1998 May;19(4):260-4. Related Articles, Links.
Medical Clinic and Polyclinic, Department of Sports Medicine, Tubingen, Germany.
Kraemer RR, Dzewaltowski DA, Blair MS, Rinehardt KF, Castracane VD. Mood alteration from
treadmill running and its relationship to beta-endorphin, corticotropin, and growth
hormone. J Sports Med Phys Fitness. 1990 Sep;30(3):241-6.Related Articles, Links Killgore
Research Center, West Texas State University, Canyon 79016
Oliveira, Alda. Piano. Heitor Villa-Lobos e Jamary Oliveira. Salvador: UFA, disco vinil stereo
1012, Studios WR, 1987.

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Petraglia F, Bacchi Modena A, Comitini G, Scazzina D, Facchinetti F, Fiaschetti D, Genazzani AD,
Barletta C, Scavo D, Genazzani AR Plasma beta-endorphin and beta-lipotropin levels
increase in well trained athletes after competition and non competitive exercise. J Clin
Endocrinol Metab. 1989 Sep;69(3):540-5.Related Articles, Links Clinica Ostetrica e
Ginecologica, Universita di Modena, Italy.
Pierce EF, Pate DW. Mood alterations in older adults following acute exercise. Department of
Health and Sport Science, University of Richmond, VA 23173
Pierce EF, Pate DW. Mood alterations in older adults following acute exercise. Percept Mot
Skills. 1994 Aug;79(1 Pt 1):191-4.Related Articles, Links Department of Health and Sport
Science, University of Richmond, VA 23173.
Scavo D, Barletta C, Vagiri D, Letizia C. Adrenocorticotropic hormone, beta-endorphin,
cortisol, growth hormone and prolactin circulating levels in nineteen athletes before and
after half-marathon and marathon. J Sports Med Phys Fitness. 1991 Sep;31(3):401-6.Related
Articles, Links I Patologia Medica, University La Sapienza, Rome, Italy.
Strassman RJ, Appenzeller O, Lewy AJ, Qualls CR, Peake GT. Increase in plasma melatonin,
beta-endorphin, and cortisol after a 28.5-mile mountain race: relationship to performance
and lack of effect of naltrexone. Department of Psychiatry, University of New Mexico School
of Medicine, Albuquerque 87131.
A Dra. Isabel Martinez, Vice-presidente da Sociedad Argentina para las Ciencias Cognitivas
de la Musica (SACCOM) e professora da Universidad Nacional de La Plata, fará um relato
sobre as atividades da associação.
Dr. Isabel Martinez, Vice-President of the Argentinean Society for the Cognitive Sciences of
Music, will share with us some of the history of this association.

Pesquisa em performance musical e psicologia


da música na UFBA

Diana Santiago
Universidade Federal da Bahia (Brasil)
disant@ufba.br

Desde que Dunsby, em 1995, afirmou que:


“menciono o termo ‘disciplina’ dos estudos em performance musical como se ela
existisse, mas, pode-se bem dizer que esse termo, atualmente, significa meramente ‘ma-
téria’ ou ‘tópico’.‘Disciplina’, em si, implica num corpo de conhecimentos herdado e numa
ordem em tudo o que seja levado adiante em seu nome, mesmo se subversivamente”1,

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a área teve seu corpo teórico bastante aprofundado pelos esforços da comunidade
internacional. Os livros de Rink (1995; 2002) e Parncutt & McPherson (2002) comprovam
isto muito bem.
No Brasil, a pesquisa em performance também cresceu nas últimas décadas (Borém,
2005), assim como o interesse pela psicologia da música, o que pôde ser percebido no I
Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais (I SINCAM) realizado em Curitiba em
março de 2005. Pesquisas que combinem ambas as áreas, contudo, são ainda escassas.
Borém, ao discorrer sobre as tendências da pesquisa em performance musical no Brasil,
distribui as dissertações de mestrado e teses de doutorado defendidas em cursos de pós-
graduação brasileiros na área da performance musical entre 1981-2001 em dois grandes
grupos: aquelas que tratam da performance musical “pura” e aquelas de caráter
interdisciplinar. Estas últimas, ele as classifica em sete categorias, que não incluem a psico-
logia da música: performance musical e análise; performance musical e musicologia;
performance musical e educação musical; performance musical e composição; performance
musical e música popular brasileira (etnomusicologia); performance musical e medicina/
educação física; performance musical e sociologia/filosofia. Apenas quando trata dos tra-
balhos apresentados no I Seminário Nacional de Pesquisa em Performance Musical (I
SNPPM) realizado em Belo Horizonte em 2000, indica o percentual de 4,3% dos trabalhos
como pertencentes à categoria performance e medicina/psicologia. Menciona, ainda, a
presença de artigo na categoria da psicologia transpessoal dentre os publicados na Revista
PerMusi, da qual é editor. Quanto ao que pode ser percebido nos Anais do I SINCAM nos
informam, dos doze trabalhos apresentados na sessão voltada à performance,“ A mente e
a produção das artes musicais”,seis o foram por brasileiros e, destes, apenas dois são relatos
de investigações.
Nesse contexto, a produção do Núcleo de Pesquisa em Performance Musical e
Psicologia (NUPSIMUS) da Universidade Federal da Bahia (UFBA) revela um interesse con-
tinuado na psicologia da música ao longo de seus doze anos de existência. Nosso interes-
se na área levou-nos, em 1995, a criá-lo. São objetivos do NUPSIMUS:
a) investigar os processos mentais, emocionais e físicos envolvidos no ato da execu-
ção musical, de modo a esclarecer o ato da elaboração de performances por músicos e b)
estudar as características da personalidade do músico e os fatores que o motivam em seu
trabalho, de modo a compreender de que maneira essas características e esses fatores
afetam seu desempenho.
A partir dos resultados obtidos, esperamos gerar técnicas de ensaio que otimizem a
utilização do instrumento musical, do corpo e do tempo pelo músico. Acreditamos, com
Ericson (1997), que um possível caminho para a pesquisa em performance musical seja o
da utilização das metodologias de pesquisa em psicologia e em esporte. Deste modo,
podem ser aprofundados estudos voltados aos aspectos físicos, emocionais e mentais
presentes no ato da performance, aspectos esses que envolvem motivação, ansiedade,
desempenho, comprometimento, motricidade e cognição.
Dentre os projetos de pesquisa que contaram com a participação de bolsistas de
iniciação científica do programa de iniciação científica do Conselho Nacional de Desen-
volvimento Científico e Tecnológico do Brasil (PIBIC/CNPq) e, mais recentemente, da

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Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB), já em 19932 tratávamos de
buscar compreender os mecanismos da prática musical. Para tanto, desenvolvemos o
projeto “A importância da enfatização dos aspectos cognitivos no ato da interpretação
musical”3, utilizando, como instrumentos de coleta de dados, fichas de observação de
sessões de prática e entrevistas semi-estruturadas. Utilizou-se repertório de apreciação
musical e de execução em um grupo controle e um experimental; ao término da aplica-
ção das atividades, foi realizado um teste e um “mapeamento cognitivo” dos sujeitos
envolvidos.
Em 1994, pesquisávamos “Características da motivação do aluno de escola pública
com curso profissionalizante em música em Salvador, Bahia”,por meio de questionários4
distribuídos entre os alunos do Colégio Estadual Aristides Novis.
“Padrões do desenvolvimento psicomotor e comportamentos musicais de resposta
em crianças de classe social menos favorecida” era um projeto que lidava com a psicologia
do desenvolvimento de forma comparativa, nos anos de 1994 e 1995. Este projeto desen-
volveu-se na “Organização de Auxílio Fraterno”(OAF), em Salvador, Bahia, e na Creche da
UFBA5. Trabalhamos com estimulação musical por meio de voz, palmas, e/ou batimentos
rítmicos corporais e com intrumentos musicais e brinquedos sonoros disponíveis. Os sujei-
tos foram agrupados randomicamente, por faixa etária, e observados semanalmente du-
rante três meses, sendo o tempo de cada sessão de quarenta minutos. Os dados foram
coletados em lista de checagem elaborada especificamente para o projeto. Os comporta-
mentos musicais de resposta encontrados foram classificados levando-se em conta sexo,
grupo etário e raça. Comparou-se os grupos de estrato social diferentes, cada um deles
observado em uma das intituições.
Entre 1995 e 1997, com o projeto “Atividades rítmicas e melódicas apropriadas à
primeira infância”6, buscávamos melhor compreender o processo do desenvolvimento da
realização musical infantil através da testagem de atividades musicais elaboradas para as
faixas etárias de 2 a 3 e de 3 a 4 anos de idade. Os dados foram coletados através da
observação das respostas das crianças às atividades aplicadas, nas seguintes categorias:
Reprodução Melódica, Reprodução Rítmica, Audição Atenta e Sentido de Pulsação. As
atividades tidas como eficientes para cada faixa etária foram determinadas, e o trabalho
culminou com a produção de uma fita cassete intitulada “Cantinhos de brincar”.
De 1997 a 1999, investigamos habilidades musicais funcionais no ensino do piano,
definidas como“todas as atividades musicais que fornecem situações práticas capazes de
originar padrões psicomotores ou cognitivos que podem ser transferidos a outras situa-
ções musicais, contribuindo para uma conscientização do fazer musical”, com o projeto
“Parâmetros curriculares para o desenvolvimento de habilidades funcionais musicais”.7
Tradicionalmente, o ensino do piano centra-se até hoje no objetivo da execução de con-
certo ou recital, numa abordagem que privilegia os alunos considerados “talentosos”,pe-
nalizando os demais. Este projeto de pesquisa objetivou contribuir para a elaboração de
um currículo abrangente para o ensino do instrumento, com características brasileiras,
considerando três faixas etárias e dois níveis de interesse (profissional ou amador). As
atividades constituíram-se em dois grandes grupos – 1) técnica e 2) execução –, respecti-
vamente subdivididos em: 1) escalas, passagem do polegar, independência de dedos/

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destreza digital, posição da mão, relaxamento; e 2) leitura rítmica, leitura tonal, execução
rítmica, memória, andamento, sinais de dinâmica, sinais de intensidade, ligadura/staccato,
fraseado, ritmo, tempo. O projeto foi selecionado para discussão no Grupo de Trabalho
“Subsídios para Currículos de Cursos de Graduação em Música” que se reuniu no XI Encon-
tro Anual da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música do Brasil, reali-
zado em 1998 na Universidade Estadual de Campinas, estado de São Paulo.
Na tese de doutorado “Proporções nos Ponteios para piano de Camargo Guarnieri:
um estudo sobre representações mentais em performance musical” (Santiago, 2002),
como o título indica, as análises de cada um dos ponteios foram inseridas num estudo
sobre as representações mentais em música, que buscou fundamentar a contribuição do
instrumento de análise aplicado (o gráfico de proporções desenvolvido por Elizabeth
Rangel Pinheiro) como auxiliar no processo de construção da imagem mental do intérpre-
te, a partir de elementos da psicologia cognitiva e da psicologia junguiana. O objetivo geral
foi o de estabelecer registros para um sistema conceptual pertinente à pesquisa na área
de performance musical e o objetivo específico, contribuir para a sistematização de uma
metodologia para elaboração de planos de interpretação pianística.
No projeto concluído agora em março de 2007, “Aspectos da construção da
performance pelo músico”, objetivamos analisar a construção da performance em peças
selecionadas para piano, buscando contribuir para a sistematização de uma metodologia
de estudo da elaboração da performance musical pelo músico8. Procuramos resolver os
seguintes problemas: considerando-se uma ou mais performances de uma obra musical
realizadas por um mesmo intérprete, o que se pode inferir no que se refere à concepção
do intérprete a respeito desta obra? Qual a discrepância entre a imagem mental de uma
performance pelo músico e sua realização na prática?
Após o levantamento bibliográfico de estudos na área da construção da performance
musical, desenhamos um subprojeto em que foi realizado o pré-teste do instrumento de
coleta para o projeto em si. Denominado “Aspectos da construção da performance pelo
pianista”,esse subprojeto teve como sujeitos quatro alunos de piano dos cursos da UFBA,
voluntários. O critério para aceitação dos mesmos consistiu em que não fossem alunos da
graduação em piano. Três cursavam Licenciatura em Música e um cursava Regência. A
peça musical selecionada para a aplicação desse pré-teste foi o “Choro” da 1ª Suíte Infantil
de Guerra Peixe(1914-1993). As peças foram gravadas em três estágios: após uma semana
de estudo; no estágio intermediário de sua aprendizagem; no estágio final de sua apren-
dizagem. Cada sujeito foi entrevistado oralmente após cada sessão de gravação, por meio
de questionário elaborado especificamente para este fim. A entrevista procurou conhe-
cer: o tempo de estudo do piano; a motivação para o estudo do instrumento; as percep-
ções do sujeito sobre a peça; observações do sujeito antes de iniciar o estudo;
procedimentos de aprendizagem realizados; imagens mentais utilizadas durante a apren-
dizagem/performance; sentimentos que o sujeito percebe em sua relação com a peça.
Após a transcrição das entrevistas, seu conteúdo foi analisado para identificar as caracterís-
ticas do modo de construção da performance por cada sujeito-intérprete; elaborar perfil
dos tipos de intérpretes encontrados, e comparar os dados obtidos com os resultados dos
estudos selecionados no processo de levantamento bibliográfico. O pouco número de

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sujeitos não nos permite generalizações, nem é o que pretendemos; contudo, pudemos
perceber diferenças nas abordagens de prática de cada um.
Um segundo subprojeto foi iniciado em agosto de 2005,“Construção da performance
por um aluno de graduação em piano: um estudo de caso”, que incluiu análise do diário de
prática escrito pelo sujeito. Os objetivos deste trabalho foram observar, registrar e analisar
sessões de prática de um aluno da graduação em piano durante o aprendizado da peça
musical “Idílio na Rêde”, da Suíte Floral de H. Villa-Lobos (1917) designada ao mesmo.
Pretendeu-se, com isso, esclarecer aspectos da construção da sua performance musical,
tais como estilo de aprendizagem, técnica e memorização e comparar os dados com
achados da literatura na área.
O registro dessas sessões foi feito através de filmagem em fita VHS sem determina-
ção prévia de duração por sessão. As transcrições foram submetidas a posterior análise por
meio da categorização dos comportamentos observados. Em paralelo, foram realizadas
entrevistas com o sujeito (através de gravação por MD), utilizando questionário elaborado
para tal fim, dando complemento à sua pesquisa em psicologia musical. Também foi
acompanhada, por meio da leitura, a elaboração de um diário de prática escrito pelo
sujeito, em outras sessões de estudo que não foram filmadas. Esses registros no diário não
foram extensos, mas esclareceram alguns processos mentais que ocorreram durante sua
prática. Ao todo, foram realizadas sete gravações e suas transcrições para análise e
categorização. Ao observar como o sujeito da pesquisa praticava, percebeu-se que ele
combinava as abordagens holístico, analista e serialista intuitiva descritas por Hallam (1997),
sendo desta maneira, ainda segundo a classificação de Hallam, aprendizes versáteis. Hou-
ve, assim, a constatação da ocorrência do mesmo perfil encontrado na pesquisa realizada
na Inglaterra. Paralelamente, a partir de agosto de 2005, foram registradas as práticas de 3
alunos da graduação em piano, no que consistiu o cerne do projeto em si. Nele, foram
incorporadas as correções consideradas necessárias no questionário aplicado no primeiro
subprojeto.
Recordando-nos do alerta de Sloboda (1982: 494), de que uma adequada teoria da
performance deve considerar tanto o âmbito das variações que um intérprete pode exibir
em ocasiões sucessivas de execução da mesma peça musical, quanto as limitações dessas
variações que situações específicas impõem – preocupamo-nos em registrar a aprendiza-
gem da peça em três momentos: uma semana após o início da prática, no estágio interme-
diário da aprendizagem e no estágio final da aprendizagem. Definimos o estágio
intermediário de aprendizagem como sendo aquele no qual a peça está fluente, porém,
ainda apresenta inseguranças técnicas ou interpretativas e o estágio final, aquele no qual
a peça já pode ser apresentada em público.
Dentre os resultados encontrados no primeiro de seus subprojetos, “Aspectos da
construção da performance pelo pianista”, durante o processo das entrevistas, pudemos
constatar mudanças significativas (por vezes radicais) nas respostas dos sujeitos. Surpreen-
deu-nos constatar que, nas respostas referentes às observações pré-estudo realizadas
pelos sujeitos, preponderaram, entre os alunos, as preocupações de ordem técnica, e que
o método utilizado para memorizar as músicas continua, em alguns casos, sendo simples-
mente a repetição.

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Os resultados obtidos abrangeram as dimensões da prática citadas por Chaffin et al.
(2002: 167), e demonstraram:
• Avaliação consciente dos erros;
• Observações da peça pelos sujeitos antes da prática;
• Estratégias de prática;
• Técnicas de memorização;
• Utilização da análise;
• Presença de imagens mentais.

No que diz respeito aos elementos da prática musical efetiva como listadas por
Jorgensen (2005: 85-6), os resultados incluíram exemplos de estratégias de seleção e
organização de atividades; estratégias para administração do tempo; estratégias de ensaio
e estratégias de avaliação. O estudo de caso, em particular, permitiu-nos observar vários
estágios da prática como definidos por Chaffin et al. (2002:239-244): exploratório, sessão
por sessão, estágio cinza ou de transição, estágio de juntar a peça, estágio de aperfeiçoa-
mento. Quanto aos perfis dos intérpretes, os resultados apontaram aquelas características
mencionadas por Hallam (1997: 96): o pouco número de sujeitos não nos permitiu gene-
ralizações, nem foi o que pretendemos; contudo, pudemos perceber diferenças nas abor-
dagens de prática de cada um.
Esses diversos trabalhos, em conjunto, têm contribuído para a inserção da pesquisa
em psicologia da música no meio acadêmico brasileiro, culminando, até o momento, com
a criação do Laboratório de Performance Musical e Psicologia da Música do Programa de
Pós- Graduação em Música da Universidade Federal da Bahia, graças a verbas recebidas do
Ministério da Ciência e Tecnologia do Brasil, por esta Universidade, no ano de 2005.

Agradecimentos
Agradeço a todos os bolsistas e voluntários que tive a oportunidade de orientar em
iniciação científica, cujo entusiasmo, dedicação, críticas e sugestões tanto me fizeram
aprender.

Notas
1
“I trot out the term ‘discipline’ of musical performance studies as if it clearly existed, but it is as well to state
that this term at present stands merely for ‘subject’ or ‘topic’. ‘Discipline’ carries the implication of a
receivedbody of knowledge and an orderliness in whatever is conducted in its name, however subversively”.
2
Antes mesmo da criação do NUPSIMUS.
3
Equipe: Santiago, Diana; Fonseca, Ângelo Rafael
4
Equipe: Santiago, Diana; Turenko, Aleksei.
5
Equipe: Santiago, Diana; Turenko, Aleksei; Alves, Juvino; e Goritzki, Elisa.
6
Equipe: Santiago, Diana; Nascimento, Ilma; Fadigas, Jucilene; Seixas, Karina e Ferreira, Lara S. Morelli.
7
Equipe: Santiago, Diana; Garrido, Anita; Almeida, Poliana; e Coutinho, Rosália.
8
Equipe: Santiago, Diana; Brito,Thales da Silva Brito; Wild, Mariana Rodrigues da Silva e Dantas, Estevam Brito
Meireles.

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Relato da Vice-presidente da SACCOM

Isabel Martinez

A Dra. Isabel Martinez, Vice-presidente da Sociedad Argentina para las Ciencias


Cognitivas de la Musica (SACCOM) e professora da Universidad Nacional de La Plata, fará
um relato sobre as atividades da associação.
Dr. Isabel Martinez, Vice-President of the Argentinean Society for the Cognitive
Sciences of Music, will share with us some of the history of this association.

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Sessão Temática Especial:
O Ensino de Psicologia da Música

O Dr. Olin G. Parker, Professor Emérito da Universidade de Geórgia (EUA), falará sobre
sua experiência como professor de Psicologia da Música.
Dr. Olin Parker, Professor Emeritus of the University of Georgia, will share with us
some of his experience on how to teach Psychology of Music.

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Sessões orais temáticas
Oral sessions

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Tema 1. A mente e a percepção das artes musicais

O pensamento sincrético da criança:


Henri Wallon e uma pesquisa de campo

Beatriz de Souza Bessa


Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
beatrizbessa@yahoo.com.br

Resumo
Esse trabalho é fruto da pesquisa que está sendo realizada no Mestrado em
Memória Social da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO. A
partir da constatação das transformações das músicas folclóricas nas escolas de
educação infantil da cidade do Rio de Janeiro - Brasil, para versões “politicamente
corretas”. “Não atire o pau no gato”, “Não cai balão”, “Amigos de Jó”, entre outras
versões de cantigas do cancioneiro popular brasileiro, a investigação tem como
objetivo analisar os usos cotidianos dessas novas canções. Tomando como pressu-
posto teórico a contribuição de Henri Wallon para compreensão da construção
do pensamento da criança pretendo mostrar as interseções realizadas entre a
pesquisa em questão e a obra desse autor.
Palavras-chave: Henri Wallon, música folclórica, politicamente correto

Fundamentação teórica
A investigação do psicólogo Henri Wallon sobre a dinâmica do pensamento infantil
teve por base a análise de entrevistas realizadas com crianças entre os 5 e os 9 anos. Nas
verbalizações coletadas, o psicólogo constatou que a criança pode associar uma idéia à
outra mais pela sonoridade das palavras do que por uma coerência de sentido entre as
idéias ou delas com o contexto da frase, sendo freqüentes as situações em que é a palavra,
com suas qualidades sonoras ou semânticas, que impele o pensamento. O diálogo seguin-
te foi analisado por Wallon:
A conversa foi com uma criança de cinco anos. Falavam sobre o vento e o menino diz que são as
portas abertas (em francês, “portes ouvertes”) que fazem o vento. Tentando checar seu argumento,
o psicólogo lhe pergunta: “quando estamos na rua há portas abertas?” O menino responde: “tem
portas verdes (em francês “portes vertes”), amarelas e cinzas. Devido a semelhança de sonoridade

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dos termos na língua original (“portes ouvertes” – “portes vertes”), a criança associa portas abertas
a portas verdes, desviando completamente o assunto inicial da conversa. (GALVÃO, 1995, 80)

Henri Wallon afirma haver na linguagem infantil uma dimensão poética, onde há a
prevalência da sonoridade sobre o significado das palavras. Assim, admite semelhanças
entre o funcionamento do pensamento da criança e os recursos da poesia, identificando
tal pensamento como sincrético (op.cit:81). No pensamento sincrético “encontram-se
misturados aspectos fundamentais, como o sujeito e o objeto pensado, os objetos entre si,
os vários planos do conhecimento” (idem). No sincretismo tudo pode se ligar a tudo, visto
que as representações do real, como imagens e idéias, se combinam das formas mais
variadas e inusitadas, “numa dinâmica que mais se aproxima das associações livres da
poesia do que da lógica formal” (idem). Uma outra característica do sincretismo é a
prevalência de critérios afetivos sobre os lógicos e objetivos. Segundo Wallon leva tempo
até que a inteligência se distinga da afetividade. Ate então, a criança representa objetos e
situações através da linguagem como um conglomerado e, desta mistura,“podem resultar
relações que têm um sentido só para a própria criança e que ao adulto parecem totalmen-
te absurdas” (idem).
A comunicação estabelecida entre o adulto e a criança parece comprovar a teoria de
Wallon. A fala “motherese” (Borges e Salomão, 2003),“maternalês” ou “manhês” (Ferreira,
2000) ou simplesmente “fala dirigida à criança” (Papalia e Olds, 2000), caracterizada pela
presença de diminutivos, repetições, sentenças pequenas e simplificadas, timbre de voz
agudo ou uso do falsete, ênfase nas sílabas tônicas e uma certa lentidão no falar, é um
comportamento existente no mundo inteiro (Klaus e Klaus, 1989, Kuhl et all, 1997). Estu-
diosos afirmam que esse tipo de fala não é utilizado apenas pelas mães, mas pela grande
maioria daqueles que se dirigem a um bebê ou a uma criança pequena (Borges e Salomão,
2003).
Nesse sentido, se a comunicação da criança se realiza mais pela sonoridade do que
pelo sentido e conceitos embutidos nas palavras, a preocupação em criar músicas politica-
mente corretas, considerando o ponto de vista infantil, é válida ou necessária?

Objetivos
O interesse pelo tema se originou do meu encontro o seguinte texto publicado na
internet:
Cantar músicas infantis como “samba le lê tá doente, tá com a cabeça quebrada, samba le lê preci-
sava é de uma boa palmada” e “ cai cai balão, cai cai balão aqui na minha mão. Não vou lá não vou lá,
não vou lá. Tenho medo de apanhar” são antigas cantigas de roda que estão tendo as letras alteradas
por psicopedagogos. Especialistas acreditam que as músicas podem incentivar a violência. A edu-
cadora Márcia Abreu acha importante alterar as músicas infantis. Ela acredita que a criança já está
exposta à violência durante todo o dia (...): “Hoje em dia, o mundo está muito violento, agressivo. É
importante que as escolas modifiquem as músicas para canções positivas, incentivando atitudes
solidárias como carinho e afetividade”. Elisabete Mendes é musicoterapeuta e também adotou as
letras politicamente corretas para cantar com as crianças. (...) Através da música, passo conceitos
importantes para elas. Por isso resolvi adaptá-las. As crianças sabem o que cantam e absorvem tudo.
É bom cantar e falar coisas positivas e corretas.1

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Nessa época, eu já integrava um grupo musical que realizava apresentações em
escolas de educação infantil e ensino fundamental, o Núcleo Experimental de Arte Educa-
ção – NEAE, e estava ciente que algumas canções politicamente corretas estavam sendo
criadas. O mestrado ofereceu-me a possibilidade de fazer uma incursão mais ampla no
campo em questão para pesquisar os usos que estavam sendo feitos dessas novas can-
ções nas instituições de educação infantil da cidade do Rio de Janeiro, localizada no Brasil.
Nos usos poder-se-ia analisar como as professoras utilizavam esse novo material e como
era a recepção do mesmo pelas crianças. O objeto a ser pesquisado era, conforme plane-
jamento inicial:
- As músicas politicamente corretas que apareciam no espaço institucional por inici-
ativa das (os) professora (o) nos momentos em que estas estavam com as crianças. Essas
músicas seriam versões de composições tradicionais, onde as letras estariam sendo altera-
das, com a supressão de situações tristes, pessimistas e agressivas. Delimitando o meu
campo de pesquisa, eu pude então construir um percurso investigativo. Para tal, fazia-se
necessário abarcar uma certa paisagem musical que ocorria em determinados espaços da
instituição.

Metodologia
No Brasil, educação infantil é um termo que engloba creches e pré-escolas. Creches
são estabelecimentos educacionais para crianças desde o nascimento até quatro anos de
idade incompletos e pré-escolas estabelecimentos para a educação dos que tem de
quatro a seis anos de idade. A pesquisa de campo dividiu-se em duas etapas: na primeira
etapa, realizada entre maio e agosto de 2005, foram visitadas três instituições privadas,
duas localizadas na zona sul da cidade do Rio de Janeiro e uma localizada na zona norte da
mesma cidade, as quais denominarei como instituição A, B e C respectivamente. Na se-
gunda etapa, realizada entre maio e agosto de 2006 serviram como pesquisa de campo
três instituições públicas: uma creche localizada na zona sul da capital e duas escolas, a
primeira também localizada na zona sul e a segunda localizada na zona norte, as quais
denominarei escola D, E e F respectivamente.

INSTITUIÇÃO SITUAÇÃO FAIXA ETÁRIA LOCALIZAÇÃO


A Privada 3 meses a 6 anos Botafogo
B Privada 3 meses a 6 anos Humaitá
C Privada 2 anos a 6 anos Maracanã
D Pública 0 ano a 4 anos Copacabana
E Pública 4 anos a seis anos Praia Vermelha
F Pública 4 anos a seis anos Vila Isabel

O método de investigação do campo foi etnográfico, englobando observação e


conversas informais. A abordagem escolhida foi do tipo qualitativa. Ludke e André (1986)
estabelecem cinco características da pesquisa qualitativa: (1) tem o ambiente natural
como sua fonte direta de dados e o pesquisador como seu principal instrumento; (2) os

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dados coletados são predominantemente descritivos; (3) a preocupação com o processo
é muito maior do que com o produto; (4) o “significado” que as pessoas dão às coisas e à
sua vida são focos de atenção especial do pesquisador; (5) a análise dos dados tende a
seguir um processo indutivo.
A metodologia empregada utilizou algumas técnicas, como a observação partici-
pante, e eu mesma, pesquisadora do campo, era a posterior analista das informações.
Nessas intervenções, pesquisadores e pesquisados são compreendidos como sujeitos
ativos da produção do conhecimento.“O pesquisador tem sempre um certo grau de
interação com a situação investigada, atingindo-a e sendo por ela atingido” (Fazenda,
1989,139). Para isso, ou seja, para ir além da descrição de situações, ambientes, pessoas ou
da mera reprodução de suas falas e de seus depoimentos era necessário compreender os
significados culturais dos sujeitos estudados. Um amplo estudo da literatura relacionada
ao campo foi realizado.
Essa pesquisa teórica inicial me deu base para observar e compreender o campo na
sua multiplicidade, ficando atenta, ao mesmo tempo, aos objetivos e necessidades da
pesquisa – atenção que necessita de um quantum de rigor - e aos movimentos imprevis-
tos que me permitiam tecer novas perspectivas de análise. Conforme Oliveira (2002) uma
pesquisa do cotidiano não abarca apenas o hegemônico, o genérico e o abstrato. O mer-
gulho no cotidiano revela para o observador aspectos singulares, pois as práticas são
executadas pelos sujeitos em momentos diversos e circunstancias distintas. Assim, deve-
se estudar as práticas cotidianas“procurando nelas não as marcas da estrutura social que as
iguala e padroniza, mas, sobretudo, os traços de uma lógica de produção de ações de
sujeitos reais, atores e autores de suas vidas” (Oliveira, 2002, 43).

Resultados
As instituições educacionais para a criança de zero a seis anos de idade têm uma
característica em comum: nesses espaços, vozes entoando canções ecoam com uma
considerável freqüência. Músicas com melodias variadas, textos e ritmos diversos podem
ser escutados por um ouvido atento aos sons do lugar. Em muitas situações, as professoras
se dirigem aos alunos cantando e não falando e esses passam a imitar essa forma de
diálogo. Nas creches, o “motherese” é ouvido com freqüência. Nas pré-escolas ele não
existe com tanta intensidade, mas em alguns momentos e possível saber apenas pelo som
quando uma professora se dirige a uma criança ou quando se dirige a outro adulto. Não
chega a ser como a fala “motherese”, mas também apresenta suas especificidades – fala-
se de uma forma ainda lenta - como uma silabação, em geral com a voz mais alta, dando
expressão às palavras. Caso a professora esteja dando uma advertência à criança a sonori-
dade é uma, caso seja um agradecimento o som das palavras é outro.
Além dessas “falas musicadas” nos espaços ocupados pela educação infantil é co-
mum a utilização do que Fuks (1991) denomina “musiquinhas de comando”, ou seja,
músicas cujas letras objetivam modelar o comportamento da criança na escola. Nas obser-
vações do campo recolhi inúmeras canções que se destinavam ao cumprimento de ativi-
dades, cujos cantos eram evocados primeiramente pelas professoras. Canções que a

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profissional utilizava em momentos como: ir ao refeitório, almoçar, jantar, arrumar os brin-
quedos, descer e subir escadas, fazer fila, trocar de sala2...
É crível que canções fazem parte de uma certa didática existente na educação
infantil. Uma professora da escola D disse a mim que “com a música as crianças entendem
logo as coisas”.A partir dos discursos das professoras compreendi que, para elas, a música
torna as crianças mais calmas, pois as tarefas se tornam mais inteligíveis, e, com isso, o
trabalho se torna mais fácil, além do que, mais prazeroso.
As musiquinhas de comando escutadas por Fuks e as músicas politicamente corretas
apresentam a semelhança de serem musicas produzidas para a aprendizagem de com-
portamentos. Nesse sentido, a criação de composições que tem por finalidade o controle
e educação do corpo encontra-se presente em toda a história da educação infantil, fato
que expressa o ideário de um modelo disciplinar, sendo este um modo de funcionamento
de controle sobre os corpos individuais, conforme Foucault (1977). Entretanto, nas minhas
observações constatei que nas instituições infantis há uma série de canções que poderi-
am ser consideradas “politicamente incorretas”,ou seja, letras de músicas que fazem alu-
sões a conteúdos agressivos e sexuais, fato que para mim foi, inicialmente, uma surpresa.
Ao pesquisar sobre o tema na internet acreditava que as músicas originais estavam desa-
parecendo, mas visitando os espaços educacionais percebi que não é bem assim. De
certo, há muitas “musiquinhas de comando”,como também músicas politicamente corre-
tas para o cumprimento de atividades da rotina e para a aprendizagem de conteúdos
pedagógicos. Mas há ocasiões em que a música aparece improvisando uma situação,
quando, por exemplo, uma criança chora e a professora a segura no colo para acalma-la.
Em uma creche ouvi uma professora ninar a criança com a música do Samba Lê Lê3 –
considerada “politicamente incorreta”. Mas o tom de voz utilizado pela profissional para
cantar a composição era calmo e sereno. Outras composições também recolhidas
desmitificam esse fenômeno como sendo hegemônico4. Dependendo da circunstância
as canções politicamente corretas aparecem ou não. A composição “Não atire o pau no
gato”, por exemplo, é entoada em ocasiões diversas: há momentos em que a professora
chama a atenção para o texto, conforme explicitado anteriormente, porém em outros ela
já passa a ser cantada como uma simples brincadeira. Em uma instituição, as crianças foram
convidadas a sentar no chão para ouvir a canção “Não atire o pau no gato” e a elas foi
perguntado sobre o que acharam da letra. Mas em vários outros momentos foi utilizada
como cantiga de roda, sem nenhum tipo de argüição posterior, mantendo o cair de bunda
no chão, o grito, etc. A ênfase que é dada aos textos das músicas, em vez de seus compo-
nentes sonoros e rítmicos, não ocorre, portanto, o tempo inteiro. Cada música terá um
aspecto salientado conforme a ocasião. Segundo Certeau (1994) “os usos que os sujeitos
fazem da cultura é mais do que uma simples obediência aos modelos dominantes, é uma
poética” (p. 37), afirma o autor, uma produção que se faz “como uma bricolagem”,“usando
inúmeras e infinitesimais metamorfoses da lei, segundo seus interesses próprios” (idem).
E a diferença nos usos se realiza através da alteração realizada na sonoridade da composi-
ção, o que privilegia a forma infantil particular de usufruir canções.
No âmbito educacional, nos usos administrados pelas professoras, melodias de cará-
ter impessoal, tradicionais e populares podem ser fontes de vários textos. Esses mesmos

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textos, conforme a entonação, também podem ser manipulados de várias formas. As
músicas que não são de comando, que não se relacionam com uma tarefa especifica é
apenas uma parte de um extenso repertório musical informal existente nessas institui-
ções. O improviso musical ocorre freqüentemente.

Conclusões
Em escolas e creches co-habitam manifestações musicais variadas. Dentro dessas
instituições as músicas politicamente corretas não se configuram como presenças musi-
cais exclusivas e, em seus aparecimentos, são manejadas de formas diversas. O aspecto
sonoro, dependendo da forma como é utilizado, vai representar atitudes e finalidades
diversas. Nesse sentido, aquelas que trabalham diretamente com as crianças da educação
infantil, nos usos, demonstram que estão menos preocupadas com a informação subjacente,
valorizando amiúde as sonoridades que acompanham versos de composições musicais.
Considerando-se os usos, portanto, a dimensão musical torna-se intrínseca às ocasiões, e a
música não se configura mais apenas como um texto – dado empírico em consonância
com a teoria do pensamento sincrético de Wallon.

Sub-áreas de conhecimento
Psicologia, Folclore

Notas
1 www.jornaldauniversidade.com.br . Acesso em 30 de março de 2005.
2 “Quem vai chegando vai ficando para trás /criança educada é assim que se faz/ piu, piuá/ só não pode
empurrar” (canção utilizada para fazer “trenzinho” , indo de uma sala a outra)
“Abre a rodinha/deixa entrar/que o amiguinho/quer se sentar” (abrir a roda para a entrada de mais um
aluno)
“ E agora minha gente uma estoria vou contar/ uma estoria bem bonita toda gente vai gostar/ tre le le/ tra
lá lá/ zip zip zap/ tá na hora da estória/ zip/ ninguém fala mais” (música que ocorria toda vez que a professora
abria um livro para contar uma estória)
“Tá na hora de arrumar/ de arrumar, de arrumar/ Tá na hora de arrumar/ de arrumar....” (momento após a
utilização de brinquedos da escola)
“Meu lanchinho, meu lanchinho/ vou comer, vou comer/ pra ficar fortinho, pra ficar fortinho/ e crescer/ e
crescer.” (hora do lanche)
“Devagar vou subir/ Pra da escada não cair” (parlenda para subir escadas)
“Devagar vou descer/a professora vai ver” (parlenda para descer escadas)
“Heloo teacher. Heloo teacher /how are you, how are you?/ I´m fine thanks, I´m fine thanks/How are you, how
are you?” (cumprimentar a professora de inglês)
3 Samba lele ta doente/ Ta ca cabeça quebrada/ Samba lele precisava/De umas boas lambadas
4 “Pai Francisco entrou na roda/tocando seu violão/Tá-ram-ram-tão-tão/Vem de lá seu delegado;/Pai Fran-
cisco foi pra prisão/Como ele vem/Todo requebrado/Parece um velho/Desengonçado”
“Eu vi uma barata na cueca do vovô/assim que ela me viu bateu asas e voou/Seu Joaquim, quim quim da
perna torta, ta/dançando a conga –ga/com a Maricota –ta”

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“Pintinho correu, fugiu/subiu na pedra/escorregou e caiu/dona galinha/ficou zangada/pegou o pintinho
e deu umas palmadas.”
“Samba crioula que veio da Bahia/pega a criança e joga na bacia/a bacia é de ouro areada com sabão depois
de areada enxuga no roupão.”
“Vai começar/o tcha tcha tcha/da dona velha/do dono velho/a velha caiu – UUUUUUH.../o dono viu/calcinha
dela/verde e amarela/cor do Brasil/quem bater palma /vai ser o velho
“Happy birthday to you/ I went to the zoo/ I saw a fat monkey/ and I thought it was you.”

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Musicoterapia

Maria Angélica Santos Oliveira


Universidade Católica do Salvador – Bahia
angelicaoliver99@yahoo.com.br

Resumo
Este trabalho tem por objetivo refletir sobre o autismo e a musicoterapia, trata-
mento apontado por muitos, como um dos principais, com este tipo de criança.
Para a elaboração desta monografia estudou-se, inicialmente o autismo - patolo-
gia com causas controvertidas, baseando-se para isto nas obras de Francis Tustin:
Autismo e Psicose Infantil, e Rolando O. Benenzon: O Autismo, a Família, a Instituição e
a Musicoterapia e, posteriormente, o prazer visto através de duas vertentes, impor-
tantes do ponto de vista terapêutico: a visão psicanalítica Freudiana e a
bioenergética. Discorreu-se, finalmente, sobre a utilização da música como ele-
mento terapêutico, possibilidade de prazer para o autista e, ilustrou-se o atendi-
mento muiscoterápico, objeto deste trabalho, com a apresentação de um caso
clínico.

Musicoterapia
A Musicoterapia é uma especialização científica com a finalidade de estabelecer
limites, entre as sérias investigações sobre o efeito da música e dos sons nos seres vivos e
as tradições milenares do poder curativo das mesmas. A história profissional da
Musicoterapia é de apenas cinco décadas aproximadamente, enquanto as tradições da
música e suas curas têm uma história de mais de 40.000 anos.
A Musicoterapia constrói sua base, essencialmente, na comunicação não-verbal.
Necessita, portanto, de uma metodologia específica, diversas técnicas de trabalho, uma
teorização profunda que, ao mesmo tempo, deverão ser clara e eficaz. O estudo e inves-
tigações científicas sobre os estímulos sonoro-musicais; o estudo do poder que os mes-
mos tem de desencadear expressões orgânicas e psicológicas no ser humano, possibilitam
à Musicoterapia buscar elementos para ajudar no estabelecimento do diagnóstico dife-
rencial. Permitirá, portanto, um maior conhecimento da dinâmica funcional do“Complexo
Som Ser Humano” (1). A metodologia musicoterápica está fundamentada em dois princípi-
os básicos: Princípio de ISO (Altshuler) e Objeto Intermediário.
O Princípio de ISO é definido por BENENZON:“O princípio de ISO é a utilização de
um estímulo rítmico-sonoro compatível ou igual à Identidade Sonora do Indivíduo - ISo.(1) ”
O Princípio de ISO se baseia na existência da Identidade Sonora ou seja, na existência
de um som ou um conjunto de sons que nos caracteriza. Ainda Benenzon estuda a iden-

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tidade sonora a partir de Altshuler e desenvolve o conceito desse autor apresentando
cinco Identidades Sonoras: ISo Gestáltico, ISo Grupal, ISo Complementar, ISo Cultural e ISo
Universal.
O Objeto Intermediário, é definido por Rojas Bermudez, como instrumento de
comunicação que tem a função de agir como elemento terapêutico, sem desencadear no
paciente estados de alarme.
A Musicoterapia utiliza diversas abordagens teóricas e têm: como objetivo primordi-
al, facilitar a expressão do indivíduo, para que este interaja com o meio e se integre ou
reintegre com toda possibilidade de fazer emergir suas potencialidades vitais. É importan-
te salientar que o musicoterapeuta qualificado é o único profissional apto a exercer a
Musicoterapia, por este possuir uma formação acadêmica, que o possibilita a exercer uma
prática clínica. O musicoterapeuta tem que reconhecer a necessidade de conhecimentos,
tanto teóricos, como práticos, nas áreas de: Música, Medicina e Psicologia, empenhando-se
seriamente, em buscar novos recursos que possam enriquecer essa prática clínica dentro
de sua realidade.
O estudo sobre o processo musicoterápico propriamente dito está longe de ter se
esgotado. É preciso aperfeiçoar e desenvolver as técnicas para conseguir com eficácia a
abertura de canais de comunicação que a musicoterapia parece propiciar. O papel do
prazer, neste processo, seu porquê e como, precisam ser ainda aprofundados. (3)

1.A Musicoterapia e os“quistos de comunicação”da criança autista4


É inquestionável que para se tornar viável o processo musicoterapêutico com o
autista, faz-se necessário abordar uma das principais questões, à respeito dessa patologia,
que é a dificuldade de comunicação. A criança autista traz consigo, toda gama de proble-
mas - os quais já foram citados em capítulos anteriores. É no seio familiar, que se desenvol-
verá uma série de situações patológicas, devido à dificuldade dos pais compreenderem a
dinâmica do comportamento do autista. Automaticamente, existirá a impossibilidade da
família em adaptar-se a essa criança.
A vida cotidiana apresenta um sistema de comunicação, estereotipado entre o gru-
po familiar e a criança autista. A esta dificuldade Benenzon, interessantemente classifica
como “quistos de comunicação”.
Os quistos de comunicação seriam formas repetitivas e rígidas de mensagens e
expressões que os pais empregam com seu filho autista e das quais não estão conscientes,
formando assim uma espécie de capa pseudoprotetora envolta desse filho, o que o con-
verte em um simples parasita que está impedido de evoluir e desenvolver-se (5)
Segundo BENENZON, para cada grupo familiar existe um“quisto”característico devido às
suas peculiaridades. Dentre vários tipos descritos, dois destacam-se pelo seu antagonismo:
Quisto Tipo A: “Ausência de Mensagens” - neste tipo, os pais se fazem acreditar
na surdez do seu filho. Comunicam-se esporadicamente, com algumas palavras soltas,
diminuindo dia a dia essas “mensagens”, por achar que a criança não compreende o que
está acontecendo a seu redor. Deixa-a totalmente isolada, privando, portanto, seu filho
autista do contato familiar.

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Quisto Tipo B: “Hiperestimulação” - ao contrário do tipo anterior, neste tipo de
quisto, a família superestimula a criança com uma diversidade de expressões muitas vezes
desnecessárias e confusas. Falam várias coisas ao mesmo tempo, solicitando respostas
simultâneas. Mostram diferentes objetos, num espaço de tempo restrito. Movimentam-na
e acariciam-na em excesso. Os pais no seu afã de comunicar-se não percebem a impossi-
bilidade de respostas da criança a estes estímulos, os quais necessitam de um tempo
próprio para serem elaborados. Esta atitude gera uma ansiedade crescente, fazendo com
que a criança autista, se encapsule cada vez mais, distanciando-se do seu próprio grupo
familiar.
“Os quistos de comunicação” em sua grande maioria, são expressões repetitivas
verbais. A Musicoterapia não reforça estes quistos. Utilizando-se da linguagem não-verbal
adquire uma larga vantagem no que diz respeito à possibilidade de abrir canais de comu-
nicação, os quais irão proporcionar a criança autista a possibilidade de expressar-se de
alguma forma.
A compreensão, por parte do musicoterapeuta, da existência dos“quistos de comuni-
cação”no seio familiar, é de grande valia no que diz respeito ao tratamento musicoterápico
do autista. É necessário averiguar esta atitude patológica defensiva da família que muito se
parece com a atitude defensiva da própria criança. É tarefa do musicoterapeuta tornar os pais
conscientes da problemática existente. Tentar ajudá-los a modificar, ou mesmo eliminar
estes quistos, se torna imprescindível para que o trabalho musicoterápico se desenvolva.

2. Musicoterapia: Praxis Terapêutica Prazerosa


Indubitavelmente a Musicoterapia figura entre as terapias mais eficazes para a crian-
ça autista. Diversos detalhes importantes são analisados quando se trata de trabalhar com
estas crianças. A natureza egóica das mesmas e a complexidade que nelas se encerra,
torna a comunicação difícil. Aceitando a expressão sonoro musical, mesmo que esta seja
destituída de qualquer criatividade, a musicoterapia torna-se facilitadora do estabeleci-
mento de relações interpessoais, permitindo abrir canais de comunicação, visando a soci-
alização.
Percebe-se no autista a tentativa de negação da realidade, por esta apresentar-lhe
como ameaça a sua “integridade individual”. Recorre a formas estereotipadas de expres-
são como para evitar o contato com o outro. A Musicoterapia tenta romper este casulo,
utilizando o movimento, o som ,o silêncio, a música e os instrumentos corporo-sonoro-
musicais, para criar o tão necessário vínculo: Musicoterapeuta-Paciente.
Os primeiros objetivos estabelecidos para o atendimento desta clientela são:
* abertura de canais de comunicação;
* estabelecimento da relação terapêutica;
* experiências no contato com instrumentos musicais;
* expressão de sentimentos.

É fundamental criar um continente dinâmico e funcional, através de habilidade,


paciência, compreensão e amor, apesar da conscientização de ser a longo prazo o alcance
de alguns objetivos acima. A não resposta da criança autista, ou a sua maneira estereotipa-

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da de responder a estímulos, podem provocar, com o decorrer do tempo uma frustração
no musicoterapeuta. A necessidade de trabalhar sem grandes ambições, seria o ideal para
todos: família, terapeuta e paciente.
Todo embasamento científico e filosófico deverão ser aliados a uma grande sensibi-
lidade por parte do musicoterapeuta, que , lidará com todo produto sonoro trazido pelo
paciente, o que, em geral se constitui numa abordagem simbólica.
E é só o prazer que vai permitir o investimento da linguagem, o desejo de“entender-
compreender” o signo enunciado, que permite o florescimento do secundário. (6)
Seria possível partir-se da premissa de que o autista se “retira” da realidade por esta
lhe privar da satisfação? Mais do que isto, seria possível aceitar como verdadeira a hipótese
que, para trazê-lo à realidade, esta tem que proporcionar-lhe prazer? Observa-se que nas
sessões de musicoterapia é freqüente a manifestação sutil (7) da expressão de prazer; atra-
vés de um olhar significativo (pois o autista tem sempre um olhar ausente), a permissão do
toque, a resposta imediata ao conteúdo trazido e outras situações que podem parecer
sem grandes significados. Porém, a prática clínica demonstra o contrário.
Cada criança autista é única. A musicoterapia tenta utilizar todos os recursos sonoro
musicais, como uma força integradora, envolvendo os aspectos bio-psico-sociais, respei-
tando sempre o nível de tolerância emocional e intelectual da criança autista.
A musicoterapia entra, portanto, como paradigma reestruturador que utiliza o uni-
verso sonoro para integrar ou reintegrar o autista na realidade.
Apesar dos vaivéns, das frustrações que ocorreram no desenvolvimento de todo treinamento e
terapêutica de uma criança autista e da convivência com seus pais, devemos tentar de tudo. Por-
que um gesto, um som, um movimento acompanhado de toda energia e nossa força de vida, de
nossa própria instintividade, é a possibilidade microscópica de evolução de comunicação, de de-
senvolvimento.
Por isso minhas palavras para uma criança autista, para os pais, para os que se aproximam para ajudá-
las como terapeutas, como professores, como profissionais, como amigos, para ti, meu estimado
leitor, ser humano deste mundo, são: “Tu podes, vamos tentar juntos”. ” (8)

3. A Improvisação Musical Como Técnica Musicoterápica Proporcionando a Exteriorização


do Prazer
No decorrer do processo terapêutico, a Musicoterapia utiliza-se de uma técnica de
aproximação que se constitui de grande importância: a Improvisação Musical. A mani-
pulação do som, em seu amplo significado, causará um estímulo sonoro capaz de ultrapas-
sar barreiras intransponíveis. Fundamentalmente, o Musicoterapeuta deverá se servir de
todos os recursos possíveis; desde o próprio corpo - instrumento primordialmente natural
- e o corpo da criança (quando esta permitir), até os mais diversos instrumentos, acessíveis
no setting musicoterápico. Deverá dominar bem a música, conhecer todos os elementos
que a constituem. Sendo esta, sua principal ferramenta de trabalho, contará sem dúvida
com imensas possibilidades de recursos, que automaticamente ajudarão a desenvolver
com segurança as técnicas musicoterápicas, principalmente a Improvisação Musical.

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A Improvisação Musical é de extrema importância para a criança autista, visto que
esta técnica não permite instalar novos comportamentos obsessivos. Além disto, o caráter
temporal da musica faz com que a cada momento do fazer musical os mesmos aspectos
apareçam de distintas formas. Quando, em algum momento,“algo” é apresentado, logo
será utilizado como um canal possível de comunicação. Neste processo, os sons são pura-
mente sons. Trazem consigo a possibilidade de muitos significados. O incentivo para o
descobrimento de novos sons, a imitação dos sons da natureza: o barulho da água caindo
num recipiente, “voz” dos animais; os sons do próprio corpo: batimentos cardíacos, o
assobio - sempre serão perspectivas de comunicação, evitando dessa forma, que o siste-
ma não verbal se deteriore, já que o verbal se encontra deteriorado.
A resposta da criança autista aos estímulos sonoros, poderá ser de prazer ou desprazer.
Poderão ser evocadas recordações agradáveis ou desagradáveis. Tudo isto, porém, faz
parte do processo terapêutico. Estas respostas, geralmente, são difíceis de interpretar
devido a complexidade da patologia.
O processo musicoterápico então parece proporcionar a oportunidade de (re) vivenciar fases
muito arcaicas de formação do Ego, mas de uma forma nova. A sonoridade nesta nova vivencia, é
introjetada como prazer, levando à possibilidade de relacionamento com o outro e de inserção
num discurso cultural (9)

Na primeira etapa da Improvisação Musical, o contato é constituído sobre a liber-


dade da criança poder manejar qualquer instrumento que desejar. Mesmo que esse ma-
nuseio não seja de forma convencional, exemplo: empilhar diversos tambores, colocar
baqueta na boca, cheirar e acariciar um atabaque, arranhar as cordas do violão, faz parte da
maneira especial com que o autista constrói seu próprio relacionamento - o
musicoterapeuta, a sala e tudo que possa construir seu setting musicoterápico, faz parte
do espaço sonoro que por, sua natureza é interativo. Assim sendo, o setting tem a propri-
edade de proporcionar o prazer do fazer música.
O silêncio é um fator importante, e um aspecto muito vulnerável da comunicação
não-verbal. A sensibilidade e a competência do musicoterapeuta são analisados em rela-
ção à capacidade que o mesmo tem de saber manejar com presteza o contraste, entre o
som e o silêncio. O musicoterapeuta deverá está atento às diversas formas de silêncio da
criança autista: a imobilidade, o ensimesmamento, são formas de renúncia a uma comuni-
cação, que contudo, devem ser vistas como fazendo parte de uma comunicação.
O silêncio é a característica mais cheia de possibilidades da música. Mesmo quando cai depois de
um som, reverbera com o que foi esse som e essa reverberação continua até que o outro som o
desaloje ou ele se perca na memória. Logo, mesmo indistintamente, o silêncio soa.(10)

Apesar de está enfrentando o desconhecido, a criança autista, a seu modo, vai


introjetando novas situações à sua vida. A possibilidade de movimentação com prazer -
desde o encaminhar-se para a sala de musicoterapia até o fazer musical, a integração, o
aumento da auto-estima, e a sensação de alegria que a criança autista sente durante as
sessões musicoterápicas, vão construindo aos poucos, um suporte afetivo para sua frágil
realidade.

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4. Caso Clínico:“O Sapo Não Lava o Pé”- A Música Infantil que Possibilitou o Início doVínculo
Musicoterápico.
Evolução - Associação de Pais e Amigos de Crianças e Adolescentes com Distúrbio
de Conduta, é uma Instituição sem fins lucrativos. A diretoria e tesouraria são constituídas
exclusivamente das mães dos inscritos. É importante ressaltar que 80% destes, são de
baixa renda. Algumas empresas colaboram com o funcionamento dessa Instituição.
A equipe técnica é constituída de um psiquiatra, dois professores de educação física,
uma pedagoga, uma enfermeira, dois psicólogos e atualmente uma musicoterapeuta.
Com o objetivo de sociabilizar e desenvolver AVD e AVP pois a grande maioria das
crianças e adolescentes é de grau severo em sua patologia, a EVOLUÇÃO, conta com uma
equipe de recreadores e auxiliares que desempenham muito bem esta função.
Neste continente estão inscritos setenta e cinco crianças e adolescentes de ambos
os sexos, com as mais diversas patologias mentais: Deficientes Mentais (severos),
Esquizofrênicos, Psicóticos e em sua grande maioria Autistas associados ou não a algumas
patologias citadas. São nestes últimos que será enfocado o item em questão.
C. é uma bela criança do sexo masculino.Faltando apenas dois meses para completar
quatro anos, ingressa na Instituição em abril de 1997. Sua genitora percorrerá vários médicos
em busca da cura de C. Foram solicitados todos os exames necessários. Com os resultados
em mãos, o médico descartou quaisquer outras possibilidades diagnosticando: autismo in-
fantil. Sem nenhuma solução para o caso de C. o médico encaminhou para a EVOLUÇÃO por
ser a única Instituição em Salvador com a possibilidade de aceitá-lo, devido a pouca idade e
a sua patologia. Segunda-feira: o primeiro dia na Instituição, C. gritava muito. Não se confor-
mava em ficar longe da mãe, num lugar estranho e “hostil” para ele. Mesmo freqüentando
somente o turno vespertino, não aceitava ficar“preso”numa sala de atividades pedagógicas
com mais de cinco crianças comprometidas mentalmente.
Terça-feira: segundo dia de C. na Instituição Muitos gritos.A recreadora, muito solicita
e amorosa, permitiu sua saída da sala para um parque em frente desta. Isolado, em seu
mundo com suas estereotipais, acalmou-se. Novos transtornos ocorreram ao tentar trazê-
lo de volta à sala. Muitos gritos, chutes, e nenhum acordo. Neste ínterim dia de estágio de
Musicoterapia, a estagiária procura saber o que está acontecendo e é comunicada da
admissão de C. na Instituição, sendo colocada a par de toda a situação.
Dirigindo-se para a sala de C. guiada pelos gritos deste, a estagiária encontra-o joga-
do no chão aos prantos, não aceitando em absoluto carinho, palavras de acalanto e princi-
palmente o toque. A estagiária fez menção de pegá-lo no colo para leva-lo ao setting
musicoterápico. Impossível. Muitos chutes e gritos, impossibilitaram-na deste ato. Discre-
tamente retira-se da sala e retorna com um instrumento de clavas. Aproximasse e aga-
chasse diante de C. tocando e cantando suavemente a música infantil:“O Sapo Não Lava o
Pé”. Imediatamente C. calou-se. Estando em posição fetal, olhava o instrumento de esgue-
lha e prestava atenção na música. A partir daí, se estabelece um vínculo: terapeuta-pacien-
te. Aproveitando a ocasião a estagiária começa a passar o instrumento pelas costas, pescoço,
pernas e cabeça de C. dizendo:“Mas que chulé ...” o mesmo começou a sorrir. Insistindo
neste jogo prazeroso o mesmo chega a gargalhar.

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Depois de ser cantada várias vezes a música “mágica, acompanhada do toque do
instrumento no seu corpinho, foi a vez de tentar tocá-lo com as mãos. Foi surpreendente:
C. aceitou o toque, chegando a aceitar o colo da estagiária de Musicoterapia. Foram canta-
das outras músicas infantis, algumas brincadeiras foram trazidas. Neste clima prazeroso,
ouve-se o toque da campainha sinalizando o encerramento das atividades deste dia. A
mãe de C. tomou no colo, levando-o calmamente para casa.
Este foi o início de um atendimento musicoterápico, o qual constituiu-se de quatro
sessões individuais tendo como critério, selecionar as crianças a serem trabalhadas poste-
riormente.

Conclusão
A ciência, com todo aparato moderno, consegue ultrapassar limites inimagináveis.
Porém, encontra-se emaranhada com um antigo problema: desvendar a complexidade da
patologia que aflige milhões de pessoas: o autismo.
A escolha do tema em questão, tornou-se um desafio. Daí ser imprescindível a
divisão do trabalho em três partes Distintas: autismo, Prazer e Musicoterapia.
O Prazer, constituindo um forte elo de ligação entre o Autismo e a Musicoterapia, foi
enfocado de duas maneiras diferentes: segundo a Psicanálise - com embasamento na
obra de Sigmund Freud, Além do Princípio de Prazer e segundo a Bioenergética - funda-
mentada na obra de Alexander Lowen, Prazer, uma abordagem Criativa da Vida.
Faz-se necessário observar o papel preponderante do prazer na vida ser humano,
sendo o mesmo uma força que impulsiona o indivíduo a automanifestar-se, através de
formas de expressão que dêem significado à sua existência.

Notas
1 “O Complexo som-ser humano-som é um impressionante feedback, uma espécie de círculo infinito que
começa por um estímulo que, desde um longo processo, termina por produzir um outro que, por sua vez
enriquecerá sucessivamente outro estímulo” Rolando O . BENENZON, Teoria da Musicoterapia: Contribuiçào
ao contexto não-verbal p. 12.
2 ISo. - Identidade Sonora assim abreviada por Lia Rejane M. Barcellos, com a autorização do autor.
3 Clarice Moura COSTA, O Despertar para o outro: Musicoterapia, p.90.
4 Opta-se por abordar este assunto de grande relevância no capítulo de Musicoterapia, por trabalhar prin-
cipalmente esta questão.
5 Rolando O. BENENZON, O Autismo, a Família, a Instituição e a Musicoterapia, p. 55.
6 Clarice Moura COSTA, o despertar para o outro; musicoterapia, p.83.
7 Significa a possibilidade de expressão, inclusive fisionômica, quase imperceptível, vindo à tona como
resposta à estímulos.
8 Rolando O. BENENZON, O Autismo, a Família, a Instituição e a Musicoterapia,p..24.
9 Clarice Moura COSTA, O despertar para o outro: Musicoterapia, p. 88.
10 Murray SCHAFER, O ouvido Pensante, p. 70

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Zahar. Editores 1988. Trad. Dulce Duque Estrada. 189 p.

Effects of musical characteristics and listeners’


abilities on figure identification: I. The
embedded figures test

Neta Spiro
University of Cambridge – United Kigdom
ns319@cam.ac.uk

Abstract
What affects what we notice when listening to western classical music? This study
explores this question by investigating the effect of a number of musical and
listeners’ characteristics on our ability to recognise a musical figure within a larger
context, having been previously presented with that figure. This study uses the
embedded figures test (adapted from visual perception studies) in which listeners
are presented with a five note figure followed by a complete phrase with the
figure embedded in it. Listeners are asked to press a key when they hear the
figure in the phrase. This method enables the investigation of what affects salience
of a given musical figure in different contexts and here focuses on two aspects. 1)
The effect of listeners’ characteristics: level of musical training (musicians and
non-musicians) and possession or lack of absolute pitch (AP), and 2) The effect of
musical characteristics; beat position, metrical structure, and harmonic structure

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(and a small study of relatively large pitch intervals and long notes). These can be
divided into “local” ones (beat position, relatively large pitch intervals and long
notes) and “global” ones (metrical and harmonic structure). The test is particularly
useful as it studies the effects of these characteristics indirectly, in a controlled
setting, non-verbal manner. The results show that there are significant differences
between responses from listeners with different levels of musical training and
with or without AP in terms of levels of response and sensitivity to different
musical characteristics. Listeners with AP (who are also trained musicians) are
more affected by the “local” characteristics, and therefore score best at this task,
musicians are affected by all, and non-musicians are more affected by the “global”
ones. These results have more general psychological implications including the
association between perceptual concentration on “local” characteristics and
possession of AP that may also be applicable to the study of Autism.
Keywords: Perception, Rhythm, Metre, Harmony, Structure, Schema, Figure, Memory.

1. Background
The ability to identify, remember and recognise long themes and short figures2
seems to be fundamental to the understanding of overall structure, figural repetition and
development in music. Motives or figures seem to be important for this understanding,
both in the creative process of composition and performing and in listening and analysis.
This involves the ability to identify and memorise the figure, and recognise it in the context
of larger structures, requiring the “disembedding” of the figure from the surrounding
notes. For this to occur, the listener has to be able to recognise a “part” of the “gestalt”.
This study explores what contributes to listeners’ recognition of a pre-heard musical
figure in the context of a longer musical phrase. There seem to be many contributing
factors to such a task, including pitch, rhythmic, textural and timbral information and the
listeners’ musical ability and experience. Figures usually consist of a small number of notes
with a melodic, rhythmic or other such characteristics that distinguish them from the
surrounding music. However, in this experiment the figure’s independent identity is
generated by the separate presentation of the figure with an encouragement to remember
it, in advance of a subsequent listening with the task of recognising it in a musical context.
Rather than concentrating on the figure itself, this study explores the effect of three
characteristics of the musical context in which the figures are placed: metrical position at
which the figure begins and general metrical and harmonic framework, and two listeners’
characteristics: the presence or absence of absolute pitch and musical training.
This study investigates the above questions using the Embedded Figures Test and
explicitly tests only the last step: the recognition. This test has not been used in music
perception before but is often used in the visual domain (Witkin et al., 1954). The method
is particularly useful for the above question as it is non-verbal and remains in the musical
domain. Furthermore, following its development for music here, it should form part of a
comparison with visual responses in the future.The embedded figures test allows systematic
and indirect assessment of the importance of various musical and listeners’ characteristics
with musical excerpts that are similar to “real” music but can be controlled.

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2. Aims
The aims of this study are to assess the influence of 1) listeners’ and 2) musical
characteristics on the correct identification of a musical “figure” previously heard alone,
now embedded in a new context (an example is given in Figure 1). In detail, listeners’
characteristics include: Listener’s musical experience and presence/absence of absolute
pitch, and music characteristics include: Time signature, harmonic framework, and bar
position.

Example of a figure, in a 3/4 context with a beat track

Listeners’ characteristics
The debate as to the effect of musical training on the perception of musical structure
is ongoing. Some authors specifically focus on the musically experienced listener (Krumhansl
& Kessler, 1982; Lerdahl & Jackendoff, 1987), and some explore the responses of both
experienced and inexperienced listeners finding both similarities and differences (Deliège,
1987, 1998; Schaefer et al., 2004). Other studies segregate the population further,
distinguishing between those with Absolute pitch (AP) and those without, usually finding
differences in response (for example, Carterette & Kendall, 1999). Metrical structure is
considered to be one of the musical structures most accessible to a broad range of listeners;
to those that have and have not been musically trained.There is also a debate concerning
the effect of musical training on harmonic perception. It seems that harmonic structure
affects perception (at some level at least) but that those with training are more sensitive
(Woolhouse et al., 2006).Therefore a varied population of listeners with and without mu-
sical training and AP are included in this study.

Musical characteristics
Overall metrical structure
Clear hierarchical binary or ternary structures (such as 4/4 and 3/4) are thought to be
more easily processed (fitting with schemata) than those that are not.This study compares
responses to examples in three time signatures (3/4, 4/4, 5/4). In more general psychological
terms, this can be regarded as “global” information relying on “global processing” (Baron-
Cohen et al., 2002; Frith & Hill, 2004).
Harmonic framework
Basic harmonic frameworks are standard in western classical music and their
disruption or absence is thought to be noted and have an effect on perception (for many
references see Deutsch, 1999). As with metrical frameworks, it seems generally accepted
that music having “expected” harmonic structures is more easily processed than music

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lacking them. Here, the importance of such a harmonic framework for the identification of
melodic figures is explored by having two very similar versions of each phrase. One at
pitch and one transposed down “a tone” but without correcting accidentals for the new
key, thus keeping the contour the same and the pitch range very similar. In more general
psychological terms, this can again be regarded as “global” information relying on “global
processing”.
Beat position
Metrical structure has been understood to be related to relative salience of notes
(for example, Deutsch, 1999; Jones, 1992; Jones & Holleran, 1992; Lerdahl & Jackendoff,
1987). Within the bar, first beats are considered most salient (referred to as “First” below),
later beats less so (“On”), and notes occurring off the beats least (“Off”). In this study, there
are three versions of the position of each motive in its context; the motive starts on a First,
On or Off beat. In more general psychological terms, this can be regarded as “local”
information relying on “local processing” (Baron-Cohen et al., 2002; Frith & Hill, 2004).
The figure and general characteristics of the context
The figure was presented first, separately and listeners were asked to be ready to
identify it when embedded in the context.The figures were all of equal lengths, contained
only quavers and were designed not to stand out of the context.
All of the contexts were also of equal length and each constituted a single phrase.
They all had the same rhythmic structure: the first beat of the first two bars and the last
three beats of each context were crotchets and the rest were quavers (at ± = 120). They
had an accompanying drumbeat, giving the beats and emphasising the first beat of each
bar (by changing timbre), which began a bar before the context (see example above).
Other factors: relatively large pitch intervals and long notes
The“global” and relatively“local” cues that form the focus of the current investigation
are not the only factors that could affect salience of the embedded figures. Many Gestalt-
based segmentation theories suggest that pitch intervals or long notes that are relatively
large in the context of their surroundings are important either as group boundary-indicators,
metrical structure indicators, or accents (Deliège, 1987; Drake & Palmer, 1993; Lerdahl &
Jackendoff, 1987).
For four melodies, two of the three metrical positions were kept the same, i.e. there
were two examples of “on” or two of “off” beats for the same melody. For three of these,
one of the embedded figures was preceded by a larger pitch interval than the other. For
one example, one figure followed a crotchet and the other did not. They were placed in
different positions in the piece to avoid the possibility of“learning” positions. For example:

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3. Methods
Participants There were 36 participants, forming three groups of 12. 1) Those with
absolute pitch (AP) according to the AP test described below,2) those with less than 80% score
on the AP test and with formal musical training after the age of 14 or private instrumental/vocal
tuition (musicians, M), and 3) those with no private instrumental/vocal tuition and no formal
musical training after the age of 14 (non-musicians,N).The participants were all students at the
University of Cambridge aged 18-22.They filled in questionnaires concerning their musical
experience, did an absolute pitch test and the embedded figures test.
Absolute pitch test An AP test designed by Zatorre (2003) was used. Listeners
were presented with a series notes and asked to name them. If they achieved above 80%
correct they were considered to have AP (Zatorre, 2003). The AP test is only relevant and
therefore only given to the “musicians”.
Stimuli There were three groups of 36 examples in 3/4, 4/4, 5/4. Within each of
these there were three groups of examples in which the figure began on the First, On or
Off beats of the bar. Figures were not placed in the first or last bars of the phrases where
memory could have been superior than in the middle (for example, Greene et al., 2000;
Waugh & Norman, 1965). The examples were 6.5s long, the figures were 1.25s long and
there was a gap of 0.25s between the figure and the drumbeat: all within the length
thought to be our short term memory or perceptual present (Snyder, 2000; Wittmann &
Pöppel, 1999).

4. Results
In the present analysis a“correct”response is within 3s of the beginning of the figure,
so the rate of chance correct is 25%. The overall average response for figure identification
was 80% correct with a standard deviation of 30%.There are several subgroups of different
levels of success relating to the: 1) listeners’ and 2) musical characteristics, which are now
discussed in turn.

Absolute Pitch and musical training


The following graph shows the proportion of listeners’ correct responses according
to the three ability groups and the differences between them.

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The difference of correct identification of the embedded figure between the three
groups is significant (F(2, 33) = 48.038, p <0.0001). In more detail, according to the Tukey
HSD test: AP vs. M (p < 0.005), and AP vs. N and M vs. N (p < 0.001).
A comparison of the AP task and figure identification responses shows that the
correlation is very high (R2=0.7). Measures of musical experience were also recorded
including the number of years of formal training, number of years of aural lessons, and the
age at which the first instrument was started. However, for these the correlation is much
lower (R2 = 0.11, R2=0.13, and R2=0.004 respectively). These results suggest that the
strongest correlation is with success on the AP test.
Although the results show significant differences between the three groups, four Ns
respond in the range of the Ms; the average response of the Ms is 0.81 (ranging from
0.625-0.94) and four Ns have an average between 0.71 and 0.76. The rest of the Ns have
lower averages ranging between 0.34 and 0.59. The results were re-analysed in the new
groupings. However, this does not change the trends observed and so the rest of the
results are presented according to the original groups.

Time signature
In general, the effect of the “global characteristic” of time signature on correct
identification of the figure is significant: F(2,33) = 10.297, p<0.0001, the significant
difference being between the responses to 3/4 and the other two, with 3/4 having a
wider range and a lower average rate of success.

The responses among the ability groups are different. For the AP group the differences
between responses are not significant. For the M group, the success rate for the 3/4 is
lower than that for the other two time signatures. The average proportion of correct
responses is 0.75 for 3/4 and 0.85 and 0.84 for 4/4 and 5/4 respectively. The difference
between responses to 3/4 and 4/4 is significant at p = 0.01 and between 3/4 and 5/4 at p
< 0.05. The same trend is seen for the N group. The average proportion correct is 0.47 for
3/4 and 0.58 for 4/4 and 0.64 for 5/4. The difference between responses to 3/4 and 4/4 is

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significant at p = 0.05 and between 3/4 and 5/4 at p < 0.001. Where the differences in
responses are significant, the “higher” time signatures have a higher response rate.

Harmonic and non-harmonic framework


The differences between “global characteristics”of the“harmonic”and non-harmonic
conditions are significant (F(1,33) = 4.652, p < 0.05). The results for the non-harmonic
condition are higher than the non-harmonic for the M (p < 0.5) and N (p < 0.1). For the AP,
the difference is not significant (p > 0.1). Furthermore, these differences are only significant
for the stimuli in 5/4 (p < 0.1).

Beat in the bar


The differences between responses to the same figures starting on the different
beats in the bar (“local” characteristics) are also significant (F(2,33) = 3.900, p < 0.05),
particularly the difference between First and Off beats (p < 0.05).

The results for the three groups show that they all have the same trend; decreasing
figure identification from First to Off beat. For example, for Harmonic examples, the ANOVA
results comparing responses to different beat positions are: AP F(2,105)= 6.55, p < 0.01, M
F(2,105) = 4.13, p < 0.5, N F(2,105) = 0.17, p > 0.1. The table summarises the t-test
comparisons.
T-tests comparing responses to beat positions
First vs On On vs Off First vs Off
AP p > 0.1 p < 0.05 p < 0.01
M p < 0.1 p > 0.1 p < 0.01

For the AP and M there is a difference between strong (first and on) and weak (off)
beats in at least one comparison.Though APs are responding almost at ceiling, they show
differences depending on the beat position. For the Ns, although the differences are not
significant, the responses follow the same trend.

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Relatively large pitch intervals and long notes
For some melodies, there were two examples of “on” or two of “off” beats for the
same melody. For three melodies, one of the figures was preceded by a larger pitch
interval than the other and for one melody, one figure followed a crotchet and the other
did not. In all these cases, the example with the figure following the larger pitch interval
(even if the difference was only a tone), or longer note, had a higher response. Removing
these examples reduces the difference in responses between the time signatures but
does not remove it and does not affect the metrical position results. To fully understand
the contribution of different musical characteristics to salience, therefore, a combined
approach is necessary.

Summary of Results
The following table shows a summary of the results:
Participants Time signature Harmonic Context Beat position
All p<0.0001 p<0.05 p<0.05
AP NS NS p<0.05
Musicians p<0.01 p<0.1 p<0.01
Non-Musicians p<0.01 NS NS
*NS: not significant

The table shows that there is a significant effect of all these variables but that the
degree varies among the groups. Responses by APs are only significantly affected by beat
position, those by M are affected by all the main variables tested, and those of Ns are only
significantly affected by time signature.

5. Conclusions
The results show significant differences between responses of the different ability
groups to the task of identification of an embedded figure in terms of both AP possession
and musical training. However, the trends are similar for the different variables, suggesting
that these are important but to different degrees. Musical training, without AP, results in
sensitivity to all the main variables. However, four of the twelve Ns responded at a higher
success rate than the rest of their group, responding at the same rate as the Ms. This
overlap in scores for Ms and Ns indicates that though musical training is useful, it is not
always essential for that rate of success on this task.
Though musical training seems to be important, there may also be other reasons for
the differences in response. The results suggest that for listeners with AP there is priority
of local information over global context. Ms are affected by all contexts and Ns are affected
by metrical context and not affected by harmonic context or beat position. In the area in
which Ns are expected to be relatively sensitive (metrical structure, see section 1), they
are more affected by global than by local context.
One domain in which the visual embedded figures test has been employed is that of
Autism. It showed that those with Autism have a cognitive style that focuses more on local
information and “controls” have one that focuses on global. Some studies have also

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suggested that there is a much higher proportion of AP in people with Autism than in
others (see for example, Zatorre, 2003). The results of the present study suggest that in
“normal” listeners there are differences between the effect of “local” and different types
of “global” characteristics on different groups of listeners. Furthermore, this method can be
developed for use in studies aiming for a greater understanding of music perception in
general and that in Autism in particular and comparison with other modes of perception.
In general the global parameter of harmonic context has a minor effect and where
there are differences between results for the harmonic and non-harmonic conditions, the
responses to non-harmonic conditions are better. This seems to contradict previous
assumptions.The results may indicate that the figure takes on a harmonic identity, because
it was presented alone and provided enough information to suggest a particular key),
which then stands out from the more non-harmonic context.
Where there is a significant difference between responses to the 3/4 and 5/4 time
signatures, the “higher” time signatures have a higher response rate. This may be because
overall there are fewer bar units in the example so there are fewer units, in which the
figure could be located. It may also be because 3/4 and 4/4 are common, clearly
hierarchically structured frameworks that listeners are generally familiar with. 5/4 is less
familiar and more complex and may elicit greater attention which may contribute to
better results. Again, this result seems to contradict some previous assumptions.
There are significant differences between responses to the different positions in the
bar and all three ability groups show the same trend; the salience of information decreases
from stronger to weaker beat positions. Although listeners with AP have better results
than the others on this pitch-based test, even for these listeners, local metrical salience
affects their responses.
The few examples that compared responses related to pitch intervals and long notes
suggest that these also affect responses. These results imply clear avenues for a combined
approach in order to compare under which circumstances, and for which listeners, different
characteristics affect salience.

Notes
2 ‘A short melodic idea having a particular identity of rhythm and contour’ Drabkin, ‘Figure’, Grove Music
Online ed. L. Macy (Accessed, 26 Nov 2006), <http://www.grovemusic.com>

References
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Deutsch, D. (Ed.). (1999). The psychology of music. London: Academic Press.
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Zatorre, R., J. (2003). Absolute pitch: A model for understanding the influence of genes and
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Acknowledgements
Many thanks to Dr. Ian Cross at the Centre for Music and Science, University of
Cambridge for allowing the work to be carried out there, to the final year students: Elanor
Cornford, Jessica Ballantine and Alix Harper for your hard work with the participants and
our interesting discussions, and to Dr. Nick Collins for writing the program with which this
study was carried out.

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La conciencia musical

Luc Delannoy
Centro de investigaciones en neuroestética y neuromusicología – Puebla - Mexico
lucdelannoy@yahoo.com

Abstract
En los últimos veinte años el estudio de la conciencia ha generado muchas
polémicas en el mundo de la filosofía y de las neurociencias. Sin embargo, pocos
músicos, filósofos, psicólogos y científicos han reflexionado sobre el tema de la
conciencia musical. Este artículo examina las propuestas filosóficas (más que
neurocientíficas) básicas relacionadas a la conciencia musical individual tomando
como punto de partida la experiencia subjetiva del sujeto. Mostraremos que la
conciencia musical es plástica, que esta plasticidad depende de la escucha y de un
proceso reflexivo. Insistiremos en la interacción entre el cuerpo humano con si
mismo y con el mundo exterior, proponiendo así en términos filosóficos el carácter
indispensable de la música para la relación con el Otro y para la supervivencia de
la especie humana como especie acústica. Asimismo veremos que la conciencia
musical nos acerca a un entendimiento de la Conciencia.
Keywords: conciencia, corteza, neuronas, escucha, subjetividad, experiencia de la
escucha, experiencia subjetiva, qualia, biografía, integración de la conciencia.

¿Que sucede cuando estoy escuchando una obra musical? La música entra por mis
oídos; el envío de impulsos eléctricos provoca cambios químicos y una transformación de
neuronas
en mi corteza superior. Si un observador externo observa los procesos cerebrales
ocurriendo en mi corteza auditiva, ¿podría entender mi experiencia subjetiva, o sea el
placer que siento al escuchar la obra? Mi placer es una propiedad natural de mis procesos
cerebrales; solo yo puedo entrar en mi placer.
Las funciones primordiales de la conciencia auditiva son de determinar e interpretar
la fuente de un sonido e identificar el discurso del otro. El oído descubre, está al acecho,
reagrupa los sonidos y los analiza para después interpretarlos; busca y compara con las
memorias.
La conciencia musical es la experiencia de la música. Lo que esta en juego con la
experiencia es lo que es dado en el presente, o sea las representaciones y sus contenidos.
La conciencia musical es una conciencia tanto externa, fuera de sí misma, como interna. Es
externa, en este sentido, porque está orientada, ante todo, hacia una fuente exterior a
nuestro cerebro; es interna en el sentido de que somos concientes de su existencia, una
existencia que vivimos en nosotros mismos.

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Entrar en contacto con nuestra conciencia musical significa comprender la música
que escuchamos y comprender cómo vivimos la experiencia de la escucha. Nuestra
conciencia musical se activa cuando escuchamos música y cuando vivimos la experiencia
de esta misma escucha. La música resuena en nosotros: la percibimos como algo que se
desarrolla en nuestro fuero interior. Somos su caja de resonancia. Somos su memoria.
Somos musicalmente conscientes cuando, después de concentrarnos, reaccionamos
y/o respondemos a estímulos musicales, cuando sabemos que estamos viviendo e,
inmediatamente, evaluando, gracias a un proceso cognitivo, un estado musical que
proviene de estos estímulos. Nos encontramos despiertos y somos conscientes de un
contenido que se manifiesta en el transcurso de este despertar.
Nuestra conciencia musical es consciente de sí misma, se manifiesta en ella misma
en el momento en que el acontecer musical se hace presente. Somos musicalmente
concientes cuando tenemos una representación conciente de la música. El sujeto vive la
experiencia del contenido de esta representación. Este contenido son los estados mentales
musicales vividos por el sujeto.
Una representación es una imagen mental de la música y también al mismo tiempo
son los patrones neuronales o sea el sustrato biológico de esta imagen. Esta imagen
representa la música escuchada. Es el resultado de mapas compuestos por neuronas
disponibles en este instante en un lugar determinado. De cierta forma la estructura de la
música esta representada en nuestro cerebro pero es difícil saber el grado de fidelidad en
esta representación. Hay pues una relación dinámica entre la música y nuestro cuerpo que
constituye esta representación.
Esta representación es o conciente, o no-consciente. En los dos casos son contenidos
mentales que actúan sobre nuestro cuerpo y lo modifican. Para tener la conciencia de la
representación debo entonces, ante todo, tener una conciencia de mí-mismo. Primero yo
sé que soy yo, que vivo mi experienciao. Luego yo sé cuál es el contenido de esta
experiencia – o sea el objeto de mi conciencia musical. Así debemos primero
representarnos como sujetos teniendo conciencia de nosotros incluso antes de tener
conciencia de la música que escuchamos.
Es nuestra conciencia fenomenal (Carruthers, 2000) quien determina el carácter
consciente del contenido de las representaciones. Nuestra conciencia fenomenal pone
en evidencia la relación entre un instrumento y un sonido y enseguida la relación entre el
sonido y la representación que yo tengo.
Es fundamental subrayar que nosotros tenemos una representación de algo, es decir
que hay un “de” a un “nosotros”. Esta representación de la música es dirigida hacia mí, la
música me es presentada. El “a” vuelve la representación disponible; se reúne con nuestras
memorias. El contenido de una representación es proyectada hacia mi biografía constituida
de experiencias que han evolucionado en conceptos. Esta proyección nos permite inter-
pretar el contenido y de tener conciencia de esta interpretación. Entonces, en realidad, se
tratará más bien de una construcción subjetiva y no solamente de una representación.
La interpretación subjetiva del contenido de estas representaciones mentales se
hace por el contacto con un abanico de esquemas musicales, de “pensamientos”, de
conceptos que están disponibles simultáneamente. Son nuestro presente disponible.

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Música y representaciones alimentan estos conceptos cuya naturaleza es dinámica. Existe
entonces una retroalimentación entre música, representación y conceptos.

*****

Siendo consciente de la experiencia musical, soy consciente de una representación


y de su contenido. La conciencia del contenido es inherente a la conciencia de la experiencia
musical. Este contenido es interno en mi propia existencia. Los contenidos de una
representación pueden revestir varias significaciones, cada una de ellas (ya sea musical o
extramusical) basada sobre nuestra propia vida.
Los contenidos de las representaciones tienen cualidades tenues; son los qualia
(Edelman, 2003; Edelman, 2004). Son las moleculas de la conciencia musical. Un quale es una
propiedad inherente a un estado sensorial. Como eventos cognitivos, los qualia son
introspectivos. Es una chispa provocada por un fenómeno; es generado, vivido, apreciado por
una conciencia particular interna. El quale es lo más profundo de la experiencia subjetiva.
Los qualia musicales son « impresionistas » - impresiones únicas como la experiencia
vivida individualmente de la brillantez del sonido, la impresión de un timbre, del tono de
una voz… Estamos conscientes de los qualia musicales generados por la experiencia
musical. Los qualia son individuales; no pueden ser compartidos por otros individuos.
Todos tenemos nuestro propio sistema de de conceptos, de referencias que determina los
qualia. Estos qualia no son negociables; es decir, no se puede apreciar ni comprender los
qualia que no nos pertenecen.
Los contenidos son complejos. Contenido y conciencia del contenido dependen de
la preparación del oyente En el caso del músico o del aficionado iluminado, el primer
elemento consciente del contenido de una representación será sin duda el reconocimiento
de elementos musicales que el sujeto formulará en términos propios a la teoría musical
que haya aprendido – o al menos en una jerga musical:“ creo reconocer tal o tal progresión
armónica, ésta es una fuga, está es una sonata, éste es un motivo, ésta es una variación del
motivo, ésta es una cita de tal o tal obra de tal compositor…”.
Este reconocimiento es el resultado casi inmediato de la comparación de la
representación con los elementos que constituyen su propia biografía musical y sus
múltiples experiencias de vida. Esta biografía está ahí, sirve de punto de comparación, está
disponible en todo momento. El reconocimiento en sí mismo puede tener varios grados
no sólo en función de los conocimientos que tiene el sujeto, sino también en función de
la confianza, de la convicción que éste tiene en sus conocimientos. La duda puede intervenir
y modificar el reconocimiento. Por otra parte la velocidad de la comparación dependerá
de la agilidad cerebral y así pues de la preparación del sujeto.

*****

Cada uno de nosotros tiene su propia biografía y tenemos una biografía musical
establecida por nuestras escuchas. Sobre la base de esta biografía es como formamos lo
que se llama las expectativas musicales (Huron, 2006). Si se examina la cuestión de las

202

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expectativas musicales, podemos adelantar que permiten acercarnos a nosotros mismos.
Estas expectativas son el producto de nuestra cultura y de nuestra evolución individual en
el seno de esta cultura.
La escucha siempre implica una anticipación, la cual se basa en nuestro conocimiento
de las estructuras del mundo con el cual nos relacionamos. La escucha es entonces un
proceso activo. La mayoría del tiempo, cuando comenzamos a escuchar activamente una
obra musical, estamos en la posibilidad de adivinar su desarrollo. Primero la situamos
según su género antes de anticipar los elementos precisos de su estructura. Estos esque-
mas adquiridos (que son los patrones mismos de la música) nos permiten así determinar
si lo que escuchamos en ese instante preciso es reggae, rock, blues, música clásica
occidental, etc… Después de esta identificación estamos en posibilidad de anticipar y de
pre-decir lo que verdaderamente seguirá y cuándo.
Nuestras experiencias pasadas tienen influencia sobre nuestras interpretaciones de
futuros musicales. Estas interpretaciones posibles son conocidas bajo el término de ex-
pectativas musicales. Esta tendencia a la anticipación es innata; los contenidos de nuestras
anticipaciones dependen de nuestras experiencias de vida. Entonces nuestra corteza
musical emite una serie de probabilidades (representaciones mentales de la música) en
función de nuestras experiencias y así de nuestras memorias.
La mayoría de estas expectativas son no-conscientes; sin embargo una escucha
atenta puede, a través de un proceso reflexivo, informarnos sobre nuestras propias expec-
tativas. Los resultados posibles de estas expectativas desencadenan una serie de respuestas
emocionales (así como la emisión de neurotransmisores y la liberación de hormonas).
Estas respuestas dependen de cada individuo porque cada uno de nosotros tenemos una
relación diferente con la música que escuchamos.

*****

Cualquiera que sea el primer elemento consciente del contenido de una


representación, ya sea musical o no, somos transportados hacia esa famosa biografía don-
de duermen, listos a activarse, nuestras experiencias de vida, nuestros perceptos converti-
dos en conceptos. Todos los elementos de esta biografía danzan sobre una ola cuántica.
Son reducidos por la conciencia de elementos musicales.
Esta biografía está constituida de elementos innatos y de elementos aprendidos a lo
largo de nuestra vida, conscientes y no conscientes, que, puestos juntos y con sus respec-
tivos estados emocionales, nos ayudan a medir nuestras acciones presentes y a orientarnos
en el futuro. La conciencia musical implica ser consciente de las emociones y de los
sentimientos que emergen de la música escuchada y de los estados mentales que provo-
ca. Las emociones modifican nuestra vida interior. El objeto de una emoción es a la vez
exterior a nuestro cuerpo: la vista de tal cosa, pero también interior: el estado de mi cuerpo
que ve tal cosa, mi cuerpo que se modifica constantemente.
Si digo de tal música que es profunda, no me refiero a un aspecto técnico, sino más
bien a un contenido que podría calificar de transparente. ¡Profundidad de la transparencia!
Qué paradoja… mientras más el contenido nos llega, más subjetivo es y entonces, más

203

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profundo. Más nos llega, más se concentra en nuestra biografía, más se afina. De hecho, es
como si las referencias exteriores nos acercaran cada vez un poco más a nosotros mismos.
Es pues por la conciencia del contenido que se manifiesta la dimensión subjetiva de la
experiencia de la escucha musical.

*****

¿Cómo unir e integrar forma y contenido?


La percepción de un estímulo exterior como la escucha musical por ejemplo se
estabiliza después de un instante que dura entre 100 y 200 milisegundos; luego nace la
conciencia de esta percepción que puede entonces durar entre 2 y 3 segundos – es
nuestro presente musical inmediato. El desencadenamiento del proceso del pensamiento
musical consciente oscila pues entre 100 y 200 milisegundos. Después de esta primera
operación, la recepción de la sucesión de estímulos se vuelve espontánea y regular
generando así lo que ciertos sicólogos (James, 1989) consideran ser un flujo de conciencia.
Si percibimos en realidad por segmentos, estos serán luego integrados.
Cada conciencia dispone de una capacidad de integrar información. Esta capacidad
se vuelve cada vez más eficiente, a medida que el individuo enriquece el campo de sus
conocimientos musicales. Este enriquecimiento se hace variando nuestras experiencias
musicales. Mientras más diversificamos nuestras escuchas, más estamos en medida de
apreciar nuestras experiencias y de acordarnos de ellas.
La habilidad de integración evoluciona con el tiempo. Así pues podemos decir de
acuerdo con el científico GiulioTononi y extrapolando sus descubrimientos, que la
experiencia subjetiva es sinónimo de la capacidad de integrar información (Tononi, 2004).
La experiencia es pues vivir esta integración.También podemos concluir que la conciencia
musical es un asunto de grados y si los mecanismos de integración cambian lo mismo será
los grados de la conciencia musical.

*****

Vivir la experiencia auditiva, es decir, vivir los diferentes estados de esta experiencia
representa el aspecto más complejo de la conciencia musical. Siempre seré el sujeto de
mis experiencias, no puedo escapar a esta condición. Estos estados pueden ser sensaciones
corporales, representaciones mentales, emociones, sentimientos, estados de humor y
nos llegan como un flujo, pareciendo ser unidos unos a otros. En realidad deberíamos
decir que penetramos estos estados como éstos nos penetran, están tan presentes que
pensamos que los vivimos desde el interior de ellos.
Sabemos que por las diferentes interpretaciones subjetivas, una obra musical revela
sus posibilidades. Incluso, el individuo revela sus diferentes posibilidades por medio de sus
experiencias que provienen de sus diferentes escuchas. La reflexión subjetiva permite ir
más allá de la subjetividad misma para dejar a la obra la libertad de realizarse en nuestro
fuero interior. Así la escucha de diferentes estilos musicales revelará diferentes facetas de
nuestro Ser.

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La concienciación de esta experiencia de la escucha por medio de la reflexión nos
permite comprender lo que es ser nosotros mismos, es decir humano. Podríamos conside-
rar nuestra conciencia musical y la experiencia de esta conciencia musical como el reflejo
de nuestra forma de ser en el mundo.
Somos seres acústicos. Debemos concentrarnos sobre la escucha para volvernos la
escucha. Entonces nos damos cuenta que esta escucha no es permanente, que sus formas
cambian para transformarse en una experiencia topológica. Buscamos así situarnos en el
futuro de la audición, en el futuro de la percepción (Merleau-Ponty, 2000).
La posición de nuestro cuerpo en el espacio es pues importante para la audición y la
apreciación musicales. Nos damos cuenta que la información espacial influencia nuestra
percepción musical cuando realmente prestamos atención a la música. Al menos que se
trate de una escucha atenta, nos importa poco saber dónde disponemos nuestro cuerpo
con respecto a la fuente sonora. Si buscamos esta fuente, es la colaboración del oído y de
la vista quien será nuestra guía demostrando que la estimulación cambia con nuestro
movimiento.
Siendo consciente de mi cuerpo, soy consciente de mí mismo – lo inverso no se
produce forzosamente. Puedo ser consciente de mí sin serlo de mi cuerpo. En este sentido
el cuerpo es un instrumento de la conciencia. Mi cuerpo es el objeto de mi voluntad y yo
mismo soy el objeto de mi pensamiento. En ese momento, cuando mi voluntad actúa, mi
cuerpo es la encarnación de mi yo. Mi voluntad mueve este cuerpo que es una encarnación
de mí mismo. Como puedo mover mi cuerpo y situarlo en diferentes lugares, mi cuerpo no
es un espejo de mí mismo sino que representa posibles estados de mí mismo.
Así el espacio musicalizado es una infinidad de posibles.
Lo interesante es que una vez en contacto con el sonido, éste nos engloba, su capa
nos envuelve mientras que su contenido nos penetra. Es entonces como si
comprendiéramos la música con nuestro cuerpo en su conjunto, incluso si ésta parece
orientarse exclusivamente según las órdenes de la vista y del oído.
A decir verdad no nos concebimos como un objeto sino más bien como un conjunto
perceptivo, como un motor también, un motor que va a dirigir la dirección de la música
cuando los músicos tocan y que parece prepararle el terreno. Si la música está en nosotros
como lo hemos dicho, somos el imán que la atrae. Somos un imán, no es que seamos el
centro del universo que circula alrededor de nosotros para nuestro placer, sino que somos
un imán en el sentido de ser un centro de atracción, un imán en movimiento porque
nuestra percepción es movimiento.
Nos situamos para atraer mejor la música ; la percepción es una atracción –
vampirizamos la música. Entramos en competencia con los oídos de los otros. Así nos
posicionamos también con respecto al oído del otro.
El pensamiento auditivo y el pensamiento visual se unen.

*****

Sin duda existe el deseo de reconocerse a sí mismo en la música y de reconocerse


a sí mismo a través del otro. La conciencia musical contribuye a este fin. Por eso tratamos

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periódicamente de reinventar la música. Reconocer es validar pero también es recrear.
Nos recreamos y recreamos el otro. (Levinas, 2005; Ricoeur, 1996).
La alteridad viene muy a propósito a decirnos que no podemos concebir nuestra
conciencia sin el Otro; la alteridad significa un contacto inmediato con la conciencia del
otro. La música hace resaltar al otro, es el reflejo del otro. La composición musical está
destinada al Otro, a los Otros.
El compositor no está todavía, está por-venir y no será que después de este paso
obligatorio. Basada en el intercambio, la música es filosofía de la acción. La música es el
Otro en común. Al escuchar música, en este encuentro con el Otro, salimos del anonimato
para volvernos nosotros mismos y al mismo tiempo el otro se vuelve para mí un posible.
Una política de intercambio, de reciprocidad se instala. El Otro que ha sido escuchado se
vuelve el Uno que escucha.
Al escuchar la música doy un sentido a otro que no soy yo; es la diferencia individual
vivida en la comunidad. El ser común es la comunidad, una comunidad de fragmentos
variados y diferentes, unidos por estar separados. Con la escucha musical doy un sentido al
Otro como yo mismo, tal como él mismo me trata como un Otro.

Referencias
Carruthers, P. (2000). Phenomenal consciousness. Cambridge. Cambridge University Press.
Edelman, G. (2003). Naturalizing consciousness: A theoretical framework. Proc Natl Acad Sci
USA, 100, 9, 5520-5524.
Edelman, G. (2004). Wider than the sky. The phenomenal gift of consciousness. New Haven. Yale
University Press.
Huron, D. (2006). Sweet anticipation: music and the psychology of expectation. Cambridge. MIT
Press.
James, W. (1989). Principios de psicología.. México. Fondo de Cultura Económica.
Levinas, E. (2005). Humanismo del otro hombre. México. Siglo XXI editores, s.a. de c.v.
Merleau-Ponty, M. (2000). Fenomenología de la percepción. Barcelona. Ediciones Península.
Ricoeur, P. (1996). Soi-même comme un autre. Paris. Editions du Seuil.
Tononi, G. (2004). An information integration theory of consciousness. BMC Neuroscience, 5:42

Bibliografía
Changeux, J.P. (2002). L’homme de vérité. Paris. Odile Jacob.
Delannoy, L. (2007). La conciencia musical. Consultado enero 30, 2007. http://
www.lucdelannoy.com/IndiceE-bookLaConciencia.html
Gadamer, H.G. (1996). Estética y Hermenéutica. Madrid. Tecnos.
La conciencia musical. (n.d.). Consultado enero 29, 2007. http://
www.concienciamusical.blogspot.com
Seth, A.K., Baars, B.J. (2005). Neural Darwinism and consciousness. Consciousness and Cognition,
14, 140-168.

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Incidence of stylistic knowledge on rhythm
perception

Juan Fernando Anta


fernandoanta@fba.unlp.edu.ar
Isabel Martinez
isabelmartinez@fibertel.com.ar
Monica Valles
mvalles@speedy.com.ar
National University of La Plata - Argentina

Abstract
From an ecological point of view, listening to music is a complex experience in
which both bottom-up and top-down processes work together making possible
an understanding of a musical piece. Listeners build their musical perceptions out
of the individual parametric features of the musical work, but also by calling into
play their prior musical experience, i.e., their knowledge of a musical style. In this
sense, it has been argued that all we know about a particular musical style influences
what we perceive, that is, the way in which the mind organizes sensorial data
presented to it. The aim of the present research was to investigate if listeners are
influenced by their stylistic knowledge on the specific area of categorical rhythm
perception. An experiment was run in which seventy-four participants were tested
in their categorical perception and their stylistic knowledge asking them to perform
an identification task and to complete a questionnaire about their stylistic
knowledge, respectively. Nine rhythmic stimuli were used. Three of them were
especially composed expressive versions where the inter-onset intervals didn’t
correspond to integer-ratio relations. They belonged to different stylistic musical
contexts (jazz -swing-, folcklore argentino -carnavalito- and medieval dance -trotto-).
Results showed that subjects who possessed specific stylistic knowledge about
the musical contexts in which expressive patterns were presented tended to
categorize them in a different way that subjects who did not possessed that
specific knowledge. They also showed that those rhythmic patterns that had
proportional inter-onset intervals were categorized in a different way according
to the stylistic context in which they were presented.

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1. Background
Stylistic knowledge and cognition
Although a theoretical agreement exists on the idea that stylistic knowledge exerts
a strong influence on music cognition (v.g. Meyer 1956, 1989 [1996]; Sloboda 1985; Narmour
1990, 1992; for a philosophical approach, see Stubley 1992), the ways in which such
influence effectively occurs still deserves investigation. In fact, according to Narmour
(1992), “although all experienced listeners share style knowledge to some extent, it is not
tenable to posit that any one cultural segment of that shared knowledge represents a
perceptual whole […] so there is no such cognitive thing as a style” (p. 8). However, this does
not means that style does not stand as a substantial constituent of music cognition; instead,
it evidences the current state of affairs concerning its research, where only recently we
have begun to find theoretical and methodological tools to examine dynamic aspects of
musical style (v.g. Imberty 2003). Problematic though style may be, it nevertheless exists
as an empirical fact; and, as Narmour (1992) has pointed out, “Every theoretical model of
music must come to terms with style […]. For, clearly, style exercises a profound influence on
the cognition and perception of music” (p. 8-9).

Music perception as an interaction between bottom-up and top-down processing


In spite of the difficulties found in the study of the influence of style in music
cognition, a useful way to do it has consisted in adopting a distinction between bottom-up
and top-down processes of music cognition.The type of processing referred to as ‘bottom-
up’ is largely involuntary and operates on the parametric features of the perceptual data at
the input or ‘bottom’ of the perceptual-cognitive system; its primary function is to partition
our continuous auditory experience into manageable units for further processing, so it is
known as ‘data-driven processing’ -independent from the context to which it applies. On
the other hand, in such further processing those units (melodic, rhythmic, harmonic, etc.,
groupings or patterns) are confronted with learned schema-driven information, that requires
higher-level processing and interaction with long-term memory for their formation; so,
this type of processing comes from the ‘top’ of the cognitive system -and so is referred to
as ‘conceptually or expectancy driven’ or more commonly ‘top-down’ processing, and is said
to be dependent on the stylistic context. These schemata, in turn, have been defined as
higher-level categories of experience, and represent a synthesis of the concepts and
practices that appear to be related in different situations; these concepts and practices,
finally, would form a context for the perception and understanding of music (Snyder,
2000).
Through this distinction, perception may be characterized as the result of both the
cognition of the simplest parametric features of the stimulus, and the organization of such
data around more detailed schemas. Thus, the bottom-up/top-down approach is a fruitful
and ecological construct to account for the experience of music perception, since –
according to it- perception results not only from general processes or laws of music
cognition, but also from those contextually dependent processes that are sensitive to the

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influence of style. At the same time, musical style acquires a phenomenological status and
can be conceived of as a cognitive thing, as long as it is defined as a complex organization
of the sensory data extracted from the musical stimuli. It follows from this that the more
complex the constituent structure is, more evident is the stylistic organization of music.
In spite of the distinction discussed above, these types of processing are not
independent from each another; its interaction seems a necessary condition to music
cognition (Meyer 1989 [1996]; Narmour 1990, 1992; Snyder 2000). In fact, it has been
argued that the interaction between them operate in such a way that in music cognition
one or the other pervades or is prevalent, resulting in a cognitive processing biased by
some of their constituent components. Snyder (2000), for example, points that
inexperienced listeners that have not yet developed complex representations of musical
experience, would tend to have a more ‘bottom-up’ perspective, that is, an approach more
directly dependent on perceptually novel features in the music; similarly, Narmour (1990)
suggests that “if the input is ambiguous [and thus harder to assimilate] then bottom-up
processing will dominate” (p. 53). Contrary, Navon (1977) has suggested that if the stimulus
is extremely familiar, global processes will “inhibit the responses to the local level” (p. 353;
cited by Narmour 1990, p. 53). Watkins and Dyson (1985) highlighted that the processing
of melodic sequences is facilitated if the input is brought into conformity with the schemata
of familiar environmental events; even more, Snyder (2000) suggests that there would be
a “disadvantage of a generalized, schema-driven recognition system [since] because they are
always undergoing the process of being slowly generalized, particular episodic memories of
experiences that are similar and fit the same schemas tend to become confused [a process
that] is referred to as an ‘interference effect’” (p. 99).
These statements are extremely suggestive and propound the question of how
listeners not only build their musical perceptions out of the parametric features of music,
but also call into play a whole amount of schematic information that corresponds to their
prior musical experience, i.e., their knowledge of a musical style.

Metric inference, categorical rhythm perception and expressive timing


Rhythmic-metric perception of Western music is strongly based on inferential
listening. The piece of music conveys information about recurrent durational patterns that
the subject uses to organize the stream of events in time. The most salient pattern of
durations is called tactus (Lerdahl y Jackendoff 1983, p. 21). The different beats group
recursively above and below the tactus, therefore generating a hierarchical organization;
the process called metric inference accounts for the way in which the listener configures
the metrical structure of a piece of music (Lee 1991; Clarke 1999).
Two other processes are central in the rhythmic-metric perception: rhythmic
categorization and perception of timing. As Clarke (1999) explains, when the subject listens
to a musical performance, he assigns the continuously variable durations of and between
events to a reduced number of rhythmic categories or discrete units -as usually symbolized
using figures in musical notation.The pattern of these categories constitutes the rhythmic
structure of the musical sequence, whilst the temporal deviation from these categories is
understood as expressive timing. Accordingly, Desain and Honing (2003) state that

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categorization may be described as the mapping of the acoustic signal from the space of
the performance onto the space of the score.They also say that, because timing expressivity
would not be perceptible without categorization, such mapping implies not just the
transformation of the signal from a continuous variable into a discrete one -with the
consequent lost of information during the process- but also that both types of information
are simultaneously available.
However, the notion of rhythmic category should not be understood as a rigid partition
of the temporal continuum. Clarke (1987) informs that categorization would be sensitive
to top-down processes of music cognition. Desain and Honing (2003), confirmed and
enhanced such evidence by assessing the way in which a category (i.e. its size and centroid
value) is strongly dependent on the metrical context around which it is built.They inform
that, for example, the participants in their study, when induced by a binary metrical context,
tended to transcribe the pattern of inter-onset intervals (IOIs) [0.210, 0.474, 0.316] (in
seconds) as 1-2-1, while when induced by a ternary context, tended to identify it as 1-3-2;
therefore, expressive or unstable rhythmic patterns, i.e. those in which the IOI’s do not
correspond to an integer-ratio relationship (Desain y Honing 2002), tended to be categorized
in a more parsimonious way in relation to the metrical context in which they were included,
or, in cognitive terms, in relation to the schema-driven groupings activated.
Although the above discussed studies provide evidence about the existence of a
schema-driven processing through which more coded information (metric configuration)
influences the processing of simpler information (rhythmic categorization), such evidence
has been obtained from ‘context-free’ stimuli. Both Clarke (1987) and Desain & Honing
(2003) induced a given metrical context using brief patterns of simple sound stimuli that
divided mechanically a tactus into two or three equal IOI; in fact, as Desain & Honing
(2003) indicate, their stimuli are simple and mechanical given that otherwise it “would be
hard to construct [them] without creating, eg, a dependence of musical style” (p. 359). It would
be then enriching to examine if the complexity of music has a similar effect in the
perception of rhythm.

2. Aims
The present work aims to asses if knowledge of musical style influences the way we
perceive a piece of music; more specifically, if the availability of stylistic knowledge
influences the way in which the mind configures the metric organization, in order to
categorize expressive and unstable rhythmic patterns in terms of their stylistic constraints.
This being true, availability of a stylistic knowledge in which the stream of events is organized
schematically in a binary way, will induce a categorization of expressive rhythmic patterns
in a binary form; similar results will be expected with styles that are understood in ternary
terms. While in the absence of stylistic knowledge it is expected that categorization tends
to be regulated basically by data-driven processing and, so, by the attributes of the musical
percept. The experiment that follows assesses the validity of such hypotheses.

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3. Method
Subjects. 74 students of music at the Faculty of Fine Arts (UNLP) took part in the
experiment. 50 students were recruited from the course Audioperceptiva I, while the
remaining 24 from the course Audioperceptiva II; these are compulsory courses that
develop ear training and sight reading skills in the first year of the undergraduate music
courses. Competences required to solve the experimental tasks had been acquired in
previous courses by the participants. Students received credits for their participation.
Apparatus. Stimuli were generated using an SB Live! (B800) synthesizer and Gene-
ral MIDI sounds and the sequences were produced using Cakewalk Pro Audio 9.0. They
were presented in digital format through an AIWA NSX-990 reproducer, at a room were
students are usually given the courses.
Materials. 9 musical fragments (average duration: 32.89 sec, SD ± 8 sec) belonging
to different musical styles were used: Jazz (2), Argentine Folk music (2), Romantic music (2),
Renascence music (1) and Medieval dance (1). Six were original versions taken from
commercial recordings; the remaining three were synthesized versions in which the
rhythmic attributes were manipulated according to the hypothesis of the experiment.
They belonged to Jazz (Swing), Argentine folk (Carnavalito) and Medieval dance (Trotto) and
were selected because their rhythmic-metric configuration presented a strong
schematization in terms of whether a binary structure (Jazz; Carnavalito) or a ternary one
(Trotto).

Figure 1: Durational features of the Swing (A) and the Trotto (B) patterns used for the transcription task.
From top to bottom: i) the duration of tactus, ii) the correspondent mechanically binary division, iii) the
correspondent mechanically ternary division, and iv) the patterns of IOI used for the transcription task
(gross line representing variability of the IOIs). * Proportions are rounded for readability.

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Commercial samples: five presented a binary structure and the last one presented a
ternary structure3.
Synthesized materials: The tactus was close to the spontaneous or preferred level of
the metre (cf. Fraisse 1982, Lee 1991, Clarke 1999) in order to prime both the salience of
such beat and also its configuration as the reference beat. The fragment of Jazz -Swing
(tactus: IOI=580ms), was selected from the first improvisation of “Blue rondo a la turk” by
D. Brubeck (1965), adapting it to the recorded version of 1959 by Brubeck himself as
performer. The melody was synthesized using the sound “Acoustic Grand Piano”; the bass
line used the sound “Contrabass”; the rhythmic line used a hi-hat like sound from the
percussion patch“Standard Kit”.The fragment Medieval dance (tactus: IOI=700ms), consisted
of the melody of a refrain from a Trotto of XIV century (as codified by Graetzer (1963)); a
two parts rhythmic accompaniment was composed and added to the melody, using the
typical patterns of the style (cf. Graetzer 1963); the melody was synthesized using the
sound “Acoustic Guitar (steel)” and the rhythmic lines used a ‘drum-like’ and ‘sleigh bells’
sound respectively. The fragment of Folk style (tactus: IOI=750ms) consisted of the melody
of the Carnavalito “El Quebradeño” (as codified by Aguilar (1991)); a harmonic
accompaniment was composed and added according to the stylistic features of the
Carnavalito (cf. Aguilar 1991; Aretz 1952); the melody was performed using the sound
“Pan Flute”, whilst the accompaniment was performed with the sound “Acoustic Guitar
(steel)”. Both the ‘hi-hat’ line in the Swing and the ‘drum’ line in the Trotto were composed
around an equivalent rhythmic pattern that was recurrent in the whole fragment. This
pattern corresponded basically to the ratios 7/10, 3/10 y 10/10 from their respective
tactus4. According to this, the IOI of the “hi-hat” rhythm fluctuated between [0.411, 0.169,
0.580] sec. and [0.391, 0.189, 0.580] sec. and the IOI of the “drum” rhythm fluctuated
between [0.496, 0.204, 0.700] sec. and [0.473, 0.227, 0.700] sec. We can notice that the
durations of the first two IOI are closer to a mechanically ternary division of the tactus than
to a binary one, without matching exactly with neither of them. The relative instability in
the arrangement of the IOI and their fluctuation between the above mentioned durations
fulfilled the following goals: 1) to increase the cognitive conflict promoted by the IOIs,
under the assumption that they would activate a data-driven processing in those subjects
not familiarized with the particular style, and a stylistic schema-driven processing in those
subjects familiarized with it; and 2) to enrich the samples with rhythmic expressivity or
timing. Figure 1 shows the sample features above described and contrasts them with the
proportions that would result from a mechanical ternary and binary division of the tactus.

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Figure 2: Relationships between the IOI patterns of the Swing, the Trotto and the Carnavalito used for the
transcription task. As can be observed, the two first IOI from the pattern of the Carnavalito conform to 7/
10 of the tactus whilst the third IOI the remaining 3/10. * Proportions are rounded for readability.

The arrangement of the temporal relations of the remaining textural lines was
accomplished according to similar criteria for the treatment of the IOI.The arrangement of
the fragment of Folk style assigned the same rhythmic sequence of the ‘hi-hat’ in the
Swing and of the ‘drum’ in the Trotto to the line of the “acoustic guitar”; however, in order
to match the rhythmic stylistic characteristics of the accompaniment (which are based in
a tactus internal pattern of 2:1:1 (cf. Aguilar 1991; Aretz 1952)), it was necessary to arrange
an IOI pattern containing three attacks. This was resolved dividing the first IOI of the
pattern by 2, in such a way that the obtained proportions were neither binary nor ternary
mechanical divisions of the tactus. The IOI from the first tactus were repeated in the
second one; thus, each tactus contained three IOI that fluctuated between [0.312, 0.219,
0.219] sec. and [0.281, 0.225, 0.244] sec., corresponding to the same hypothesis and
compositional criteria that were used in the elaboration of the other materials; finally, the
temporal arrangement of the melody of Carnavalito was done according to the same
criteria described so far, resulting in a melodic motive conforming to the pattern [0.294,
0.225, 0.231] sec. Figure 2 illustrates the characteristics of this melodic motive and com-
pares it with the percussion lines of the other fragments. Summarizing, in all the fragments,
the rhythmic patterns of a metrical level lower than the tactus were composed in order to
avoid any mechanically binary or ternary division of it, i.e., all the IOI sub-tactus were
unstable or expressive.
Procedure. The experiment had two stages. In stage I, participants were required to
identify rhythmic patterns present in the fragments and to transcribe them using

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conventional music notation, and finally to recognize the musical style of all the fragments.
Participants registered their answers in a form provided by the experimenters. For control
materials subjects were required to transcribe different rhythmic patterns containing the
tactus and its division; for target materials the following transcriptions were required: the
‘hi-hat’ pattern in the Jazz, the ‘drum’ pattern in the Trotto, and a brief rhythmic motive from
the melody in the Carnavalito above described. Each fragment was presented twice. The
test was taken in groups.Stage I lasted 40-45 minutes approximately. In stage II participants
were required to answer a questionnaire devoted to collect information about the stylistic
knowledge of the participants. This stage lasted for about 20-25 minutes.

4. Results
Concerning the task performing in stage I –transcription task- given that participants
provided different notation to account for the same temporal pattern, the binary or ternary
category of each response was determined following these criteria: i) the proportions
between the musical figures that were used to code each pattern; ii) the way in which
participants used beams in order to group the corresponding rhythmic figures and iii) the
use of irregular values to encode the rhythmic patterns. Concerning the task performed in
stage II, it was considered that those participants who reported familiarity with the styles
present in the experiment (v.g., they usually played or listened ‘folk music’) or who precisely
assigned the style to a particular fragment (v.g.“Carnavalito”), possessed knowledge of
that style.
A first analysis was conducted to assess the degree of agreement between the
metric structure (tactus and binary and/or ternary division) assigned to each control fragment
by the participants in both groups; there was Spearman correlation of 0.84 (p < .01)
between them, and therefore data from all participants were collapsed into a single group
for subsequent analyses. Given that participants’ responses to the control fragments tended
to be the same as the metric assignments inferred by the authors, the correlation also
indicated that the metric organization estimated by the latter described appropriately the
way in which events were organized in time; as a consequence, the participants’ responses
were classified in correct and incorrect according to their correspondence to the validated
metric analysis. As subjects performed efficiently in most of the control fragments, bringing
a number of correct responses higher than the answers expected by chance, their responses
were considered valid to the analysis of results.
The analysis of responses showed an association between knowledge of musical
style, identification of binary/ternary division and categorization in the three target fragments
(Chi square: Jazz, p < .05; Carnavalito, p < .05; and Trotto, p < .01). Therefore, for example,
those who had knowledge about Swing style tended to configure meter around a binary
tactus and tended to categorize the pattern [0.411, 0.169, 0.580] sec. as 3-1-4, whilst
those who did not possess that stylistic knowledge tended to configure it around a ternary
tactus and to categorize the same rhythmic patterns as 2-1-3; similarly, subjects with
knowledge of Carnavalito style tended to configure its meter around a binary tactus and
to categorize the pattern [0.312, 0.219, 0.219] sec. as 2-1-1, while those without knowledge

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of that style tended to configure it around a ternary tactus and to categorize the same
patterns as 1-1-1.
Finally, and given that Trotto style was the least known out of the three different
styles presented to the subjects, responses given by those participants who manifested
knowledge of the other two styles (Swing and Carnavalito) were compared to the answers
given by the same subjects to the Trotto; it was observed that those who categorize the
rhythmic patterns as binary in the Swing and Carnavalito styles tended to categorize the
pattern of the Trotto as ternary (p < .05 y p < .001, respectively).

5. Conclusion
The purpose of the present study was to estimate if stylistic knowledge –understood
as a higher-level schematic processing that activates long-term memory information of
previous musical experience-, influences the way we perceive and understand music.
More specifically, the aim was to test if such knowledge influences the representation of
metrical structure and the categorization of expressive rhythmic patterns that are immersed
in a familiar musical context, i.e., within a specific and well known musical style. Therefore,
complex musical stimuli were composed (containing melody, harmony, timbre, and so
forth) and their IOI carefully treated.
Results provided evidence of the influence of style in categorical rhythm perception:
participants who reported knowledge of Swing and Carnavalito styles tended to categorize
its unstable temporal patterns in a binary organization, while those who did not tended to
categorize them as a ternary organization; accordingly, almost all participants did not claim
knowledge of the Trotto style and categorized its rhythmic unstable pattern as a ternary
structure. Further evidence of the association between stylistic knowledge and categorical
rhythm perception was obtained evaluating how those who knew the Swing and Carnavalito
styles answered at the Trotto style; these subjects tended to assign a binary structure to the
former two but a ternary structure to the latter, suggesting that different stylistic contexts
and different levels of stylistic knowledge activated the use of different categories to
similar patterns. However, differences in tempi between fragments may account for the
obtained answers; since tempo influences the inference of the tactus (Fraisse 1982; Lee
1991) it is probable that affected the categorization process of shorter temporal patterns
(i.e. at the subtactus level).
Although results highlight the presence of a ‘data-driven processing’ in the stimuli
categorization, they also suggest the influence of a ‘schema-driven processing’ in a very
specific inter-opus way.This derives from two issues: i) stimuli never made explicit a strictly
binary or ternary subtactus organization; and ii) the temporal patterns that resulted from
the division of the tactus were closer to a ternary organization than to a binary one. It
suggests that it was the amount of previous experience, or schematic patterns of stylistic
knowledge, what accounted for the differences observed at the identification task. It was
found that, in expert performances and listening preferences of Jazz music, the
expressiveness of the ‘eighth note pattern’ emerges from a swing ratio of around 3:1 for
slower tempi -ca. 110 bpm- (Friberg & Sundström 1999); therefore, in our study it is

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probable that those who knew the style of the Jazz had internalized such expressiveness as
a schematic behavioral pattern, and applied it in a schema-driven processing to categorize
the unstable temporal patterns of the musical fragment. Moreover, it is probable that the
participants noticed the ambiguity of the temporal patterns and, instead of modifying
such schema in order to configure a ternary metrical organization they preferred an
interpretation of such ambiguity as expressive timing (Desain and Honing 2003; Clarke
1999). From a more radical perspective, and given that imagination may be a component
of rhythm perception (cf. Desain 2004a, 2004b), the same results might suggest the
overlapping of learned rhythmic schemas (v.g. binary schema in Jazz style) to the incoming
stimuli, a phenomenon referred to as interference effect (Snyder 2000; see p.99-100).
Finally, our results concur with previous findings which point out that the shape of a
given rhythmic category is open to top-down cognitive influences (Desain and Honing
2003; Clarke 1987). But at the same time, they strongly suggest that the experience of
musical rhythm involves a complexity that goes beyond the merely durational component,
and is also shaped by the interaction of melodic, timbric, harmonic, and other factors (cf.
Cooper and Meyer 1960; Fraisse 1982; Lee 1991) belonging to musical style. Moreover,
the study brings information supporting the idea that music cognition involves a network
of relationships that is specific to the piece, and at the same time extends beyond it, in
order to include other pieces that share stylistic features (Clarke 1989; Narmour 1990,
1992). In this sense, music cognition implies not only a bottom-up processing but also a
top-down or stylistic one; this two-way cognitive mode of music processing highlights the
need to consider musical style as the context from which we perceive and understand
music.

Notes
3 The assignment of ternary and/or binary division was performed aurally by the authors, assessing the
well-formedness of the different materials; for further validation of this, see the Results section.
4 The proportions presented here are rounded for readability, but the stimuli were precisely controlled
in a way that is described above.

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A influência da família e da escola no
Desenvolvimento do canto das crianças de dois
a seis anos de idade

Vivian Dell’ Agnolo Barbosa


vivian.agnolo@gmail.com
Beatriz Ilari
beatrizilari@yahoo.ca
Universidade Federal do Paraná

Resumo
Observando o desenvolvimento musical das crianças de duas escolas particulares
de educação infantil da cidade de Curitiba, Paraná, foram levantadas as seguintes
questões: Qual a influência que a escola exerce sobre o desenvolvimento musical
infantil? Essa influência acontece da mesma forma na relação da família com a
criança? A formação musical dos pais e o cotidiano familiar têm algum tipo de
relação com o desenvolvimento vocal das crianças? Como referencial teórico,
foram adotadas algumas idéias, como Swanwick & Tillman (1994), Gordon (2000) e
McDonald & Simons ( ), sobre o desenvolvimento musical infantil. Como procedi-
mento metodológico, distribuiu-se aos pais um questionário contendo 17 per-
guntas a respeito do cotidiano deles, do gosto musical familiar e da rotina da
criança. Os dados coletados foram analisados e através do cruzamento de dados,
percebeu-se principalmente a influência exercida pela escola no desenvolvimen-
to musical das crianças de dois a seis anos de idade.
Palavras-chave: Desenvolvimento do canto, Influências, Relação família-escola.

Fundamentação teórica
O ato de cantar existe em todas as culturas do mundo, e é especialmente evidente
na infância. Crianças de diversas partes do mundo usam o canto para fins de diversão, de
aprendizagem de conceitos e para que se reafirmem étnica, cultural e socialmente
(Campbell, 2000). De acordo com Ilari (2003), o canto faz parte da musicalização de
crianças em todas as partes do mundo, especialmente da educação musical infantil, isto é,
de crianças pequenas em idade pré-escolar. É exatamente nessa idade que elas devem ser
estimuladas a desenvolver o canto. O ato de cantar, espontaneamente ou de forma dirigida
em sala de aula, pode ativar os sistemas da linguagem, da memória, e de ordenação
seqüencial, sistemas que são vitais para o desenvolvimento cognitivo infantil.

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Em se falando em desenvolvimento cognitivo, há diversos modelos de desenvolvi-
mento musical propostos (veja Hargreaves, 2005). Entretanto, com exceção do modelo
espiral de Swanwick e Tillman (1994), praticamente nenhum desses modelos foi testado
no Brasil e há poucas investigações sobre o assunto, apesar de sua importância para a
educação musical como um todo. No entanto, alguns estudos ainda pouco divulgados no
país (Hargreaves, 2005) têm produzido resultados extremamente interessantes e válidos
para qualquer tentativa de tentar compreender e validar os modelos de desenvolvimento
cognitivo musical.
Baseando-se em Swanwick e outros autores, Parizzi (2005) tem se dedicado ao
estudo das invenções musicais de crianças de 3 a 6 anos de idade. Ao recolher diversas
canções e composições inventadas por crianças, a autora conclui que “As invenções musi-
cais das crianças entre três e seis anos guardam uma relação significativa com as etapas de
seu desenvolvimento cognitivo” (Parizzi, 2005, 382). Ilari (2005), por sua vez, tem se
baseado nos trabalhos de Gardner e Hargreaves para estudar o desenvolvimento cognitivo
musical das crianças brasileiras, bem como nos estudos de Rogoff (2004) sobre o papel da
cultura no desenvolvimento infantil. Apesar de importantes, estes estudos ainda constitu-
em tentativas isoladas e pouco difundidas.
Se por um lado não há no Brasil uma quantidade de estudos sobre o desenvolvimen-
to musical infantil, por outro lado diversos educadores têm trabalhado ostensivamente
com questões acerca de prática do ensino de música para bebês e crianças, em várias
partes do país. Pesquisas sobre o desenvolvimento musical infantil são obviamente impor-
tantes para estes educadores, justificando portanto, o presente estudo.

Objetivos
Um estudo do desenvolvimento musical envolve necessariamente a observação
das reações do ser humano ao contato com a música. Alguns teóricos, ao analisar tais
reações, propuseram modelos e teorias que discorrem sobre o desenvolvimento musical,
principalmente infantil. Ao aplicar modelos de desenvolvimento musical em crianças,
deve-se ter em mente a origem de cada um desses modelos. Não se pode exigir que uma
criança se desenvolva tal qual uma criança de outra nacionalidade porque devemos con-
siderar os fatores culturas e sociais. Este trabalho procurou questionar algumas idéias de
modelos de desenvolvimento musical que, com algumas exceções, não foram testados
no Brasil.
Já se sabe que a voz denuncia o sentimento de uma pessoa. Quando falamos de
crianças, essa verdade torna-se ainda maior. O canto como expressão do dinamismo sono-
ro e como reflexo de elementos afetivos é acessível à criança antes mesmo da palavra.
(Willems, s.d.) No entanto, devemos considerar que a criança não se desenvolve apenas
com o canto, mas neste caso, este será o único tema abordado
Verificar se a escola influencia uma criança em seu desenvolvimento vocal abre um
leque de possibilidades e novas responsabilidades aos professores, não apenas de música,
mas como todos os envolvidos na educação infantil.
No entanto, tentar relacionar o cotidiano musical de uma família a uma criança,
verificando as influências que os pais exercem sobre os seus filhos, nos mostra uma idéia

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que já vem sendo debatida: os pais estão transferindo suas responsabilidades para a esco-
la.
Desta forma, pergunta-se: os educadores estão preparados para influenciar uma
criança? Eles estão cientes da responsabilidade que possuem? E os pais, estão a par dessa
realidade?
Este trabalho não pretende responder a estas questões, pois são absolutamente
particulares, mas pode-se aqui, discutir novas idéias e maneiras de arcar com essas respon-
sabilidades da maneira mais didática possível, influenciando cada criança de modo a aju-
dar no seu desenvolvimento, seja musical, motor, cognitivo ou psicológico.

Método
Ao passo que alguns etnógrafos de crianças afirmam que uma aceitação completa é
possível e uma participação plena é desejável, outros sustentam que certas diferenças
entre adultos e crianças podem não ser superadas e, portanto, aconselham alguma forma
de participação limitada ou periférica. (Corsaro, 1985; Fine & Sandstorm, 1988; Mandell,
1988 apud Corsaro, 2005). Sendo assim, a presente pesquisa de caráter exploratório partiu
de questionários, visto que esse procedimento seria o mais adequado à finalidade deseja-
da.
São participantes desta pesquisa 37 pais de crianças - 15 meninos e 22 meninas -
entre dois e seis anos de idade. Todas as crianças participantes são oriundas de classe
média e classe média-alta e possuem, como requisito a esse estudo, aulas de musicalização
infantil oferecidas na própria escola, durante o horário regular, com a pesquisadora.
A participação neste estudo foi voluntária, autorizada verbalmente pela direção da
escola e autorizada via formulário de consentimento pelos pais das crianças.
Após o cruzamento de dados do questionário com o formulário de consentimento,
sabe-se que a maioria deles foi preenchida pelas mães.
Entre as duas escolas pesquisadas, foram distribuídos 80 questionários aos pais das
crianças alunas da pesquisadora. Este foi um dos critérios utilizados - além da idade - a fim
de nivelar os resultados obtidos.
Foram retornados à pesquisadora apenas 37 questionários, sendo este o número
total de participantes nesta pesquisa, que foi realizada de março a outubro do ano corren-
te.
Os questionários foram elaborados de acordo com as idéias a serem pesquisadas e
entregues aos pais através da professora de turma, anexados a uma carta escrita pela
professora / pesquisadora, explicando os motivos e a importância da pesquisa.Também foi
relatado aos pais, o total consentimento da direção da escola e sigilo das informações, para
quem concordasse em participar.

Resultados e Conclusão
O desafio dos educadores é o de promover o conhecimento, as habilidades e os
recursos para sustentar a “música interna” e própria dos alunos, ao mesmo tempo e, que
permanecem “fora” dela.

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As práticas musicais das crianças e dos adultos são relevantes porque auxiliam no
desenvolvimento auditivo, motor, cognitivo e social, além de ajudar a fortalecer as liga-
ções afetivas nas famílias.
Pode-se concluir, devido aos resultados analisados, que, ao contrário do que dizem
alguns pesquisadores, as crianças cantam independentemente da idade e cantam princi-
palmente quando estão brincando, sem influências externas. O fato de não freqüentar
ambientes com incentivo musical não prejudica a criança em seu desenvolvimento musi-
cal, pois a própria casa pode ser um oferecer à criança todo o incentivo que ela precisa.
Em pleno século XXI, onde as mulheres conquistam cada vez mais espaço no merca-
do de trabalho e têm o salário e a eficiência equiparada aos homens, o papel de cantar para
os filhos permanece. Os homens, apesar de estarem cada vez mais ligados à educação dos
filhos, não ficam sozinhos com os filhos e cantam significativamente menos do que as
mães.
O repertório da escola é influente na vida das crianças. Independente do estilo
musical dos pais, as crianças cantam mais as músicas que elas aprendem na escola. Devido
ao fato de as escolas pesquisadas serem de período integral, as crianças passam mais
tempo com as professoras do que com os pais e isso influencia também no desenvolvi-
mento musical delas. Isso também afirma a idéia de que a escola é a extensão da casa e de
que é ela [a escola] a responsável pela educação das crianças.
Pode-se sugerir que devido a esse fato de que os pais transferem a responsabilidade
da educação de seus filhos para a escola, o repertório musical das crianças não é o mesmo
que seus pais aprenderam quando crianças, como vem sendo dito por alguns estudiosos
da área. Os pais deste grupo pesquisado não ensina aos seus filhos aquilo que aprendeu
com seus pais. Vale lembrar que essas crianças não passam mais do que 4 horas diárias
acordados com seus pais, o que dificulta a transmissão do conhecimento.
A televisão se mostrou um meio de interação importante no desenvolvimento mu-
sical infantil, mas não exerceu maiores influências no repertório das crianças. O relato dos
pais nos questionários mostra que as crianças cantam mais canções da escola e músicas
infantis do que músicas da mídia.
O repertório que os pais ouvem muda após o nascimento de seus filhos. Segundo
Broock (2004), os pais passam a ouvir apenas músicas de criança, pois acreditam que seus
filhos não podem ou não devem ouvir outros tipos de música. Esse conceito já não é mais
aceito, pois sabe-se que os bebês podem ouvir músicas complexas e lembrar-se delas até
duas semanas depois (Ilari, 2002). No entanto, o estilo musical dos pais pode ser usado nas
aulas de musicalização dos filhos, como forma de interação e conhecimento de novas
músicas e culturas.
Mesmo considerando a classe social do grupo pesquisado, os pais não responderam
todo o questionário e não o fizeram de maneira correta. Alguns pais deixam de responder
questões significativas e/ou colocam informações irrelevantes. Esse fato deve ser levado
em consideração, pois a amostragem dessa pesquisa é pequena deve ser considerada nos
seus fatores sociais e culturais.
Para pesquisas futuras, um grupo social desprivilegiado deve ser analisado da mes-
ma forma como este grupo, para verificar a relação da questão social com o desenvolvi-

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mento musical da criança. Algumas questões poderão sofrer alterações devido a baixa
renda das famílias.
Os professores de educação infantil e educação musical infantil devem estar
conectados às famílias, para que o trabalho seja completo. Em casa, o aluno interage com
a família e participa das atividades cotidianas, mas na aula de música não reage: precisa ser
investigado dentro e fora da escola. Daí a necessidade da sintonia entre família e escola.
O professor de musicalização infantil deve estar atento ao repertório que oferece
aos seus alunos, tendo a plena consciência de que ele é formador de opinião e exemplo
às crianças. Procurar músicas de qualidade, um aparelho de som com qualidade sonora e
uma sala acusticamente boa, são requisitos básicos aos professores de musicalização para
que a qualidade seja primordial.

Referências
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Araujo, Ceres Alves. (2005). Pais que educam - uma aventura inesquecível. São Paulo: Editora
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222

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Suzigan, Geraldo. & SUZIGAN, Maria Lúcia. (2003). Educação Musical: um fator preponderante na
construção do ser. São Paulo: Cia Editora.
Swanwick, Keith. (2003). Ensinando Música Musicalmente. São Paulo: Moderna.

Celebrando a vida com doces canções

Virgínia Maria Mendes Oliveira Coronago


virginiacoronago@hotmail.com
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia

Resumo
Na busca da melhoria da qualidade de vida, através do bem-estar para o homem
que vive/envelhece é que proponho, através da música enquanto forma de ex-
pressão da emoção, propiciar um envelhecimento saudável, numa perspectiva
interdisciplinar com a intenção de atender a integralidade do ser humano. Esta
proposta tem por objetivo a aplicação dos princípios de um envelhecimento bem
sucedido através do resgate sócio/cultural, da integração, da sensibilização e do
equilíbrio emocional. Sua metodologia consiste em atividades lúdico-pedagógi-
cas e terapêuticas através de oficinas de musicalização e cantoterapia. Sua cliente-
la abrange pessoas com mais de 45 anos de idade, participantes do Projeto

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Repensando Nossa Juventude Acumulda e do Projeto Música e Artes Visuais em
Cena, alfabetizadas ou não, considerando-os como sujeito de aprendizagem e
construção pessoal do seu próprio viver na conquista da cidadania.Nas oficinas
desenvolvem-se atividades que envolvem música/corpo/voz priorizando um re-
pertório com canções folclóricas, eruditas e populares a partir das preferências
individuais ou em grupo.

De acordo com avaliações períodicas podemos observar como resultado o


redimensionamento das condições de vida, através do exercício sócio/político/cultural do
homem em envelhecimento quando utiliza a música como filosofia de vida que promove
o controle emocional, ampliação de conhecimentos e práticas que valorize a auto-estima
na perspectiva de uma vida em plenitude.

The perception of emotional meaning in music


performance - singing. Measuring facial e-
motion
Work supported by the FCT - Fundação para a Ciência e a Tecnologia (Portugal)

António Salgado
salgado@ca.ua.pt
Universidade de Aveiro – Portugal
Alan Wing
a.m.wing@bham.ac.uk
The University of Birmingham - England

Structured Abstract
1. Background. Recent investigations into musical performance (Imberty, 1977;
Sundberg, 1987; Gabrielsson, A. and Juslin, 1996; Clynes, 1977; Schaffer, 1992, 1995;
Juslin and Laukka, 2000; Juslin, 2001) report that a significant part of its creativity
is connected to the performer’s capacity to express and communicate emotion.
Whether the music is fully improvised or structurally provided in a notated score,
it always requires the performer to engage in an act of embodied experience of musi-

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cal meaning (Stubley, 1966; Clifton, 1983; Davidson and Correia, 2001; Cox, 2001).
Thus, when music is presented within a performance neither is its structure absent
from the presented meaning nor is its meaning ‘emptied’ through the presence of
the musical structure. Music is, therefore, a structured and structuring medium for
purposes which reach beyond structure but which existence remains intrinsically
connected to its presence. It has long been stated, but it seems nowadays better
understood and confirmed by empirical evidence, that there is an inherent
homology of organisation and dynamics between the sounds of music and the
movements and, even, dynamics of our affective life and the patterns of movement
‘whose general characteristics are similar to bodily movement symptomatic of
human emotions, moods or feelings’ (Shove and Repp, 1995:58). Empirical research
in musical performance (Clynes, 1980; Clarke, 1985; Gabrielsson, 1994, 1995; Scherer,
1995; Gabrielsson and Juslin, 1996; Salgado, 2000; Juslin and Laukka, 2000; Juslin,
2001; Cox, 2001; Davidson, 2001) has revealed that musical creativity concerned
with the expression of emotional meaning presents gestures (vocal and kinetic)
that can be considered as the parallel of structures between two sets of processes:
musical processes and processes of affective states.
2. Aim. The aim of the current study is to investigate empirically how the facial
gestures connected to the expression of emotional meaning in singing can be
analysed through a quantitative approach.
3. Method. An experienced male professional singer was the participant in this
study. He prepared and sang a series of musical phrases from the Lied repertoire
expressing different emotions (Happiness, Sadness, Anger and Fear) 14 times on
each emotion. These interpretations were recorded the ProReflex camera system
which captured the movement and the gestures of the face by detecting the
position of reflective markers, attached to the head and face of the participant. By
using three cameras to view the participant from different angles, the marker’s
position in space could be calculated from the “flat” pictures seen by each camera.
The 3-dimensional data were automatically calculated and stored in a personal
computer, where the recorded movements and gestures could be played back
and analysed.
4. Results. Empirical evidence revealed substantial differences between the facial
expressions of the singer when singing with the different emotional intentions.
The difference between emotions was quantified by two different approaches:
first, by comparing the average distance for each marker across the different
expressions of emotional musical meaning; and second, by comparing the average
velocity for each marker across the different expressions of emotional musical
meaning.
5. Conclusions. Within the signifying process of singing facial behaviour plays
an important role when communicating and interacting with the audience. Singing
and the study of singing as creative and meaningful activities, require an
appropriate set of expressive tools that need to be identified by the singer and
brought to a conscious level of awareness in order to be able to explore the
expressiveness of their characteristics and of their meaning. Through the results
of this research, a contribution to a higher level of self-perception within the
performance of singing and, consequently, to a higher level of musical performance
and musical meaning expression is sought.

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6. Keywords. Musical Performance; Perception; Emotion; Mind; Singing;
Emotional Meaning

PAPER
“Time of the mind is expressed in movements of the body”
(Trevharten, 1999:158)

Background
Recent investigations into musical performance (Imberty, 1977; Sundberg, 1987;
Gabrielsson, A. and Juslin, 1996; Clynes, 1977; Schaffer, 1992, 1995; Juslin and Laukka,
2000; Juslin, 2001) report that a significant part of its creativity is connected to the performer’s
capacity to express and communicate emotion.Whether the music is ‘fully improvised’ or
‘structurally provided’, as in a notated score, it always comes to the performance’s core as
essentially the same: an act of embodied experience of musical meaning (Stubley, 1966;
Clifton, 1983; Davidson and Correia, 2001; Cox, 2001). Thus, when music is presented
within a performance neither is its structure absent from the presented meaning nor is its
meaning ‘emptied’ through the presence of the musical structure. Music is, therefore, a
structured and structuring medium for purposes which reach beyond structure but which
existence remains intrinsically connected to its presence. It has long been stated, but it
seems nowadays better understood and confirmed by empirical evidence, that there is an
homology of inherent organisation and dynamics between the sounds of music and the
movements and dynamics of our affective life and, even, the patterns of movement
‘whose general characteristics are similar to bodily movement symptomatic of human
emotions, moods or feelings’ (Shove and Repp, 1995:58). Empirical research in musical
performance (Clynes, 1980; Gabrielsson, 1994, 1995; Scherer, 1995; Gabrielsson and Juslin,
1996; Salgado, 2000; Juslin and Laukka, 2000; Juslin, 2001; Cox, 2001) has revealed that
musical creativity concerned with the expression of emotional meaning presents gestures
(vocal and kinetic) that can be considered as the parallel of structures between two sets of
processes: musical processes and processes of affective states.
Since Hanslick’s (1986) day the idea that music can be related to some sort of
movement and that its motional qualities can be heard as imitating the dynamics of
behaviour and the dynamic qualities of feeling has become an important topic of theorists
and researchers. The understanding and identification of musical motion had a first and
pioneer empirical approach during the early decades of the twentieth century through
the work of Sievers (1924:Repp), Becking (1923-4) and Truslit (1938). Nowadays, the
influence of Gibson’s (1979) theory of perception and information made clear the need to
reassess the concept of musical motion, and its role in the performance and musical
meaning has stimulated the empirical research to investigate the connection between
expressive body movement and music. The many different approaches to this issue tend

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to focus, according to Shove and Repp (1995), on four big topics: (1) the source of motion;
(2) the organisation of motion; (3) the character, or quality, of motion; and (4) the listener’s
perception and response to motion. Sundberg and Verillo’s (1980), Gabrielsson’s (1982),
Schmalfeldt’s (1985), Shove’s and Repp’s (1995),Todd’s (1995), and Clarke’s (2001) accounts
are some of the approaches that decidedly contribute for a better understanding of the
relationship between performance and the perception of movement based on the
information conveyed in the musical sound. According to Shove and Repp (1995), Clarke
(1985), for instance, suggests that:
“(…) a listener is apt to hear three different types of events based on the information in musical
sound. The first type corresponds to (…): the musician playing an instrument or singing. (In other
words, the listener does not merely hear the sound of a galloping horse or bowing violinist: rather,
the listener hears a horse galloping and a violinist bowing). We call this a performance event. The
second type is abstract and is often described as a structural event. Hearing structural events means
hearing the articulation of motives, phrases, durational patterns, cadential progressions and so on.
The third type of event is also abstract but corresponds to what Alf Gabrielsson (1973a, 1973b) calls
the ‘emotion character’ of music, patterns of movement whose general characteristics are similar
to bodily movement symptomatic of human emotions, moods or feelings. We call this an expressive
event.”
(Shove and Repp, 1995:57/58)

On the other hand, the study of the visual component of expression in live
performance is, according to Clarke (1995), a much more recent field of research opened
up by Davidson (1991, 1993). Her studies, also based in Gibson’s (1979) ecological approach
of perception, demonstrated that the body movements made by performers while playing
contribute to the expressivity of the performance as judged by the audience. Davidon’s
demonstration seems to be mainly concerned with the detection of bodily movements as
indicators of expressive intentions significantly linked to important music structural features
provided in a notated score. Meanwhile, there are other authors, like Shaffer (1992:265),
for instance, who claim that performers, conscious or unconsciously, seem to use physical
gestures associated with emotional states as a basis for shaping musical expression.
Ultimately, it is possible to consider and experimentally to confirm that bodily movements
functioning as indicators of expressive intentions linked to important music structures can
also be seen as physical gestures given musical expression to emotional states presented
through the music.
Concurring to the research of expressive behaviour, Cutting and Kozlowsy (1977)
explored the nature of physical expression (in their work ‘expression’ was the walker’s
gender and identity) and concluded that different parts of the body convey, even within a
very short period of time, similar expressive information at different levels. For example,
any two-second excerpt from an isolated body part such as the ankle would reveal
information about gender and identity of the subject in question (Clarke and Davidson,
1998). Runeson and Frykholm (1983) demonstrated that covert mental dispositions are
specified in movement and can be detected by observers. This evidence seems to concur
to Johnson’s (1987) view that“our reality is shaped by the patterns of our bodily movement,
the contours of our spatial and temporal orientation, and the forms of our interactions with

227

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objects.” Johnson argues that the structure found in abstract domains is only meaningful
because we experience structure in bodily movements and interactions with the
environment, and metaphorically map those patterns onto experience in other spheres,
interpreting it in their light. It seems that this strong relationship between bodily movement
and meaning can also be seen as the bodily basis of musical meaning. In this sense, Lidov
(1987) and Jackendoff (1988) have proposed that the somatic nature of musical experience
and the sense of motion attributed to music are both due to the mediating effect of a body
representation. Sundberg and Verillo (1980) suggest that what sounds appropriate in
music does so because it mimics the behaviour of physical objects/bodies moving in the
real world. Todd (1995) argues that the sense of motion is a characteristic perceptual
response to music. Stubley (1966) affirms that the body’s role in musical performance is
more than a physical execution; rather, musical performance is ‘something done through
and with the body’. According to her, the performance of music situates the body in a
musical field where the music’s movement and that of the performer are experienced
and perceived as an ‘on-going tuning process’. Cox (2001:196) claims for an embodied
musical meaning based on the idea that overt or/and covert mimetic participation is fun-
damental to musical experience. According to her,‘overt forms’ of mimetic participation
include toe tapping, dancing to music and singing along with the music, while ‘covert
forms’ include sub-vocalisation and other aspects of motor imagery; both make part of the
way we understand all of the overt gestures of music performance. In fact, musical
performance involves specific motor actions, and the understanding of this actions as
Gallese and Goldman’s (1998) suggest involves mimetic-imagery. Evidence from clinical
studies measuring reflex activity, EMG activity, autonomic activity, and associated brain
activity measured in PET scans and fMRI, suggests that we understand the movements,
speech, and musical sounds produced by others in part via unconscious imitation of those
we observe (Cox, 2001:199). These results confirm the development research and infant
studies of Stern (1985), Papousek (1996) and Trevarthen (1999/2000). As Trevarthen (1999/
2000) argues:
“Time of the mind is expressed in movements of the body. The rhythms which all movements show
give evidence of what may be called the different levels of the Intrinsic Motiv Pulse or IMP. (…) The
most intimate details of how we think and feel can be conveyed by the forms of expression that
colour what we show and tell. (…) Patterns of expression become unforgettable and moving events,
specially if we synchronise our appreciation of how they change, and sympathise with the emotion
involved, for no expression of purpose and experience is devoid of emotional value, even if this
emoting is just a matter of curiosity and investigative interest.”
( Trevharten, 1999:157-213)

According to infant studies, behaviour of children is based in a musical interplay


between mother and child. Infants imitate the vocalisations, facial expressions, and gestures
of others around them and this gradually integration of the sensory-motor mechanisms of
the body into higher levels of concept formation and metaphorical discourse is what has
been referred as the notion of embodied meaning (Lakoff and Johnson, 1980). But, not
only infants imitate adult’s behaviour, adults imitate infant’s behaviour, too. This mutual

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imitation promotes mutual understanding, and the overt form of children’s imitative
behaviour can be seen as active also in adults through a similar process but which becomes
less perceptible and is known as ‘imitative covert behaviour’ (Walton, 1997). Baddeley and
Logie (1992) suggest that “if comprehension of spoken words ought involves covert
imitation it seems reasonable to expect that comprehension of sung words ought to
involve covert imitation as well (Cox, 2001:200).” In fact, studies of motor imagery (Gallese
and Goldmann, 1998; Fadiga and Gallese, 1997; Fadiga et al., 1998) report experimental
evidence which suggests that understanding the observed behaviour of others involves
imagining performing the same or similar actions. As Cox (2001:199) writes:“Since human
musical performance involves specific motor actions, these studies on mimetic motor
imagery become relevant for conceptualisation of music as performed.” Fónagy’s (1962,
1967) investigation on emotional speech reveals interesting similar set of results. He
demonstrated that there is a close correlation between visible and normally invisible body
movements. By carrying out a research on how much information of the facial expression
a listener can infer just from listening to the voice, he found evidence of concomitants
movements, both glottal and articulatory equivalent of facial gestures. Every attitude is
expressed by its own articulation (and glottal) pattern which reflects the mental contents
of the attitude. According to Sundberg (1982:145), Fónagy wants to interpret this as “a
materialisation of the state of emotion, a re-interpretation of it into a movement.” These
findings suggest that every emotional attitude can be expressed by different sorts of
movements, different modalities of communication. Clynes (1969, 1980) seems to
corroborate these findings by arguing that phonatory and articulatory gestures are
manifestations of a common expressive dynamic form which underlies both the perception
and production of expression in different modalities. Clynes’s (1977) “sentics” theory
emphasises that emotion and its expression form a unit, an integrated system and that an
emotion (“sentic state”) may be expressed by different output modalities, such as “gestures,
tone of voice, facial expression, a dance step, musical phrase, etc” (Clynes, 1977). Thus, in
other words, it seems that expressive body movements can be translated into acoustic
terms in voice production, and vice versa. That is exactly what Salgado (2000, 2001) has
demonstrated by exploring the correlation between acoustic and visual concomitants of
emotional expression in singer’s performance as perceived by an audience. Amstrong et
al. (1995) seems to share a similar opinion as he, by comparing overt gestures and speech,
writes that:
“(…) the difference is not in the form of production (both are articulatory movements of the body),
but in the form of the signal. Some articulatory movements result in primarily acoustic signals.
Others, including semiotic ‘gestures’ as well as natural signed language, result in primarily optical
signals.”
(Amstrong et al. 1995:45)

Intentions
The portraying of an emotion in singing is, certainly, determined by a highly complex
mixture of factors. Music, text, interpretation, context, voice technique and articulation,

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bodily movements, singer’s personality and interactivity with the audience seem, altogether,
to play an important role in the music-emotional expressive outcome.
According to Manen (1974), historically, Bel Canto vocal technique was a musical
exploration of the different vocal expressions for the different emotional states. So, in a
practical way there has been an exploration of vocal emotion in the performance of
singing of the Western Art Music Canon ever since opera was born in the 16th century, but
few systematic empirical studies.
Of the existing empirical work, key research has been undertaken by Kotlyar and
Morozov (1976), Sundberg (1982), Sundberg et al. (1995), Juslin (1999), Scherer et al.
(1995, 1996), Ohghushi (1996) and Salgado (2000, 2001) who have demonstrated that
when singers were asked to sing with different emotional intentions, say, of joy, sorrow,
anger, fear, or even with no emotion at all, very different spectrographic analyses of the
vocal sounds emerge. The existing amount of empirical work concerning the acoustic
concomitants of emotional expression in singing is, though meagre, sufficient to pull out
of it some conclusions about the way listeners infer emotion from vocal cues and how this
set of cues is being used by performers in order to achieve communication of emotion.
However, the complementary empirical research concerning the visual concomitants of
emotional expression in singing, with the exception of Ohghushi (1996) and Salgado
(2000, 2001), is practically inexistent. These researches have build up on the evidence on
emotional facial expression (Ekman and Friesen, 1978), on the expression and nature of
the emotional facial expression (Ekman, 1984), on the argument and evidence about
universals in facial expression (Ekman, 1989), about the universal and innate character of
emotional facial expression (Izard, 1994), and the studying and recognition of emotional
expression using synthesised facial muscle movements (Scherer et al. 2000). Basically, the
research undertook on the visual concomitants of emotional expression in singer’s
performance has focused only, and so far, on the qualitative analysis of the recognition of
the emotion expressed in singing. This has been achieved by forcing listener’s response to
the perceived acoustical and visual elements of the emotion expressed through a set of
adjective scale choice concerning the type of emotion that he/she is supposed to recognise
through them. And, by differential inquiring and rating scales about the intensity or mode
(exaggerated, proper, deadpan and less) by which the required emotion has been
recognised.
The intention of this paper is not to focus on the qualitative analysis approach of the
emotional expression in singing, rather to focus on the quantitative results extracted from
the emotional content of the facial expression of the different sung performances. The
Schubert’s Erlkönig Lied musical phrase ‘Mein Vater, mein Vater!” was sung with 5 different
emotional intentions or contents (fear, anger, sadness,happiness and neutral). By comparing
the expressive elements of the facial movements of the different emotional expressions
within singing performances the analysis data revealed significant quantitative in what
concerns the measurement of the distance and velocity of the different emotional
expressions.

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Method
An experienced male professional singer was the participant in this study. He prepared
and sang a series of musical phrases from the Lied repertoire expressing different emotions
(Happiness, Sadness, Anger and Fear) 14 times on each emotion. These interpretations
were recorded the ProReflex camera system which captured the movement and the
gestures of the face by detecting the position of reflective markers, attached to the head
and face of the participant. By using three cameras to view the participant from different
angles, the marker’s position in space could be calculated from the “flat” pictures seen by
each camera.The 3-dimensional data were automatically calculated and stored in a personal
computer, where the recorded movements and gestures could be played back and
analysed. Interview data can be touched upon here to show that the singer believed that
their emotions were ‘authentic’ in that they were constructed out of memories of those
states. However, he was able to recognise that in their different interpretations some were
more ‘successful’ than others.

Results
Empirical evidence revealed substantial differences between facial expressions of
the singer when singing with the different emotional intentions. The difference between
emotions was quantified by two different approaches: first, by comparing the average
distance for each marker across the different expressions of emotional musical meaning
and second, by comparing the average velocity for each marker across the different
expressions of emotional musical meaning (SEE BELOW).

Conclusions
Within the signifying process of singing facial behaviour plays an important role
when communicating and interacting with the audience. Singing and the study of singing
as creative and meaningful activities, require an appropriate set of expressive tools that
need to be identified by the singer and brought to a conscious level of awareness in order
to be able to explore the expressiveness of their characteristics and of their meaning.
Through the results of this research, a contribution to a higher level of self-perception
within the performance of singing and, consequently, to a higher level of musical
performance and musical meaning expression is sought.

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LEFT SD vert dist by cond

14.00

12.00

10.00

8.00 HAPav
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SADav
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6.00 FEARav

4.00

2.00

0.00
FLvdist BELvdist BILvdist CLvdist LLvdist CHINvdist
face feature

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A percepção do sentido emocional da


performance musical - canto lírico medindo a e-
moção facial
Trabalho apoiado pela FCT - Fundação para a Ciência e a Tecnologia (Portugal)

António Salgado
Departamento de Comunicação e Arte - Universidade de Aveiro, Portugal
ant.salgado@mail.telepac.pt
Alan Wing
Director, Sensory Motor Neuroscience (SyMoN),
Behavioural Brain Sciences Centre,
School of Psychology, The University of Birmingham,
a.m.wing@bham.ac.uk
http://www.bham.ac.uk/symon

Fundamentação Teórica
Investigações recentes na área da performance musical (Imberty, 1977; Sundberg,
1987; Gabrielsson, A. and Juslin, 1996; Clynes, 1977; Schaffer, 1992, 1995; Juslin and Laukka,
2000; Juslin, 2001) consideram que uma parte significativa da sua criatividade está relaci-
onada com a capacidade do performer expressar e comunicar emoção. Quer se trate de
música completamente improvisada ou provida de uma estrutura musical fixada numa

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partitura, o intérprete musical terá sempre de a executar como um acto de experiência
corpórea de um determinado sentido musical (Stubley, 1966; Clifton, 1983; Davidson and
Correia, 2001; Cox, 2001). Assim, ao presenciarmos uma performance musical, nem a
estrutura musical está ausente do sentido musical apresentado, nem o seu sentido é
redutível à presença da estrutura musical. A Música é, portanto, um meio estruturado e
estruturante cujo sentido vai muito além da estrutura musical, mas cuja existência perma-
nece intrínsecamente ligada à sua presença. Há muito tempo que se afirma, mas parece
ser hoje melhor compreendido e até passível de ser confirmado empíricamente, que
existe uma inerente homologia de organização e de dinámica entre os sons da música, os
movimentos, e até a própria dinámica da nossa vida afectiva e os padrões de movimento
“cujas características gerais são similares ao movimento corporal simptomático das emo-
ções humanas, humores e sentimentos” (Shove and Repp, 1995:58). A investigação
empírica em performance musical (Clynes, 1980; Clarke, 1985; Gabrielsson, 1994, 1995;
Scherer, 1995; Gabrielsson and Juslin, 1996; Salgado, 2000; Juslin and Laukka, 2000; Juslin,
2001; Cox, 2001; Davidson, 2001) tem revelado que a criatividade musical relacionada
com a expressão de conteúdo emocional apresenta alguma gestualidade (vocal e quinética)
que pode ser considerada como estruturas paralelas entre dois tipos de processos: proces-
sos musicais e processos intrínsecos a estados afectivos.

Objectivos
O objectivo do presente estudo é o de investigar como a gestualidade facial e vocal
do cantor, relacionada com a expressão de conteúdo emocional pode ser analisada atra-
vés de uma perspectiva quantitativa.

Metodologia
Este estudo pode contra com a participação de um cantor profissional. Ele preparou
uma série de de frases musicais do reportório do Lied alemão, expressando conteúdos
emocionais diferentes (Alegria, Tristeza, Raiva e Medo), que cantou (14 vezes para cada
emoção). Estas diferentes versões foram gravadas com a câmara de filmar do Sistema
ProReflex, a qual captura o movimento e a gestualidade da face ao detectar a posição dos
marcadores-reflectores que se encontravam colocados sobre a face do participante, em
pontos estratégicamente escolhidos para o efeito. Em número de três, as câmaras ProReflex,
filmaram o participante de diferentes ângulos, permitindo assim calcular o posicionamento
dos diferentes marcadores-reflectores entre si, armazenando os data daí resultantes num
computador, onde os movimentos e os gestos puderam ser revistos e analisados e, portan-
to, acessíveis sempre que se tornou necessário.

Resultados
Os resultados empíricos revelaram diferenças substanciais entre as diversas expres-
sões faciais do Cantor, enquanto este interpretava usando diferentes intenções emotivas.
A diferença entre emoções foi quantificada comparando a distância média de cada
marcador-reflector para cada uma das diferentes expressões emocionais.

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Conclusões
No processo de significação do Canto, o comportamento facial tem um papel impor-
tante na comunicação e interacção com o público. O Canto, e o estudo do Canto, enquan-
to actividades criativas e de comunicação, requerem um conjunto de sinais expressivos
que precisam ser identificados e consciencializados pelo cantor, a fim de que puderem ser
utilizados com toda a força expressiva da sua significação. Esta investigação procura, atra-
vés dos resultados atingidos, contribuir para um nível maior de auto-percepção na
performance do Canto e, consequentemente, para um nível mais elevado de
expressividade durante a execução musical.

“Menos o olfato e o paladar, todos os outros


sentidos são necessários para o trabalho em
grupo”. A percepção dos sentidos no
desenvolvimento da performance orquestral

Glêsse Collet
collet@unb.br
Ricardo Dourado Freire
freireri@unb.br
Universidade de Brasília

Resumo
Audição, visão, e tato são os sentidos que estão diretamente relacionados com a
prática da performance musical. A percepção dos sentidos influencia as formas
como os participantes interagem dentro de um grupo musical. A partir de traba-
lhos de Ford e Davidson (2003), Galvão e Kemp(1999) e King (2006), este estudo
teve como objetivo identificar os fatores da percepção que influenciam na interação
musical entre os membros da orquestra, verificando assim elementos da comuni-
cação não-verbal que contribuem para a performance em grupo. A pesquisa foi
realizada a partir da Análise de Conteúdo de questionários semi-estruturados na
qual foi possível categorizar os dados de acordo com a metodologia de Bardin
(2006).
Palavras-chave: Performance orquestral, percepção auditiva-visual, trabalho cole-
tivo

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1. Fundamentação teórica
A abordagem, a partir da psicologia, das relações e dinâmicas em grupos musicais é
um estudo recente. Ford e Davidson (2003) apresentaram um histórico de estudos reali-
zados com quartetos de cordas indicando os primeiros trabalhos com contribuições do
estudos de psicologia da música aplicados a grupos de música de câmara. Young e Colman
(1979) realizaram um primeiro estudo no qual foram abordadas as questões de liderança,
resolução de conflitos dentro de um quarteto de cordas. Butterworth (1990) fez um
estudo de caso realizado com um quarteto de cordas a partir da psicologia, avaliando a
partir de observações e questionários aspectos como liderança, interação entre músicos,
personalidades e conflito. Murnighan e Conlon (1991) realizaram um estudo com 20
quartetos de cordas profissionais britânicos a partir de entrevistas semi-estruturadas e
também observações no qual foi possível identificar aspectos relevantes ao trabalho em
grupo quanto os aspectos das relações, dinâmicas internas e também elementos que
possibilitam o sucesso profissional do grupo. King (2006) abordou os tipos e formas de
colaboração entre estudantes em formações musicais distintas na Inglaterra como um
quarteto de sopros, um quarteto de saxofones e em um quarteto de cordas. A partir da
observação e de entrevistas foi possível identificar papéis sociais assumidos pelos partici-
pantes . Um aspecto principal foi o aspecto da liderança dentro do grupo e como o grupo
desenvolvia uma dinâmica de colaboração que fosse eficiente, demonstrando a necessi-
dade de habilidades tanto musicais como sociais na formação de um grupo musical.
O trabalho de uma orquestra implica inúmeras interações entre os participantes. A
interação torna-se ainda mais complexa em um grupo que atua sem regente. Neste caso,
a comunicação não-verbal deverá promover a unidade rítmica do grupo, o desenvolvi-
mento do fraseado musical nos naipes e em conjunto, o equilíbrio entre as dinâmicas dos
instrumentos, o início e final de cada obra. A performance instrumental em grupo ocorre
a partir da coordenação e interação entre os participantes de uma formação mediadas
pela percepção. Nesta relação, a percepção deverá ser abordada de uma maneira ampla,
incluindo os aspectos auditivos, visuais e tácteis. Os sentidos passam a ser o elemento de
comunicação não-verbal entre os membros da orquestra, seja ouvindo resultado sonoro
individual e coletivo, vendo o movimento dos instrumentistas ou coordenando suas ações
cinestésicas com as ações cinestésicas de todos os músicos.
Segundo Wilson, o sistema nervoso humano é de uma complexidade que estarrece.
Redes de células nervosas de até um metro percorrem o corpo ligando cada ponto dos
tecidos com os dez bilhões de células nervosas do cérebro. Impulsos elétricos percorrem
essas vias com rapidez de três a trezentos e vinte e um quilômetros horários, saltando por
pequenos espaços intercelulares, transmitindo informações para o cérebro. Ao se tocar
um instrumento, o metabolismo se mantém em funcionamento, o coração bate, o pulmão
respira, coordenam-se todos os sentidos, evocam-se lembranças. Grupos de músculos são
dirigidos com precisão, as emoções brotam, os pensamentos surgem. Só mesmo um
sistema assim tão elaborado permite ao homem atender suas funções mais exigentes,
como atividades físicas e intelectuais, ou como tocar um instrumento (Wilson, 1965).
O fenômeno corporal da atividade motora perceptiva tem chamado muita atenção
dos pesquisadores. Esse fenômeno, segundo Galvão e Kemp (1999), tem sido chamado de

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“sentido muscular”.Esse “sentido muscular” está essencialmente relacionado com a expe-
riência humana de espaço e movimento. A cinestesia, ou “sentido muscular”, é muito
usada na prática de instrumentos.
A capacidade cinestésica é uma das três sub-modalidades sensoriais do ser humano
que são de extrema importância para a música. As outras duas são a visual e a auditiva que
também têm funções cinestésicas. A integração dessas três funções traz os melhores
resultados na aprendizagem do instrumento. A informação visual está relacionada com:
cor, posição, contraste, distancia e velocidade. A informação auditiva inclui: volume, tim-
bre, posição do som, duração, velocidade e claridade. A informação cinestésica está relaci-
onada com posição, intensidade, pressão, extensão, textura e peso. Uma das formas para
aprender é prestar atenção a uma informação sensorial de cada vez.Tocar um instrumen-
to envolve uma execução acurada dos movimentos motores finos. Eles dependem da
informação cinestésica que atinge o sistema nervoso central. A idéia de haver uma cons-
ciência da integração “corpo e mente” pode prover de outras dimensões a experiência de
tocar um instrumento musical. Apesar de muitas pesquisas, porém, a cinestesia está ainda
em fase experimental (Galvão e Kemp, 1999).
Collet (2002) coloca que a memória cinestésica é um dos maiores artifícios com que
conta um músico na aprendizagem de um instrumento. Ela difere do sentido como co-
nhecemos habitualmente, porque envolve a percepção de espaço e movimento. O trei-
namento consciente de movimentos, a audição direcionada, o uso da visão objetivamente,
são meios importantes para a obtenção de um conhecimento profundo do instrumento.
Esse conhecimento é considerado ou chamado por instrumentistas de “intimidade”.Sem
essa “intimidade”,o ato de tocar um instrumento traz sempre a sensação de insegurança.
O artista deve desenvolver a sensação de que tocar é um gesto cotidiano, como o de levar
uma xícara a sua boca ou vestir uma roupa, atos que parecem banais, mas estão registrados
no âmago do seu ser e fazem parte de sua personalidade. De outra forma não será possível
transmitir ao público uma performance única, como é o “Ser” de cada pessoa.

2. Objetivos
Este trabalho buscou identificar os aspectos da percepção que influenciam na qua-
lidade da interação musical entre os membros de uma orquestra de estudantes. Neste
estudo, tornou-se importante verificar o discurso dos membros da orquestra para identifi-
car a relação entre fatores individuais que contribuem no resultado coletivo do grupo.
Seguindo as contribuições da literatura, foram questionadas as formas de participa-
ção dos sentidos na comunicação não-verbal entre os membros da orquestra e as práticas
que são favoráveis para qualidade do resultado coletivo. Desta maneira, torna-se possível
legitimar o conhecimento dos membros da orquestra e também demonstrar atitudes
positivas para a melhora do trabalho em conjunto.

3. Método
O trabalho iniciou como uma pesquisa exploratória das relações interpessoais den-
tro de uma orquestra de câmara sem regente. A exemplo das experiências apresentadas

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por Ford e Davidson (2003), foram apresentados questionários semi-estruturados para os
componentes de uma orquestra de cordas para avaliar aspectos como liderança, comuni-
cação não-verbal, relação com os colegas, desenvolvimento individual e desenvolvimen-
to em grupo. O questionário consistiu em seis perguntas discursivas abertas que permitiam
a colocação das idéias e opiniões de cada membro.
O grupo de estudo foi a Orquestra de Cordas da Universidade de Brasília, criada em
2002. O número de membros permanentes gira em torno de 24, com idades entre 18 e 26
anos. O nível técnico instrumental é também variado, alguns estão no começo do curso,
outros mais avançados. Há homens e mulheres; negros, brancos e pardos; estudantes e
também profissionais que já se formaram e atualmente trabalham em escolas de música
ou orquestras. A principal característica do trabalho é que o grupo trabalha sem regente,
em algumas ocasiões quando necessitam um grupo maior, com a presença de sopros e
percussão, as obras sinfônicas que então são regidas por regentes convidados. Os ensaios
são feitos duas vezes por semana de 12h às 14h pelo professor orientador que direciona
o trabalho, sugere interpretações, alerta para situações de liderança de um naipe ou outro.
Estimula a capacidade de a orquestra se ouvir e conhecer o que cada naipe toca. Existe
uma rotatividade de spallas e chefes de naipe sendo que em um concerto troca-se os
chefes de naipe para estímulo à liderança e desenvolvimento instrumental. São estimula-
dos os solistas da orquestra. O repertório inclui peças do repertório clássico e romântico e
obras de compositores brasileiros. A atuação da orquestra se faz mais no contexto da
universidade, porém o grupo atua em salas de concertos na cidade, tendo tocado também
em cidades próximas, festivais nacionais e concertos na Europa.
Após a aplicação dos questionários, a metodologia qualitativa utilizada para análise e
interpretação dos itens respondidos pelos participantes foi a análise de conteúdo apre-
sentada por Bardin (2004). A categorização foi feita a partir do discurso dos próprios
participantes, i.e., as respostas foram comparadas item a item e categorizadas com base
nos conceitos e significados dos diferentes tipos de percepção sensorial expressos pelos
participantes nos questionários. Dessa forma, houve um cruzamento entre os conceitos
indutores contidos previamente nas perguntas e as situações descritas em decorrência
desses conceitos. Chegou-se, por fim, às grandes categorias de análise: os aspectos
perceptivos da audição, visão e cinestesia que guiaram as conclusões sobre os sentidos
sensoriais envolvidos na performance orquestral.

4. Resultados
Os membros da orquestra mencionaram a importância do trabalho em grupo para
sua formação como instrumentista na qual existe a inter-relação entre o trabalho individu-
al e o coletivo. Renata5 mencionou que a orquestra “propicia um trabalho coletivo, em
que é necessário lidar com pessoas diferentes e idéias musicais distintas. Há uma relação
de troca entre os colegas e a professora, assim, pode-se confrontar opiniões diferentes,
fazer comparações e escolhas. Esse processo é bastante enriquecedor.” Ana colocou que
a orquestra“contribui para o desenvolvimento técnico e para o desenvolvimento de habi-
lidades essenciais à boa performance (individual ou em grupo) melhorando capacidades
de apreciação, percepção e análise musical e o relacionamento inter-pessoal”.

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A questão sobre a coordenação entre os sentidos durante a performance foi respon-
dida com interesse pela maioria dos participantes. Esta questão foi categorizada segundo
os aspectos: 1) Percepção de todos os sentidos, 2) Percepção de um ou dois sentidos e 3)
Concentração.
A maioria das respostas afirmou a importância da integração de todos os sentidos no
momento da performance musical, e a necessidade de equilibrar audição, visão e cinestesia
com todos os membros da Orquestra.
Taís escreveu que “a relação entre visão, audição e cinestesia são partes complexas
na prática. Pois é importante trabalhar com eles de forma equilibrada. Na orquestra somos
“obrigados” a abrir mão da visão na parte para através da memória reutilizá-la com mais
liberdade para favorecer a performance na relação com a diversidade da orquestra por
conta da diversidade técnica do momento, pois também falamos e nos comunicamos
trocando olhares”. E Lucas completa dizendo que “menos o olfato e o paladar, todos os
outros sentidos são necessários para o trabalho em grupo. É preciso coordená-los de
maneira que contribuam para a performance. Cuidar para ouvir e ver ao mesmo tempo
sem sobrecarregar nenhum nem outro”.
A hierarquia entre os sentidos é explicada por Marcelo:“audição, tato e visão são os
sentidos mais importantes. A audição e o tato precisam estar integrados, para que haja
uma execução individual segura. O visual deve estar menos relacionado à partitura e mais
ao grupo, para que se possa tocar junto e realizar intenções musicais semelhantes”. Ana
complementa dizendo que “todos os sentidos citados são importantes e a relação entre
eles é essencial para a performance em um grupo sem regente”.
Maria ressalta sua experiência ao explicar a atividade em grupo:“no ato de tocar o
uso dos sentidos, visão, tato e audição é fundamental. No tocar em grupo, esses sentidos
têm que estar mais aguçados, visto que a unidade sonora é muito importante nesse
trabalho. Daí tem-se a necessidade de coordená-los, a visão na partitura e nos chefes de
naipes, a audição na orquestra como um todo, ou em trechos musicais específicos para
guiarem, e a cinestesia para melhor trabalhar os dois sentidos descritos acima”.
Roberta enfatiza a relação entre o estudo individual e a atuação coletiva, mencio-
nando que “em uma peça a ser estudada, quanto mais segurança técnica o aluno possuir,
maior será o resultado e melhor será a percepção musical. Para mim, ocorre uma junção
de elementos quando se toca em grupo: trabalha-se a audição e a visão, mas também há
uma empatia musical que seria uma espécie de diálogo, uma troca de energia no fazer
musical”.
O uso de todos os sentidos foi mencionado como o aspecto principal na performance
em grupo, e André resumiu que “é preciso uma interação irrestrita. Estar realmente “pre-
sente” no ensaio é fundamental.” Desta forma, a presença do aluno na atividade coletiva
adquire um novo significado, o ensaio passa a ser o momento no qual os músicos equalizam
suas performances por meio da percepção. Quando as qualidades individuais são equili-
bradas e muitas vezes multiplicadas na elaboração de um trabalho em conjunto.
Alguns participantes mencionaram a maior importância de um sentido em relação
aos outros. Luiz considera que “o mais importante é a audição, primeiro você tem que
ouvir os outros, depois tem que olhar para o spalla, e por último vem a sua performance”.

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Gabriela completa mencionando que“além da audição (que torna-se essencial), o visual é
muito trabalhado, através dos sinais que trocamos entre nós para realizar entradas, cortes,
ralentandos, etc.
A percepção do outro é fundamental, e Tiago diz que é essencial “perceber o que os
outros naipes realizam, isto é, ouvir a música toda e não só o que você toca. Olhar, respirar
junto.” Julia enfatiza a importância da responsabilidade individual mencionando que é
necessário “o estudo diário de técnica, escutar sempre e conhecer a fundo o que os outros
fazem, e estar sempre em contato visual com os chefes de naipes para eventuais mudan-
ças de andamento e outras coisas.” Beatriz esclarece a relação entre a postura individual e
a postura em grupo ao falar que“a memória motora deve ser trabalhada individualmente,
para que no ensaio a percepção dos aspectos relevantes da execução e interpretação,
como dinâmica, andamento, possam ser desenvolvidas pelo grupo. A visão periférica é tão
importante quanto a leitura da parte, sempre auxiliada e subordinada à percepção auditi-
va; em última instância o ideal é um grau de comunicação sugestiva quase telepática
entre os músicos”.
Na categoria concentração, Amanda comentou que no grupo“primeiramente, deve-
se ter a concentração para poder ouvir, observar e se organizar. Somando isso a longo
prazo, se desenvolve a formação do músico com habilidade suficiente para a execução
musical, além de saber o seu papel como elemento formador daquele grupo.” Bruna
completa dizendo que “a concentração precisa estar aliada a todos esses sentidos para
que a performance seja ideal.”

5. Conclusões
As respostas dos membros da orquestra revelaram que o uso dos sentidos é funda-
mental para a qualidade da performance em grupo. A percepção individual auditiva e
visual necessita ser ampliada para incluir o grupo. A visão do outro torna-se essencial para
a coordenação musical em conjunto. Visão e audição estão interligadas no ato de tocar, o
músico precisa olhar e ouvir o outro músico, muitas vezes memorizando a partitura para
estar livre para poder interagir com o grupo.
A cinestesia, que coordena a integração dos sentidos, indica como o músico pode
adaptar sua técnica e preparação individual a partir da percepção auditiva-visual do grupo.
Essa percepção provoca uma adaptação cinestésica, ou seja, quando o músico percebe o
grupo, ele tenta igualar a sua forma de tocar ao que está sendo realizado pelos colegas. Por
exemplo, no aspecto da afinação, quando uma componente da orquestra percebe uma
nota, ela imediatamente busca entrar em equilíbrio, ou seja, corrigir a sua individualidade
para acertar com o resultado do grupo. Desta maneira, reforçando as idéias de Galvão e
Kemp (1999), a cinestesia facilita a integração “corpo e mente”, que pode prover de outras
dimensões a experiência de tocar um instrumento musical.
Os resultados da análise dos questionários permitiram encontrar elementos de co-
municação não-verbal que são utilizados pelos membros da orquestra durante estudos
individuais e a prática coletiva. Neste caso ocorre uma ampliação da percepção. A visão
passa a se desdobrar entre a leitura de partituras e a comunicação não-verbal. Audição se

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transforma de uma perspectiva individualizada em uma perspectiva ampla para despertar
para o que os outros realizam. O tato mais usado no sentido de memórias de distância no
instrumento se transforma no sentido da cinestesia do grupo, interligando o movimento
das pessoas dentro da orquestra. A integração dos sentidos em cada indivíduo permite a
integração musical dos membros da orquestra.

6. Sub-áreas de conhecimento
Práticas interpretativas, Psicologia da Música, Educação Musical, Análise do Discurso,
Regência

Notas
5 Os nomes dos participantes forma modificados para preservar a identidade de cada um.

Referências Bibliográficas
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Reflecting upon tempo perception and its
future perspectives: a review of issues

Eleni Lapidaki
lapidaki@mus.auth.gr
Aristotle University of Thessaloniki - Greece

Abstract
Concerns with the issue of tempo perception while listening to music have
considerably increased during recent decades. However, the relationship between
tempo perception and biology has not been adequately studied, mainly due to
the hegemony of the formalistic philosophical tradition, especially after the end
of the 18th century, which purports the detachment of music from the ‘devalued’
body and its organs. Nevertheless, more recent developments in anthropology
and cultural studies call for a new understanding of the corporeality of music in
a scientifically grounded sense. They disclose an almost universal recognition
that the body is a basis of music production and, at the same time, the physical
site where music’s temporality, in all of its multiple expressions, is perceived.

Biological functions and temporal experience in music


It is not always a simple matter to know when someone performs a consciously
willed action or not, when performing, moving or listening to music (2003). Researchers
have explored the possibility that certain human biological functions, such as heartbeats,
breath, body temperature, or neuron oscillations in the brain may play a significant role in
the individual’s experience of music, in general, and tempo (e. g., the rate of musical time’s
flow), in particular. As Winckel (1967) pointed out, “it is conceivable that some animals
with an entirely different biological ‘factor’ are not capable of following the rhythm of our
music” (p. 85).
Referring to the ‘correspondences’ between musical and somatic structures and
time, Lévi-Strauss (1994) wrote:
Below the level of sounds and rhythms, music acts upon a primitive terrain, which is the physiological
time of the listener....The inner, or natural grid, which is a function of his brain, is reinforced
symmetrically by a second and, one might say, still more wholly natural grid: that constituted by the
visceral rhythms.

More specifically,throughout western music history, until the end of the 18th century,
there have been a number of attempts to support the belief that human pulse serves as a

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physiological basis of time sense and tempo in music. As early as 1698, Loulie constructed
a pendulum (chronometer) with 72 different swing durations in an attempt to measure
the musical effect according to an average number of pulse strokes. Moreover, music
theorists during the Middle Ages and Renaissance through the Baroque period (e.g., Gafurio,
Lanfranco, Ramos, Mersenne, and Quantz, among others) believed that the average human
pulse was linked to a ‘general’ tempo area of M.M.=60-80, in order to standardize the
musical beat.
In the beginning of the 20th century, when the empirical study of psychological time
was initiated, researchers have been concerned primarily with the concept of preferred
tempo in music. Along these lines, Smith (as cited in Isaacs, 1920, p. 281) maintained that
subjects’ choice of a preferred tempo is bound up with their individual pulse or respiratory
rate. Dalcroze (1921/1980) also supported the view that the human heart provides a basis
of rhythm. In an attempt to find the origin of time measure in music in a unified physiological
function, J. L. Okunewski (Winckel, 1967) presented in a list the pulse count for a number
ofcompositions, in which he measured the pulses of the pianists in relation to the number
of breaths per minute. When Sachs (1953) “metronomized” Bach’s Mass in B Minor—each
movement separately and on various days—he found that “his beat was consistently near
M.M.=80, covering now a quarter note, now an eighth, now even a half note (p. 34). Along
these lines, examining the relationship between tempo preference and heart rate, using
a music stimulus, Iwanaga (1995) found that subjects tended to prefer a tempo similar to
that of their heart rate, whereas tempo that was 1.5 times, or twice as fast as the heart rate
was less preferred.
In addition, empirical research has been concerned with the study of “biological”
clocks or rhythms that may be associated with both endogenous and acquired periodic
processes in human physiology other than the previously discussed human heart rate or
respiration. In a series of experiments it has been reported that judgments of subjective
time depend on the speed of oxidative metabolism in the brain, a chemical process that is
influenced by our internal body temperature.The results clearly demonstrate that raising
our internal body temperature or lowering it elicits faster or slower—respectively—
chemical motions in the cells of the brain that act as a “chemical clock” or “pacemaker”
(Hoagland, 1933). Hoagland depicted the effect of body temperature on the frequency of
subjectively counting seconds and tapping rhythms, in the so-called Hoagland’s “Arrhenius
plot”. Clock time seemed to pass slower to subjects with higher temperatures and hence
accelerated biochemical changes; therefore, they counted or tapped faster. On the other
hand, subnormal temperatures and hence a decrease of metabolic rate had the opposite
consequence to subjects’ rate of tapping and counting (Hoagland, 1933).
In an examination of the various factors affecting tempo behavior in repeated music
performances, Brown (1981) observed that morning performances (between 8 and 9
a.m.) were significantly faster than evening performances (between 9 and 10 p.m.),
presumably due to the circadian body temperature variation. Moreover, the evening
performances were more consistent with respect to tempo.
A noteworthy manifestation of the relation between metabolic rate and time sense
appears in the aging process. More specifically, researchers (e. g., Fischer, 1966) reported a

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rapid fall in both circulation and oxygen consumption of the brain from childhood through
adolescence followed by a more gradual but progressive descent through the remaining
years of life. Indeed, it is a familiar experience that time for the child appears to run much
more slowly than time for an adult.
According to Lapidaki (2000), who examined adult, adolescent, and preadolescent
listeners with respect to the stability of their tempo judgments while listening to the same
music compositions over an extended period of time, changes of metabolic rates related
to aging may be the reason why children gave faster tempo judgments to all compositions
than the adults.This result concurs with the evidence from the study by Vanneste, Pouthas,
and Wearden (2001) who observed a strong effect of age, as elderly people spontaneously
tapped at a significant slower rate than young adults, due to potential changes in internal
clock speed or internal tempo with age.

The brain and the representation of musical time


Many researchers assume that a possible basis for tempo perception in music may
rely on neural oscillations in the brain proceeding with a remarkably stable rate. Mental
structures might, therefore, display considerable morphological stability that refers to the
existence of an internal or psychic tempo. For instance, Fraisse (1963) showed that there
exists a zone of optimal tempo from about 300-800ms at which people are best able to
process incoming events in a sequence. Fraisse also observed that subjects’ preference for
metronomic tempi appears to lie within this zone. Jones (1986), however, proposed the
idea of cyclic attention whose rate or referent period, determined by an internal oscillator
(Large & Jones, 1999), is faster in some individuals than others but on the average falls
within Fraisse’s optimal zone.
Pöppel (1976) opted for a period of 20 to 30 ms as the perceptual moment or time
quantum, which has been defined as the least time wise element of psychological
experience.Furthermore, Pöppel reported evidence postulating an“integration mechanism”
in our brain with a controversial period of about 3 seconds that is roughly equivalent to the
time span of the conscious or psychological present. Pöppel (1989) proposed that this
time limit of 3 seconds could be the basis for a central neural pacemaker or biological
clock that causes tempi and tempo relationships in music to be “unbiological” and hence
with unpleasant aesthetic consequences for listeners, if they are not tuned to this clock in
our brain that underlies tempo control in music.
Concerned with the precision of selecting and maintaining the ‘right tempo,’ David
Epstein (1985) who investigated tempo relationships within pieces of music from different
cultures concluded:“This (selection of a particular tempo) is not a matter only of music‘per
se.’ Our biological system is involved as well” (p. 37).
Moreover, two studies by Clynes & Walker (1982, 1986) on stability in performed
tempo are worth noting. Repeated performances by the same musicians and of the same
compositions were timed over a number of years. Findings suggested a high degree of
consistency and precision in the execution of tempo. Concurring with Epstein, the
researchers reasoned that music appeared to engage and program a psychobiological
clock or clocks which functions subsoconsciously but gives conscious read-outs and thereby

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seems to guide the performers’ realization of tempo in an exact and stable manner.These
findings are consistent with the timing of a symphony orchestra in several performances
of the same compositions over several years at different music halls of the world measured
by Winckel (1962). Similarly, Wagner’s (1974) timing of different performances on the
piano of the same piece by Herbert von Karajan showed highly consistent tempi.
In addition, it has been observed that changes in durations of subsections from one
performance to the other often have a tendency to be balanced by changes in other
subsections in order to preserve the same overall duration of the piece, although the
performer is not aware of this.Total durations of two recordings of Bach’s Goldberg Variations
played by Glenn Gould (Gould, & Page, 1982/19831982) as much as 26 years apart showed
an extraordinary large-scale stability greater even than that of individual sections of the
composition.
In a recent study (Kohlmetz et al., 2003) of electroencephalogram recordings of an
expert pianist playing Satie’s “Vexations” for a continuous period of 28 hours, results
demonstrated the high degree of stability in the execution of tempo, even in changing
levels of consciousness (e.g., alertness, trance, and drowsiness). The researchers of the
study suggest that free running neural oscillators appear to function as the underlying
mechanism that interacts with circadian rhythms (which control periodic changes of blood
sugar or cortisol).

Research on personal or preferred tempo judgments in the


beginning of the 20th century
In the process of exploring the literature concerning tempo consistency in musical
and nonmusical environments, it is of interest that most investigations were performed
around the first half of the century and were often referred to as “personal,” “preferred” or
“mental” tempo studies (e.g., Braun, 1927; Frischeisen-Köhler, 1933; Harisson, 1941; Miles,
1937; Mishima, 1956; Rimoldi, 1951; Wallin, 1911). Most commonly, subjects were asked
either to tap a telegraph key as their response task or to use a metronome to indicate what
tempo appeared to be the most natural. In other words, subjects had to judge whether the
speed of metronome clicks was neither too slow or to fast. In Wallin’s (1911) study, subjects
listened to pairs of different rates of a metronome and were asked to state which tempo
was felt to be more appropriate. There were considerable individual differences in the
preferred rates. In fact, these ranged between the extreme rates offered by the metronome.
Braun (1927) asked subjects to produce a steady series of taps at any rate they chose; he
recorded the tapping rates of six subjects in 11 sessions, at intervals of several weeks
between each session. Braun found that subjects were relatively consistent in their
preference rate, and that the variance within subjects was very small in comparison to the
variance between subjects. Furthermore Miles (1937) experimented with subjects who
were instructed to tap regularly a rate that seemed more satisfactory to them. He concluded
that each subject had his or her own preferred range of rates.
Moreover, with regard to subjective consistency in rate of self-paced movements
of specific parts of the body, Harisson (1941) found no similar tempi between any of the

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tasks performed. Three decades later, Smoll (1975) maintained that individuals were
relatively consistent concerning their personal tempo manifested in situations involving
repetitive motor responses. However, Mishima (1951-52) pointed out that “mental tempo
is constant within a field, but it varies with different fields” (p. 27). Furthermore Rimoldi
(1951) reported that “fast individuals are consistently fast and slow individuals are
consistently slow within relatively long periods of time (from two to four weeks)” (p. 301),
while Frischeisen-Köhler (1933) concluded that the effect of time between sessions on
the variability of tempo appears to be inconsiderable.

Are tempo judgments consistent or flexible in repeated music


listening tasks?
An important musical issue that was empirically investigated was whether a piece
of music does have one and only one correct tempo (absolute tempo) for the listeners,
and if so, does this seemingly well-established concept possess an absolute or correct
time framework in the mind of the listeners. In other words, the problem was whether a
musical composition can survive a wide range of tempi or not. The literature is far from
consistent on these questions.
In addition to the studies that employ listening to stimuli like metronome clicks or
tapping tasks, of particular interest are those investigations that ask the listener to make judgments
about tempo with hardware that allows for variable-speed control over the musical stimulus.
Farnsworth, Block, & Waterman (1934) designed a study that examined whether there is one
tempo consistently associated with familiar waltz and fox-trot tunes. Findings
suggested a mean of controlling “absolute tempi” of about 120 beats per minute. In
addition, the findings reported a positive correlation between the tapping behavior and
the setting of the Duo-Art tempo lever, that is, “between the more motor and the more
sensory aspects of tempo” (p. 233). Five years later, Lund (1939) repeated this study and
arrived at similar findings, although in his experiment tempi for waltz and fox-trot were
slightly faster. Moreover,measuring the principal tempo of an extensive number of selected
recordings known as the “Carnegie set, Hodgson (1951) proposed that all music is based
or geared to one underlined human or psychological beat or tempo between 60 and 70
beats per minute, which indicates a strong preference tempo.
Behne (1972) used both a mechanical device, the so called “Springer-machine,”for
manipulating the tempo of recorded music, and real renditions of the same piece in
different tempi as well (p. 70). All pieces were composed particularly for the study. The
findings showed that listeners judged the tempo of certain pieces as correct within a
relatively wide range of tempi. In addition, the listeners’ judgments appeared to approach
halfway the composer’s metronomic designations (p. 123). Behne’s findings suggested
“the existence of a certain ‘tolerance width’, that is, of different possible tempi” (translated
from German by E. Lapidaki, p. 129). Therefore, Behne concluded that the existence of a
single right tempo for a piece of music is an “exceptional case.”
Moreover Halpern (1988) conducted a two-part study on tempo perception with
non-music major college students, which is remarkably similar in purpose and design to

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the 1934 work by Farnsworth and his associates. Instead of manipulating the tempo lever
of a player piano, as was the case in Farnsworth’s study, subjects could change the tempo
of the tunes by manipulating the software interface on the computer until they sounded
“correct.” Moreover, instead of tapping on a telegraph key, subjects were instructed to set
a metronome to coincide with what they imagined to be the correct tempo of the songs.
Results reported a generally positive relationship between the metronomic evaluations
and the setting of the tempi on the computer, that is, between“imagined” and“perceived”
correct or preferred tempi for each tune. The results are indeed consistent with those
found by Farnsworth and his associates concerning the positive correlation between the
tapping task and the setting of the tempo lever. It was also found that imagined tempi
seemed to regress to a middle range of approximately 100 beats per minute, between the
faster and slower perceived tempi. In other words, Halpern’s research suggested that
familiar, popular tunes are represented in our mind with a particular tempo.
Levitin & Cook (1995) conducted a similar two-part study in order to investigate if
we remember a song in its original tempo. Subjects unselected for their musical background
were asked to choose a song they knew very well among fifty-eight CDs containing the
best known popular songs and to hold it in their hands.They were instructed to close their
eyes and imagine that the song was actually playing.Then they were told to try to reproduce
the song from memory by singing, humming, or whistling. Results showed that long-term
memory for tempo was very accurate.
Interesting as these results may be, they did not demonstrate whether judgmens
of tempo are consistent across separate trials over an extended period of time, especially,
when subjects are presented with musical compositions from Western art music of different
style periods. Also of importance appeared to be how these judgments might differ among
subjects with different musical backgrounds. Lapidaki & Webster (1991) conducted a
study to determine whether highly skilled adult musicians and non-musicians could
consistently set tempi when listening to musical compositions drawn from Western art
music of different styles and familiarity.
The findings of the Lapidaki & Webster (1991) study showed that when tempo is
judged by highly skilled musicians in repeated listening tasks of the same compositions,
initial tempo of stimuli presentation had a dominant effect on correct tempo judgments.
Simply stated, no single correct tempo emerged as a consistent entity of individual or
group performance across the trials. The sample of adult non-musicians indicated a basis
for a similar conclusion.
More recently, Lapidaki (2000) attempted to determine whether listeners from
different age groups, with both music and non-music background, were capable of forming
consistent right tempo judgments on four separate trials over an extended period of time,
especially when they were presented with musical compositions chosen because they
represented a wide range of musical styles, familiarity, and preference. Results indicated
that the initial tempo of presentation significantly dominated subjects’ tempo judgments
(Lapidaki & Webster, 1991), in contrast to Pöppel’s (1989, p. 89) assumption that “for
humans, there is in music no freedom for tempo.” Moreover, there was evidence that the
degree of consistency in right tempo judgments gradually increased from preadolescence

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through adulthood. Support of this developmental evidence has been provided by the
findings of Baruch, Panissal-Vieu, and Drake’s (2004) study who suggested that whatever
the context, children prefer the fastest tempi, while adults appear to show absolute tempi
preferences and thus to be more consistent in their tempo judgments. It is noteworthy
that in the Baruch et al. study infants displayed a lack of tempo preference, although their
tempo discrimination ability was functional.
Utilizing the Weber fraction (Lapidaki, 2006), a new analysis of the range separating
the fastest from the slowest tempo judgments of individual subjects for each piece often
revealed strikingly small discrepancies (Lapidaki, 2005). Interestingly enough, these subjects
reported that they were surprised when they heard that their right tempo choices were
virtually precise across trials. Thus, it would seem that physical, psychological, and
environmental factors, such as, fatigue, mood or time of day, did not seem to have an
effect on their tempo judgments. Concurring with Epstein (1985), Clynes and Walker
(1986), Pöppel (1989), and Kohlmetz, et al. (2003), among others, one might say with
regard to absolute tempo that music engages and programs psychobiological clocks or
neural oscillations which function subconsciously but give conscious read-outs and thereby
guide the listeners’ choice of right tempo in an exact and stable manner. In addition, the
assumption that consistent tempo judgments occur subconsciously or intuitively– outside
of phenomenal awareness and voluntary control–is supported by the notion of implicit
cognition that has been the subject of increasing interest and debate in psychological
research (Underwood & Bright, 1996). Implicit cognition also raises issues concerning
memory dynamics in repeated musical activities during which surface details fade from
explicit memory but persist in implicit memory which affects music behavior automatically
without explicit cognitive control (McAdams, Vines, Vieillard, & Reynolds, 2004).

Recommendations for future research


Finally, I want to stress the need for future investigations on the use of internal
clock-based mechanisms to represent musical timing and stability or flexibility of tempo
perception that will help us advance our understanding of the activity of the human body
and consciousness in terms of what they reveal about motor programs in the brain and
precise temporal preferences in a complex nonverbal auditory domain. This will help us
expand our knowledge about the way the human body participates in all acts of music
experience and, thus, discover new biological (and ontological) properties of music. As
Deleuze and Guattari (1991) wrote: “The brain thinks, not man. Man is just a cerebral
crystallization” (cited in Wolfe,2007). Nevertheless, future research should keep in mind
the significant issues that are raised in contemporary neurophilosophy (Llinàs, & Churchland,
1996) concerning the interactions between the embodied mind and “the complex cultu-
ral and technological environments” (Clark, 2002, p.21) which may have direct
consequences on the biological functioning of our brain in all aspects of the musical
experience.

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Do cálculo inconsciente da alma: estrutura e


desvios expressivos como critério de
preferência musical

Ângelo Martingo
angelomartingo@gmail.com
Universidade Nova de Lisboa

Palavras-chave: Expressividade; percepção, Tonal Pitch Space.

1. Fundamentação teórica
A relação entre desvios expressivos e estrutura musical, como formalizada pela
teoria generativa (Lerdahl e Jackendoff 1983) está amplamente documentada. Mais re-
centemente, Lerdahl (2001) avançou em Tonal Pitch Space os conceitos ‘atracção’ e ‘ten-
são’ que, enquanto variáveis quantitativas obtidas por algoritmos específicos, se mostraram
valiosos instrumentos na compreensão do peso relativo da estrutura local/global e factores
melódicos nos desvios expressivos praticados por intérpretes de referência em 23 grava-
ções dos 9 compassos iniciais do segundo andamento da Sonata Waldstein (Op. 53) de
Beethoven (Martingo 2006).

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2. Objetivos
No estudo agora efectuado procurou-se discernir critérios de preferência na recep-
ção de diferentes interpretações da Sonata Wadstein de Beethoven (2º and.) a partir da
existência ou não de correlações entre estrutura musical (‘atracção’ e ‘tensão’) e desvios
expressivos aferida no estudo anterior.

3.Metodologia
Sujeitos: 67 estudantes de música do ensino superior, com uma média de idades de
25,22 anos, 11,7 anos de formação musical teória/auditiva e 9,8 anos de aprendizagem de
um instrumento musical em média.
Tarefa: Avaliar, numa escala de 1 (menor) a 7 (maior) a coerência, expressividade,
fluência, tensão, controle da dinâmica, controle da agógica das interpretações em causa.
Estímulo: Foram usados dois conjuntos de gravações por pianistas de referência
dos 9 compassos iniciais do 2º andamento da Sonata Waldstein de Beethoven (Op. 53).
Um dos conjuntos, de 6 gravações, caracterizava-se pela existência ou não nas interpreta-
ções de correlações significativas entre desvios expressivos e factores estruturais (aferida
num estudo anterior e apresentado ao congresso da ESCOM em 2006). O outro conjunto
de gravações caracterizava-se pela existência ou não nas interpretações de correlação dos
desvios expressivos entre si.

4. Resultados
Resultados preliminares mostram que os sujeitos não discriminam entre os factores
e que, globalmente, as pontuações são significativamente mais altas nas gravações em
que se verificam correlações, quer entre desvios expressivos e factores estruturais, quer
entre os desvios expressivos entre si. Nas gravações em que os desvios expressivos se
correlacionam entre si mostra-se ainda que a correlação positiva recebe pontuações mais
altas que a correlação negativa.

5. Conclusões
Estes resultados apontam no sentido da recepção musical ser influenciada pela
relação entre desvios expressivos (dinâmica e agógica) e estrutura musical, bem como
pela relação entre desvios expressivos entre si. Este estudo vem assim precisar um já vasto
corpo de literatura que mostra a agógica e a dinâmica como desvios intimamente relaci-
onados com a estrutura musical, evidenciando por outro lado que a racionalidade quer
entre os desvios expressivos e a estrutura musical quer dos desvios expressivos entre si
constitui um factor de preferência dos ouvintes quando confrontados com diferentes
interpretações da mesma obra, indiciando desse modo a preferência musical como resul-
tado da interiorização da estrutura musical.

6. Sub-áreas de conhecimento
Cognição, interpretação.

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Referências Bibligráficas
Martingo, A. (2006). Testing Lerdahl’s Tonal Space Theory. Proceedings of the 9th
International Conference on Music Perception & Cognition (ICMPC9). Bolonha: ESCOM.
Lerdahl, F. (2001). Tonal Pitch Space. Oxford: Oxford University Press.

O Método Bonny de Imagens Guiadas e


Músicas: a música e os estados alterados de
consciência

Thelma Sydenstricker Alvares


talvares@intervip.com.br
Universidade Federal do Espírito Santo

Resumo
O Método Bonny de Imagens Guiadas e Música (MBIGM) é uma terapia transformativa
na qual a música erudita é utilizada para eliciar imagens mentais em forma de imagens
sensoriais, cinestésicas e noéticas, assim como sentimentos, sensações, memórias e pen-
samentos. Este método foi desenvolvido pela musicoterapeuta Dra. Helen Bonny na déca-
da de 70 nos E.U.A., a partir de uma pesquisa realizada no Maryland Psychiatric Research
Center que utilizava LSD como meio de explorar estados alterados de consciência que
poderiam impulsionar a melhora clínica de pacientes com dependência química ou cân-
cer terminal. A música é o elemento desencadeador do processo, o estímulo para a
formação de imagens criativas, proporcionando um espaço que permite o sustento emo-
cional, foco na experiência interna, movimento dinâmico para imagens e estrutura para a
experiência. A música é o agente que traz a experiência da consciência, evocando estados
alterados da consciência, permitindo assim a exploração do mundo interno do cliente. As
imagens, evocadas pela música, são uma função normal da cognição humana e neste
método receptivo de Musicoterapia, o cliente pode vivenciar diferentes formas de ima-
gens, tais como, imagem visual, auditiva, olfatória, gustatória, tátil, cinestésica, corporal e
noética. Serão descritas algumas pesquisas realizadas com o MBIGM na área de
Psiconeuroimunologia.
Palavras-chave: Musicoterapia, Método Bonny de Imagens Guiadas e Música, mú-
sica erudita

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O medo do desconhecido: Pesquisa em
andamento. A familiaridade com o inusitado no
testemunho de pianistas “destemidos”

Zélia Chueke
Zchueke_piano@ufpr.br
Universidade Federal do Paraná

Resumo
As bases desta pesquisa em andamento foram apresentadas em 2003, durante o
congresso da ANPPOM e publicadas nos anais do congresso; a versão em inglês
consta do volume 3 n.1/2 , 2003 da Revista MúsicaHodie. O objetivo principal é
analisar a incontestável barreira que separa a música dos séculos XX e XXI daquela
composta nos séculos anteriores, enquanto reflexo de uma postura acomodada de
todos os profissionais cujo trabalho consiste em estabelecer a conexão entre o
público em geral e a música erudita, e buscar formas de ao contrário, incentivar e
cultivar o interesse pelo novo. Os intérpretes representam sem dúvida um papel
essencial neste processo de educação, comunicando a mensagem musical registra-
da na partitura, mediadores entre a mente do compositor e o ouvinte. Através de
entrevistas com representantes do grupo - felizmente bastante ativo - de intérpre-
tes que programam em seus recitais obras de todos os estilos e épocas, incluindo
música recém composta e/ou desconhecida do público, pretende-se acessar as
circunstâncias que proporcionaram esta atitude “destemida”. Na presente comunica-
ção, constará uma pequena parte dos resultados de três das entrevistas realizadas
até o momento. Os pianistas escolhidos foram: Anne Piret (Liège), Roy Howat e Ian
Pace (Londres). Seus testemunhos serão seguidos de uma breve análise e alguns
comentários baseados em minha experiência pessoal e em parte da literatura exa-
minada - considerações sobre código e linguagem, novos caminhos para a compre-
ensão musical, a familiaridade com o inusitado, a modernidade no tradicional. As
coincidências verificadas já sugerem uma definição, ainda bastante cuidadosa, do
que seria uma abordagem mais consistente no que concerne o processo de educa-
ção ao qual nos referimos, visando o enriquecimento da percepção musical.
Palavras chave: Obras inéditas – Escuta – Percepção

Explorando o desconhecido
Através desta pesquisa pretende-se analisar a barreira que praticamente isola a produ-
ção musical dos séculos XX e XXI daquela originária dos séculos anteriores do ponto de vista
da percepção, sobretudo dos intérpretes. A situação que observamos atualmente é resultan-

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te de um círculo vicioso: a) o público geralmente prefere o repertório tradicional, ou seja, a
música composta desde o período barroco até o início do século XX; b) em sua maioria, as
séries de concerto oferecem programas que normalmente incluem obras já conhecidas de
seus freqüentadores, sendo o mesmo fenômeno observável no mercado de gravação. O
foco principal deste trabalho é o papel desempenhado pelos intérpretes neste processo
verdadeiramente educativo, uma vez que sem eles, a mensagem musical gerada na mente
(escuta interior) do compositor não tem como ser transmitida aos ouvintes.
Existe, com efeito, um grupo bastante ativo de musicistas que combina equili-
bradamente, em seus programas de recital, vários estilos e épocas - incluindo obras inéditas
- sem qualquer tipo de preconceito. Acessando este grupo de músicos através de entrevis-
tas, minha intenção é tentar definir da melhor forma possível, as circunstâncias que propici-
aram este tipo de abertura, esta atitude “destemida” de apresentar música nunca antes
ouvida a um público acostumado a ouvir sempre as mesmas obras, protegido pela sensação
de familiaridade. Esta recusa da novidade é verificada não apenas em relação à música nova,
mas a tudo que soa novo. Alguns pianistas admitem ser quase impossível pretender que
uma platéia escute atentamente execuções de certas obras como a Träumerei de Schumann
(Buchbinder, apud Chueke, 2000); segundo Buchbinder, a imensa maioria dos presentes
estarão ouvindo interiormente sua versão preferida da obra, testemunhando a nova execu-
ção apenas visualmente. Maurizio Pollini (2001) aconselha os jovens pianistas à não negli-
genciar a música de seu tempo, embora reconheça que com esta atitude eles venham a
enfrentar enormes dificuldades uma vez que os organizadores de concerto e diretores de
festivais não permitem jamais que os jovens“corram riscos”.O grande pianista italiano espera
sinceramente que esta mentalidade reacionária mude algum dia.
Ao final da pesquisa, a partir de elementos comuns aos diferentes testemunhos e
analisando igualmente os diferentes pontos de vista, pretendo acumular material sufici-
entemente convincente que possa ser tomado como exemplo por educadores em seu
trabalho de introdução dos diferentes grupos sob sua responsabilidade, a uma experiência
musical mais completa.
Quatro perguntas básicas foram apresentadas aos intérpretes entrevistados até o
momento, sendo todos pianistas profissionais, visto ser este meu instrumento. Seguem-se
as quatro perguntas, as respostas de cada um dos pianistas entrevistados, e alguns comen-
tários sobre cada tópico, baseados em minha experiência pessoal e em parte da literatura
examinada até o momento, considerando-se limitações de tempo e espaço.
1- Você poderia descrever como e quando foi introduzido à música dita “contempo-
rânea”?1
Anne Piret cita os concertos que assistiu, em particular a oportunidade que teve de
escutar a segunda sonata de Boulez aos quinze anos de idade; menciona as transmissões
pelo rádio e os cursos de história da música que freqüentou.
Roy Howat foi introduzido a este tipo de repertório enquanto estudante, uma vez
que havia pessoas compondo à sua volta.
Ian Pace diz que começou simplesmente a ouvir a música de Stockhausen e John
Cage disponíveis na biblioteca pública quando tinha onze anos, sem fazer a mínima idéia
do que ela significava. Simplesmente ouvia, gostava, e começou a ler as partituras.

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Interessantemente, nenhum dos três pianistas e nem mesmo outros que fizeram
parte desta pesquisa, mencionaram a figura do professor de piano como fonte de influên-
cia. De minha parte, considero um privilégio ter tido como professora de piano uma
compositora, que me incentivava a tocar e analisar Mozart, Beethoven,Schoenberg,Debussy,
Schubert e Cage, entre outros compositores de todos os períodos e estilos, inclusive
estreando peças compostas na atualidade. Muitos destes compositores acostumaram os
filhos a escutar repertório igualmente variado, provando que o preconceito da parte de
quem nos apresenta uma obra, por mais dissimulado que seja, influencia nossa disposição
e conseqüentemente nossa percepção, muito mais fortemente que o fato de termos
“ouvidos tonais”.2
A este respeito, a experiência de Clarke e Krumhansl à qual Nicholas Cook (1994) se
refere, mostra que mesmo entre músicos profissionais, a percepção e conseqüente
verbalização da escuta de uma obra de Stockhausen e uma de Mozart - embora no caso da
primeira obviamente girassem mais em torno de pausas e silêncios como fator de agrupa-
mento do que no caso a segunda, devido à natureza mais fluente do discurso de Mozart -
não incluía nenhuma referência a aspectos tonais, assim como modulações ou cadências
ou mesmo o retorno à tonalidade inicial.
Tabachnik (apud Gilly, 1991), afirma não ser nem a falta de adaptação a uma nova
forma de notação nem a alguma dificuldade de ordem técnica, mas a simples ausência de
motivação que vem promovendo um afastamento cada vez maior entre intérpretes e
compositores de nosso tempo.

Modernidade e tradição
2- Em sua opinião, a experiência com este tipo de repertório contribui para o enri-
quecimento da abordagem do repertório tradicional ou trata-se de dois tipos de experiên-
cia completamente diferentes?
Anne Piret considera que existe uma interação, ou seja, a modernidade das obras do
repertório tradicional, considerando o cenário musical da época em que foram compostas,
pode ser mais bem percebida uma vez que assimilamos a modernidade da música de
nosso século, o que em sua opinião exige uma certa maturidade pessoal no sentido de
uma maior conscientização.
Howat considera que todo tipo de música foi ‘contemporâneo’ ou novo em alguma
época; para ele, isto não faz muita diferença levando em conta que “música é música”.
Pace ressalta principalmente os velhos hábitos adquiridos com o passar dos anos,
decorrentes de experiências e interpretações alheias e que são questionadas a partir do
momento que se tem contato com uma nova linguagem, que precisa ser cuidadosamen-
te investigada para que faça sentido, independentemente de notação. Critica igualmente
a transferência indevida de recursos como “voicing” – o cantabile na voz superior de
acordes e intervalos harmônicos, utilizados em certas obras do repertório tradicional, na
música de hoje. Na verdade a crítica é aos hábitos que são incorporados sem reflexão e
passam a ser utilizados sem discernimento; exemplifica com a Sonata de Liszt, cujos
acentos (comp.8, 28,29,30, etc...) sugerem um som “feio” se comparado à idéia romântica
da reprodução do bel-canto ao teclado, mas que não deve ser ignorado.3

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Durante a entrevista, chegamos à conclusão que o “perigo” é o de considerar com-
positores como Debussy, Janáèek ou Ligeti, entre outros, como “de fácil compreensão”
apenas porque utilizam notação tradicional4; anos atrás, Jarocinsky (apud Barraqué, 1994),
declarou que “os ouvintes de hoje escutam a música de Debussy da mesma forma limita-
da que o público dos primeiros trinta anos do século XX,” e é realmente impressionante a
insistência da parte de jovens pesquisadores em analisar as obras de Debussy harmônica
e formalmente, de acordo com as normas e métodos tradicionais, quando temos o
registro em inúmeras fontes5 de seu firme propósito de fixar novas definições para acor-
des dissonantes, consonantes e seus encadeamentos, por puro prazer.
Igualmente concordamos que certas formas de escrita pouco convencionais, após a
decodificação, revelam por vezes mensagens musicais bastante simples. A modernidade
estaria no conteúdo da mensagem, e não tanto na notação, ou mesmo na linguagem. Sobre
esta última, Schloezer (1959), tendo constatado que “o empobrecimento da linguagem de
uma época incita a introdução de uma outra” que satisfaça melhor as necessidades musicais
de compositores, intérpretes e ouvintes (não se pode negligenciar este triângulo), acredita
ser sob este aspecto - essencialmente musical - e não sob o sociológico ou psicológico6 que
devemos analisar as mudanças no discurso musical a partir de 1945.
Não há duvidas de que “o músico de hoje deveria se dedicar à música contemporâ-
nea, edificando-a a partir de sua experiência com o passado, uma vez que o novo se
desenvolve a partir do antigo”,(Pollini, 1991); da mesma forma, a experiência com o novo
nos ajuda a descobrir e vivenciar a modernidade do discurso de compositores do passado,
libertados da tradição e dos pressupostos que por vezes fecham nossos olhos e ouvidos à
novidade presente em suas obras7.
3- Você concorda que existe uma barreira específica e difícil de ser eliminada, entre
a música dos séculos XX e XXI e aquela composta no período anterior? Caso sua resposta
seja positiva, você teria alguma explicação para a existência desta barreira?
Para Anne Piret, o abandono da linguagem tonal constitui uma barreira evidente,
sobretudo em se tratando de música serialista. Esta barreira, segundo a pianista, tende a
diminuir uma vez que o público pouco a pouco vem se habituando a certos compositores
do século XX, como Messiaen, que começa a ser considerado um compositor um pouco
mais clássico.
Roy Howat acredita que a maior barreira erigida por nossa geração encontra-se entre
a música diatônica ou modal e a música atonal ou mesmo uma certa tonalidade “cubista”
como a de Stravisnky, por exemplo; em suma,“o que o público acha difícil”.Ele observa que
Martinu e Janáèek comparativamente não representam um problema e considera que
enquanto músicos educados na escola da harmonia diatônica,temos que encontrar“novas
maneiras de nos orientar” através dos novos discursos que nos são propostos.
Pace concorda com a existência desta barreira e chama a atenção para a necessida-
de de se saber programar peças inéditas combinando-as de forma inteligente com obras
do repertório tradicional. Normalmente, diz ele, as pessoas incluem algo que foi compos-
to após a segunda metade do século XX, sem se dar conta de sua real pertinência, enquan-
to material sonoro, junto às outras peças do programa, simplesmente para encaixar algo
“moderno”,independentemente mesmo da qualidade.

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A respeito das “novas maneiras de orientação” sugeridas por Howat, referindo-se
ao intérprete que tenta decifrar um texto musical inédito, Pace diz buscar primeiro “o que
não pode ser”,principalmente em se tratando de notação incomum. Ele parte da tentativa
com dois ou mais tipos de possibilidades na decodificação do trecho, eliminando as que se
revelam inconsistentes até chegar à que soa melhor e que se prova mais de acordo com
o que ele pode deduzir sobre as intenções do compositor; considera este procedimento
perfeitamente adequado à abordagem do repertório tradicional, uma vez que “a
modernidade é a expansão da tradição”.Baseado em sua experiência pessoal, este pianista
afirma ser bastante arriscado lidar com música da qual existem poucos registros sonoros,
pois as críticas são sempre baseadas nestas poucas gravações existentes, geralmente sem
muito embasamento.
Podemos concluir que a pesquisa conscienciosa do material sonoro a ser extraído da
partitura, o questionamento detalhado de nossa percepção do texto musical registrado na
partitura, são frutos benéficos da experiência com este tipo de repertorio inédito.
Buscamos uma fidelidade às intenções do compositor, inclusive aproveitando a
chance de nos comunicarmos com os que se dispõem a este diálogo. Pensamos, refleti-
mos sobre a obra.8 E esta é certamente uma experiência que influencia de maneira
enriquecedora nossa abordagem do repertório tradicional.
A música de nosso século nos faz pensar, questionar, buscar. Claude Helffer (apud
Gilly, 1991) resume:“quando o compositor se aventura em terrenos ainda não percorridos,
utilizando-se de uma linguagem que ainda não foi assimilada nem por nossos olhos, nem
por nossos ouvidos, nem por nossos dedos, o intérprete tateia para segui-lo: isto requer
muita atenção e, sobretudo, muita humildade [...]. Uma interpretação supõe antes de tudo
uma execução perfeita de tudo o que o texto indica”. A falta de humildade à que ele se
refere é conseqüência provável da idéia errônea de que “compreendemos facilmente o
repertório que nos soa familiar”, esquecendo-nos que na verdade estas obras pertencem
a séculos muito anteriores ao nosso e a uma realidade deveras distante. Talvez a primeira
característica comum aos intérpretes de música composta a partir da segunda metade do
século XX, seja a simples familiaridade com o inusitado. O que nos manteria afastados do
novo seriam nosso ouvidos “de ontem” (Madurell, 1999). François Madurell enfatiza as
semelhanças entre a música da segunda metade do século XX e a composta no século XIV:
“período de mudanças, complexidade da notação, ouvintes eruditos, ou seja, um tipo de música
que não se revela no primeiro momento e não se dirige aos impacientes; em suma, elas se mere-
cem. Existe de fato uma ideologia em comum. Embora não possamos determinar o que ou como
escutavam os ouvintes do século XIV, sabemos que os de hoje ficam fascinados ou perplexos diante
deste repertório, tão exótico para eles como as músicas tradicionais da África ou do Extremo Ori-
ente. Mas esta perplexidade não é menor diante das manifestações mais intransigentes de certas
obras de nossa tempo, estranhas à seu habitat sonoro. Mergulhados desde a infância num banho
tonal, o ouvinte ocidental desenvolve um ouvido tonal, e esta aprendizagem implícita deixa-o
despreparado para a confrontação com a música da segunda metade do século XX e mesmo para
a escuta de músicas tradicionais de outras civilizações.”

Esta seria a mesma falta de preparo que costuma impedir os intérpretes do nosso
tempo, de perceber o novo em qualquer tipo de repertório. Por outro lado, o primei-

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ro passo para a libertação é admitir que mesmo os ouvidos mais cultivados de nossa
geração apreenderam a “tonalidade ocidental”. No relato de seu experimento que envol-
ve tonalidade e expectativa, Bharucha (apud Aiello, 1994), aponta a relutância dos compo-
sitores participantes em admitir seu background tonal, independentemente de terem
sido expostos a diversos tipos de música, mesmo as mais distantes da harmonia tonal.
Embora capazes de desenvolver um outro tipo de escuta, foram incapazes de escapar à
influência da harmonia tonal, pelo simples fato de serem cidadãos do mundo ocidental.
Todos os compositores que duvidavam seriamente de suas expectativas tonais e prefe-
rência pelos eventos tonais, obtiveram resultados idênticos aos dos participantes leigos,
revelando-se igualmente “prisioneiros”,mesmo que inadvertidamente, dos esquemas to-
nais típicos de nossa civilização.
4- Poderia sugerir algum tipo de procedimento a ser adotado na área da educação
musical que ajudaria a eliminar este tipo de preconceito?
Anne Piret sugere que obras de todas épocas sejam introduzidas ao público em geral
e aos estudantes de música, sem classificação de época, com as devidas explicações, e
que se incluam obras “modernas” no repertório de intérpretes amadores e profissionais.
Ela considera que isto esteja sendo praticado desde agora, ao menos nos ambientes que
ela freqüenta.
Para Howat, a melhor solução seria permitir que os alunos escutassem o mais cedo
possível peças de todas as épocas até aquelas compostas “na mesma semana”, ou seja,
deveriam ser encorajados a compor e tocar, ou trabalhar com outros que compõem para
que toquem, como parte da prática musical. Ele acrescenta que esta atividade é igualmen-
te importante para os compositores, que podem desta forma aperfeiçoar seu estilo de
notação, comunicando-se com o intérprete.
Pace, que como Piret, sugere que se proporcione a crianças da mais tenra idade a
escuta de todo tipo de repertorio, menciona sua experiência na Juilliard School, onde a
Sonata de Berg era tocada simplesmente porque os jovens pianistas podiam fazer uma
conexão com o repertório tradicional e na Hochschule für Musik em Viena, onde a música
Debussy até bem pouco tempo, não era aceita. 9
No que diz respeito aos intérpretes, o pianista sugere o contato com os composito-
res como uma troca, visto que muitos modificam continuamente suas obras, chegando à
versão definitiva muitas vezes somente após uma primeira escuta ou o primeiro ensaio ou
mesmo após a estréia. Muitos pianistas (incluindo alguns dos entrevistados não menciona-
dos no presente trabalho) vêem este contato como primordial na execução da música de
nosso tempo, o que inspiraria a experiência riquíssima de se reproduzir esta mesma atitu-
de em relação ao repertório tradicional através da pesquisa, acessando correspondências
de compositores, testemunhos de seus contemporâneos, biografias e análises.
A idéia de se tocar obras de nossos “colegas de escola” sugerida por Howat exige
uma supervisão severa, uma vez que não se pode construir o senso estético e o
discernimento musical apenas através de obras de principiantes. Este tipo de atitude
deveras “democrática” pode ser excelente em termos de experiência, mas se não for
acompanhada da exposição às grandes obras de nosso tempo pode na verdade prejudicar
o processo de percepção.

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Sendo esta uma pesquisa em andamento, concluo meu texto com o testemunho de
outro pianista, que além de vir de encontro à minha experiência pessoal, traduz
perfeitamente minha postura em relação aos tópicos abordados.
“É normal ouvirmos falar de uma oposição entre música clássica e música contemporânea. Lem-
bro-me dos anos 60, quando na ORTF (nome da Radio France naquela época), as pessoas me diziam:
“Você que toca esta música” e contudo tratava-se apenas de Schoenberg e Webern. Mesmo que se
suponha existir uma distinção entre o velho e o novo, onde se encontra a linha de demarcação?
Desta forma atingimos rapidamente o absurdo. Devemos nos questionar se existe uma única música
“clássica” ou uma única música “romântica”. Existem tantas diferenças entre Chopin e Schumann
quanto entre Debussy e Boulez, e entre Berio e Stockhausen, para não citar apenas os contempo-
râneos. Efetivamente, cada época assiste a chegada de novas possibilidades devido à evolução da
linguagem ou ao aperfeiçoamento do instrumento: este foi o caso de Beethoven, bastando que
comparemos a op.2, n°1 com a op.111 ou as Variações Diabelli.” (Helffer, apud Gilly, 1991)

Notas
1
Fazemos referência aqui à música composta a partir da segunda metade do século XX, termo que passare-
mos a adotar nas próximas entrevistas, levando em conta as controvérsias geradas pelos termos e conceitos
de contemporaneidade e de modernidade; decidi dedicar uma parte da pesquisa a este tópico.
2
Talvez o Novo Continente - que além de ser mais jovem, e apesar das influências recebidas do Velho
Mundo, não carrega sobre os ombros a responsabilidade da tradição, bebendo de diversas fontes, livre de
preconceitos - tenha mais facilidade em aceitar o discurso musical de nossos tempos do que a Europa, berço
da tradição austro-germânica. Pode-se questionar igualmente se a abertura encontrada na França para a
pesquisa e prática da música de nosso tempo não é decorrente do fato de que o papel representado pela
música no cenário cultural deste país, ao menos até o inicio do século XX, não ocupava o mesmo lugar de
destaque que a Literatura e as Artes plásticas, se compararmos com o que acontece até hoje principalmen-
te na Alemanha ou na Áustria, cuja música influenciou toda a Europa até o inicio do século XX.
3
A abordagem destes acentos é muito mais próxima daquela aplicável aos que Bartok costuma indicar, p.e.
na Sonata para dois pianos e percussão, do que de qualquer conceito romântico de som “arredondado”.
4
A este respeito, deixo registrado o artigo a ser publicado no primeiro volume da revista “Música em
Perspectiva” do PPGMusica da UFPR ainda este ano, sobre a modernidade em obras de Debussy, Janáèek,
Schoenberg e Ligeti.
5
Ver por exemplo cartas publicadas por Lesure, 1980. Igualmente conhecido, o episódio onde Debussy
enfrentou seu professor César Frank, que insistia numa modulação, dizendo que não via sentido em modu-
lar, por se sentir muito bem na mesma tonalidade. (Barraqué, 1994).
6
Cook (1994) igualmente nos chama atenção para o perigo das experiências na área da psicologia, relativas
à escuta musical, uma vez que a situação do experimento não corresponde às condições de escuta da
maioria dos músicos. Neste sentido, justifico minha decisão de entrevistar intérpretes em busca da situa-
ção real de leitura/escuta e interpretação, consciente da subjetividade do material sonoro, que raramente
se encaixa em qualquer tipo de explicação ou manifestação verbal (ver Schoenberg, 1984; Aiello (1994),
entre outros). Como suporte do recurso de entrevistas, ver: Blanchet, A. (2004). Dire et faire dire: l’entretien.
Paris: Armand Colin e Kaufmann, J-C. (1996). L’entretien compréhensif. Paris: Éditions Nathan.
7
Tomemos como exemplo a “música espacial” profetizada por Stockhausen (apud Gilly, 1991), a partir da
experiência acústica proporcionada pela distribuição de microfones e auto-falantes, visando proporcionar
uma audição completa, “redonda” ao invés da escuta limitada, proporcionada pelas salas de concerto tradi-
cionais. O compositor enfatiza o fato de que os ouvintes, sentados uns atrás dos outros, alojados em seus
camarotes, recebem apenas os sons frontais; os ouvintes sentados na platéia experimentam a massa sonora
de maneira mais completa. O ideal, segundo ele, seria o auditório em forma de esfera como o da exposição

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universal em Osaka, onde as pessoas são literalmente envolvidas pelo som que transita por todos os lados
e em todos os sentidos. Esta idéia de “envolvimento sonoro” aproxima-se muito mais do que possa parecer,
do cenário dos séculos passados. Pode-se tomar como exemplo a música de órgão, ouvida nas grandes
igrejas (Adrian Willaert, em 1527, empregou-se como Maestri di Capela na catedral de São Marcos em
Veneza; utilizou-se dos dois órgãos da catedral localizados um em frente ao outro, e diversos coros), a
música de câmera praticada seja ao ar livre, seja em casa, possibilitando um certo trânsito da massa sonora,
mesmo sabendo não se tratar do ambiente ideal, considerando-se interferências de movimentação, con-
versas e manifestações típicas dos ambientes onde era apresentada a música de Mozart, Haydn, Beethoven
e seus colegas compositores até quase o final do século XIX. Harold Schonberg (1963) descreve os recitais
de Liszt, com mulheres gritando e desmaiando, atirando jóias e coletando os restos de cigarros que Liszt
deixava cair durante os concertos, o que nos reporta aos shows da atualidade.
8
Um ponto importante em comum entre a grande maioria dos entrevistados é que todos desenvolvem
pesquisa na área da música. Anne Piret é professora da Université de Liège, Roy Howat, especialista e editor
das obras de Debussy, é pesquisador em residência da Royal Academy em Londres, combinando atividades
constantes como intérprete e conferencista. Ian Pace reúne em seu repertório uma gama incrível de
estilos diversos, possui diversas publicações e trabalha em direção a um diploma de doutorado. A experi-
ência com textos musicais inéditos “nos faz pensar”.
9
Eu mesma posso corroborar este testemunho por ter tido contato com estas duas comunidades mais ou
menos na mesma época que Pace.

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Towards a comprehensive theory of the


emotional meaning of music: a
multimethodological research approach and
some empirical findings

Kari Kallinen
Center for Knowledge and Innovation Research
Helsinki School of Economics, Finland
kari.kallinen@hse.fi

Abstract
The present paper summarizes the results of a series of experiments that focused on
the responses to music. We defined musical meaning as processes that are influenced by

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various interactive components, such as musical attributes (e.g., tempo, harmony, musical
genre), individual attributes (e.g., musical preferences, personality), and contextual attributes
(e.g., music in connection with everyday activities or multimodal information). In order to
control the various factors related to musical meaning (e.g., emotion), we proposed a
multimethodological research approach, which consists of (a) measuring subjective
responses, psychophysiological responses, and various traits, and (b) examining the
relationships between the musical, individual, and contextual attributes that may influence
musical meaning. The results suggest, for example, that music is a multidimensional
phenomenon, and that the meaning of music may be heterogeneous and hierarchical.
The results also suggest that music often arouses interpretations that are very similar to
the ones it is evaluated as being expressive of. We also found that the interaction between
personality and musical stimuli can usually be explained by similarity attraction. That is,
people are attracted to persons or media stimuli similar to their own personality. The
results also suggest that the interaction between (background) music and some other
stimuli (e.g., reading) can usually be explained by mood congruency (i.e., individuals
preferentially process musical stimuli that is congruent with their current mood state). In
sum, the multimethodological research approach seems to produce many interesting
results that are presumably more precise than those yielded by previous research on
responses to music. However, it should be acknowledged that more research is needed to
understand the functions of different components of musical meaning.

1. Background
One of the most powerful motifs of musical activities is the ability of music to
express and induce emotions. However, although much is known about music practices
and techniques, the relationship between music and emotion is still a field where much is
unknown (see e.g., Juslin and Zentner, 2002). And yet, it is the power of music to express
and induce emotions that is one of the most significant reasons for musical activities (see
e.g., Sloboda et al., 2001). The emotional meaning of music is theoretically and
experimentally interesting field of study, because the emotional meaning of music is
influenced and moderated by many different factors such as cognitive-evaluative,
physiological, and individual aspects.
Even though laymen seem to share a common conception of the emotions, among
scientists, there appears to be a considerable controversy as to the definition of emotion.
For example, there has been disagreement about the origin of emotions (mind or body)
and the number and quality of emotions (i.e., are there some emotions that are more
fundamental than others). The most general definition is that emotions are biologically
based action dispositions that have an important role in the determination of behaviour
(e.g., Lang, 1995). Most theorists endorse the view that emotions comprise three
components: the subjective experience (e.g., feeling angry), the expressive component
(e.g., severe frown), and the physiological component (e.g., sympathetic nervous system
activation); others add motivational state or action tendency and/or cognitive processing
(see Scherer, 1993). In general, negative emotions include behavioural components of

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withdrawal and positive emotions a tendency to approach the source of the stimulus.
Some theorists argue that basic distinct emotions, such as anger, fear, sadness, happiness,
disgust, and surprise, are present from birth, have distinct adaptive value, and differ in
important aspects, such as appraisal, antecedent events, behavioural response, and
physiology (e.g., Ekman, 1992). According to a competing view, emotions are fundamentally
similar in most respects, differing only in terms of one or more dimensions. Proponents of
the dimensional view have suggested that a large amount of variation in emotions can be
located in a two dimensional space, with coordinates of valence and arousal (e.g., Lang,
1995; Larsen and Diener, 1992). The valence dimension refers to the hedonic quality of an
affective experience and ranges from negative to positive. The arousal dimension refers to
the perception of arousal associated with such an experience.
The linkage between music and subjective experiences is not clear cut. For example,
Sloboda and Juslin (2001) have proposed extrinsic and intrinsic sources of emotion in
music. Extrinsic emotional meaning arises from the associations between music and an
outside experience (e.g.,“darling they are playing our tune”) or object (e.g., characteristics
of speech), whereas intrinsic emotional meaning is based on the perceptual or learned
characteristics of music per se (e.g., violation of expectancy). Semiotic theory describes
another similar way the emotional meanings operate in music. According to semiotic
theory, sounds can indicate meaning (i.e., act as a sign) as an index, icon or symbol. Indexical
meaning arises from the associative relation of any two signs that are based in co-
occurrences and thus have become strongly bound (Turino, 1999). For example, the
dominant chord (V7) leading to the tonic chord (I) may index musical closure in European
societies because it is a very common signifier of progression at the end of a musical
piece.The term icon refers to the sign related to its object through some type of (structural)
resemblance between them. For example, a rising melodic line may create a heightened
response in a listener because it sounds similar to the human voice with a rise in pitch, as
the speaker becomes excited. Symbols derive their meaning not only from relationships
between perceptual patterns and sensory icons but also from the relationships and hierarchy
of other symbols, such as violations of expectancy. Whether indices, icons, and symbols
really capture the nature of musical emotions is not clear, however, because there are few
studies that have examined other than the “iconic” level of meaning.
It has been suggested that, although reactions to music are broad, people can be
quite consistent in their overall judgments of the emotional quality of a piece of music
(Hevner, 1936), but nevertheless respond very differently owing to individual preferences
and/or context. Lazarus and Smith (1988, p. 286) have defined the relationship and reason
for differential individual responses to the same musical stimuli:“Music can give rise to
very different kinds of emotions because people are biologically and mentally different
and because they all have their unique emotional situations’ appraisal history”. We have
formulated a comprehensive view on musical emotions that sees music as an interaction
of musical, individual and contextual factors. Many of the problems and discrepant findings
concerning the meaning of music (e.g., emotions) might be due to (1) the fact that
experiments have dealt with only one aspect of musical meaning (e.g., perceived
emotional quality), (2) conceptual confusion, such that the terms affect, mood, emotion,

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and feeling have been used interchangeable, even though they might describe or focus
mainly on different components of the emotions, (3) treating subjects as a homogeneous
group of listeners (i.e., neglecting the fact that musical meaning is not absolute, but
moderated by individual differences), and (4) treating musical meaning as free of context
(i.e., neglecting the effect of context). As illustrated in figure 1, a comprehensive view on
musical meaning would suggest that meaning consists of and is moderated by the
characteristics of the sound object, the individual, and the social (or multimedia or other)
context. The present paper summarizes a series of studies on the different components
(musical, individual, and contextual) of meaning in peoples (especially emotional) responses
to music.

Figure 1. The interaction between music and a listener in evoking meaning

2. Objectives
The purpose of the present study was to summarize the findings of series of studies
(see table 1) in which we have (a) used a multimethodological methods and (b) where the
focus has been in one way or another on the three attributes (musical, individual, or
contextual) that influence the emotional and other effects of music, and (c) where the
results can be interpreted from a comprehensive theory of musical emotion. By
multimethodological research approach we refer to an approach that consists of (a)
measuring subjective responses (i.e., capturing the voluntary and conscious responses),
psychophysiological responses (i.e., capturing also the involuntary and sometimes
unconscious responses), and various traits (i.e., capturing personality, preferences, and
other background factors), and (b) examining the relationships between the musical,
individual, and contextual attributes that may influence emotions.
The aim of the study series was to investigate the following general research questions,
among other issues: 1) Does music differing in emotional tone (e.g., negative vs. positive,
high arousal vs. low arousal) result in differential emotion and attention related
psychophysiological and self-report response patterns. 2) What is the relationship between
emotion perceived and emotion felt when listening to music? 3) Do temperament,

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personality, and music related demographics moderate the cognitive emotional responses
to music? 4) What is the relationship between emotional quality of background music and
a media message it is attached to? 5) What are the benefits of a “multimethodological
research approach”?

Table 1. List of studies.

In the individual papers we used (a) self-reports for background (gender, age, level of
music education etc.), personality traits (BIS/BAS; Zuckerman-Kuhlman alternative five),
and emotional (valence and arousal) and other (e.g., interest, understandability) responses,
(b) continuous psychophysiological measures for attention (electrocardiac activity), emotion
(frontal EEG asymmetry, facial muscle activity), and arousal (electrodermal activity). In
regard to the effects of (multimodal) or other context, we studied people’s responses in
different physical (e.g., laboratory vs. cafeteria) and multimodal (e.g., music while reading)
conditions.

3. Main Contributions
In sum, the studies demonstrate the multidimensional nature of musical emotions
that are often accompanied by distinct self-report and physiological patters. For example,
subjective feelings were often accompanied with raised EDA, or changes in EMG
Our hypotheses on the effects of music on emotional responses were often
supported. Thus we concluded that music sometimes elicits emotional responses that are
predictable and often arouses emotions similar it expresses, with the exception of negative
emotions. Positive relationship was the most likely relationship between emotions felt and
emotions perceived in music. However, we also observed the opposite: fearful music was

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perceived as negative but felt as relatively positive. One reason for this could be that music
as an emotional object is different from real life emotional situations, because music does
not pose a real threat to people. With music people are able to confront and deal with
negative emotions in a safe and positive way.
In connection with the effect of multimodal context, we found that the interaction
between (background) music and some other stimuli (e.g., reading) can usually be explained
in terms of mood congruency. According to the mood congruency hypothesis, people
preferentially process information that is congruent with their current mood (see e.g.,
Rusting, 2000). Materials that are congruent with each other or with the subject’s present
mood become salient and are more likely to be attended to and deeply processed than
non-congruent material (see e.g., Niedenthal et al., 1994).
In regard to individual differences, we found that the interaction between personality
and musical stimuli can usually be explained in terms of similarity-attraction. The principle of
similarity-attraction states that people may be attracted to persons or media stimuli which
are similar to themselves. Studies on media stimuli have also shown that people evaluate
mediated objects more positively when they match their own personality dimensions
(Nass and Lee, 2001).
We also concluded that music may have beneficial effects especially for introvert and
anxiety prone listeners. In sum, many of the results support the previous findings that suggest
that music may increase positive mood and arousal and reduce stress and depression
especially in depressed and anxious individuals (e.g., Lai, 1999). In regard to the personality
related differences in responses, it should be acknowledged that there may also be other
than the BIS/BAS and Zuckerman’s alternative five personality dimensions (that we used in
our studies) that might have a moderating effect in music listening.
In sum, the multimethodological research approach seems to produce more precise
information on musical emotions than the traditional methods. It has been suggested, that
the equivocal findings of research on the emotional effects of music might result from the
fact that the components of musical emotions have not been sufficiently understood nor
controlled. In sum, the multimethodological research approach seems to produce many
interesting, and presumably more precise, results on emotional effects of music, because
the effects of various components of emotions can be examined and controlled. We also
argue that multimethodological research contributes to a more comprehensive view on mu-
sical emotions. Emotions are processes that consist of various interactive components,
such as musical attributes, individual attributes, and contextual attributes. We have proposed
a multimethodological research approach, because it consists of measuring subjective
responses as well as psychophysiological responses in examining the role of different
components of emotions.Therefore by combining the information on different measures,
manipulations, and context it is possible to go one step closer to a more comprehensive
theory of musical emotions.

4. Implications
Music has usually been treated as a quite uniform entity in the studies on the meaning
of music. However, because the complex nature of the interaction between music, context,

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and the individual, the same music may give rise to a number of different kinds of
interpretations.
In the present study, we proposed a multimethodological research approach, that
consists of subjective responses, psychophysiological responses, and various traits in
research settings designed to examine the relationships between the musical, individual,
and contextual attributes that may influence emotions. This study showed that various
factors related to music per se, as well as listener and context characteristics, exert an
influence on the emotional and other reactions. The results suggest that the combination
of physiological and psychological measures used in this study may be a promising way to
get more detailed information about the listeners’ responses to music. However, it should
be acknowledged that the present studies left many questions open in regard to the
factors of musical emotions. For example, we provided little evidence for the process
model of emotion. It should also be acknowledged that more research is needed to
understand the functions of different components of musical emotions. Future work could
especially focus on examining the function of central nervous system (“cognition”) and
autonomic nervous system (“emotion”), the temporality of emotions, and the everyday
contexts for musical meanings

5. Keywords
Keywords: Music, meaning, emotion, individual differences, context, psycho-
physiology

References
Ekman, P. (1992). An argument for basic emotions. Cognition and Emotion, 6, 169-200.
Hevner, K. (1936). Experimental studies of the elements of expression in music, American
Journal of Psychology, 48, 246-268.
Juslin, P. & Zentner, M. (2002). Current trends in the study of music and emotion: Overture.
Musicae Scientiae, Special Issue 2001/2002, 3-21.
Lai, Y. (1999). Effects of music listening on depressed women in Taiwan. Issues in Mental Health
Nursing, 20(3), 229-246.
Lang, A. (1995). Defining audio/video redundancy from a limited capacity information
processing perspective. Communication Research, 22, 86-115.
Larsen, R.J., & Diener, E. (1992). Promises and problems with the circumplex model of emotion.
In M. Clark (Ed.), Review of personality and social psychology (Vol. 13, pp.25-59). Newbury Park, CA:
Sage.
Lazarus R. & Smith C. (1988). Knowledge and appraisal in the Cognition Emotion
relationship. Cognition & Emotion, 2, 281-300.
Nass, C., & Lee, K.M. (2001). Does computersynthesized speech manifest personality?
Experimental tests of recognition, similarity-attraction, and Consistency-attraction. Journal of
Experimental Psychology: Applied, 7, 171-181.
Niedenthal, P. M., Setterlund, M. B., & Jones, D. E. (1994). Emotional organization of perceptual
memory. In P. M. Niedenthal & S. Kitayama (Eds.), The heart’s eye: Emotional influences in
perception and attention (pp. 87–113). San Diego, CA: Academic Press.

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Rusting, C. L. (1998). Personality, mood, and cognitive processing of emotional information:
three conceptual frameworks. Psychological Bulletin, 124, 165–196.
Scherer, K.R. (1993). Neuroscience projections to current debates in emotion psychology.
Cognition and Emotion, 7, 1-41.
Sloboda, J., & Juslin, P. N. (2001). Psychological Perspectives on Music and Emotion. In Juslin, P.
and Sloboda, J. (Eds.), Music and Emotion: Theory and Research (pp. 71-104). New York: Oxford
University Press.
Sloboda, J.A., O’Neill, S.A. & Ivaldi, A. (2001). Functions of music in everyday life: An exploratory
study using the Experience Sampling Method. Musicae Scientiae, 5, 9-32.
Turino, T. (1999). Signs of Imagination, Identity, and Experience. A Peircian Semiotic Theory for
Music. Ethnomusicology, 43, 2, 221-255.

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Tema 2. A mente e a produção das artes musicais

Investigação sobre arquétipos1 musicais


relacionados ao arquétipo do malandro em
canções de Chico Buarque

Christian Hackradt Zimmermann


sucr@onda.com.br
Universidade Federal do Paraná

Resumo
Este artigo trata da análise de canções de Chico Buarque, buscando identificar
recorrências de símbolos musicais relacionados com o arquétipo do malandro
contextualizado no ambiente sócio-político no qual está inserido. Pretende-se desta for-
ma angariar substratos para uma compreensão mais abrangente das técnicas
composicionais empregadas pelo artista e a maneira como é compreendida pelo ouvinte.

Introdução
Os fatores que motivaram este artigo são os que permeiam o inconsciente coletivo
do cidadão brasileiro médio: Porque Chico Buarque é quase uma unanimidade? Porque,
independentemente de raça, credo ou nível de instrução ele a tantos agrada? Quais são
suas técnicas, inspirações, malandragens? O texto apresenta informações biográficas, con-
ceitos psicológicos sobre o objeto de estudo – o arquétipo do malandro – e sua inserção
no contexto histórico sócio antropológico, além da análise técnica de cinco canções:
Homenagem ao Malandro (Ópera do malandro, 1979); Apesar de Você (Chico Buarque,
1978); O Malandro (Ópera do malandro, 1979); Hino de Duran (Ópera do malandro, 1979);
Tango do Covil (Ópera do malandro, 1979);
A análise de suas canções é além da homenagem, uma maneira de chegar mais
perto do entendimento de sua obra, de como é compreendida pelo ouvinte e de como foi
criada pelo autor. A vã esperança de replicar o gênio.

Chico Buarque
Francisco Buarque de Hollanda, carioca, nascido em 19 de junho de 1944, filho do
historiador e sociólogo Sérgio Buarque de Hollanda (1902 - 1982) e de Maria Amélia Alvim

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(1910 - ), pianista amadora, cresceu em ambiente profícuo, rodeado de intelectuais, ami-
gos de seu pai, e músicos que eram colegas de sua irmã mais velha, Miúcha (Heloisa Maria
Buarque de Hollanda; (1937- ). Chico Buarque, objeto deste projeto, recorrentemente
optou pela voz do marginalizado, ora pela mulher em uma sociedade predominantemen-
te patriarcal e machista, ora pelo malandro, figura por excelência do carnaval brasileiro. Em
1972, a censura proíbe a capa do disco Chico Canta, com as músicas da peça Calabar. Para
driblar a censura, cria o personagem heterônimo Julinho da Adelaide. A artimanha dá
certo e as canções Acorda, Amor, Jorge Maravilha e Milagre Brasileiro passam sem grandes
problemas pela censura. Julinho da Adelaide concede ao escritor e jornalista Mario Prata
uma longa entrevista para o jornal Última Hora. O público só tomaria conhecimento da
verdade por meio de uma reportagem publicada em 1975 pelo Jornal do Brasil.

O malandro2
Chico, na sua “Ópera do Malandro”, escrita em 1979, apresentou o malandro como
uma figura que inspira respeito pela sua capacidade de manipular o sistema com êxito, e,
ao mesmo tempo, deve ser criticado pelo egoísmo na sua manipulação. Na canção “Ho-
menagem ao Malandro”, o gênio buarquiano inverte, bem carnavalescamente, a figura
intermediária do malandro e o coloca em posição de poder político. Assim, consegue
criticar a malandragem, a desonestidade, a manipulação e a corrupção que ocorre no
governo da ditadura militar. A configuração do malandro na poesia (Homenagem ao Ma-
landro) não é o sambista boêmio e machista que não pára na sua conquista de mulheres.
O malandro retratado por Buarque reside em Brasília, é o “malandro candidatado”,o “ma-
landro oficial”,e/ou o“malandro com retrato na coluna social”.Esta canção é tão importante
porque mostra níveis muito complexos de carnavalização nas suas composições. O deslo-
cado e desprezado, acaba achando-se em um lugar proeminente no País. Quando um
cidadão socialmente excluído é convidado para ficar classificado e reconhecido como
uma pessoa legítima, nem sempre, em Chico, é motivo de festa.
Roberto da Matta enfatiza a centralidade da figura do malandro no carnaval:
“(...) No Rio, o símbolo do carnaval é o malandro, isto é, o personagem deslocado. De fato, o malandro
não cabe nem dentro da ordem nem fora dela: vive nos seus interstícios, entre a ordem e a desor-
dem, utilizando ambos e nutrindo-se tanto dos que estão fora quanto dos que estão dentro do
mundo quadrado da estrutura (...)”.3

A poética da malandragem é muito complexa. Matos (1982) tentou captar a sua


essência tão ambígua:“Ele não se pode classificar nem como operário bem comportado
nem como criminoso comum: não é honesto mas também não é ladrão: é malandro”.
Indagando um pouco mais sobre o papel ambíguo do malandro no carnaval, e na
letra de Chico mais especificamente, é preciso determinar em que sentido o malandro,
nas suas conquistas egoístas, abre a porta carnavalesca para a potencialidade transformadora
da sociedade.
Afinal Oliven (1984) admitiu:“Apesar do reduzido espaço social que sobra à vadia-
gem, a malandragem permanece enquanto um símbolo de identidade nacional”.

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Análise das canções
Agawu (1991) defende em sua obra uma análise semiótica baseada no que ele
chama de Topics4, e uma adaptação deste método foi utilizada como guia para delimitar as
recorrências simbólicas dentro do universo de canções a que se propôs este trabalho.

Descrição dos arquétipos identificados


Ritmo acéfalo5
Na análise das obras propostas, um dos arquétipos musicais identificados foi o ritmo
acéfalo, utilizado no início das frases musicais6, articulando a primeira sílaba de uma frase7
em tempo fraco ou contratempo8, geralmente na segunda colcheia ou semicolcheia do
compasso.

Antecipação
É quando a nota é articulada no compasso anterior9 àquele ao qual pertence como
harmonia, ligada ao primeiro tempo do compasso em questão, antecipando sua função
harmônica.

Adaptação prosódica
Em uma canção, para se utilizar de uma mesma melodia sobre um número diferente
de sílabas, é necessário que se insiram ou se retirem notas musicais. Chico se utiliza deste
expediente mesmo sem necessidade, acrescentando sílabas sem valor semântico, para
alterar o número de notas, obrigando-se a fazer pequenas adaptações na melodia.

Resolução melódica
Existe um universo de frases cadenciais, notas de aproximação e saltos específicos
que podem ser considerados símbolos musicais pertencentes ao estilo de cada composi-
tor. A investigação destes itens é quase que obrigatória neste tipo de análise.

Deslocamento rítmico
Durante a investigação ficou claro que uma das malandragens utilizadas pelo com-
positor é utilizar-se de um deslocamento rítmico da melodia através da composição de
dois arquétipos citados anteriormente. Pela composição da antecipação e do ritmo acéfalo
ou de articulações em contratempos, tem-se deslocadas frases musicais, geralmente de
uma colcheia ou semicolcheia, o que torna suas canções, pelo menos neste conjunto,
muito características. Este arquétipo é responsável pela malemolência, ginga, malandra-
gem é parece ser o principal motivo pelo qual o ouvinte se insere neste ambiente e
compreende a parte musical da canção. É leviano tomar tal dado com afirmação, sem
antes proceder um estudo mais aprofundado de tal impressão, portanto abre-se aqui uma
porta para futuras observações a este respeito.

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Na tabela abaixo estão assinaladas as recorrências dos cinco arquétipos musicais
identificados nas análises:

A B C D E
1. Apesar de você * * * *
2. Hino de Duran * * * *
3. Homenagem ao malandro * * *
4. O malandro * * * *
5. Tango do covil * * * *

Legenda:
A – ritmo acéfalo;
B – antecipação;
C – adaptação prosódica;
D – resolução melódica em salto por 4ª justa ascendente ou 5ª justa descendente;
E – deslocamento rítmico.

Considerações finais
A análise das canções de Chico Buarque pode, portanto, tornar-se um campo privile-
giado para o tratamento dos temas transversais, uma vez que as manifestações artísticas
são exemplos vivos da diversidade cultural e expressam a riqueza criadora dos povos de
todos os tempos e lugares.

Notas
1
De acordo com Jung, o inconsciente se expressa primariamente através de símbolos. Embora nenhum
símbolo concreto possa representar de forma plena um arquétipo (que é uma forma sem conteúdo espe-
cífico), quanto mais um símbolo se harmonizar com o material inconsciente organizado ao redor de um
arquétipo, mais ele evocará uma resposta intensa e emocionalmente carregada.
Jung se interessa pelos símbolos naturais, que são produções espontâneas da psique individual, mais do
que em imagens ou esquemas deliberadamente criados por um artista. Além dos símbolos encontrados
em sonhos ou fantasias de um indivíduo, há também símbolos coletivos importantes, que são geralmente
imagens religiosas.
Dentro do inconsciente coletivo existem, segundo Jung, estruturas psíquicas ou arquétipos. Tais Arquéti-
pos são formas sem conteúdo próprio que servem para organizar ou canalizar o material psicológico. Eles
se parecem um pouco com leitos de rio secos, cuja forma determina as características do rio, porém desde
que a água começa a fluir por eles. As formas existem antecipadamente ao conteúdo.
2
Jung (1980) também chama os arquétipos de imagens primordiais, porque eles correspondem
freqüentemente a temas mitológicos que reaparecem em contos e lendas populares de épocas e culturas
diferentes. Os mesmos temas podem ser encontrados em sonhos e fantasias de muitos indivíduos. De acor-
do com Jung, os arquétipos, como elementos estruturais e formadores do inconsciente, dão origem tanto
às fantasias individuais quanto às mitologias de um povo.
3
cf. DAMATTA, 1994
3
Neste trabalho correlacionada com o que apresentamos como arquétipos musicais.
4
Se o grupamento iniciar após a thesis, com precedência de pausa não superior a um tempo, o ritmo é
acéfalo, decapitado ou procatalético.

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5
Segundo Cooper e Meyer (1960), agrupamento fraseológico é o produto da semelhança, diferença pro-
ximidade ou separação dos sons percebidos pelo ouvido e organizados pela mente.
6
Segundo SCLIAR (1982) Os elementos fraseológicos subordinam-se às leis do movimento. A fraseologia
é, pois, uma manifestação do ritmo ... [e] cada movimento [fraseológico] é constituído de duas fases: Impulso
ou Arsis e Apoio ou Thesis.
7
O contratempo existe quando o acento é deslocado, isto é, quando ao invés de cair em um tempo forte do
compasso ou parte forte do tempo, ele cai em tempo fraco do compasso ou parte fraca de tempo.
8
Se o grupamento iniciar com Arsis, o ritmo é anacrúzico

9
Patrícia Furst Santiago é professora visitante na Escola de Música da UFMG (PRODOC\CAPES), onde produz
pesquisa sobre a Técnica Alexander e Performance Musical.

Referências
AGAWU, V. Playing with signs (a semiotic interpretation of classical music), Princeton: Princeton
University Press, 1991.
BUTTERMAN, S.F., O charme chique da canção de Chico Buarque (Táticas carnavalescas de
transcender a opressão da ditadura), in: Latin American Music Review, vol. 22 no 1 (spring/
summer,1984), University of Texas Press, pp 83-7.
CÂNDIDO, A., Dialética da malandragem (Caracterização das memórias de um sargento de milícias)
in: Revista do Instituto de estudos brasileiros, nº 8, São Paulo, USP, 1970, pp. 67-89.
COOPER, G. MEYER, B. The rhythmic structure of music, Chicago, The University of Chicago Press,
1960.
JUNG, C. G. Tipos Psicológicos, Zahar Editores,Rio de Janeiro, 1980.
MATOS, C., Acertei no milhar (Malandragem e samba no tempo de Getúlio), Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1982.
MED, B. Teoria da Música
NAPOLITANO, M. Seguindo a canção (Engajamento político e indústria cultural na MPB). São Paulo:
Annablume/ Fapesp, 2001.
OLIVEN, R.G., A Malandragem na música popular brasileira, in: Latin American Music Review, vol. 5
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SCLIAR, E. Fraseologia Musical, Editora Movimento, Porto Alegre, 1982.
TRAVANCAS, I., De Pedro Pedreiro ao Barão da Ralé (O trabalhador e o malandro na música de Chico
Buarque), Museu Nacional, Rio de Janeiro, 1999

Discográficas
BUARQUE, C., Meus Caros Amigos, 1976
BUARQUE, C., Chico Buarque, 1978
BUARQUE, C., Ópera do Malandro, 1979
BUARQUE, C., Almanaque, 1981
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BUARQUE, C., Chico Buarque, 1984
BUARQUE, C., Ópera do Malandro, 1985
BUARQUE, C., O Corsário do Rei, 1985

Sítios de internet
CHICO BUARQUE, http://www.chicobuarque.com.br, acessado em setembro de 2006.
CHICO BUARQUE, http://www.geocities.com/altafidelidade, acessado em setembro de 2006.

Técnica Alexander e cognição na pedagogia da


performance musical

Patrícia Furst Santiago


Escola de Música da UFMG
furstsantiago@yahoo.com.br

Resumo
O presente artigo discute os paradigmas atuais das ciências cognitivas, que compre-
endem o corpo como agente formador do conhecimento humano nas mais diversas
instâncias do saber. A partir da visão da Técnica Alexander, de Frederick Mattias Alexander,
percebe-se que este corpo comporta hábitos nocivos do uso de si mesmo que interferem
e dificultam a construção do conhecimento. No que diz respeito ao aprendizado e
performance musical, o uso inadequado do organismo é especialmente problemático,
uma vez que esta é, por excelência, a performance do corpo no instrumento. O artigo
apresenta questões relativas ao uso inadequado do organismo, tais como os problemas
posturais, tensão, esforço excessivos e ansiedade na performance. Baseado nos princípios
da Técnica Alexander e nos novos paradigmas da ciência cognitiva, o artigo propõe pontos
para reflexão com o intuito de favorecer o desenvolvimento de uma pedagogia da
performance musical que previna os problemas corporais dos instrumentistas.

Introdução
Traspassando a história da humanidade, o corpo humano tem sido tantas vezes
tratado como objeto mecânico, que deve atuar de forma eficiente e econômica. O corpo,

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a serviço de atividades específicas, voltado para a produção de fins e ganhos e alienado de
si mesmo e da ação que realiza, torna-se produto de consumo - um corpo máquina.
Porém, novas concepções de corporeidade têm sido discutidas em diversas áreas de
conhecimento. Tem-se argumentado a favor de um corpo participante e formador da
historicidade humana, bem como de sua própria historicidade. O corpo ganha novos signi-
ficados e se integra ao meio que o circunda, deixando de ser visto por uma perspectiva
cartesiana – dualista por excelência – para ser percebido de forma holística. Nesta nova
perspectiva, na qual o desenvolvimento das características e habilidades de um indivíduo
depende de suas experiências no corpo e de sua relação com o que o rodeia, corpo,
natureza e meio sociocultural são intrinsecamente interdependentes. Como explicam
Mendes e Nóbrega (2004, p. 129), cada indivíduo traz consigo a história da espécie huma-
na universal desde o seu nascimento; cada corpo possui a mesma organização dos seres
humanos em geral, porém se torna original à medida que vai interagindo com o entorno.
Também Maturana (2001, p. 82 In: Nóbrega e Mendes, 2004: 129) esclarece:
[...] as mudanças estruturais que ocorrem são contingentes com as intenções com o meio. Não são
determinadas pelas circunstâncias do meio, mas são contingentes com elas, porque o meio apenas
desencadeia no ser vivo mudanças estruturais. E vice-versa: o meio muda de maneira contingente
com as interações com o organismo.

Dentro deste paradigma, os processos de aprendizado passam pelo corpo, o que


torna a ciência cognitiva uma ciência incorporada. Mendes e Nóbrega (2004, p. 135)
reconhecem que “o conhecimento emerge do corpo a partir das experiências vividas [...].
Na própria ação já há cognição, tendo em vista que a aprendizagem emerge do corpo, a
partir de suas relações com o entorno”.Também Assmann afirma:
Até hoje predominaram concepções mentalistas do conhecimento. A instância
“operacional” do conhecimento seria a mente e, em decorrência, definiam-se os procesos
cognitivos como processos mentais. A inteligência e mesmo a memória eram concebidas
como instâncias mentais. Portanto também o ensino era concebido como uma espécie de
transação entre mentes, ou seja, como transmissão de mensagens da mente do/a profes-
sor/a para a mente do/a aluno/a. É este modelo mentalista que não é mais compatível com
o que hoje se sabe acerca de nossa corporeidade e, em especial, do funcionamento do
nosso cérebro/mente, [...] Precisamos de linguagens pedagógicas que explicitem a inscri-
ção corporal dos processos cognitivos (Assmann In: Prass, p. 163).
Porém, a busca de “linguagens pedagógicas que explicitem a inscrição corporal dos
processos cognitivos” está frequentemente comprometida pela questão do uso corporal,
uma vez que os padrões de uso do organismo afetam seu funcionamento, para bem ou
para mal. Assim, os processos cognitivos envolvidos na aprendizagem e na performance
de atividades, bem como a qualidade de sua realização, dependem diretamente do uso e
do funcionamento que se faz do organismo.
Este argumento está na base dos princípios da Técnica Alexander11, criada por Frederick
Matthias Alexander (1869-1955), que a considera um método de “reeducação e reajusta-
mento consciente” da coordenação do organismo humano como um todo (Alexander,
1923, p. 55). A Técnica Alexander lida com as relações do sistema de equilíbrio, postura,

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controle de tensão muscular e estados emocionais e mentais do indivíduo. Ao invés de
“corpo”, Alexander adota o termo “self psicofísico” para indicar que o organismo humano
atua de forma holística e indissociável; não há separação entre mente, emoção e corpo
físico. Considerando-se os princípios que permeiam a Técnica Alexander, os bons e maus
hábitos de uso do organismo estarão em vigor nos processos cognitivos referentes a
qualquer aprendizado, aprendizado este que será realizado pelo self psicofísico, de forma
holística.

2. Padrões habituais de resposta a estímulos


Toda ação humana será influenciada por hábitos de uso do self psicofísico. Hábitos são
“meios energéticos e dominantes de agir” (Dewey 1921, p.1). Bons e maus hábitos de uso
estão sempre presentes nas respostas aos estímulos, conferidos pelas pessoas; tais respos-
tas estereotipadas se tornam parte da nossa personalidade. Dewey (1921, p.1) afirma que
nós somos nossos hábitos. Para ele, não apenas nossas ações físicas, mas também a forma-
ção e a implementação de nossas idéias dependem dos hábitos (Dewey 1978, p.70).
Na perspectiva de F. Matthias Alexander (1941, p. 8), as respostas habituais a estímu-
los representam uma repetição de padrões de comportamento, tornando-se uma “mani-
festação de uma constante”; hábitos incorporam todas as reações humanas, instintivas ou
não, sendo determinados pela maneira como usamos nosso próprio self psicofísico (Alexander
1923, p. 93).“Todos nós pensamos e agimos [...] de acordo com as peculiaridades da nossa
estrutura psicofísica” (Alexander 1941, p. 76). Assim, mesmo se um indivíduo realizar
certas ações de uma forma prejudicial para seu organismo, tal indivíduo sentirá tal ação
como “certa” (Alexander 1923, p. 82). Em tais circunstâncias, no que se refere ao uso do
self psicofísico, as pessoas estariam realizando ações de acordo com suas tendências
costumeiras, buscando alcançar seus objetivos sem dar atenção aos meios pelos quais
estes objetivos poderiam ser alcançados (Alexander 1923, p. 84-5).
A imitação, tão importante nos processos de aprendizado de novas habilidades,
constitui uma fonte de influência na formação de hábitos e atua fortemente no desenvol-
vimento infantil (Jones 1976, p. 27). As crianças imitam “nossos maneirismos de fala [...]
nosso uso do corpo, nossa performance de ações musculares, mesmo nossa maneira de
respirar” (Alexander In: Jones 1976, p. 27). Alguns hábitos são tidos como universais; outros
são peculiares a cada indivíduo. Em ambos os casos, há o desenvolvimento de respostas
estereotipadas a estímulos particulares, que são convertidos em padrões habituais de
resposta a estímulos. Mesmo se um estímulo guia uma pessoa para uma resposta habitual
desejável, não se pode garantir que tal resposta seja sempre a melhor possível, uma vez
que muitas vezes o indivíduo necessita de respostas originais para adaptar-se de forma
razoável e inteligente aos estímulos que ocorrem no contexto que o circunda. Porém,
uma vez sob a força do hábito, não será fácil escapamos de reagir de forma estereotipada
aos estímulos do entorno, mesmo que tal resposta seja prejudicial ao nosso organismo.
Um dos pontos chave deste uso prejudicial do self psicofísico reside nos altos estados de
ansiedade e níveis de tensão, que normalmente estão associados entre si. O relaciona-
mento entre ansiedade e tensão será considerado a seguir.

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3. Estados de ansiedade e tensão muscular
Padrões de tensão estão sempre presentes na vida humana e representam um
importante componente do uso inadequado do self psicofísico. Tensão é usualmente
descrita como física, especificamente a muscular. Mas na realidade, o fenômeno tensão
envolve, de forma intrincada, as outras instâncias do self (Dimon 1999, p. 9), bem como sua
relação com o meio. Muitos dos padrões de tensão física têm origem na ansiedade. Como
Alexander (1923, p. 139) sugere, ansiedade é um “hábito de se preocupar”, que, uma vez
estabelecido, dificilmente será revertido; mesmo se as causas da preocupação forem
removidas, a atitude mental causada por este estado estará atuando e poderá ser adotada
a todo o momento, como resposta aos estímulos vigentes.
Barlow (1973, p. 114) explica que ansiedade está associada à atividade neuromuscular;
os padrões recorrentes de preocupação são baseados em padrões de tensão muscular. O
hábito de se preocupar pode ser observado através da maneira como a pessoa usa seus
mecanismos musculares (Barlow 1978, p. 114). Além do mais, ao considerarmos a tensão
muscular, precisamos levar em conta não apenas o movimento, mas o relacionamento
entre movimento e comportamento – a distribuição da tensão pelo organismo“durante a
ação e durante o pensamento” (Barlow 1978, p. 112).
De acordo com Lowen (1982, p. 118), estados de ansiedade são produzidos pela
combinação de dois estímulos opostos, presentes na mesma situação: um de prazer, outro
de descontentamento. Durante seu desenvolvimento, a criança enfrenta apreensões de
diferentes tipos – medos, desapontamentos, ansiedade, perda. Assim, sentimentos de
desconforto, agonia e dor participam de sua vida desde a mais tenra infância. A busca por
amor e prazer, quando seguida de privação, frustração ou punição, nos leva a desenvolver
padrões de defesa, que se tornam parte da estrutura da nossa personalidade (Lowen 1982,
p. 119). Estes padrões podem ser compreendidos como padrões de comportamento fixo,
ou seja, estereótipos do comportamento, que representam padrões de defesa (Lowen
1982, p. 120).Tais padrões se tornam couraças de defesa, que atuam no dia a dia da vida de
uma pessoa.
As tensões físicas, manifestas através de retenção, retração e contenção da energia
vital de um ser humano, não são experimentadas como prazerosas (Lowen 1982, p. 120).
Ao contrário, elas obstruem a manifestação de impulsos e sentimentos, reduzindo a capa-
cidade de prazer, limitando o contato do indivíduo com o mundo e restringindo sua
capacidade de auto-manifestação (Lowen 1982, p. 124). O prazer, ao contrário, representa
uma expansão do fluxo da energia o do organismo humano, energia esta que se move do
centro para a periferia do corpo (Lowen 1982, p. 123).
É importante ressaltar que os hábitos, os padrões de tensão muscular, as respostas
estereotipadas aos estímulos e os padrões de defesa, constituem causa primordial de mau
uso do self psicofísico especialmente porque, como Lowen (1982, p. 119-20) indica, eles
são estabelecidos em nível inconsciente. Mas muitos destes hábitos e padrões podem ser
reduzidos ou mesmo eliminados. A mudança de padrões requer uma compreensão e
conscientização do funcionamento do organismo em ação; assim, a autoconsciência é
chave no processo de mudança de padrões de mau uso do self psicofísico (Dimon 1999,

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p.13-47). Alexander (In: Barlow 1978, p. 129) afirma que a falta de consciência é sinônimo
daquela rotina inflexível, chamada hábito; na verdade, esta rotina dificulta a implementação
de idéias novas e originais. Por outro lado, a consciência guia o ser para mobilizar sua
mente e regenerar aqueles poderes do corpo que são, pelo menos potencialmente, atri-
buíveis a todos os seres humanos.

4. Técnica Alexander e as mudanças dos padrões habituais de


resposta a estímulos
Através de princípios práticos de ação, a Técnica Alexander nos ajuda a prevenir os
padrões de mau uso, prejudiciais ao nosso funcionamento na vida e no mundo. Para
Alexander (1932, p. 57), o hábito de trabalharmos compulsivamente para alcançar nossos
fins e objetivos, baseados no “plano de tentativa e erro”,não nos leva a mudanças efetivas
do uso de nós mesmos. O praticante da Técnica Alexander compreende que as pessoas, ao
tentarem mudar seus hábitos nocivos de uso, buscam substituí-los por outros. Através dos
princípios de “inibição” e “direção consciente”, o praticante da Técnica Alexander evita
substituir um hábito por outro, não necessariamente melhor, e busca rever o uso de seu
self psicofísico à luz da consciência.
Assim, na prática da Técnica Alexander, observa-se o reajustamento e o equilíbrio do
organismo como um todo, buscando uma nova e consciente maneira de usar o self
psicofísico. Os padrões de mau uso podem ser alterados e a coordenação do corpo melho-
rada, o que possibilita incrementar a qualidade da realização das atividades diárias. O
processo de reeducação do uso do self psicofísico na Técnica Alexander requer:
• A análise das condições psicofísicas do praticante, no que se refere ao uso de seu
organismo, revelados através dos hábitos relativos à ansiedade, tensão, coordena-
ção, equilíbrio e postura;
• A inibição dos hábitos e reações nocivas, ou seja, o dizer “não” aos velhos hábitos de
uso;
• A busca de um estado de“não-fazer”,o qual implica a inibição constante dos hábitos
nocivos de uso, mesmo durante a ação;
• A projeção consciente das direções que promovem um melhor uso do organismo;
• A escolha consciente dos meios pelos quais a ação em questão deverá ser realiza-
da;
• A continuidade da inibição de hábitos nocivos e da direção para um bom uso do
organismo enquanto se realiza a ação.

A busca por um melhor funcionamento do self psicofísico nos possibilita escolher


melhores formas de uso do organismo, formas estas que poderão encorajar novas atua-
ções pedagógicas em qualquer campo educacional. Na pedagogia da performance musi-
cal, os padrões de uso do organismo, quando nocivos, são especialmente problemáticos,
uma vez que a construção do saber músico-instrumental ocorre prioritariamente através
do corpo. Se existem no organismo padrões de uso que interferem com a conquista deste
saber, como poderiam atuar os professores de instrumento para minimizar seus danos?

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Com intuito de iluminar esta questão, segue uma breve reflexão sobre a pedagogia da
performance musical em conexão com a discussão teórica realizada até aqui.

5. Técnica Alexander e cognição na pedagogia da performance


musical
Na pedagogia da performance musical em geral, tem-se visto, hoje, grande preocu-
pação com o corpo do músico, agente do aprendizado e da performance em si, porém,
mais do que isto: corpo que, ao interagir com um instrumento musical, muitas vezes
padece e adoece12. Para contribuir com as pedagogias e com a pesquisa nesta área, serão
levantados a seguir alguns pontos para reflexão sobre o uso do self psicofísico no aprendi-
zado músico-instrumental, à luz dos princípios da Técnica Alexander.
• A preocupação com o uso corporal no aprendizado músico-instrumental
Se considerássemos o aprendizado instrumental dentro de um paradigma cartesiano,
onde corpo e mente são fenômenos duais e separados, o corpo seria visto na pedagogia
da performance como um corpo-instrumento, que busca a realização da atividade musical
a qualquer custo. Aqui a realização de uma ação motora seria alcançada à custa, inclusive,
de um uso inadequado do corpo, comprometendo a saúde e bem estar do instrumentista.
Por outro lado, na perspectiva holística da Técnica Alexander, o aprendizado torna-se um
aprendizado do self psicofísico. Essencial em tal aprendizado seria a busca de uma boa
coordenação e bem estar do organismo como um todo, que implica na integração dos as-
pectos físico, emocional e mental. Sob o ponto de vista especificamente físico, a atitude
postural e os níveis de tensão apresentados pelo estudante durante o processo de apren-
dizado seriam observados e cuidados, buscando-se prevenir problemas futuros, ou seja,
buscando-se evitar “o padecer e o adoecer” do corpo. Em tal perspectiva, o corpo não seria
considerado como uma coleção de fragmentos – dedos, mãos, braços – mas como uma
totalidade psicofísica; o aprendizado cognitivo-musical nasceria desta totalidade orgânica.
• A integração entre o fazer musical e o desenvolvimento motor
A má coordenação do organismo como um todo e as concepções inadequadas a
respeito da execução de ações motoras no instrumento estão, frequentemente, associa-
das. Por outro lado, um organismo bem orientado em termos motores (que busca realizar
as ações adequadas para os fins almejados) e bem coordenado em si mesmo (que preza
uma atitude postural adequada ao tocar e que evita tensões e esforços desnecessários),
pode realizar ações mais coerentes no aprendizado e na performance instrumental.
• O relacionamento professor-aluno no aprendizado instrumental
O contato físico entre professor e aluno de instrumento poderiam facilitar e acelerar
os processos de aprendizado do aluno. O aprendizado cognitivo – os processos perceptivos
e a construção de gestualidade adequada para se tocar um instrumento – seriam catalizados
pelo contato físico entre professor e aluno e pela sensação cinestésica do aluno. Por outro
lado, a construção de um relacionamento professor-aluno, que envolve uma dose de
contato físico, possibilita a afetividade e construção de vivência cognitivo-afetiva, o que
parece ser essencial ao aprendizado em geral. Porém, aqui, temos uma questão ética a ser
discutida eventualmente, uma vez que o contato físico entre professores e alunos pode

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gerar problemas de natureza ética. A Técnica Alexander poderia orientar este contato,
uma vez que ela fornece princípios de ação corporal que atuam como meios de comuni-
cação ética entre pessoas.
• A preparação para a performance
As questões relativas ao estudo instrumental – abordagens e estratégias de estudo
– têm sido foco de ampla pesquisa13. Além dos pontos discutidos pelos pesquisadores
desta área, poderia se considerar que a preparação para a performance também carece de
uma preparação em nível psicofísico, concernente ao uso do corpo e aos aspectos men-
tais e emocionais envolvidos neste uso. Como mostra pesquisa no tópico14, os problemas
de ansiedade na performance são muitos e necessitam ser abordados pelos professores
de instrumento, durante o processo de ensino e de preparação para a performance.

6. Considerações finais
A consideração da existência de um corpo holístico que interage com o entorno,
tem sido foco de reflexões em diversas áreas de conhecimento. Assim, no que se refere às
ciências cognitivas, o desenvolvimento da autoconsciência corporal parece ser um aspec-
to fundamental para todas as formas de educação, especialmente para o aprendizado
músico-instrumental. Como recomendam Mendes e Nóbrega (2004, p. 135):
O corpo não é um instrumento das práticas educativas, portanto, as produções humanas são pos-
síveis pelo fato de sermos corpo. Ler, escrever, contar, narrar, dançar, jogar são produções do sujeito
humano que é corpo. Desse modo, precisamos avançar para além do aspecto da instrumentalidade.

Os princípios da Técnica Alexander podem em muito ajudar a formação do professor


de instrumento e do músico instrumentista, favorecendo o desenvolvimento de seu sen-
so cinestésico e proporcionando princípios práticos de ação que o levem a lidar melhor
com o uso e funcionamento de seu self psicofísico no aprendizado e na performance.
Alexander (1923, p. 73) afirma:
Nossa primeira consideração […] em todas as formas de educação devem assegurar o melhor nível
possível do funcionamento do self psicofísico durante a tentativa de se alcançar os diferentes
processos que possibilitam o esquema educacional. Desta forma, a criança fará um começo correto,
e, mais importante, ela continuará a melhorar suas condições [psicofísicas] na medida em que
avança no seu esforço como aluno de qualquer esfera de atividade.

Neste sentido, é necessário equipar professores e alunos de instrumento com for-


mas criativas de lidar com o seu corpo – seu self psicofísico – ao invés de se considerar
formas pré-estabelecidas e estereotipadas de uso e funcionamento do organismo na
performance musical. Abordagens interdisciplinares, que contemplem a prática de técni-
cas específicas tais como a Técnica Alexander, poderão ajudar os instrumentistas a consi-
derar um aprendizado musical no qual os processos cognitivos estão associados ao
aprendizado do corpo no contexto no qual ele se insere. Assim poderemos, como profes-
sores de instrumento, conduzir a aquisição do conhecimento musical visando não somen-
te a performance instrumental em si, mas a manutenção da saúde psicofísica e da qualidade
de vida dos instrumentistas.

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Notas
10
Para melhor entendimento sobre a Técnica e Alexander e seus princípios, recomenda-se a leitura de
Alexander (1932) e Gelb (1981).
11
Veja tal preocupação refletida em estudos sobre corporeidade e performance, como os de Andrade e
Fonseca (2000); Pederiva (2006a; 2006b), e Santiago (2001; 2004). Ademais, no presente momento, na Esco-
la de Música da UFMG, há projetos de pesquisa em andamento que focam a questão da consciência corporal
na performance, bem como questões relacionadas à corporeidade e o fazer musical.
Veja, por exemplo, a pesquisa de Grusson, 1988; Barry, 1992; Ericsson; Kranpe; Tesch-Römer 1993; Lehmann,
12

1997; Williamon; Valentine, 2000; Nielsen, 2001; Hallam, 2001; Joørgensen, 2002.
13
Estudos sobre ansiedade na performance são, por exemplo: Steptoe, 1989; Abel; Larkin, 1990; Valentine;
Fitzgerald; Gorton; Hudson; Symonds, 1995.

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Cognição e corpo na performance musical

Patrícia Furst Santiago


furstsantiago@yahoo.com.br
Universidade Federal de Minas Gerais
Patrícia Lima Martins Pederiva
pat.pederiva@uol.com.br
Universidade de Brasília

Resumo
Este artigo discute os processos corporais no aprendizado e performance instru-
mental em conexão com a ciência cognitiva. Apresenta os problemas físicos tipicamente
enfrentados por músicos instrumentistas, que têm sido amplamente discutidos em pes-
quisa médica e por músicos pesquisadores. A abordagem atuacionista de cognição é
sumarizada e relacionada às questões do corpo no aprendizado instrumental. O artigo
conclui que é necessário endossar as investigações sobre corpo e performance musical,
para que se possa ampliar a compreensão sobre os processos cognitivos no aprendizado
instrumental.

Introdução
O ato de tocar um instrumento musical envolve múltiplas interações. O contexto do
ensino-aprendizagem de instrumentos musicais é rico, mas solicita o desenvolvimento de
estudos que investiguem os diversos aspectos concernentes à aquisição de habilidades
musicais. Igualmente, pesquisa que contemple o estudo do corpo na aprendizagem
musical é imprescindível, já que se faz preciso conhecer mais profundamente os proces-
sos corporais no aprendizado e performance instrumental, em função da prática pedagó-
gica, quanto a questões relacionadas ao uso corporal na performance, especialmente à
saúde do músico. Este artigo busca vir de encontro a tal necessidade.
Pesquisa médica têm se ocupado dos problemas físicos relacionados à atividade
profissional, inclusive aquela referente ao músico instrumentista. Tais estudos têm sido
sistematicamente apresentados em periódicos especializados, como, por exemplo, o
Medical Problems of Performing Artists e o The Medical Journal of Austrália. Os pesquisado-
res apontam problemas físicos, de natureza muscular e postural e abordam, especialmen-
te, as “lesões por esforço repetitivo”, que abarcam desordens como as tendosinovites, as
enthesophatias e as dores musculares. Tais dores são tipicamente causadas por fadiga
muscular e neural devido ao uso contínuo e excessivo de certos grupos musculares (FRY,
1986a, p. 621; ANDRADE; FONSECA, 2000, p. 120; The Edinburgh Physiotherapy Centre,

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2003, p. 1). Alguns dos sintomas típicos das lesões por esforço repetitivo são as câimbras,
que geram espasmos musculares dolorosos, fraqueza e lentidão na resposta muscular,
diminuem a precisão e a agilidade e dificultam a coordenação motora durante a
performance instrumental (FRY, 1986a, p. 622).
No que diz respeito à ocorrência de tais desordens, músicos instrumentistas perdem
apenas para os escriturários (FRY, 1986a: 621), o que demonstra que a questão da saúde do
músico é de extrema relevância para sua profissão. Um número alarmante de músicos de
orquestra apresenta sintomas das lesões por esforço repetitivo. O problema prevalece em
50% dos músicos das sinfônicas européias; na Austrália, entre 10% a 20% de músicos
estudantes apresentam o problema (FRY, 1986a: 623). Na Alemanha, 50% de músicos
estudantes recebem algum tipo de tratamento para lidar com suas desordens físicas
(KRATZERT, 2003: 17). Ademais, há músicos que abandonam suas atividades profissionais
devido à problemas de ordem física.
Pianistas também são afetados por desordens físicas recorrentes. Os problemas mais
típicos dos pianistas são as tendosinovites e as dyssynergias, que dificultam o controle
motor e o uso do quarto e quinto dedos (MERRIMAN et al. 1986, p.18). Dois estudos de
Sakai (1992, 2002) também examinaram pianistas e estudantes de piano no Japão, os
quais apresentaram problemas semelhantes, causados pela prática excessiva de determi-
nadas técnicas pianísticas (oitavas, acordes, arpejos e passagens muito extensas tocadas
em dinâmica ff). Aqueles pianistas apresentaram dor nas mãos, punhos, cotovelos e ante-
braços. O estudo de Fry (1986b, p.182-3) demonstra que, dos músicos afetados pelas
lesões por esforço repetitivo, 20% são pianistas. Estes são especialmente acometidos por
tais problemas durante suas sessões de estudo (FRY, 1986a, p. 622), especialmente devido
ao aumento de tempo de estudo antes de recitais. Fry (1986b, p. 183) também indica
outros motivos que desencadeiam e sustentam os problemas físicos dos pianistas e de
músicos em geral: sustentação do peso de instrumentos; contração muscular contínua;
realização repetitiva de movimentos específicos das mãos; volta abrupta à prática instru-
mental depois de longa pausa; estudo muito intenso de peças difíceis e; mudança de
professor de instrumento
Para Merriman et al. (1986, p. 18) e para Sakai (2002, p. 180), as lesões por esforço
repetitivo tendem a ser localizadas e não-progressivas, causadas por movimentos especí-
ficos dos membros superiores. Para outros pesquisadores, o problema é mais geral, uma
vez que tais lesões podem ser causadas e perpetuadas pelo os maus hábitos de uso do
corpo durante o estudo. Como demonstram os estudos de Andrade e Fonseca (2000),
Santiago (2004; 2005; 2006) e Yee et al.(2002), as desordens físicas dos músicos estão
associadas ao um uso corporal inadequado e à má postura. Se este for o caso, a educação
do uso do corpo torna-se fundamental para o estudo instrumental.

O problema do corpo na aprendizagem instrumental


O processo de adoecimento do músico profissional é iniciado no contexto ensino-
aprendizagem (PEDERIVA, 2005). Costa (2003) e Andrade e Fonseca (2000), entre outros,
focalizaram também o adoecimento do músico profissional e apontaram para a necessi-
dade de investigar o uso corporal no processo ensino-aprendizagem.

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Trata-se de preocupante constatação que solicita, urgentemente, o emprego de
procedimentos pedagógicos e preventivos que interfiram nesse contexto, de forma a
possibilitar a promoção da saúde e qualidade de vida alunos e professores, haja vista que
estão vulneráveis aos problemas corporais. Assim, faz-se também necessário que a comu-
nidade musical discuta os processos cognitivos relacionados à sua atividade profissional.
Como pensar, então, a aprendizagem e o fazer musical como atividade cognitiva?

Abordagem atuacionista de cognição, corpo e aprendizagem


Segundo Varella et al. (2003), a cognição depende da capacidade de se ter um corpo
com diversas capacidades sensório-motoras; estas tais capacidades fazerem parte de um
contexto biológico, psicológico e cultural. Esse é o conceito de ação incorporada. Os
autores, com base na abordagem atuacionista, enfatizam que os processos sensoriais e
motores – a percepção e a ação – evoluíram juntos nos indivíduos, e seriam inseparáveis
do desenvolvimento da cognição. Assim, a percepção está associada à ação física; as
estruturas cognitivas surgem de padrões sensório-motores. São estes padrões que viabilizam
a realização de ações perceptivamente orientadas.
Desse modo, diferentemente da abordagem representacionista, em que a compre-
ensão dos processos perceptivos está centrada no processamento de informações e na
recuperação das propriedades pré-determinadas do mundo, a abordagem atuacionista
estuda como um observador orienta suas ações em situações locais. Essas situações esta-
riam em constante mudança e seriam resultantes da atividade do observador. Assim sen-
do, o ponto de referência de compreensão dos processos perceptivos seria a estrutura
sensório-motora. Essa abordagem tem como objetivo determinar os princípios comuns e
as ligações regradas entre o sistema sensorial e motor, que possibilitariam a realização da
ação perceptivamente orientada.
Maturana e Varela (2004) compreendem a aprendizagem como expressão do
acoplamento estrutural que funciona através das interações entre o organismo e o meio.
O universo de condutas possíveis em um organismo, que especifica os domínios possíveis
de interações, é determinado por sua estrutura. Embora as mudanças não sejam comple-
tamente visíveis, toda experiência, especialmente em relação a nós mesmos, é
modificadora. Isso porque toda interação interfere no funcionamento do sistema nervoso,
causada pelas mudanças que nele desencadeia.
Há uma plasticidade no sistema nervoso, cuja participação é fundamental na consti-
tuição do organismo. Os neurônios não se conectam como fios em tomadas. Seus pontos
de interação entre células constituem equilíbrios dinâmicos, em que vários outros ele-
mentos colaboram, desencadeando mudanças estruturais locais. Essas mudanças resulta-
riam da atividade do sistema de células nervosas que se relacionam em uma atividade
elétrica constante. Seus produtos viajam pela corrente sanguínea banhando os neurônios.
Seu modo de operar é circular. Todo estado de atividade desencadeia outro estado de
atividade nele mesmo. O caráter autônomo do ser vivo é enriquecido dessa maneira. Os
processos de conhecer teriam como base o organismo como unidade no fechamento
operacional do sistema nervoso. Assim sendo, conhecer é fazer a partir de correlações

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sensório-efetoras no universo de acoplamento estrutural existente nesse sistema
(MATURANA e VARELA, 2004).
A aprendizagem ocorre a partir de uma história particular de interações Assim, o
sistema nervoso participa no desenvolvimento cognitivo de duas maneiras complemen-
tares. Primeiramente, pela ampliação de estados possíveis do organismo, surgidos do
universo de configurações sensório-motoras, permitidas por ele mesmo. Em segundo
lugar, pela possibilidade do organismo se associar suas interações à grande possibilidade
de estados internos. Esse modo de conceber o processo cognitivo abre novos caminhos
em direção às ações nos diferentes contextos de aprendizagem, do qual também faz
parte o contexto ensino-aprendizagem de instrumentos musicais.
A ampliação da consciência de alunos e professores de instrumento, no que se
refere à relação dos processos cognitivos e do corpo, poderá abrir novas veredas de
investigação sobre o uso e atuação do corpo na performance musical. A condução de
pesquisa sobre corpo e cognição na performance e aprendizado instrumental tem sido a
preocupação de um grupo de profissionais, músicos e médicos, que têm produzido estu-
dos sobre temas relacionados ao corpo no aprendizado e performance musical. Por exem-
plo, os estudos de Fonseca15, Pederiva (2006a; 2006b) e Santiago (2001; 2004), que lidam
com questões relacionadas aos problemas físicos apresentados por músicos instrumentistas
e com problemas corporais na aprendizagem da performance musical. Pesquisa em anda-
mento sobre os padrões corporais apresentados por violinistas e fagotistas16; sobre o im-
pacto da Técnica Alexander na atividade de cantores e instrumentistas17 e sobre a
corporeidade e pedagogia da percussão18 têm sido realizada na Escola de Música da
UFMG; o conjunto destes estudos forma uma linha de pesquisa emergente, endereçada às
questões do corpo na música. Ademais, o Exerser – Núcleo de Atenção Integral à Saúde do
Músico – conta com um grupo de profissionais da área de saúde, especializado na saúde
do músico19.

Reflexões finais
Espera-se que, com investigações sobre corpo e performance musical, possamos
ampliar nossa compreensão sobre as questões referentes ao uso do corpo e à saúde do
músico, bem como questões pedagógicas e de caráter especificamente musicais. Espera-
se também desvendar, eventualmente, a relação entre corpo e cognição.
Os resultados de estudos sobre corpo e cognição na performance musical abririam
caminho para novas reflexões a respeito do processo de aprendizagem em música. Partin-
do do princípio de que a cognição é um grande sistema de redes em interação, como
revelam algumas vertentes do pensamento contemporâneo (neurociência cognitiva, en-
tre outras). Há de se rever os princípios teóricos que norteiam a reflexão e a ação nesse
contexto, e dessa forma, repensar a aprendizagem de instrumentos musicais.

Notas
15
João Gabriel Marques Fonseca, Freqüência e patogênese das doenças ocupacionais neuromusculares dos
pianistas – Uma leitura transdisciplinar da medicina do músico. Escola de Medicina UFMG. Pesquisa em
andamento.

290

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16
Carolina Valverde Alves, Uma observação dos problemas físicos que permeiam a prática do estudante de
violino no curso de graduação da Escola de Música da UFMG; Escola de Música da UFMG. Pesquisas em
andamento.
Sarah Ramez Ferreira. Modificações posturais na performance trompística e proposta pedagógica de cons-
ciência corporal no aprendizado da trompa. Escola de Música da UFMG. Pesquisas em andamento.
Paulo Henrique Campos Silva, A influência da Técnica Alexander na prática vocal do cantor. Escola de
17

Música da UFMG. Pesquisa em andamento.


Patrícia Furst Santiago. O impacto da Técnica Alexander na performance instrumental. Escola de Música
UFMG. PRODOC/CAPES.
Emília Chamone, O gesto musical como facilitador do ensino da percussão em grupo. Escola de Música da
18

UFMG. Pesquisa em andamento.


19
Veja o site do Exercer: http://www.exerser.com.br/abertura.html

Referências
ANDRADE, E.; FONSECA, J. (2000) Artista-atleta: reflexões sobre a utilização do corpo na
performance dos instrumentos de cordas. Per Musi; Revista de Performance Musical. Belo
Horizonte, UFMG, v. 2, n.2, p. 118-12.
COSTA, C. (2003) Quando tocar dói: análise ergonômica do trabalho de violistas de orquestra.
Dissertação (Mestrado em Psicologia) - Faculdade de Psicologia, Universidade de Brasília,
Brasília, 136 f.
FRY, J. H. (1986a). ‘Overuse syndrome in musicians - 100 years ago’, The Medical Journal of
Australia, 145, 620-625.
FRY, J. H. (1986b). ‘Overuse syndrome of the upper limb in musicians’, The Medical Journal of
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KRATZERT, R. (2003) ‘The application of the Alexander Technique to piano teaching’, The
Alexander Journal, Spring - Vol. 19, 11-17.
MATURANA, H.; VARELA, F. (2004) As bases biológicas da compreensão humana. São Paulo:
Palas Athena. A árvore do conhecimento.
MERRIMAN, Lisle; NEWMARK, J.; HOCHBERG, F. H.; SHAHANI, B.; LEFFERT, R. (1986).‘A focal
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SAKAI, N. (2002). ‘Hand pain attributed to overuse among professional pianists: A study of
200 cases’, Medical Problems of Performing Artists, 17: 4, 178-180.
SAKAI, N. (1992). ‘Hand pain related to keyboard techniques in pianists’, Medical Problems of
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SANTIAGO, P. F. (2004). An exploration of the potential contributions of the Alexander
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Unpublished paper.
SANTIAGO, P. F. (2005) A perspectiva da Técnica Alexander sobre os problemas físicos da
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Rio de Janeiro: ANPPOM.
SANTIAGO, P. F. (2006) Potenciais Contribuições da Técnica Alexander para a Pedagogia
Pianística. In CONGRESSO ANUAL DA ANPPOM, XVI, 2006, Brasília. Anais. Brasília: ANPPOM.
THE EDINBURGH PHYSIOTHERAPY CENTRE. Site: http://www.edphysio.com/

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VARELA, F.; THOMPSON, E.; ROSCH E. (2003) A mente incorporada: ciências cognitivas e
experiência humana. Porto Alegre: Artmed,
YEE, S.; HARBURN, K. L.; KRAMER, J. F. (2002). ‘Use of the adapted stress process model to predict
health outcomes in pianists’, Medical Problems of Performing Artists, 17: 4, 76-82.

Expertise, criatividade e resolução de


problemas em música

Bernardo Grassi
bernardograssi@gmail.com
Universidade Federal do Paraná

Resumo
O estudo do desenvolvimento da expertise na performance musical tem se bene-
ficiado muito dos avanços obtidos pela psicologia cognitiva no que diz respeito
aos mecanismos responsáveis pela aquisição e tratamento da informação musi-
cal. Neste texto, pretendemos analisar alguns desses processos envolvidos na
elaboração de estratégias de estudo e ensino da música, principalmente aqueles
relativos ao desenvolvimento da criatividade musical. Especificamente serão ana-
lisados: a importância do estudo deliberado no desenvolvimento da expertise, o
papel da resolução de problemas no desempenho de tarefas musicais e a impor-
tância da criatividade na cognição e na elaboração de estratégias de ensino e
aprendizado musical. Pretende-se demonstrar o papel que atividades musicais
criativas podem desempenhar no desenvolvimento da performance e trazer à
tona a discussão sobre a necessidade de investirmos no estudo das estratégias
cognitivas envolvidas no ensino da música.
PALAVRAS-CHAVE: expertise musical; criatividade; cognição.

Introdução
O desenvolvimento da expertise na performance musical tem sido um dos princi-
pais objetivos de intérpretes ligados às tradições da música erudita. O expert é caracteriza-
do pela extrema habilidade que apresenta no desempenho de tarefas dentro de seu
domínio e tem uma grande capacidade para organizar e utilizar conhecimentos para a

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resolução de problemas (Sternberg, 2000). Assim, a performance musical pode ser carac-
terizada como um tipo de atividade de resolução de problemas que envolvem dimensões
tais como: definição de objetivos, conteúdo, meios de aprendizagem, alocação de tempo,
planejamento e avaliação de resultados (Galvão, 2006). Ao contrário do que se pensa, o
músico não se torna expert por instinto ou natureza, mas desenvolvendo habilidades e
conhecimentos dentro das técnicas, história e padrões que sustentam seu domínio musi-
cal (Elliott, 1989).
Alguns autores sugerem que há uma quantidade de conhecimento e tempo de
estudo necessários para que se possa alcançar a condição de expert; um mínimo de 10
anos, podendo chegar até 20 anos de estudo (Ericsson, 2000; Galvão, 2006; Gardner, 1995;
Santiago, 2001). Recentemente, os pesquisadores começaram a dar importância ao papel
que o conhecimento e algumas habilidades específicas desempenham no desenvolvi-
mento da expertise musical (Ericsson, 2000). Com os avanços tecnológicos empregados
nas pesquisas sobre o funcionamento e o desenvolvimento da mente humana, a psicolo-
gia cognitiva tem contribuído enormemente para a compreensão dos mecanismos que
estão envolvidos na produção de conhecimentos que possam fundamentar novos traba-
lhos no domínio da música, inclusive nas áreas da expertise da performance e da compo-
sição musical.

Objetivos
Revisar a literatura acerca dos estudos existentes sobre o desenvolvimento da
criatividade e da expertise na performance musical, investigando: 1) o efeito que diferen-
tes tipos de estratégias de estudo e ensino surtem no desenvolvimento da expertise e 2)
os mecanismos cognitivos que estão envolvidos ou que podem ser utilizados na elabora-
ção de tais estratégias.

Fundamentação Teórica
Estudo deliberado
O estudo deliberado é tido como um dos fatores individuais mais importantes para
o desenvolvimento da expertise musical. Diz respeito a todo tipo de atividade que o
músico emprega para o seu desenvolvimento, como, por exemplo, ouvir música, tocar em
grupo e suas estratégias de estudo, entre outros (Galvão, 2006). Portanto, envolve a maior
parte de tempo que o estudante utiliza para se aprimorar musicalmente. Isto não significa,
porém, que o estudo excessivo irá assegurar que os melhores níveis de performance
serão atingidos.
Um exemplo disto pode ser visto na transição do músico mais jovem para a idade
adulta. Na performance musical, crianças e adolescentes são julgados principalmente por
sua proficiência. Adultos, porém, são julgados por suas interpretações e habilidades para
expressar emoções através da música (Sloboda, 1985). A incapacidade de muitas crianças
prodígio em conseguir ter sucesso quando se tornam adultos, é atribuída freqüentemente
às dificuldades em fazer esta transição - possivelmente resultante de treinamento e ins-

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trução impróprios durante as fases iniciais e intermediárias do estudo musical (Ericsson &
et al., 1993). Quando nos deparamos com uma tarefa nova, nos concentramos em entendê-
la, representá-la e, cuidadosamente, gerar ações apropriadas para sua resolução. Esta é
uma diferença fundamental entre iniciantes e experts. Conforme ganhamos experiência,
nossos comportamentos tendem a se adaptar às demandas da performance e se tornam
cada vez mais automatizados. Perdemos o controle consciente sobre a produção de nos-
sas ações e logo não somos capazes de fazer ajustes, intencionais e específicos, nelas. Por
exemplo, temos dificuldade em descrever como amarramos os sapatos ou levantamos de
uma cadeira (Ericsson, 2006). Assim, em domínios como o da música, onde o nível de
performance exigido é crescente, é normal que aspirantes à expert procurem diversos
tipos particulares de experiência, como acontece no estudo deliberado, que geralmente
são orientadas por um professor, com o objetivo de aprimorar aspectos específicos em sua
performance (Ericsson, 2000). Quais seriam, então, as estratégias de estudo (ou ainda, de
ensino) mais eficientes para o desenvolvimento da expertise?
Em 1997, McPherson conduziu um interessante estudo sobre o desenvolvimento
de quatro tipos distintos de performance musical (ler à primeira vista, tocar de ouvido,
tocar de memória e improvisar) utilizadas durante as práticas (estudo deliberado) de
alunos de instrumentos de sopro que tinham, então, de 15 a 18 anos. O seu objetivo era
examinar se havia alguma correlação entre as estratégias de estudo utilizadas e a habilida-
de dos participantes. Após o período de três anos, o pesquisador constatou que existem
correlações entre o desempenho ótimo destas atividades e os melhores níveis de escores.
Em outras palavras, os melhores instrumentistas possuíam um rico repertório de estratégi-
as que utilizaram enquanto se preparavam para a performance, por exemplo, cantando o
ritmo ou a melodia isoladamente, verificando a digitação, memorizando, ensaiando men-
talmente e trabalhando isoladamente uma sessão problemática da obra. Concluiu, tam-
bém, que novas pesquisas deveriam tentar identificar os tipos de estratégias cognitivas e
de funcionamento metacognitivo que habilitam musicistas a controlar e monitorar suas
performances, assim como tentar determinar como isso poderia ajudá-los em seu apren-
dizado (McPherson, 1997). Segundo Ericsson (2006), o grande desafio imposto a aspiran-
tes à expert é evitar o desenvolvimento interrompido associado à automatização e adquirir
habilidades cognitivas para sustentar seu aprendizado e aprimoramentos contínuos.

Resolução de Problemas
Um dos pontos em que diversos psicólogos concordam é a capacidade que os
experts têm para resolver problemas, principalmente no que diz respeito à quantidade e
organização do conhecimento que empregam nestas tarefas, dentro de seus domínios.
Como, por exemplo, no caso dos musicistas que exibem um desempenho superior em
competições musicais, ou dos enxadristas, que podem selecionar consistentemente os
melhores movimentos em posições no jogo de xadrez (Ericsson, 2006). Os problemas
podem ser classificados como bem ou mal-estruturados. Os primeiros são caracterizados
por apresentarem um caminho bem definido para sua resolução, já no segundo caso, não
apresentam um caminho claro imediatamente disponível para sua resolução (Sternberg,
2000).

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Galvão (2006) argumenta que, como em qualquer área de expertise, em música, o
estudo deliberado tem por objetivo atingir respostas automáticas e proficientes. Como
vimos acima, a pesquisa sobre o desenvolvimento da expertise indica que de modo geral,
os experts podem automatizar várias operações e depois recuperá-las e executá-las facil-
mente. Porém, quando novos problemas se apresentam e estes são estruturalmente dife-
rentes dos normalmente encontrados, muitas vezes os experts não podem recorrer a
soluções automatizadas, o que pode vir a impedir sua resolução, pelo menos temporaria-
mente. Neste caso, os principiantes podem ter um desempenho inicial melhor porque,
muitas vezes, consideram um número maior de estratégias possíveis que os experts. Como
sugere Galvão:
“... músicos parecem possuir um repertório de resolução de problemas adaptável a diferentes
problemas e uma capacidade para monitorar a adequação de respostas, modificando estratégias
para atingir objetivos freqüentemente reavaliados enquanto a aprendizagem progride. Isto, no
entanto, está longe de significar que músicos, mesmo profissionais, solucionam problemas de modo
eficiente. Pelo contrário, de acordo com as pesquisas citadas, freqüentemente objetivos são ape-
nas parcialmente atingidos. Uma razão para isto talvez sejam as limitações do repertório de reso-
lução de problemas.” (p.172).

Deve-se considerar que os problemas musicais não são como problemas matemáti-
cos. Na música, os problemas são mais freqüentemente caracterizados como mal-
estruturados, o que permite que, em determinadas situações, muitas respostas possam ser
consideradas corretas, dependendo das perspectivas específicas, como por exemplo, no
caso da digitação ou da interpretação de um determinado trecho musical (Galvão, 2006).
Segundo Sternberg (2000):
“A aplicação da expertise à resolução de problemas, geralmente, envolve a convergência para uma
única solução correta, dentre uma ampla gama de possibilidades. Um trunfo complementar à
expertise na resolução de problemas envolve a criatividade, na qual uma pessoa expande a ampli-
tude de possibilidades, a fim de considerar as opções nunca-antes-exploradas. De fato, muitos pro-
blemas podem ser resolvidos somente pela invenção ou descoberta de estratégias para responder
uma questão complexa.” (p.330).

Pessoas criativas são, normalmente, caracterizadas por encontrar soluções criativas


para problemas ou questões onde, aparentemente, não existiam respostas evidentes. A
criatividade é um tipo de habilidade que é muito valorizada na produção musical. É reco-
nhecida desde a apresentação de uma composição ou improvisação original, até a
performance criativa de uma obra musical já consagrada. Se engajar no desenvolvimento
de atividades musicais criativas baseadas, principalmente, na resolução de problemas mal-
estruturados, pode ser uma boa estratégia para evitar os efeitos paralisantes relacionados
ao desenvolvimento da expertise, como a automatização e, ao mesmo tempo, ampliar o
repertório de resolução de problemas envolvidos nestas atividades musicais.

Criatividade e pensamento criativo


Segundo a teoria da criatividade de Sternberg (2000), também conhecida por abor-
dagem integrativa, vários fatores têm de concorrer para que o ato ou produto criativo

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aconteça. Podemos dizer, por exemplo, que pessoas criativas são extremamente motiva-
das, tendem a querer quebrar regras e convenções, são extremamente críticas, assumem
riscos e têm um vasto conhecimento no domínio relevante. Adicionalmente, a pessoa
criativa escolhe cuidadosamente os problemas ou assuntos nos quais deve se concentrar
e seus processos de pensamento são caracterizados, ao mesmo tempo, pelo insight e pelo
pensamento divergente. O pensamento divergente é caracterizado por processos de
pensamento que envolvem a produção de diversas alternativas. É interessante notar que,
apesar dos processos criativos envolverem a alternância entre o pensamento divergente
e o pensamento convergente (onde se restringe seletivamente as múltiplas alternativas,
até que se alcance uma única alternativa ótima), problemas bem-estruturados, geralmen-
te, não geram soluções criativas.
Um produto criativo é conceituado, em linhas gerais, como o processo de produção
de algo que é ao mesmo tempo original e de valor (Sternberg, 2000). Uma solução sim-
ples, baseada numa tarefa bem-estruturada, provavelmente não resultará em algo novo
ou original. É necessário que alguém, diante de um problema complexo (mal-estruturado),
onde é difícil elaborar um plano que siga seqüencialmente uma série de etapas e que
avança continuamente para sua resolução (problema bem-estruturado), tenha o que cha-
mamos de insight para a sua solução. “O insight é uma compreensão aparentemente
súbita da natureza de alguma coisa, resultando, muitas vezes, na adoção de uma aborda-
gem inédita ao objeto do insight.” (Sternberg, 2000, p. 337).
Para ilustrar essas idéias, tomemos como exemplo a composição musical. De acordo
com a teoria cognitiva da criatividade da composição musical, proposta por Pearce &
Wiggins (2002), problemas mal-estruturados apresentam características que correspondem
ao tipo de problema que necessita de uma abordagem mais criativa para sua resolução.
Todo o problema tem regras, limitações ou obstáculos a serem superados para sua resolu-
ção. Em composição musical, podemos determinar três tipos de limitações utilizadas por
compositores: 1) limitações estilísticas, especificadas vagamente pelo tipo ou gênero de
composição, 2) limitações internas, geradas pelo material que foi composto, seguindo
algum princípio geral de consistência ou balanço; 3) limitações externas, relacionados a
limitações físicas para execução, como extensão de um instrumento ou exeqüibilidade,
princípios ordinários de harmonia e estrutura (Pearce & Wiggins, 2002). Alguns pesquisa-
dores da educação musical defendem que quanto menor e mais vagamente especificado
for o número de restrições designadas para uma tarefa, maiores serão as chances de
indução de uma resposta criativa (Priest, 2001; Wiggins, 1999). Segundo Pearce & Wiggins
(2002),“A composição musical pode ser caracterizada como um problema mal-estruturado
que requer mecanismos criativos para transformá-lo em um problema bem-estruturado,
através da identificação e aplicação de limitações durante todo o processo.” (p.18).
De fato, a importância da criatividade no ensino e desenvolvimento musical tem
sido apontada por diversos pesquisadores. Há várias evidências de que o ensino da música
baseado em atividades como a composição ou a improvisação (que aqui, iremos chamar
de ensino criativo), têm trazido excelentes resultados para o desenvolvimento musical
dos alunos envolvidos (Andrews, 2004; Koutsoupidou, 2006; Webster, 1989). Na verdade,
existem diversas atividades que são consideradas criativas em música e, apesar de muitos

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educadores musicais enxergarem a criatividade como limitada à composição ou improvi-
sação, todos os comportamentos musicais são potencialmente criativos (Kratus, 1991;
Priest, 2001; Webster, 1989). Mas até que ponto, o desenvolvimento do pensamento
criativo em música pode auxiliar o desenvolvimento da expertise musical?

Transferência de conhecimentos e habilidades no ensino criativo


Quando alguém apresenta facilidade para transferir conhecimento factual ou de
habilidades de um cenário para outro, dizemos que há transferência positiva. Ou seja, isto
ocorre quando uma estratégia ou tipo de solução que funcionou bem para um determina-
do problema ou grupo de problemas facilita a resolução de novos problemas ou tipo de
problemas. Quando o inverso acontece, e estratégias utilizadas para resolução de proble-
mas impedem ou dificultam a resolução de novos tipos de problemas, dizemos que há
transferência negativa.
O desempenho superior de experts é, muitas vezes, específico de um domínio e a
transferência para fora desta estreita área de expertise é surpreendentemente limitada
(Ericsson, 2000). Na música, a expertise em performance não é transferível aos domínios
específicos da composição ou improvisação. E, apesar de algumas pesquisas preliminares
sugerirem que o pensamento musical criativo não seja facilmente transferível de um
domínio para outro, há indícios de que existe transferência entre os domínios específicos
da avaliação e da composição musical (Priest, 2001). Além disso, apesar da maioria dos
estudos sobre o ensino da criatividade na música demonstrar excelentes resultados em
comparação aos métodos tradicionais de ensino, existem pouquíssimos estudos investi-
gando a correlação entre atividades musicais criativas e o desempenho performático.
Um desses estudos sobre a interação de atividades criativas e performáticas (com-
posição, apreciação e performance, segundo o modelo C(L)A(S)P de Swanwick em França
(1998)), em aulas de especializadas de instrumento, teve como objetivo avaliar o impacto
da integração dessas atividades no desempenho dos alunos de forma sistemática e conti-
nuada. As autoras concluem que, apesar das dimensões modestas do estudo, a prática da
composição ao piano contribuiu para aperfeiçoar a técnica de performance dos alunos.
Além disso, o estudo indica que a interação entre essas modalidades é otimizada quando
as atividades envolvidas são tecnicamente acessíveis aos alunos (França & Beal, 2003). Isto
pode estar de acordo com o fato de que os músicos podem ser considerados experts sem
serem necessariamente criativos, porém, raramente poderemos considerá-los criativos se
não tiverem desenvolvido a expertise em seu domínio (Gardner, 1995). Devido a sua
natureza complexa de raciocínio, é possível que atividades criativas incrementem as es-
tratégias de resolução de problemas e que isto facilite a transferência positiva do domínio
específico da composição e da improvisação para o domínio da performance.
Outra teoria que poderia explicar a possibilidade de haver transferência positiva
entre esses domínios é a teoria do modelo conexionista sobre o processamento da infor-
mação distribuído em paralelo (PDP), segundo a qual...
“... sempre que usamos o conhecimento mudamos nossa representação dele. Assim, a representa-
ção do conhecimento não é realmente um produto final, mas, sim, um processo ou mesmo um

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processo potencial. O que é armazenado não é um padrão específico de conexões, mas um padrão
de forças de conexão potenciais excitadoras ou inibidoras, que a mente (cérebro) usa para recriar
determinados padrões, quando estimulada a fazer isso. Quando recebemos novas informações, a
ativação oriunda dessas informações fortalece ou enfraquece as conexões entre as unidades. As
novas informações podem vir de estímulos ambientais, da memória ou de processos cognitivos. A
capacidade para criar novas informações através de inferências e de generalizações possibilita
uma quase infinita versatilidade na representação e na manipulação do conhecimento.” (Sternberg,
2000, p.197).

Hoje sabemos que diferentes tipos de ensino e aprendizagem causam diferentes


tipos de representação, e estas diferenças são responsáveis por diferentes qualidades de
percepção e cognição, assim como de processamento da informação. Estratégias de ensi-
no baseadas no acesso à informação através de experiências genuinamente musicais,
como a improvisação, ao invés da mera explanação verbal abstrata, demonstram repre-
sentações neurais mais fortes, incluindo uma interação mais efetiva entre os hemisférios
cerebrais (Gruhn et al., 1997).Tais atividades permitem uma manipulação e contato mais
ativo com os objetos musicais e possivelmente poderiam propiciar um “processo de re-
presentação musical” mais completo.

Contribuições
Se a revisão de literatura acima sugere que o ensino criativo pode colaborar para
tornar a aprendizagem musical mais eficiente, ela também sugere que há uma grande
necessidade de estudos sobre a resolução de problemas mal-estruturados, bem como
sobre as atividades desenvolvidas a partir desses problemas. Entretanto, não basta que
empreguemos esta ou aquela estratégia de estudo deliberado ou de ensino,
indiscriminadamente, a fim de evitar a estagnação em nosso desenvolvimento. O estudo
sobre o desenvolvimento da criatividade em música é raramente associado à expertise na
performance musical. Além disso, as metodologias empregadas no ensino da composição
e da improvisação musical, similarmente às abordagens integrativas da criatividade, en-
globam uma ampla gama de fatores para a sua aplicação (Elliott, 1989; Hickey & Webster,
2001; Kratus, 1991; Webster, 1989). Isto põe uma distância muito grande entre a aborda-
gem considerada ideal para o ensino criativo e a formação convencional do professor da
performance musical. Sendo assim, o foco na resolução de problemas pode contribuir
imensamente para a pesquisa nas áreas da música e da cognição musical e para o conhe-
cimento da natureza das tarefas aplicadas no ensino da performance e da composição
musical. Assim como, pode auxiliar o desenvolvimento de estratégias adequadas para
serem utilizadas no estudo deliberado, como por exemplo, o uso apropriado de “limita-
ções” ou “regras” na elaboração de problemas envolvidos em atividades musicais.

Implicações
Existem vários indícios apontando para o fato de que o estímulo da criatividade no
ensino e estudo da música pode ser benéfico, inclusive no domínio específico da
performance musical. Atividades como a composição ou a improvisação musical costu-

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mam despertar o interesse de alunos mesmo quando seus professores não as abordam
em sala de aula (McPherson, 1997). Entretanto, a quantidade e a complexidade de fatores
relacionados à criatividade podem dificultar seu estudo e aplicação no ensino da música.
O estudo dos mecanismos cognitivos envolvidos na aquisição e tratamento da informação
musical, como, por exemplo, a resolução de problemas, deve promover o desenvolvimen-
to de tarefas envolvidas na elaboração de estratégias de estudo, ensino e aprendizagem
musical e ressaltar a importância desses mecanismos no desempenho das atividades
musicais. Além disso, fomentar o desenvolvimento do estudo aprofundado da criatividade
musical e, sobretudo, acrescentar dados ao prolífico campo de estudos sobre a cognição
musical no Brasil.

Referências
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Os principais desconfortos físico-posturais dos


Flautistas e suas implicações no estudo na
performance da flauta

Marcelo Parizzi Marques Fonseca


marceloparizzi@yahoo.com.br
Universidade Federal de São João Del Rei – Minas Gerais

Resumo
A falta de consciência corporal e os vícios de postura que dela decorrem geram
muitos desconfortos físicos e dificultam o estudo e a performance da flauta. Este
trabalho pretende investigar a incidência dos desconfortos físicos que mais aco-
metem os flautistas e suas repercussões em sua prática diária.
Palavras-chave: Consciência corporal, performance, flauta

Como fundamentação teórica, tomamos como ponto de partida um estudo sobre a


biomecânica da postura e uma conceituação de postura saudável. A seguir, foi feita uma
transposição desses assuntos para a prática e a performance da flauta. O enfoque
metodológico, de caráter exploratório, buscou levantar através de um questionário
estruturado e de uma análise estatística, os principais desconfortos físicos desses
instrumentistas e suas repercussões em seu cotidiano.
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Esperamos que este trabalho possa contribuir para conscientizar os flautistas de que
a consciência corporal durante o estudo e a performance é fundamental para prolongar
sua vida ativa como músicos. Uma reflexão fundamentada sobre os transtornos físicos
mais comuns entre os flautistas poderá também servir como estímulo para estudos poste-
riores sobre este assunto ainda pouco investigado no meio musical.

Fundamentação teórica e objetivos


Ainda nos dias de hoje, poucos instrumentistas têm consciência clara de seus gestos,
de sua postura e de sua movimentação corporal durante a performance de um instrumen-
to musical. Mais ainda, muitos instrumentistas não consideram que isso seja importante.
Esta falta de consciência corporal tende, ao longo do tempo, a gerar uma postura repleta
de tensões que pode comprometer a qualidade da execução e a longevidade da carreira
do músico (FONSECA, 2005).
Durante minha vida como instrumentista, tive várias dificuldades que representa-
ram obstáculos para minha performance. A partir da auto-observação, da ajuda de flautis-
tas mais experientes e de profissionais de saúde (EXERSER20 - Núcleo de Atenção Integral
à Saúde do Músico) consegui encontrar caminhos para superar muitas dessas dificuldades.
O resultado obtido foi e tem sido satisfatório a ponto de me motivar a estudar mais
profundamente esses problemas para que um maior número de flautistas possa ser bene-
ficiado.
A falta de consciência corporal e os vícios de postura que dela decorrem geram
muitos desconfortos físicos e dificultam o estudo e a performance da flauta. Partindo
dessa premissa, procurei investigar a incidência dos desconfortos físicos que acometem
os flautistas e suas repercussões no estudo e na performance.
Para fundamentar esta investigação tomamos como ponto de partida um estudo
sobre a biomecânica21 da postura e uma conceituação de postura saudável. Como princi-
pal referencial teórico nos apoiamos no trabalho sobre Posturologia de Bricot (2001) e
Bienfant (2000). Estes autores apresentam de uma maneira muito precisa o conceito
postura normal e sua biomecânica e estabelecem os desequilíbrios posturais mais fre-
qüentes buscando suas causas e conseqüências. Fundamentados em Mathieu (2004),
complementamos Bricot (2001) e Bienfant (2000), fazendo uma transposição destes con-
ceitos para o universo da flauta. Mathieu (2004) relata que a primeira grande dificuldade
colocada pela flauta é segurá-la. Manter um objeto no eixo do corpo é mais fácil do que
mantê-lo de lado. A sustentação da flauta desvia as forças de sustentação para a direita.
Este desvio propicia uma maior carga de trabalho da musculatura e, de acordo com a
autora, os flautistas que não se preocupam com o conjunto de seus gestos, podem chegar
a uma postura regida por muitas tensões que se instalam para compensar as dificuldades.
Essas ações rígidas se insinuam sutilmente, sucessivamente, e se fixam assim no esquema
de gestos dos músicos. O esquema motor assim instalado torna-se um programa cerebral
que se põe a funcionar a partir do momento em que o músico pega seu instrumento.
Assim, o corpo principal de nosso referencial teórico foi constituído fundamental-
mente pelas idéias de Bricot (2001) e Bienfant (2000) acerca das questões gerais ineren-

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tes à postura e da transposição dessas idéias para a performance da flauta, fundamentados
em Mathieu (2004).

Metodologia
Esta pesquisa tem um caráter eminentemente exploratório. De acordo com Gil (2002),
a pesquisa exploratória tem como objetivo proporcionar maior familiaridade com o pro-
blema para torná-lo mais explícito. Este autor acrescenta que este tipo de estudo enfatiza
também o aprimoramento de idéias ou a descoberta de intuições.
O levantamento bibliográfico e as entrevistas com flautistas apresentam-se como
técnicas de coleta de dados. Com base na fundamentação teórica e através da utilização
de um questionário, semelhante ao que foi utilizado anteriormente na pesquisa realizada
por Andrade e Fonseca (2000) quando os pesquisadores investigaram assuntos seme-
lhantes relacionados aos instrumentistas de corda friccionada, levantamos os desconfor-
tos físicos mais importantes e suas implicações no cotidiano dos flautistas.
O questionário elaborado foi do tipo estruturado, não participante e padronizado.
Todas as perguntas, portanto, foram fechadas, sem nenhuma interferência do pesquisador,
isto é, sua presença foi desnecessária no momento do seu preenchimento. Além disso,
segundo Laville & Dionne (1999), este tipo de questionário permite que um grande nú-
mero de pessoas seja rápida e simultaneamente alcançado, o que colabora para agilizar a
pesquisa. A uniformização permite que os entrevistados vejam as questões da mesma
maneira, na mesma ordem e acompanhadas das mesmas opções de respostas, o que
facilita a comparação e a análise dos dados recolhidos.
A amostra foi estabelecida através de uma população não probabilista acidental.
Foram escolhidos flautistas “encontrados até o momento em que se estima ter interroga-
do suficientemente” (LAVILLE & DIONNE, 1999). Optou-se por este tipo de amostragem
pela rapidez com que os dados podem ser obtidos, uma vez que todos e quaisquer
flautistas poderiam ser enquadrados na pesquisa. Devido a isso, o questionário foi também
traduzido para a língua inglesa para que flautistas de outros países pudessem respondê-lo.
Foram coletados 43 questionários enviados pela Internet, correio e pessoalmente pelo
pesquisador. De acordo com Doria Filho (1999), esta amostragem é considerada de tama-
nho médio (uma amostra média varia entre 30 a 99 questionários). Ele ainda ressalta que
as amostras pequenas (menores que 30) devem ser evitadas devido a sua falta de consis-
tência.
Optamos por uma análise descritiva dos dados, através da estatística descritiva. Os
gráficos e tabelas elaborados a partir dos dados obtidos foram fundamentados neste tipo
de estatística (DÓRIA FILHO, 1999).
O levantamento estatístico nos permitiu analisar somente os dados fornecidos pelas
amostras. Ovalle e Toledo (1995 p.15) afirmam que, ao resumir os dados através da estatís-
tica descritiva, muitas informações podem se perder e muitos dados irão provavelmente
estar distorcidos. Contudo, ao se referirem à análise e interpretação dos dados, lembram
que é possível, mesmo nesta fase, arriscar algumas generalizações, as quais envolverão,
naturalmente, algum grau de incerteza. Portanto, não podemos generalizar com muita

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certeza os resultados da análise para toda a população de flautistas. É importante enfatizar
que não se buscou a solução das questões tratadas, e sim, o levantamento destas para
possíveis especulações.
A pesquisa buscou manter o anonimato dos flautistas envolvidos. Acreditamos que
esta prática propiciou uma maior tranqüilidade ao flautista ao se expor. De acordo com
Laville & Dionne (1999) o anonimato garantido aos entrevistados pode facilitar sua tarefa.

Resultados e conclusões
Esta dissertação se propôs investigar os principais desconfortos físicos dos flautistas
e suas implicações no estudo e na performance da flauta. Constatamos que os flautistas
envolvidos na pesquisa, de modo geral, apresentaram uma série de desconfortos corpo-
rais decorrentes principalmente de uma postura corporal inadequada. Alguns entrevista-
dos chegaram a interromper suas atividades em decorrência desses desconfortos. Ficou
evidente que estes flautistas só procuraram ajuda especializada no momento em que o
problema já havia se instalado. Isso revela uma certa falta de consciência ou, até mesmo,
uma negligência do flautista com as demandas de seu próprio corpo.
Toda atividade física, incluindo-se aí a ação de tocar um instrumento musical, requer
uma prontidão motora e muscular.Tocar um instrumento de sopro é um“ato de coragem”,
pois envolve o domínio técnico de questões extremamente complexas como a sustenta-
ção da flauta, a respiração, a produção do som, o vibrato, dentre outras coisas. É de nosso
corpo que partem todos os comandos para que um som seja articulado, para que uma obra
musical possa ser executada. Se esse corpo apresenta problemas posturais de qualquer
ordem, certamente o ato de tocar se tornará muito mais difícil e, às vezes, até penoso. O
flautista precisa ter consciência que a demanda de seu corpo é semelhante à de um atleta.
As atitudes e práticas preventivas fazem parte do cotidiano dos esportistas já há algum
tempo. O músico deveria buscar um caminho semelhante, pois o corpo, como no caso dos
atletas, é o seu instrumento de trabalho. O músico normalmente só se preocupa com seu
corpo quando sente dor. Antes do aparecimento de qualquer desconforto, seria importan-
te que o instrumentista investisse em trabalhos corporais a fim de evitar futuros transtor-
nos decorrentes da prática do instrumento. A prática de esportes, de alongamentos, de
técnicas posturais -Técnica de Alexander, por exemplo (BARKER, 1991) - uma alimentação
regrada e um sono regular deveriam fazer parte de seu cotidiano. E, nunca é demais
repetir - todas estas atividades e cuidados com o corpo devem ser, principalmente, pre-
ventivos.
Outro aspecto que devemos mencionar é a importância da figura do professor como
conscientizador. Acreditamos que a atuação do professor seja extremamente relevante
em relação aos cuidados que o aluno deve ter com sua postura durante a prática instru-
mental. O professor deve, antes de tudo, estar bastante atento à sua própria postura, caso
contrário, dificilmente terá condições de observar criticamente a postura de seu aluno. Por
ser normalmente a principal referência do aluno, tem também a função de conscientizá-
lo de que os ganhos musculares, interpretativos e musicais são conquistados gradualmen-
te. É comum o aluno se interessar por peças com um grau de dificuldade muito acima de

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sua capacidade técnica. Isso pode levá-lo a um estudo prolongado e fisicamente estressante,
durante muitas horas seguidas. Um estudo feito desta maneira poderá provocar no aluno
uma sobrecarga muscular, com possibilidades concretas de transtornos físicos.
É importante enfatizar que a falta de consciência corporal e os problemas posturais
decorrentes disso atingem grande parte da população. Isto não é uma particularidade dos
instrumentistas, o que torna esta discussão ainda mais ampla e complexa. Uma pessoa, ao
iniciar a prática de um instrumento musical, pode já apresentar uma postura inadequada
que poderá (ou não) acentuar-se.
O estudo e o cuidado específico com a saúde do músico são recentes, se compara-
dos às mesmas preocupações voltadas para o atleta. Os músicos devem ousar mais neste
campo de investigação. É imprescindível que profissionais da saúde e músicos caminhem
juntos. Apenas a interdisciplinaridade permitirá o progresso do conhecimento no campo
da saúde do músico.

Notas
19
Núcleo de Atenção Integral à Saúde do Músico. Belo Horizonte. www.exerser.com.br
20
Biomecânica: ramo da biologia que se ocupa da aplicação das leis da mecânica às estruturas orgânicas
vivas, especialmente ao sistema locomotor do corpo humano. Houaiss

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Conhecimentos musicais envolvidos na
preparação do repertório pianístico de três
bacharelandos sob a ótica da matriz de
habilidades cognitivas em música de Davidson
e Scripp

Regina Antunes Teixeira dos Santos


jhsreg@adufrgs.ufrgs.br
Liane Hentschke
liane.hentschnke@portoweb.com.br
Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Resumo
A preparação do repertório pianístico de três bacharelandos em piano, em mo-
mentos distintos da formação acadêmica (recém ingresso, bacharelando de 5o
semestre e formando) foi investigada através de uma abordagem qualitativa de
pesquisa. A partir dos depoimentos e registros das performances dos bacharelan-
dos, a mobilização de conhecimentos musicais surgiu como objeto de reflexão a
partir do modelo de habilidades cognitivas em música de Davidson e Scripp
(1992). No modelo de Davidson e Scripp, os modos de conhecimentos em termos
de produção, percepção e reflexão fortaleceram indícios de que estratégias de
pensamento foram direcionadas tanto por disposições experienciais, como por
fatores auto-reguladores da prática, a saber: organização, gerenciamento e super-
visão. Nos três casos estudados, a produção, através do conhecimento declarativo,
envolveu estratégias de investigação, assim como de organização e implicou, no
caso do conhecimento procedimental, o envolvimento físico, cognitivo, motor,
emocional interconectados em maior ou menor grau. Além disso, a produção
musical, ainda que dependente da percepção e da reflexão, mostrou-se resultante
do nível de especialização músico-instrumental de cada bacharelando investiga-
do. A percepção lidou com a investigação e supervisão, enquanto a reflexão, com
o gerenciamento e a supervisão, para os dois tipos de conhecimentos musicais.
Palavras-chaves: conhecimentos musicais, piano, habilidades cognitivas

1. Fundamentação teórica
Na literatura, poucos autores têm abordado o conhecimento musical (Davidson e
Scripp (1992); Swanwick (1994); Elliot (1995)). Davidson e Scripp (1992) fundamentaram-

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se em Piaget e consideram que o conhecimento musical começa através da ação e
desenvolve-se por processos de equilíbrio entre assimilação e acomodação. Para esses
autores existem condições diferenciadas de pensamentos em relação ao conhecimento
musical. Dessa forma, eles propõem uma matriz de habilidades cognitivas que visa des-
crever a maneira pela qual músicos pensam em termos de produção, percepção e refle-
xão, fora e em situação de performance. Nessa matriz, os autores consideram dois tipos de
conhecimentos musicais: o primeiro de natureza fixa ou declarativa (conhecimento que),
e um segundo de natureza dinâmica e procedimental (conhecimento como). Para esses
autores, cada tipo de conhecimento compreende um conjunto distinto de habilidades
cognitivas dentro de três modos de conhecimentos, a saber: percepção, reflexão e produ-
ção. A produção musical pode englobar atividades criativas, manipulativas e/ou apreciati-
vas. A percepção cobre todos os aspectos do pensamento que sustentam discriminação e
julgamento. A reflexão reconhece a importância do redirecionamento, da recon-
ceitualização e da revisão sobre a produção atingida (Figura 1).

Figura 1. Matriz de habilidades cognitivas em música (Davidson e Scripp, 1992, p. 396).

Esta matriz considera as situações (dentro e fora da performance) e os meios (produ-


ção, percepção e reflexão) pelos quais os pensamentos musicais manifestam-se. Na

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concepção de Davidson e Scripp existe a conexão entre pensamento expresso em termos
de habilidades cognitivas e os tipos de conhecimentos musicais disponibilizados sob
forma declarativa ou procedimental. Para investigar a potencialidade de informações que
esse modelo fornece ao educador musical, parece que se faz necessário situar sob que
condições o fenômeno do conhecimento pode ser observado e investigado.
O conhecimento musical compartilhado, transmitido e apropriado ao longo da for-
mação acadêmica do músico profissional inclui àquele da denominada tradição da música
clássica ocidental. Cada bacharelando de piano, seja esse do início, do meio ou do fim da
formação acadêmica, deve preparar um repertório musical inserido nessa tradição de
musica clássica ocidental, ao longo de um semestre acadêmico. Nessa situação de prepa-
ração de um repertório pianístico cada bacharelando faz escolhas e lida com estratégias
pessoais que assumiram, na presente pesquisa, formas de pensamentos e, portanto, de
mobilização de conhecimentos musicais.
A noção de mobilização foi fundamentada em Charlot (2005), e implica a idéia de
por recursos pessoais em movimento e de reunir suas próprias forças para fazer o uso de
si mesmo com fonte de pensamento e de conhecimento. Além disso, mobilizar implica
também se engajar-se em uma atividade e escolher estratégias para realizá-la.
A preparação de um repertório pianístico para um bacharelando em piano constitui-
se um compromisso institucional frente à disciplina de instrumento e é uma das caracte-
rísticas da tradição de ensino e aprendizagem da música clássica ocidental. Com o repertório,
os estudantes devem reproduzir de forma mais fiel possível a partitura impressa a partir de
suas próprias experiências sistematizadas e àquelas em vias de consolidação. Assim, a
preparação do repertório surge como situações envolvendo prática e performance instru-
mental, onde o estudante mobiliza conhecimentos musicais.

2. Objetivos
Investigar a natureza da mobilização de conhecimentos musicais de três bachare-
landos em momentos distintos da formação acadêmica, à luz do modelo cognitivo de
Davidson e Scripp (1992)

3. Método
Dentro de uma perspectiva qualitativa, o depoimento de três estudantes bachare-
landos de piano: Nikolai (1o semestre), João (5o semestre) e Sérgio (8o semestre) foram
coletados ao longo de um semestre acadêmico através de quatro técnicas de pesquisas:
(i) entrevista de apresentação, (ii) entrevista sobre a preparação, (iii) observação de vídeo
e (iv) entrevista de estimulação por recordação. As entrevistas empregaram dois tipos de
procedimentos: semi-estruturada para a coleta de dados referentes à trajetória pessoal
dos bacharelandos e não-estruturada para aquisição dos depoimentos sobre a preparação
do repertório. A técnica de observação de vídeo teve como objetivo extrair indícios de
mobilização de conhecimentos nas performances públicas e ao longo das entrevistas. A
entrevista de estimulação por recordação visou oportunizar momentos de reflexão dos
bacharelandos sobre a preparação do repertório.

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4. Resultados
Ao analisar os 3 bacharelandos sobre a ótica desse modelo, percebe-se que existi-
ram diferenças qualitativas de pensamento entre os 3 casos. A Figura 2 exemplifica os
pensamentos esboçados por Nikolai, bacharelando de início de curso, ao longo de sua
preparação, de acordo com o modelo de Davidson e Scripp.

Figura 2. Matriz de habilidades cognitivas de Davidson e Scripp (1992) para Nikolai.

De acordo com a Figura 2, considerando a relação de Nikolai com as obras em


preparação, os dados demonstram que ele forneceu indícios verbais direcionados ao
sentido melódico das partes. Além disso, seu conhecimento declarativo forneceu indícios
de mobilização em termos de interpretação (produção), reconhecimento (percepção) e
reflexão, pela coordenação de padrões melódicos em sentido referencial: a “cantora” no
Noturno de Chopin, a “caçada” na sonata de Haydn, a “alegria” quase que constante na
Congada de Mignone, por exemplo. Isso demonstra uma mobilidade entre seus modos de
conhecimento de natureza declarativa, contrariando assim o próprio modelo, onde esse
tipo de conhecimento é considerado como fixo. Nas situações de performances, seu nível
de supervisão sobre a relação proporcional de valores, assim como sobre a tonalidade,
nesse início de sua formação acadêmica, mostraram-se ainda problemáticos na prepara-
ção. Isso demonstrou sua falta de experiência sistematizada da noção convencional da
música clássica ocidental. O nível de supervisão nas situações de performance possibilita-

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ram um tipo de mobilização de conhecimentos musicais que se voltou à coordenação do
sentido global do todo em detrimento dos detalhes (em termos de notas e ritmos, por
exemplo).
A Figura 3 apresenta exemplos de situações contidas na preparação de João, o
bacharelando de 5o semestre, de acordo com o modelo de Davidson e Scripp. O conheci-
mento declarativo mobilizado por João, apresentou-se separando modos de produção e
de percepção com modo de reflexão. Enquanto, seus depoimentos sugeriram estratégias
relacionadas à produção e à percepção dirigidas à interpretação e ao reconhecimento de
relações estruturais, seu pensamento reflexivo limitou-se à resolução de problemas em
termos técnico-instrumentais. As estratégias mobilizadas em seu conhecimento
procedimental acabaram restringindo os três modos de conhecimento à excelência ins-
trumental das partes.

Figura 3. Matriz de habilidades cognitivas de Davidson e Scripp (1992) para João.

A Figura 4 apresenta exemplos da preparação do repertório de Sérgio (o formando),


segundo o modelo de Davidson e Scripp.

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Figura 4. Matriz de habilidades cognitivas de Davidson e Scripp (1992) para Sérgio.

Segundo a Figura 4, no caso de Sérgio pareceu existir um tipo de mobilização de


conhecimentos musicais que coordenou de maneira complementar, conhecimento de-
clarativo e conhecimento procedimental. Enquanto o conhecimento declarativo de Sér-
gio voltou-se à interpretação (concepção e mesmo ao refinamento) de gestos em termos
do direcionamento das linhas, em movimentos de tensão e repouso, seu conhecimento
procedimental ajustou, supervisionou e gerenciou-os visando a expressão artística.

5. Conclusões
A reflexão sobre os três casos, sob a ótica da matriz de habilidades cognitivas de
Davidson e Scripp permitiu relacionar algumas estratégias identificadas na preparação do
repertório de cada caso a tipos e modos de conhecimentos musicais. Do ponto de vista
transversal, esse modelo viabilizou explicitar mudanças de perspectivas na preparação
em decorrência do percurso acadêmico. No caso de Nikolai, o bacharelando de início de
curso, foi identificado pouco conhecimento declarativo, assim como procedimental. João,
o bacharelando de meio de curso, demonstrou um domínio sobre o conhecimento decla-
rativo superior àquele do conhecimento procedimental. Apesar de realizar com muita
facilidade reduções harmônicas, por exemplo, no instrumento, em sua performance a
funcionalidade desses recursos não lhe auxiliaram totalmente na expressão qualitativa
dos eventos. Em seu caso, as estratégias de padrões harmônicos restringiram-se à sistema-

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tização e coordenação dos movimentos instrumentais das obras em preparação, e não
como guia ao direcionamento expressivo do sentido de tensão e repouso contido nos
eventos. No caso extremo, Sérgio (o formando) pareceu dispor tanto de conhecimento
declarativo, como procedimental. As conexões desses conhecimentos encontraram-se
amalgamadas de forma que seu deslocamento entre as habilidades cognitivas da matriz
foi extremamente fluido e dinâmico.
No modelo de Davidson e Scripp (1992), os modos de conhecimentos em termos
de produção, percepção e reflexão fortaleceram indícios de que estratégias de pensa-
mento foram direcionadas tanto por disposições experenciais, como por fatores auto-
reguladores da prática, a saber: organização, gerenciamento e supervisão. Nos três casos
estudados, a produção, através do conhecimento declarativo, envolveu estratégias sus-
tentadas pela investigação assim como de organização e implicou, no caso do conheci-
mento procedimental, o envolvimento físico, cognitivo, motor, emocional interconectados
em maior ou menor grau. Esse modo de conhecimento (produção), ainda que dependen-
te dos outros dois modos (percepção e reflexão), mostrou-se resultante do nível de espe-
cialização músico-instrumental de cada bacharelando estudado. A percepção lidou com a
investigação e supervisão, enquanto a reflexão, com o gerenciamento e a supervisão, para
os dois tipos de conhecimentos musicais.

6. Sub-áreas de conhecimentos
Educação Musical

Referências
Charlot, B. (2005). Du rapport au savoir: éléments pour une théorie. Paris: Anthropos.
Davidson, L; Scripp, L. (1992). Surveying the Coordinates of Cognitive Skills in Music. In R.
Cowell (Ed.). Handbook of research on music teaching and learning (pgs. 392-413). New York:
Schirmer Books.
Elliot, D.J. (1995). Music Matters. New York: Oxford University Press.
Swanwick, K. (1994) Musical knowledge, intuition, and music education. London: Routledge.

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“Can you beat it?” A hierarchy of rhythm
performance patterns for children ages six and
seven years

Debbie Lynn Wolf


dwolf@pbu.edu
Philadelphia Biblical University, USA

For the child beginning music instruction, initial successful performance


encourages positive experiences and the potential of repeating those experiences,
whereas, difficulty in performance may negatively affect the experience and the
likelihood of repeating the experience. A hierarchy of rhythm performance patterns
is required to identify patterns that are successful for most children. This study
investigated the performance difficulty of prevalent rhythm patterns selected
from first grade curriculums, and identified characteristics contributing to
performance success and difficulty of children ages six and seven.
Subjects (N =195) were ages six and seven years old in intact first grade classes
from six suburban public elementary schools in two school districts representing
populations of middle class socio-economic backgrounds from New Jersey and
Pennsylvania, USA. Subjects were audiotape recorded as they echoed selected
rhythm patterns; recordings were evaluated by two independent judges using a
six-point continuous rating scale. A hierarchy of rhythm performance patterns
was established based on the pattern difficulty of each item that was determined
by the percent of subjects who performed the item correctly. Rhythm patterns
were categorized as easy, moderate, or difficulty. Analysis revealed that duple
patterns were performed more accurately than triple patterns, but that subjects
could perform some triple meter patterns successfully. Difficulty was primarily
due to meter. The easiest rhythm performance patterns included the characteristics
of beat division and subdivision. Because these characteristics were not unique
to the easiest patterns, distinctions between easy and difficult rhythm pattern
characteristics are not clear. However, the hierarchy established by this research
provides a guideline for determining successful rhythm performances, and an
appropriate sequence of patterns for rhythm instruction and assessment.
Key Words: Rhythm Development, Early childhood music, Performance, Music
education.

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Background
The development of a vocabulary of tonal patterns and rhythm patterns provides a
more efficient means for music comprehension than conceptualization of isolated pitches
or durations (Deutsch, 1999; Dowling, 1999). Accordingly, to foster musical development
in young children, music educators should encourage children to learn and remember
tonal patterns and rhythm patterns essential to musical structure.
Gordon examined how children perceive tonal and rhythm patterns in an eight-year
investigation (1974, 1976, 1978). His research led to the development of a taxonomy of
audiated patterns and identification of the difficulty levels of individual audiated patterns.
Gordon’s taxonomy of audiated tonal patterns and rhythm patterns remains the apogee of
pattern research, but no parallel taxonomy of performance patterns has been established,
although several studies have identified difficulty levels of tonal performance patterns
(Jones, 1979; Lai, 1999; Sinor, 1984) and rhythm performance patterns (Bradford, 1995; Lai,
1999).
A definitive hierarchy of performance patterns would affect many aspects of music
education and research, including curriculum development, repertoire selection,
assessment of normal development and achievement level, and development of creative
skills. Because many rhythmic music experiences are planned for children by classroom
and music educators, the development of a hierarchy of rhythm performance patterns is
critical to promote successful participation.

Aims
Although the need for introducing rhythm performance patterns to children is
recognized as crucial to foundational music instruction, research has not provided a
definitive hierarchy of rhythm patterns to be introduced. This study investigated the
difficulty of rhythm patterns performed by first grade students and established a hierarchy
of rhythm performance patterns for children ages six and seven years.

Method
Subjects (N =195) were ages six and seven years in intact first grade classes
from six suburban public elementary schools in two school districts representing
populations of middle class socio-economic backgrounds from New Jersey and
Pennsylvania, USA. The investigator administered the Rhythm Pattern Performance Test
(Wolf, 2002) to all subjects who were audiotape recorded.
The Rhythm Pattern Performance Test (Wolf, 2002), an investigator-designed test for
children, examined the ability to perform rhythm patterns in imitative response to a recorded
model. The test consisted of thirty recorded rhythm patterns, and required approximately
four minutes to administer to each subject. The test featured rhythm patterns with macro/
micro beats, elongations, divisions, and divisions and elongations in similar forms for duple
and triple meter. Macro/micro beat function refers to the beat and its division into two or
three parts; elongation refers to the extension of a macrobeat; division refers to the

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subdivision of a microbeat; and division/elongation refers to any combination of division
and elongation functions.
Three kindergarten and first-grade curriculums (Beethoven, et al., 2000; Boyer-
Alexander, et al., 2000; Taggart, Bolton, Reynolds, Valerio, & Gordon, 1998) were surveyed
to examine the rhythm patterns most frequently used in standard method books. Although
the results of the survey revealed sparse representation of triple meter and a predominance
of rhythm patterns in duple meter in two of the three curriculums, lists were compiled of
the most common patterns. From these lists, patterns were selected that could be used in
similar forms for duple and triple meter.
Rhythm patterns were recorded by a soprano chanting on a neutral syllable “bah” in
both duple and triple meters over macrobeat taps produced by a metronome set at M.M.
67, which is the same tempo rhythm patterns are presented in standardized aptitude tests
(Gordon, 1979). Each rhythm section began with a recording of eight metronome taps
establishing tempo. Practice examples followed, which were included on the RPT recording
prior to the test patterns to introduce each section (duple or triple) and to familiarize the
subject with each meter. Because each section was introduced in similar form, the order
of the test could be varied to control for fatigue due to test length, or improvement due to
repetitive practice.
The recordings were evaluated by two independent judges, both experienced vocal
music educators, using a six-point continuous rating scale. he three lowest points (1-3)
were considered inaccurate performances and the three highest points (4-6) were
considered accurate performances. Patterns were awarded six points if the rhythm pattern
was chanted accurately, with all rhythms performed precisely on the macrobeat; five
points, if the rhythm pattern was chanted accurately, but without precision, slightly off the
macrobeat; four points, if the rhythm pattern was chanted accurately but with uncertainty,
and without alignment with the macrobeat; three points if the rhythm pattern was chanted
with correct meter and tempo, but with one rhythmic error; two points, if the rhythm
pattern was chanted with correct meter and tempo, but with more than one rhythmic
error,and one point, if the rhythm pattern was not completed, or was chanted with inaccurate
meter or tempo.
To examine intrajudge reliability, twenty percent of the performances were judged
twice; to examine interjudge reliability, the first set of ratings of the two judges for all
subjects (N = 195) were compared.

Results
All reliability coefficients for RPT were satisfactory. Intrajudge reliability coefficients
were .93 and .92. The interjudge reliability coefficient was .93. The mean score of the first
judge’s ratings of all performances (N = 195) was reported as 99.74 (SD = 22.5) of a total
possible score of 180; coefficients of skewness (.079) and kurtosis (-.383) were not extreme.
Thus, a normal distribution of RPT scores was demonstrated.
The rhythm patterns of the present study were assigned to categories (easy,moderate,
difficult) according to the mean and standard deviation of the pattern difficulty levels,

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representing the percentage of correct scores. Performance difficulty levels were
determined for each RPT pattern: the mean difficulty level was 45 (SD = 21). The patterns
determined to be difficult included patterns with difficulty levels one standard deviation
or more below the mean (difficulty levels 6-23); moderate, between one standard deviation
below and above the mean (difficulty levels 24-67); and easy, one standard deviation or
more above the mean (difficulty levels 68-77).
Table 1 presents the hierarchy of rhythm performance patterns.
The hierarchy of rhythm patterns reveal the following results:
1. Duple meter patterns were performed more accurately than triple meter patterns
2. Nearly all patterns identified as difficult patterns were triple meter patterns.
3.Triple meter patterns were not easy for most subjects in kindergarten.
No clear characteristics of difficulty emerged except the identification of duple
meter as easier to perform than triple meter, which supports the research results of Bradford
(1995) and Lai (1999).
The easiest rhythm performance patterns included the characteristics of beat division
and subdivision. Because these characteristics were not unique to the easiest patterns,
distinctions between easy and difficult rhythm pattern characteristics are not clear. As
expected, duple patterns of all functions were easier to perform than triple meter patterns
for kindergarten subjects. Perhaps differences between duple meter and triple meter
performance patterns would be less severe if subjects had more experiences with triple
meter.

Conclusions
A sequence of easy to difficult performance patterns, developed as a difficulty
hierarchy, was established among rhythm patterns performed by kindergarten children.
The rhythm patterns determined to be the easiest to perform were duple meter
patterns; the most difficult patterns were triple meter patterns. Meter seemed to be the
most important characteristic in determining rhythm pattern difficulty: other characteristics
of rhythm patterns were not clearly identified by the difficulty levels.
Parents and teachers should be encouraged to chant rhythm patterns to young
children. They should begin with the patterns identified in this study to be easy. An echo-
response format as developed in this study should be followed, presenting patterns in an
imitative game format to develop successful and enjoyable experiences in music-making.

Table 1. RPT Rhythm Performance Pattern Hierarchy

Item Meter Function Grade 1


13 Duple Macro/micro E 77
9 Duple Macro/micro E 76
5 Duple Division E 71
1 Duple Elongation E 70
16 Triple Elongation M 65
8 Duple Division M 64

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3 Duple Macro/micro M 63
28 Triple Macro/micro M 62
10 Duple Elongation M 61
6 Duple Macro/micro M 60
18 Triple Macro/micro M 58
12 Duple Division/Elongation M 56
24 Triple Macro/micro M 56
7 Duple Division/Elongation M 49
19 Triple Elongation M 48
21 Triple Macro/micro M 46
2 Duple Macro/micro M 45
4 Duple Elongation M 42
11 Duple Macro/micro M 42
22 Triple Division/Elongation M 37
15 Duple Elongation M 36
25 Triple Elongation M 36
17 Triple Macro/micro M 29
30 Triple Elongation M 26
20 Triple Division D 22
26 Triple Macro/micro D 20
23 Triple Division D 17
14 Duple Elongation D 11
29 Triple Elongation D 7
27 Triple Division/Elongation D 6
Average 45

A sequential curriculum based on the hierarchy of rhythm performance patterns


developed from this study should be designed and implemented for children ages six and
seven. A sequential approach beginning with the easiest and advancing to the more
difficult rhythm patterns should be considered in rhythm development, repertoire
selection, and as an appropriate sequence of performance patterns for improvisation and
creative experiences. The hierarchy of rhythm patterns determined by this study may
serve as a resource for the development of performance assessment criteria for children
ages six and seven. Music teachers could use these patterns to help identify students with
high rhythm ability or to identify areas of weakness to improve instruction.
The music curricular emphasis of duple meter should be restructured. Because
children can successfully perform some duple and triple meter patterns, their early
instruction should emphasize varied meters. Early opportunities to experience different
meters should be part of every music curriculum.

References
Beethoven, J., Bohn, D., Campbell, P., Culp, C., Davidson, E., Glover, S., et al. (2000). The music
connection. NY: Silver Burdett & Ginn.

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Boyer-Alexander, R., Campbelle-Holman, M., de Frece, R., Goodkin, D., Henderson, B., Jothen, M.,
et al. (2000). Share the music. New York: McGraw-Hill School Division.
Bradford, P. (1995). The aural/oral difficulty levels of selected rhythm patterns among
kindergarten children. (Doctoral dissertation, University of Oklahoma, 1995). Dissertation
Abstracts International, 56, 3044.
Deutsch, D. (1999a). Grouping mechanisms in music. In D. Deutsch (Ed.), The psychology of
music (2nd ed., pp. 299-348). San Diego, CA: Academic Press.
Dowling, W. (1999). The development of music perception and cognition. In D. Deutsch (Ed.),
The Psychology of Music (2nd ed., pp. 603-625). San Diego, California: Academic Press.
Gordon, E. (1974). Toward the development of a taxonomy of tonal patterns and rhythm
patterns: evidence of difficulty level and growth rate. In E. Gordon (Ed.), Experimental research
in the psychology of music: Vol. 9. (pp. 39-232). Iowa City: University of Iowa Press.
Gordon, E. (1976). Tonal and rhythm patterns: An objective analysis. New York: State University of
New York Press.
Gordon, E. (1978). A factor analytic description of tonal and rhythm patterns and objective evidence of
pattern difficulty level and growth rate. Chicago: GIA.
Gordon, E. (1979). Primary measures of music audiation. Chicago: GIA.
Jones, M. (1979). An investigation of the difficulty levels of selected tonal patterns as
perceived aurally and performed vocally by high school students. (Doctoral dissertation,
University of Michigan, 1979). Dissertation Abstracts International, 40, 2532.
Lai, C. (1999). An investigation of developmental music aptitude and music achievement in children
from Taiwan. Unpublished master’s thesis, Temple University, Philadelphia.
Sinor, E. (1984). The singing of selected tonal patterns by preschool children. (Doctoral
dissertation, Indiana University, 1984). Dissertation Abstracts International, 45, 3299.
Taggart, C., Bolton, B., Reynolds, A., Valerio, W., & Gordon, E. (2000). Jump right in the music
curriculum. Chicago: GIA.
Wolf, D. (2002). Tonal pattern and rhythm pattern performance test. Unpublished test, Temple
University, Philadelphia.

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Resolução de Problemas na Escolha de
Repertório em Aula Prática de Violão

Milson Fireman
milsonfireman@gmail.com
Universidade Federal da Bahia – BA

Resumo
A escolha de repertório em aulas de instrumento envolve um complexo processo
de avaliação. Muitas vezes, professores tomam suas decisões sobre o repertório
sem pensar nesse processo e em suas implicações. O objetivo principal deste
trabalho foi discutir como escolher o repertório musical em aula prática de violão,
através da proposição de cinco passos deduzidos da literatura relacionada e
observados em pesquisa anterior. Na fundamentação teórica, a escolha de reper-
tório é apresentada como uma tarefa que se apresenta como problema e exige
avaliação acurada por parte do educador. Em seguida, são apresentados os cinco
passos e discutidas algumas de suas contribuições e implicações para o ensino.
Os resultados indicam que esses passos podem ser úteis para guiar a escolha de
repertório, como uma forma de abordagem para resolução de problemas.
Palavras-chave: escolha de repertório; violão; resolução de problemas.

Fundamentação Teórica
Embora pouco discutida (Tourinho, 1993; Tourinho, 1995; Fireman, 2006; Oliveira e
Tourinho, 2003; Maris, 1995; Torres et al., 2003), não é preciso muita reflexão para entender
que:
A escolha do programa de estudo de música obedece a um complexo e individual sistema utiliza-
do por cada professor para cada aluno. Na avaliação diagnóstica de cada professor fica determinado
um caminho a ser percorrido a médio prazo, geralmente até a próxima avaliação somativa. São
escolhidas peças que possuam qualidade musical intrínseca, que possibilitem aprendizagem e
que atendam, de certa forma, ao gosto individual (Oliveira e Tourinho, 2003, pg. 22).

Pode-se afirmar que essa complexidade argumentada pelas autoras acima se deve
ao processo de avaliação necessário para realizar cada escolha. Ao optar por algo, o indiví-
duo é levado a considerar alguns critérios ou benefícios decorrentes daquela opção, bem
como de outras deixadas de lado, pesando cada uma das alternativas de acordo com seu
julgamento. Muitos podem reagir dizendo que há níveis de escolha e que em determina-
dos níveis não se faz uma reflexão acurada. Concordo que muitas atividades da vida

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cotidiana aparentemente sejam sem uma avaliação precisa, como, por exemplo, mudar
de direção para não esbarrar em algum obstáculo. Swanwick (2003, pg. 82) discute sobre
três fazes da avaliação e apresenta uma classificação como na tabela abaixo:

Filtrando Ensinando Examinando


Rejeitando Selecionando Interagindo Comparando Testando Relatando

Informal
Formal

De acordo com o autor, na extremidade esquerda da tabela (informal) está um tipo


de avaliação rotineira, onde não é necessário expor ou registrar os motivos que induziram
o docente a optar por alguma alternativa. Já a avaliação da extremidade direita refere-se
aos registros, notas e relatórios, que são de responsabilidade do professor, como testes e
provas, onde se avalia o aluno para que possa continuar seus estudos em uma próxima
etapa escolar. No entanto, há uma fase intermediária onde o tutor está consciente do que
faz, ele interage e compara para decidir a continuidade dos trabalhos e não necessaria-
mente terá que relatar e/ou justificar suas decisões.
É provável que muitos professores identifiquem essas fases presentes em sua práti-
ca e concordem também que ao se aproximar da extremidade formal as coisas começam
a se complicar. A necessidade de expor os critérios utilizados para medir a condição
técnica e musical de um estudante pode incomodar a maioria dos docentes.
Swanwick ao descrever “filtragem”,argumenta.
A filtragem possui um lado mais positivo, que é o da seleção. Podemos sair de nosso caminho para
estar próximos a um aparelho de rádio ou fazer uma gravação em fita quando queremos escutar
realmente o que está sendo transmitido. Ou podemos ficar esperando pelo último lançamento de
um artista ou artista específico. Aqui estamos filtrando de forma mais ativa. Cada vez que escolhemos
uma música para escutar, estamos fazendo uma avaliação de “filtragem” (Swanwick, 2003, pg. 82).

Meyer, embora não utilize o termo filtragem, também argumenta sobre esse tipo de
avaliação.
La palabra elección tiende a sugerir conocimiento consciente e intención deliberada. Pero sólo
una diminuta fracción de las elecciones que realizamos son de esta clase. En su mayor parte, el
comportamiento humano consta de una sucesión casi ininterrumpida de acciones habituales y
virtualmente automáticas: levantarse de la cama por las mañanas, lavarse, vestirse, preparar el
desayuno, leer el correo, ir en coche al trabajo, conversar con colegas, tocar el violín y así
sucesivamente (Meyer, 2000, pg. 21).

Escolher peças para que um aluno estude pode ser considerado como filtragem?
Classificando-a como informal, a filtragem aparentemente assume um papel menos rigoro-
so e descompromissado com a precisão. Por exemplo, atravessar a rua, exemplo dado por
Swanwick (2003, pg. 81), pode ser considerado como filtragem, pois não calculamos a
velocidade dos carros, a força necessária para o primeiro impulso do corpo, se é preciso
inclinar mais ou menos para frente e nem a velocidade que temos que atribuir ao movimen-

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to das pernas. Faz-se isso com base em experiências vividas anteriormente, ou seja, desde a
primeira travessia. Ela também é adquirida através da observação da prática de outros, pois
não é preciso ser atropelado para saber que é possível sofrer sérias fraturas no corpo. Apren-
de-se com a prática a realizar a prática de uma maneira mais competente, através dos erros
e acertos cometidos, por si e/ou por outros. A prática não invalida a seriedade e precisão com
que a tarefa é executada. Cada vez que se atravessa uma rua, adquire-se mais competência.
Embora a atividade se apresente aparentemente igual, renova-se diversas vezes na vida de
cada um; rua de larguras diferentes, carros com velocidades diferentes, etc. Ainda assim, não
se deixa de saber realizá-la de forma competente.
Na verdade, sobreviver seria difícil se em cada situação fosse necessário avaliar
meticulosamente as possíveis soluções. Para isso um dispositivo do cérebro pode ajudar:
a memória. É certo que ao comentar sobre o exemplo de atravessar a rua muitos leitores
tenham imaginado que o aprendizado para essa atividade estaria mais restrito ao contexto
em questão, porém, antes da primeira travessia, aprendeu-se a andar e a lidar com vários
construtos envolvidos de uma maneira prática. A partir dessas relações, representações
mentais vão sendo construídas, reconstruídas e armazenadas na memória. Com isso, mui-
tos problemas envolvidos em cada processo já estão relativamente resolvidos, bastando
apenas recuperar a informação.
Estudando a memória humana, Tulving descreveu três tipos de memória de longo
prazo: a episódica, a semântica e a processual (Tulving, 1985a, 1985b; Hadad e Glassman,
2006, pgs. 185-186). Essas categorias de memória diferem no tipo de informação armaze-
nada. A episódica recolhe conhecimentos sobre eventos e experiências, são aconteci-
mentos e datas; a semântica lida com os conceitos e a processual armazena as ações e
processos,“por exemplo, tocar piano ou assar um peru (Hadad e Glassman, 2006, pg. 185).”
A memória processual é classificada como implícita ou não declarativa (Mayes, pg. 759;
Gilbert, 1999, pg. 599; Rapp, 1999, pg. 7; Squire, 1999, pg. 521), como no trecho abaixo.
Nondeclarative memory underlies changes in skilled behavior, the development through
repetition of appropriate ways to respond to stimuli, and it underlies the phenomenon of priming
— a temporary change in the ability to identify or detect perceptual objects (Squire, 1999, pg.
521).

Então, quando se avalia, mesmo que por filtragem, é bem provável que se leve em
consideração os conhecimentos adquiridos daquela atividade, ou seja, a memória explíci-
ta e/ou implícita daquela competência. No caso de um professor de instrumento, o conhe-
cimento que ele tem da performance musical. Essa memória implícita capacita-o a melhorar
sua prática. Por exemplo, a facilidade que se tem ao se executar uma peça pela segunda
vez, após a leitura à primeira vista. Sua prática anterior vai facilitar a execução da peça,
mesmo não tendo consciência de que informações armazenadas na memória estejam
contribuindo para isso.
Ao se deparar com uma situação de escolha de peças em aula, o professor na verda-
de está diante de um problema a resolver.
Quando estamos diante de uma situação complexa como essa [escolher o melhor plano de via-
gem], as informações que estão em nossa memória intermediam decisões sobre que resposta é

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mais adequada à situação. Neste sentido, a memória é a base dos mapas cognitivos que Tolman
descreveu. Como ele declarou, os mapas cognitivos permitem ao organismo escolher diferentes
respostas em diferentes momentos do tempo (Hadad e Glassman, 2006, pg. 200)

A expressão mapa cognitivo está relacionada com a capacidade de desenvolver


conhecimentos de como os caminhos estão conectados (Hadad e Glassman, 2006, pg.
176; Pick, 1999, pgs. 135-137; Kesner, 2002, pg. 785). É interessante como se aproxima da
expressão,“caminho a ser percorrido”,utilizada por Oliveira e Tourinho na primeira citação
(2003, pg. 22). Poder-se-ia dizer que, de certa maneira, o professor conheça como os
caminhos estão conectados em um repertório. Esse conhecimento o ajuda a resolver
problemas durante o aprendizado de cada estudante.
É provável que a escolha de repertório musical seja um tipo de problema que possa
ser abordado através da heurística.
Entre os fatores a serem considerados na seleção da melhor solução podem estar: Quais as vanta-
gens relativas de cada solução? Que aspecto do problema é mais importante de resolver? Novos
problemas são criados pela solução proposta? Como foi visto no exemplo da energia nuclear, é
possível que diferentes pessoas prefiram diferentes soluções baseadas no peso que dão a diferen-
tes fatores? (Hadad e Glassman 2006, pg. 201)

Há indícios de que pessoas mais competentes abordam os problemas de uma ma-


neira organizada (Hadad e Glassman, 2006, pgs. 200-210; Simon, 1999, pg. 675). Alguns
estágios comuns foram observados na resolução de problemas:“1) Definir o problema; 2)
Desenvolver as possíveis soluções; e 3) Selecionar e avaliar a melhor solução (Hadad e
Glassman 2006, pg. 201).”

Objetivo
O principal objetivo deste trabalho é discutir como uma abordagem de resolução de
problemas pode ajudar a escolher o repertório musical em aula prática de violão, através
da indicação de cinco passos deduzidos da literatura relacionada e observados em pesqui-
sa anterior. A intenção é refletir como a mediação relacionada à seleção de músicas pode
ser aprimorada se encarada como um processo de resolução de problemas.

Contribuições
A partir de pesquisa bibliográfica e de campo foi possível propor cinco passos para a
escolha de repertório.
1. Avaliar as condições atuais do estudante
Considerar as condições técnicas, entendimento musical, necessidades emocionais
e outras características que possam subsidiar essa avaliação (Maris, 1995; Olsson, 2000;
Oliveira e Tourinho, 2003).
2. Estabelecer objetivos possíveis
Instituir metas necessárias ao desenvolvimento do estudante, nem tão fáceis ao
ponto de se perder o interesse pelo estudo nem tão difíceis ao ponto de serem executa-
das no limite da condição técnica e compreensão musical (Maris 1995; Oliveira e Tourinho,
2003; Martins 1985; Elliot 1995).

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3. Determinar um conjunto de recursos conhecidos
Eleger um território de trabalho para complementar o aprendizado de acordo com
os objetivos estabelecidos. Esse território pode ser um conjunto de músicas, um composi-
tor, um período e outros (Torres et al., 2003; Tourinho, 1993).
4. Avaliar aquela música que apresenta as características desejadas
Escolher, desse território de trabalho proposto, uma peça que servirá de fundamento
para atingir os objetivos estabelecidos, assim como um plano de atividades para que seja
viável sua realização (Maris, 1995; Meyer, 2000).
5. Predizer os possíveis resultados a alcançar com o material escolhido
Vislumbrar possíveis resultados provenientes dessa escolha (Maris, 1995; Meyer,2000).
A abordagem proposta aqui está de acordo com os estágios básicos observados em
modelos de resolução de problemas: Uma etapa de observação e reconhecimento do
problema; outra de desenvolvimento de soluções possíveis; e, por último, escolha da
solução mais adequada que desencadeará um novo ciclo de resolução de problemas.
Creio que os passos propostos possam ser utilizados por professores de instrumento
como uma maneira estratégica de pensar. É possível encarar a escolha de repertório como
um problema. Sendo assim, pode ser coerente proceder através da heurística para abordá-
lo, fazendo a seleção de forma organizada e consciente. Os autores Hadad e Glassman
enfatizam que a resolução de problemas é um tipo de habilidade que pode ser melhorada
através do treinamento e da prática (2000, pg. 200).
É possível também pensar nos passos como um exercício mental, a fim de estabele-
cer critérios ao selecionar. Através dessa proposta, outros profissionais podem adaptar essa
proposta e refletir sobre seus próprios métodos de seleção, e talvez, assim, seja factível
aprimorar o processo de escolha de repertório e contribuir para o crescimento musical dos
estudantes.
De certa maneira, pode-se observar que selecionar repertório não é simplesmente
dizer qual, mas envolve um conjunto de relações cognitivas estabelecidas ao longo da
vida, que são construídas e reconstruídas como resultado do processo reflexivo de cada
profissional.

Implicações
Os passos não precisam se apresentar da forma com que foi ordenado no presente
trabalho, podendo variar de acordo com as representações mentais de cada educador. É
provável que muitos educadores executem essa tarefa e, até certo ponto, sigam algumas
sugestões aqui apresentadas, mesmo que não estabeleçam estrategicamente dispositi-
vos para ajudá-los.
Ao se deparar com uma situação familiar (um determinado contexto), o educador
pode apenas reagir quase que automaticamente, não significando que a peça foi escolhi-
da ao acaso. A memória auxilia cada indivíduo a realizar uma série de tarefas diárias e ainda
não se sabe exatamente como isso ocorre. De acordo com o levantamento bibliográfico,
posso sugerir que existe uma memória implícita que habilita cada pessoa a lidar com
determinadas habilidades e que os professores utilizam-na quando escolhem peças para

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seus estudantes. O reconhecimento de um determinado contexto pode estimular a recu-
peração de um determinado dado na memória.
A preferência interfere na seleção de peças. Preferência pode ser considerada como
repetir uma determinada escolha por considerar algumas características como suficientes
para um caso. A preferência tem seu lado positivo, porém o negativo é que pode limitar a
quantidade de peças disponíveis para a seleção. Essa preferência pode limitar a quantida-
de de opções disponíveis ao se selecionar uma peça e que ao preferir ele pode estar
limitando o acesso dos estudantes a determinadas peças. Essa limitação interfere no su-
cesso com que resolve o problema (escolhe as peças). É importante pensar em diversida-
de sem esquecer os objetivos pré-estabelecidos.

Subáreas do Conhecimento
Educação musical; Ensino de instrumentos musicais; Psicologia cognitiva; Resolução
de Problemas.

Referências
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The mind-body connection and musician’s


health

Terri Mitchell
terriflutist@aol.com
University of Miami - USA

Abstract
This paper will address the mind-body connection and the effect on the physical
and emotional health of the musician. It will offer techniques currently being
utilized to address emotional and mental issues that may negatively affect the
performance of the musician. Some techniques will be self-directed while others
require a healthcare practitioner.
The connection between the mind of the musician and their physical health is a
complex one. Worry and fear about a minor physical condition can create a
system of negative feedback which can exacerbate the original minor condition
and cause it to become a major impediment to music making. The profession of
music requires that the performer be confident and secure in their reasons for
playing as well as their ability. Doubt in one’s ability or one’s purpose can lead to
physical tension which can in turn create physical problems. The normal stress
that accompanies performing can lead to physical issues as well. Performance-

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related stress can become so severe that the physical manifestations of it (sweating,
shallow breathing, tension in the body, tremors, even vomiting) can negatively
affect the performers ability to create their art. Conflict or tension between
performers in a group can also lead to mental stress which can manifest with
physical symptoms. Even the type of music that a performer is called on to lay can
impact the physical and mental state of the performer. If a performer is comfortable
with a style, he/she will be more relaxed as he plays. If he/she is not comfortable
with a particular style, the resulting anxiety can lead to mental stress, and then to
physical discomfort and even injury.
Nevertheless, there are a number of techniques that can be used to help the
musician counteract the negative effects of physical, emotional and mental stress.
Some of the following techniques can learned and utilized individually, while
others require the assistance of a professional.

Visualization
Visualization, or guided imagery as it is called, has been used for centuries. With the
advent of modern medicine, its’ use, as well as the use of other alternative therapies, fell
out of favor with the prevailing medical culture. However, it has been experiencing a
comeback in the last 20 years or so.There is even a new specialty, psychoneuroimmunology,
that is exploring the connection between the mind and the immune system. Visualization
and guided imagery are now used in clinical settings to help patients combat cancer and
asthma as well as many other conditions. Among its’ advocates are doctors, nurses and
other allopathic health care practitioners. Visualization and guided imagery involve not
only visual imagery, but also touch, smell, taste and hearing. All of the senses can be used
in these exercises.
An example of a visualization exercise, for someone suffering from back pain, might
be as follows:
Close your eyes. Imagine that you are sitting on a beach. As you sit on the beach, see the golden
sand, the blue waves washing in and out, the yellow sun warming the sand. Feel the sand under
your toes, feel the sun warming and relaxing all your muscles. Taste the salt in the air and hear the
waves rushing in and out. Smell the scent of the sea as your body relaxes to the sound of the waves.
Feel the energy of the sun radiating through your body. Fill your entire body with the golden light
of the sun. Anyplace where the light doesn’t seem to reach, gently let the light fill those areas,
warming and relaxing them. Start at the top of your head and feel the light filling your head. Let
it come down behind your eyes, filling your nose and mouth. Feel it radiating to the back of your
head, so that your head is light and floating, filled with golden light. Feel the light travel down your
spine, radiating out from the spine so that it fills all of the muscles in your back. Let the light penetrate
through the muscles to fill your chest and neck, relaxing all the muscles as it warms them. As you
breathe in, breathe in the golden light. See and feel your lungs fill with the golden, warm light.
Feel the light enter your heart. With each beat of the heart, feel the golden warm light pulse
through your body, filling every blood vessel with warm, relaxing golden light. Breathe deeply,
filling your lungs and body with the warm golden light. As you exhale, breathe out any darkness
that you see or feel in your body, letting it go into the air. Feel the light travel through your chest
and into your stomach. Feel the warm golden light pass through all the organs and enter into the

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muscles of the lower back, warming and relaxing them. The entire trunk of your body is warm,
relaxed and glowing with a beautiful golden light. Feel the light flow down your arms, all the way
to your fingertips, streaming from your fingertips into the sand. All of the arm muscles are relaxed
and light, filled with a glowing, golden light. Feel the glowing golden light flow into your legs. All
of the muscles are relaxed and warm. The light is now filling your whole body, streaming from
your finger and toes. You feel relaxed warm and calm. Breathe deeply, inhaling the scents of the
ocean and the sand. 22

Ideally, a person using visualization or guided imagery will eventually design their
own exercise or at least modify the technique to suit their unique needs.
Much of the time, visualization is self-taught or can be learned through reading
books that explain the process, or with audio or video tapes or CDs. This type of exercise
would be most likely to work with a problem that was not severe. For those patients
struggling with cancer or severe pain, there are instructors who help guide the patient.
Patients may be told to visualize their tumors getting smaller, or an army, rooting out and
killing the cancer cells. Visualization has also been shown to be useful for athletes and
other performers. They may visualize themselves pitching the perfect game, or playing
the perfect concert. Visualization can also be used to learn music and practice without the
instrument if the musician cannot, for health or other reasons, actually play the instrument.
Julie Lieberman, in her book You Are Your Instrument, has exercises designed to help the
musician do just that.

Biofeedback
Biofeedback is a technique that uses electronic instruments to measure muscle
tension, skin temperature, perspiration and other body functions. The information is then
sent to a screen or audio unit where the patient can see or hear these results. The purpose
of this is to allow the patient to monitor and then learn to control some of these functions.
Biofeedback is most often used with relaxation or other exercises such as visualization
that will help the patient achieve the desired results.
There are several different machines that can be used for biofeedback. The most
common, an EMG or electromyograph, measures electrical activity in the muscle. It is used
with patients who suffer from paralysis in order to help them regain some or all of the
activity in the paralyzed muscle. It is also frequently used to help patients relieve muscle
tension in the back, face, neck, forehead or jaw, thus possibly relieving neck or back pain or
headache. It can also be used to treat stress related disorders such as asthma.
Temperature biofeedback measures the temperature on the skin and is used to treat
circulatory disorders and relieve stress. Electrodermal response can be used to relieve
performance anxiety. There are other devices which measure blood pressure and heart
rate and which can be used to help patients regulate these functions as well.
Biofeedback is usually taught by professional health care practitioners. There are
portable devices that allow the patient to practice the technique at home. With practice,
the patient should be able to utilize the technique even without the machine. Biofeedback
is contraindicated in patients with certain diseases, such as diabetes, so it should only be
used with the advice of a health care practitioner.

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Biofeedback is mentioned in the article Occupational Overuse Syndrome/Repetitive
Strain Injury: the Occupational Therapist’s Role. It is mentioned here as one of several
techniques used by occupational therapists in assessing and in treating those who suffer
from Repetitive Stress Injury. The article states that “an EMG is used in the initial session in
order to reinforce the education about tension levels in muscles and positions that increase
them.”23 The author also states that this technique is used during therapy to help the client
find those positions and postures which are the most effective and the least likely to cause
recurrence of the problem.The article also indicates that the unit used is portable and can
be used by the client at home. This article lists musicians as one of a group of occupations
in which Repetitive Stress Injury prone to occur.
Biofeedback is mentioned in the book The Musician’s Survival Manual by Richard
Norris. One paragraph in the book states that biofeedback can be useful both for general
stress reduction and for determining the amount of force that is necessary to play the
instrument. Dr. Norris, who specializes in performing arts medicine, states “In my
experience, one of the most common technical errors is the use of too much force in
pressing on strings, keys, valves and the like”.24 In the same section, Dr. Norris also supports
the use of videofeedback. Dr. Norris mentions that slowing down the tape for viewing
allows the player and the therapist to see motions that otherwise may not be visible due
to the speed of the movement.
The book Performing Arts Medicine, edited by Robert Sataloff, Alice Brandfonbrenner
and Richard Lederman, is a book that is geared almost exclusively to the allopathic approach
to the problems of the performing artist. There is, however, a short section in the chapter
entitled “Therapeutic Management of the Instrumental Musician”, by Jan Dommerholt,
Richard Norris and Mary Shaheen, that addresses biofeedback and videofeedback. In this
section, the authors note the use of EMG analysis within the field of sports medicine, but
go on to state that “its application for musicians is only sporadically documented.”25 They
cite a few studies that have been done that use this method of research. Only one of the
studies mentioned, however, involved a woodwind player. The authors then review a case
from their own clinic that demonstrates how such a technique can be utilized. The parti-
cular subject in this case was a pianist.
Videofeedback is also mentioned in this chapter. It is noted by the authors that some
movements made by musicians are so rapid that it is impossible to analyze them at the
time of performance. With videofeedback, the playback can be slowed down and then
the methods and problems can be analyzed and observed with more accuracy. Again, in
the chapter, the piano was the instrument used.

Relaxation and Breathing


While neither visualization nor biofeedback, the method used by Dr.Louise Montello,
as described in the article “Tuning the Human Instrument: Mind-body Rehabilitation for
the Injured Musician, Part I” addresses issues that other forms of therapy may not address.
It is Dr. Montello’s contention that “With emotional stress being a critical factor associated
with the onset of many performance-related injuries, it is so important to include a
psychological component in treating musician’s injuries”.26 In this article, Dr. Montello

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discusses the reasons why dealing with the emotions associated with the loss, or possibility
of the loss, of playing their instrument can only help the recovery of the patient. At the
center where Dr. Montello practices, it is her experience, as stated in the article, that the
best results are obtained by those musicians who approach their injury from both the
physical and the emotional aspect of the problem. This “team approach” as Dr. Montello
terms it, allows the therapists to see the “whole picture” of the patient and to treat them in
a “holistic” manner. Dr. Montello goes on to explain one of the techniques that she uses,
breath awareness. It is Dr. Montello’s contention that many musicians do not breathe
properly, especially when they are under stress. She also teaches them to prolong exhalation
and alternate nostril breathing. (It should be noted that alternate nostril breathing is also a
yoga technique.) She also writes that she teaches relaxation techniques exercises, although
she does not specify which techniques. There is a referral to the website that is run by the
not-for-profit organization, Musicians’Wellness, Inc. that was recently started by Dr.Montello
and several of her colleagues in the New York area. At this center, they offer training in
their particular method for musicians who perform and teach, as well as other health-care
professionals.

Meditation
Meditation has been used for centuries in both Eastern and Western cultures. While
frequently associated with a religious practice or philosophy, it need not be. When part of
a religious or philosophical practice, the aim of meditation would be to achieve a higher
spiritual state. When performed less formally, it can reduce stress and anxiety.
There are four elements that are needed for most formal forms of meditation. The
first is a quiet environment that allows the practitioner to focus without distraction. The
second is a formal position that allows one to remain alert, yet relaxed. The third is an
object or phrase on which to focus, and the fourth is a “passive, receptive attitude.
Concentration is not forced; if the mind wanders, simply remind yourself to come back
into focus.”27
The physiological effects of meditation have been documented in scientific studies
of practitioners of various forms of meditation including Indian yogis and Zen monks.
Some of the effects that have been documented are lowered heart rate, lower oxygen
consumption, changes in brain wave patterns and lower levels of lactic acid in the blood.
Lactic acid is the substance that accumulates in the muscles during and after times of
stress, whether it is physical stress produced through exertion, or mental stress.
Lawrence LeShan, a psychotherapist who has studied meditation extensively,
identifies four paths to meditation. The two that are most familiar...are... through the
intellect .....and emotions..... The third... involves total absorption in bodily movements,
such as is practiced in Hatha Yoga and Ta’i Chi exercises. The fourth, the path of action,
applies the principles of meditation to learning a skill or performing a task.28
Relaxation can also be useful to relieve stress related pains and aches. The problem
is that the same thing that makes one person feel relaxed may make another person
tense. But in the same way that things or situations can make one feel stressed, one can
create a situation to relieves stress. Common ways of relieving stress are deep breathing

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exercises, warm baths, a hobby or exercise. Another technologically oriented way of
relieving stress is the use of relaxation tanks. There is a therapeutic name for the technique
that uses these tanks. REST stands for Restricted Environmental Stimulation Therapy. These
tanks, either “dry” or “wet”,are darkened and soundproof. The wet tank has a ten inch pool
of water that is saturated with Epsom salts so that the body will float rather than sink. It is
kept at a temperature of 93.5 degrees, the same temperature as the outer skin, so that the
patient feels neither cool nor warm. A typical session may last from half an hour to two
hours. The door has a handle so that the person may leave the tank at any time. There have
been studies done that indicate that this type of therapy may “ help lower blood pressure,
decrease muscle tension, and produce other physiological changes associated with the
relaxation response.”29 The dry tank usually has a water-bed mattress in a darkened, sound
proof chamber. Some are constructed so that one can stay for up to 24 hours, with a toilet,
room to move around and get food. These types of tanks may help in some programs in
which longer periods are necessary. One of the things that make these types of tanks
popular is that it takes no training. They can also be useful for those people who have
difficulty achieving relaxation under any circumstances.

Neuro Modulation Technique


Neuro Modulation Technique or NMT, is an energetic healing technique for treating
primarily physical conditions. It does however, address the spiritual, mental and other
aspects of treating those physical conditions. The practitioner can treat the patient for any
number of negative emotions, including fear, rage, guilt etc.. This is usually done as part of
the process for healing a physical condition. The advantage to the musician with this
particular technique is that the practitioner will be able to treat for emotions that the
patient may be unaware of. The healing technique is non-invasive, will not interfere with
any allopathic treatment that the patient may be receiving and all NMT practitioners must
be trained in another related medical field before they can be trained as NMT practitioners.
For those musicians with mysterious pain and conditions that do not seem to respond to
traditional healing methods (which may indicate an emotional or mental connection), this
technique can be very useful. The technique is also used to treat infectious diseases,
musculo-skeletal conditions, allergies, and can serve as a useful adjunct to traditional
therapies. The technique is relatively new. Information can be obtained on the website
http://www.neuromodulationtechnique.com/Patients/MainPatients.cfm

Conclusion
The production of music requires a complex synergy between the mind and the
body of the musician. In order for the optimal performance to be achieved, both body and
mind must be in the optimal state for each performer. It is incumbent upon performers
and teachers to address both the physical and mental/emotional issues that can influence
the production of the art. For those performers who struggle with physical difficulties,
addressing mental and spiritual aspects of health may enhance their recovery. Technniques
to accomplish this exist and are being used in some clinical settings.

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Notas
21
Designed by the author, this is a visualization used by the author after studying the technique with
therapists and in different texts.
22
Anne McNaughton, “Occupational Overuse Syndrome/Repetitive Strain Injury: the Occupational
Therapist’s Role”, The British Journal of Occupational Therapy vol. 60 no. 2 (1997): 71.
23
Norris, Richard , M.D., The Musicians Survival Manual: a Guide to Preventing and Treating Injuries in
Instrumentalists, ( San Antonio: Crumrine Printers, 1993): 20.
24
Jan Dommerholt, MPS, PT, Richard N. Norris, MD and Mary Shaheen, OTR/L “Therapeautic Management of
the Instrumental Musician,” in Performing Arts Medicine, ed. Robert Sataloff, MD, DMA, Alice Brandfonbrener,
MD, and Richard J. Lederman, MD, PhD (San Diego and London: Singular Publishing Group, 1998): 285.
25
. Montello, Dr. Louise, “Tuning the Human Instrument: Mind-body Rehabilitation for the Injured Musician,
Part I”, International Musician, (July 2001): 15.
26
Alma E. Guiness, ed., Family Guide to Natural Medicine, (Pleasantville, New York/Montreal: The Readers
Digest Association, Inc., 1993): 100.
27
. Ibid., 103-104.
28
. Ibid., 111.

Improvisação na Música Clássica da Índia:


Abdução e Significação

José Luiz Martinez


martinez@pucsp.br
PUC -SP

Resumo
Diversos estudos publicados sobre a improvisação na música indiana têm se
limitado a elementos técnicos derivados da análise de transcrições. Ignora-se
tanto o conceito de raga como forma musical capaz de afetar os ouvintes, quanto
os elementos de representação musical no contexto da cultura e da geografia da
Índia. Apoiando-se na semiótica da música em bases peirceanas, procurar-se-á
nesta comunicação empregar os conceitos de semiose, representação e abdução
para o estudo da improvisação na música clássica da Índia. Esta abordagem impli-
ca no estudo do processo musical da improvisação em vista do modo como a
música é pensada naquela cultura, em suas redes de criação e recepção, em seus

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modos particulares de sentir, fazer e pensar a música.
Palavras-chave: improvisação, Índia, semiótica

Há um jogo de relações sígnicas coordenando a realização de música improvisada


durante a performance de um raga (em gêneros como dhrupad, khayal, ragam-tanam-
pallavi) ou exclusivamente de um tala (nas formas percussivas). Elementos musicais e
formas são pré-estabelecidos por regras, ou melhor, por legisignos. Suas materializações
enquanto réplicas permitem o aparecimento de variantes em um certo grau. As escolhas
efetivamente tomadas pelos músicos podem ser entendidas como resultado de inferências
resultantes de instintos musicais, hábitos de execução e escolha treinados ao ponto de
serem realizados instantaneamente. Esse processo pode ser entendido semioticamente
como um aspecto da causação final (ação determinada por um propósito) controlando a
causação eficiente (ação física) do tocar um instrumento ou cantar.
Na lógica clássica há dois tipos de inferências: dedução e indução. Peirce, em seus
estudos sobre epistemologia e filosofia da ciência, reconhece a importância da formação
de hipóteses e sua semelhança com formas aparentemente não epistêmicas como a
advinhação. Ele denomina esse tipo de raciocínio de abdução e desenvolve uma teoria
demonstrando a sua importância para a lógica e para o processo de descoberta nas ciên-
cias. Eero Tarasti foi o primeiro a aplicar os três tipos de inferência de Peirce — abdução,
indução e dedução — ao estudo da improvisação musical (vide Tarasti 1994: 77). Ainda
que, por meio de dedução se possa obter signos que se conformam especificamente às
regras estabelecidas numa linguagem; assim como por meio da indução se possa obter
signos musicais semelhantes às formas bem sucedidas de improvisação; é com a incerte-
za da abdução que se pode obter improvisações realmente originais e significativas. Volta-
rei a esta importante questão adiante.
Se o aspecto cognitivo de uma improvisação pode ser estudado como um dialogismo
entre inferências musicais e gestos treinados do corpo que realiza a execução, outros
aspectos se relacionam ao modo como representações musicais são construídas nesse
processo. Assim, pode-se pensar a improvisação em três campos interrelacionados: 1. o
estudo da improvisação considerando-se o signo em si mesmo, 2. o estudo da relação do
signo e do seu objeto na improvisação, 3. a improvisação como o estudo do signo musical
em relação ao seus possíveis interpretantes. No primeiro caso, concentra-se nos aspectos
técnicos da estrutura e desenvolvimento musical. A maior parte dos estudos sobre impro-
visação na música clássica da Índia adotam essa abordagem. Pode-se mencionar o artigo
de Viswanatham e Cormack sobre a música Carnática (1998) e o artigo de Slawek sobre as
improvisações de Ravi Shankar (1998).
No entanto, a performance na música indiana não se limita às questões da inferência
abdutiva e da ação instintual sobre signos puramente musicais. Ao meu ver, referência e
representação podem ser igualmente importantes. Desta forma, signos icônicos, indiciais,
assim como símbolos são combinados com legisignos puramente musicais e suas
materializações (sinsignos) no tecer semiótico da ação dos músicos. Neste nível de inves-
tigação, as estruturas musicais são significativamente relacionadas a objetos do contexto
da cultura indiana. Este é um apecto de grande importância na música da Índia, já que seu

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principal objetivo, seu summum bonum, não é a apresentação de puro virtuosismo ou de
pura estrutura. Ao contrário, do ponto de vista da execução, o propósito de qualquer bom
músico é a significação do ragabhava, as qualidades de sentimento intrinsecamente
associadas às qualidades acústicas de um raga. Do ponto de vista do ouvinte, o objetivo é
o desfrutar do rasa, a essência estética de um raga, que é uma qualidade de sentimento
generalizada e impessoal (vide Martinez, 2001: 332-368). A música na Índia não é apenas
uma questão de svaras (notas musicais) e bols (articulações nos tambores). É a semiose, o
processo de significação, que constitui a realidade da música. A semiose musical é o
processo que interrelaciona mentes e corpos dos intérpretes e ouvintes na grande rede
de significados de uma cultura. Eu acredito que a semiótica musical em bases peirceanas
oferece uma metodologia ampla e profunda para a análise do fato musical complexo. Para
ilustrar essa questão pode-se tomar um exemplo de um artigo do Prof. Saxena:
Agora, imagine um devoto celebrando a manhã com svaras do raga Bhairav, o qual é indicado para
esse momento especial do dia. Concentrando-se com a vocalização da tônica, ele inicia o desenvol-
vimento do canto de tal forma que ele mesmo é capaz de se saturar com imagens e atitudes
adequadas à hora — o nascer do sol — ardendo em oração e restringindo seu próprio ser, derra-
mando arghia (água sagrada) sobre o ídolo, e se afastando das coisas do mundo. Um toque breve e
imaculado sobre a tônica, seguido imediatamente de komal re (ré bemol) prolongado de maneira
firme e doce, sintoniza a mente com o nascer do sol, sugerindo o vir a ser. Roçando a mesma nota
(ré bemol) enquanto se desce de ga (mi) ele traz, de certo modo, uma clara transcrição eufônica do
ângulo descendente do arghia sendo derramado sobre o ídolo. Enquando a concentração cresce
por meio dos svaras (ou notas), o afastamento se aprofunda e o cantor coopera articulando o sa
(tônica) apenas idealmente e se prolongando sobre o re (ré bemol) — agora quase imperceptivel-
mente, mas é claro, docemente — a nota sugerindo transcendência. O re assim se torna um auxílio
à devoção e à elevação do eu. (1992: 9)

O cantor, neste caso, está fazendo uso de signos icônicos, tais como um motivo
ascendente que refere ao nascer do sol ou à elevação espiritual, ou um motivo descen-
dente que sugere o ritual de derramar água sagrada sobre a imagem divina. A estátua,
apesar de não ter sido especificada por Saxena, representa certamente Shiva, um dos
principais deuses hindu, uma vez que o raga Bhairav simboliza uma das formas de Shiva.
De qualquer forma, a performance segue os legisignos (tipos) que caracterizam esse raga,
cujos sinsignos (ocorrências) são modulados por ícones, índices e símbolos. No Exemplo 1
pode-se analizar, ainda que de maneira sumária, os principais legisignos do raga Bhairav.

Exemplo 1 — Raga Bhairav — estrutura escalar

Se um motivo, tal como apresentado no Exemplo 2, representa o ato de derramar


água sagrada sobre a estátua de Shiva, o signo está fundamentado numa similaridade de
movimento e forma. Trata-se, portanto, de um signo icônico. O motivo se caracteriza como
um gesto vocal cujo contorno é brevemente ascendente no início e a seguir descenden-
te, incluindo um mind, isto é, um glissando, da terça maior para a segunda menor, esta

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executada com um andolan (um ornamento que soa como uma oscilação), e finalmente
o repouso sobre a tônica. Frequentemente, os intérpretes cantariam esse típico motivo de
Bhairav realizando um gesto com a mão, traduzindo o perfil acústico em movimento
corporal. Este tipo de intersemiose é bastante presente na música indiana, na forma de
interrelações significativas entre motivos e frases musicais, texto e movimento corporal.
Na citação acima, Saxena deixa claro a iconicidade entre música e gesto, representamdo
o ato de derramar água. A similaridade de formas e movimentos configura a representa-
ção. A improvisação, neste caso, está sendo governada antes pela referência do que por
estruturas musicais puras. Isto é muito freqüente na música clássica da Índia.

Exemplo 2 — Raga Bhairav, motivo

No processo de improvisação na música indiana, uma idéia musical vem de outras


idéias. Muitas vezes, como vimos acima, essas idéias estão ancoradas em representações
cujos objetos pertencem à cultura da Índia. Uma idéia musical pode ser qualquer tipo de
signo que toma parte no processo dinâmico da significação musical (semiose). No domí-
nio da performance, idéias são signos que funcionam na mente do improvisador determi-
nado a causação final. De acordo com Peirce, uma idéia é caracterizada por três elementos:
“O primeiro é a sua qualidade intrínseca enquanto um sentimento. O segundo é a energia
com a qual uma idéia afeta outras idéias, uma energia que é infinita no aqui e agora da
sensação imediata, finita e relativa na proximidade do passado. O terceiro elemento é a
tendência de uma idéia em trazer outras idéias consigo” (CP 6.135).Todos os três pontos
são significativos para o estudo da improvisação musical. A qualidade de um intervalo, por
exemplo, pode sugerir uma seqüência de variações, tais como nas técnicas do sargam,
bolbanao ou tans; ou a ressonância de um ataque sobre a pele do tambor agudo pode
configurar padrões de improvisação num solo de tabla. Em segundo lugar, uma idéia
musical, de acordo com sua quantidade relativa de energia, interage com outras idéias
previamente apresentadas, e isso pode sugerir para o músico novas possibilidades. Em
terceiro lugar, uma idéia musical atrai outras idéias semelhantes ou contíguas, e pode
mesmo constituir um padrão a partir do qual outras idéias de um nível mais geral podem
ser desenvolvidas.
Para se estudar como as idéias são manipuladas pelo improvisador pode-se recorrer
às três espécies de raciocínio. É obvio que a articulação de legisignos musicais e suas
materializações é principalmente o resultado de inferências dedutivas e indutivas. Assim,
para seu estudo pode-se desenvolver gramáticas gerativas que representam as regras de
transformação e desenvolvimento de materias musicais, tal como Kippen e Bel fizeram
em relação à improvisação no tabla (vide Kippen 1992a e 1992b). Porém, a vitalidade e a
flexibilidade da improvisação na música indiana implica que os músicos fazem uso não
apenas de deduções e induções, mas igualmente de uma outra forma de raciocínio aberto
, a abdução, na qual as idéias musicais aparecem como soluções não rigidamente determi-

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nadas, mas antes como possibilidades. Estas não se caracterizam apenas como uma ques-
tão de acaso, ainda que o acaso possa tomar parte do processo abdutivo. De acordo com
Lúcia Santaella, a abdução é um tipo paradoxal de inferência:
A abdução é um processo mental que compartilha da natureza das leis, conseqüentemente se
inserindo no território da terceiridade. Porém, apesar de ser uma inferência lógica com ‘uma for-
ma lógica perfeitamente definida’, e ainda que chegue a uma conclusão, portanto se tornando um
tipo de argumento, a abdução é ‘muito levemente obstruída por regras lógicas’ e afirma sua ‘con-
clusão apenas problematicamente e na forma de conjectura’ (CP 5.188-205; see also 7.219 and MS
962). (Santaella 1991: 126)

Portanto, abdução é uma forma de raciocínio que é, por um lado, altamente falível e
ilógica, se aproximando de uma advinhação e, por outro, é uma forma verdadeira de
argumento, capaz de desvelar novas soluções.
O papel da abdução na improvisação é o de geral idéias musicais, não de uma forma
mecânica, tal como proposto nos modelos computacionais, mas como uma forma de
instinto musical que produz sinsignos originais à partir da complexidade de possíveis
formas de um raga ou tala. A abdução trabalha entre as fronteiras das formas musicais
cristalizadas e de seus limites de variações aceitáveis, do gênero musical e do estilo
particular do intérprete. O silogismo de uma performance é altamente complexo, especi-
almente na música Hindustani, cujos limites não são claramente demarcados.
Na Índia, os músicos são identificados como conservadores ou mais inventivos,
dependendo de como eles atualizam os legisignos de um raga. De acordo com Manuel:
“enquanto certos artistas preferem uma abordagem estrita, estreita e altamente estruturada
na interpretação de um raga, outros se sentem mais à vontade adotando uma atitude mais
liberal em relação aos detalhes, confiantes que eles possam apresentar uma imagem
acurada de um certo raga ao mesmo tempo que de uma maneira levemente menos
dogmática em relação às convenções articuladas por puristas” (1990: 22). Como um mú-
sico improvisa de modo menos dogmático mas sem cantar ou tocar formas musicais
inaceitáveis para a tradição, pode ser explicado como um produto de advinhações instin-
tivas oferecidas pela abdução. Essas advinhações não são tão diferentes daquelas usadas
para levantar hipóteses que conduzem a novas descobertas científicas. Peirce escreve:
Qualquer modo pelo qual o homem tenha adquirido sua faculdade de advinhar os hábitos da
Natureza, certamente não foi por meio de uma lógica crítica e auto-controlada. Mesmo hoje ele
não pode dar uma razão exata para suas melhores descobertas. Me parece que a mais clara afirma-
ção que podemos fazer de uma situação lógica — a mais livre de toda mistura questionável — é
dizer que o homem tem um certo Insight, não tão forte para ser frequentemente mais certo do
que errado, a respeito das Terceiridades, dos elementos gerais, da Natureza. Um Insight, eu o chamo,
porque deve ser relacionado à mesma classe de operações às quais pertencem os Julgamentos
Perceptivos. Essa faculdade é ao mesmo tempo da natureza geral do Instinto, sendo semelhante
aos instintos dos animais, que ultrapassam muito mais os poderes gerais de nossa razão, e por nos
dirigir como se nós possuíssemos conhecimento de fatos que estão inteiramente fora do alcance
de nossos sentidos. Ele ainda parece um instinto também em sua pequena propicialidade ao erro.
Ainda que ele resulte mais errado do que certo, no entanto, a freqüência relativa com a qual ele
está certo é no todo a coisa mais maravilhosa na nossa constituição. (CP 5.173)

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Os instintos do pensamento musical não constituem exclusivamente uma lógica da
criação musical, mas também especulação, advinhação, insight. A abdução é uma forma
de inferência relacionada ao modo de operação da primeiridade, a categoria das qualida-
des puras e do acaso. Santaella escreve que a abdução “é mental e ao mesmo tempo
sensual. Ela é simultaneamente pensamento e emoção. Ela é racional — ou ao menos
razoável — mas não garante satisfação à razão. Por fim, mas não por último, ela é inspira-
ção, instinto e, ao mesmo tempo, ali está a única fonte de novas idéias e descobertas”
(1991: 127). O conceito peirceano de abdução nos ajuda assim a comprender melhor os
processos criativos, especialmente aqueles que se realizam no momento de uma
performance, como a apresentação de um raga, uma forma de improvisação ancorada em
padrões lógicos e estruturas, que fazem referência ao seu universo estético e cultural, e
cujo propósito é afetar a mente do ouvinte delinenado claramente a imagem de um raga,
simultaneamente sentimento, gesto e forma.

Referências
Kippen, James (1992a). Tabla Drumming and the Human-Computer Interaction. The World of
Music 34(3): 72-98.
(1992b). Where Does the End Begin? Problems in Musico-Cognitive Modeling. Minds and Machines
2(4): 329-344.
Manuel, Peter 1990. Legitimate and Illegitimate Variation in Raga Interpretation. Sangeet Natak
Academi (journal) 96: 19-27.
Martinez, José Luiz 1996. Icons in Music: a Peircean Rationale. Semiotica 110(1/2): 57-86.
2001. Semiosis in Hindustani Music. New Delhi: Motilal Banarsidass.
Peirce, Charles Sanders 1938-1956. The Collected Papers, 8 vols., Charles Hartshorne, Paul Weiss,
and Arthur W. Burks (eds.). Cambridge: Harvard University Press. (Referências como CP
[número do volume].[número do parágrafo])
Santaella, Lucia 1991. Instinct, logic, or the logic of instinct? Semiotica 83(1/2): 123-141.
Saxena, S.K.1992. Hindustani Music and the Philosophy of Art. Sangeet Natak Academi (journal)
105-106: 3-23.
Slawek, Sthephen 1998. Keep it Going: Terms, Practices, and Processes of Improvisation in Hindustani
Instrumental Music. In In the Course of Performance: Studies in the World of Musical
Improvisation, B. Nettl and M. Russell (eds.), pp. 335-68. Chicago: The University of Chicago
Press.
Tarasti, Eero 1994. From Mastersingers to Bororo Indians - on the Semiosis of Improvisation. In
Improvisation 2: 62-81. Frankfurt: Amadeus Verlag.
Viswanatham, T. and Cormack, Jody 1998. Melodic Improvisation in Karnatak Music: The
Manifestations of Raga. In In the Course of Performance: Studies in the World of Musical
Improvisation, B. Nettl and M. Russell (eds.), pp. 219-33. Chicago: The University of Chicago
Press.

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Incorporando a mente musical

Marcos Vinício Cunha Nogueira


mvinicio@centroin.com.br
Universidade Federal do Rio de Janeiro

Resumo
A comunicação versa sobre a introdução a uma semântica cognitiva do entendi-
mento musical. Fundamenta-se no referencial teórico desde Maurice Merleau-
Ponty à lingüística, à filosofia e à psicologia cognitivas da atualidade, tendo como
pano de fundo as novas teorias da metáfora. Assim, com a expressão semântica do
entendimento musical refere-se a categorias semânticas musicais no nível de evento
musical, no nível de sintaxe musical e no nível da experiência emocional. Todos os
níveis exigem entendimento, que procede da comunicação da experiência. Na
presente pesquisa, propõe-se entender música não simplesmente como fato ou
coisa no mundo, mas como sentido constituído pela mente humana que combi-
na entendimento, memória e imaginação. É com esse referencial que se pretende
contribuir com a pesquisa do sentido na experiência da música e com o desenvol-
vimento de metodologias para o ensino e o aperfeiçoamento das técnicas
composicionais.
Palavras-chaves: Composição – Semântica Cognitiva – Metáfora

Discorro na presente comunicação sobre a questão central do projeto do qual venho


me ocupando nos últimos 8 anos. A hipótese que propus é que dada a existência de uma
organização pré-conceptual exibida por uma estrutura musical, não é suficiente escutá-la
para ouvir e entender música como música. O entendimento musical não requer nenhu-
ma recuperação de um mundo ficcional. Contudo, somente podemos apreender o sentido
da música por meio de um ato de entendimento musical, e não por “atribuição de valor”
como o faz a semântica objetivista. Entendemos, como Scruton, que “nunca poderíamos
explicar o entendimento musical em termos do conteúdo expressivo da música, em razão
de necessitarmos de uma teoria do entendimento musical antes de vermos o que a
‘expressão’, num dado contexto, significa” (Scruton, 1997:211).
A semântica definida como relação entre representações simbólicas e realidade
objetiva (independente da mente) analisava o sentido e a razão sem levar em conta
estruturas não-proposicionais tais como imagens, padrões esquemáticos e projeções
metafóricas, não consideradas essenciais para o sentido, embora sejam componentes do
entendimento. Essas mesmas estruturas antes desconsideradas são, contudo, centrais para
a semântica cognitiva. Ainda que sejam estruturas não-proposicionais, são atadas a con-

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teúdos proposicionais e desempenham um papel crucial na compreensão daquilo que é
significativo – para a semântica cognitiva o sentido lingüístico é apenas um caso especial
de significância.
Antes de tudo, o entendimento musical é inseparável da experiência da música.
Referimo-nos, precisamente, à experiência da escuta, ou seja, da interação entre uma
mente incorporada e os sons. E podemos considerá-la em duas formas: uma escuta por
uma sinalização e uma escuta por ela mesma. A primeira relaciona-se a uma capacidade
perceptiva comum tanto a seres humanos quanto a animais em geral. As especificidades
da imaginação humana, entretanto, nos tornam seres capazes de voltar a atenção para os
sons eles mesmos e de escutá-los com um interesse no próprio ato da escuta, ou seja, com
interesse em como soam os sons. Caso prescindamos de uma busca por informação ou tão
logo ela se efetive, iniciamos a busca por padrões, ordem e sentido nos sons que escuta-
mos, prolongando nosso interesse neles. E essa é a condição para que possamos ouvir
música. No instante que passamos a ouvir sons como música, nossa experiência deixa de
ser estruturada em termos de conteúdo informacional e adquire estruturação mais imagi-
nativa e criativa.
O entendimento que está na base desse sentido não é um mero jogo de padrões. Na
experiência musical estamos interessados numa forma musical e num conteúdo musical.
Quando imprimimos, de algum modo, ordem a objetos sonoros, surgem entre eles inter-
relações perceptíveis, traduzidas por agrupamentos e limites formais. E o entendimento
dessas relações é estruturado por esquemas de imagem e projeções metafóricas origina-
dos em nosso domínio físico e comportamental. A capacidade de estender o movimento
musical por meio de conexões consecutivas de um grande número de agrupamentos,
sem que se perca a coerência do todo antes do limite final conclusivo, é um dos traços
mais notáveis na música da nossa tradição. Podemos ainda dizer que ao entendermos a
forma musical recuperamos um “conteúdo” mental – temos um entendimento do en-
tendimento.
Os objetivos principais da fase inicial da pesquisa foram o detalhamento da questão
e a investigação da aplicabilidade das teorias cognitivas do sentido num projeto de intro-
dução à semântica do entendimento musical. Com essa expressão referimo-nos a catego-
rias semânticas musicais no nível de evento musical, no nível de sintaxe musical e no nível
da experiência emocional. Todos os níveis exigem entendimento, que procede da comuni-
cação da experiência.
O sentido musical, divergindo das pretensões metafísicas, é indissociavelmente
perceptivo; não se desvincula de suas presenças sonoras. A superfície musical percebida,
o sentido incorporado, não encontra substituto na análise ou na abstração. Por essa razão,
o programa fenomenológico de Maurice Merleau-Ponty tornou-se um ponto de partida
natural para uma fenomenologia da arte e, em especial, da música, na medida em que não
atribui aos sentidos musicais menos consistência devido à sua intraduzível corporeidade;
afinal, todo o conhecimento repousa num mesmo fundamento corpóreo e perceptivo.
Dessa forma, para a fenomenologia da arte a obra – especificamente seu texto30 – deve
ser reduzida à condição de “materialização da consciência” de seu autor, assim manifesta-
da. Essa abordagem resiste, por exemplo, a explicar o que a música é ou o que simboliza,

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dedicando-se, ao invés, a descrever como é ouvida, como é experimentada. Ou seja, trata-
se de uma espécie de“psicologia descritiva”da música.A promessa de uma fenomenologia
aplicada à música, naquele momento emergente, é, por conseguinte, o auxílio na suspen-
são das tendências a ouvirmos certos tipos e categorias, com isso objetivando a experiên-
cia com a natureza sonora essencial.
Embora Merleau-Ponty não tenha se dedicado diretamente a uma fenomenologia
musical, seu empreendimento fenomenológico gerou um terreno fértil para o exame das
qualidades sensíveis da música e da sua relação com o conhecimento. Duas de suas teses
são especialmente importantes nesse sentido: a instituição de uma teoria do conheci-
mento fundada menos no pensamento que na experiência perceptiva e o conceito do
corpo como nosso instrumento de comprometimento com o mundo. Uma vez que o
conhecimento é mediado pelo corpo, é situado e carrega as impressões indeléveis desse
corpo, o que dificultaria sua consideração como conhecimento predominantemente abs-
trato e cerebral, que se opõe à sensibilidade.
Esse esforço para atribuir status epistemológico à experiência perceptiva não deve
ser confundido, todavia, com a pretensão empirista de que o conhecimento tem por base
a experiência sensível. Para os antigos empiristas havia uma distinção entre o sentir e o
que é sentido, entre a sensação e a sua causa objetiva. A fenomenologia de Merleau-Ponty
sustenta a idéia de uma construção conjunta do ato de sentir com aquilo que é sentido,
numa relação recíproca entre o sujeito que percebe e aquilo que é percebido. Isso nega a
neutralidade da percepção, que passa a ser fortemente determinada pelo que é percebi-
do. Desaparece a separação entre a consciência e aquilo de que ela é consciente. Aqui não
há divisor entre o fenômeno e a “coisa em si”, entre o percebido e o conhecido:
A partir do momento em que há consciência, e para que haja consciência, é preciso que exista um
algo do qual ela seja consciência, um objeto intencional, e ela só pode dirigir-se a este objeto
enquanto se “irrealiza” e se lança nele, enquanto está inteira nesta referência a... algo, enquanto é
um puro ato de significação. (Merleau-Ponty, 1996:172)

Segundo esse programa de pesquisa, os objetos são inteiramente constituídos no


ato de percepção e, portanto, não requerem qualquer contribuição de um intelecto
“desincorporado”.Sendo sempre ligada ao corpo, a percepção é perspectiva e parcial, está
sempre espacialmente situada: é percepção de algum lugar, pois nunca percebemos de
todos os lugares ao mesmo tempo – isto é, de lugar nenhum. Perceber algo é viver nele, é
manter-se ligado a ele; pensar algo é mantê-lo à distância, é manter-se separado dele. Se
a Fenomenologia discute, com freqüência, os prejuízos clássicos causados pelo empirismo,
mostra também sua antítese ao intelectualismo:
Um e outro tomam por objeto de análise o mundo objetivo, que não é primeiro nem segundo o
tempo nem segundo seu sentido; um e outro são incapazes de exprimir a maneira particular pela
qual a consciência perceptiva constitui seu objeto. Ambos guardam distância a respeito da per-
cepção, em lugar de aderir a ela. (Ibid., 53)

Ao propor a descoberta da estrutura da percepção pela reflexão, o intelectualismo


desenvolve a noção de juízo que é freqüentemente tratado como aquilo que falta à sen-
sação para tornar possível uma percepção. Isto é, a sensação deixa de ser elemento real da

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consciência e o sujeito da percepção é ignorado. Na fenomenologia de Merleau-Ponty, ao
contrário, a percepção é sempre corpórea, de modo que o corpo está sempre saturado
com seu objeto ao percebê-lo, e isso contradiz qualquer distinção entre o ato perceptivo e
seu objeto:“ela não se apresenta como um acontecimento no mundo ao qual se possa
aplicar, por exemplo, a categoria de causalidade, mas a cada momento como uma re-
criação ou uma re-constituição do mundo” (ibid., 279).
Donde emerge o aparente paradoxo de as coisas serem constituídas completamen-
te, mas serem somente parcialmente reveladas na percepção. Segundo Merleau-Ponty, a
explicação para isso é que a aparência de qualquer perfil particular do objeto é dependen-
te do esquema. A percepção não consiste da apreensão de um simples perfil, mas é
sempre acompanhada pela consciência de outros perfis potenciais implícitos no esquema
operativo. E é por isso que a percepção sempre transcende a particularidade de uma dada
perspectiva na direção de seu objeto. O que o ato de percepção acrescenta à simples
sensação, então, é um sentido de profundidade, um reconhecimento de que seu objeto
sempre consiste de mais do que apenas esta única apresentação. E a percepção carrega
consigo o sentido de inexauribilidade de modos, em que seus objetos podem se nos
apresentar.
O programa fundado por Merleau-Ponty também inspirou e orientou grande parte
das linhas de trabalho das novas ciências da mente. No contexto das ciências cognitivas
contemporâneas – uma nova matriz interdisciplinar de fronteiras ainda tênues, fundada
em torno dos anos 1970 –, reconhece-se na incorporação do conhecimento, da cognição
e da experiência um sentido duplo para “corpo”: como estrutura experiencial vivida e
como contexto dos mecanismos cognitivos. Por corpo passa-se a entender então algo que
é tanto “externo” quanto “interno”, tanto “biológico” quanto “fenomenológico” – lados da
incorporação, que não são, evidentemente, opostos. Estamos num mundo inseparável de
nós, mas um mundo que nós mesmos projetamos. Está em jogo a tese central da fragmen-
tação do sujeito cognoscente – o self –, que vem sendo apresentada por vários filósofos,
pela psicologia e pelas ciências sociais desde Nietzsche, desafiando assim a concepção
tradicional do sujeito como centro do conhecimento, da cognição e da ação.
De fato, o corpo humano e as estruturas da imaginação e do entendimento que
emergem de nossa experiência incorporada foram negligenciados na tradição idealista
sob a alegação de que introduzem elementos subjetivos irrelevantes na reflexão acerca
da natureza objetiva do sentido. Nessa tradição, como já discutimos, a razão é algo abstrato
e transcendente, portanto desligada de qualquer aspecto corporal do entendimento hu-
mano; o sentido é uma relação entre as representações simbólicas e a realidade objetiva,
sendo sempre proposicional; e os conceitos são “desincorporados”,no sentido de que não
estão ligados à mente particular que os experimenta – do modo como as imagens estão.
No contexto cognitivo contemporâneo, ao contrário,“corpo” é entendido como um termo
genérico para a origem das estruturas imaginativas do entendimento, e esse entendimen-
to humano incorporado é algo indispensável para a formação do sentido e da racionalidade.
O “entendimento” é considerado, pois, algo composto pelas estruturas imaginativas que
surgem de nossa experiência enquanto organismos corpóreos que interagem com um
meio. Tudo isso fundado na ampliação do termo “experiência”, que passa a ser entendido

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num sentido que inclui as dimensões perceptivas, motoras, emocionais, históricas, sociais
e lingüísticas: tudo aquilo que nos faz humanos.
Entendendo que a ciência tem uma existência fora da teoria, muitos cientistas
cognitivos têm proposto um movimento de volta à experiência, ou seja, discutir o conhe-
cimento como algo que depende de nossa incorporação: de estarmos em um mundo
inseparável de nossos corpos, de nossa linguagem e de nossa história social – embora
vários segmentos da filosofia ligada às ciências cognitivas continuem a resistir à noção de
cognição como compreensão incorporada e à orientação“não-objetivista”.Uma mudança
radical em nosso entendimento da razão – que tem sido tomada em toda a tradição como
característica definidora dos seres humanos –, enquanto resultado da pesquisa empírica, é
uma mudança radical também em nosso entendimento de nós mesmos. George Lakoff e
Mark Johnson discutiram os parâmetros desse novo entendimento da razão e os reuniram
da seguinte forma:
A razão não é desincorporada, como a tradição largamente afirmou, mas surge da natureza de
nossos cérebros, corpos e experiências corporais. (...)Os mesmos mecanismos neuronais e cognitivos
que nos permite perceber e nos mover por toda a parte também cria nossos sistemas conceptuais
e modos de razão. (...)A razão é evolutiva (...), não é uma essência que nos separa de outros animais;
antes, coloca-nos num continuum com eles. A razão não é “universal” no sentido transcendente;
isto é, não é parte da estrutura do universo. É universal, entretanto, na medida em que é compar-
tilhada universalmente por todos os seres humanos. (...)A razão não é completamente consciente,
mas em grande parte inconsciente. Não é puramente literal, mas altamente metafórica e imagina-
tiva. Não é isenta de paixão, mas emocionalmente comprometida. (Lakoff e Johnson, 1999:4)

A ciência cognitiva assim entendida é, pois, uma disciplina que estuda os sistemas
conceptuais. A partir de seu advento, descobrimos, antes de tudo, que a maior parte do
nosso pensamento é inconsciente, no sentido que opera “abaixo” do nível da consciência
cognitiva e é a esta inacessível. Os cientistas cognitivos têm mostrado experimentalmen-
te que para entender operamos formas incrivelmente complexas de pensamento auto-
maticamente e sem qualquer esforço aparente. O termo cognitivo é aqui empregado para
qualquer tipo de operação mental ou estrutura que pode ser estudada em termos preci-
sos. E grande parte dessas estruturas é inconsciente: não podemos ser conscientes de
cada processo neuronal envolvido no complexo processamento que dá origem à consci-
ência da experiência auditiva, por exemplo.Todos os aspectos do pensamento e da lingua-
gem, sejam eles conscientes ou inconscientes, são cognitivos, assim como também têm
sido estudados sob uma perspectiva cognitiva a imagem mental, as emoções e as opera-
ções motoras.
Uma das conseqüências de como nossas mentes são incorporadas é a categorização.
Todo organismo vivo categoriza em função de seu aparato sensório, de suas habilidades
motoras e do modo como aciona as coisas no mundo. Por conseguinte, categorizamos
simplesmente por termos os corpos e os cérebros que temos e por interagirmos no
mundo do modo como interagimos. Dizer que as nossas categorias são formadas em
virtude da nossa incorporação é dizer que as categorias que formamos são parte de nossa
experiência. Reduzimos a enorme quantidade de informação que vem do meio, selecio-

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nando-a por relevância. O mecanismo básico de percepção e de memória semântica que
denominamos “categorização” inclui, pois, a habilidade para: (a)agrupar características e
assim diferenciar objetos, eventos ou qualidades; e (b)fazer equivalências e associações
desses objetos, eventos e qualidades em uma categoria.
A categorização não é, portanto, um processo puramente intelectual, que ocorre
após o fato da experiência. Somente uma pequena percentagem de nossas categorias é
formada por atos conscientes de categorização; a maior parte é espontânea e inconscien-
temente formada como resultado da nossa ação experiencial no mundo. Quando pensa-
mos, formamos deliberadamente novas categorias, mas nossas categorias inconscientes
inserem-se, automaticamente, nesse processo. As categorias formam a conexão entre a
percepção e o pensamento, criam uma forma na qual a experiência pode ser estruturada.
A opção que faço pelo viés da pesquisa cognitiva como principal referência
metodológica em minhas pesquisas demonstra a assunção de que a música é uma com-
petência cerebral e corporal. O corpo que experimenta música não é somente um corpo
que ouve, mas o centro corporal que integra toda essa experiência. Os padrões de fluxo e
refluxo, de tensão e distensão são estruturas experienciais da música aprendidas pelo
corpo e reconhecidas em outras experiências incorporadas, similarmente estruturadas.
Essa base corpórea do sentido musical pode nos oferecer, por exemplo, a explicação de
como as emoções – que não são meras associações extramusicais – integram a experiên-
cia musical. A semântica cognitiva e, particularmente, a descrição de Johnson das estrutu-
ras abstratas de imagem na memória – pelas quais formamos o sentido de nossos mundos
– permitem-nos vislumbrar novas perspectivas para o estudo do sentido musical. Se a
experiência é a fonte daquelas estruturas e se a experiência humana é fundamentalmen-
te social, nossas experiências compartilhadas são cruciais para o sentido musical e para a
sua comunicação: música é uma forma de discurso social.
A característica particular da música, que faz uma relação especial com o inconscien-
te parecer possível, é sua capacidade de burlar o mundo externo dos objetos: uma espécie
de campo destituído de referência a objetos reais e que prescinde, em algum grau, de
linguagem. Talvez sua maior “pureza expressiva” libere a música de associações mais
fundadas nos objetos do pensamento. A música representaria assim uma fonte mais pro-
funda de ação do inconsciente, já que mais livre das determinações restritivas da lingua-
gem. Na presente pesquisa, entendemos música não simplesmente como fato ou coisa
no mundo, mas como sentido constituído pela mente humana que combina entendimen-
to, memória e imaginação.

Notas
30
Na acepção aqui empregada e dependendo do sistema de signos no interior do qual o texto é “formado”,
pode-se dizer da existência de diversas manifestações textuais: um poema, uma fotografia, uma escultura,
uma música é um texto. O texto musical é, pois, um “tecido de signos” resultante das relações estabelecidas
por seu ouvinte-autor com as realidades, no ato da “escuta original”, ou seja, aquela que tem lugar no ato da
sua criação.

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Referências
Lakoff, G. & Johnson, M. (1999). Philosophy in the flesh: the embodied mind and its challenge
to western thought. New York: Basic Books.
Merleau-Ponty, M. (1994). Fenomenologia da percepção. São Paulo: Martins Fontes.
Scruton, R. (1997). The aesthetics of music. New York: Oxford University Press.

Ansiedade de Performance em Música – Causas,


Sintomas e Estratégias de Enfrentamento

Carlos Alberto M. da Fonseca


Núcleo de Pesquisa em Performance Musical e Psicologia – NUPSIMUS-UFBA
carlos_amf@terra.com.br

Resumo
A Ansiedade de Performance em Música é um fenômeno cuja manifestação gera
dificuldades na performance dos músicos, muitas vezes levando a sofrimentos
prolongados e ao afastamento das apresentações públicas. O presente artigo,
reconhecendo a quase ausência de literatura em português a respeito do tema,
procura definir o fenômeno, apontar suas causas, sintomas e estratégias de
enfrentamento.
Palavras-Chave: Ansiedade de Performance em Música, Medo de Palco; Psicologia
da Música.

Introdução
Steptoe e Fidler (apud Kenny, 2005, p. 183) afirmam que diversas pesquisas têm
demonstrado que a Ansiedade de Performance em Música (MPA) entre os músicos de
orquestra é freqüente e problemática. Em verdade, trata-se de uma profissão na qual,
desde a formação até o ingresso no mercado de trabalho, o músico se encontra submeti-
do a um alto nível de estresse ocupacional, situação que, em geral, é desconhecida do
grande público, que associa essa atividade a lazer (Debès, 2006, p. 512). Karasek e Theorell
(apud Galvão, 2006, p. 10), em estudo que realizaram e avaliaram a pressão sanguínea de
músicos de orquestra, constataram que ela era mais alta que em indivíduos que ocupam

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atividades notadamente conhecida como estressantes, como é o caso dos controladores
de vôo. Lima (apud Costa e Abrahão, 2004, p. 62) afirma que “o medo de errar, de ser
repreendido e humilhado diante dos pares, de perder o emprego assume reações de
ordem psicossomática, como tremor, choro, nervosismo, ansiedade e aceleração de movi-
mentos”.Em torno de 15% dos músicos de orquestra, em pesquisa realizada pela associa-
ção de orquestras britânicas, tiram licença de no mínimo um mês por ano em decorrência
de transtornos de origem laboral (Id. Ib.). Gonik (apud Ib., ib.), citando pesquisas na área,
relata que em torno de três quartos de integrantes de orquestras nos Estados Unidos
sofrem de problemas de saúde que afetam seu desempenho.
A MPA manifesta-se independentemente do músico ser amador ou profissional
(Steptoe, apud Stanton, 1993, p. 78; Wilson e Roland, 2002, p. 47; Dèbes, 2006, p. 519).
Músicos que apresentam essa desordem preocupam-se com o fato de suas apresenta-
ções serem um fracasso. Ela também se manifesta em músicos jovens, em crianças e em
adolescentes. Estudantes de música clássica apresentam um nível maior de ansiedade de
performance em música do que estudantes de jazz (Kenny e Ackerman, s/d; Gabrielson,
2003, p.255).
A ansiedade de performance é um problema que tem criado dificuldades para
muitos músicos atingirem todo seu potencial. Nomes como Vladimir Horowitz e o cantor
pop Carly Simon, Leopold Godowsky, Enrico Caruso, Pablo Casals e Maria Callas são alguns
dos que figuram entre aqueles que tiveram que aprender a lidar com essa situação (Leblanc,
Jin, Obert e Siivola, 1997). Wilson e Roland (2002, p. 47) assinalam que a ansiedade de
perfomance é sentida, geralmente, como um medo – muitas vezes incapacitante – de
performance em público. Como em qualquer situação de medo, ocorre um aumento da
adrenalina, preparando o organismo para uma resposta de luta ou fuga. O que deveria
gerar uma adaptação não acontece, pois o meio não permite (não é possível atacar ou
fugir de uma platéia), terminando por afetar a performance. Entretanto, muitos outros
músicos vêem a ansiedade e o nervosismo antes de uma performance como normal e até
como parte benéfica da preparação (Wilson e Roland, apud Kesselring, 2006, p. 315). É
interessante notar que a MPA não ocorre em ciganos, pelo fato de não serem sobrecarre-
gados com a responsabilidade de nosso sistema social. Quando tocam, seu foco está no
prazer do ouvinte (Havas apud Kesselring, 2006, p. 315).

Considerações sobre MPA


Kesselring (2006, p. 309) define a MPA como “um estado de excitação e ansiedade
que ocorre antes ou durante uma performance diante de uma platéia, resultando em uma
tarefa difícil de ser realizada ou desprazerosa, mas que tem que ser feita, e que afeta a
auto-estima”. Ressalta também que, como afeta a pessoa como um todo, “não pode ser
reduzida a uma desordem do controle motor”.
Miller (2002) chama a atenção para o fato de que a ansiedade de performance não
é diferente da ansiedade em geral, implicando que sentimentos de medo e apreensão
são acompanhados por excitação fisiológica. Diversos autores afirmam que, até certo nível
de tensão, a performance pode ser facilitadora. Dessa forma, o grau de excitação gerado
pode ser normal e temporário ou anormal e persistente, assumindo contornos patológi-

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cos, apresentando sintomas de ordem cognitiva, comportamental e fisiológica. Ela pode
ser entendida como uma fobia social, em razão do medo de humilhação (Steptoe e Fidler
1987, Cox e Kennardy 1993, in Kesselring, 2006; Galvão, 2006; Wilson e Roland, 2002).
Entretanto, Osborne e Franklin (apud Gabrielson, 2003, p. 255) observam que, embora
haja uma relação entre MPA e fobia social, alguns resultados de pesquisas indicam que
níveis muito altos de MPA não significam que ela seja sinônimo de fobia social. Indepen-
dentemente de toda a controvérsia gerada, o critério para o DSM-IV, no caso de MPA
severa, permite uma classificação dentro da fobia social (Bonastre e Nuevo, 2006).
É interessante observar alguns aspectos referidos por Strongman sobre a ansiedade.
Segundo o autor, em The Oxford Companion to the Mind (Strongman, 1998, p.201) a ansi-
edade é referida como possuindo características perturbadoras e de causas indefinidas.
Um dos aspectos básicos da ansiedade parece ser a incerteza. Em razão disso, a ansiedade
só pode ser compreendida se considerados seus aspectos cognitivos (Strongman, 1998, p.
146). No que diz respeito à incerteza, Lazarus (apud Strogman, 1998, p. 211), assinala que
há no indivíduo um forte impulso para verificar se a ameaça é externa e objetiva, resultan-
do em uma diminuição da incerteza. Entretanto, como o problema é de ordem existencial,
tão logo nos ajustamos a uma ameaça objetiva, outra toma o seu lugar.
Para Miller (2002) são várias as formas e graus em que a ansiedade de desempenho
pode ser experimentada. Pode, por exemplo, ocorrer no período que antecede a apresen-
tação (dias ou semanas antes) e não apenas no momento da performance.
São os seguintes os tipos de ansiedade clínica identificadas e listadas por esse autor
(2002):
• ansiedade reativa: resulta de preparação inadequada;
• ansiedade adaptativa: o corpo adapta-se a uma situação de perigo, aumentando o
seu estado de excitação;
• ansiedade mal adaptada: a ansiedade aumenta e gera um efeito negativo;
• ansiedade patológica: a excitação ocorre em situações nas quais não podemos
identificar do que temos medo. Mesmo quando sabemos que não podemos ser
feridos, mantemos nossa atenção nos sentimentos de ansiedade.

Causas
Kenny e Osborne (apud Thompson, Bella e Keller, 2006, p. 99) apontam que muitas
características de desordem relacionadas com MPA apresentadas na idade adulta
freqüentemente originaram-se cedo, durante o desenvolvimento musical.
O medo de ser julgado e, em decorrência, ser desvalorizado em sua auto-estima é
apontado por Kesselring (2006, p. 310-312) como sendo o principal estímulo para desen-
cadear reações de ansiedade. Isso ocorre pelo fato dos músicos executarem habilidades
psicomotoras complexas sob condições de alta excitação, quando estão submetidos à
avaliação de sua performance. A avaliação feita pelo músico com relação às exigências da
performance, os recursos que percebe que possui para lidar com elas (por exemplo,
habilidade e prontidão) e o sentido ou conseqüências são todos influenciados pela perso-
nalidade (auto-estima, confiança em si mesmo) e fatores motivacionais (perfeccionismo,
tempo de prática).

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Wilson (apud Kesselring, 2006, p. 310-312) afirma que o grau de ansiedade aumen-
ta em proporção direta com as exigências do papel. Daí, a importância de que se tenha
consciência com relação a esse fato. Quanto mais o indivíduo se especializa e restringe
sua competência, mais vulnerável se torna. No caso da performance em música, isso se
torna crítico, em decorrência do nível de especialização que essa área permite que o
sujeito alcance. O autor alerta para o fato de que as expectativas podem gerar um perigo
maior do que aqueles com os quais somos defrontados na vida real.
Galvão (2006, p. 11) aponta outros elementos estressores, tais como: as apresenta-
ções durarem, em geral, em torno de duas horas (principalmente, no caso de apresenta-
ções de orquestras), exigindo um esforço adicional do músico, tendo em vista ser um
tempo muito superior aos 30 a 40 minutos de alta concentração a que o ser humano pode
ser submetido; tensões relacionadas com as indicações de entrada dadas pelo maestro; a
natureza conflituosa do ambiente orquestral, como resultado de diferente abordagens
interpretativas, entre outros.
Como conseqüência de experiências vivenciadas no passado, a ansiedade de
performance está freqüentemente associada a uma forma de julgamento ou censura, que
pode tanto ser interna ou externa e real ou imaginária. Como possuímos um forte “censor
interno”,termina-se, durante a performance, não lançando mão das qualidades que mais
se necessita: autoconfiança, força de persuasão e coragem (Kesselring, 2006, p. 310-312).

O Papel da Performance e da Platéia


Kesselring (2006) define a performance como “um intercâmbio de valores emocio-
nais”. Ela é uma situação conflituosa de atração e evitação (ser ouvido e visto e o medo de
se expor com possibilidade de fracasso). Na performance em música, o medo é mais
marcado, e as situações são mais estressantes pela avaliação a que o músico está sujeito e
que, geralmente, têm influência direta sobre sua progressão na carreira (Wilson and Roland,
apud Kesselring, 2006, p. 310-312). Há um aspecto ambivalente na performance que a
torna muito difícil: por um lado, o querer ser ouvido e visto; por outro, o querer se proteger.
Quando o músico não atende às expectativas do censor interno ou quando o
perfeccionismo demanda um controle total, há um grande aumento da tensão, prejudi-
cando a concentração e desviando o foco na tarefa, resultando numa influência sobre os
domínios cognitivos e podendo resultar numa completa desorientação. Kenny e Ackerman
(s/d, p.1) afirmam que a performance é, por sua própria natureza, estressante.
Em um estudo conduzido por Leblanc, Jin, Obert e Siivola (1997) com jovens inte-
grantes de uma banda de música, foi verificado que a presença de uma platéia estava
associada com altos níveis de ansiedade em performance, comprovando, assim, estudos
anteriores: Leglar (1978), Hamann (1982), Hamann e Sobaje (1983), Abel e Larkin (1990),
Tartalone (1992) e Brotons (1994).
Para Miller (2002), poucas atividades produzem tensão e ansiedade tão rapidamen-
te e profundamente quanto a performance em público. Entretanto, como afirmam Steptoe
e Fidler, Cox e Kennardy (apud Kesselring, 2006, p. 310-312) é a platéia que dá significado
ao desempenho em música com a sua presença, uma presença geralmente silenciosa.
Para que haja participação dela, faz-se necessário o cumprimento de normas e padrões,

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permitindo-lhe a vivência de experiências estéticas. Nesse contexto, a ansiedade experi-
mentada pelo músico pode aumentar, como decorrência de suas suspeitas quanto às
expectativas da platéia, quanto à sua reação, que lhe é amplamente desconhecida e
anônima. A situação imaginada ocasiona os mesmos sintomas que uma situação real de
perigo. Os elementos estressores, nesse caso, disparam uma função adaptativa que termi-
nam interferindo com a performance.

A Função do Sistema Nervoso


A atuação do sistema nervoso simpático tem dois aspectos contrastantes: age como
estimulante aumentando o estado de alerta e também o aumento da concentração. A
qualidade do estado de prontidão para agir esta relacionada com um gráfico em U inver-
tido: baixos níveis de excitação não são motivadores o suficiente; um nível elevado inter-
fere com a performance, haja vista que atrapalha a concentração, cria bloqueio de memória
e há uma perda de equilíbrio nas mãos e voz (lei de Yerkes-Dodson).

Sintomas
Keselring (2006, p. 310) apresenta a descrição de uma pessoa com MPA, onde pode-
se verificar a existência de todas as reações de quando o sistema nervoso simpático é
submetido a intensa estimulação, uma resposta adrenérgica, resultando em resposta de
sobrevivência do tipo luta ou fuga.
meu coração está batendo acima do pescoço, eu estou respirando com dificuldade, meus joelhos
estão tremendo, minhas mãos estão úmidas, eu não consigo pensar claramente, eu estou desori-
entado, eu me sinto desprotegido e abandonado. Todo mundo irá rir de mim, eles irão me odiar, até
mesmo me matar – e eles estarão certos... agora está claro que eu me superestimei. Que vergo-
nha...!

A reação de luta ou fuga tem uma importante função para a sobrevivência do sujeito.
Esse é um processo cujo evolucionismo explica muito bem. Os homens das cavernas que
se defrontavam com um leão, precisavam reagir rapidamente; os que não eram suficien-
temente rápidos ou fortes não precisavam se preocupar com ameaças futuras, pois, natu-
ralmente, não sobreviveriam. Entretanto, quando o perigo é simbólico, tal como o medo
de cometer um erro de performance em público, a energia que foi gerada pelo corpo não
é utilizada nem absorvida, o que acelera o desenvolvimento do estresse. (Miller, 2002;
Greenberg, 2002, pp. 7-8).
Dèbes (2006, p. 519) classifica as manifestações da MPA em três grupos: perturba-
ções físicas (tais como sudorese, taquicardia, tremor, etc.); comportamentos inconvenien-
tes (tiques, etc.); e perturbações cognitivas (pensamentos inquietantes e injustificados).
Miller (2002) destaca que a adrenalina produzida no organismo gera sintomas como:
tremor, suor excessivo e hiperventilação. Esses sintomas afetam a performance de forma
significativa. Kesselring (2006, p. 310-312) ressalta a predominância da vergonha, da raiva
e da desorientação. A ansiedade é uma emoção que toma a pessoa como um todo e que
se expressa através de inquietação, irritabilidade, insegurança, tensão, sudorese, entre
outros. Esse autor (2006, p. 309-310) aponta diversos sintomas causados pela MPA:

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• Alteração no comportamento motor: por exemplo, tremor das mãos, voz, braços,
joelhos ou pés; respiração irregular; mudança da expressão facial; roer as unhas; etc.
• Reações do sistema nervoso autônomo (simpático e parassimpático): palpitação,
sudorese, ruborização; respiração entrecortada ou hiperventilação; mãos úmidas; inquie-
tação; caminhar para frente e para trás; perda da sensibilidade ou sensação nos dedos;
distúrbios gastrointestinais (boca seca, perda de apetite, náusea, vômito), idas freqüentes
ao toalete, aumento da vontade de urinar, diarréia, insônia.
• Sentimentos subjetivos (que podem parcialmente ser influenciados por respostas
motoras e reações do sistema nervoso autônomo): aumento da irritabilidade e da
vulnerabilidade, depressão, ansiedade, sentimento de estar desamparado, exaustão, pâni-
co, perda de controle, angústia (sentimento de fraqueza ou tontura), medo, terror súbito,
abalo, embotamento, baixa-estima.
• Avaliação cognitiva (pensamentos e reflexões a respeito de sentimentos e sinto-
mas corporais): por exemplo, problemas de concentração e memória (diminuição da con-
centração e aumento da possibilidade de distração, bloqueios, lapsos de memória);
pensamento circular (em torno de catástrofes), confusão, dificuldade de tomar decisões,
interferência de pensamentos negativos.
• Mudanças comportamentais: por exemplo, insônia, perda de apetite, reações de
fuga, movimento de excitação ou de paralisação, prolixidade ou mutismo, exaustão.

Estratégias de enfrentamento
Kenny e Ackerman (s/d) afirmam que existe uma grande variedade de terapias para
tratar dos indivíduos que sofrem de MPA. Entretanto, muitas delas não têm sido avaliadas
adequadamente quanto à sua efetividade. Eles listam uma série de Estratégias de
enfrentamento utilizadas:
• Prescrição de medicamentos: antidepressivos, benzodiazepínicos, betabloqueadores,
entre outros; e substâncias auto-administradas, tais como álcool e maconha.
• Intervenções com meditação (treinamento autogênico, auto-hipnose, hipnose,
meditação, ioga).
• Intervenções fisiológicas e físicas (exercício aeróbico, técnica de Alexander,
biofeedback, massagem e treinamento para relaxamento muscular progressivo).
• Intervenções cognitivas (treinamento de assertividade, técnica de atenção focada,
terapia cognitivo-comportamental (reestruturação cognitiva), mudança de estilo
de vida, entre outros.
• Musicoterapia (aplicação de técnicas de relaxamento com música).

Wilson e Roland (2002, p. 47) afirmam que um dos tratamentos que avaliaram como
sendo dos mais eficazes foi uma combinação de relaxamento e dessensibilização da
ansiedade (baseando-se no que efetivamente poderá ser sentido durante a performance)
e reestruturação cognitiva. Grato (apud Kesselring, 2006, p. 314) também relaciona a
melhora da MPA ao uso de estratégias cognitivo-comportamentais (tais como: pensamen-
to positivo, visualização e distração, relaxamento muscular, respiração profunda, alimenta-
ção apropriada e exercício).

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Kesselring (2006, p. 314) em pesquisa que realizou para ver a forma como as pessoas
lidavam com a MPA, obteve as seguintes respostas em ordem decrescente de freqüência:
relaxamento, exercício, treinamento autógeno, esporte, betabloqueadores e tranqüilizan-
tes (somente amador).
Experiências realizadas em medicina do esporte sugerem que a exposição a estímu-
los estressores intermitentes podem preparar o corpo para responder positivamente a
estimulação adrenérgica. Indivíduos fisicamente adaptados tem uma alta resistência a
estressores, retornam à linha de base rapidamente e uma elevada concentração de
endorfina. A exposição gradual a situações estressantes pode promover resiliência e es-
forço sem sofrimento.
Embora os betabloqueadores não sejam recomendados para uso nos casos de ansi-
edade, existe uma literatura científica que aprova o seu uso nessas situações, tendo em
vista que eles obstruem os efeitos físicos da resposta de luta ou fuga, fazendo com que os
músicos se sintam melhor, quando seus problemas físicos são aliviados. Um estudo condu-
zido por Fishbein (apud Kesselring, 2006, p. 315) com 2122 músicos em grandes orques-
tras dos Estados Unidos, demonstrou que 27% de seus integrantes utilizavam
betabloqueadores. Lederman (apud Gabrielson, 2003, p. 254) sugere o uso de baixas
doses de betabloqueadores, a fim de prevenir contra reações psicológicas adversas (por
exemplo, sudorese, tremor, etc.). Entretanto, quando a MAP se manifesta em forma de
sintomas psicológicos, segundo Fishbein (apud Kesselring, 2006, p. 315), eles não ajudam.
Em um artigo publicado por Stanton (1993, p.78), ele relata o uso de tratamento
combinando RET (Rational-Emotive-Therapy) e lembranças de sucesso com hipnose. Os
casos estudados, segundo o autor, demonstraram a efetividade do método na diminuição
da ansiedade de performance.
Kenny (2003) faz uma crítica à literatura referente aos diversos tratamentos existen-
tes, dizendo que ela é “fragmentada, inconsistente e metodologicamente fraca”. Assim, na
visão da autora, fica difícil afirmar a efetividade de qualquer tratamento. Para ela, pesquisas
futuras devem definir uma metodologia mais consistente, definir claramente MPA e de-
senvolver um modelo de avaliação de resultados mais adequado.
Com esta revisão da literatura, acreditamos estar contribuindo para o desenvolvi-
mento do estudo em Ansiedade da Performance em Música, uma temática ainda carente
de análises no contexto brasileiro, principalmente quando nos defrontamos com o volu-
me de publicações em outros países, principalmente publicações no idioma inglês.

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Tema 3. Artes musicais, lingüística e cognição

Repensando o aprendizado inicial de leitura e


escrita musical a partir de estudos de cognição
do ritmo

Darcy Alcântara Neto


darcyalcantara@yahoo.com.br
Universidade Federal do Espírito Santo
Secretaria Municipal de Educação / Prefeitura de Vitória – SEME/PMV

Resumo
O artigo discute alguns aspectos do aprendizado inicial da leitura e escrita musi-
cal, a partir de experiências desenvolvidas em aulas de música para crianças e
adultos, e da atuação em formação de professores. É feita uma problematização
da questão, levantando a importância de reconhecer a teoria musical elementar
como uma forma de representação possível (dentre outras) sobre o fenômeno
musical, e questionando assim as práticas pedagógicas que tratam o processo de
escrita e leitura como codificação/decodificação. A partir de estudos recentes
sobre as formas de representação mental de ritmos, são apresentadas experiênci-
as pedagógicas que se contrapõem a esta concepção, tendo como base o modelo
de cognição musical de um autor citado, que rejeita a duração como categoria
primária da cognição de ritmo, e considera o instante de início de um som, em um
conjunto hierarquizado de pulsações, como aquilo que dá conta da sintaxe fun-
damental da música tonal. O artigo descreve ainda a utilização, em oficinas de
criação musical, do software “Seqüenciador Posicional”, em desenvolvimento, e de
outros recursos que oportunizam a criação como procedimento pedagógico privile-
giado para a aquisição de habilidades de leitura/escrita em música.
Palavras-chave: alfabetização musical; cognição de ritmo; seqüenciador posicional

Nas últimas décadas, as práticas de leitura e escrita musical deixaram de ser o ponto
de partida para a aquisição de conhecimento em aulas de música. No modelo CLASP de
Swanwick (1979)1 as cinco atividades de sala de aula são: composição, apreciação e
performance (atividades mais relevantes) e aquisição de técnica e estudos de literatura

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(secundárias), em que estão inseridos os conhecimentos da notação musical. Contudo, ler
e escrever música permanecem objetivos presentes no ensino de música, inclusive nos
momentos iniciais, e sua importância é raramente questionada.
Contraditoriamente, a reflexão sobre o processo de aquisição da leitura e escrita
musical, nas suas dimensões cognitiva, social e educacional, é ainda pouco presente na
formação do educador musical, enquanto campo de prática e pesquisa. Ainda prevalece a
noção de que basta saber ler música para saber ensinar a ler música (o mesmo valendo para
as práticas de escrita), perdendo-se as especificidades desse aprendizado em uma prática
que freqüentemente não diferencia objetivos, conteúdos e procedimentos de ensino
para o desenvolvimento musical do sujeito, daqueles explícitos para o ensino da notação.
Nas experiências desenvolvidas em cursos, oficinas de teoria e práticas de criação
musical, para crianças e adultos2, desde 2003, e a partir da atuação em formação de
professores3, tive a oportunidade de me confrontar com muitas questões. Por que é
importante aprender a ler e escrever música? Em que momento, e de que forma deve-se
iniciar esse aprendizado? Que significado tem, para o aluno, os conhecimentos do sistema
de escrita musical? Quais são os limites da notação convencional, como forma de repre-
sentação construída historicamente, e como interferem no aprendizado? E ainda: por que
o ensino da notação musical demanda costumeiramente tanto tempo para que o aluno
desenvolva habilidades de leitura/escrita satisfatórias e significativas, e faça uso social dos
conhecimentos que adquiriu?
Para alguns, conhecer os símbolos da notação convencional, nomeá-los e reproduzi-
los no papel é já uma prática de leitura/escrita, e é muitas vezes por onde começam as
aulas de música. Freqüentemente, o aprendizado da notação é sinônimo (ou quase) de
aulas de teoria e percepção, e também se faz presente no aprendizado inicial de instru-
mento, como pré-requisito para começar a tocar. Cabe lembrar a dicotomia revelada nas
expressões “tocar de ouvido” vs. “tocar por música”, em que música se faz sinônimo de
partitura, ou leitura (Moraes, 1991).
Em contextos educacionais não especificamente musicais, reparo na admiração de
educadores de outras áreas de conhecimento com o fato de que se pode ler música de
forma semelhante à qual lemos um texto, tomando uma partitura e realizando-a sonora-
mente (voz, palmas), sem necessariamente o apoio de um instrumento.Tenho percebido
que essa habilidade é fortemente associada à idéia de talento, e nem sempre como
possível de ser aprendida, talvez porque
“contrariamente à escrita alfabética, nosso sistema de notação musical está pouco presente em
nosso meio ambiente e somente é ensinado a um pequeno número de indivíduos. Sua importân-
cia cultural e escolar é mínima para a maioria das crianças, adolescentes ou adultos. Entretanto,
quase todo indivíduo, criança ou adulto, é capaz de captar e, freqüentemente, de cantar melodias
simples e de marchar ou de bater palmas seguindo um ritmo dado” (Bamberger, 1989).

Codificação ou representação?
Tendo em vista o conjunto dessas questões, surgidas de uma prática docente e
discente, este estudo supõe que, de maneira geral, o professor, quando inicia seus alunos

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nas práticas de solfejo ou ditado, não se percebe como um sujeito que é, de alguma forma,
“alfabetizador” em relação a uma “linguagem musical”, ou, mais especificamente, à
“musicalidade métrico-tonal” (Moraes, 2003), não lhe sendo costumeiramente
oportunizado, em sua formação inicial, o contato interdisciplinar com os estudos sobre
apropriação de linguagens escritas, em sentido amplo (verbal, matemática, musical etc.), e
com pesquisas recentes sobre a natureza do processamento cognitivo em música.
Os estudos no campo da cognição musical que investigam a maneira como proces-
samos o impulso acústico e o representamos mentalmente cresceram substancialmente
em número, nos últimos anos, contribuindo significativamente para o desvelamento de
outros pontos de vista sobre a música, e da caracterização da teoria musical como um
“campo mais diverso, mais interdisciplinar, e menos balcanizado, em todo o mundo, do
que o foi na década de 1970” (Grove, 2000).
“Enquanto, há vinte anos, a música era raramente mencionada em qualquer manual de psicologia
(ou aparecia somente em uma subseção sobre percepção de altura ou ritmo), é agora reconhecida,
juntamente com a visão e a linguagem, como um domínio importante e informativo no qual se
estuda uma variedade de aspectos cognitivos, incluindo expectativa, emoção, percepção e memó-
ria” (Honing, 2004)

Desde essa época, surgiram também alguns estudos sobre a produção de notações
musicais na criança, similarmente aos estudos sobre a língua escrita. “Como a escrita
alfabética, mas em oposição às numerações escritas, a notação musical representa um
material sonoro, melódico ou rítmico” (Bamberger, 1989). Embora as práticas de aquisição
da língua escrita e de aprendizado da notação musical tenham diferentes significados
sociais, bem como se refiram a domínios cognitivos também distintos, as concepções
pedagógicas subjacentes a ambos os processos parecem guardar inúmeras semelhanças,
repercutindo similarmente sobre a compreensão que temos da natureza desses proces-
sos – ainda que, no campo da educação musical, as mudanças de concepção pareçam ser
relativamente posteriores.
No imaginário corrente, a natureza complexa do processo de “alfabetização musi-
cal”,em geral, não é considerada, e é ainda predominante uma prática pedagógica basea-
da no entendimento de leitura/escrita como decodificação/codificação. Esse ensino não é
atento ao percurso de elaboração mental realizado pela criança ou adulto, mediante a
construção de hipóteses sobre a natureza da escrita musical e sobre a própria música. As
operações mentais que o sujeito realiza quando participa de uma atividade de ditado
rítmico, por exemplo, não se restringem a decodificar um sinal acústico e vertê-lo no papel,
como supõem muitas práticas institucionalizadas nas aulas de música, mas a um processo
de reconstrução do real.
Os estudos psicogenéticos da língua escrita, encabeçados por Emilia Ferreiro, trou-
xeram, desde a década de 1980, grandes contribuições para a compreensão da rica com-
plexidade desse processo, em relação à língua escrita. Ao invés de criar um novo método
para o ensino de leitura e escrita, Ferreiro propôs-se a repensar a aquisição de outro ponto
de vista, alternativo ao do adulto letrado: a ótica do sujeito que aprende. Em consonância
com estudos piagetianos, Ferreiro (1985) aponta que:

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“[a] invenção da escrita foi um processo histórico de construção de um sistema de representação,
não um processo de codificação. Uma vez construído, poder-se-ia pensar que o sistema de repre-
sentação é aprendido pelos novos usuários como um sistema de codificação. Entretanto, não é
assim. No caso dos dois sistemas envolvidos no início da escolarização (o sistema de representação
dos números e o sistema de representação da linguagem) as dificuldades que as crianças enfren-
tam são dificuldades conceituais semelhantes às da construção do sistema e por isso pode-se dizer,
em ambos os casos, que a criança reinventa esses sistemas” [g.n.].

A representação pressupõe, assim, um olhar que diferencia elementos no domínio


do real, elegendo aspectos que serão e outros que não serão representados em outro
domínio, numa dinâmica complexa, impregnada de cultura e finalidade social, e construída
em um contexto histórico particular. As dificuldades conceituais enfrentadas no percurso
da reinvenção do sistema apontadas por Ferreiro estão também presentes nas práticas
iniciais de leitura e escrita em música. A concepção de leitura musical como decodificação
e, portanto, de que a notação é uma transcrição gráfico-sonora da música no papel, tem
levado a crer, no sentido oposto, que os elementos presentes na notação convencional
espelham o fenômeno musical, sendo a notação tomada como descrição precisa e fiel da
música. Em outras palavras,
“[m]uitas das premissas em que se apóia a teoria elementar da música tonal têm raízes num pro-
cesso histórico já secular que consiste na descrição literal dos signos visuais constitutivos da nota-
ção musical. Como que alçada à posição de signo musical, tal notação tende a levar a crer que suas
características constitutivas estão ali de fato representando as características e propriedades
musicais de seu objeto: os sons musicais” (Moraes, 2003).

Moraes (2003) aponta para a necessidade de superação da crença de que a relação


entre som e notação constituem a própria semiose musical.
“[A] teoria musical elementar tende a reconhecer no vínculo som-notação (objeto-representamen)
a própria semiose musical, a qual somos propensos a completar com o lugar do interpretante, pre-
enchido muitas vezes com narrativas verbais. No entanto, os signos visuais são extra-musicais, e
assim, são, a rigor, externos ao escopo da investigação sobre o funcionamento sígnico da música.
Reduzidos, assim, ao som, podemos reconhecer seu status não de objeto (objeto representado na
notação), mas de signo (representamen), que exige para si um objeto, ou seja, algo que esse som
‘representa’ (stands for)”.

Portanto, o processo primeiro de representação na música tem no som o próprio


signo, cujo objeto a ser por ele representado são estruturas de outra ordem (cognitiva, e
não físico-acústica), de maneira que “aquilo que chamamos de notas de uma melodia são
signos do tipo indicial, que representam (stand for) localidades de tempo vs. espaço que,
estas sim, constituem os objetos na semiose musical.” (Moraes, 2003). Reconhecendo
nesta a semiose musical propriamente dita, veremos que o processo de leitura e escrita
musical traz à cena um segundo processo de representação, que não é o do vínculo som-
notação. Ao contrário, os signos da escrita musical (notação) têm como objeto a música (a
semiose musical propriamente), em sua dupla face: som e “localidades de tempo vs. espa-
ço”.

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Paradigmas cognitivos do ritmo: duração vs. posição
Os manuais de teoria musical, através das quais muitos de nós começamos formal-
mente a estudar música, apresentam freqüentemente símbolos musicais descon-
textualizados, sem o objetivo de articulação imediata com uma prática musical desenvolvida
pelo sujeito, que, desde criança, cria, interpreta e aprecia música. Utilizados no início do
ensino musical, tornam-se“cartilhas” (Moraes, 1991), e invertem a máxima de que a escrita
é representação da música, construção do sujeito, e deve a todo momento ser plena de
significado musical. Sem esta compreensão, julgamos comumente que o aluno está apto
a se aventurar no mundo da produção de escritas musicais apenas depois que memoriza
o nome e a grafia dos símbolos convencionais – claves, colcheias, posição das notas no
pentagrama e proporções matemáticas subjacentes aos valores, por exemplo. Reconhe-
cemos em Morais (2006), quando discorre sobre o fundamento de um método tradicional
de alfabetização lingüística – o método fônico – um pressuposto comum a algumas
práticas de solfejo e ditado musical:
“uma visão empirista-associacionista de aprendizagem, cujos processos básicos se-
riam a percepção e a memória”, que “se revela também adultocêntrica e pouco sensível a
questões de desenvolvimento e relativas às propriedades do objeto de conhecimento a
ser aprendido pelo sujeito” [g.n.].
Desconsiderando os caminhos cognitivos percorridos pelo indivíduo que aprende a
ler e escrever, e a coerência de muitas dessas construções, as práticas são guiadas por uma
lógica do que é fácil/difícil ou simples/complexo, que não se faz presente da mesma
forma no percurso de construção do sujeito. Os “erros”,ao invés de esperados, são sempre
atribuídos ao desempenho insuficiente dos alunos, às vezes julgados como incapazes de
aprender, o que talvez possa contribuir para compreendermos o desinteresse de muitos
deles, e o desenvolvimento incompatível com o tempo de estudo.
A aquisição da escrita musical parece implicar na construção/reconstrução de co-
nhecimentos sobre dois sistemas distintos: as relações entre som e localidades tempo vs.
espaço (a semiose musical) e as relações próprias de uma representação escrita (a notação
musical convencional). Esse aprendizado não pode se dar pelo acúmulo de conteúdos,
aprendidos sem contexto. A partir das práticas desenvolvidas, pôde-se perceber que o uso
da notação convencional pressupõe, por parte do aluno, a compreensão de uma lógica
fundamentalmente externa ao escopo musical em si. O aluno precisa descobrir – muitas
vezes sozinho, isto é, sem a atenção explícita e sistemática do professor – a relatividade
dos símbolos, que ganham sentido apenas dentro de uma estrutura orientada de relações
e classes, própria de seu processo de representação – relações não-musicais: matemáti-
cas, em geral. Exemplificando, uma colcheia, em absoluto, não é dotada de nenhum sen-
tido per se, e a mesma frase rítmica pode ser representada através de duas escritas diferentes
(fig. 1.a e 1.b).

Fig. 1

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Os estudos recentes de cognição do ritmo têm sua origem no campo aberto por
uma geração de autores que desde a década de 1970, conforme Bamberger (1989),
“discutem o fato de que a análise tradicional da estrutura musical tende a ignorar alguns
aspectos rítmicos ou então supõe a informação métrica da notação padrão como a base
fundamental de toda consideração rítmica”4. Nos estudos levantados em Alcantara
Neto (2006), observamos um crescente interesse pelas estratégias de representação
mental dos fenômenos rítmicos, métricos e não-métricos, sonoros, visuais e motores, a
partir de “grades” temporais construídas pelo sujeito (Temperley, 2001; Sakai et al., 1999;
Schmulevich et al, 2001; Moraes, 1991 e 2003; Guttman et al., 2005). Temperley (2001)
afirma tacitamente que “Desde o princípio, os ouvintes inferem da música algum tipo
de estrutura de batidas regulares, o que lhes permite sincronizar seus movimentos com
ela” e que “o metro desempenha um papel essencial em nossa organização perceptiva
da música”.
“Temperley (2001) exemplifica citando experimentos em que mudar o contexto métrico de uma
melodia, apresentando-a com um outro acompanhamento, a faz soar totalmente diferente (Povel
& Essens, 1985)5, assim como colocar as barras de compasso em lugares diferentes de uma mesma
música ocasiona os intérpretes a considerarem-nas como duas peças diferentes, ‘nem mesmo re-
conhecendo a similaridade entre elas’ (Sloboda, 1985)6. Esses experimentos sugerem, também
enfaticamente, que ‘o contexto métrico de uma passagem musical influencia grandemente nossa
representação mental dela’ (Temperley, 2001)” (Alcantara Neto, 2006).

As experiências pedagógico-musicais que sustentam este estudo têm como base o


modelo de cognição de ritmo proposto em Moraes (1991, 2003), que considera que
“[n]o campo do ritmo, diremos que o instante do ‘passar a ser’, i.e., o gesto incoativo
que inicia um som – não a duração do som – tem a propriedade sígnica de indicar/
representar um ponto (um quanDo, não um quanTo) num campo de temporalidade ins-
taurado por um conjunto hierarquizado de pulsações. Dentro das condições adequadas,
esse complexo hierarquizado poderá ser entendido como aquilo que dá conta da sintaxe
fundamental da música tonal” (Moraes, 2003).
A partir daí podemos afirmar que quatro semicolcheias (fig. 1.c), ainda que tenham a
mesma duração, são ritmicamente distintas, pois suas identidades – as localizações de
seus pontos iniciais, isto é, seus ataques, em um complexo hierárquico de pulsações – são
diferentes (Moraes, 2003).
“Ou seja, a quandidade, entendida como ‘qualidade’ rítmico-tonal de um ponto-de-tempo, se de-
fine como um todo pulsativo ‘visto’ na perspectiva peculiar de um ‘vértice’, ou, neste caso, de um nó
de uma ‘rede sintática’ (...)” (Moraes, 2003).

Reconhecendo, assim, que a pergunta de nossa intuição, ao ouvir um som em con-


texto musical, é “onde/quando você nasce?” e não “quanto você dura?” (Moraes, 2003),
pois a informação rítmica está já completamente dada no gesto de início a um som, as
práticas de iniciação à leitura/escrita musical devem portanto estar atentas a dois conjunto
de operações cognitivas realizadas pelo sujeito: primeiramente, refazer a pergunta que se
faz, no plano intuitivo, quando se ouve, interpreta ou cria música, analisando as categorias
do ritmo de forma mais próxima ao que elas representam de fato (posições numa estrutu-

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ra hierárquica de pulsações). A segunda, a posteriori, consiste em, a partir dos pontos no
tempo, calcular medidas para a escrita na notação tradicional (Moraes, 2003).
O olhar da teoria musical, centrada nas descrições dos parâmetros do som expressos
na notação, e reconhecendo nas durações de tempo a categoria primária da percepção de
ritmo, influencia a formulação dos experimentos e a análise dos resultados dos estudos
cognitivos recentes. Todavia, em alguns casos, acredito ser mesmo possível reconhecer,
em alguns deles, uma luz da perspectiva que fundamenta este modelo “posicional” de
percepção do tempo musical (Alcantara Neto, 2006). No caso da invenção de notações
rítmicas pela criança, Bamberger (1989), por exemplo, considera que
“(...) ações de mesma duração mas em situações diferentes e com funções figurais diferentes são, às
vezes, marcadas de forma diferente” e que “o estabelecimento de uma unidade propriamente
métrica lhe faz perder sua qualidade distintiva; assim, movimentos que são diferentes conforme
sua situação e sua função aparecem como idênticos” [g.n.].

Da mesma forma, Frey-Streiff (1989), em estudo sobre notações espontâneas de


melodias de canções populares, nota que
“[o] resultado mais evidente dessa pesquisa é, sem dúvida, que a criança nem sequer parece conce-
ber a unidade-som como elemento constitutivo da melodia. Na conceitualização espontânea de
um todo musical, a unidade-som não parece impor-se de imediato, mas constituir o coroamento
de uma elaboração complexa. O som que, com suas propriedades, geralmente é o ponto de partida
do ensino musical, corresponde então a um dado que não tem (ou pouco tem) significação para a
criança, nem em relação à sua atividade de cantar nem em relação às composições musicais que
lhe são familiares” [g.n.].

Curioso é também notar a maior abrangência que tem sido atribuída ao conceito de
ritmo na música, e a perda da centralidade do “som” e de suas características no estudo
desse fenômeno. Sakai et al (1999) definem ritmo como “uma série de intervalos de
tempo demarcados por ataques [onsets] de eventos sensoriais ou motores, como tons,
flashes ou luzes, e passos nas danças (...) uma entidade supra-modal determinada somen-
te pela informação de tempo” (Sakai et al., 1999). Guttman, Gilroy & Blake (2005) detecta-
ram que seqüências visuais temporais são transformadas automática, obrigatoriamente e
sem esforço, em representações mentais auditivas, resultando na experiência de “ouvir
ritmos visuais” – o uso de estímulos sonoros simultaneamente aos visuais interferia na
representação do sujeito, comprovando ser a modalidade sensorial auditiva a responsável
pelo processo de internalização do ritmo veiculado visualmente.

Algumas práticas desenvolvidas: cartões e Seqüenciador


Posicional
No campo da educação musical, os métodos e recursos pedagógicos facilitadores –
livros e jogos que, por exemplo, apresentam as noções de ritmo com base em visualizações
espaciais das proporções, ou em dominós de soma – nem sempre apresentam claramen-
te seus propósitos. Grande parte desses materiais são elaborados tendo por base proces-
sos de codificação, isto é,“construção de códigos de transcrição alternativa baseados em

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uma representação já constituída”, do qual são exemplos mais gerais “a transcrição das
letras do alfabeto em código telegráfico, a transcrição dos dígitos em código binário
computacional, a produção de códigos secretos para uso militar, etc.” (Ferreiro, 1985).
Substituindo colcheias e semínimas por formas geométricas, por exemplo, esses materiais
codificam a notação em uma forma alternativa, mas não tocam no eixo da representação,
detendo-se somente em substituir diretamente um conjunto de símbolos gráficos por
outro.
Por outro lado, propostas para o ensino de leitura e escrita musical que adotam
outros paradigmas cognitivos abrem a escuta para a intuição dos sujeitos, permitindo
observar a escrita – e especialmente o fenômeno musical – de outra perspectiva.
Entendendo que o primeiro conjunto de operações cognitivas descrito mais acima –
isto é, refazer a pergunta intuitiva sobre as relações entre som e localidades tempo vs.
espaço – se situa mais próximo da experiência musical em si, experimentou-se, nas aulas
de música, encorajar a criação musical (fazer) articulada com a verbalização sobre as
estruturas musicais (pensar), para o desenvolvimento de conceitos sobre a música. As
propostas de criação musical em grupo (ritmo, rap, melodia e/ou canção), construção de
notações alternativas, e utilização de software experimental em desenvolvimento
oportunizaram maior aproximação entre teoria e prática, e a constituição de formas de
leitura/escrita musical mais significativas para o aluno. Muito freqüentemente, utilizaram-
se formas de notação alternativas à convencional, evitando apresentar inicialmente quais-
quer símbolos gráficos que não estivessem presentes com a intenção declarada de
representar “algo” (entendendo-se “algo” por “enunciação musical”, ritmo ou melodia).
Em aulas iniciais de instrumento (teclado, flauta-doce) individuais ou em pequenos
grupos, a escrita surgia apenas quando as melodias se tornavam razoavelmente extensas
e se tornava necessário um apoio para a memória, geralmente como sugestão ou iniciati-
va do próprio aluno. As notações se constituíam quase sempre à maneira das tablaturas,
indicando a ação sobre o instrumento necessária para tocar a melodia em questão. Para
otimizar a leitura, recomendava-se agrupar visualmente os símbolos, de acordo com as
frases, repetições e variações. Nos momentos em que se julgava importante aprofundar o
estudo das estruturas musicais (a teoria musical), optou-se por uma proposta de percussão
corporal, com processos de criação e interpretação individual/grupo. Introduziam-se car-
tões ilustrados que, após a confecção em sala de aula (desenho, colorização e recorte),
eram utilizados em jogos corporais, em que professor e alunos criavam frases rítmicas,
inicialmente com quatro cartões (fig. 2.a). O gesto corporal correspondente a cada cartão
– o caminhar/saltar de acordo com o ritmo proposto (fig. 2.b) – era exemplificado pelo
professor e o aprendizado por imitação dispensava intencionalmente qualquer explana-
ção teórica. A materialização corporal do gesto musical era fundamental no aprendizado.
O exercício era posteriormente adaptado livremente para outros gestos corporais, e
para o canto ou instrumento, incentivando a criação e intercalando a leitura do que era
proposto com a criação de complementos e novas frases, assumindo que os cartões não
abarcavam todas as possibilidades criativas: constituíam um jogo musical específico, com
limitações e regras como qualquer outro, o que conferia relevância e significação à execu-
ção correta das frases rítmicas. Surpreendentemente, os alunos, já na primeira aula, reco-

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nheciam os próprios erros e acertos, bem como analisavam, com alto grau de correção, em
geral, a performance dos colegas e a do próprio professor, que participava sempre do jogo.
Os cartões serviam ainda de material para criação de textos sobre os ritmos (raps), gerando
conflitos cognitivos a partir da necessidade de mudar a disposição dos cartões para se
adequar à nova letra, em termos de prosódia e estilo.

Fig. 2 Fig. 3

A reinvenção da representação por parte do sujeito, nas práticas desenvolvidas, é


acompanhada de falas tais quais:“onde tocar?”,“quando tocar?”,“toquei no lugar certo”,mas
nunca “quanto tempo devo estar com o pé no chão?”ou “quanto tempo dura esse cartão?”,
similarmente ao “discurso sobre música e ritmo produzido pelas estudantes de dança/
ginástica” relatado em Moraes (2003), quando afirma que “nunca ocorreu de se perguntar
(...) o quanto deveria durar esse levantar de braços para que esse gesto coincidisse com a
duração daquela nota”.
A interpretação do que está proposto em cada cartão pressupõe uma sincronia com
um nível de pulsação, numa árvore binária, com eventos sonoros/gestuais em todos os
pontos (fig. 2.c), conforme Moraes (2003). A intuição musical torna-se assim alvo de explo-
rações científicas (embora aparentem caráter despretensioso), prescindindo inteiramen-
te de quantidades ou proporções de tempo, e de acordo, portanto, com o paradigma
adotado. Quando se propõe não tocar/realizar alguns passos representados nos cartões
(fig. 3), confirmamos que a leitura dos cartões se baseia na localização de pontos no tempo,
e não na percepção real de durações temporais, fator pelo qual deixaram de ter importân-
cia, no estudo de ritmo, os exercícios de sensibilização e discriminação de sons curtos e
longos, por não trazerem, no contexto das aulas desenvolvidas, benefícios aparentes na
identificação de localizações temporais – e sim à performance, quanto à articulação, e
como “efeito” exterior ao campo do ritmo (Moraes, 2003). A mensuração linear era traba-
lhada apenas quando se ingressava nas formas de escrita convencional, como um passo

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cognitivamente posterior a esta análise posicional, mais próxima e intuitiva da representa-
ção interna do ritmo.
Em Alcantara Neto (2006), descrevo outra experiência em ensino de teoria musical
aliada a práticas de criação, utilizando o protótipo de software em desenvolvimento
“Seqüenciador Posicional”,que considera os estudos cognitivos sobre ritmo.
“O software reflete o princípio de que nossa primeira ação musical é rítmica: situar “algo” em
algum “lugar” no tempo: uma batida, uma sílaba, uma nota – ou, quem sabe, um gesto. Ele impulsiona
uma compreensão intuitiva das estruturas musicais, especialmente no domínio do ritmo, e possi-
bilita a manipulação e feedback instantâneos e adequados às representações mentais”.

Fig. 4

As práticas apontam que é imprescindível não subestimar os saberes dos educandos.


Não me refiro aos saberes conceituais convencionais, mas ao potencial espontâneo e
intuitivo de produzir discursos musicais através de interpretações e, especialmente, cria-
ções. Em oficinas realizadas em 2005 e 2006, as composições musicais coletivas de alunos
do ensino fundamental, de 5ª à 8ª série – a maior parte deles nunca tendo freqüentado
aulas de música – surpreenderam pela coerência da estruturação musical, utilizando flu-

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entemente procedimentos de variação, repetição e constraste. Nas oficinas em que se
utilizou o Sequenciador Posicional, a proposição de certas condições constritivas – por
exemplo, a repetição do conteúdo em alguns compassos, para posterior variação – contri-
buíram para a realização de trabalhos criativos, e sempre musicais (fig. 4). O potencial da
informática educacional, quando oportuniza que o usuário se aproxime e interaja com o
material musical de maneira mais próxima à sua compreensão intuitiva, torna possível
criar a partir da escrita, de maneira lúdica e dialética: o resultado das modificações na
notação é ouvido instantaneamente, engendrando novas manipulações do material mu-
sical e a pesquisa de formas de representação adequadas.

Conclusões e perspectivas
A utilização do software e dos cartões, como parte de um processo pedagógico,
cabe ressaltar, não surge da discussão de métodos didáticos diferenciados. Juntamente
com Freire (1992), acredito que a reconstrução curricular em música tem se detido à
reformulação de metodologias (ao “como” ensinar), em detrimento da revisão de conteú-
dos. Repensar “o quê” ensinar em música exige um re-visitar constante ao que primeiro
aprendemos formalmente, concepções remotas do que seja música, e de que é constitu-
ída. Definir conteúdos implica, para além das definições físico-acústica dos sons, na busca
incansável por saber como apreendemos o tempo, o ritmo e as alturas na música, para
assim melhor aprendermos música.
Tenho percebido, nas falas de professores e alunos com formação musical anterior,
que o uso de notações alternativas é ainda visto apenas como recurso facilitador, desne-
cessário ou mesmo prejudicial no aprendizado, o que parece estar de acordo com o
estudo de Bamberger (1989), cujos adultos entrevistados, confrontados com a necessida-
de de escrever/ler a partir de notações musicais alternativas à convencional,“mostram
uma grande dificuldade em mudar o ponto de vista sobre o que é uma boa descrição”.Os
resultados da pesquisa “demonstram a dificuldade dos sujeitos em dar descrições múlti-
plas, mesmo após um treinamento”. A autora conclui afirmando que “[o] que é correto é o
que aprendemos (...) A esse respeito chegamos a ouvir o que podemos ver” [g.n.].
Ao voltar à curiosidade infantil – e não apenas desejando saber como as crianças
elaboram o conhecimento – talvez se perceba que acreditamos ouvir coisas que não
ouvimos de fato, e que ainda tentamos ensinar a nossos alunos. Para Cook7 (1990, apud
Swanwick, 1994),“a música é repleta de coisas que mesmo os músicos treinados acham
difícil ou impossível de ouvir em termos de sua organização estrutural”,e pessoas musical-
mente letradas, ainda que possam acompanhar uma peça em termos técnicos, não o
fazem quando a ouvem naturalmente, ou seja, por prazer. Cook ainda afirma:
“[e] alguém poderia concluir de tudo isso que a teoria musical convencional, na qual as formas de
sonata, estruturas tonais e relações temáticas desempenham um grande papel, não é mais do que
uma teoria de formas inaudíveis, estruturas imaginárias, e relações fictícias”.

Nas práticas relatadas aqui e em Alcantara Neto (2006), afirmo que o uso de nota-
ções alternativas não se constitui em um fim em si, tendo contribuído para explicitar nas
aulas que a música não é constituída de símbolos no papel, mas que estes são escritos para

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representar o discurso musical, como ferramenta de memória e transmissão, e, portanto,
secundários. A opção pela notação convencional ou por outras formas, no início do proces-
so de aprendizado, parece pouco importar, se fica claro, para professor e aluno, que a
notação é externa ao fazer musical em si, embora importantíssima, e que as diferentes
metodologias para seu ensino devem levar isso em conta. Juntamente com Bamberger
(1989), acredito que “[n]o que concerne ao ensino, deveríamos acentuar mais a pesquisa
dos métodos que encorajem as crianças a projetar descrições variadas e a passar de um
modo de apreensão para outro”.
Os estudos constituídos na interface de música, lingüística, semiótica e educação
certamente contribuem para uma futura ressignificação das práticas. Os estudos
psicogenéticos da aquisição da língua escrita trouxeram a reflexão, por exemplo, sobre
materiais didáticos que, “preparados para alfabetizar”, “submetem a criança a textos
surrealmente artificiais e limitados, contribuindo para a deformação das competências
envolvidas na leitura e na produção de textos” (Morais, 2006). Na educação musical, simi-
larmente, encontramos métodos de solfejo cujo conteúdo apresenta apenas exercícios
que nada têm a ver com a música ouvida e praticada pelos sujeitos. Por que não aprender
a escrever música a partir do conhecimento que se tem de memória, que faz parte do
cotidiano? As canções folclóricas, com estruturas “decantadas” ao longo do tempo, são
ótimo material, nessa perspectiva, bem como as próprias criações dos alunos8.
Gostaríamos ainda de trazer a pergunta de Araújo (1996) que julgamos central tam-
bém para a educação musical: alfabetização tem conteúdos? “Ao fazer esta pergunta para
as professoras, tenho encontrado uma reação de surpresa diante de uma questão, cuja
resposta parece óbvia: o conteúdo da alfabetização é ensinar a ler e a escrever” (Araújo,
1996). Em outras palavras, esta “refere-se apenas à análise da estrutura da escrita”.
Analogamente, repensar o repertório sobre o qual são praticadas as leituras e escritas é
assumir que também a alfabetização musical tem conteúdos, e que o modo como lida-
mos com esses conhecimentos influem diretamente na qualidade dos saberes adquiridos
e na importância que essa escrita terá na vida do sujeito; importância que é, sobretudo,
social. O repertório utilizado dá o tom das atividades, devendo-se partir sempre das influ-
ências que traz o aluno.
Reconhecendo que, tradicionalmente,“a escola trabalha com atividades e conteú-
dos escolarizados, isto é, conteúdos que só existem dentro dela” (Araújo, 1996), e que isso
se estende à música, veremos que, na visão do aluno, muitas vezes, se aprende a ler e
escrever música não porque sejam atividades importantes e significativas, mas para“apren-
der fazer dever”, empobrecendo o processo de apropriação, que se torna um “caminhar
mecânico e sem sentido” (Araújo, 1996). Nesse sentido, torna-se útil reafirmar a importân-
cia de situar o aprendizado de escrita musical em situações comunicativas, em práticas
coletivas de instrumento, canto ou percussão corporal, aproximando-a do repertório vivi-
do e praticado pelo sujeito.
Por último, aponto ainda a necessidade de estudos comparando as duas formas de
alfabetização musical – isto é, a partir dos paradigmas cognitivos duracional e posicional
do ritmo – em condições experimentais, que verifiquem a validade dos pressupostos
teóricos de ambas as concepções na proposição de metodologias de ensino mais signifi-

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cativas para o aluno. Cabe lembrar sempre que representações não são neutras. Impreg-
nadas de concepções sobre o que acreditamos ser música, e sobre a existência ou não de
uma linguagem ou de competências cognitivo-musicais, elas diferem, não somente no
“como”, mas nos objetivos, limitações e potencialidades surgidas a partir de seus recortes
sobre a realidade.

Notas
1 Swanwick, K. (1979). A Basis for music education. Londres: Routledge, apud Swanwick (1999).
2 Oficinas de criação musical (escolas municipais de ensino fundamental de Vitória, 2006), Oficina “Criando
música e ciência” (Ufes/PMV, 2005), cursos de teoria musical e aulas particulares (desde 2003).
3 Prof. substituto do Centro de Educação da Ufes, atuando nas disciplinas Teclado, Didática, Prática de Ensino
da Música na Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio, para o Curso de Licenciatura em Mú-
sica, desde 2005.
4 Bamberger (1989) enumera os estudos de “Lerdahl, Jackendoff, 1982; Keiler, 1978; Meyer, 1973; Narmour,
1977; Schachter, 1976; Yeston, 1976”.
5 Povel, D.-J., & Essens, P. (1985). Perception of temporal patterns. Music Perception, 2, 411–40.
6 Sloboda, J. A. (1985). The Musical Mind. Oxford: Clarendon Press.
7 Cook, Nicholas (1990). Music, imagination and culture. Oxford: Oxford University Press.
8 Tive a rara oportunidade de vivenciar, como aluno, uma proposta embasada em muitos dos princípios
argumentados neste estudo, nos anos de 2002 a 2005, cursando as disciplinas Fundamentos da Música I, II
e III e participando de grupos de pesquisa e estudo com o prof.º Dr. Marcos Ribeiro de Moraes, citado neste
estudo, no curso de Licenciatura em Música da Universidade Federal do Espírito Santo.

Referências
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Temperley, D. (2001). The cognition of basic musical structures. Cambridge: The MIT Press.

O tempo musical sob uma ótica narrativa

Felipe Copetti Hickmann


fehickmann@gmail.com
Universidade Federal do Paraná

Segundo esclarece Christian Metz (1977) a respeito da fenomenologia da narração,


a mesma pode ser definida a partir da existência de alguns princípios básicos. São eles:
• A narração é um conjunto de acontecimentos.
• Uma narração tem um início e um fim, e esse período fixa os limites entre ela e o
mundo real. É importante, aqui, esclarecer a oposição entre a narração propriamen-
te dita e sua semântica: essa última pode se estender além do fim da narração. É o
caso das conclusões suspensas, em parafuso, etc.
• A narração é um discurso, ou seja, implica na existência de uma“instância narradora”,
que pode ou não ser o autor.
• A narração “irrealiza”, quer dizer, torna irreal a coisa narrada.

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• A narração possui uma seqüência temporal. Essa seqüência temporal se estabelece
sobre a distinção entre tempo narrado (significado) e tempo da narração
(significante). Transpôr um tempo no outro é uma das funções da narração, en-
quanto transpôr uma imagem num tempo é uma das funções da descrição.

Embora muito eficientes na análise de narrativas cinematográficas e literárias, os


princípios acima (que são, em linhas gerais, compartilhados pela maioria dos autores)
costumam ocasionar certa polêmica quando se trata de determinar a profundidade exata
da natureza narrativa da música. Compreender com que eficiência a analogia a tais cate-
gorias pode contribuir a uma melhor compreensão da estrutura musical é um dos objeti-
vos desse trabalho, bem como a investigação de uma possível aplicação do conceito
narrativo de duração temporal, conforme descrito por Genette (1976), a formas musicais
clássicas, como o allegro-de-sonata.
O emprego do termo “narrativa” em referência aos processos musicais, embora
certamente controverso, encontra-se amplamente difundido ao menos desde a propaga-
ção da música programática no século XIX. Sua assimilação pela Musicologia, no entanto,
tornou-se definitiva a partir da perspectiva dada por Rudolph Reti, na década de 50. Reti
inaugurou um entendimento essencialmente temporal do processo musical, focado no
seu desenvolvimento como discurso. O principal meio de realização da narrativa musical,
para Reti, é a transformação temática, procedimento que permite dotar um mesmo mate-
rial de diferentes configurações, sem que se evidencie sua origem comum:“Uma transfor-
mação temática deve ser considerada ideal de um ponto de vista estrutural se a identidade
está fortemente enraizada nas profundezas das formas em questão, e ao mesmo tempo é
imperceptível e tão pouco rastreável quanto possível na superfície” (Reti, 1961, p.58)9.
A visão de Reti é fruto da percepção de que, notadamente no período histórico-
musical iniciado por Haydn, no qual deu-se o florescimento da transformação temática, o
próprio material musical assumiu participação importante e inteiramente específica como
força-motriz da forma. Trata-se de uma perspectiva que Reti considera complementar
àquela que compreende a forma como conseqüência direta da atuação uma força “exter-
na”, centrada na obediência a formas-padrão como o allegro-de-sonata, o rondó ou tantas
outras, e cujo teórico mais influente talvez tenha sido, ao longo de todo o século XX,
Heinrich Schenker. Para Reti (id., p.114),“(...) o verdadeiro dinamismo estrutural de uma
obra, sua “forma” no sentido mais completo do termo, pode ser concebido apenas pela
compreensão tanto dos grupos e proporções de sua forma externa quanto da evolução
temática interna como um processo combinado”10.
O que torna o conceito de “força interna”de Reti especialmente importante à compre-
ensão de uma possível narratividade musical é o fato de que se fundamenta sobre um
fenômeno essencialmente cronológico: a sucessão de eventos temáticos relacionados em
sua constituição, porém continuamente modificados. A força interna em si pode gerar uma
forma musical, por meio de sua propriedade narrativa, implícita justamente nas transforma-
ções sofridas pelo material temático.Esse processo, que culmina na“resolução temática”(ou
seja, a transformação final de um material musical, aquela que dá à obra uma solução dramá-
tica) dá margem a uma análise da forma de um ponto de vista estético e emocional.

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A expressão “evolução temática”,cunhada por Reti, pode ser bastante esclarecedora
no que se refere à compreensão da propriedade discursiva da música. Segundo ele, existe
evolução temática quando “não é sobre qualquer transformação que se dá o plano da
obra, mas somente sobre transformações que direcionam a uma solução”11. Fica aí implí-
cita a existência de uma causalidade, de uma cronologia direcional na organização do
material musical nesses casos, e essa direcionalidade é uma das responsáveis pela possi-
bilidade de se analisar os processos de transformação temática a partir de metáforas
narrativas. Sintomáticas dessa causalidade são as relações de causa e conseqüência
identificáveis no discurso musical, seja no próprio âmbito temático, seja por exemplo em
um âmbito harmônico localizado, como na afirmação de um acorde de tônica em resposta
a um acorde de dominante.
Muito embora a visão de Reti seja definitiva no que se refere à essência discursiva da
música, a definição da narrativa é mais ampla, e é em seus demais aspectos que a contro-
vérsia se estabelece com mais força. Vera Micznik (2001), em artigo dedicado à identifica-
ção de “graus de narratividade em Beethoven e Mahler”,promove uma revisão da literatura
existente acerca dos fundamentos da narrativa, e de seus pontos de interseção com a
natureza da música. Segundo descreve, trata-se de uma reivindicação constante dos teó-
ricos da música a utilização das categorias literárias e fílmicas da narrativa, seja por emprés-
timo (caso em que o pensamento dos teóricos poderia ser definido como “a música é uma
metáfora da narrativa”) ou por apropriação (“a música é, em si, uma forma de narrativa”).
Muitos pesquisadores se opõe à possibilidade da apropriação, por perceberem na música
a ausência de certas características que entendem por fundamentais à narrativa, ao menos
na forma em que ela se encontra na literatura ou mesmo no cinema. Um primeiro argu-
mento contrário é a falta de uma “base semântica” uniforme, fundamento que a literatura
garante por empregar linguagem verbal visando a representação. Acerca dessa questão, é
fundamental lembrar que inúmeros pesquisadores defendem o potencial da música em
sugerir significados pela via das conotações, entre os quais destaca-se a pesquisa de
Leonard Meyer (1956). Meyer ressalta que as conotações em música são profundamente
dependentes da uniformidade dos contextos culturais em que se estabelecem, e mos-
tram-se especialmente aptas à sugestão de respostas emocionais, sendo essa proprieda-
de conseqüência justamente de sua relatividade semântica. Segundo Meyer (id., p.265),
em uma asserção que deixa latente a filiação ao pensamento metafísico da ópera român-
tica alemã, “essa flexibilidade de conotação é uma virtude, já que habilita a música a
expressar o que poderíamos chamar de essência descarnada do mito, a essência de expe-
riências que são centrais e vitais na existência humana”.
Assim, se é verdade que em música a denotação não está presente de forma a
estabelecer relações semânticas uniformes (à maneira em que, por exemplo, a palavra
“coelho” representa, para todos os falantes da língua portuguesa, o animal que detém esse
nome), isso não quer dizer que determinados gestos musicais não possam expressar
significados. Reti (1961) refere-se a esse tipo de expressão quando atribui a determinadas
formulações temáticas significados por vezes inteiramente abstratos (na sinfonia nº 40 de
Mozart, por exemplo, Reti refere-se à “intensificação da idéia emocional” por meio de
mudanças intervalares e de acentuação sobre o material original), por vezes baseados em

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sugestões programáticas ou biográficas (como o “destino que bate à porta” na 5ª Sinfonia
de Beethoven).Tais pontos de partida acabam de fato por permitir a análise da música de
um ponto de vista narrativo, visto que o processo musical se estabelece tanto no âmbito
sintático quanto no semântico: o significante e o significado, o discurso e a história se
fazem presentes e “evoluem” em função da transformação do material musical. As inter-
pretações semânticas de processos temáticos ou harmônicos são conseqüências de algo
que é da natureza do próprio discurso: como demonstra Micznik (2001), as estratégias
discursivas em si são capazes de produzir níveis de significação. A mesma história, contada
por escritores ou cineastas diferentes, poderá assumir caracterizações emocionais inteira-
mente diversas. Isso se dá em função de todas as variáveis existentes em cada aspecto do
discurso: a classificação estabelecida por Genette (1976), por exemplo, prevê aspectos de
modo e voz narrativos, duração, freqüência e ordem de apresentação dos eventos.
Dois outros argumentos contrários à análise da música segundo parâmetros narrati-
vos, citados por Micznik (2001., p.197), são:
(...) os poucos princípios estruturais, importantes à narrativa, que a música poderia ter em comum
com outras disciplinas (seqüência temporal, acumulação de tensão e resolução, etc.) não são sufi-
cientes para a condição da narratividade musical (Abbate, Maus); por último, a tensão entre história
e discurso e a ‘voz narrativa’ ou ‘ponto de vista’ que definem a narrativa são ausentes em música
(Maus).12

Não parece oportuno aqui o aprofundamento do primeiro item, visto que encontra-
se inteiramente relativizado na proposição acima. Acerca da “voz narrativa”,no entanto, a
própria revisão de Micznik (id., p.195) traz uma discussão pertinente:
Em referência à ‘presença (ou ausência) de uma voz narrativa’, Karol Berger sugere que ‘aqueles
mundos apresentados dos quais um personagem está ausente [certas pinturas de natureza-morta
e, implicitamente, música] e apresentações artísticas em geral encorajam a fortiori a ilusão de uma
presença humana por trás da retórica da obra’.13

De fato, parece inevitável perceber o discurso musical como sendo proferido por
alguém, seja o compositor ou o intérprete. No entanto, mais importante do que essa
definição é o esclarecimento da chamada “tensão entre história e discurso”.
A partir da discussão anterior, permite-se assumir agora que tanto o discurso quanto
a história, em alguma medida, estejam presentes em música. A referência que se estabe-
lece agora é às relações de discordância entre o conteúdo de um e de outro, ou seja, à
maneira específica com quem a história é representada no discurso. É certo, como já
mencionado, que uma mesma história pode ser representada através de inúmeros discur-
sos diferentes, e que cada discurso pode induzir sua própria rede de significações, no caso
da música “através de ‘conotações gestuais e intertextuais’ e por meio de ‘manipulações
temporais’” (Micznik, id., p.199)14. No âmbito desse artigo, opta-se por dirigir atenção
especificamente às “manipulações temporais” do discurso musical. Para Christian Metz
(1977), uma das funções da narrativa é justamente cambiar um tempo em um outro
tempo, quer dizer, transferir a temporalidade ficcional, que por vezes pode se estender
por meses ou anos, aos limites pretendidos em um dado discurso, optando-se nesse
processo por dedicar mais ou menos tempo a determinados eventos. Gerard Genette

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(1976) chega a afirmar que o conflito nas relações de duração entre o tempo narrado e o
tempo da narração são fundamentais à própria existência da narrativa. Em vistas a uma
melhor compreensão dos aspectos de duração da narrativa musical, opta-se por realizar a
seguir uma ligeira revisão do estudo realizado por Genette (id.) sobre a duração narrativa.
Genette chama anisocronias as disparidades entre a duração dos eventos ficcionais
e a duração de sua representação. Uma isocronia, ou seja, a equivalência perfeita entre
esses dois tempos, seria, por exemplo, um filme que tivesse precisamente a mesma
duração da história que conta. A elipse e a pausa descritiva são os dois extremos da anisocronia.
A primeira descreve um “salto” no tempo, ao percorrer um período qualquer em velocida-
de virtualmente infinita, transferindo instantaneamente o tempo narrativo a outra época.
Na pausa descritiva, por outro lado, “um qualquer segmento do discurso narrativo
corresponde a uma duração diegética nula” (Genette, id., p.93).Tal definição se aplica mais
facilmente à literatura, caso em que, quando o narrador se detém a descrever determina-
do ambiente, o tempo ficcional encontra-se em suspensão. Precisamente no centro, entre
esses dois extremos, encontra-se a cena, termo que Genette usa para descrever a absoluta
paridade entre a duração narrada e a duração da narração, em um dado contexto literário.
Existe, por fim, o sumário: “forma de movimento variável (...), que cobre com grande
adaptabilidade de regime todo o campo compreendido entre a cena e a elipse”.Trata-se,
portanto, de um caso de aceleração: uma determinada duração ficcional é representada
resumida, sumarizada.
Cabe, agora, discutir qual seria a correspondência de tais velocidades narrativas no
discurso musical. O próprio Genette (id. p.93) sugere uma possível equivalência:
Teoricamente (...) existe uma gradação contínua desde a velocidade infinita que é a da elipse (...)
até a absoluta lentidão que é a da pausa descritiva. (...) Na realidade, acontece que a tradição nar-
rativa, e em particular a tradição romanesca, reduziu essa liberdade, ou, pelo menos, ordenou-a,
operando uma escolha entre todos os possíveis, a de quatro relações fundamentais que se torna-
ram (...) as formas canônicas do tempo romanesco: um pouco como a tradição musical clássica tinha
dinstinguido, entre a infinidade das velocidades de execução possíveis, alguns movimentos
canônicos, andante, allegro, presto, etc., cujas relações de sucessão e de alternância dominaram
durante uns dois séculos estruturas como as da sonata, da sinfonia ou do concerto.

O caso descrito por Genette transfere literalmente as medidas de velocidade narra-


tiva à realidade musical, emuladas aqui pelos andamentos. É certo que uma aceleração do
andamento corresponde a uma aceleração do discurso em relação à história, mas somen-
te no caso de entender-se a história como equivalente ao próprio material musical. Caso
aceite-se que a história a ser contada é a da sucessão de notas musicais, executadas
ritmicamente por determinados instrumentos ao longo de certo número de compassos,
será correto entender que qualquer alteração na velocidade de execução corresponda a
uma anisocronia, a uma modificação na correspondência entre o tempo da história e o do
discurso.
Trata-se de uma perspectiva que corresponde corretamente à variedade de anda-
mentos que se encontra, por exemplo, em obras compostas de vários movimentos, mas
que, do ponto de vista de análise da sintaxe musical, parece um tanto imprecisa. De que

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maneira se poderia interpretar, por exemplo, variações de velocidade internas a um deter-
minado movimento sinfônico? É evidente que mesmo no interior de um movimento
haverá variações de andamento, sejam indicadas pelo compositor ou resultado da própria
interpretação. Embora seja um julgamento correto que essas variações correspondem a
leituras mais aceleradas ou retardadas de determinados trechos, propõe-se uma interpre-
tação que atente ao nível de significação inerente ao próprio discurso.Tome-se por exem-
plo um primeiro movimento de sonata clássica. Existe um padrão sintático a ser obedecido,
o do allegro-de-sonata, e é em torno desse padrão que o ouvinte estabelece suas expec-
tativas. Não é raro, no entanto (e foi cada vez menos ao longo do Romantismo), que cada
primeiro movimento de sonata busque sua própria maneira de relacionar-se com a forma
padrão, onde busca referência, e que de suas discordâncias em relação a esse allegro-de-
sonata “ideal” irrompam significados cuja origem encontra-se não na história (os motivos
e temas), mas no próprio discurso.
Se a busca de uma correspondência às velocidades narrativas de Genette voltar-se
às relações existentes entre a sintaxe-padrão de uma forma e cada uma de suas realiza-
ções individuais, uma interpretação inteiramente nova deverá surgir, dissociada daquela
que entende a anisocronia como fruto de variações de andamento. Do ponto de vista da
sintaxe de parcela expressiva das formas clássicas, temas são construções musicais essen-
ciais, estruturalmente focais, em torno das quais se organizam seções inteiras. São passa-
gens que se destacam do todo pela força de uma “expressão musical característica”15
(Reti, 1961, p.110), e que, em função dessa expressão diferenciada, proporcionam certo
número de implicações harmônicas e temáticas, cuja conseqüência é a estruturação de
uma rede de tensões e resoluções implícita nos materiais que os circundam. Em torno do
tema, da raiz estrutural de uma seção, desenvolvem-se processos musicais em que predo-
mina a direcionalidade: seja para conduzir ao tema, seja para afastar-se dele, em direção a
uma outra região tematicamente focal. Essa função estrutural do tema em muito se asse-
melha à discussão fornecida por Genette (1956) acerca da velocidade narrativa que deno-
mina “cena”. Para Genette, a equivalência plena entre o tempo narrado e o tempo da
narrativa encontra-se, em literatura, nos diálogos, e sua função no ritmo da narrativa é de
adensamento, de concentração dramática:
Na narrativa romanesca (...), a oposição de movimento entre cena detalhada e narrativa sumária
reenviava quase sempre para uma oposição de conteúdo entre dramático e não dramático, coin-
cidindo os tempos fortes da ação com os momentos mais intensos da narrativa enquanto que os
tempos fracos eram resumidos a traços largos e como de muito longe (...). O verdadeiro ritmo do
cânone romanesco (...) é, pois, uma alternância de sumários não dramáticos com funções de espera
e ligação, e cenas dramáticas cujo papel na ação é decisivo (Genette, id., p.109).

A própria menção a“tempos fortes” e “tempos fracos”acaba sugerindo uma possível


relação com a estrutura musical. Do ponto de vista da densidade dos materiais envolvidos,
seria razoável afirmar que o tema musical pode corresponder à cena literária. O tema seria
o “tempo forte”,o conteúdo dramático em sua manifestação mais concentrada, já que é de
dentro de sua constituição que, a princípio, são extraídos os materiais periféricos, aqueles
que a ele conduzem e dele se afastam ao longo do discurso. A conseqüência mais imedi-

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ata desse raciocínio se apresenta naturalmente: o sumário de Genette corresponderia às
transições e desenvolvimentos, visto que em todos os casos encontram-se passagens
intermediárias, cuja função estrutural é realizar a passagem entre os focos de estabilidade
representados pelos temas e cenas. O sumário, para Genette, consiste na representação
de um determinado tempo ficcional através de um discurso resumido. Do ponto de vista
funcional, Genette (id., p.96) refere-se ao sumário como “a transição ordinária entre duas
cenas, o ‘fundo’ sobre o qual estas se destacam, e, pois, o tecido conjuntivo por excelência
da narrativa romanesca, cujo ritmo fundamental se define pela alternância entre sumário
e cena”.Essa reflexão termina por destacar ainda mais o paralelo estrutural existente entre
tema e cena, transição e sumário. Observe-se mais uma vez a referência a “ritmo”.Em outra
oportunidade, Genette chega mesmo a referir-se explicitamente às anisocronias como
“efeitos de ritmo”. Por fim, também para a elipse de Genette parece possível encontrar
uma correspondência musical. A elipse, por representar o “salto”,a supressão virtualmente
instantânea de um certo fragmento temporal, parece adequada para descrever uma situ-
ação em que, por exemplo, a transição entre o primeiro e o segundo tema da exposição de
um allegro-de-sonata fosse omitida. A elipse nesse caso desempenha a mesma função
tanto na narrativa literária quanto na musical: suprimir uma parte da história que, de acordo
com o julgamento do autor, não apresenta interesse ao discurso.
Visando o estabelecimento de uma perspectiva mais precisa do paralelo que aqui se
propõe, é importante observar que a obra de Genette é centrada na análise pormenoriza-
da de Em Busca do Tempo Perdido, de Marcel Proust. De fato, Genette conclui que a “narra-
tiva romanesca” a que a discussão anterior se refere representa uma abordagem antagônica
à concepção modernista da obra de Proust, para quem as funções da cena e do sumário
eram um tanto menos convencionais. Essa observação visa fundamentar a opção, latente
na presente análise, de assumir-se apenas as formas clássicas como parâmetros da es-
trutura musical. Assim como se deu na narrativa literária a partir das primeiras manifesta-
ções modernistas, notadamente por Virginia Woolf e pelo próprio Proust, o discurso musical
também sofreu transformações profundas com a chegada do modernismo. Portanto, é
correto afirmar que a análise do tempo narrativo em obras musicais modernas também
demandaria um ponto de vista inteiramente diferente. À parte tal delimitação, é funda-
mental avaliar que a analogia aqui estabelecida entre os modos de velocidade da narrativa
literária e seus possíveis equivalentes na estrutura musical não pretende adentrar o mérito
da discussão corrente entre os que defendem ser a música uma forma de narrativa, e os
que acreditam que tal aproximação se dá simplesmente por metáfora. A verdadeira con-
tribuição aqui implícita é a atuação em favor do adensamento das possibilidades analíticas
em música, postura que pode ser melhor definida pelas palavras de Vera Micznik (2001,
p.198):
(...) questionamentos sobre as propriedades narrativas da música (...) devem transformar perguntas
inspiradoras de outras disciplinas em perguntas que somente nós podemos formular e responder.
No entanto, não há necessidade de se aplicar essas teorias literalmente; pelo contrário, é somente
ao compreender-se como a narrativa musical é similar, ou diferente, de outros tipos de estrutura
narrativa, e como músicas divergem entre si quanto a seus graus de narratividade, que se poderá
desenvolver novas maneiras de discutir o discurso musical, específicas à nossa disciplina.16

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A implicação direta dessa perspectiva é a de que, na pesquisa futura, as categorias da
narrativa literária sejam mais amplamente empregadas, de forma a lançar novas luzes
sobre as estruturas analíticas tradicionais, e permitindo assim que aspectos da realização
musical ainda pouco explorados venham a ser realçados e esclarecidos, como se deu
nesse caso acerca da temporalidade das formas clássicas.

Notas
9“(...) a thematic transformation must be regarded as most impressive from a structural angle if the identity
is rooted strongly and firmly in the depths of the shapes in question and at the same time is as inconspicuous
an little traceable as possible on surface.”
10“(...) the true structural dynamism of a composition, its “form” in the fullest meaning of this term, can be
conceived only by comprehending as a concerted stream both the groups and proportions of its outer shaping
and the thematic evolution beneath.”
11“(...) it is not merely any transformation which forms the plan of the work, but only transformations which
lead to a solution.”
12“(...) the few structural principles contributing to narrative that music might have in common with other
disciplines (time sequence, accumulation of tension and resolution, etc.) are not sufficient for the condition
of music’s narrativity (e.g. Abbate, Maus); and third, that the story/discourse tension and a ‘narrator’s voice’
or ‘point of view’ which define narrative are absent in music (e.g. Maus).”
13“(...) Referring to ‘the presence (or absence) of the narrating voice’, Karol Berger suggests that ‘those
presented worlds from which a personagem is absent [certain still-life paintings and, implicitly, music] and
artistic presentations in general encourage a fortiori the illusion of a human presence behind the work’s
rhetoric’. ”
14 “(...) the capabilities of the ‘discourse’ itself to produce meanings through ‘gestural and intertextual
connotations’ and through ‘temporal manipulations’.”
15 “characteristic musical utterance.”
16 “(...) inquiries into the narratological properties of music (...) must translate inspiring questions from
other disciplines into questions that only we can ask and answer. Therefore, it is not necessary to apply
these theories wholesale; rather, it is only by understanding how music narrative is similar to, and different
from, other kinds of narrative structures, and how various musics differ in their degree of narrativity, that we
can profitably develop new ways of discussing musical discourse specific to our discipline.”

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Contribuição do aprendizado de canções no
desenvolvimento da linguagem verbal

Luciane Cristina Simionato


lusimionato@gmail.com
Campbellsville University
Cristina Tourinho
anatourinho@hotmail.com
Universidade Federal da Bahia

Muitos autores contribuíram a respeito do entendimento do desenvolvimento da


linguagem. Dentre estes autores, cita-se Ratey (2002, p. 282), para quem o cérebro humano
está previamente instrumentalizado para a aquisição da linguagem; Schaffer (1996, p. 138),
que relata que gradualmente a criança aprende o valor das mensagens que ela repassa à
mãe pelo seu comportamento, tratando-se de um diálogo não verbal que já possui alguma
intencionalidade; e McNeill (In: MUSSEN (org), 1975, p. 222), para quem a criança começa a
desenvolver sua capacidade de falar por imitação, não reproduzindo exatamente o que o
adulto diz, mas o fazendo da maneira que seu próprio sistema permite.
Quando se trata do desenvolvimento da linguagem verbal, torna-se interessante
perceber que as primeiras palavras têm cuidadosa seqüência de sons, demonstrando
controle sobre o aparelho fonador. Para compreender e produzir sozinha uma palavra, a
criança precisa conhecer a relação entre uma série de sons e os acontecimentos à sua
volta, a exemplo da palavra “tchau” (despedida breve). Nesse aspecto, dizem Sylva e Lunt
(1999, p. 180):“A relação entre uma palavra e um estado de coisas que se dá no mundo é
chamada de referência, e é possível que as crianças saibam algo a respeito de referência
muito antes de começarem a falar em frases”.
Newcombe (1999, p. 146) relata que, no primeiro ano de vida a criança evolui seu
sentido de utilizar sons e começa a articular palavras até conseguir a representação men-
tal delas, que são as categorias. O aumento das categorias redundará em frases, pois serão
o reflexo da capacidade de combinar palavras. Isso ocorre quando o repertório da criança
encontra-se entre 200 a 300 palavras, quando a criança já está se aproximando dos três
anos de idade.
Nesta habilidade para falar primeiro a criança aprende a soltar grunhidos (sons gutu-
rais e labiais); desenvolve então a capacidade de pronunciar as palavras; aos poucos conse-
gue adicionar ação às palavras; em seguida, desenvolve habilidade para nomear e chamar
(SECADAS, SÁNCHES e ROMÁN, 2000, p. 221). Estes autores relatam ainda que “Comunica-
ção significa intercâmbio de pensamento e sentimentos, e esse intercâmbio pode ser
levado a cabo mediante qualquer das formas de linguagem: gestos, expressões emocio-

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nais, fala ou linguagem escrita” (op. cit., p. 205). Para esta autora, alia-se ainda uma outra
forma de linguagem, a linguagem musical.
No processo da educação musical para crianças de 0 a 3 anos, percebe-se a impor-
tância que o canto exerce como uma das atividades principais e mais apropriadas para a
faixa etária, favorecendo no aprendizado da linguagem verbal. Este canto é iniciado nos
bebês através dos balbucios dos contornos melódicos. Hargreaves e Zimmerman (2006, p.
256-7), afirmam que os bebês, já possuem “(...) as estruturas necessárias para a percepção
tonal e rítmica (...) muito antes do que sugerem as nossas práticas educacionais atuais”,
sendo que o contorno melódico pode ser considerado um “(...) elemento crítico das
melodias para bebês (...)”.Este contorno melódico é importante tanto no processamento
melódico quanto na aquisição de canções.
Com relação ao aprendizado das canções, segundo Muñoz (2002, p. 61),“não pode-
mos duvidar do inestimável papel que ocupam as mães, pais e educadores que cantam
aos bebês desde seus primeiros momentos de vida”.Para o autor, as canções devem fazer
parte da realidade diária da criança, desde o seu nascimento, tanto na escola quanto em
casa, por “sua influência na criança, tanto no âmbito da linguagem e desenvolvimento da
imaginação, quanto no desenvolvimento do âmbito social e afetivo”
Akoschky (2002, p. 43 e 47) relata que crianças de aproximadamente dois anos já são
capazes de explorar sua voz, provando, confirmando e renovando o que estão aprenden-
do, e assim, conseguem descobrir as qualidades do som e aumentar seu próprio repertório
de sons [e consequentemente, seu repertório de palavras].
Para Ilari (2003a, p. 14-15), o ato de cantar com a criança pequena também é impor-
tante e deve ser desenvolvido pois “pode ativar os sistemas da linguagem, da memória, e
de ordenação seqüencial, entre outros. Através do canto acompanhado por gestos e mo-
vimentos corporais, a criança pode vir a ter pelo menos seis sistemas de seu cérebro
ativados”.
A criança aprende música de uma forma muito semelhante à que aprende sua
língua materna, segundo Gordon (2003, p. 6-7), isto é, pelo processo seqüencial que se
inicia com a audição, para posteriormente passar à fala propriamente dita. Este processo
de aprendizagem da língua inicia-se com o balbucio, que também é citado no processo de
aprendizagem da música.
Cicerone (2006, p. 36), complementa ressaltando a influência da música no aspecto
da linguagem: “Desde que nascemos já estamos predispostos aos sons, vocalizações e
melodias, nosso primeiro universo de linguagem; por isso, o contato precoce com a músi-
ca é capaz de favorecer positivamente o desenvolvimento de nossas habilidades cognitivas,
lingüísticas e motoras”.
Com essa descrição pode-se perceber a importância da música para o desenvolvi-
mento da criança. A criança usa a sonorização para desenvolver a linguagem, aprende
novas palavras, expande o cérebro. Fazendo parte de uma das múltiplas inteligências
humanas, deve ser aproveitada em toda a sua potencialidade, pois assim, o desenvolvi-
mento da criança se dá em harmonia com suas outras inteligências.
Neste estudo de caso, em que uma criança foi acompanhada desde o nascimento e
onde se delimitou a pesquisa ao período de seu desenvolvimento entre 18 e 28 meses,

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observou-se que o aprendizado de canções auxilia no desenvolvimento da linguagem
verbal.
O objetivo da pesquisa foi analisar o desenvolvimento da linguagem sonoro-musical
desta criança. Como objetivos específicos cita-se: - estudar a questão da reprodução mu-
sical desta criança; - levantar um mapeamento de suas vocalizações, segundo critérios
como o contexto musical, a clareza e completude da canção e a evolução de determina-
das músicas de acordo com seu crescimento; - verificar qual a forma de domínio musical
(se letra, ritmo ou reprodução de alturas melódicas); - analisar a influência do meio em que
a criança estava inserida nesta aquisição da linguagem.
A metodologia utilizada foi um Estudo de Caso, que conforme Triviñus (1987, p. 133-
34),“É uma categoria de pesquisa cujo objeto é uma unidade que se analisa profundamen-
te”.Para Gil (2002, p. 54-5), o estudo de caso “consiste no estudo profundo e exaustivo de
um ou poucos objetos, de maneira que permita seu amplo e detalhado conhecimento
(...)”.
Optou-se pela escolha de um único objeto para o estudo, no caso uma criança, filha
da pesquisadora, apoiando-se em Martins (2006, p.14), que descreve:“O objeto de uma
pesquisa pode surgir de circunstâncias pessoais ou profissionais”.
Foi utilizada a abordagem qualitativa, pois, segundo Martins (2006, p.xi), o estudo de
caso “pede avaliação qualitativa, pois seu objetivo é o estudo de uma unidade social que
se analisa profunda e intensamente”. A fonte dos dados do estudo foi realizada em seu
ambiente natural, que é uma característica da pesquisa qualitativa, apoiada por Bogdan e
Biklen (1994, p. 47) quando afirmam que “na investigação qualitativa a fonte direta de
dados é o ambiente natural, constituindo o investigador o instrumento principal (...)” Foi
delimitado um tempo de 11 meses de observação: iniciado quando a criança completou
18 meses de vida e findando-se ao completar 28 meses. Utilizou-se também o método
quantitativo, para facilitar a escolha das canções a serem analisadas, pois, conforme Flick
(2004, p. 273), “Os métodos qualitativos e os quantitativos podem se unir, de diversas
maneiras, no plano de um estudo”.
A coleta de dados foi realizada através de arquivos em áudio, gravados por um
gravador digital portátil, e imagens em vídeo, de cenas do cotidiano da criança e das aulas
de musicalização que ela freqüentava semanalmente. Segundo Gordon (2003, p. 13),“O
desempenho musical de crianças muito pequenas mede-se mais eficazmente através de
observação controlada e sistemática. (...) a audição e gravações de sua atuação informal e
espontânea em casa são as melhores formas de avaliá-las”. Ao todo foram coletados 452
minutos de arquivos de áudio e mais de 20 horas de arquivos em vídeo.
Como seleção da amostra, foi elaborada uma planilha constando todas as canções
gravadas durante o período da pesquisa, sendo coletadas ao todo 69 canções diferentes.
Destas, foram escolhidas 8 para análise, que foi realizada pela autora do trabalho com
submissão dos dados posteriormente a 4 juízes independentes, todos da área de educa-
ção musical.
Para a seleção das canções a serem analisadas, foram utilizados os critérios: - inten-
ção musical da criança, percebida através de trechos incompletos de canções que foram
se concretizando em canções que mais se repetiam, observando-se o aspecto do desen-

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volvimento da linguagem e preferência da canção pela criança; selecionando-se as can-
ções que apareceram em maior número de meses; - compreensibilidade da canção para
as pessoas diretamente relacionadas à criança, sendo possível, desta forma, evidenciar as
variações e improvisos que ela fazia sobre as canções, observando-se o aspecto da
criatividade.
As canções foram analisadas conforme a seguinte estrutura: (1) tabela demonstran-
do o número de gravações mês a mês da canção selecionada; (2) característica e descrição
da canção; (3) época em que a canção foi apresentada à criança; (4) descrição e análise dos
registros selecionados, apresentados em CD ou DVD; (5) forma de domínio musical da
canção (letra, ritmo ou reprodução de alturas melódicas).
Como resultado pode-se perceber o processo de aquisição da linguagem, tanto
verbal, quanto sonoro-musical em estado de formação na criança e a imitação como
forma de aprendizado, o que remete à teoria da Zona de Desenvolvimento Proximal de
Vygostky, que auxilia a entender “(...) não somente dos ciclos e processos de maturação
que já foram completados, como também daqueles processos que estão em estado de
formação, ou seja, que estão apenas começando a amadurecer e a se desenvolver.”
(VYGOTSKY, 1991, p. 97). Essa imitação como forma de aprendizado foi bem característica
nesta criança.
No inicio da pesquisa a reprodução das alturas melódicas era o aspecto que se
destacava no aprendizado musical desta criança, mas ao fim do período da pesquisa, todos
os domínios musicais definidos para esta se concretizaram: letra, ritmo e reprodução de
alturas melódicas.
Procurou-se demonstrar a reprodução de frases que mais se destacaram em seu
aprendizado, sendo que as canções passaram a pertencer à criança (conforme nos diz
Campo, 2002, p. 18). Essas canções foram selecionadas também porque se pode perceber
que a criança teve oportunidade de encontrar suas próprias possibilidades musicais com
prazer em experimentá-las, conforme afirma Morte (2002, p. 38).
Segundo Akoschky (2002, p. 43-44):“O canto entoado irá fazendo um lento percur-
so, com crescentes aproximações que darão conta de uma interessante construção: serão
primeiro ‘esboços’ e aproximações da canção escolhida.” Assim, foi possível perceber um
avanço em seu vocabulário, onde os trechos antes incompletos foram se concretizando,
até transformar a canção num todo. De acordo com Condermatín (Apud MORAIS, 1997,
p.10), a fala “é uma característica biologicamente determinada que se desenvolve de
forma natural e espontânea se existir um ambiente estimulante”.
Como conclusões, foi possível observar que, neste período de vida da criança, houve
uma ligação entre fala e música bem visível. Conforme Ilari (2006, p.277) “Há evidências
fortes que sugerem que a música e a fala estão mais intimamente ligadas na primeira
infância do que em outros períodos da vida”.Para esta autora (op.cit., p. 282), aspectos como
a altura do som e o contorno melódico “São alguns dos exemplos de elementos musicais
comuns à música e à linguagem”, sendo que “os contornos melódicos têm uma função
importante no desenvolvimento da percepção e produção dos sons musicais e da fala”.
Observou-se que o contorno melódico foi um importante fator musical para a
criança estudada. Isso ajudou a responder o motivo pelo qual a criança conseguia, antes

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mesmo de sua linguagem verbal estar estabelecida, balbuciar suas canções preferidas,
onde os contornos melódicos apareciam claramente delimitados. Segundo Ilari (2006, p.
282) “(...) a percepção musical em bebês parece estar baseada em contornos melódicos”.
Com isso, acredita-se que a criança estudada teve como principal apropriação musical em
suas canções a utilização destes contornos melódicos e, em algumas canções, também a
estrutura rítmica. Esta autora (op.cit), comenta também que “Vários estudos da
psicolingüística sugerem que os contornos melódicos são importantes na aquisição da
linguagem, já que dão sentido às mensagens dos pais aos bebês pré-verbais.” Como havia
uma troca constante de comunicação não-verbal da criança com seus pais, e como ela era
constantemente estimulada musicalmente, isso ficou bem evidenciado em suas canções.
Uma das perguntas para a análise do problema foi verificar se há influência do meio
ao qual a criança está inserida nesta aquisição do conhecimento sonoro-musical. Através
desta pesquisa foi possível afirmar que existe esta relação entre o aprendizado da criança
em relação ao meio ao qual ela está inserida, sendo que esta influência tem relação direta
entre o que a criança aprende e desenvolve através da estimulação que recebe.
Entre os fatores que influenciam e envolvem este processo de aprendizado, foi
possível perceber que o ambiente onde a criança vive, a estimulação que recebe de seus
pais e de seus cuidadores, se ela freqüenta uma escola, se tem contato com outras pessoas
em outros círculos sociais, tudo isso influenciou em seu desenvolvimento, não só sonoro-
musical, mas seu desenvolvimento geral.
No caso desta criança, havia uma interação com a linguagem muito grande em seu
lar. Não só a linguagem verbal era muito apreciada e utilizada com ela, mas também a
linguagem musical. Foram vários os registros em áudio de momentos de interação entre
mãe e/ou pai com a criança, onde se pôde perceber que os estímulos recebidos influen-
ciaram positivamente em seu desenvolvimento.
Alguns autores dedicaram-se a estudar se existem mecanismos comuns entre o
processamento da música e da linguagem. Trainor (apud ILARI, 2006, p. 276-277) sugere
que no desenvolvimento infantil há várias formas de interação entre a música e lingua-
gem. Para esta pesquisadora (op. cit.) há duas possibilidades que precisam ser considera-
das sobre esta interação. A primeira possibilidade fala sobre “(...) a música e a linguagem
constituírem sistemas completamente diferentes, de modo que a identificação de um
determinado estímulo levaria ao processamento pelo sistema apropriado já no primeiro
ano de vida”. Já a segunda possibilidade “(...) é a de que a música e a linguagem começa-
riam como um sistema único, mas se diferenciariam com o desenvolvimento da criança”.
No caso desta pesquisa, pode-se constatar que a aquisição da linguagem verbal
ocorreu paralelamente à aquisição da linguagem sonoro-musical. No entanto, foi possível
observar que o desenvolvimento sonoro-musical serviu de suporte ao desenvolvimento
da linguagem verbal da criança estudada. Esta afirmação é possível quando se verifica a
quantidade de repertório de canções adquirido durante o período da pesquisa e acompa-
nhar, através das canções selecionadas para análise, como este repertório possibilitou a
ampliação de seu repertório de palavras.
Através da análise das canções foi possível observar que, no decorrer do tempo de
pesquisa, a criança adquiriu um repertório de palavras muito maior do que o comumente

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observado por pesquisadores. Seu dicionário já havia passado da marca de 500 palavras e
ela conseguia expressar-se bem, formulando frases completas, algumas delas ultrapassan-
do 10 palavras, na época do fim da coleta de dados para esta pesquisa, quando a criança se
encontrava com 2 anos e 4 meses. Este repertório é muito maior que o descrito por
pesquisadores como Newcombe (1999, p. 146), conforme exposto acima. Este fato, na
opinião da pesquisadora, deu-se em virtude de seu amplo repertório de canções e de toda
a estimulação musical recebida, o que serviu como um processo facilitador do aprendiza-
do da linguagem verbal.
Nesse sentido, podem-se retomar as palavras de McNeil (In: MUSSEN (org), 1975, p.
222), que afirma que as crianças desenvolvem sua capacidade de falar por imitação. Na
opinião da autora, não só a imitação das sentenças dos adultos pode ser determinante
num processo para a aquisição da linguagem verbal, mas também, a imitação e tentativa
de canto de canções conhecidas, como aconteceu nesta pesquisa.
A construção desta pesquisa motivou a acreditar que é inegável a influência da
musicalização no desenvolvimento da criança, principalmente no ambiente familiar,quando
é valorizada, reconhecida e incentivada. A musicalização começa em casa, passa pelas
aulas e continua em casa, no abraço e no carinho.

Referências
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teoria e aos métodos. Porto: Porto Editora.
Campo, Patxi del e Zuluaga, Silvia. (2002) Toda una experiência sonora. In: Música de 0 a 3 años.
Revista Eufonia, Didáctica de la Música. Grão Editora, 17-32.
CICERONE, Paola Emilia. (2006). Em ritmo musical. In: A mente do bebê:Aquisição da
linguagem, raciocínio e conhecimento; edição nº 3, série especial da revista Mente&Cérebro.
São Paulo: Duetto Editorial, 36-41.
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Flick, Uwe. Uma introdução à Pesquisa qualitativa. Trad. Sandra Netz. 2.ed. Porto Alegre:
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Hargreaves, David & Zimmerman, Marilyn. (2006) Teorias do desenvolvimento da aprendizagem
musical. In: Em busca da mente musical: Ensaios sobre os processos cognitivos em música –
da percepção à produção. Beatriz Senoi Ilari (organizadora); colaboradores Beatriz Raposo
de Medeiros...[et al.]. Curitiba: Ed. Da UFPR, 231-269.
Ilari, Beatriz. (2003a). A música e o cérebro: algumas implicações do neurodesenvolvimento para a
educação musical. Revista da ABEM. Porto Alegre, n. 9, 07-16.
_____. (2006).Desenvolvimento cognitivo-musical no primeiro ano de vida. In: Em busca da mente
musical: Ensaios sobre os processos cognitivos em música – da percepção à produção.
Beatriz Senoi Ilari (organizadora); colaboradores Beatriz Raposo de Medeiros...[et al.].
Curitiba: Ed. Da UFPR, 271-302.

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Martins, Gilberto de Andrade. (2006). Estudo de caso: uma estratégia de pesquisa. São Paulo: Atlas.
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dificuldades de leitura. São Paulo: Vetor.
Morte, Elena Garcia i. (2002). Interiorización de la música en edades tempranas. In: Música de 0 a 3
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Muñoz, Juan Rafael. (2002). El cuento y la canción. In: Música de 0 a 3 años. Revista Eufonia,
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Triviñus, Augusto N. S. (1987). Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em
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superiores. Organizadores Michael Cole [et al.] 4. ed. São Paulo: Martins Fontes.

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Bringing order to aesthetics in school.
Discursive positioning in discussions with
teachers and head teachers

Monica Lindgren
monica.lindgren@hv.se
University West - Trollhättan - Sweden

Abstract
Recent rhetoric on aesthetic activities of the school has gained an increasingly
large scope over the last few decades in Swedish texts on educational politics and
educational science. In this study the field of school and aesthetics is analyzed
from an interest in how ideals of knowledge are created and preserved through
specific control strategies.
The starting point of the study is that the field of aesthetics and school is created
in discursive practices through linguistic interaction by way of specific power
techniques. The aim is to identify and describe current discourses relating to the
aesthetic activities in compulsory school, and to problemize these with regard to
power and control. Data-collection included individual and group interviews with
55 Swedish teachers and head teachers from seven compulsory schools during
the years 2002–2004. The participants conducted the discussions concerning “the
aesthetic activities of the school” by themselves.
In the analysis, five discourses concerning the construction of legitimacy
surrounding the aesthetic activities of the school were identified and subsequently
five discourses concerning the construction of legitimacy surrounding the aesthetic
competence of the teachers. The result shows that the discourses might be
construed as being based on more comprehensive discourses significant to our
time; education for freedom and exercising social control in the name of aesthetics.
The idea of the inherent power of aesthetic activities to alter a person’s character
and capability of leading a “good life” may be said to fit in well with a time of
striving for free and harmonious citizens in tune with an accepted social behaviour.
Keywords: Music education, aesthetics, school, pupils, teacher, education,
construction, discourse, power

Background
The issues of this study spring from an interest in how ideals of knowledge are
created and preserved through specific control strategies. What is perceived as important

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and relevant, or unimportant and irrelevant knowledge, respectively, is seen as an effect of
the demarcations of these strategies. The specific point of interest in this context is to
study and analyze the demarcations being made in connection with the aesthetic activities
of the school. This interest stems from the fact that this type of activity has gained an
increasingly large scope over the last few decades in texts on educational politics and
educational science in Sweden.
Within the field of school and aesthetics, Anglo-Saxon perspectives in particular
have formed the Swedish discourses.The continental perspective on aesthetics and learning
(as an example, see Nielsen, 1994) has been pushed into the background by American
and English perspectives. Just like in the USA and England, the concept of aesthetics and
the school could be said to issue from two perspectives. On the one hand, the concept has
kept the more traditionally exclusive and narrow meaning where activities are linked to
expressly artistic subjects. Here, the discussion is carried on from a media-specific
perspective. On the other hand, the concept is constructed from a broader media-neutral
perspective, where aesthetic aspects may be read into any situation of our everyday lives.
The tension between the two educational-philosophical movements of the twentieth
century, the child-centered pragmatism inspired by Dewey and the knowledge-centered
essentialism, respectively, is reflected in the discussions on aesthetics and the school as
well as in the professional research within the field.
In the light of these facts, the study focuses on how teachers and head teachers
describe their own “reality”, that is, the school and its aesthetic activities, and how they
describe themselves. In the study, the school as an organization is not seen as an
autonomous institution created beforehand, but as something created through the
interaction between people. How teachers and head teachers talk about the aesthetic
activities of the school, the pupils and themselves, is thus studied from the way they use
speech as a resource in organizing the school. However, starting out from this empirically
related perspective, the object of the study is also to problemize the field of school and
aesthetics from its specific structure as contemporary social phenomenon.

Aims
The starting point of the study is that the field of aesthetics and the school is created
by linguistic interaction, and that these linguistic statements are controlled by certain rules
and regulations. From this prerequisite, the object will be to identify and describe current
discourses relating to the aesthetic activities in compulsory school, and to problemize these
with regard to power and control. Accordingly, a more comprehensive object is to increase
the understanding of how the aesthetic practice of the school is created and legitimized
by means of power and control. Furthermore, by a critical examination of the aesthetic
field of the school, the thesis aims at giving a stimulus to a development that benefits both
pupils and teachers within the field.

Method
In the present study, the linguistic usage at school is studied as an empirical
phenomenon.This means that the study aims at investigating how language breaks down
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into structures, and how concepts are relative for the purpose of exposing the rules
demarcating apparent “truths” in the aesthetic practice of the school. The text is
deconstructed (Derrida, 1983/1991) as predominant patterns of thought are destabilized.
The deconstructive work of the analysis is chiefly inspired by discourse theory (Laclau &
Mouffe, 1985) and discourse psychology (Edwards & Potter, 1992). Additionally, in the
latter phase of the analysis, inspiration is drawn from the theories of Foucault (1978/1991)
regarding power and knowledge.
In total, 55 teachers and head teachers from seven compulsory schools are included
in the study. The selection of the participants at each school was made as a result of an
inquiry about discussions with “the head teacher”,“one of the school’s working parties” and
“the representatives of the school’s aesthetic activities”,respectively. The starting point in
the group interviews and focus groups, conducted between the years 2002-2004, was a
discussion concerning“the aesthetic activities of the school”.The course of the discussions
was mainly directed by the participants themselves.

Results
In the results is shown in what way the different kinds of discourses are developed,
how they are given credibility and how they produce a certain type of knowledge. This
knowledge achieves a normalizing effect since it relativises and creates hierarchies, includes
and excludes, from an established norm. The basis of this normalization involves the
presentation of the school’s pupils and activities from what is considered as normal and
not normal, respectively, with the intention of creating a sense of meaning.This contrasting
function occurs from binary oppositional pairs: A pupil cannot be seen as musical if there
are no unmusical pupils at the same time; subjects cannot be seen as practical if there are
no theoretical subjects; a whole individual implies a disrupted individual; activities at school
cannot be described as fun if no dull activities are believed to exist. The dichotomies are
used in developing certain credibility in the argumentation, and by means of a certain
demarcation of what is “normal” there are reasons to strive for an adaptation to them, and
to cope with anything that does not fit into this norm.
By means of different types of aesthetic activities the pupils are supposed to approach
the norm of normality. The question is whether pupils should get more or less time for
aesthetic activities - as a compensation for failing to deal with the specific needs of the
problem child or children in general. By contrasting the teachers and head teachers find a
way to adapt to a discourse, and at the same time it becomes a technique of maintaining
and perhaps even increasing their own activities and thus strengthening their own position
at school. For example, in the discourse of “having fun”, to present the problem children as
having a greater talent for aesthetic subjects gives credibility to aesthetic activities that are
legitimized from educational-therapeutic factors:
Märit: Yes, and still those children who perhaps don’t get on so well in the classroom
situation, and we say that they get on so well with us, but let them be with us then. Let
them be with us and let them feel that they can succeed.
Karin: Yes, that’s the way it is.

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Anette:You can see this joy in the children and the theoretical teachers may complain
about some children, that they are so trying, you know. Well, I don’t recognize it. Because
I suppose children who have problems, they really like these practical things, don’t they?
Well, I shouldn’t say practical but rather artistic-aesthetic subjects, you know. One sees that
very clearly of course.
In this discourse, the discourse or“having fun”,subjects are set up against each other,
in some cases by placing them in a hierarchic order. The subject of music is presented as
“more fun than maths” and aesthetic subjects as“the liberating subjects” in contrast to “the
other subjects”.
Correspondingly, in the discourse on balance, pupils are described as becoming
“whole” when theoretical work is integrated with practical and aesthetic work. In the
discourse on education, pupils lacking in self-confidence and those not humble enough
are given the opportunity of becoming“better individuals” by means of aesthetic activities.
Here, the normalization is based on an idea of some change of personality where the
transition from a less good to a better individual is supposed to happen by means of the
school’s aesthetic activities. Even within the construction of aesthetic activities as
reinforcement, the rhetoric is developed around children with different types of learning
disabilities and/or motor problems, who are expected to achieve normal results when
provided with more time for aesthetic activities:
Interviewer: What goals do you have with the music teaching at secondary school?
Kajsa: The most overriding goal of them all is perhaps that…or I can say it like this
instead… that they are going to be good parents, that they are going to be good human
beings. And what are good human beings then? Attentive and cooperative, humble towards
each other, that they see each other as human beings.That is at the top. And there I can see
the possibilities of the subject, you know, and that’s why it always has been like this for me
that we have been playing and singing and creating a lot together.
Most of the statements achieve credibility through generalization.The teachers in
the study sometimes talk about the school in general terms. In these cases a normal school
is set up against a not normal school based on a rhetoric surrounding theoretical /practical;
fun/boring and subject separated/subject integrated. In the light of this general picture of
the school, even children are described in general terms: Children are seen as being
disruptive; refugee children are supposed to be in a greater need of aesthetic activities;
recreation instructors uphold “the aesthetic quality”.In the remarks where a specific indi-
vidual is mentioned, the statement takes on a function of strengthening the plausibility of
an assertion about a group of individuals.
Basic to the normalization of the field of “the aesthetic activities of the school” is the
construction of rhetoric around the functions of the aesthetic activities. The teachers and
head teachers quite often dwell on the benefit of aesthetic activities. It is taken for granted
that the school should be aimed at an effective function. The functions are described
partly from the subject, as, for example, when Sara says:“What I mean is that music is very
important to the learning, when they are taught a letter we use to sing a song about that
letter.” Correspondingly, the aesthetic activities are constructed from the function of
educating good citizens or active people.

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On the other hand, the functions within the field are described from the view of the
child and its needs; a child that for some reason feels bad may be compensated by getting
more time for some type of aesthetic activity. It is taken for granted that the children will
“have fun” in connection with aesthetic activities, since the rest of the activities at school
are seen as less fun.The functional is focused on the doings within each subject respectively
- doings in the form of specific activities: singing songs, playing music, painting pictures,
embroidering,knitting caps,building pieces of scenery, exercising,making cookies.Activities
like “playing music” and “painting” sometimes turn into means of acquiring knowledge
with therapeutic overtones. Since children are believed to have needs based on
categorizations such as disruptive or whole, passive or active, the aesthetic activities are
turned into occupations where the actual playing or painting become useful to the children’s
well-being. Here, the function of the activity originates with the pupil, establishing aesthetic
activities as activities with the function of creating mentally and socially “normal” and
“healthy” children.The concepts of the rhetoric within this discourse deal with the health
and social needs of children (balance; needs; therapy; care).Thus, the constructions within
the field may be said to alienate themselves from a media-specific rhetoric with terms and
concepts from its own field.The legitimization of one’s own activity is instead centered on
concepts of a more general educational type.
In other words, the function of the aesthetic activities is emphasized as being primarily
a form for learning based on the normalization of the child.This function may be considered
as hegemonic in the discursive field of aesthetic activities at school. At this level, no actual
antagonistic discourse exists in the sense that different constructions or identities are
blocking each other. The aesthetic activities of the school are legitimized from the actual
doings related to a function springing from the view of the normal child. In the creation of
this normal child the form of “aesthetic activities” will serve its purpose.
If so, which aspects within the aesthetic field of the school are overshadowed by this
hegemonic discourse on form and function? What are the teachers and head teachers not
talking about? If one chooses to see the concepts of aesthetics and art as part of a
(alternative) discourse centered on the content of the school’s aesthetic activities, this
discourse seems to be silenced.The hegemony surrounding the activities, first of all in the
form of doings, does not invite to any discourse centered on a discussion about the object
itself, that is, the content that is the object of the learning. In the first place, the discourses
invite to a discussion about the pupil/ child, and by means of the aesthetic activities pupils
and teachers are expected to move towards the norm of the normal child and the normal
school, respectively. The categorizations and contrasting being made are seen here as
rhetoric techniques in the struggle for one’s own activities and position at school.

Conclusion
Like many other institutions in society, the school is an arena of normalization where
dominating discourses set the terms for the scope of action of both teachers and pupils.
The aesthetic activities of the school are legitimized from a control by way of certain
preconceptions about aesthetics, children and school, which on many points, paradoxically

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enough, are founded on the ideas of liberalism about the questioning of the actual control
(Rose, 1999).The normalization of the pupil/child may be understood as a rapprochement
between the private and the public. The desired type of individual within the school’s
discursive field is based on an idea that maintains a relationship of dominance, where the
message is that children and adolescents must, in the first place, be moulded into better
persons, and, in the second place, into better pupils. Aesthetic activities are seen as ways
of acquiring human characteristics such as “humble”,“harmonious” and “calm”.The idea of
the inherent power of aesthetic activities to alter a person’s character and capability of
leading a “good life” may be said to fit in well with a time of striving for free and harmonious
citizens in tune with an accepted social behavior.
The dream of the pedagogy to liberate children has been in existence since the early
progressive movements of the 1920s and 1930s (Walderdine, 1995), but from a
governmentality perspective (Foucault, 1978/1991) there is no “free” child in the sense
that it may escape normalization and so return to a completely autonomous state outside
the abodes of power. However, problemizing the normalization and categorization of the
school’s subjects and objects within the field may have a positive influence on the
development of aesthetic activities. A deconstruction in itself opens the door to criticism
and, accordingly, to alternative actions otherwise invisible in the existing assumptions
taken for granted at school. What I regard as both interesting and essential in the
development of the field, is a more systematic examination of this method with the aim of
opening up to a greater awareness of what limitations are involved in the control of power.

References
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the blinds. New York: Colombia University Press.
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London: Verso
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vetenskaplig och filosofisk problematik. Stockholm: HLS förlag

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Metáforas no ensino de música: um estudo de
caso sobre o emprego de linguagem figurada
em master class de violão

Ricieri Carlini Zorzal


riciviolao@terra.com.br
Universidade Federal da Bahia

Resumo
Este trabalho investiga o emprego da linguagem metafórica no ensino da
expressividade musical em aulas públicas de instrumento. É nesse formato de
ensino que Schippers (2006) vê a maior ocorrência do uso de linguagem figurada
na vida de um músico. Gravamos em áudio e vídeo master classes realizadas
durante o II Festival Internacional de Violão em Belo Horizonte. Dessas uma foi
escolhida e transcrita e seu áudio analisado com o auxílio das ferramentas
computacionais Sound Forge 8.0 e Cool Edit. Concluímos que, além de efetuarem
mudanças nas performances quando usadas para construir um plano explícito
de performance direcionado às propriedades de intensidade, andamento e arti-
culação, as metáforas, seguidas de demonstrações instrumentais do efeito pre-
tendido, proporcionaram significativas mudanças no parâmetro timbre, como
sugere Woody (2006).
Palavras-chave: expressividade musical; performance; metáfora; master class; vio-
lão

Introdução
Master classes têm se tornado uma freqüente opção para estudantes de instrumen-
to aperfeiçoarem suas práticas interpretativas. Nesse formato há a possibilidade de inten-
sa troca de informações em um curto intervalo de tempo, mas trata-se de um processo
que não prevê um acompanhamento educacional e ainda baseia-se na experiência pes-
soal de cada professor. Este faz uma avaliação diagnóstica da situação do aluno e elabora,
instantaneamente, estratégias de prática. Quais são essas estratégias? Como o estudante
as interpreta?
Uma dessas estratégias é o uso de metáforas para relacionar parâmetros físicos do
som às formas de expressão musical. Schippers afirma que a linguagem figurada está
sempre presente na vida de um músico “mas talvez mais visivelmente em master classes
públicas” (2006, 212). Woody (2006) sugere alguns parâmetros para os quais o emprego
dessa forma de linguagem surtiu bom efeito educacional. Pretendemos, a partir de um

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estudo de caso, identificar possíveis relações metafóricas que envolvam o parâmetro
timbre criadas para o desenvolvimento da expressividade musical numa situação de ensi-
no de instrumento no modelo master class.

A metáfora no ensino de música


“Uma importante meta de qualquer estratégia de ensino que visa ao desenvolvi-
mento de habilidades expressivas deve relacionar o mundo subjetivo do performer aos
aspectos objetivos da performance” (Juslin & Persson, 2002, 227). Um possível elo entre o
subjetivo e o objetivo no ensino da expressividade na performance musical é a metáfora.
Professores de instrumento recorrem frequentemente a tropos nos quais a significação
natural de uma frase é substituída com o intuito de facilitar o processo de aprendizagem.
Citando o livro Metáforas da Vida Cotidiana de Lackoff e Johnson, Borges Neto escreve
que:
“A tese básica do livro é a de que há “coisas” cognitivamente simples e “coisas” cognitivamente
complexas (uso aqui a expressão “coisa” com sua máxima generalidade, valendo para objetos, indi-
víduos, situações, eventos, estados, etc.). As coisas cognitivamente simples podem ser compreen-
didas diretamente; as coisas cognitivamente complexas são compreendidas por meio de metáforas,
em que se usam as coisas simples como explicação para as coisas complexas” (2005).

Em processos de ensino e aprendizagem sobre expressividade musical, as metáfo-


ras certamente ultrapassam a simples utilidade de ferramentas que fragmentam um con-
teúdo em pedaços inteligíveis. A facilitação do processo ocorre pois a linguagem figurada
proporciona mais um meio pelo qual a intenção de uma performance expressiva pode ser
transmitida.
A elaboração de metáforas como estratégia de ensino em música tem suscitado a
atenção de pesquisadores (Stollak & Alexander, 1998; Woody, 2002; Skoog, 2004). Em
recente estudo com trinta e seis estudantes de piano, Woody (2006) encontrou que
modelagem aural, instrução verbal de propriedades musicais concretas e instrução verbal
com o uso de imagens e metáforas são abordagens complementares de ensino para a
obtenção de expressividade na performance musical, cada uma com seus pontos fortes e
pontos fracos. Altenmüller & Gruhn (2002) concordam ao afirmarem que diferentes for-
mas de treinamento ativam diferentes partes do cérebro.
Swanwick (2003) elaborou um modelo no qual os estágios de desenvolvimento
musical são atingidos após transformações metafóricas pelas quais o estudante torna-se
capaz de dar sentido às estruturas musicais e expressar-se musicalmente. Devido ao seu
intenso uso em música, alguns autores chegaram a propor relações metafóricas constan-
tes entre parâmetros do som e expressividade. Há tabelas que relacionam características
dos eventos musicais a estados emocionais humanos (Juslin & Persson, 2002; Juslin 2003).
Embora seja útil como meio de verbalização da expressão musical, algumas conside-
rações devem ser feitas sobre o uso da linguagem figurativa (Sheldon, 2004). Schippers
(2006) considera três tipos de metáforas no ensino de música: clichê, metáfora criativa e
referência obscura. Clichê é uma metáfora tão familiar que não proporciona um aprendiza-
do. A metáfora criativa evoca o que esse autor chama de dissonância cognitiva, a qual pode

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ser resolvida pela aplicação de uma ampla estrutura de referência pelo aluno. A referência
obscura também cria a dissonância cognitiva, mas não permite que ela seja solucionada pelo
aluno. Educadores devem conscientizar-se de que o uso da metáfora no ensino de música
precisa ser contextualizado e sua primordial função é estabelecer relações entre um novo
estímulo e a experiência do estudante, caso contrário toda a elaboração pode tornar-se
irrelevante para uma situação de aprendizagem eficiente (Woody, 2004). Essa afinidade
metafórica do novo com o já experienciado otimiza o entendimento.
“Damos sentido ao mundo ao nosso redor pela combinação de modelos percebidos com modelos
armazenados na memória. [O cientista social Howard] Margolis descreve o início do processo
cognitivo como sendo a seleção de um modelo para ser combinado com um novo estímulo. A
seleção é finalizada através do que ele chama de jumping, ou salto da intuição. A seleção pode ser
imediata, como quando vemos um objeto familiar. Ou pode levar um certo tempo, como quando
vemos alguém que mudou significantemente sua aparência desde a última vez que o vimos”
(Brower, 2000, 323).

Procedemos, então, uma investigação prática de um exemplo de metáfora criativa


numa situação real de ensino da expressividade na performance musical, as master clas-
ses. Trabalharemos especificamente com o violão.

Uma master class de violão


Realizou-se na capital mineira, de 24 a 29 de outubro de 2006, o II Festival Internaci-
onal de Violão. Nesse evento violonistas de várias partes do mundo se reuniram para
cumprir uma extensa agenda de recitais e master classes. Para participar como executante
de master class o estudante interessado passava por seleção prévia de avaliadores compe-
tentes. Essa avaliação estabelecia-se em critérios que garantiam a participação exclusiva
de alunos em níveis avançados, embora estivesse presente uma platéia de ouvintes. Nes-
sas condições gravamos em áudio e vídeo as master classes ministradas durante o referido
evento, sempre com a devida autorização.
Devido ao comum distanciamento entre os envolvidos nesse formato de ensino,
geralmente os professores têm o primeiro contato com o aluno no início da master class,
escolhemos uma aula ministrada em língua portuguesa por um violonista que frequente-
mente participa de eventos desse tipo no Brasil. Acreditamos que assim diminuímos a
possibilidade de as metáforas utilizadas serem ininteligíveis pelos estudantes brasileiros.
A aula selecionada foi transcrita e o áudio analisado com o auxílio da ferramenta
computacional Sound Forge 8.0, da Sony. O programa Cool Edit foi usado para a obtenção
do espectrograma.
A obra executada na aula selecionada foi Nocturnal do compositor inglês Benjamin
Britten. Essa peça é um tema com variações sobre a canção Come, Heavy Sleep de John
Dowland, na qual cada variação tem fragmentos da canção sendo que a última é onde a
canção aparece na íntegra. Desde a execução da primeira variação o professor livremente
adotou como prática a liberdade de fazer intervenções durante a performance do aluno.
As intervenções tiveram procedimentos didáticos diversos, mas nos concentramos numa
criativa relação metafórica feita pelo professor entre uma propriedade física do som e

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uma recordação sobre alguém. Durante determinado momento da quinta variação, Exem-
plo 1, o professor intervém dizendo: “Isso tem que ser chato, isso tem que ser chato.
Lembra, sabe aquela professora chata?” Em seguida ele imita uma voz presumivelmente
chata.

Exemplo 1

A metáfora empregada pretende desenvolver uma experiência no estudante


conectando-a à um componente cognitivo presente em tenras idades (Dowling, 1999). É
bastante provável que o aluno tenha passado por alguma chata professora em sua vida
escolar. Mas qual é o significado musical da chatice da professora? Imediatamente após a
linguagem figurativa o professor demonstrou no instrumento o efeito desejado, ou seja,
fez uso da modelagem aural. E a modelagem respondeu a questão acima.
O Exemplo 2 apresenta uma análise da performance das três primeiras colcheias do
Exemplo 1 na execução do aluno e do professor. Linhas verticais indicam os momentos de
ataque das quatro primeiras notas tanto no gráfico de ondas quanto no espectrograma. Em
segundos temos as durações de cada uma das três primeiras colcheias. Para intensidade e
timbre temos os valores médios da amostra analisada. A comparação dos valores obtidos
para durações e dinâmicas sugere que a metáfora pouca influência tinha sobre esses
parâmetros. A “chatice da professora”focava-se no timbre da passagem. Um aumento da
excitação de harmônicos agudos, em valores médios de 1077,01Hz para o aluno e
1239,40Hz para o professor, procedimento que em violão é adjetivado de som metálico,
foi a real intenção. Tal intenção fica evidenciada no espectrograma.

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Exemplo 2

A utilização de linguagem metafórica ocorreu em outros momentos da aula e, sem-


pre que ela acontecia, o professor tomava de assalto seu violão e imediatamente demons-
trava, ou seja, empregava a modelagem aural. A demonstração decodificava em termos
sonoros a linguagem e impedia um erro de interpretação da relação criada. Nessa atitude
percebemos uma preocupação que mostra sintonia com o resultado de pesquisa de
Woody. Este afirma que em seu experimento “o enfoque metáfora/imagem
freqüentemente produziu consideráveis mudanças na performance, mas não necessaria-
mente na direção de uma interpretação aceita pelos mais experientes” (2006, 33).

Considerações finais
Embora nosso exemplo tenha demonstrado uma relação entre um timbre do violão
e uma lembrança pessoal observamos, durante o evento, que a maior parte das metáforas
que envolviam timbres tinham relação com cores e efeitos luminosos. Em geral percebe-
mos que sons “claros” ou “brilhantes” tendiam a produzir o mesmo efeito que a voz chata
da professora enquanto que sons “escuros” ou “opacos” procuravam o efeito contrário.
Trata-se de um fértil campo de pesquisa.

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Woody sugere que “instruções através de metáfora/imagem podem efetuar gran-
des mudanças nas performances quando usadas para construir um plano explícito de
performance direcionado às propriedades de intensidade, andamento e articulação” (2006,
34). Esse autor trabalhou com estudantes de piano, instrumento cuja característica é a de
um timbre relativamente constante durante uma execução. Quando se trata de violão,
instrumento no qual a exploração timbrística é um recurso interpretativo disponível, o uso
de metáforas no ensino da expressividade musical pode engendrar significativas mudan-
ças no parâmetro timbre. Em sintonia com o estudo de Woody (2006) encontramos que
uma demonstração instrumental do efeito pretendido parece aumentar a precisão com a
qual o estudante interpreta a linguagem metafórica.

Referências
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63-82). New York: Oxford University Press.
Borges Neto, J. (2005). Música é linguagem? Revista Eletrônica de Musicologia. Vol. IX.
Disponível em <http://www.rem.ufpr.br/REMv9-1/borges.html> acesso em 14 de novembro
de 2006.
Brower, C. (2000). A Cognitive Theory of Musical Meaning. Journal of Music Theory. Vol. 44, 2,
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Juslin, P. N., & Persson, R. S. (2002). Emotional communication. In R. Parncutt & G. E. McPherson
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Juslin, P. N. (2003). Five facets of musical expression: a psychologist’s perpective on music performance.
Psychology of Music. Vol. 31, 3, 273-302.
Schippers, H. (2006). ‘As if a little bird is sitting on your finger…’: metaphor as a key instrument in
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Sheldon, D. A. (2004). Listeners’ Identification of Musical Expression through Figurative Language and
Musical Terminology. Journal of Research in Music Education. Vol. 52, 4, 357-368.
Skoog, W. (2004). Use of Image and Metaphor in Developing Vocal Technique in Choirs. Music
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Stollak, M. A., & Alexander, L. (1998). The use of analogy in the rehearsal. Music Educators Journal,
84, 6, 17-21.
Swanwick, K. (2003). Ensinando música musicalmente. São Paulo: Moderna.
Woody, R. H. (2002). Emotion, imagery and metaphor in the acquisition of musical
performance skill. Music Education Research, 4, 213-224.
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performance. Paper presented at the National Biennial Convention of MENC: The National
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Woody, R. H. (2006). The Effect of Various Instructional Conditions on Expressive Music
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Merleau-Ponty e a sala-de-aula de piano

Denise Andrade de Freitas Martins


denisemartins@netsite.com.br
Universidade Estadual de Minas Gerais

Em busca de um novo olhar para o estudo de piano em sala-de-aula, e partindo do


pressuposto de que os programas de piano fossem os responsáveis pelos conflitos exis-
tentes entre os diferentes objetivos de alunos e professores, é que se investigou a relação
aluno-piano-professor em Conservatório Público Mineiro, com observação não-participativa
ao longo de 6(seis) meses e aplicação de entrevistas. Para tal, buscou-se como principal
suporte teórico, diante de tantos complicadores que emergiram da situação pesquisada, e
analisada, o filósofo dos sentidos, o francês Merleau-Ponty, em seu livro Fenomenologia da
Percepção, quando apresenta sua concepção de corpo fenomenológico, corpo próprio,
que é o corpo da experiência desse mesmo corpo, e, cuja motricidade não é uma serva da
consciência, mas um modo de ser-no-mundo, trazendo à discussão o fenômeno da reali-
dade a partir do estudo das constantes perceptivas.
De acordo com Merleau-Ponty, chegamos ao fenômeno da realidade estudando as
constantes perceptivas e, assim, as noções de grandeza e forma que temos das coisas, as
quais apresentam caracteres ou propriedades estáveis, são variações de perspectivas apa-
rentes.
Num campo fenomenal, a grandeza e a forma de um objeto visto são uma constân-
cia das relações entre o fenômeno e suas condições de apresentação. Pensando-se no
teclado do piano, sua grandeza verdadeira não é dada ou constatada em nossa percepção
como os sons do piano, e sim que ela é o invariante da aparência visual e de sua distância
aparente. A realidade é então a armação de realidades que satisfazem as aparências, ou
seja, o teclado do piano que é deformado pela perspectiva continua sendo o teclado em
realidade. A qualquer ponto e distância que estejamos do teclado, ele continua sendo o
teclado em realidade e desde que faça parte do nosso mundo, sua aparência não nos é
enganosa. O autor (1994: 403-4) observa:“A aparência só é enganosa e só é aparência no
sentido próprio quando é indeterminada.”
Quando orientamos nosso olhar a certos objetos, olhamos uma certa aparência dos
objetos e de seus vizinhos e esses objetos são como coisas, pois conservam em si seus
caracteres e propriedades invariáveis. Se tentamos objetivar nossa perspectiva do objeto,
estamos pensando nossa percepção e sua verdade, ao invés de percebermos. Quando
observo a forma e as dimensões de meu piano, presumo uma mudança correlativa das
mesmas para todas as minhas mudanças de distância ou orientação dentro do cômodo
que eu esteja. Diga-se que a constância das relações está na evidência das coisas.
Para aquele que percebe, o objeto visto de longe não é presente e real como visto

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de perto, mas é identificado em todas as suas posições, distâncias e sob todas as suas
aparências. Essa unidade do processo perceptivo é assegurada pela percepção privilegia-
da. Quando vejo um amigo de longe, asseguro em minha percepção sua forma e dimen-
são reais. Nossa percepção tem um ponto de maturidade e nosso corpo está em
permanente posição para perceber as coisas. Para Merleau-Ponty (1994: 406),“as aparên-
cias são sempre envolvidas por mim em uma certa atitude corporal.”
Se a relação das aparências nas situações cinestésicas são por mim conhecidas é
porque tenho um corpo em posse deste mundo, um corpo próprio ao contrário de um
corpo objetivo. Langer (1989) coloca que todo pensar começa com o ver, não necessaria-
mente dos olhos mas de todos os sentidos, numa concepção abstrata das coisas. Se meu
corpo estiver rigorosamente ligado aos fenômenos, a percepção das coisas em realidade
é reenviada à posição de um mundo e de um sistema da experiência, vividos por mim
desde que sou parte dele. Richerme (1996: 68) diz: “Cinestesia é o sentido que permite
perceber os movimentos musculares e a posição das partes do próprio corpo no espaço.
[...] Hoje, sabe-se que a sensação cinestésica é de essencial importância no aprendizado e
automatização dos movimentos.”
Merleau-Ponty chama de automatismo àquelas atividades parciais que se tornaram
solidárias umas às outras, e acrescenta que a aquisição desses automatismos acontece
quando se submete ao desencadeamento de um trabalho envolvido em certas condições
escolhidas. Os elementos são muito mais que anexados, são agrupados de modo solidário
e se manifestam desde que os primeiros elementos da excitação sejam dados.
O autor diz:
O processo de excitação forma uma unidade indecomponível e não é feito da soma dos processos
locais. [...] Não são os estímulos que fazem as reações ou que determinam o conteúdo da percepção.
Não é o mundo real que faz o mundo percebido. [...] Só se pode conhecer a fisiologia viva do sistema
nervoso partindo dos dados fenomenais (Merleau-Ponty, [1972]: 120-1).

Para Benghi e Carvalho (1994: 65):“As impressões visuais reforçadas pelas táteis e
cinestésicas criam processos associativos importantes para a execução musical.”
A percepção vai diretamente à coisa, ela não necessita passar pelos caracteres e
propriedades. Percebo a expressão do olhar de uma pessoa sem saber definir a cor ou
mesmo o formato dos olhos dela. A percepção não se sustenta nos detalhes nem neles se
atém, ela os supera na apreensão do todo. E quando alguém me mostra um detalhe que
não foi por mim percebido é porque esse alguém já o sabia. Tal fato é amplamente
verificável quando diante de uma partitura musical o aluno não vê o visto do professor e
assim surge, possivelmente, para não dizer certamente, a pergunta: – Mas você não viu?
Isso não afeta aquele que fala mas aquele que ouve, o aluno, que numa condição indefesa
e de autopunição diante desta situação se coloca, geralmente, em silêncio, silêncio senti-
do e mesmo um silêncio “que fala”, sentimento de incapacidade quanto à realização de
um fim determinado, a sua realização musical.
Se é através das constantes perceptivas que chegamos ao fenômeno da realidade, a
constância das coisas está fundada na consciência primordial do mundo enquanto hori-
zonte de nossas experiências. Esta constância é válida no fenômeno sonoro bem como

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nos dados táteis. Uma pressão na pele das costas e uma pressão na mão mediam a mesma
percepção de peso. Merleau-Ponty (1994: 421) fala: “A constância do peso não é uma
constância real, não é a permanência em nós de uma ‘impressão de peso’fornecida pelos
órgãos mais freqüentemente empregados e, nos outros casos, restabelecida por associa-
ção.”
Deste modo, não conhecemos o peso, o alcance e a potência de nossos órgãos, não
conhecemos o nosso corpo como alguém que constrói uma máquina peça por peça.
Nosso corpo nos foi dado e seus órgãos trabalham em e por eqüivalências sem ao menos
sabermos disso em realidade. O peso que queremos dar ao nosso corpo para tocar piano
aparece como um sistema de gestos eqüivalentes. A percepção tátil ao mesmo tempo em
que possui uma propriedade objetiva admite um componente corporal.
Merleau-Ponty diz que existem alguns fenômenos táteis que perdem certas quali-
dades se não forem acompanhados de um movimento explorador. Para ele, o movimento
e o tempo são componentes fenomenais dos dados táteis. E as modulações são tantas que
não podemos definir um único modo de aparição do fenômeno tátil. A sensação tátil não
é um fenômeno elementar e para pensá-la é preciso buscar sua essência e reinvesti-la na
experiência do ser.
Pensando-se o teclado do piano, ele é um objeto que, enquanto se opõe à penetra-
ção, é um fenômeno tátil de superfície. Tocando-se nas teclas distingue-se o material que
as reveste e a largura das mesmas, conseguindo-se pela experiência tátil, numa estrutura
natural, perceber quando se passa de uma a outra, pela lacuna que existe entre elas. Esse
fenômeno tátil está impregnado de movimentos exploradores, tanto espaciais quanto
temporais, e mais que pensá-lo é fazê-lo, tocando. Merleau-Ponty (1994: 424) afirma:
“Quem toca e apalpa não é a consciência, é a mão.”
Já na experiência visual a objetivação vai mais longe, pois ela nos dá a ilusão de
estarmos em todas as partes bem como em parte alguma. Enquanto sujeitos do tato isso
não acontece, pois só possuímos essa experiência se estivermos com o nosso corpo ali,
presentes no agora. Então não sou nem eu mesmo quem toca, é o meu corpo e esta
experiência não se faz por recognição, mas está fundada no corpo enquanto conjunto
sinérgico. As recordações que temos de nossas percepções táteis são assumidas por todo
o corpo ao invés de por um dedo ou um certo órgão. Isso se deve à unidade do corpo onde
um órgão transmite aos outros a impressão tátil que teve. Se meus dedos tocam piano
todo o meu corpo se sente em realização, ou seja, o contato de um objeto com o nosso
corpo objetivo é o contato com a totalidade do nosso corpo fenomenal. Assim é que se
realiza a constância de um objeto tátil através de suas diferentes manifestações. Segundo
Dastur (1992: 49), o olhar é compreendido por Merleau-Ponty a partir do tocar, apalpar,
bem como sua reversibilidade.17
Os fenômenos, as coisas, os objetos se oferecem ao nosso olhar e à nossa apalpação,
o que nos desperta uma certa intenção motora. Na intenção manifesta queremos ou não
nos unir aos fenômenos. E, quando isso acontece, todos os sentidos operam em concor-
dância, mesmo que o objeto exposto tenha sugerido e instigado um dos sentidos. Quem
se encontra com o objeto é todo o nosso corpo enquanto sistema de potência perceptiva.
Merleau-Ponty chama essa experiência de “experiência da coisa ou da realidade”, realida-

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de absoluta por ser a nossa plena coexistência com o fenômeno. Para o autor (1994: 427),
a coisa é “a plenitude absoluta que minha existência indivisa projeta diante de si mesma.”
Segundo Heidegger (1977), aquilo que chamamos de coisa são aquelas“coisas” para
as quais nem palavras encontramos, ou seja, é o que não se mostra a si mesmo, é aquilo
que não aparece. Talvez a coisa seja a essência do fenômeno, aquilo que mais escapa ao
pensamento, pois na tentativa de conceituar acabamos nos distanciando daquilo que
pretendemos. Greuel (1998: 19) afirma: “O surgimento do conceito assinala, pois, o
distanciamento da natureza antes familiar e que agora precisa ser explicada para poder ser
entendida.”
Eis então algumas perguntas: Seria o som um objeto? E a música? Um objeto é algo
palpável? Ou um objeto pode ser um fenômeno se ultrapassar sua estreiteza objetiva?
Retornemos à coisa, aquela que desenrola em si os dados sensíveis. Antes, porém, mais
uma pergunta:Tocar piano seria uma coisa? E a música, o que seria?
Para Wisnik,
a música não refere nem nomeia coisas visíveis, como a linguagem verbal faz, mas aponta com uma
força toda sua para o não-verbalizável; atravessa certas redes defensivas que a consciência e a
linguagem cristalizada opõem à sua ação e toca em pontos de ligação efetivos do mental e do
corporal, do intelecto e do afetivo. Por isso mesmo é capaz de provocar as mais apaixonadas ade-
sões e as mais violentas recusas (Wisnik, 1989: 25).

O sentido das coisas está por inteiro nelas, ele não se esconde atrás das aparências.
Na percepção o sentido das coisas nos é dado em “carne e osso” e, para o entendimento,
a significação não tem lugar. Só existe coisa que seja percebida ou perceptível e a percep-
ção é então uma comunhão. Mesmo que a visão tenha uma aparência de autonomia, o
percebido não é apenas o objeto que vejo diante de mim, mas o objeto que para mim é
uma unidade de valor. Acrescente-se que a coisa nos ignora, ela repousa em si, e nós só a
veremos se suspendermos nossas ocupações. Ela nos escapa como o pensamento alheio,
porque ela só é coisa pela organização de seus aspectos sensíveis. Talvez, mais do que nos
atrair ela nos cause repulsa e nós nos ignoramos nela, fazendo dela mesma e justamente
por isso uma coisa.
Se a percepção é uma comunhão de nosso corpo fenomenológico situado no mun-
do, ela se coloca também disponível a variações e ao abandono da estabilidade. Não se
pode precisar o percebido assim como não se pode esperar do aluno de piano dados
invariáveis de sua capacidade de percepção.
Para Gainza,
não apenas os motivos pessoais, físicos e psíquicos incidem na percepção musical, como em qual-
quer outro tipo de percepção (quando estamos mal nos sentimos desligados, embora tenhamos
as maiores aptidões e o melhor ouvido do mundo), mas também os motivos externos, como por
exemplo a temperatura, a pressão ou a umidade ambiente (Gainza, 1988: 46).

Fonseca (1957: 42) observa:“Convém ressaltar que a ‘boa forma’ na aprendizagem a


que a coordenação dos movimentos conduz, embora possa ser enquadrada em esque-
mas que a experiência provou serem os melhores, é sempre pessoal.”
Fontainha (1979: 16), comentando sobre a mão pianística ideal ao virtuosismo, fala

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que foi surpreendido ao longo de sua carreira, como professor, dizendo:“O principal é que
o professor observe bem o aluno, sob todos os ângulos, dando-lhe assistência contínua.
Cada discípulo apresenta características próprias e assim deve ser tratado individualmen-
te, de acordo com a sua natureza.” Pereira (1937) salienta que o defeito principal do
ensino tradicional de piano é o de não levar em conta a natureza peculiar do aluno.
Alimonda (1963: 2) diz: “Cabe ao professor de piano estudar a individualidade de cada
aluno; suas facilidades e dificuldades peculiares.”
Segundo Merleau-Ponty:
O comportamento humano abre-se a um mundo welt e a um objeto Gegenstand para além dos
utensílios que ele constrói; ele pode até mesmo tratar o corpo próprio como objeto. A vida huma-
na se define por este poder que ela tem de se negar no pensamento objetivo, e por este poder, ela
o tem de seu apego primordial ao próprio mundo. A vida humana ‘compreende’ não apenas tal
ambiente definido, mas uma infinidade de ambientes possíveis, e ela se compreende a si mesma
porque está lançada em um mundo natural (Merleau-Ponty, 1994: 438).

Notas
17 “Une telle conception de la vision conduit Merleau-Ponty à comprendre le voir à partir du toucher et
de la reversibilité en lui du touchant et du tangible” (Dastur, 1992: 49).

Referências
ALIMONDA, H. (1963). Síntese da formação pianística do principiante. Tese de Concurso à Cadeira
de Piano, Escola Nacional de Música da Universidade do Brasil, Rio de Janeiro.
BENGHI, E.; CARVALHO, M. A. (1994). Do corpo à leitura musical – uma pedagogia necessária.
Monografia de Curso, Escola de Música e Belas Artes do Paraná, Curitiba.
DASTUR, F. (1992). Merleau-Ponty et la pensée du dedans. In: Merleau-Ponty, Phénoménologie et
expériences. Textes Réunis par Marc Richir et Etienne Tassin. Grenoble: Jerôme Millon.
FONSECA, M. A. G. (1957). Os princípios gestaltistas e a aprendizagem motora. Tese de Concurso à
Cadeira de Pedagogia Aplicada à Música, Escola Nacional de Música da Universidade do
Brasil, Rio de Janeiro.
FONTAINHA, G. H. (1979). O ensino do piano. Seus problemas técnicos e estéticos. São Paulo:
Eulenstein Musica S/A Editores.
GAINZA, V. H. (1988). Estudos de psicopedagogia musical. Trad. Beatriz H. C. São Paulo: Summus.
GREUEL, M. V. (1998). Experiência, pensar e intuição – Introdução à fenomenologia estrutural. São
Paulo: Editorial Cone Sul / Editora UNIUBE.
HEIDEGGER, M. (1977). A origem da obra de arte. Trad. Maria C. C. Rio de Janeiro: Edições 70.
LANGER, S. K. (1989). Filosofia em nova chave. Trad. Janete M. São Paulo: Perspectiva.
MERLEAU-PONTY, M. (1972). A estrutura do comportamento. Paris: Presses Universitaires de
France.
_______. (1994). Fenomenologia da percepção. Trad. Carlos A. R. M. São Paulo: Martins Fontes.
PEREIRA, A. S. (1937). Psicotécnica do ensino elementar da música. Rio de Janeiro: José Olympio.

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RICHERME, C. (1996). A técnica pianística: uma abordagem científica. São João da Boa Vista: AIR
Musical.
WISNIK, J. M. (1989). O som e o sentido. São Paulo: Companhia das Letras.

Aspectos entoacionais da canção e o saber-


fazer cancional

Beatriz Raposo de Medeiros


biarm@usp.br
Universidade de São Paulo

Resumo
Este estudo propõe a comparação entre frases faladas e cantadas extraídas de
uma canção popular brasileira do ponto de vista da entoação. Propõe também a
idéia de que a capacidade de compor canções é única. As curvas melódicas da fala
são obtidas a partir das medidas de F0 e as da canção são representadas através
de diagramas. Estratégias específicas do saber-fazer cancional são reveladas atra-
vés de escolhas do cancionista em relação à alocação de alturas melódicas, obser-
vando as exigências da música e da língua.
Palavras-chave: Fala. Canto. Entoação.

Introdução
É bastante intuitivo (e até por que não unânime?) o fato de que uma letra de canção
só falada perde o encantamento de sua forma original.Talvez grande parte dos ouvintes
de canções concordaria com isso, o que nos faz pensar que ambas, letra e música da
canção tenham uma existência indissociável. Quando compositores são indagados a res-
peito do que vem primeiro: a letra ou a música, normalmente respondem que ambas vêm
juntas ou quase juntas, ou ainda, se vêm separadas, a música vem antes, normalmente
com a letra-monstro. A letra-monstro segundo Luiz Tatit e Dante Ozzetti (comunicação
pessoal) é um texto que o compositor da música da canção usa para instalar palavras nas
alturas melódicas. Estas palavras podem ser qualquer coisa, por exemplo, manchetes de
um jornal. A utilização da letra-monstro é uma estratégia reveladora de que, mesmo
quando ao compositor só cabe a parte musical da canção, esta é composta apoiando-se

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numa letra que vai ser descartada tão logo a composição musical termine e seja enviada
ao letrista.
Como se dá o casamento de letra e música é uma pergunta intrigante. A habilidade
de compor canções, explicada através do conceito de dicção em O cancionista (Tatit,
2002) parece algo muito natural entre os brasileiros (tanto aqueles que fazem como
aqueles que ouvem), afinal a música popular brasileira é a canção. Assim, arrisco dizer que
temos, em geral, um conceito correto de canção, segundo o qual esta não é o produto de
duas habilidades, ou competências humanas distintas: a fala e a música18. Antes, a canção
tem estatuto próprio e enlaça o texto e a melodia de forma definitiva e de forma a não
sabermos exatamente onde acaba uma e começa a outra.
Propomos, então, investigar um aspecto da questão sobre o enlace letra e música.
Trata-se das curvas melódicas existentes tanto em uma como na outra. As curvas melódi-
cas da fala são estudadas como fenômenos prosódicos de entoação pelos lingüistas, so-
bretudo no nível da frase, como veremos a seguir. Tais curvas podem ser encontradas na
canção, e receber um tratamento acústico experimental tal como se faz com a fala.

Entoação da fala
Estudos à cerca da entoação da fala propõem uma gramática dos eventos melódicos
das línguas naturais, uma vez que existem padrões entoacionais, no nível da frase que
indicam modalidades sintáticas ou sentenças-tipo, normalmente encontradas em línguas
não tonais (Hirst & Di Cristo, 1998). No caso do português do Brasil, sentenças afirmativas
apresentam uma curva descendente e interrogativas apresentam curvas ascendentes, ou
com picos de freqüência fundamental no pronome interrogativo (ver Moraes, 1998). Con-
sidere-se o exemplo: João veio aí? A tendência é a maior altura de F0 se dar em a de aí, ao
passo que na sentença Quem veio aí? A freqüência mais alta recairá sobre quem.
Partindo destes padrões já atestados na fala, podemos ver como funciona o fenôme-
no na canção. Assim, propomos um estudo fonético acústico, transformando a canção em
texto apenas, na medida do possível, e tentando extrair uma leitura deste texto que nos dê
pistas entoacionais da fala. Em seguida, comparam-se as curvas melódicas da fala com
aquelas da canção.

Um estudo das curvas melódicas da fala e da canção


A canção escolhida para este estudo é Sonhei, letra e música de Luiz Tatit19. Esta
canção corresponde melhor aos propósitos deste estudo, pois possui, do ponto de vista
lingüístico, frases longas, orações coordenadas e subordinadas que ficariam melhor, uma
vez escritas em prosa para a leitura em voz alta. Uma canção com versos curtos e rimas
temporalmente muito próximas poderiam levar mais facilmente a uma leitura ritmada.
Para que a gravação da leitura da canção fosse realizada, planejou-se o seguinte: a
escritura em prosa da canção, com base na versão escrita do libreto do cd; algumas instru-
ções básicas para os sujeitos leitores; e a obtenção de sujeitos masculinos voluntários para
a leitura.
No que diz respeito à escritura do texto em prosa, dividiu-se o texto em parágrafos
e acrescentou-se uma pontuação considerada adequada ao sentido do texto. A primeira e
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a segunda estrofe constituíram o primeiro parágrafo do texto em prosa, e as demais
corresponderam, cada uma, a um parágrafo, perfazendo então quatro parágrafos. Os crité-
rios mais básicos que nortearam o acréscimo de pontuação foram os seguintes: i) O ponto
final era adicionado sempre quando a pausa musical correspondia ao fim da frase lingüís-
tica, ii) a vírgula adicionou-se sempre que havia um período composto por coordenação
ou subordinação, ou uma relação apositiva, de uma frase para a seguinte (por exemplo:Meu
sonho estava ali tão deslocado, um simples conteúdo sublimado), e iii) a interrogação, quan-
do se tratava claramente de uma pergunta (apenas um caso em toda a canção).
As instruções dadas aos sujeitos leitores foram as seguinte: Você lerá em silêncio o
texto a ser gravado, para tomar conhecimento do tema. Logo em seguida, podemos iniciar a
gravação. Você lerá em voz alta da maneira que achar mais adequado. Assim, os sujeitos
liam em voz alta a canção, sem se familiarizar demais com o texto, pois consideramos que
se tivessem mais tempo para explorar a substância sonora, tenderiam a enfatizar uma ou
outra pausa, uma ou outra rima, distanciando-se do conteúdo do texto. Julgamos que se o
conteúdo fosse mais saliente para os leitores, a tendência seria uma leitura mais neutra
(ver Arnold, 2003)20. Obviamente não ignoramos o fato de que os leitores estavam cons-
cientes de que se tratava de um texto de grande carga poética, sobretudo do ponto de
vista das rimas, o que era relatado ao fim da gravação. No entanto, mantivemos a proposta
da leitura da canção, já que seria impossível coletar dados de fala espontânea que satisfi-
zessem as necessidades da comparação proposta.
Três sujeitos masculinos, com idade variando de 25 a 48 anos foram voluntários para
a gravação do texto da canção Sonhei. A canção foi lida na íntegra, muito embora, para a
análise, escolheram-se apenas alguns trechos. A seguir, transcrevemos a canção tal como
está no libreto do cd.
Sonhei

Sonhei que estava dentro do seu sonho/ E não podia me expressar/ Meu sonho era tão tímido e
confuso/ Mal consigo recordar/ Seu sonho sim causava sensação/ Brilhante como poucos sonhos
são/ Seu sonho tinha tudo resolvido/ Tudo fazia sentido/ Mesmo sem interpretação/ Meu sonho
estava ali tão deslocado/ Um simples conteúdo sublinhado/ Se ao menos pra livrar-me desse esta-
do/ Alguém tivesse me acordado

Mas tive a sensação que foram horas/ Foram dias foram meses/ Em que tive o privilégio/ De estar
sempre ao seu lado/ É claro que seria bem melhor/ Se você tivesse reparado/ Mas nada no meu
sonho/ Abalava o seu ar imperial/ Meu sonho estava dentro do seu sonho/ Que era o sonho prin-
cipal

Sonhei que mesmo dentro do seu sonho/ Haveria solução/ Sonhei que achei um meio infalível /
De chamar sua atenção/ Sonhei que não havia mais ninguém/ Você iria então olhar pra quem?/
Sonhei que estando ali tão disponível/ Sendo o único possível tudo acabaria bem

Sonhei que você veio pro meu lado/ Meu coração bateu descompassado/ Sonhei que seu olhar no
meu olhar/ Já estava um pouco desfocado/ Sonhei que pressenti alguma coisa/ Que corri ao seu
encontro/ Que por mais que eu corresse/ Chegaria atrasado/ Sonhei que nosso encontro foi etéreo/

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Você tinha evaporado/ Mas tenho que dizer/ Sonhei o sonho que sempre sonhara sonhar/ Você,
sentindo a força do meu sonho/ Fez de tudo pra acordar

Para a análise acústica da fala, mediu-se apenas a freqüência fundamental de cada


sílaba de cada frase escolhida com o objetivo de se chegar a uma curva melódica, com
base em estudos similares (Madureira, 1999; Medeiros e Makino, 2001 e Pereira, 2006).
Para a análise das alturas da canção, utilizamos o diagrama conforme em Tatit (2002). Para
fazer o diagrama, notamos as alturas fielmente à tonalidade da canção (Sol Maior), tal qual
está gravada no cd. Cada linha corresponde a meio tom. A nota inicial é um Ré 2.

O gráfico acima apresenta os valores de F0 das sílabas ou porções ressilabificadas


(como que es que passa a ques) da fala de apenas um sujeito21. A frase em questão é um
período composto por duas sentenças declarativas coordenadas. Assim, tem-se o padrão

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descendente de declarativas, mas com uma ascendência relativa a partir do final da pri-
meira frase. As sílabas so-nho se elevam ligeiramente, indicando a não finitude da senten-
ça; em seguida, a conjunção e e a sílaba po apresentam picos e, de novo, a curva descende
até chegar no valor mais baixo de F0 de toda a frase. Em termos gerais, o mesmo acontece
com a curva melódica da canção, pois trata-se de uma curva descendente. Há um salto
ascendente de sexta da primeira para a segunda sílaba da frase, o que pode ser comparado
ao salto inicial na fala, muito embora este seja de menor amplitude (152 Hz – 164 Hz). Esta
elevação de F0 na fala é esperada, pois temos uma sílaba átona seguida de tônica, onde os
picos de F0 costumam se alocar (Medeiros e Makino, 2001). Assim, parece que o cancionista
reforça um traço da fala na canção. Por outro lado, as sílabas que apresentam ligeira
ascendência no final da frase falada (so-nho), são exatamente as que recebem um interva-
lo de segunda descendente na canção.
Estabelece-se aí uma clara diferença entre a entoação da fala e a da canção. Além
disso, a canção desafia a instabilidade da fala: onde nesta, o F0 varia de sílaba a sílaba,
naquela, o cancionista mantém a mesma nota (portanto mesmo F0) no interior de um
grupo rítmico musical22 (nhei que estava dentro do seu). Esta repetição de tons é seguida
de outra, um tom inteiro abaixo, que por sua vez termina nas sílabas pres-sar, também um
tom inteiro abaixo. A frase musical fica assim em termos de intervalos: inicia-se na domi-
nante (Ré), dá um salto para Si, desce para Lá, e depois para Sol.
A entoação da frase falada varia de 100 Hz a 164 Hz, como é possível ver no gráfico.
A tendência geral da variação de F0 é sempre para baixo, o que já era esperado. A alocação
de um F0 mais alto na sílaba po de podia indica tratar-se do início de uma frase declarativa,
embora com a função de continuação da frase anterior e, portanto, apresentando um F0
máximo de 142 Hz, inferior aos 164 Hz alocados na sílaba nhei. Diante destes dados
entoativos pode-se vislumbrar que não se trata de duas sentenças declarativas estanques,
mas que sua relação de coordenação implica uma relação de interdependência e hierar-
quia. Neste sentido, a curva melódica do canto também apresenta um padrão descenden-
te para as duas frases, em que o maior F0 da segunda não pode ser maior que o da
primeira. Ainda que a canção não espelhe os detalhes da variação de F0 da fala, fica fiel á
sua tendência geral.
O diagrama e o gráfico a seguir representam a curva melódica da sentença
interrogativa. Uma análise mais aprofundada desta e de outras frases da canção será feita
em trabalho futuro.
O que se pode dizer da comparação interrogativa falada e interrogativa cantada é
que ambas acabam alocando o F0 mais alto no fim da frase. Do ponto de vista lingüístico
isto já era esperado, uma vez que o pico de F0 se aloca na sílaba tônica imediatamente
antes do pronome interrogativo quem, quando este vai para o fim da sentença (Moraes,
1998). No entanto, no que tange a escolha do cancionista, a elevação de F0 se dá exata-
mente sobre a palavra interrogativa, destacando-a melodicamente das demais.

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Discussão
Propusemos uma comparação entre fenômenos entoacionais da fala e da canção
com base em estudos lingüísticos e utilizando-se um programa de análise acústica da
fala23. Duas sentenças declarativas e uma sentença interrogativa serviram para ilustrar tais
fenômenos, mas obviamente são apenas indicadores do que acontece com a entoação da
canção, que receberá dentro em breve um tratamento mais exaustivo do fenômeno.
A suposição inicial foi de que a canção é produto de uma capacidade única, que
emprega ao mesmo tempo a música e a língua natural, ou em termos mais gerais, a
música e a fala. Destacamos um aspecto comum da canção e da fala, as curvas entoacionais
de suas frases, e buscamos verificar em que se pareciam e em que se diferenciavam.
Na comparação, revelamos que, em termos gerais, a canção mantém o padrão
entoacional da fala, por exemplo, como no caso das declarativas coordenadas. As diferen-
ças entoativas residem no detalhe. A repetição da mesma nota em determinada frase
como as exemplificadas aqui, ou mesmo a repetição de dois tons – Mi-Sol – alternados na

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frase Meu sonho era tão tímido e confuso, mal consigo..., são prerrogativas da canção, ou
seja, é da escolha do cancionista se a melodia será feita com grandes saltos intervalares ou
se soará monotônica. O interessante é que qualquer uma das opções indicam tanto para
um distanciamento do fenômeno entoativo da fala como para uma aproximação em
relação a este. Ao manter intervalos próximos, o cancionista pode estar espelhando a
variação de poucos Hertz existente na fala neutra. Por outro lado, ao empregar grandes
intervalos (de oitava por exemplo), o cancionista pode estar exagerando aspectos de um
estilo de fala em que haja grande variação de F0. O que diferencia a capacidade entoativa
da canção é que esta define as alturas e busca uma unidade melódica, harmônica e
rítmica, a partir de uma determinada tonalidade24. Já a entoação da fala está subordinada
ao sentido lingüístico, o qual não necessita de alturas definidas e sequer sistemas escala-
res musicais para se expressar.
Diante da tarefa de dizer algo servindo-se de duas formas de dizer (a lingüística e a
musical) o cancionista tem de negociar as restrições de uma e outra. As restrições musicais
relacionadas à entoação exigem unidade melódica e afinação. As restrições lingüísticas
exigem, por sua vez, que as curvas melódicas apresentem padrões específicos a fim de
distinguir significados. Assim, ao alocar a palavra quem meio tom acima do resto da sen-
tença interrogativa, o cancionista está infligindo a regra da fala que é de alocar o F0 mais
alto na sílaba tônica anterior a esse tipo de palavra. Por outro lado, está implementando
uma regra da fala segundo a qual o F0 mais elevado recairá sobre a sílaba acentuada do
pronome interrogativo quando este estiver no início da frase.
O cancionista acaba por fazer sua própria regra, uma que possa servir à canção e só
a ela, embora tal regra, até onde a presente análise indica, não anule as regras de música
e fala: antes as transforma para garantir-lhes a simbiose .

Notas
18 Dever-se-ia neste momento introduzir a idéia da competência cancional (Tatit comunicação pessoal).
Mas para tanto outras considerações acerca da competência musical e lingüística deveriam se feitas, para
o que não há espaço neste trabalho.
19 Faz parte do cd O meio, gravado pela Dabliú Discos, 2000.
20 Arnold trabalha com uma fala neutra que se opõe à fala em que se explora grande variação de F0 e
duração.
21 Isto se justifica, primeiro, pelo fato de não termos feito médias dos sujeitos, mas antes comparado os
contornos melódicos visualmente; e também por que não temos espaço para apresentar todos os gráficos.
22 Há aqui uma “quebra” da frase falada imposta pela estrutura rítmica da canção que é de um 4/4. A primei-
ra sílaba (So) é um anacruse, assim, a segunda sílaba (nhei) é que coincide com o primeiro tempo do compas-
so. Não é objetivo deste trabalho fazer uma análise rítmica da canção, mas este é um exemplo de como as
unidades de fala e música se reestruturam para se combinar.
23 Utilizou-se o programa de análise acústica da fala PRAAT, disponível gratuitamente na Internet
www.praat.org e desenvolvido por P. Boersma e D. Weenink.
24 Obviamente esta explicação a cerca da capacidade cancionística vale para a música tonal ocidental.

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Referências
Arnold, M. R. (2005) Implicações do estilo de fala da manchete noticiosa radiofônica sobre
parâmetros acústicos vocálicos no português brasileiro. Tese de Doutorado. IEL-
Universidade Estadual de Campinas.
Hirst, D. e Di Cristo.A. (1998) Intonation Systems: a survey of twenty languages. Cambridge:
Cambridge Universtiy Press.
Madureira, S. (1999) Entoação e síntese de fala: modelos e parâmetros. In E. Scarpa (Org.)
Estudos de prosódia ( pgs. 53 - 68) Campinas: Editora da Unicamp.
Medeiros, B. R. e Makino, M. (2001) Padrões de pitch em palavras em sentenças com foco em
português brasileiro. Estudos Lingüísticos XXX CD ROM.
Moraes. J. A. (1998) Intonation in Brazilian Portuguese. In Hirst, D. e Di Cristo.A. Intonation
Systems: a survey of twenty languages (pgs. 179 -194)Cambridge: Cambridge Universtiy
Press.
Pereira, A. (2006) Uma investigação preliminar sobre o quarto formante de falantes
masculinos do português brasileiro. Relatório Parcial de Iniciação Científica. FFLCH –
Universidade de São Paulo.
Tatit, L (2002) O cancionista: composição de canções no Brasil. 2ª. Edição.São Paulo: Edusp.

Sub-áreas do conhecimento
fonética, fonologia, musicologia.

As Funções da Linguagem Musical e o problema


da compreensibilidade da Música segundo
Mário de Andrade

Marcus Straubel Wolff


m_swolff@hotmail.com
Universidade Federal do Rio de Janeiro

Resumo
Esse artigo trata de alguns aspectos pouco conhecidos da obra de Mário de
Andrade: a cognição e a significação musicais, antecipando o surgimento dos
estudos de semiótica e semiologia da música. Tomando a Introdução à Estética

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Musical de Mário de Andrade como texto de base procura-se averiguar como o
autor compreende a relação entre música e comunicação, de que modo anteci-
pou alguns conceitos elaborados por Umberto Eco e a concepção mário-
andradiana da música como um meio de comunicação expressivo.
Através de um exame apurado da obra de Mário de Andrade, procura-se também
revelar qual a relação entre a estética eclética da primeira fase do seu pensamento
com a estética normativa surgida no final dos anos 20, que serviu de base para a
formação de uma escola nacionalista de composição no Brasil.
Palavras-Chave: significação musical; cognição musical; semiótica musical

A publicação da Introdução à Estética Musical de Mário de Andrade (doravante MA),


em 1995, veio a esclarecer diversos aspectos do pensamento musical do escritor moder-
nista que por muitas décadas tinham ficado obscurecidos. Jorge Coli, num artigo de 1990,
ainda se perguntava se por trás das manifestações fragmentárias e circunstanciais do autor
de Macunaíma teria havido realmente uma estética musical definida. Hoje, pode-se afir-
mar não apenas que Mário formulou uma estética nacionalista brasileira, como também
que procurou estudar problemas de significação e cognição musical.
A Introdução à Estética Musical (doravante IEM) consistiu numa tentativa de sistema-
tizar seu pensamento musical, ainda que a obra tivesse também com finalidades didáticas,
pois como professor catedrático do Conservatório Dramático e Musical de São Paulo
desde 1922, Mário devia elaborar um curso de estética musical. Os apontamentos de suas
alunas, a correspondência com Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade e o
manuscrito que Flávia Camargo Toni resgatou, permitiram a recuperação não apenas de
sua atuação no magistério como também de uma parte importante de seu pensamento
estético e musical.
A obra publicada postumamente com enorme atraso, veio assim a revelar a inquie-
tação intelectual do pensador modernista, o modo como absorvia e combinava a estética
platônica com as teorias estéticas do ecletismo francês (Cousin), de Spencer, e ainda com
a estética experimental de Fechner, as idéias de Riemann (sobre a interpenetração da
estética com a psicologia, a sociologia e outras ciências sociais) e as teorias freudianas.
Também discutia com autores clássicos como Hanslick e Witasek, no que diz respeito à
autonomia da arte, e com a psicologia experimental dos franceses L. Bourguès e A. Denéréaz
(que estudaram o fenômeno fisiológico da música).
Pode-se considerar a IEM como a peça fundamental que faltava no“quebra-cabeça”
do pensamento musical mário-andradiano.Trata-se de um abrangente estudo teórico que
antecede a estética normativa e nacionalista surgida em 1928 no Ensaio sobre a Música
Brasileira. É como se antes de encarar os problemas da arte musical no contexto brasileiro
fosse necessário procurar compreender alguns problemas mais gerais relativos à cognição
musical, à interpretação musical e à significação emocional da música..
Para Jorge Coli, MA chegou a elaborar no final de sua vida “uma verdadeira filosofia
da música, inquirindo sobre os seus fundamentos, discutindo a sua função social, buscan-
do determinar a sua natureza”.(1990: 42) Não se tratou, de modo algum, de uma especu-
lação teórica, já que prescreveu, em vários momentos de sua trajetória, direções a serem

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tomadas pelos intérpretes e compositores, que Jorge Coli chamou de uma “estética
normativa”. Parece ter havido uma ruptura entre essa estética normativa (surgida em
1928), com sua preocupação nacionalista, e a estética eclética contida na IEM que concebe
a música como expressão de um “desejo de amigo” (ou seja, de um amor sublimado) e vê
o compositor como um “ser psicológico que expressa pelos sons as necessidades superi-
ores e sem interesse imediato do seu espírito” (Andrade 1995: 58). Cumpre indagar: qual
a relação entre essa estética eclética e a preocupação nacionalista contida no Ensaio de
1928? São apenas três anos que separam esses textos, mas parece haver à primeira vista
uma descontinuidade entre eles.
Na IEM, Mário toma a obra de Bourgés e Denéréaz (La musique et la vie intérieur, Paris,
Alcan, 1921) como ponto de partida para o estudo dos aspectos fisiológicos do fenômeno
musical, pois Mário procurava compreender como a música podia ser uma forma de
expressão sendo um fenômeno acústico. O empirismo desses pesquisadores franceses,
ao demonstrarem como a sensação musical causa diferentes tipos de movimento no
corpo humano (as chamadas propriedades dinamogênicas da música), permitia a Mário
compreender uma das propriedades da linguagem musical. Mas esse seria apenas um dos
aspectos da linguagem musical, uma vez que tais movimentos cinestésicos, segundo
psicólogos como William James, estariam relacionados à comoção. Na teoria do senti-
mento-reflexo de James, a comoção não seria nada mais do que o resultado das perturba-
ções corpóreas internas desencadeadas por sensações ou percepções. MA incorpora
parcialmente a teoria de James, que havia reduzido as emoções à tais perturbações viscerais,
para concluir que a música, tal como a poética, tem o poder de produzir comoções. Desse
modo, aproximando-se da psicologia, Mário acaba por discordar das conclusões dos pes-
quisadores franceses, os quais afirmavam a impossibilidade da música de representar
comoções intelectualmente apreciáveis devido à sua vagueza e falta de consistência
intelectual.
Para o autor de Macunaíma, a expressão musical não é meramente uma sensação,
ou um movimento corporal ou uma vago sentimento, mas é algo conhecível e compreen-
sível, ainda que não possa ser explicada verbalmente. Na seção intitulada “O Fenômeno
Psicológico Musical” de sua IEM, Mário procura demonstrar que o primeiro resultado psico-
lógico da sensação é o conhecimento, já que tudo o que percebemos torna-se objeto de
conhecimento. Mas indo além desse primeiro resultado, o acúmulo de conhecimentos e
sua associação a novos conhecimentos vão tornar essas sensações “objetos de compreen-
são e portanto capazes de valor lógico, moral ou estético” (Andrade 1995: 41).
A mesma distinção entre conhecimento e compreensão aparece quando MA afirma
que “uma frase musical não é apenas objeto de conhecimento, porém também objeto de
compreensão” (idem, ibidem). As pessoas não apenas percebem a música como também
a compreendem, acrescenta, na medida em que podem associar conhecimentos na me-
dida em que escutam para onde a melodia se dirige, sua conclusão. Tomando como
exemplo uma melodia folclórica brasileira (“Fui passar na ponte”), MA observa que o
ouvinte “conhece a sensação sonora e percebe nela um dado de compreensão” (idem,
ibidem) ainda que tal compreensão não seja total. Para que chegue a uma compreensão
total é preciso que escute a segunda frase e depois a estrofe completa, pois somente

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então se poderia dar uma associação de conhecimentos capaz de produzir uma compre-
ensão satisfatória da música.
Ao fornecer esse exemplo acerca da compreensibilidade de uma frase musical
pode-se perceber que o autor privilegia o aspecto teleológico da música, considerando
assim que a idéia musical se esclarece por meio de um processo de implicação e realiza-
ção. Recorre, desse modo, a um modelo semelhante ao que depois foi desenvolvido por
Leonard Meyer em Emotion and Meaning in Music (1956) no qual a compreensão da obra
parece resultar do conhecimento de sua teleologia. Aliás, Meyer também se ocupou, nos
anos quarenta, das chamadas evidências objetivas, ou seja, das respostas fisiológicas
provocadas por estímulos sonoros.
Mas, além dessas preocupações com a cognição musical avant la lettre, uma leitura
atenta da IEM, revela preocupações com aspectos sociais e culturais que interferem na
compreensão de uma obra musical – e são justamente tais questões que vão desaguar
posteriormente no Ensaio sobre a Música Brasileira (em 1928). Ao explicar porque o públi-
co não compreende a música de vanguarda do séc. XX, salienta que não está tão acostu-
mado com os sistemas musicais dos compositores modernos quanto está com a música
baseada no sistema tonal. A ausência de um código comum que possibilite a transmissão
da mensagem musical é vista como resultante do “estado de compreensão” ainda não
alcançado pelos ouvintes leigos.
Antecipando as concepções de código e sistema elaboradas posteriormente no
campo da teoria da comunicação, MA observa a necessidade de um código comum para
que haja comunicação através da música. O autor defende a idéia de que nem toda
manifestação sonora se torna objeto de compreensão total. Para que isso seja possível, é
preciso que a obra se aproxime do ouvinte “não só no tempo, como na raça, no tempera-
mento e na identidade de sensibilidade” (1995: 42).
Neste aspecto, o escritor brasileiro parece ter precedido a teorização de Umberto Eco
( 1981) não apenas no que concerne à noção de código, mas também com relação à idéia
defendida por Eco acerca da multiplicidade dos códigos, nem sempre comuns ao produtor
e ao receptor de uma mensagem. Esse problema é percebido por MA, quando trata do
isolamento da música de vanguarda, vendo-o como decorrente da discrepância entre o
novo código utilizado pelo compositor e o que é compreendido pelo público. Percebendo
que a comunicação se processa numa rede sígnica mais ampla, MA levanta a questão das
afinidades (de tempo, raça, temperamento e sensibilidade), isto é, dos elementos culturais
que fazem parte da rede de signos que torna possível a comunicação. A argumentação
mário-andradiana se aproxima, neste aspecto, da teoria de Eco que considera os elementos
da cultura como unidades semânticas que fazem parte da rede de comunicação.
Todavia, será nas teorias freudianas que Mário se apoiará para explicar porque a
música, sendo compreensível não pode sê-lo por meio de palavras. Incorporando os con-
ceitos de subconsciente, inconsciente e consciência, MA tenta resolver o que considera o
“mais intrincado dos problemas estéticos musicais” (1995: 44): o conceito da inteligibilidade
musical, que prefere chamar de compreensibilidade. Para isso realiza uma digressão histó-
rica, considerando que “as primeiras manifestações musicais se originaram do gesto oral,
do grito primitivo” (1995: 44). Passando por Hanslick, Helmholz e pelos psicólogos que

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defendem a teoria dos sentimentos reflexos (James, Sergi, Ribot) e Jules Combarieu
(1859- 1916), para quem a música seria uma arte de pensar sem conceitos por meio de
sons, MA chega a uma conciliação do esforço de Combarieu com a concepção de música
como expressão. Mas um tipo de expressão distinta da verbal: enquanto a palavra se
transformou em um “meio de conhecimento e comunicação imediata, o som seguia
direto em busca das necessidades superiores do espírito e procurava satisfaze-las” (1995:
46). Conclui, então,que a música é intuição pura, independente de uma“compreensibilidade
consciente abstrata” (idem, ibidem).
Sendo assim, a arte musical ocupa uma posição particular no domínio das manifesta-
ções artísticas: é um tipo de expressão que não contém em si mesma uma idéia que possa
ter relação com o mundo dos fenômenos passíveis de consciência. Portanto, seu grau de
autonomia é o mais elevado no campo das artes, já que se realiza por meio de Idéias
musicais que segundo Mário,“só podem ser compreendidas musicalmente e não consci-
entemente como as das outras artes que são artes de relação” (1995: 51).
Situada fora do campo do consciente, a música será para Mário uma “expressão
compreensível de natureza intuitiva” (1995: 47) e como tal jamais poderá ser explicada
por meio de conceitos. Esse seria o motivo pelo qual se afirma que a música provoca
estados emocionais vagos ou imprecisos – pois tais estados não são determináveis pela
consciência. Por conseguinte, a compreensão musical se dará no subconsciente, sem
chegar a ser objeto de compreensão consciente para o leigo25. Talvez por isso, por mais
que desejemos descrevê-la, analisá-la, explicá-la, ela nos escape, conduzindo-nos para os
reinos da intuição onde os poderes da razão não têm razão de ser.

Notas
25 O conceito de compreensibilidade musical tratado por Mário de Andrade não inclui o conhecimento
musical que músicos profissionais possuem, já que o autor estava preocupado com a compreensão da música
pelas pessoas comuns, tal como seus exemplos ao longo da argumentação parecem indicar.

Referências
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Guarnieri. São Paulo: PUC/SP (tese de doutorado).

Gender equality projects in popular music as


cultural and discursive practice

Cecilia Björck
Göteborg University, Sweden
cecilia.bjorck@hsm.gu.se

Abstract
In the practice of research on music education, as well as in the educational
practice of music education, one central question is why some learn music better
than others. In the field of arts and culture some explanations deal with the ideas

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of innate “talents”, while some explanations emphasise effort and motivation.
There are however cases where musicality and effort seem insufficient for
explaining why a person does not succeed in learning to play a certain instrument
or a certain type of music. One example is that gender patterns seem difficult to
change.
The aim of this paper is to discuss different ways of dealing with the research
problem of a dissertation project. In a broad sense the problem could be described
as why there is a gender bias in the field of learning popular music and why it
seems difficult to change that bias. In a more narrow sense, it deals with how
gender is constituted in gender equality projects in popular music. There are
different theoretical perspectives, or epistemic objects, one could choose for looking
at the problem. In this case, two perspectives have seemed especially useful: one
is a sociocultural perspective; the other perspective in question is feminist
poststructuralism. This paper examines some of the ontological and
epistemological points of departure that these two perspectives imply; what unites
them and what divides them. The discussion ends with an argument for the need
of a deconstructive approach, and thus a poststructural perspective, in order to
avoid reproducing gender-stereotyped concepts, and to open up for a possible
change.

1. Background
In a culture strongly centred on the individual, we are surrounded by messages
about how we can shape our own lives and our futures. Despite this, not everyone succeeds
with what she or he wants to achieve. How can this be explained? By insufficient effort? Or
by lack of talent? In the field of arts and culture I would argue that explanations of innate
“gifts” or “talents” are more prevalent than in other learning fields. This might partly be
traced to the idea of the artist being inspired by divine powers. But if we imagine a student
who we see as “talented”,“gifted”,“musical”, and who furthermore puts in a lot of effort to
acquire the desired skill, is that enough? Let us say, if a fourteen-year-old wants to play the
drums? If it is a girl?
In different musical learning contexts, formal as well as informal, gender patterns
can be found. Gould (2004) argues that gender is inherent in every aspect of music
education, as research demonstrates a “pervasive segregation in terms of instruments,
occupations and ensembles, as well as exclusionary language, images and activities in
musics, materials and pedagogies” (p 67). One way in which gender becomes visible is
through bias within different musical activities (Bjurström, 1993; Brändström & Wiklund,
1995; Comber, Hargreaves, & Colley, 1993; Green, 1997). When it comes to popular music
practices, the overwhelming differentiation between men and women has been described
by e.g. Gaar (1992) and Bayton (1998), showing how women still take up the traditional
roles of singing and playing keyboards and stringed instruments.
I have in three earlier research essays examined learning paths for young people
doing music. Informants have been Swedish and South African music students aged 16–
26. My basic question is why there is still such a significant gender bias, in a time where
many regard society as more or less gender equal. I have put a special focus on popular

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music, which could be seen as a junction for issues on learning music both in and out of
schools, with both formal and informal aspects, and strongly touching upon issues of
socialisation and identity. In my earlier studies, girls and boys respectively have accounted
for partly different social worlds and socialisation patterns, which have influenced what
musical practices they have had access to. They have expressed that girls and boys face
different expectations. At the same time, concepts about gender not being important for
one’s possibilities are also related. Some girls express confusion about how to enter“band-
playing practices”.Girls who have experience of playing in a band tell of various strategies
for dealing with a subordinate position of being “the girl”.Many girls also say they want to
play instruments or genres traditionally associated with males. So why do so few go on and
do it? If they are “musical” and work hard, what more does it take? Must it really be so
difficult?

2. Aims
The questions introduced above form the background to an ongoing dissertation
project with the preliminary title Gender equality projects in popular music as cultural and
discursive practice. The aim of this paper is not to describe the methodological aspects of
my dissertation project, but rather to discuss different ways of dealing with the research
problem in question.There are different theoretical perspectives one could choose to use.
In this case, two perspectives have seemed especially useful for the problem. I would like
to examine some of the ontological and epistemological points of departure that these
two perspectives imply.The discussion will then end with a suggestion for a fruitful way to
go on.

3. Main contribution
In the following text, some conceptual tools for defining research are used, and then
the idea for a study is presented. I account for my ontological and epistemological points
of departure, and then discuss suitable theoretic perspectives for the problem presented.

Some tools for definition


In defining research, certain tools can be used for clarification.The conceptions study
object and epistemic object are examples of such tools. Another example is that of theory
level. I want to take a short look at these in connection to my problem.
Fransson and Lundgren (2003) stress the importance of separating study object
from epistemic object.The study object can be viewed as the territory to be explored. The
epistemic object, on the other hand, could be seen as the map one uses to explore that
territory, or the tool and symbols helping the researcher to look at the study object. The
territory or study object of the present study could in a broad sense be described as
“gender bias in popular music and learning”.The choice of epistemic object will be discussed
below.
Another conceptual tool for defining research is clarifying what level of theory one
is using: individual, interactional, institutional, inter-institutional, or international.The way I

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see it we cannot refer only to the individual level in searching for reasons to gender bias
in popular music. Since the point of departure is a bias related to sex/gender, it points to a
collective level. Hence, the individual level can be counted out. Drawing from the
investigations I have carried out earlier, I picture the problem as related to practices either
constituting gender or being constituted by gender. This leads me to look at either an
interactional level or an institutional level.

Zooming in
My basic and departing question is why a gender bias in popular music and learning
seems so hard to overcome. I would now like to zoom in from the general problem to a
potential study.
Searches on the Internet have indicated that there are a number of gender equality
projects in the field of music presently running in Sweden. Courses, workshops and other
kinds of activities are carried out with the aim of gender equality in music, especially
focussing on girls and women playing rock and pop music.These projects are not frequently
run in formal environments like schools, but more often in “semi-formal” contexts like in a
non-profit association. Perhaps it would be interesting to turn to such practices where
people are actively trying to counter musical gender bias? People working in these projects
are likely to have been confronted with the question of “why it is so difficult”. On a more
specified level my study object would thus be gender equality projects in popular music.

Ontological and epistemological points of departure


I believe in the importance of accounting for one’s ontological and epistemological
starting points as a part of the argumentation for a certain approach. When it comes to my
points of departure in a broad sense – which could be said to coincide with a post-modern
view – I would like to summarize them according to the following:
• All knowledge is entrenched with meaning formed by how we understand the
world and ourselves.This applies to institutionalised knowledge, e.g. that which we
call science, as well as it as applies to everyday thinking. We construct ideas about
the world to make it comprehensible. These ideas seem more logical and
comprehensible, and thereby more trustworthy, if they follow certain rules for how
stories (narratives) should be composed. I do not believe there is any thinking
standing free from this social dimension.
• In the narrative construction, language is central. The linguistic production takes
place in interaction between individual and collective. Neither language nor the
constructions we make by using language necessarily reflect a “true reality”.
• Very few things are determined and delimited by innate factors. I believe our
concepts of the world and of ourselves, and the tools for language/action we have
available, pick up and use, are far more determining and delimiting factors.

From above or from below?


For quite some time I have considered two different ways of approaching my problem
area, or two potential “maps” for “reading” the territory of gender and learning in popular

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music. One map, or epistemic object, is the sociocultural perspective; the other map in
question is poststructural theory.The sociocultural perspective could help me in investigating
practices of rock music in or out of school, focussing collective processes of producing
meaning and the tools used by individuals and collective in learning music. The
poststructural perspective would also help me look at practices, but focussing normative
operations of power, conditions for discursive possibilities and limits, and their consequences
for learning.
Professor Roger Säljö, working from a sociocultural perspective, described during a
lecture how the discursive turn resulted both in theories and research “reading society
from above” but also, as in a sociocultural perspective, research “reading society from
below” (Säljö, 2006).The“above” perspective (especially represented by Foucault-inspired
research) is according to Säljö focussing how society is organised through discourses,
while the “below” perspective (research inspired by e.g. Goffman, Mead, Vygotsky, and
Dewey) is focussing how society is constituted by various practices. Can both of these
perspectives be used at the same time? No, Säljö says, because they depart from different
ontologies. He also claims that the main difference between the two perspectives is how
they deal with action or agency.

A short introduction to the two perspectives


Säljö (2006) summarises the sociocultural interest area like this:
• how individuals, organisations and communities build up and make use of
understandings, skills and knowledge.
• interaction between humans and media
• interaction between intellectual and material culture

Lindblad and Edvardsson (2006) give a complementing summary of the central


interests for sociocultural research:
• communication and linguistically mediated knowledge
• how technologies (artefacts) change people’s ways of communicating, thinking
and learning
• institutionalisation and specialisation of knowledge and skills

Poststructuralism, on the other hand, has its interest in the cultural and discursive
context and in the discursive limits and possibilities on a general and collective level
where the subject is included (Lenz Taguchi, 2004). A “strict” poststructuralistic idea, Lenz
Taguchi claims, is not interested in the individual subject, whereas the feminist
poststructuralism sees a possibility to “discursive agency” for individual subjects.There is
however in the poststructuralistic view no “true” subject, existing prior to discourse, since
we understand everything from within the languages we have available for understanding
the world. What we can know about the world and ourselves can only be formulated in a
human expression of some kind – as language,says Lenz Taguchi.This theoretic perspective
implies a dissociation from the idea of there being in the world universally given truths
which could truthfully be revealed, represented or reproduced. Gender can accordingly

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be discussed in terms of masculinities and femininities rather than male and female, since
the idea is that there is no “true” male or female essence.

A comparison between the two perspectives


The two epistemic objects introduced above share some things. They can both be
found within a post-modern, social constructionist paradigm, where concepts such as
narrative, discourse and meaning are central. Both point out that practices are situated, i.e.
they are specific to their culture, group, time period and context.They both emphasize the
meaning of language. One difference lies in that poststructuralism drives the discursive
turn further on, so that the human being and the surrounding world are seen as discursive
all through, Lenz Taguchi (2004) says. She also points out another line of difference, namely
the focus on material aspects (e.g. the use and meaning of artefacts) within sociocultural
studies. I would like to add another dividing aspect, namely that sociocultural studies seem
to pay little or no attention to normalisations, power and control – concepts quite central
to poststructural studies. When asking Säljö (2006) about this, he answered that the
sociocultural interest in power could be formulated as “how do people do power?”.
As I look at my basic problem – why it seems to be difficult to change gender biased
patterns in popular music and learning – I see the need for a perspective that includes
power and norms on a collective level. I find it problematic to disregard those aspects
when there is such a clear group-related bias. However, I also see a need to include the
aspect of agency since the projects I am looking at aim at changing something (towards
gender equality). Is it possible to include them both? Säljö means that either you look at
society from above, where it is seen as constituted by discourse, or you look at it from
below, where it is seen as constituted by practices. Are these the only ways to see it? Is
poststructuralism only interested in power and sociocultural research only interested in
actions?
First, starting out with the issue of power,Lenz Taguchi argues that the poststructuralist
perspective, as opposed to the structuralist perspective, does not look at power as something
coming from above or from outside. She refers to Foucault and says that his concept of
power implies that it is produced by and through each individual in a complex and
simultaneous process with a collective of subjects. Reading the poststructuralist perspective
this way, I think it seems problematic to categorize poststructuralism as a perspective
looking only “from above”. Perhaps it would be more reasonable to place structuralist
research, e.g. works by Durkheim, at this end of the imagined above/below scale?
Second, if we continue with the issue of agency, Lenz Taguchi explains that feminist
poststructuralism recognises a subject with a potential agency: the feminist poststructural
subject is made, but also makes itself, through discourses that carry meaning within human
forms of expression. Judith Butler, a front figure in feminist poststructuralism, calls the act
of “doing gender” performativity:
In this sense, gender is not a noun, but neither is it a set of free-floating attributes, for we have seen
that the substantive effect of gender is performatively produced and compelled by the regulatory
practices of gender coherence. Hence, within the inherited discourse of the metaphysics of
substance, gender proves to be performative – that is, constituting the identity it is purported to

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be. In this sense, gender is always a doing, though not a doing by a subject who might be said to
preexist the deed. (Butler, 1990/2006, p. 34)

Säljö’s question of how people do power is thus of outmost relevance to Butler and
to the feminist poststructuralism. Structure/subject as well as collective/individual are
seen as interdependent, and there is hence an interest in both power and control and the
subjects’ potential for change.
With this in mind, how could my research problem be handled by these two
perspectives? A sociocultural study of girls playing rock could presumably point out
interesting aspects of a situated social and cultural practice. I have however noticed that
when I look at and write about the problem from this perspective, the gender aspect is
easily formulated as a “girls’ and boys’…” (choice of instrument, playing in groups, etc.).
This is a reference to girls and boys as groups, in which lies a risk of the gender aspects to
be either unclear or essentialising and indicative:“this is what male and female experiences
and practices look like”.That kind of research could perhaps raise consciousness about the
different experiences that young people bring into musical learning contexts and the
possible implications. But the question remains of why it seems difficult for those who
want to change gender patterns in learning popular music to do so. I have also had a
nagging feeling that my research has taken part in reproducing gender stereotypes,
although I have tried hard not to.This leads me to the conclusion that in order to deal with
these questions in depth, a deconstruction of prevailing concepts on gender and musical
learning is needed. We need to be able to handle (and challenge) the dichotomies male/
female and masculine/feminine without leaving them to be unconsciously reinforced in
the end. Instead, the role as a researcher could be to question gender patterns seen as
“natural”.Instead of aiming at revealing “reality”,this type of research could aim at revealing
our conceptions about “reality”.It is perhaps only then that possibilities for change become
available – for those who want. Feminist poststructuralism appears to be the epistemic
object providing the best tools for this purpose.

4. Implications
I have a neighbour who is a doctor in microbiology. When I have tried to tell this
neighbour about my own research he has asked me:“But what is the purpose of what you
are doing? How is it supposed to be used?” I have argued that what I do should be seen as
basic research rather than applied research – something that would perhaps apply to the
majority of research in arts, education and social science. It is a question of learning more
about musical learning. When I examine this argument of mine, I reflect upon how firmly
rooted it seems to be in a traditional, logocentric (in Derrida’s words) and modernistic-
rationalistic concept of the world – as if there were a certain quantity of “truth” to be
revealed and gathered by researchers which would then carry development onwards.
Today, I would rather tell my neighbour that it is a question of challenging and broadening
notions of learning music. If we are stuck in a number of ideas of learning and gender, it is
possible that those ideas limit people’s possibilities to a rich development. I would rather
want to contribute to increase the possibilities to rich development.

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5 Key words
feminist poststructuralism, gender, popular music, sociocultural perspective

References
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Bjurström, E. (1993). Spelar rocken någon roll? Kulturell reproduktion och ungdomars
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by the author). New York, London Routledge.
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Institutionen för pedagogik och didaktik 2006 [Towards better knowledge : presentations of research at
the Department of Education 2006]. IPD-rapport No 2006:06 (No. 2006:06). Göteborg: Göteborg
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Oct 31st, 2006, in a PhD course, Department of Education, Göteborg University).

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The language of gestures in the singing lesson

Alessia Vitale
Université de la Sorbonne Paris IV
alessia.vitale@paris4.sorbonne.fr

The paper will deal with certain aspects of non verbal semiotics observed as recurrent
in the teaching-learning dynamics during a singing lesson.
In particular it will offer an analysis of the role of gestures and their functions in the
study of the sole instrument which not only is not visible, nor interchangeable, but which is
incorporated in its owner-performer, who nevertheless has to refer to an “other than self” to
develop an instrument that he/she already possesses and has made use of since birth.
This study – carried out with a clinical methodology following the phenomenological
approach – is part of a broader systematic research lasting several years and based on the
regular observation (aided by video recordings) performed “in the field” in France, in
places officially dedicated to teaching singing, with the aim of reconstructing and analysing
the mosaic made up of the psychodynamic processes underlying the teaching-learning of
the voice, when, in all its polyvalence and multifunctionality, it is considered with the value
of a musical instrument: one I refer to as the instrument-voix.
An analysis is made of the psychodynamic processes that come into play while
learning the instrument-voix in relation to those involved in the learning of other musical
instruments.
Although institutions where the voice is studied consider it as an instrument just like
any other, the results of our research highlight its multifaceted specificity, which prove to
be highly significant.
A combination of methodologies is used, in the light of the clinical observations
made, since the voice itself is situated at a crossroads between the pre-verbal, verbal, body
and unconscious (Vitale 2004).
Do certain verbal and non verbal dynamics exist that are specific to the teaching of
the“transparent” instrument?
Could there be didactic strategies specific to the teaching of singing? What type of
language favours the learning of this instrument that is “impalpable”, not visibile, nor
interchangeable ?
What memories are involved in the dynamics of learning that are specific to the
instrument-voix?
This study tries to shed light on these and other questions, offering theoretical
hypotheses backed up by video material and making use of a combination of methods
suitable for a single instrument with plural attributes.
Key words: vocal gestures, interaction, temporality, memories, voice.

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Wagner, o artista enquanto filósofo e as
relações interartísticas na obra de arte total -
Gesamtkunstwerk

Sylmara Cintra Pereira


sylcintra@yahoo.com.br, sylmara.mestrado@gmail.com
Márcio Pizarro Noronha
Universidade Federal de Goiás

Resumo
Gesamtkunstwerk, ou obra de arte total, é um termo da língua alemã atribuído ao
compositor alemão Richard Wagner e refere-se ao ideal wagneriano de junção
das artes – música, teatro, canto, dança e artes plásticas. Para esta junção era
necessário que cada uma destas artes se colocassem a mercê de uma idéia
integradora, que transpasse a própria individualidade de cada arte. E para Wagner,
é na antiga tragédia grega que esses elementos estavam unidos, mas, em algum
momento, separaram-se. A tragédia, de fato, nunca foi outra coisa para os gregos
senão um espetáculo. Algo para ver, ouvir, sentir e entender. É esta última capaci-
dade humana, que nos é dada pela inteligência, que Wagner considera funda-
mental para o poeta. Com a Gesamtkunstwerk, Wagner procurou mais do que
nunca aproximar a ópera à essência trágica grega. A possibilidade do renascimento
de uma cultura trágica, em contraposição aos valores modernos, foi uma das
perspectivas fundamentais do pensamento de Wagner nos tempos em que es-
creveu A arte e a revolução, A obra de arte do futuro e Ópera e drama. Segundo
Caznok, Neto (2003), a concepção da obra de arte total ou plurissensorial não é
uma abstração. Ela teve lugar em vários momentos da história das artes, fazendo-
se presente também na contemporaneidade, suscitando novas produções e dis-
cussões sobre a integralização das artes, justificando-se assim a análise das relações
interartes. Segundo Souriau (1983), nada mais evidente do que a existência de um
tipo de parentesco entre as artes. Pintores, escultores, músicos, poetas, são levitas
do mesmo templo. Ainda segundo Souriau, poesia, dança, música, escultura, pintu-
ra são todas atividades que, sem dúvida, profunda, misteriosamente, se comuni-
cam ou comungam. Wagner com seu ideal grego para as artes, vislumbrava essa
comunicação entre as diferentes artes. BERTHOLD (2003) nos diz que no período
barroco, palavra, rima, imagem, representações teatrais uniram-se a música, que
emergia de mero elemento de acompanhamento do teatro, para uma arte autô-
noma. O barroco viu o nascimento da ópera. Ainda segundo Berthold, em 1954, a
primeira obra no novo estilo dramático foi encenada diante de um círculo peque-

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no e seleto em Florença. Esta foi a primeira famosa ópera do mundo, Dafne, com
música de Jacopo Peri para um texto de Ottavio Rinuccini e intermédios cantados
de Giulio Caccini. A nova arte da ópera imediatamente conquistou Veneza. Em
poucos anos, Veneza possuía meia dúzia de casas de ópera, que eram muitas
vezes abertas simunltaneamente durante a principal estação cênica, as semanas
do Carnaval. Para Wagner, a música possui uma forte ligação com a linguagem da
palavra e a música que exprime um sentimento mais amplo, caminha para a
palavra como uma espécie de necessidade irresistível.

1. Referencial teórico
Há uma manifesta e valiosa comunicação entre as artes. Este pensamento corrobo-
rado por Étienne Souriau no livro A Correspondência das Artes: elementos da estética com-
parada, é a base para o desenvolvimento deste artigo e pesquisa em andamento.
Segundo Souriau (1983), nada mais evidente do que a existência de um tipo de
parentesco entre as artes. Para ele, pintores, escultores, músicos, poetas, são levitas do
mesmo templo. Poesia, dança, música, escultura, pintura são todas atividades que, sem
dúvida, profunda, misteriosamente, se comunicam ou comungam.
Discutir e analisar historicamente a correspondência entre as artes nos leva à figura
do compositor Richard Wagner e ao seu Gesamtkunstwerk. Gesamtkunstwerk, ou obra de
arte total, é um termo da língua alemã atribuído ao compositor alemão e refere-se ao ideal
wagneriano de junção das artes – música, teatro, canto, dança e artes plásticas. Para esta
junção era necessário que cada uma destas artes se colocasse a mercê de uma idéia
integradora, que transpasse a própria individualidade de cada arte. Era necessária uma real
comunicação entre as artes. Para Wagner, esta comunicação se encontrava na antiga
tragédia grega; na Grécia é que os elementos artísticos estavam unidos, mas, em algum
momento, separaram-se.
De acordo com Macedo (2003), em sua trajetória artística e intelectual, Wagner
acrescentou muitas reflexões ao debate sobre o papel da cultura grega na história da arte
e sobre as perspectivas que esta cultura poderia apresentar para uma transformação dos
costumes e valores modernos.
A possibilidade do renascimento de uma cultura trágica, em contraposição aos valo-
res modernos, foi uma das perspectivas fundamentais do pensamento de Wagner nos
tempos em que escreveu, A arte e a revolução, A obra de arte do futuro e Ópera e drama.
Segundo Caznok, Neto (2003), a concepção da obra de arte total ou plurissensorial
não é uma abstração. Ela teve lugar em vários momentos da história das artes, fazendo-se
presente também na contemporaneidade, suscitando novas produções e discussões so-
bre a integralização das artes, justificando-se assim a análise das relações interartes.
Há no ideal wagneriano um transitar entre as fronteiras artísticas, uma dobra, que
segundo Deleuze (1991), vai ao infinito, sendo os dobramentos e os desdobramentos
possibilidades ilimitadas de comunicação entre as artes.
MILLINGTON (1995) nos relata que Wagner é uma figura ímpar na história da música,
no que se refere a seus conhecimentos de literatura, tanto das eras passadas quanto de

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seu próprio tempo. Quando adolescente, Wagner absorveu as obras dos clássicos alemães
e Shakespeare, bem como o mundo fascinante dos romances, mantendo uma ligação
estreita com os escritores conhecidos como Jovem Alemanha e partilhando das suas
idéias. Penetrou também nas sombras do pessimismo de Schopenhauer e endossou a
crítica de Nietzsche aos valores culturais.
Quanto às referências filosóficas, Wagner sempre buscou uma fundamentação nes-
te campo para sua arte, sendo o compositor uma junção entre o pensador e o artista.
Pode-se dizer que Wagner foi um dos poucos músicos modernos que procurou uma fundamenta-
ção filosófica para sua arte. Ele trouxe também uma relevante contribuição para estética filosófica.
(Macedo, 2006, p. 21).

Segundo Macedo (2003), pode-se dizer que Wagner foi um dos poucos músicos
modernos que procurou uma fundamentação filosófica pra sua arte. E além da originalida-
de, ele trouxe também uma relevante contribuição para a estética filosófica. Contribuição
essa que fez com que Heidegger em seu livro sobre Nietzsche tenha situado o pensa-
mento do compositor como um dos seis fatos fundamentais da história da estética.
Ainda segundo Macedo, poucos artistas na história tiveram uma influência tão rele-
vante sobre a cultura de seu tempo como Richard Wagner. Além de músico e dramaturgo,
Wagner tornou-se um pensador ativo e inquieto, vivamente motivado a tentar agir sobre
a consciência de seus contemporâneos.
É com devida propriedade que se pode chamá-lo de um músico-filósofo, ou de um artista-filósofo.
Sua vida e sua obra demonstram claramente sua ligação, na maioria das vezes tempestuosa, com a
sociedade e o pensamento de seu século. (Macedo, 2006, p. 21).

Toda a reflexão wagneriana sobre a arte está associada a uma apreciação de cultura
grega e a uma crítica à cultura operística que vigorava na Europa desde os séculos XVI e
XVII.
MACEDO (2003) nos diz ainda que, para não cair no risco de uma caricatura da
tragédia, a proposta wagneriana era a de investigar as condições gerais da criação do
drama grego, conhecer os fatores e circunstâncias que o possibilitaram não para tentar
repeti-lo e restaurá-lo, mas para, a partir do conhecimento dessas condições propor uma
nova obra de arte. A obra de arte do futuro que embora, inspirada na cultura grega não era,
em seu sentido estrito, uma repetição, uma restauração copiada da tragédia.
Este artigo contempla uma pesquisa de pós-graduação em andamento. Pretende-se
com este objeto de estudo analisar as relações interartísticas, o verbal e o não-verbal, na
obra Wagneriana, entre a arte literária (texto narrativo) e a música, através da leitura e
cruzamento entre libretos e partituras; analisar as relações interartísticas entre o musical e
o literário, no drama musical, ciclo de óperas, O Anel dos Nibelungos, observado a estrutura
musical da obra em relação aos libretos – texto verbal; e analisar o compositor e artista
enquanto filósofo, observando-se sua relação próxima de amizade com Nietzsche e seu
posterior afastamento, pensando o artista enquanto aquele que levanta questões filosófi-
cas no campo artístico.

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2. Objetivos
O objetivo principal desta pesquisa é a análise das relações interartísticas (corres-
pondência entre as artes) e interculturais, o verbal e o não-verbal, na obra Wagneriana,
entre a arte literária (texto narrativo) e a música, através da leitura e cruzamento entre
libretos, partituras e obra, e através de uma reflexão teórica com matrizes na filosofia.

3. Contribuições
Especificamente, busca-se com esta pesquisa, a análise das relações interartísticas
entre o musical e o literário, no drama musical, ciclo de óperas, O Anel dos Nibelungos,
observado a estrutura musical da obra em relação aos libretos – texto verbal; ler e analisar
cartas, textos e diários escritos por Wagner, buscando estabelecer relações intertextuais
sobre o processo criativo do compositor; observar o compositor e artista enquanto filósofo,
pensando o artista enquanto aquele que levanta questões filosóficas no campo artístico,
onde serão observados nesta análíse os filósofos Nietzsche e Heidegger; e cooperar com
as pesquisas associadas à música e suas interfaces, gerando uma bibliografia que possa
auxiliar nas pesquisas em áreas correlatas.

4. Implicações
A concepção da obra de arte total ou plurissensorial não é uma abstração, antes, ela
teve lugar em vários momentos da história das artes, fazendo-se presente também na
contemporaneidade, suscitando novas produções e discussões sobre a integralização das
artes. Ressaltamos aqui que o estudo das relações interartes é um campo bastante exten-
so no que tange aos objetos empíricos na arte contemporânea e permite retomar ques-
tões de caráter histórico e filosófico na análise, interpretação e leitura textual da obra
wagneriana.
A principal fonte de pesquisa será a análise histórica documental que contribuam
para o estudo das relações interartes na obra Wagneriana.
Pela natureza do objeto da pesquisa, o estudo desenvolvido terá características
teóricas e bibliográficas, apoiando-se principalmente na história e na análise bibliográfica
e documental (textos, documentos, cartas, livros, partituras e diários), e na leitura e inter-
pretações destes textos, desenvolvendo-se através de uma abordagem qualitativa de
leitura intertextual para uma melhor compreensão das relações interartes na obra de
Wagner.

5. Sub-áreas do conhecimento
Música, Filosofia, Musicologia, História, Semiótica

6. Referências
BERTHOLD, Margot. História Mundial do Teatro. São Paulo: Perspectiva, 2003.
CAZNÓK, Yara Borges; NETO, Alfredo Naffah. Ouvir Wagner: ecos nietzschianos. São Paulo: Musa,
2000.

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DELEUZE, Gilles. A Dobra: Leibniz e o barroco. São Paulo: Papirus, 1991.
HOLLINRAKE, Roger. Nietzsche Wagner e a Filosofia do Pessimismo. São Paulo: Jorge Zahar, 1986.
KOBBÉ, Gustave. Kobbé: o livro completo da ópera. São Paulo: Jorge Zahar, 2000.
MACEDO, Iracema. Nietzsche, Wagner e a Época Trágica dos Gregos. São Paulo: Annablume, 2006.
MILLINGTON, Barry. Wagner: um compêndio. São Paulo: Jorge Zahar, 1995.
SOURIAU, Etienne. A Correspondência das Artes. São Paulo: Cultrix, 1983.

Quando é musica?

Caio Manoel Nocko


Universidade Federal do Paraná
kionocko@yahoo.com.br

Resumo
Neste trabalho busca-se resposta para a pergunta ‘quando é Música?’ com base na
‘teoria’ da Intencionalidade do filósofo John Searle. No caminho da resposta,
passa-se por algumas definições de Música e alguns exemplos em forma de
problema. Chega-se a conclusão de que a intenção é essencial para se criar, inter-
pretar ou ouvir (com atenção) Música, embora nem sempre seja a única ‘marca’
que pode levar a classificar algo como Música.
Palavras-chave: Música, intencionalidade, definição.

1. Fundamentação teórica
O que ou quem determina quando é Música26?
As definições de Música são diversas no meio acadêmico, mas, afora as definições, o
entendimento de senso comum do que seja ‘Música’ parece ser algo determinado pelos
produtos que são criados e rotulados como ‘Música’. Mas será que tudo o que tem o rótulo
de ‘Música’, é, realmente? Por outro lado, é a diferença física do produto – Música – que
aponta o que é ou não? Tal assunto é importante por ser a base para todas as outras
atividades e estudos sobre essa arte – saber ‘o que é Música’ ou ‘quando é Música’ é preciso
antes de pesquisar qualquer outro ponto a respeito da área daquilo ‘que é’ Música. Partirei
de dois exemplos. Estes representam dois problemas – a meu ver – que podem ajudar à

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pelo menos tocar tal questão. Anteriormente à explicitação dos problemas, entretanto,
vejamos algumas definições de Música.
Em uma certa descrição que Arnold Schoenberg faz sobre a Música (1978: 14), diz
que esta não apenas imita a natureza, mas a essência da natureza. E este é um primeiro
ponto a ser notado, qual seja: a música como imitação da natureza. Na estética musical
essa é uma idéia clássica. Já na Grécia antiga se falava da Música como imitação da nature-
za. O filósofo do século XIX, Arthur Schopenhauer, por exemplo, além de estudar a doutrina
das Idéias de Platão, coloca a Música como expressão direta da Vontade, que é a coisa-em-
si do Mundo, o fundamento último deste:“...minha explicação apresenta a Música como a
cópia de um modelo que, ele mesmo, nunca pode ser trazido à representação” (2003:
229). Nesse aspecto, Schoenberg se assemelha a Schopenhauer, na medida que entende
a Música também como imitação, embora Schopenhauer não coloque a possibilidade de
imitação da natureza, mas apenas de imitação da essência do mundo (e, por extensão, da
natureza). Em ambos os casos, entretanto, para se reconhecer algo como Música, imitação
da natureza ou da Vontade, é possível apenas observar o produto físico sonoro, já que tal
imitação é indeterminada, subjetiva, não podendo ser fixada, mas apenas sugerida.
Sob um ponto de vista mais ‘científico’, digamos, pode-se entender, como fazem
muitos, a Música como ‘arte dos sons’, se atendo ao campo do fenômeno. Neste caso, que
talvez seja aquele com o qual a maioria das pessoas corrobora, a organização formal dos
sons é o que dá ao produto físico sonoro a marca para a classificação como ‘Música’. Se
procurarmos, por exemplo, a definição da palavra ‘Música’ no Dicionário Houaiss de Língua
Portuguesa, a primeira significação que se dá é:“combinação harmoniosa e expressiva de
sons”; sendo semelhante à idéia exibida no Dicionário Michaelis de língua portuguesa,
onde se pode encontrar, também como primeira explicação:“Arte e técnica de se combi-
nar sons de maneira agradável ao ouvido”.Neste caso o que está em jogo é, como diz John
Blacking, o “som organizado humanamente” (1973: 12), sobretudo.
Há que se notar que, nas definições dos dois dicionários anteriormente citados,
acrescenta-se à questão da organização dos sons alguns predicados interessantes:‘combi-
nação harmoniosa e expressiva’ e ‘de maneira agradável’. Tais colocações levam à outros
dois pontos que se encaixam em um tal assunto: a questão estésica e a da expressão27.
Como foi dito, Schopenhauer entende a Música em relação à Vontade sendo aquela
expressão desta. Ele está querendo dizer, com isso, que a Música está representando a
Vontade ou é significante daquele significado. Assim também se pode dizer, como acon-
tece muito, que tal música expressa dor, ou alegria, ou tédio, ou esperança etc. Nestes
casos, temos a idéia de expressão como representante. Em contrapartida, muitas vezes se
define a Música dentro de uma dimensão expressiva, ou seja, se acrescenta à organização
dos sons a forma ‘agradável’, por exemplo, com que essa organização soa. Aqui, já,‘expres-
são’ está no sentido de ‘expressivo’, ou modo pelo qual se faz algo. De certa forma, isso
reflete o foco tanto na composição (organização do material) quanto na percepção (cará-
ter agradável e harmonioso, por exemplo) da interpretação (que deveria corresponder,
sendo agradável e harmoniosa).
Em contraponto a essa idéia, vê-se que Igor Stravinsky, por exemplo, não concordava
com a afirmação de ser a Música expressão (no sentido de representação) de algo. Para ele

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“a expressão nunca foi uma propriedade inerente da música” (1936: 83) e, “Se, como é
quase sempre o caso, a música parece expressar algo, isto é somente uma ilusão e não
uma realidade” (Ibid: 83-84). No pensamento desse grande compositor,
O fenômeno da música é-nos dado com a única finalidade de estabelecer uma ordem nas coisas,
inclusive, e particularmente, a coordenação entre o homem e o tempo. Para ser posto na prática,
sua exigência indispensável e única é a construção. Uma vez terminada a construção, esta ordem
foi alcançada, e não há nada mais a ser dito (Ibid, p.84).

“A música é o único domínio em que o homem realiza o presente” (Id). Assim, vê-se
que Stravinsky deposita na ‘construção’ a marca de classificação da Música. E, como efeito,
percepção, coloca a relação entre o homem e o tempo.
Esse último ponto visto – da expressão, se relaciona com a questão estésica, já que
também se conecta com a percepção. E essa é uma outra vertente de possíveis significa-
ções de Música, quando se coloca a ‘marca de classificação como Música’ na percepção.
Ou seja, se deixa a critério daquele que percebe o ‘julgamento’ do assunto. Aqui entraria
também a questão do‘agradável’,ou do belo,enfim, assuntos que dizem respeito à valoração,
o que não é minha intenção debater neste momento.
Além dessas possíveis ‘marcas’ descritas, que podem levar a uma definição de músi-
ca, ou seja: imitação da natureza ou da Vontade (caráter subjetivo); organização de sons
(caráter objetivo); agradabilidade da organização sonora (caráter subjetivo); expressão da
Vontade, de sentimentos, etc (caráter subjetivo); tem-se ainda outras possibilidades (como
a diferenciação de visões da Música em diferentes culturas, a perspectiva do tempo, como
em Stravinsky, da função etc) que não vem ao caso aqui, já que a idéia principal é de
apenas dar alguns exemplos sobre as possíveis características que podem levar um objeto
a ser classificado como Música; é preciso notar, também, que, além disso, as criações
musicais têm mudado constantemente de formas, materiais, padrões de percepção etc, o
que torna algumas ‘marcas’ obsoletas. O caso do ‘agradável’ é um deles. Nem todos os
compositores e mesmo os intérpretes contemporâneos estão preocupados em fazer
música agradável. Muitas vezes até se procura o contrário.
Dentre esses nossos exemplos, nota-se que é no produto físico sonoro que predo-
mina a marca da classificação como Música, na maioria dos casos, embora possa ser acom-
panhado de prerrogativas subjetivas, como a de ser agradável28. Nada mais natural para
nós, entretanto, que tomar essa perspectiva como a principal, já que a base de nossa
sociedade encontra-se justamente naquilo que é objetivo, comum à todos.
Partindo, agora, aos problemas, coloco como primeiro o seguinte: Imagine que daqui
a algumas décadas o Homem cria um robô que executa várias tarefas humanas, como
lavar o cachorro, trocar a fralda do bebê, jogar futebol, tirar férias na praia e compor Música.
Nessa época futura, então, a um homem e a um robô são encomendadas peças musicais
– uma para cada um. Algumas coisas são estabelecidas, como o modelo serial e
instrumentação: dois Pianos. Tais apontamentos farão com que as músicas compostas
fiquem restritas a esse limite estipulado, o que evita uma quase infinita variedade de
possibilidades, restringindo um pouco esse universo. Na etapa que se segue, ambos, ho-
mem e robô, compõe suas peças. É realizado um recital com as obras, quando são tocadas

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sem terem denominação e autoria informada. Depois de interpretadas as peças, se per-
gunta ao público: qual é do homem e qual é do robô? Será que o que o robô fez pode ser
denominado de ‘Música’29? E será que, mesmo sendo denominada ‘Música’, o ‘produto’ é
totalmente igual ao que qualquer homem poderia fazer e faria? Como se pode identificar
a autoria de ambas, sendo que o processo físico foi basicamente o mesmo; assim como o
resultado físico provavelmente não demonstraria grande variação entre a obra do homem
e a do robô?
Como segundo problema: Suponha que falo duas vezes identicamente (ou com
uma mudança natural de uma repetição, mas nada que possa ser tomado como grande
diferenciador) uma frase, como: ‘E aqui estou, cantando30’. Em seguida lhe digo que da
primeira vez eu somente falei, mas na segunda eu cantei, fiz música. E a pergunta que fica
é: só minha declaração de que ‘fiz música’ basta para que aquilo que fiz seja, de fato,
considerado música? Se não há mudança física alguma, como se poderia, no caso de se
aceitar a declaração de fazer musical, definir a diferença entre a frase cantada e a frase
falada?
Penso que a diferença está na Intencionalidade. E entendo Intencionalidade aqui tal
como o filósofo da mente John Searle, ou seja:
A intencionalidade é aquela característica da mente graças à qual os estados mentais são dirigidos
a, ou falam de, ou se referem a, ou apontam para estados de coisas no mundo. É uma característica
peculiar, uma vez que, na verdade, o objeto não precisa existir para ser representado por nosso
estado intencional (2000: 67).

Dessa forma, todas as ações humanas precisam necessariamente de uma intenção.


A Música, sendo uma ação, tanto na criação como na interpretação ou na percepção,
também carecerá obrigatoriamente de intenção. Eventos extremos, como a Música
intitulada 4’33, de John Cage, é um exemplo claro disso. Neste caso, quando o instrumentista
tem ‘tacet’ em todos os três movimentos da peça, não fosse a intenção do compositor de
que aquilo fosse Música, aquilo não seria denominado de Música. Obviamente que outras
pessoas tiveram que concordar (que também intencionar) com ele para que a peça fosse
mundialmente classificada como Música.
Assim, quanto ao primeiro exemplo, pode-se dizer que a diferença entre a Música do
homem e a do robô também seja a intencionalidade com que o homem fez e que está
ausente no robô, já que este apenas segue a sua programação determinada que não
podemos considerar como intenção, mas resposta à um comando. Um homem poderia,
por exemplo, ter a intenção de fazer a Música ser agradável ou, simplesmente, não aceitar
fazer a música proposta. Já o robô apenas faria uma montagem com os dados que lhe
fossem passados. A Intencionalidade proporciona ao homem colocar um ‘plus’ a mais, algo
que ao que o robô não é possível. No segundo exemplo ocorre algo parecido, já que na
segunda frase minha intenção foi de fazer algo diferente da primeira. Supondo que o
normal fosse que eu falasse, então poderíamos dizer, da mesma forma, que coloquei na
segunda frase esse algo a mais.
Há também a probabilidade de que aquela declaração do segundo exemplo, qual
seja, que a segunda frase foi cantada, não seja aceita. Ou seja, que quem ouvir simples-

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mente não aceite que só o fato de eu afirmar que cantei signifique que aquilo que fiz
possa ser denominado de Música. Aqui entraríamos no que Searle denomina de ‘condi-
ções de satisfações’ da Intencionalidade. Assim, por exemplo, eu posso querer fazer uma
Música e não fazer ou não conseguir realizar algo que eu mesmo classifique como Música,
embora tivesse a intenção quando tentei. E essa satisfação pode também ter de ser aceita
por outras pessoas além de mim mesmo.
Vejamos mais algumas conjecturas dentro desse assunto. E se eu lhe apresentar uma
pedra e disser: ‘Olha, isso é uma música que fiz!’, o que você pensaria a respeito? Só a
Intencionalidade em si pode determinar o produto? Duas respostas aqui são possíveis,
creio. E dizem respeito às condições de satisfação da Intencionalidade. A primeira é ‘não’
e a segunda, ‘sim’. Se você crer que a única coisa que determina aquilo que fazemos é a
Intenção que temos, poder-se-ia responder que: se de fato tive a Intenção de que de
alguma forma aquela pedra fosse denominada Música e não me importasse com o julga-
mento de quem quer que fosse que dissesse o contrário, a resposta seria sim – só a
Intenção em si pode determinar o produto como Música. Essa, entretanto, seria uma
situação atípica. E outras questões poderiam ser contrapostas a ela, como a natureza social
da Música etc, que, todavia, não cabem neste trabalho. Por outro lado, se entendermos
que, de fato, não apenas a Intenção é necessária para se denominar algo de Música, mas,
por exemplo, a organização formal de sons, então a resposta seria: não, a Intenção por si só
não pode determinar algo como Música, a menos que seja acompanhada por, neste caso,
a organização formal de sons de um ‘produto’. E realmente isso é o que provavelmente
aconteceria na maioria das vezes: as pessoas só acreditariam que o que fiz é Música se,
além de ter tido a intenção, aquele ‘produto’ tivesse ao menos um outro atributo como,
por exemplo, uma certa construção sonora organizada. Há ainda que se notar que existe a
possibilidade de que a Intenção de que algo seja denominado de Música seja compartilha-
da por mais de uma pessoa. Ou seja, eu poderia convencer, por exemplo, várias pessoas de
que aquela pedra é, de fato, Música. Neste caso, poderia acontecer de se chegar a um
consenso de que aquilo é Música. O que aconteceria apenas pela minha Intenção de que
a pedra seja Música (embora seguida, é claro, da explicação que eu der para persuadir os
demais a acreditarem no mesmo). Mas esse seria um outro exemplo extremo.
Vê-se, portanto, que nem sempre a Intencionalidade em si pode ser uma‘marca’ que
dará a possibilidade que se classificar algo como Música. De fato, ela muitas vezes precisa
vir seguida de outra marca. O que quero, contudo, é destacar que a Intencionalidade é
condição essencial para se criar, interpretar e ouvir Música. E isso porque a princípio não é
possível que eu crie, interprete ou mesmo ouça (no sentido de prestar atenção) Música
sem a intenção de fazer essas coisas, afinal “não há ação sem intenção” (Searle, 2002: 115).
Daí que sempre é necessário ter intenção para se fazer, interpretar ou apreciar música. Se
não houver intenção, não há Música. Respondendo, assim, à pergunta ‘quando é Música?’,
ter-se-ia algo como:‘É Música quando, antes de qualquer coisa, se tem a Intenção de que
seja Música’.

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2. Objetivos
- Analisar algumas definições de ‘Música’;
- Investigar a questão ‘quando é Música’?;
- Sugerir a possibilidade de ter na intencionalidade uma marca de classificação (ou
distinção) de um objeto como Música;
- Ressaltar o caráter necessariamente intencional de criar, interpretar e ouvir (com
atenção) Música.

3. Constribuições
Este trabalho pode contribuir com as concepções de que: a Intencionalidade pode
ser vista como uma marca de distinção de um objeto como Música e; sem intenção, não é
possível fazer, interpretar ou ouvir (atenciosamente) Música. Dentre as várias qualidades
que podem determinar a classificação de algo como Música (ou não), a Intencionalidade
pode vir a ser aquela que coloca no sujeito compositor, intérprete ou mesmo do ‘receptor’
a possibilidade de tal qualificação. Em outras palavras, pode ser encontrada na
Intencionalidade da ação (ou Percepção) do compositor, intérprete ou ‘receptor’, a marca
distintiva entre Música e algo que não o seja. Mas nem sempre a Intencionalidade é a única
marca pela qual se pode classificar algo como Música.
A importância disso, portanto, é de abrir uma diferente perspectiva para a resposta à
pergunta ‘quando é Música?’. Essa resposta poderia agora ser:‘quando, antes de tudo, eu
tenho a intenção de que algo seja música’.

4. Implicações
Tendo em mente que a maioria das definições, e mesmo o entendimento de senso
comum de ‘Música’, busca no produto físico sonoro a marca para a classificação dentro
dessa arte, talvez seja algo interessante mostrar uma possibilidade de complementar essa
idéia com a visão de processos ‘anteriores’ ao produto físico sonoro. Ou seja, as intenções
das criações, interpretações e percepções musicais. É o que se fez no artigo. Além de
apontar que a intenção pode ser a marca fundamental de diferenciação da Música feita
pelo homem. Lembrando que, sendo todas as etapas da Música, criação, interpretação e
apreciação ou percepção, ações, e que toda ação precisa de uma intenção, toda a Música
precisa de intenção. Não pode ser feita sem a intenção se fazê-la. Se o for, não é Música.

5. Sub-áreas de conhecimento
- Música
- Filosofia da Música
- Filosofia da Mente

6. Notas
26 Aqui não está em jogo a questão de valor, no sentido de diferenciar entre música ‘boa’ ou não.
27 No dois sentidos: tanto de ‘expressivo’, ou de modo, como no de representação ou significante. No primei-

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ro sentido, diz respeito à interpretação ou ‘percepção’ musical, enquanto que no segundo se relaciona com
a criação.
28 O agradável, o harmonioso, contudo, são noções subjetivas, atreladas ao ‘objetivo’ do produto (ou cons-
trução, como quer Stravinsky) musical organizado.
29 Essa explanação se assemelha um tanto à pergunta: ‘os animais fazem música?’, que é desenvolvida por
alguns pensadores, como, por exemplo, George Herzog. Tal comparação, entretanto, não vem ao caso aqui.
30 Frase inicial do poema ‘Discurso’, de Cecília Meireles.

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Musical sense-making between sensory


experience and symbolic computations:
enactive, ecosemiotic and biosemiotic claims

Mark Reybrouck
mark.reybrouck@arts.kuleuven.be
University of Leuven - Belgium

Abstract
This paper argues for a processual approach to musical semantics. In an attempt
to bring together theoretical grounding as well as operational claims of the

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process of musical sense-making, it stresses the experience of the music user
besides the music. Rather than conceiving of music as an ontological category, it
states that music knowledge must be generated as a tool for adaptation to the
sonic world, conceiving of music users as observers who maintain ongoing
epistemic interactions with the music as environment. These music users shape
the world they experience, relying on strategies of sense-making that revolve
around three major claims: (i) the empiricist claim that takes the sounding music
as a starting point, (ii) the tension between the richness of the full sensory
experience as against the economy of conceptual abstraction and (iii) the
construction of music knowledge as the result of interactions with the sonic
world. In order to elaborate on these claims, an adaptive model of sense-making
is proposed that tries to bring together major contributions from linguistics,
ecology and biosemiotics. The central focus is on the musical experience which is
considered as a constructive process of sense-making that matches perceptual
input against a knowledge base and coordinates it with possible behavioral
responses. As such, the music user behaves as an adaptive device which is able to
adapt at each level of dealing with the music—the perceptual, the computational
and the effector level—, relying on natural as well as on artificial tools.
Keywords: semantics, sense-making, ecosemiotics, biosemiotics, adaptive device,
experiential

Introduction
The processual approach to music cognition is exemplary of a paradigm shift in
contemporary musical research (Reybrouck 2005a, b, 2004). It has a focus on the musical
experience and stresses the importance of music-as-dealt-with and listened-to rather
than an ontological conception of music as a structure or an artefact. As such, it considers
music as a sounding and temporal art that calls forth ongoing processes of sense-making
that are grounded in our biology and our possibilities of adaptive control.

Background and theoretical grounding: linguistic, ecological


and biosemiotic claims
In order to elaborate on these topics, I first mention some contributions from linguistics,
ecology and biosemiotics in an attempt to provide some theoretical grounding concerning
experience and cognition in general. Besides, I provide an operational description of the
process of musical sense-making which is the main contribution of this paper.
The contributions from linguistics can be subsumed under the“experientialist”claims
of cognitive semantics. It is an approach to cognition which states that knowledge must be
understood in terms of structures of embodied human understanding and which accounts
for what meaning is to human beings by characterizing it in terms of the nature and
experience of the cognizer (experiential realism). In stressing the role of the body and the
role of interactions with the world (Johnson 1987, Lakoff 1987) it is closely related to the
embodied and enactive approach to cognition which views cognition not as “the

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representation of a pregiven world by a pregiven mind” (objectivist semantics) but as “the
enactment of a world and a mind on the basis of a history of the variety of actions that a being
in the world performs” (Varela,Thompson, and Rosch 1991, p. 9). It means that the world is
not to be taken naively (naive realism) but that it emerges from our capacities of
understanding (cognitive realism) that are rooted in the structures of our biological
embodiment. Dealing with music, accordingly, can be described in terms of experiential
cognition with the construction of knowledge as the outcome of ongoing mechanisms of
sense-making which have the mark of our cognizing with our body and our mind.
The contributions from ecology stress the interaction of an organism with its
environment. According to Haeckel, who first coined the term, it is the science of the
relations between the organisms and the environmental outer world. The related term of
ecosemiotics can be defined as the study of the semiotic interrelations between an
organisms and its environment (for a critical definition, see Kull 1998). It conceives of
human beings as organisms that are enmeshed within webs of environmental relations
that are mediated by culture. They therefore not only perceive nature but also cultural
artefacts, which means that the nature-culture dualism can be substituted by a notion of
the mutualism of person and environment (Ingold 1992). Applied to music, this should
mean that we conceive of the listener as an organism and of the music as environment.
The other contributions from biosemiotics (Sebeok 1998), finally, describes the
biological bases of the interaction between an organism and its environment. They go
back to the work of Jakob von Uexküll (1957) who developed an unprecedented, innovative
theory of signs—known as Umwelt research— which focuses on the phenomenal world of
organisms. This is the world around animals as they themselves perceive it: a collection of
subjective meanings imprinted upon all objects of a subset of the overall world, including
all the aspects of the world which are meaningful for this particular organism. As such, the
objective qualities of objects are not attributes of the objects proper but of the functions
that the perceiving organism ascribes to them.The environmental world, in this view, is the
projection or “mapping out”of the organism’s internal organization onto the outside world.
The role of interaction is of primary importance here. It means that a full description
of perceiving cannot be given by either analyzing only the organism or its environment
(organism-environment dualism). What is needed is an ecological approach which is not
“animal-neutral” but which treats the “environment-as-perceived”.It is a line of thought
which is closely related to the ecological approach of Gibson (1979, 1966), who claimed
that animals perceive environmental objects in terms of what they afford for the
consumation of their behavior. What matters are not merely the objective qualities of the
objects, but those qualities that render them apt for specific activities.
It is challenging to translate these claims to the realm of music (Reybrouck 2001,
2005a, b). Music, in fact, is something which can be dealt with and which affords meaning
for the listerer as the result of ongoing interactions with the sounds. As such, it is possible
to conceive of music as an Umwelt with listeners constructing their music knowledge as
the result of building up semiotic linkages with the sonic world.

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Objectives: towards a coperceptual approach
The processual approach to dealing with music calls forth several assumptions. In
order to elaborate on them, I rely on some theoretical contributions from pragmatic
philosophy, biosemiotics and symbolic computation which are related to the tension
between the richness of a full experience versus the economy of abstraction.
The contributions from pragmatic philosophy are an interesting starting point.Dewey,
in particular, argued for “having an experience proper” and for a continuity between the
natural and artistic experience. He also stressed the reciprocity of doing and undergoing
(1958). James, in turn, elaborated on the tension between “concept” and “percept”. In his
relatively unknown doctrine of radical empiricism, he argued for the role of knowledge-
by-acquaintance—which is the result of the presentation of something to the senses—,
rather than for conceptual knowledge (1976). What really matters is the fulness of reality
which we become aware only in the perceptual flux. Conceptual knowledge, on the other
hand, is needed in order to manage information in a more economical way. As such, it is
related to principles of cognitive economy.
The position I hold is in between: it argues for the richness of sensory experience as
well as for the economy of conceptual abstraction. It is possible, in fact, to conceive of
either “sensory realia” or their “symbolic counterparts”.The latter, however, have adaptive
value in going beyond the frame of the present and in providing means for anticipatory
behavior of organisms in general. It reduces the multiplicity of sensory stimuli—which are
continuous in their presentational immediacy—to discrete perceptual events. This is
basically the distinction between discrete-symbolic and continuous-analog processing of
perceptual stimuli in general, which brings us to the role of signs and semiotic functioning.
Semiotics—as the science of signs—holds a symbolic approach to cognition, in
relying on signs as second-order stimuli rather than on sensory stimuli themselves. Signs,
further, are discrete-symbolic rather than continuous. They reduce a mutiplicity of stimuli
to single events that can be labeled as discrete entities. As such, their processing is top-
down rather than bottom-up.There is, however, an approach to semiotics that does justice
also to the richness of the full experience and that holds an empiricist position in knowledge
acquisition.This is the field of biosemiotics which argues for a naturalist approach to semiotics.
It goes back to the pioneering work of von Uexküll, with a major focus on his concept of
functional cycle, which describes the basic structure of the relations between an organism
(the subject) and the objects of its surrounding world in an operational way: “Figuratively
speaking, every animal grasps its object with two arms of a forceps, receptor and effector. With
the one it invests the object with a receptor cue or perceptual meaning, with the other, with an
effector cue or operational meaning. But since all of the traits of an object are structurally
interconnected, the traits given operational meaning must affect those bearing perceptual
meaning through the object, and so change the object itself.” (1957, p. 10)
The“functional cycle” is an important conceptual tool for every theory of knowledge.
It brings together the world of “sensing” and “acting” through processes of signification
which invest the objects with perceptual and effector tones and which can be represented
in the subject’s inner world. As such, it entails a kind of circularity with perception modifying

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operation and vice versa, and stresses the role of the subject in his/her interaction with the
environment. It defines the subjective worlds or Umwelts of living beings as the
interrelation—actually a set of “mapping relations”—between an organism and its
environment, allowing us to conceive of the semiotic world of organisms in operational
terms as the sum total of the “functional cycles” which encompass all the meaningful
aspects of the world for this particular organism.
Central in this approach is the “shaping” of the human-environment interaction. It is
a major claim of “semiotic functioning” which stresses the emancipation from mere
causality and time-bound reactivity. Human beings are not programmed to react upon
stimuli in a simple stimulus-response relationship but they react to signs rather than to
stimuli. The sign operation, in this view, requires an intermediate link between stimulus
and response—as a kind of second order stimulus. The result is a new relation between
stimulus and response, with the subject being “actively engaged in establishing such a
link” (Vygotsky 1978: 39).
This brings us to the role of symbolic computations. Dealing with music, in fact, is an
experiential as well as a conceptual affair. It leans upon the sonorous unfolding through
time which proceeds in real-time, but it is possible to transcend the inexorability of time
and to conceive of music also out-of-time. The critical element in this distinction is the
listening experience which can be considered as time-bound reactivity to the sounds but
which calls forth imaginative projections as well.Musical imagery, in this case, is coperceptual,
as the projections are induced by the sounding stimuli. As such we can navigate through
time and deal with music both at an “actual” and “virtual level” of dealing with the sounds.
This virtual level is at a distance from the sounding music. It allows the music user to
perform mental operations and computations on mental replicas of the sounds.
Computations are considered mostly from a symbol-processing point of view. The basic
idea is formal symbol manipulation by axiomatic rules, whith a complete conceptual
separation from their physical embodiment. It finds its implementation in computer
programs which handle “discrete symbols” and “discrete steps” in rewriting them to and
from memory to a sequence of rules. In this formal conception of computation, symbols
and rules have no relation to measurement, control and useful information.“Formal systems”
must be free of all influence other than their internal syntax. To have meaning, however,
they must be informally“interpreted”,“measured”,“grounded”or“selected”from the outside,
which involves a transition from rate-independent programmed computation in which
each step is a measurement recorded in memory to a rate-dependent dynamic analog,
where no memory is necessary as the measurements are proceeding in real-time (Pattee
1995).
Dealing with music, similarly, is not to be reduced merely to symbolic modeling and
computation. It calls forth cognitive interactions with the sonic environment as well, stressing
the “interactional”and“experiential approach”to cognition. As such, it is somewhat opposed
to the trend of syntactization of semantics which is accomplished by completely encoding
the world, so that symbols are seen in relation to a completely logical-symbolic structure.
It is possible, according to Cariani, to postulate sets of “possible worlds” and“world-states”
without having to specify any specific sets of observables and without having to verify any

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truth values with respect to the external world. A realizable model of the world, however,
has only a limited number of observables, leaving an unencoded world external to the
encoded realm. There is, in fact, always the possibility for “external semantics” (Cariani
1989). As such we must conceive the symbol-world relationships which can be
distinguished according to their directionality. If the world determines the symbolic
outcome, the relation is one of measurement; if the directionality flows from the symbol to
an effect in the world, the relation is one of control. Crucial in this approach is the possibility
to change the semantic relations with the world. We must, however, draw a distinction
with respect to the semiotic linkages to the world. If the symbols are without relations to
the external world, we can conceive of them in terms of “internal“ semantics. If they
establish a relation to the outer world, we must conceive of “external” or “real semantics”.

Main contribution: an adaptive model of sense-making


Listening to music is an experiential as well as a conceptual affair. It involves mental
operations as perceiving, remembering, representing and coordinating. Proceeding in-
time and out-of-time, it is rate-dependent and rate-independent, carrying out relations
and operations on actual and virtual elements. The sounding elements are real things,
which are objectively there, but the operations and relations make use of mental replicas
of the sound. As such we must conceive of music in terms of elements which are “in
praesentia” and “in absentia”, calling forth presentational immediacy as well as memory
and anticipation. This is the basic distinction between peripherally connected—sensations
are directly induced by stimulating a sense organ—and autonomous—sensory images
are evoked in the absence of such stimulation— cognitive events (Langacker 1987).
These concepts are related to Jackendoff’s distinction between“lower”or“more peripheral”
levels of structure and“higher” or“more central” levels. Lower levels interface most directly
with the physical world, higher levels represent a greater degree of abstraction, integration
and generalization with respect to sensory input (1987, p.XX).They allow the music user to
gradually shift from presentations or eidetic images that have all the characteristics of a
percept (things known by the senses) to a kind of representation that is largely autonomous
(senses are closed) and that allows symbolic modeling and symbolic play.
The position that I hold is a hybrid one: it argues for a processual approach to music
which is coperceptual, taking into account both the richness of the full experience and the
economy of abstraction. Rather than conceiving of a limited and fixed set of
representations—a kind of finite lexicon—, however, I argue for an adaptive model of
sense-making that builds up new semiotic linkages with the sounding world and that
allows the music user to “cope” with the music as a sounding environment.
Dealing with music, in this view, is a constructive process of sense-making that
matches perceptual input against a knowledge base and coordinates it with possible
behavioral responses, somewhat analogous to the action-perception loop that was already
advocated in the functional cycle of von Uexküll (see Reybrouck 2005b, 200). This is the
standard approach of cybernetic functioning, which can be easily translated to the realm
of music, if we conceive of the music user as an adaptive device made up of sensors,

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coordinative computations (input/output mappings) and effectors, somewhat analogous
to the primitive functions of measurement, computation and control (Cariani 1989, see
figure 1).

Figure 1. Artificial device with input, output and input-output coordinations.

These functions can be considered in terms of their organismic counterparts, such as


perceptions, actions and flexible perception-action coordinations, and each of them can be
a locus for adaptation. Contemporary conceptions of learning devices have focussed mostly
on the coordinative, cognitive adaptation located in the computational part of the device
(formal-computational devices), but it is possible, also, to broaden the possibility of adaptation
and to inlcude the perceptual and effector side as well. As such, the music user can be
considered as a learning and adaptive device that is able to change its semantic relations
with the sounding world. According to Cariani (1998, 2003) there are three basic mechanisms
for doing this: (i) to amplify the possibilities of participatory observation by expanding the
perceptual and behavioural repertoire—learning to make new distinctions between the
observables and even act on them—, (ii) to adaptively construct sensory and effector
tools, and (iii) to change the cognitive tools as well.
The musical analogies are obvious. There is, first, the broadening the music user’s
perceptual repertoire. Listening to a wide range of musics can be helpful here in order to
gain familiarity with measurable parameters such as pitch, timbre, duration and intensity. It
is up to the music user, however, to decide which distinctions will be made and to enhance
the grip on the observables by choosing, selecting and delimiting some of them and
raising them to the status of things which can be denoted deliberately (see also Reybrouck
1999, 2003, 2004). It is possible, also, to modify or augment the “sensors” and to perform
“active measurements” as a process of acting on the world and sensing how the world
behaves as a result of these actions. The modification of its sensors allows the device to
choose its own perceptual categories and control the types of empirical information it can
access. Several strategies are available for doing this, but the basic mechanisms are reducible
to two processes: altering existing sensing functions and adding new ones. This can be
illustrated by means of technological tools for musical signal analysis and sound processing,

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but the modification of the effectors is equally important here, and is best illustrated
through the evolution of musical instruments that go beyond a one-to-one mapping
between the movements of the performer and the sounding result. It is possible, finally, to
change the cognitive tools as well, with or without modifying the sensory or effector tools.
Here the role of cognitive mediation comes in, allowing the music user to perform symbolic
operations on the mental replicas of the sound.

Implications
The processual approach to dealing with music has several implications. First of all, it
conceives of music as a temporal and sounding art, stressing the role of the musical
experience rather than the music as an artefact. This is an empiricist claim that takes the
full sensory experience as a starting point. The question, however, is how listeners make
sense of this experience, and it is here that semiotics comes in. Musical sense-making, in
this view, is a constructive process of knowledge acquisition which is the outcome of
ongoing interactions with the sounding world.
These interactions have their locus at the interface between the organism and its
environment—with the sensory input and motor output as the most typical examples—
but it is possible to conceive of mental interactions at a virtual level of mental simulation
as well. As such, it is very fruitful to rely on the operational description of the process of
dealing with music in terms of an epistemic control system and to consider the music user
as an adaptive device with possible adaptations at each level of the control system (input,
output and central processing).To the extent that these adaptations are able to expand the
perceptual and behavioral repertoire as well as the cognitive tools for dealing with the
sounds, they can be considered as extensions of the music user’s natural tools for sense-
making.

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Uma investigação em cantores líricos
brasileiros: análise do fluxo expiratório na
emissão cantada e falada de vogais do
português

Rita de Cássia Fucci Amato


fucciamato@terra.com.br
Faculdade de Música Carlos Gomes – São Paulo

Resumo
A presente investigação consiste em uma análise aerodinâmica do fluxo
expiratório durante as emissões das vogais /a/, /i/ e /u/ do português brasileiro
para a voz cantada e falada, realizadas por vinte e três cantores líricos profissio-
nais. A partir do estudo, concluiu-se que o fluxo aéreo das vogais cantadas é
maior que o fluxo aéreo das vogais faladas e que o fluxo aéreo cantado e falado
masculino é maior que o fluxo aéreo cantado e falado feminino. A pesquisa
também destacou que o preparo técnico vocal realizado pelos cantores profissi-
onais influiu decisivamente nas suas emissões, nas quais o fluxo aéreo foi supe-
rior ao de indivíduos que não desenvolveram o estudo do canto.
Palavras-Chave: canto lírico; emissão de vogais; análise aerodinâmica de fluxo
expiratório.

Introdução
A voz é o instrumento de trabalho mais difundido em nossos tempos, em um uso por
vezes excessivo e extenuante, conseqüência direta de nossa civilização. Somos decisiva-
mente influenciados pelas vozes das pessoas com quem convivemos, mas agimos de tal
forma inconsciente neste denso mar sonoro, que tomamos esta experiência como dada,
não percebendo a verdadeira qualidade especial, por um lado mágica e, por outro, divina,
da preciosidade da comunicação. A nossa rede de configurações sócio-culturais é
estabelecida por meio de nossa dinâmica fonatória e do desvelamento de nossas inten-
ções e finalidades neste complexo processo das relações humanas.
A voz falada guarda as características densas de nossa personalidade e de nossa vida
emocional, sendo considerada uma poderosa fonte de identificação do nosso ego:
Cada indivíduo carrega sua história pessoal em todas as suas manifestações: na voz, na maneira de

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falar, na postura e nos gestos. De modo geral, o estado corporal é fruto das pressões externas (meio
ambiente) e das pressões internas (vontade), que, entrando em choque, provocam conflitos que se
traduzem em contrações musculares, alterando a forma do corpo. [...] A integração corpo-voz é um
dos parâmetros básicos pelos quais podemos avaliar o equilíbrio emocional de um indivíduo. [...]
o corpo e a voz devem expressar a mesma intenção (Behlau e Pontes, 1995: 124).

A produção vocal cantada é, por sua vez, a expressão artística do humano em sua
totalidade corporal e musical, revelando as riquezas e sutilezas melódicas historicamente
datadas de um povo ou etnia. Neste sentido, a música, concebida como função social, é
inalienável a toda organização humana e a todo agrupamento social (Salazar, 1989).
A complexa arte de cantar é resultado de treino baseado na produção de um som
musical agradável, sustentado adequadamente e de qualidade correspondente ao estilo
empregado. O canto exige um controle muscular excepcional, sendo o resultado de um
sinergismo altamente elaborado.
Vários estudos revelam que cantar é essencialmente diferente de falar, uma vez que
o controle central está em um local distinto no cérebro e a musculatura do trato vocal
move-se de maneira dessemelhante. O canto deve ser assim entendido como uma forma
de comunicação e de expressão dos sentimentos, tanto quanto a fala, sem dicotomizar a
racionalidade que está presente na voz falada e a emoção inserida na voz cantada (Costa
e Andrada e Silva, 1998).

Objetivos
Na sua mais abrangente concepção, a arte do canto faz exigências ao cantor de uma
perfeita compreensão de todos os órgãos relacionados com a produção da voz e suas
funções, do controle sensações que se tem ao cantar, conscientemente estudadas e cien-
tificamente explicadas, e exige também o controle da respiração e o entendimento das
funções dos músculos do abdome e do diafragma na produção vocal.
Para a emissão dos sons do canto, o aparelho fonador de cada cantor se ajusta a
manobras precisas, condicionadas através de um estudo rigoroso e profundo, que tenta
harmonizar conhecimento e produção sonora com beleza, frutos de um bom ouvido, de
talento, inteligência, persistência e muito amor.
O objetivo do presente trabalho é, pois, analisar a produção das vogais em voz
cantada e falada, aprofundar e tomar conhecimento das diferenças do fluxo expiratório
durante a emissão das vogais do português entre a voz masculina e feminina dos cantores
líricos, comparar a produção vocal nas diferentes vogais emitidas e verificar possíveis
alterações no fluxo de ar segundo a classificação vocal dos cantores. O estudo pretende,
ainda, contribuir para o estudo e a compreensão de alguns relevantes aspectos envolvidos
na performance vocal cantada.

Material e método
Na presente pesquisa foram estudados 23 cantores líricos profissionais, sendo 12
homens e 11 mulheres. A idade dos cantores variou entre 21 e 55 anos, com média de
38,6 anos para o sexo masculino e de 29,7 para o sexo feminino. Todos os cantores são

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brasileiros, da cidade de São Paulo, muitos dos quais em atividade como solistas do Theatro
Municipal.
O fluxo aéreo expirado durante a emissão das vogais foi obtido através de
pneumotacógrafo Fleisch número 2, conectado a um transdutor Validyne com sensibilida-
de de aproximadamente 2 cm H2O. O fluxo aéreo foi registrado continuamente em papel
milimetrado, no fisiógrafo Beckmann R 411, com uma velocidade de 10mm/s. O transdutor
do pneumotacógrafo foi balanceado previamente ao experimento e o amplificador cali-
brado com fluxos conhecidos fornecidos por um rotâmetro. Acoplada ao pneumotacógrafo,
havia uma máscara facial que permitia a passagem simultânea do fluxo oral e nasal. Esta
máscara era colocada confortavelmente no rosto do cantor, com correto vedamento, a fim
de que não houvesse escape de ar.
Após uma fase de treinamento, cada um dos 23 cantores líricos emitiu as três vogais
selecionadas, cada uma três vezes, alternadamente, em voz falada, a fim de que se fizesse
o registro do fluxo expiratório; o mesmo procedimento foi adotado para as vogais na
emissão em voz cantada.
Para este registro, os cantores foram colocados em posição sentada, de forma con-
fortável e com a máscara acoplada à face. Depois de uma fase de adaptação à máscara, os
cantores emitiram cada vogal com intervalo de repouso entre elas.
Foi solicitada ao cantor uma emissão prolongada de cada vogal, sem fazer uso do
volume de reserva respiratório. Para as vogais em emissão cantada foi utilizada a afinação
do diapasão – 440 ciclos por segundo para as cantoras e 220 ciclos por segundo para os
cantores.
A partir dos registros dos fluxos aéreos dos cantores no papel milimetrado, as
medidas foram feitas e tabuladas de acordo com as três vogais faladas e cantadas (três
amostras para cada vogal, totalizando 18 dados por cantor).
Para o presente estudo, selecionamos três vogais da língua portuguesa31
(Mascherpe, 1970):
/a/ - vogal oral, baixa, aberta e central.
/i/ - vogal oral, alta, fechada, anterior e distensa.
/u/ - vogal oral, alta, fechada, posterior e arredondada.
A classificação destas vogais seguiu os critérios sugeridos por Cabral (1979):
- Grau de abertura, determinado pelo maior ou maior distanciamento do maxilar
inferior, língua e lábio inferior, em relação à parte superior (abertas ou fechadas).
- Posição de língua no sentido vertical, determinando que as vogais sejam altas,
médias ou baixas,
- Posição dos lábios – distendidos ou arredondados.

Fundamentação teórica
Algumas pesquisas realizadas envolvendo fluxo de ar acrescentam aspectos impor-
tantes para uma análise desta investigação, embora considerem particularmente a voz
falada.
Isshiki (1964) investigou a relação entre parâmetros fisiológicos tais como resistên-
cia subglótica e intensidade vocal em diferentes freqüências. Elaborou uma importante

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conclusão: em sons graves, a resistência glótica era dominante na variação da intensidade
(controle laríngeo), tornando-se menor quando a altura era aumentada, sendo que em
tons agudos e extremamente agudos a intensidade era controlada pelo fluxo de ar (con-
trole dos músculos expiratórios).
Yanagihara, Koike e Von Leden (1966) estudaram variáveis que podem afetar o
tempo máximo de fonação: capacidade vital e taxa de fluxo de ar, altura e intensidade
vocais, volume de fonação, sexo, conseqüência da capacidade vital no tempo máximo de
fonação. Através de suas investigações revelaram que o fluxo de ar era um fator significante
na altura e intensidade vocais, sendo que essa diferença foi atribuída a variações nas
cavidades de ressonância, nas freqüências fundamentais e nos ajustes da laringe ou, mais
especificamente, na resistência glótica de cada indivíduo.
Yanagihara & Koike (1967) forneceram informações a respeito da intensidade vocal
como uma função da taxa média de fluxo aéreo. O padrão de funcionamento do pulmão
e da laringe durante as fonações sustentadas era mais estável no registro médio e agudo;
nas fonações graves, esse padrão flutuava de pessoa para pessoa. Foi constatado que a
taxa média de fluxo aumentava proporcionalmente ao nível da pressão sonora nos sons
agudos, enquanto essa relação não era clara entre os sons médios e graves. Concluíram
também haver uma correlação significante entre volume de fonação e capacidade vital.
Abordaremos agora as pesquisas realizadas envolvendo a análise do fluxo expiratório
em vogais da língua portuguesa.
Margall (1984) analisou o fluxo expiratório durante a emissão sustentada das 12
vogais orais e nasais do português falado no Brasil. Com relação às vogais orais, a autora
encontrou na vogal /u/ o maior fluxo total, em valor absoluto, tanto para o sexo masculino
como para o feminino e também o menor fluxo nasal em valor relativo ao fluxo total.
Caldeira (1987) avaliou o fluxo oral na produção das vogais /i/ e /u/ sustentadas isola-
damente ou emitidas associadas aos fonemas plosivos /p/ e /b/, concluindo que o sexo
masculino apresentava maior fluxo aéreo que o grupo feminino, para todas as emissões.
Margall (1988) analisou a relação entre os fluxos de ar pulmonar e esofágico na
emissão de 12 vogais orais e nasais da língua portuguesa em indivíduos laringectomizados
do sexo masculino, sendo que o fluxo esofágico apresentou-se de 11 a 13 vezes menor
que o fluxo pulmonar.
As pesquisas encontradas não se referem ao estudo de voz cantada e, portanto, não
encontramos nenhum estudo cuja proposição fosse igual à deste trabalho na bibliografia
compulsada.

Resultados e discussão
Com os registros dos fluxos aéreos dos cantores no papel milimetrado, as medidas
foram feitas e tabuladas de acordo com as emissões em voz falada e cantada das vogais /
a/, /i/ e /u/. Dos valores obtidos calculamos as médias e respectivos desvios-padrão para
cada vogal na emissão dos indivíduos testados.
Verificamos as médias de fluxo de ar na emissão falada e cantada que nos levaram a
concluir que o preparo técnico respiratório de cantores líricos profissionais influencia

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decisivamente modificando a produção vocal na emissão cantada, concluindo, também,
que o fluxo de ar na emissão cantada é maior que na emissão falada. Citaremos alguns
estudos que conferem e ilustram tal resultado.
Gould e Okamura (1973) concluíram que cantores profissionais que se submeteram
a um treino vocal longo e rigoroso tiveram um aumento no potencial para o canto, refle-
tindo uma significante diminuição da proporção volume residual / capacidade total pul-
monar em comparação com indivíduos não treinados ou cantores com oito anos ou menos
de treino vocal. Os resultados obtidos sugerem que existe uma correlação entre o aumen-
to da capacidade total pulmonar em cantores profissionais e longos anos de treino vocal.
White (1982) citou em seu trabalho que o desenvolvimento do controle dos múscu-
los abdominais, do diafragma e dos músculos intercostais é a chave de um bom controle
respiratório e da manutenção da pressão da coluna de ar durante o ato de cantar.
Gould e Okamura (1974), em seu estudo, mostraram que a musculatura abdominal
faz parte de uma regra importante na iniciação, regulação e produção da voz; citaram
ainda que existe aparentemente uma relação direta entre extensão vocal e o relativo
aumento da capacidade total pulmonar e que a musculatura abdominal é fundamental na
ampliação desta capacidade.
Baken, Cavallo e Weissman (1981) estudaram o movimento da parede da caixa
torácica durante o intervalo entre o estímulo acústico e a resposta vocal, observando uma
manobra de ajuste com direções opostas no deslocamento dos componentes da caixa
torácica, indicando que os movimentos abdominais fazem parte de uma complexa postu-
ra no ato da produção vocal, o que também foi estudado por Okamura, Gould e Tanabe
(1974).
Proctor (1980) notou que para um excelente uso e controle da respiração durante o
canto existe um ótimo relacionamento entre estados torácico-abdominais e que é possí-
vel fazer maior ou menor uso dos músculos intercostais e do diafragma. Segundo o autor,
nós podemos manter o tórax fixo e respirar com ou sem o diafragma; mantendo o diafrag-
ma relativamente imóvel e a respiração com ou sem a ação torácica; ou, sem usar ainda o
diafragma e os músculos intercostais, mover o diafragma subindo ou descendo através da
mudança de pressão no volume abdominal com a ação dos músculos abdominais. Alguns
ou todos os músculos acessórios da respiração podem ser solicitados para aumentar a
ventilação. Acrescentou que a exata regra do diafragma e intercostais é de grande impor-
tância na aplicação do nosso conhecimento dos mecanismos respiratórios para entender
a forma certa ou errada de cantar.
Outro resultado de nosso trabalho que pode ser comentado através de pesquisas
realizadas anteriormente é que o fluxo de ar masculino é maior que o feminino.
Provavelmente fatores relacionados à eficiência respiratória, tempo máximo de
fonação, resistência das vias aéreas e retração elástica nos homens estão complexamente
intrincados na justificativa de nossos achados (White, 1982; Shanks & Mast, 1977; Ptacek &
Sander, 1977), mas fogem do objetivo da discussão do presente trabalho.
Na comparação de nossos resultados com os dados obtidos por Margall (1984),
foram calculadas as médias das vogais, chegando-se a uma expressiva diferença no fluxo
masculino e feminino das vozes treinadas comparadas com as não treinadas. Assim, por

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exemplo, observamos que o cantor nº 9 apresenta valores de vogais faladas próximos aos
seus de vogais cantadas e todos acima da média dos indivíduos não treinados (Margall,
1984). Analisando os nossos resultados, também comparamos as médias na emissão fala-
da do fluxo aéreo masculino e feminino confirmando a hipótese acima citada (fluxo
masculino maior que fluxo feminino). Nossos comentários em relação à emissão cantada
masculina se baseiam na pesquisa de Flanagan (1976), que estimou que para o aumento
de uma oitava em f0 (freqüência fundamental) poderia haver um acréscimo de 5 a 17 cm
H2O na pressão subglótica.

Conclusões
Os resultados obtidos na presente investigação demonstram que o fluxo de ar du-
rante a emissão falada dos cantores líricos é sensivelmente maior do que na emissão de
indivíduos sem treino vocal e que a vogal /a/ apresenta o maior índice de aceitação deste
resultado e a vogal /u/ apresenta o menor índice.
Concluiu-se também que a vogal /a/ apresenta fluxo maior que a vogal /i/ na emis-
são falada e cantada, e também maior que a vogal /u/, somente na emissão cantada para
as vozes femininas. O fluxo aéreo das vogais faladas é menor do que o fluxo aéreo das
vogais nas emissões cantadas e o fluxo aéreo registrado durante as emissões masculinas
das vogais cantadas e faladas é maior do que o fluxo aéreo feminino durante as emissões
das vogais.
A pesquisa evidenciou, também, que o preparo técnico vocal influencia decisiva-
mente na emissão das vogais. Provavelmente, o uso profissional da voz cantada induz a
uma fixação fisiológica de ajustes motores que favoreçam a projeção vocal inclusive na
voz falada.

Sub-áreas de conhecimento
Este trabalho envolve tanto a área de Música (sub-área Canto e Fisiologia da Voz)
quanto a área de Fonoaudiologia.

Notas
31 As outras vogais foram excluídas por não apresentarem distinção fonética suficiente para se configura-
rem como sons da fala únicos, pelas inúmeras alterações na configuração geométrica tridimensional do
trato vocal, a fim de se obter uma produção sonora em voz cantada.

Referências
Baken, R. J.; Cavallo, S. A.; Weissman, K. L. (1981). Chest wall movements prior to phonation.
Folia Phoniatrica – International Journal of Phoniatrics, New York, v. 33, n. 4, p. 193-203.
Behlau, M. S; Pontes, P. A. L. (1995). Avaliação e tratamento das disfonias. São Paulo: Lovise.
Cabral, L. S. (1979). Introdução à lingüística. Porto Alegre: Globo.
Caldeira, K. F. G. (1987). Avaliação do fluxo aéreo na produção das vogais altas e plosivas bilabiais.
São Paulo: Escola Paulista de Medicina. Monografia de Especialização em Fonoaudiologia.

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Costa, H. O.; Andrada e Silva, M. A. (1998). Voz cantada: evolução, avaliação e terapia
fonoaudiológica. São Paulo: Lovise.
Flanagan, J. L. (1976). Some properties of the glottal sound source. Acoustic phonetics,
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Gould, W. J.; Okamura, H. (1973). Static lung volumes in singers. Ann. Otol., v. 82, p. 89-95.
______.; ______ (1974). Respiratory training of the singer. Folia Phoniatrica – International
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Isshiki, N. (1964). Regulatory mechanism of voice intensity variation. J. Speech Res., v. 7, p. 17-29.
Margall, S. A. C. (1984). Análise aerodinâmica do fluxo respiratório durante a emissão de vogais
utilizadas na língua portuguesa. São Paulo: Escola Paulista de Medicina. Monografia de
Especialização em Fonoaudiologia.
______ (1988). Uma análise da relação entre os fluxos de ar pulmonar e esofágico na emissão de
vogais da língua portuguesa, em indivíduos laringectomizados. São Paulo: Escola Paulista de
Medicina. Dissertação de Mestrado em Distúrbios da Comunicação – Campo
Fonoaudiológico.
Mascherpe, M. (1970). Análise comparativa dos sistemas fonológicos do inglês e do português. Assis:
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Assis. Tese de Doutorado.
Okamura, H.; Gould, W. J.; Tanabe, M. (1974) The role of the respiratory muscles in phonation.
In: Proceedings – 16th. International Congress of Logopedics and Phoniatrics. 16th. International
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Ptacek, P. H.; Sander, E. K. (1963). Maximum duration of phonation. J. speech dis., v. 28, p. 171-81.
Proctor, D. F. (1980). Breathing, speech and song. Wien: Springer-Verlag.
Salazar, A. (1989). La música en la sociedad europea: I. Desde los primeros tiempos cristianos.
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White, B. D. (1982). Singing and science. The Journal of Laryngology and Otology, Ashford, v. 96, n.
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Yanagihara, N.; Koike, Y.; Von Leden, H. (1966). Phonation and respiration. Folia Phoniatrica –
International Journal of Phoniatrics, New York, v. 18, p. 323-40.

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Educação Musical e Motivação: uma revisão
bibliográfica a partir da pirâmide de hierarquia
das necessidades de Abraham Maslow

João Fortunato Soares de Quadros Júnior


joaofortunatojunior@yahoo.com.br
Universidade Federal da Bahia

Resumo
Este trabalho vem apresentar uma breve revisão bibliográfica realizada sobre o
tema motivação, relacionando-a ao ensino de música, tomando como base a
teoria da Pirâmide de Hierarquia das Necessidades elaborada por Abraham
Maslow. Para isso, utilizamos como material bibliográfico textos das áreas da
Educação Musical, Psicologia, Marketing e Administração, além de dicionários ge-
rais e específicos. Com isso, pretendemos refletir sobre a importância do aspecto
motivacional para o ensino de música, apontando trabalhos que sustentem essa
discussão. Dividido em basicamente três seções, o texto traz na primeira parte
uma explanação sobre a teoria de Maslow e sua aplicabilidade. A segunda seção
é reservada à busca pela definição do termo motivação, apresentando concep-
ções de diversos autores. A última parte relaciona o aspecto motivacional à área
da Educação Musical, discutindo acerca da importância desse fator para a classe
docente, visando um ensino estruturado, efetivo e fluente, levando em considera-
ção aspectos presentes no contexto do educando.
Palavras-chave: Motivação, Educação Musical, Maslow

Introdução
Este trabalho vem apresentar uma breve revisão bibliográfica realizada sobre o tema
motivação, relacionando-a ao ensino de música, tomando como base a teoria da Pirâmide
de Hierarquia das Necessidades elaborada por Abraham Maslow. Para isso, utilizamos
como material bibliográfico textos das áreas da Educação Musical, Psicologia, Marketing e
Administração, além de dicionários gerais e específicos. Com isso, pretendemos refletir
sobre a importância do aspecto motivacional para o ensino de música, apontando traba-
lhos que sustentem essa discussão. Dividido em basicamente três seções, o texto traz na
primeira parte uma explanação sobre a teoria de Maslow e sua aplicabilidade. A segunda
seção é reservada à busca pela definição do termo motivação, apresentando concepções

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de diversos autores. A última parte relaciona o aspecto motivacional à área da Educação
Musical, discutindo acerca da importância desse fator para a classe docente, visando um
ensino estruturado, efetivo e fluente, levando em consideração aspectos presentes no
contexto do educando.
Abraham Maslow (1908-1970), renomado psicólogo norte-americano, desenvolveu
sua teoria baseada nas necessidades dos seres humanos, sobrepondo umas às outras,
construindo a chamada Pirâmide das Hierarquias das Necessidades ou Pirâmide de Maslow
(Hoffman, 1999).

Fonte: Wikipédia a (n.d.)

Para a elaboração da pirâmide, Maslow observou que as necessidades obedeciam a


alguns critérios de prioridades, havendo maior urgência na saciedade daquelas colocadas
na base da estrutura (fisiológicas, segurança e sociais), alocando na parte superior pontos
mais particulares de cada indivíduo (auto-estima e auto-realização). Ele afirmava que as
necessidades superiores só poderiam ser buscadas a partir do momento em que a base já
se encontrasse equilibrada. Ele acreditava que a maior parte das pessoas nas sociedades
com elevado padrão de vida tem as suas necessidades dos três primeiros níveis (fisiológi-
cas, segurança e sociais) regularmente satisfeitas sem muito esforço e sem muito efeito
motivacional (Estorninho, 2004, p. 7), mas sentem dificuldade para saciar as necessidades
pertencentes aos dois níveis superiores (auto-estima e auto-realização). Ele observou
também que as necessidades da parte inferior da pirâmide requerem um ciclo motivacional
relativamente rápido (comer, dormir, etc.), enquanto que as necessidades mais elevadas
requerem um ciclo motivacional extremamente longo.
Por tratar, em aspecto geral, das necessidades do ser humano, as teorias de Maslow
são geralmente relacionadas à motivação, aspecto importante nos parâmetros atuais da
educação. Porém, essas teorias são mais atuantes em áreas como Administração, Marketing
e Gerenciamento, onde o trabalho motivacional é foco de pesquisas acadêmicas já há
algum tempo (Godoi, 2001; Estorninho, 2004). Contudo, nesse trabalho buscaremos rela-
cionar o aspecto ‘motivação’ com a Educação Musical, discutindo pontos que considera-
mos relevantes para um ensino de música eficaz. Primeiramente, realizaremos uma
pequena explanação sobre as definições do termo motivação para conseguirmos melhor
clareza sobre a terminologia e, a partir disso, estabelecermos uma relação com a área de
Educação Musical.

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Motivação
Partindo em busca de trabalhos que versassem sobre motivação, observamos que a
grande maioria desses se referia a técnicas de empreendedorismo e/ou administração,
com pesquisas discutindo maneiras das empresas manterem seus funcionários motivados
e, por conseguinte, melhorar e aumentar a produtividade. Nesse trabalho, buscaremos
refletir e direcionar essas definições e discussões para a área educacional, com foco no
ensino de música, lembrando que isso já fora realizado em outros trabalhos que discutem
sobre a importância da motivação aplicada à Educação Musical e outras vertentes (Tourinho,
1995; 2003; Torres, Schmeling, Teixeira, & Souza, 2003; Fireman, 2005; Quadros Jr., 2006).

Definição do termo
Estorninho (2004) afirma que “não existe um conceito específico para a definição de
motivação, mas podemos dizer de forma mais simples que é algo que está dentro das
pessoas e que as leva a realizar uma determinada tarefa” (p. 7).
Buscando em outras fontes, observamos que existe sim a preocupação no estabele-
cimento de uma definição para o termo, porém cada qual direciona essa definição para
sua área específica. Para isso iremos expor a seguir algumas das definições encontradas na
nossa pesquisa.
O Glossário de Termos Piagetianos afirma que o termo motivação pode ser definido
como “sentimento de uma necessidade”.
O Glossário Geral, elaborado pelo Departamento de Engenharia Informática da Uni-
versidade de Coimbra (Fórum de Gestão, n.d.) define motivação como “qualquer influên-
cia que mantém ou impulsiona o comportamento orientado aos objetivos das pessoas”.
O Dicionário de Marketing da Merkatus define o termo como “desejo, força, necessi-
dade ou outra característica interna a cada pessoa que a leva a buscar a sua satisfação”.
Para Sandra Almeida, motivação é“um processo que provoca mudanças energéticas
no indivíduo e modificações no seu estado afetivo, determinando respostas antecipadas
aos objetivos previstos” (apud Tourinho, 1995, p. 168).
Encontramos na Enciclopédia Livre Wikipédia uma definição – que consideramos
bastante interessante – com base na psicologia:
[...] força propulsora (desejo) por trás de todas as ações de um organismo, se caracterizando como
o processo responsável pela intensidade, direção e persistência dos esforços de uma pessoa para
o alcance de uma determinada meta. A motivação é baseada em emoções (grifo nosso), especi-
ficamente, pela busca por experiências emocionais positivas e por evitar as negativas, onde posi-
tivo e negativo são definidos pelo estado individual do cérebro e não por normas sociais: uma
pessoa pode ser direcionada até à auto-mutilação ou à violência caso o seu cérebro esteja condi-
cionado a criar uma reação positiva a essas ações (Wikipédia b, n.d.).

Fundamentando a afirmação trazida pela enciclopédia – a motivação é baseada


em emoções – Godoi (2001) nos mostra que “o termo motivação vem do verbo latim
movere, possuindo a mesma raiz etimológica da palavra emoção” (p. 12). É por esse motivo
que muitos autores buscam relação entre esses dois campos.
Pesquisando sobre o conceito da palavra “motivação” em dicionários gerais, encon-
tramos as seguintes acepções no Dicionário Multimídia Michaelis (1996): “s. f. 1. Ato ou
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efeito de motivar32. 2. Exposição de motivos33. 3. Psicol. Espécie de energia psicológica ou
tensão que põe em movimento o organismo humano”.
Atendo-nos a esse dicionário, pesquisamos sobre alguns pontos que consideramos
constituintes do ato motivacional. De início, buscamos acepções do verbo “motivar”, se
referindo a “v. 1.Tr. dir. Expor motivos, ou explicar as razões de; fundamentar. 2. Tr. dir. Dar
motivo a, ocasionar, ser causa de. 3.Tr. dir. e pron. Despertar o interesse por (aula, conferên-
cia, exposição)”. Consideramos essa última definição como um ponto de busca constante
da área educacional, onde os docentes procuram compreender de que forma manter o
aluno motivado nas aulas. Para isso, buscamos o significado do termo “motivado”, encon-
trando as seguintes acepções:“adj. 1. Causado, ocasionado. 2. Fundamentado. 3. Diz-se de
atividade que desperta o interesse. 4. Diz-se daquele cujo interesse foi despertado para a aula,
conferência, etc.”.
A partir dessas acepções, chegamos à conclusão que é importante que o professor
funcione como um agente motivador dentro – e porque não fora – da sala de aula,
despertando o interesse do aluno de forma constante e efetiva. Então, pesquisamos
acepções do termo “motivador” no mesmo dicionário, definido por “adj. e s. m. Que, ou
aquele que motiva, ou dá causa; causador.”.
Após apresentada esses vários conceitos e acepções do termo, faremos uma breve
colocação sobre um ponto que nos chamou atenção: o termo motivo. De acordo com
Fiamenghi (2001),“motivo é um fator interno que dá inicio, dirige e integra o comporta-
mento de uma pessoa” (p. 46). Segundo Sandra Almeida,“os motivos constituem o aspec-
to dinâmico do processo educacional, representando um dos pré-requisitos básicos de
toda aprendizagem formal” (apud Tourinho, 1995, p. 168).
Fiamenghi (2001) afirma ainda que o motivo pode ser dividido em dois componen-
tes, ressaltando que alguns autores citam a presença de um terceiro componente:
• Impulso: processo interno que incita o organismo à ação, podendo ser influenciado
pelo ambiente;
• Objetivo: um motivo termina ao ser atingido um determinado objetivo ou recom-
pensa.
• Desejo consciente de obter algo, motivado por uma carência.
Conforme a Wikipédia, a motivação pode ser dividida em duas maneiras: direta e
indireta.
[...] na motivação direta, a ação satisfaz a necessidade, e na motivação indireta, a ação satisfaz um
objetivo intermediário, que por sua vez pode direcionar na satisfação de uma necessidade. Em
ambientes de trabalho, dinheiro é tipicamente visto como uma poderosa motivação indireta,
enquanto satisfação com o trabalho e um ambiente social agradável são motivações mais diretas.
No entanto, esse exemplo mostra claramente que um fator motivacional indireto (dinheiro) em
direção a um importante objetivo (ter comida, roupas, etc) pode muito bem ser mais poderoso do
que uma motivação direta provida por um ambiente agradável (Wikipédia b, n.d.).

Contudo, existem estudos que afirmam que a motivação pode produzir efeitos
sobre um conjunto de variáveis de natureza cognitiva (concentração, atenção, memória),
afetiva (interesse, emoções, satisfação) e comportamental (escolha de comportamento,

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persistência na tarefa, intensidade, complexidade da tarefa, desempenho) (Vallerand et
Blanchard apud Godoi, 2001, p. 12-13).

Motivação e educação musical


Como já mencionado anteriormente, alguns autores da área de Educação Musical
realizaram trabalhos importantes acerca dos aspectos motivacionais relacionados ao ensi-
no de instrumento.Tourinho (1995) destacou a relevância do trabalho de ensino de instru-
mento baseado no repertório eleito pelo aluno, apresentando importantes dados sobre o
seu experimento. Ela afirma que o aluno se sente mais motivado quando executa aquilo
que é do seu interesse ou que faz parte do seu universo cultural.
Torres et al (2003) defende sobre a importância da escolha correta do repertório a
ser trabalhado com o aluno, buscando mantê-lo motivado para o estudo e execução das
peças. Trazendo experiências em três campos diferentes (orquestra jovem, coral infantil e
juvenil e grupo instrumental de flauta doce), esse trabalho traz grandes contribuições para
a área a partir dos relatos de três professoras pesquisadoras sobre atuações em seus
grupos musicais.
Encontramos na literatura alguns autores que versam sobre a preocupação de educa-
dores com os aspectos motivacionais. Na atividade docente, procuramos fazer com que o
estudante estude de maneira agradável e que ele se sinta motivado em fazê-lo, visando
um estudo de qualidade. De acordo com Fireman (2005),
[...] não se pode desconsiderar que o aluno só aprenderá se assim o quiser, ou seja, de como ou
quanto esteja interessado em investir seu tempo no aprendizado de um ofício. [...] Em uma aula de
prática instrumental, o educando possui interesses que o estimula a investir tempo suficiente
para aprender uma música que considera “bonita”, “difícil”, “um desafio”, “que todo mundo toca”, ou
algo parecido. Para que o ensino seja eficaz é necessário que o estudante esteja motivado a apren-
der e sinta prazer naquilo que estuda (p. 32).

A respeito dessa busca pelo desafio na atividade educacional, David e Newstrom


concordam com Firemam afirmando que“os indivíduos respondem com maior motivação
a trabalhos que exigem alcançar metas difíceis” (apud Santos & Velásquez, 2001, p. 3). Para
Beineke,“a execução do repertório precisa ser uma experiência musical rica e desafiadora
para todos e essa motivação dos alunos é mais difícil de obter quando solicitamos, por
exemplo, que todos os alunos toquem a mesma coisa, em uníssono” (apud Fireman, 2005,
p. 33).
Entretanto, quero acrescentar a essa discussão que acreditamos ser relevante relaci-
onar a escolha do repertório com as vivências musicais do aluno no seu dia-a-dia. Quadros
Jr. (2006) observou que o aluno obtinha maiores resultados (assimilação de ritmo, melo-
dia, letra de modo mais fácil e rápido, desenvolvimento técnico, entre outros) quando o
repertório se tratava de músicas que faziam parte do seu cotidiano. Com isso, sua motiva-
ção era muito maior e a aula transcorria com maior fluência.
Entretanto, consideramos que o repertório seja somente um dos pontos que influ-
enciem a motivação do aluno no aprendizado musical. Acreditamos que a própria postura
do professor é algo que funcione como elemento motivador. Porém, como já dito anteri-

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ormente, cada indivíduo tem sua necessidade. Isto quer dizer que o professor deva, a partir
da construção das relações interpessoais com seus alunos, procurar descobrir diferentes
formas de mantê-los motivados, diversificando e renovando de maneira constante suas
ferramentas pedagógicas e metodológicas (Tourinho, 2003).

Notas
32 Os trechos em itálico estão sendo utilizados para evidenciarem acepções que consideramos estar re-
lacionadas com a área educacional.
33 O termo “motivo” se encontra em negrito pelo fato que iremos nos remeter a ele em outras passagens,
já o deixando evidenciado, facilitando a compreensão do leitor.

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anais musicais miolo.pmd 447 15/5/2007, 03:10


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Tema 4 . Tecnologia, Artes Musicais e a Mente

“Reflexive interaction” between children and


musical systems

Anna Rita Adessi


annarita.addessi@unibo.it
University of Bologna - Italy

Abstract
The present paper deals with a research project currently being undertaken at the
Faculty of Education, University of Bologna, in collaboration with François Pachet from
SONY-Computer Science Laboratory, in Paris. Our project deals with a cross-disciplinary
research on the synergies between learning and cognition in humans and machines.
We are experimenting the interaction between young children and a particular kind of
interactive system, called the Continuator. This system is able to learn constantly by the
input is given and to produce music in the same style as a human playing the keyboard.
The phrase generated by the system is similar but different from those played by the
users. The system was elaborated for professional musicians. We decided to experiment
it with children. In particular, we chose to study young children, 3/5 years old, because at
this age the problem of the interaction between child and machine takes on a funda-
mental role in the learning process. We carried out an experimental psychological
protocol and several classroom setting experiences. The results suggest this system is
able to develop interesting child/machine interaction and creative music processes in
young children, creating a state of well-being very similar to this described in the Theory
of Flow by Csikzsentmihalyi, enhancing attention span, self-regulation and self-practising.
In the group setting it is a versatile device to support music teaching and collaborative
learning. The innovative function of the Continuator is the creation of a dialogue with
the child, while he is playing the keyboard. Between the system and the child a circular
interaction is setting up, in which the child’s musical style influences the system, which
answers repeating and changing the child’s musical fragment, in a continuous
improvisation process. This dialogue is not only founded on the turn-taking rules, but
also on the mechanism of repetition and variation similar to one observed in the infant/
mother interaction (Imberty, Trevarthen, Fogel, Stern). One of themost result of these
experiments is the elaboration of the concept of “reflexive interaction”. The “reflexive

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interaction” concept and corresponding “interactive reflexive musical systems” (IRMS)
consist in letting users manipulate virtual copies of themselves. The IRMS are systems in
which the user, whatever his competences’ level, is confronted with a kind of developing
mirror of him/herself. For definition these systems are able to learn and configure
themselves according to their understanding and experience of learner’s behaviour On
the base of these results, other experiences started in Italy and other countries. The next
contribution will be to propose novel systems which will benefit from the analysis of the
new experiments. We are strongly interested in the application of the “reflexive
interaction” concept both to composition and to content-based music indexing, to
facilitate the access of collections of existing music repertoire for children.

References
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Replication in 3/5 year old Children. British Journal of Music Education, 22(1).
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In Deliège I., Wiggins (Eds). Musical Creativity: Current Research in Theory and Practice. Hove:
Psychology Press.
Pachet, F., Addessi, A.R. (2004). When Children Reflect on Their Playing Style: The Continuator.
ACM Computers in Entertainment, 1(2).

The Brain’s Training in the Improvement of


Pitch and Tempo Acuities

Olin Parker
oparker@uga.edu
University of Georgia

Background
Operations of the brain and mind are increasingly being modeled as computer
processes. We are more and more aware of how our musical behaviors are linked to
perception, cognition, memory, learning, and other acquisitions. The brain’s enormously

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complicated interconnecting systems have given rise to a long list of the kinds of memory
storage, and neuropsychologists keep finding new ways in which we process and store
information. Music psychologists agree that there are many forms of memory that can
impinge on the learning of musical skills.

Aims/Purpose
The purpose of this research was to investigate whether young adult musicians
could significantly improve their musical skills (acuity judgments), viz., judgments of pitch
and tempo accuracies as they are participating in the Musical Arts as a performer or
listener.

Method
Over 19 previous academic years (1987-2006) a total of 241 students enrolled in
Psychology of Music classes participated in this on-going investigation. Students were
instructed to use a tuning fork (A=44 Hz) several times daily over the term of the class to
improve their memory, i.e., pitch acuity. Also, they were to use their watches daily to
calculate tempos in various musical settings where they could check with their music’s
indicated tempo labeling. At the beginning of each class a randomly selected tone
(between C4 to C5) was sounded for 8 seconds and a metronome ticking a certain tempo
sounded for 16 seconds.The students recorded their judgments on a daily attendance slip.

Results
A comparison of first day, mid-term, and last day of the term of those judgments
showed that there was steady improvement through the weeks, as expected. First day
comparisons to last comparisons showed that: 1) 66% of the students showed significant
improvement in their pitch identifications while the other 22% did exhibit noticeable
improvement in their pitch judgments; and, 2) in tempo judgments, the students, as a
whole, made a modicum of improvements in their tempo judgment accuracies.

Conclusions
The above results reflect a steady improvement in accuracies of these musical skills
through each of the semester terms. The results, however, do reveal the need for more
effective pedagogical techniques in teaching music skills. These would be increasingly
based on understanding and employing data from the research reports from the
technologies (e.g., MRI and PET) which are opening up new ideas of “training the brain.”
New ways will be coming from the neurosciences merging with psychology and which
then will be extended into the field of music education. Further, knowing that musical
stimuli will execute shifts of localization of brain activities, thereby associating musical
behavior with brain conditions, it will be known that there is a link between sensory
processing and cognitive processes happening in the entire brain. Most of all, we need to
realize that the “jargon” of the 1970’s and 1980’s should be discarded and replaced with

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teaching music skills as an endeavor of educating the brain, relying on the psychological
principles of how and where learning takes place in the brain—and that is the whole brain!

Keywords
brain, pitch, tempo, neurosciences, pedagogical

Fatores do desempenho e ação pianística.


Estratégias interdisciplinares para a otimização
do movimento - um procedimento
experimental

Maria Bernardete Castelan Povoas


bernardete@brturbo.com.br
Universidade do Estado de Santa Catarina

Resumo
Neste artigo encontra-se descrito um experimento biomecânico realizado como
parte da pesquisa Fatores do Desempenho e Ação Pianística – Uma Perspectiva
Interdisciplinar apresentado em versões preliminares em outros eventos. A ques-
tão de pesquisa foi o estabelecimento de relações entre aspectos inerentes a
determinados fatores do desempenho (Rasch, 1991), mais especificamente coor-
denação, força, flexibilidade, fadiga e rapidez do movimento, com a otimização do
desempenho músico-instrumental. O objetivo deste experimento foi levantar, via
análise quantitativa possíveis inter-relações entre a aplicação do recurso técnico-
instrumental ciclos de movimento (Póvoas, 199, 2006) e aspectos inerentes aos fato-
res do desempenho: força, fadiga, flexibilidade, fadiga e rapidez do movimento na
prática do piano. Os pressupostos teóricos e metodológicos foram interdisciplinares
com aportes nas áreas: práticas instrumentais, cinesiologia, biomecânica e
ergonomia. O experimento foi operacionalizado em fases: 1-seleção dos trechos
musicais para execução ao piano, organização do protocolo, seleção de sujeitos:
grupo experimental (GE) e grupo controle (GC), e orientação do GE; 2- realização
do experimento; 3- análise de dados. O experimento contou com a participação
de dez (10) pianistas e o método utilizado para a aquisição de imagens e análise

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dos dados foi a cinemetria. Resultados mostraram que a aplicação de mecanismos
que consideram fatores do desempenho permite otimizar o desempenho
pianístico.
Palavras-Chave: fatores do desempenho; análise do movimento; técnica pianística

1 introdução e fundamentação teórica


A premissa de Rasch (1991, p.187) de que “todo o desempenho humano pode ser
visto como a expressão de vários componentes denominados fatores do desempenho”,
determinou o objeto de estudo desta investigação sobre relações interdisciplinares entre
fatores e ação pianística. A ação pianística é aqui entendida como o conjunto de meios
que determinam o desempenho músico-instrumental, sendo abordada inter-
disciplinarmente, considerando-se argumentos da Cinesiologia, Ergonomia e Biomecânica.
Foi realizado um experimento biomecânico em que o método de análise utilizado foi a
cinemetria, descrito neste artigo.
Como parte do protocolo experimental, foram levantadas conexões entre aspectos
inerentes a cada um dos fatores pesquisados e o princípio de relação e regulação do impul-
so-movimento - ciclos de movimento (PÓVOAS, 1999), recurso técnico-instrumental aplica-
do no treinamento do Grupo Experimental (GE) durante a execução pianística de trechos
musicais selecionados. O experimento foi uma das ações realizadas para responder se a
ação pianística poderia ser otimizada pelo estabelecimento de relações entre fatores do
desempenho e aplicação de determinado recurso técnico-instrumental; se o nível de
relação entre os fatores pesquisados e os ciclos de movimento classificaria este recurso
técnico-instrumental como sendo interdisciplinar. Com o procedimento experimental
pretendeu-se, mais especificamente, por meio da análise das aquisições, obter dados
sobre a trajetória dos movimentos nas coordenadas x, y e z do grupo experimental (GE) e
grupo controle (GC) que permitissem traçar uma relação entre os resultados e a aplicação
do recurso proposto.
Segundo o princípio, para os ciclos de movimento propõe-se a organização de movi-
mentos em correspondência com as indicações contidas na obra em estudo, intentando a
uma maior produtividade durante o treinamento de repertórios em termos de dispêndio
de tempo, de energia e na obtenção de resultados sonoros. O sentido da movimentação
dos segmentos é indicado pela forma e extensão de linhas côncavas e convexas coloca-
das sobre os eventos musicais. A trajetória de cada ciclo é indicada por uma linha ou pela
intersecção de mais linhas ou setas. A lateralidade da seta indica o deslocamento dos
segmentos (braço, antebraço, mão e punho) na extensão do teclado e representa o movi-
mento na coordenada x. A orientação ascendente ou descendente da seta orienta o
movimento na coordenada y e a concavidade ou convexidade da linha orienta a movi-
mentação dos segmentos na profundidade da tecla (plano z).
Cada ciclo é construído a partir da compreensão do texto musical, de acordo com a
situação funcional considerada mais eficiente. O deslocamento flexível e livre dos seg-
mentos corporais é guiado mais no sentido parabólico do que no sentido retilíneo do
movimento, sempre considerando o eixo da mão como posição de referência. Nos mode-

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los (Figuras 2 e 3), cada seta agrega vários movimentos discretos, ou seja, a realização de
um ou mais eventos musicais.
Embora aspectos do movimento sejam objeto de alguns estudiosos na área da mú-
sica (Moore, 1987, 1988; Tatz, 1990; Harding et al, 1993; Bresin & Battel, 2000), a pesquisa
sobre a inter relação entre fatores do desempenho e ação pianística ainda é escassa. No
entanto, sabe-se que a prevenção de problemas músculo-esqueléticos (Sakai, 2006) e o
aumento do nível do desempenho de profissionais que dependem do movimento en-
quanto meio de execução do trabalho situa-se, destacadamente, na consideração da
essencialidade desta matéria.
Os procedimentos de aquisição de imagens e análise dos dados foram realizados no
Laboratório de Biomecânica do Centro de Educação Física (CEFID), da Universidade do
Estado de Santa Catarina (UDESC).

2 Materiais e métodos
O Experimento foi realizado em três etapas. Na primeira foram feitas a seleção e
análise de trechos musicais para serem realizados por pianistas, estabelecido o protocolo
experimental, seleção dos sujeitos de pesquisa (Grupo Controle - GC e Grupo Experimen-
tal - GE) e o treinamento do GE. A segunda etapa foi o estudo experimental propriamente
dito. Constou de dois ensaios por meio da cinemetria, um método biomecânico de análise
que, por meio da captação de imagens por registro videográfico (aquisição), permite a
medição de parâmetros cinemáticos do movimento executado por sujeitos (pianistas). Na
terceira etapa foi realizada a análise dos dados.
Os trechos musicais para o experimento foram selecionados segundo os critérios
seguintes: presença de padrões de escrita, necessidade de estabelecimento de padrões
de movimento para sua execução ao piano, exigência de execução de movimentos dos
segmentos com deslocamentos de curta e média distância, possibilidade de aplicação do
princípio proposto em conexão com os fatores do desempenho investigados. Dois excetos
do Prelúdio 18 de Chopin foram considerados trechos constituídos de eventos suficientes
para a desenvolver-se a proposta e realizar a análise cinemática.
Quanto aos sujeitos e protocolo experimental, o experimento contou com a partici-
pação de dez pianistas, quatro do sexo feminino (F) e seis do sexo masculino (M), com
idade média de 22 anos, sendo cinco do Grupo Experimental (GE) e cinco do Grupo
Controle (GC). A população de sujeitos foi constituída por alunos do curso de Bacharelado
em Instrumento-Piano do Centro de Artes-UDESC. Os grupos receberam cópia da partitu-
ra do Prelúdio 18 de Chopin (1996, p.36 e 37) e orientações em data comum: uma rotina
de 15 a 20 minutos de treinamento diário do prelúdio, com destaque aos trechos analisa-
dos, andamento final entre 63 e 66 a semínima. O GE foi orientado em oito sessões de 40
minutos em média. Os Sujeitos do GC foram instruídos a executarem os trechos musicais
utilizando-se de seus próprios critérios, com possibilidade de orientação.
As sessões orientadas do GE seguiram uma rotina de 10 minutos para a prática de
exercícios respiratórios, de consciência corporal (tensão-relaxamento) e de alongamento
para o pescoço, braços, antebraços, mãos e dedos, com a finalidade de desenvolver a

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consciência do relaxamento relativo dos segmentos mais ativos na ação pianística. Segun-
do Azevedo (1996, p.56),“relaxamento é um estado muscular e não um movimento”. No
contexto da ação pianística, deve-se ter consciência do músculo no estado de tensão e de
relaxamento, pois durante o desempenho desta ação, é necessário que o pianista perma-
nece em constante troca entre a tensão e o relaxamento das estruturas musculares e
articulares requisitadas para a realização dos diferentes movimentos (Azevedo, 1996;
Kaplan, 1997). Outros trinta minutos eram dedicados à prática e discussão relacionadas aos
fatores do desempenho e ao princípio. Desta forma, o Grupo era orientado a tocar os
trechos musicais selecionados seguindo a indicação dos ciclos, conforme as Figuras 3 e 4.
Segundo Magill (2000, p.219),“intermitentes rodadas de exercícios e pausas fazem
com que o atleta esteja sempre pronto para a próxima prática”, permitem identificar e
eliminar indícios de fadiga, evita o trabalho repetitivo e previne lesões manifestadas pela
presença de dor muscular. O GE foi orientado a fazer alongamentos e intervalos entre
períodos de estudo.
Perrot (apud Rasch, 1991) sugere cuidados para evitar-se a fadiga, entre eles, elimi-
nar movimentos desnecessários, fazer uso da gravidade durante uma atividade e posicionar
confortavelmente o corpo para que grupos musculares possam trabalhar adequadamen-
te.“Um indivíduo pode também sofrer uma distensão muscular no início da prática se os
músculos estiverem fracos devido a um exercício recente” (Hamill & Knutzen, 2002). Para
aumentar o rendimento e diminuir o dispêndio de energia com economia de força (Parlitz.
1999) durante o treinamento e em situação de apresentação, o planejamento consciente
dos objetivos a serem alcançados e dos movimentos corporais adequados à realização de
aspectos musicais, torna-se uma estratégia essencial para o(a) pianista. Neste contexto
situa-se a aplicação dos ciclos de movimento. Aspectos ergonômicos, tais como postura
adequada, altura do banco, distância entre ele(a) e o piano, manutenção do eixo da mão
como postura de base, também devem ser considerados no auxílio da prevenção da
fadiga.
Para aquisição e processamento de dados, foi escolhido o sistema Peak Motus versão 4.03,1 cons-
tituído de microcomputador com processador, três câmeras de vídeo Super VHS e com uma fre-
qüência de aquisição das imagens de 60 Hz (ciclos p/s). Para a reconstrução em três dimensões
(3D)2 do movimento a partir das imagens, as câmeras “master” (1) e as “escravas” (2 e 3) foram sin-
cronizadas no tempo. O sincronismo entre os sistemas é possibilitado por um dispositivo que,
acionado, emite um sinal luminoso nas câmeras e outro elétrico para o sistema (Figura 1). O pulso
de sincronismo gerado pela câmera 1 assegura o funcionamento simultâneo das três câmeras

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Figura 1: Disposição do piano em relação às câmeras “master” (1) e escravas (2) e (3).

Para a aquisição de imagens optou-se por utilizar a cinemetria, um dos métodos de


análise quantitativa que permitem a medição de parâmetros de movimentos pianísticos.
Por meio da realização de cálculos matemáticos dos dados numéricos adquiridos que,
transformados em um modelo físico matemático simplificado, possibilitam a obtenção de
informações sobre medidas de parâmetros do movimento como trajetória, aceleração e
velocidade nos eixos x (movimento na direção horizontal), y (vertical e paralelo à direção
da gravidade) e z (direção perpendicular à direção do movimento), segundo o sistema de
coordenadas cartesianas.
Anteriormente à aquisição das imagens, foram levantados os dados antropométricos
de cada sujeito (altura, peso) e as medidas dos segmentos designadas pelos pontos
anatômicos que os representam, criando um modelo antropométrico. Com base neste
modelo, foi criado um modelo virtual da imagem real. Para que o sistema pudesse reco-
nhecer os eixos articulares dos sujeitos durante a digitalização das imagens, foram coloca-
dos marcadores reflexivos em forma de esferas, com aproximadamente um (01) cm de
diâmetro, nos pontos: radial, ponto médio do punho a partir do processo estilóide do rádio
e cabeça do terceiro metacarpo. Combinados com a freqüência de aquisição, estes
marcadores permitem a descrição dos deslocamentos dos pontos anatômicos ao longo
do tempo.
Para adaptação à mecânica ao piano, anteriormente à aquisição, cada sujeito treinou
durante alguns minutos. Foram feitas três aquisições por sujeito que duraram em trono de
15 minutos. Para o processamento dos dados, foi selecionada uma das três aquisições.

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3 Resultados e discussão
Os dados adquiridos a partir da cinemetria foram processados através de sistemas
digitalização de imagem e de processamento via computador. Parte destes dados foram
normalizados no tempo. Os sinais do sistema Peak Performance foram convertidos para os
programas MatLab (v.5.3) e Origin (v.6.0), usados para o desenvolvimento de rotinas que
permitem analisar dados e construir gráficos para sua visualização. Foram gerados em
torno de sessenta gráficos onde os sujeitos estão representados por cores e tabelas de
dados numéricos.
Para o Ensaio 1 foi selecionado o trecho do compasso[1] até o início do [3] do
Prelúdio 18 de Chopin (1996, p.36), Figura 3. No modelo, cada seta agrega vários movi-
mentos discretos, ou seja a realização de um ou mais eventos musicais. O movimento dos
braços e mãos, através do punho, deve partir de uma posição mais elevada (eixo y) no
início da execução, descendo no sentido convexo. Para a execução da nota fá, no evento
e local de maior intensidade de cada compasso, os segmentos devem atingir uma posição
mais abaixada que vai permitir a colocação de mais peso sobre teclado e a realização da
dinâmica3 indicada e com a força necessária, com menos desgaste ou fadiga. A elevação
subseqüente do punho, no sentido côncavo, possibilita executar mais naturalmente o
decrescendo seguinte. Pode-se obter sonoridades fortes e fracas tanto com o pulso/braço
alto quanto baixo, no entanto, a elevação do punho permite, mais fácil e naturalmente, a
diminuição da intensidade sonora até a execução da dinâmica“p” (piano) devido à conse-
qüente e gradativa suspensão do peso.
A trajetória indicada permite a flexibilização do movimento (eixos x, y e z) e facilita
a realização técnica e musical do trecho (partitura). Na Figura 3 é possível ver este mesmo
trecho com o gráfico correspondente às trajetórias dos segmentos punho e terceiro
metacarpo do lado direito, de um sujeito do GE no eixo x.

Figura 3: Prelúdio 18 (compassos [1] a [3]). Fonte: Chopin (1996, p.36). Trajetórias: punho e metacarpo direitos
de sujeito do GE, eixo x

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Os gráficos seguintes (Figura 3) mostram os valores médios da trajetória nos eixos x,
y e z, por grupo: 4-a GE e 4–b GC. As curvas do GE são mais homogêneas, fato que pode
estar relacionado à organização do movimento orientado a este grupo durante o treina-
mento, período em que foi observada a manutenção do eixo da mão como posição de
referência, a flexibilização livre do punho na lateralidade do movimento (eixo x) e na
exploração do ângulo y. Na profundidade do teclado (eixo z) também foi explorada no
modelo de ciclo.

Figura 4-a): Gráfico com os valores médios norma- Figura 4-b): Gráfico com os valores médios norma-
lizados da trajetória nos três eixos de movimento do lizados da trajetória nos três eixos de movimento do
GE, Ensaio 1. Região: III Metacarpo (ponto da mão). GC, Ensaio 1. Região: III Metacarpo (ponto da mão).

No Ensaio 2 foram levantados dados das imagens obtidas dos movimentos realiza-
dos pelos sujeitos durante a execução pianística dos compassos [15] ao [17] do mesmo
Prelúdio de Chopin, a partir do terceiro tempo do compasso inicial. Conforme indicação
do modelo (Figura 5), o deslocamento dos segmentos deve seguir no sentido de um
movimento côncavo para a direita a partir das semicolcheias até a segunda oitava em
stacatto (.). Depois da execução destes primeiros cinco eventos (terceiro e quartos tem-
pos do compasso [15]), seguindo por uma inflexão do punho em queda para baixo em
direção ao acorde marcado (acento >) onde inicia um novo ciclo até a oitava em stacatto
(.), que serve de impulsão para o deslocamento e queda no próximo acorde completando
outro ciclo e assim por diante.
Os ciclos sugeridos para a realização deste trecho, quando operacionalizados de
forma coordenada e contínua e evitando-se um movimento de pulso para baixo na execu-
ção dos acordes em stacatto, possibilitam tocar dois eventos em uma única inflexão (seta).
Tal organização permite desenvolver uma maior velocidade de execução (rapidez de
movimento) devido à otimização da trajetória dentro de cada ciclo de movimento. O
aproveitamento racionalizado de uma única impulsão para realizar dois ou mais eventos
não impede a livre flexibilização do punho, ao mesmo tempo em que possibilita impetrar
a necessária energia durante a execução das oitavas e acordes (dinâmica forte (f)).

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Figura 5: Prelúdio 18 (compassos [15] a [17]). Fonte: Chopin (1996, p.37). Trajetórias: punho e metacarpo
direitos de sujeito do GE, eixo x.

Os gráficos seguintes (Figuras 6-a e 6-b) mostram os valores médios normalizados


da trajetória nos três eixos de movimento da região do punho direito, para os dois grupos,
os quais mostram trajetórias mais regulares para o GE, o que pode significar a realização de
movimentos mais coordenados com maior fluência musical e com menor gasto de ener-
gia a qual depende do controle da força.

Figura 6-a): Gráfico com os valores médios norma- Figura 6-b): Gráfico com os valores médios norma-
lizados da trajetória nos três eixos de movimento lizados da trajetória nos três eixos de movimento
para o GE, Ensaio 1. Região: punho direito. para o GC, ensaio 1. Região: punho direito.

No Quadro 1 vê-se as médias por segmento e por grupo do Ensaio 1 e no Quadro 2


do Ensaio 2. Na primeira coluna encontram-se discriminados os segmentos, nas três
colunas seguintes as médias do GC nas coordenadas x, y e z e, nas demais colunas, estão
descritas as médias das trajetórias percorridas pelo GE. No Ensaio 1 o GC obteve valores

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maiores somente nas médias do punho direito no eixo x, do punho esquerdo no eixo z e
do metacarpo esquerdo nas coordenadas y e z, respectivamente.

Quadro 1: Médias por segmento e por grupo (GC e CE) nas coordenadas x, y e z, Ensaio 1

No Quadro 2 (Ensaio 2) o GE obteve valores menores nas médias das coordenadas,


com uma diferença significativa nas medidas das trajetórias em seu favor.

Quadro 2: Médias por segmento e por grupo (GC e CE) nas coordenadas x, y e z, Ensaio 2.

Comparativamente, o texto musical do Ensaio 2 é mais complexo em termos técni-


cos de deslocamento e de realização do design. Observa-se que os dados indicam um
desempenho do GE quantitativamente mais eficiente.

4 Conclusões
A prevenção e a resolução de questões que interferem no desempenho instrumen-
tal encontram-se, em grande parte, em argumentos interdisciplinares. Os resultados expe-
rimentais mostraram que o conhecimento sobre mecanismos de funcionamento de fatores
do desempenho aliado à aplicação do princípio da relação impulso-movimento - ciclos de
movimento, possibilita otimizar a prática pianística. Os resultados quantitativos indicam
para a possibilidade de aumento do índice de eficiência com menor o gasto de energia
(trajetórias menores), sobretudo na realização instrumental do trecho que apresentam
escrita pianística mais complexa e que exigem mais deslocamento dos segmentos para
sua execução mais coordenação, força, flexibilidade e rapidez do movimento devido à
densidade sonora requerida. Aspectos ergonômicos como a relação corpo-piano, eixo da
mão e pausas entre períodos de estudo quando observados auxiliam na prevenção da
fadiga.
Numericamente, o GC apresentou médias mais baixas do que o GE no Ensaio 1 e
mais altas no Ensaio 2. Comparativamente, o texto musical do Ensaio 2 é considerado mais
complexo em termos de realização do design, indicando para uma diferença
quantitativamente significativa nas medidas das trajetórias apresentadas pelo GE n Ensaio
2 que pode estar associada à aplicação dos recursos técnico-instrumentais aqui propostos.

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Com o objetivo de validá-los estatisticamente, deverão ser agregados mais dados de
parâmetros cinemáticos de movimentos com utilização de métodos biomecânicos aos
resultados deste estudo piloto que, associados ao emprego de teorias e técnicas de exe-
cução instrumental, poderão contribuir no auxílio aumento do índice de desempenho da
ação pianística. Os argumentos e resultados desta investigação indicam a necessidade de
que mais pesquisas com aplicação de recursos técnico-pianísticos acompanhadas de ava-
liações utilizando-se métodos biomecânicos de análise do movimento.

Notas
1 O sistema Peak Motus versão 4.03 é constituído de microcomputador com processador Pentium II, marca
Intel 266 e placa conversora analógico-digital de 366 MHz e três câmeras de vídeo acopladas ao sistema
que permitem o registro das imagens, três gravadores, um monitor, uma ilha de edição composta de um
vídeo cassete Super VHS (Sanyo) e um monitor (Panasonic).
2 Para a análise em 3D do movimento, o sistema adotado pela Sociedade Internacional de Biomecânica
(ISB) é o de coordenadas cartesiano (Wu & Cavanah, 1955); estabelece: eixo x horizontal na direção do
movimento; eixo y vertical paralelo à direção da gravidade; eixo z horizontal na direção perpendicular ao
movimento (Amadio, 1996).
3 Em música, entende-se por dinâmica a realização das graduações sonoras de intensidade indicadas na
partitura.

Referências
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Magill, R. A. (2000). Aprendizagem motora – conceitos e aplicações. Tradução de Aracy Mendes da
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Póvoas, M. B. C. (1999). Princípio da Relação e Regulação do Impulso-Movimento. Possíveis Reflexos
na Ação Pianística. Tese de Doutorado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

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______. (2006, agosto/setembro). Ciclos de Movimento – um Recurso Técnico-Estratégico
Interdisciplinar de Organização do Movimento na Ação Pianística. Trabalho apresentado
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Rasch, P. J. (1991). Cinesiologia e Anatomia Aplicada. Tradução de Marcio Moacyr de Vasconcelos.
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Syndrome in Musicians. The Journal of Hand Surgery: n.5, p. 830-835.
Tatz, S.. (1990).Unwanted Physical Tension. The Piano Quarterly: n. 152, p. 62-64.

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Tema 5. Artes musicais e cognição social

A questão da Identidade local e o Ensino


Coletivo utilizando Bandinha Rítmica e
Capoeira: Relatos de experiência em escola
pública de Educação Especial em Salvador-
Bahia

Marcos dos Santos Moreira


m.moreira73@ig.com.br
Henrique Trindade
Henriquetrindade@yahoo.com.br
Universidade Federal da Bahia

1.Introdução
Realizando breve abordagem, relativa à área de Educação musical, utilizando o con-
texto Música, este trabalho constitui uma tentativa de citar a função social e educativa da
mesma, como mediadora no processo de interação e aprendizagem dos jovens e adoles-
centes 1 a uma identidade, seu conceito de conhecimento musical e cultural regional, em
projeto sócio-educativo de Música e Capoeira realizado no Colégio Estadual Vitor Soares.
Situado na Península de Itapagipe, bairro Ribeira, em Salvador-Bahia, a Instituição
pertence à Secretaria de Educação do Estado e funciona há mais de 50 anos oferecendo
cursos do ensino regular (fundamental e médio) e educação especial em prédios anexos.
Procuramos definir aspectos de como a Educação Musical e a Educação Física, em
particular a Capoeira, agem nesta função, não só sobre o ponto de vista dessa aprendiza-
gem e socialização, mas também de consciência humana, multicultural regional, constru-
indo e relevando essas questões em relação as suas participações no plano de discussões
na comunidade escolar, na família do educando, no bairro, na cidade, sobre a inclusão do
aluno especial na sociedade.

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2.O conceito de Identidade Cultural correlacionado a um
Projeto escolar musical especial
2.1 A Identidade e um Projeto Social Musical Especial:
A noção de identidade expressa a qualidade do que é idêntico, derivando
etimologicamente de idem, “o mesmo”, “o que é igual a si” (Hall, 2000:15).
No plano antropológico, distinto do plano puramente psicológico, por não enqua-
drar apenas o fato psíquico, a identidade nutre-se do solo da razão simbólica, constituindo
duas dimensões: a pessoal e a social.
A identidade pode ser compreendida como: “Categoria de atribuição de significados
específicos a tipos de pessoas em relação umas com as outras e, (...) em relações interétnicas”
(Brandão, 1986: 10).
No Brasil a discussão sobre a identidade nacional é recente devido ao País, com
cinco séculos de história e menos de 200 anos de nação independente possuir caracterís-
ticas que tornam complexa definição de uma identidade brasileira. Aqui se deu as mistu-
ras de raças e culturas, mesclando os elementos já conhecidos com o indígena, negra
(africana) e européia (branca). Após a independência ganha ares de identidade de uma
nação livre como as bandeiras, hinos e a nobreza na busca de um padrão estético“brasilei-
ro”.
Portanto, retornando a problemática sobre a discussão da identidade juvenil, particu-
larmente do aluno-músico especial de um projeto social escolar, é complexa e assume
grande importância.
A adolescência é tida como fase fundamental no processo da construção da identi-
dade; momentos de dúvidas e questionamentos; etapas das descobertas. O jovem tem a
tendência de sentir necessidade de se mostrar e ser reconhecido em suas múltiplas
identidades e um grupo musical, um grupo de musical, um grupo de Capoeira acaba
sendo um instrumento para essa possibilidade.
Segundo a professora Margareth Arroyo, as praticas de aprendizagem musical são
muito mais do que ações musicais acompanhadas de elementos pedagógicos, ela tam-
bém acaba sendo um papel de criador de cultura.
Ainda sobre o enfoque de Educação no que diz respeito a musica como transforma-
dor e “criadora” de cultura, Keith Swanwick, educador musical inglês, afirma que todos nós
temos um “sotaque musical” e que nasce em contextos sociais, fazendo intercambio com
outras atividades culturais, mas, a possibilidade de podemos ver a musica “além de suas
relações com origens locais e limitações de função social”, ou seja, ela evolui e se adapta
em diferentes espaços onde segundo ele os insigths sempre podem acontecer mesmo
em culturas distintas (Swanwick, 2003:38).
Sendo um Projeto se dá em uma determinada área de atuação musical, numa
comunidade escolar, que como se encontra intrínseca em concepções maiores, não deixa
de ter características próprias de sua cultura e concluirmos uma análise das diferentes
formas de como a música pode interferir ou agir nesse processo.

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2.2. O processo de aprendizagem e a interação Música e Capoeira
A idéia de formar um grupo homogêneo com Música e Capoeira se deu principal-
mente pela possibilidade de aproveitar recursos didáticos das duas disciplinas. Tanto a
Educação Musical quanto a Educação Física (Capoeira) tem seus horários e formas de
práticas pedagógicas distintas e definidas no Plano escolar da instituição.
O ensino coletivo, com música, já é uma realidade em diversas linhas de pensamen-
tos, registradas em muitas teses e dissertações do País. Sobre esta concepção Swanwick2
defende e destaca uma estratégia de ensino eficaz: “A aprendizagem musical acontece
atrás de um engajamento multifacetado, solfejando, praticando, escutando os outros, apre-
sentando, improvisando... o ensino deve ser musical” (Oliveira, 1993:7).
Na questão cultural esta identificação musical se acentua com a interação. Para
Durkeim a educação desempenha função de integração, que pode ser entendida como
uma função de homogeneização através do qual “um certo número de idéias, de sentimen-
tos e práticas são praticadas indistintamente... que compreende a preparação da criança para
sua futura atividade ocupacional ou profissional (Durkeim, 1973:15)”.
Esta integração com a capoeira, dança-luta de origem afro-baiana anteriormente
marginalizada e incluída até em código penal no meado do século passado (XX) e imorta-
lizada pelo mestre “Bimba”, intrinsecamente na História cultural da Bahia, hoje adaptada e
é um excelente recurso de aprendizagem corporal e rítmica.
A união destes dois pontos fez com que nascesse a possibilidade de realização em
conjunto. A Bandinha rítmica é composta por alunos selecionados dentre as 10 turmas
(por turno) que já participam das aulas regulares de Educação Musical. Compartilham
alunos com deficiência visual, auditiva, hiperativos e mental. No total são 24 alunos assim
divididos (ano letivo 2006):
• 4 alunos- Flauta doce (hiperativos e alteração de comportamento) 3
• 3 alunos- Caxixis *
4
(deficientes mentais níveis diversos)
• 1 aluno – Atabaque * (deficiente visual)
• 1 aluno- Pandeiro (deficiente visual)
• 1 aluno- Agogô * (hiperativo)
• 1 aluno- Xequerê * (deficiente visual)
• 1 aluno –Berimbau-viola (hiperativo)
• 1 aluno- Berimbau- baixo (alteração de comportamento)
• 1 aluno- Berimbau- agudo (alteração de comportamento)
• 10 alunos-capoeiristas (diversos)
É observada a integração desde cada início do ano letivo, aproveitando alunos dos
anos anteriores e mesclando com outros alunos do ano corrente, analisado em pontos
específico como: percepção rítmica e melódica, auditiva. A função melódica é aprimorada
pela flauta doce que emite canções de capoeira. Sobre isto ainda há a participação do
CORAL AMÃECER, grupo de Canto Coral formado por mães de alunos da institui-
ção no intuito de integrar a família e a escola. Quanto a dificuldade técnica do
instrumento em relação a melodia, é amenizada com ostinatos, notas melódicas..., na
parte rítmica explora-se a percepção induzida e também a intuitiva, respeitando as carac-
terísticas da música de capoeira. Não se deixa de aproveitar o canto paralelamente.

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Acontece que não há muita alteração brusca dos integrantes, pois a demanda, a
clientela, é basicamente a mesma, onde o aluno muda de atividade a cada ano e após ter
freqüentado todas as oficinas 5, é encaminhado ao mercado de trabalho local. Assim o
entrosamento aprimora-se a cada ano letivo.
Os ensaios acontecem 2 vezes por semana sendo que o grupo já participou de
diversas apresentações pela Secretaria de Educação do Estado da Bahia.

3. Considerações finais
É necessário, portanto uma reflexão mais ampla política, educativa e social quando
se pretende pesquisar ou atuar em escola para alunos especiais seja no âmbito escolar ou
não, em projeto social em cidades interiorano com pouco acesso a informação educativa
de vários aspectos, com realidades semelhantes as das periferias de nossas metrópoles;
realidades geralmente, diferentes no que se diz respeito à formação do educando. Encon-
trar, portanto, pontos de ligação entre essa realidade carente e uma possibilidade de
ampliação de conceitos, informação e formação e paralelamente contribuir com o desen-
volvimento, no “despertar” de uma consciência de identificação dessa cidadania, dessa
identidade, da formação cultural desses alunos-musicos especiais, sendo a música um
começo, um meio e um fim na busca de resultados satisfatórios.

Notas
1
Na Instituição tem clientela basicamente de adolescentes, pois um dos critérios de admissão é a faixa
etária ser acima de 12 anos.
2
Keith Swanwick: Educador Musical inglês que sistematizou um modelo de ensino musical denominado
CLASP traduzido no Brasil pela Profª Drª Alda Oliveira da UFBa por TECLA (Técnica, Execução, Composição,
Leitura e Apreciação).
3
Perfil dos alunos que atualmente participam do grupo em questão.
4
Instrumentos (em asteriscos) de origem africana incorporada à cultura local da Bahia desde a época escra-
vidão no Brasil.
5
As oficinas que a escola oferece são: aprendizado de culinária, marcenaria, bordado, libras (D.A) e (D.V),
serviços gerais e apoio pedagógico (“ponte” para inclusão em ensino regular).

Referências
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Musical.Revista da ABEM, nº 5, 2000.
Durkeim, Émile. As regras do método sociológico. São Paulo: Abril Cultural, 1973.
Geetz, Clifford. A Interpretação das Culturas.Rio de Janeiro: LTC 1989.
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Hall, Stuart.A Identidade cultural na pós-modernidade, tradução; Tomaz Tadeu da Silva, Guacira
Lopes Louro 9.ed.Rio de Janeiro: DP&A, 2004.
Malinowski, Bronislaw.Uma Teoria Cientifica da Cultura.Rio de Janeiro: Zahar, 1975.
Souza, H. e Rodrigues,C.Ética e Cidadania,São Paulo: Moderna, 1994.
Swanwick,Keith.Ensinando música musicalmente.Tradução Alda Oliveira e Cristina
Tourinho.São Paulo: Moderna, 2003.

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Music teachers’ knowledge and social
representations of music

Anna Rita Addessi


University of Bologna
annarita.addessi@unibo.it
Felice Carugati
University of Bologna
Patrizia Selleri
University of Bologna

Abstract
This paper deals with a research project currently being undertaken at University
of Bologna about the training of the university students studying to become
music teachers. The general hypothesis of the project is that “musical knowledge”
(Olsson 1997, 2002), can be investigated as a social and psychological construction
as described by the theory of Social Representations (Moscovici 1981; Mugny-
Carugati 1989), as well as social music values (Baroni 1993, Bourdieu 1983) affecting
music education and teaching practice.
Keywords: social representations of music, music knowledge, music teacher, musi-
cal child

Introduction
This paper deals with a research project currently being undertaken at University of
Bologna, about the musical training of the university students studying to become music
teachers and general teachers in kindergarten and primary schools. Our students consist
of musicians and non musicians: the musician students will become music teachers in the
middle school; the non musician students will become general teachers in the kindergarten
and primary school, and will be involved in basic music education. We observed that the
students’“implicit” and“tacit” knowledge of music (Olsson 1997, 2002) affect their concept
of both music education and professional role identity, and also their way of learning to
teach music. In particular we found an interesting relationship between the implicit
conceptions of “music”,“musicality”,“musical child” and the concept and the practice of
“music education”.Our research deals with this relationship. We believe that teaching and
learning to teach may change according to the implicit meaning given to these concepts.
The general hypothesis is that the implicit conceptions work as social music values (Baroni
1993, Bourdieu 1983) affecting music education and teaching practice. Studies on the

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music knowledge of music teachers have been based on different theories and methods
: the theory of personal construct (Olsson 1997a/b), the theories of professional role identity
(Bouji 1998; Ferrari 1994; Hargreaves et al. 2003), the theory of social construction (Hallam
& Shaw 2002), the epistemological approach and the discourse analysis (Kruger 1998,
Lindgren M. & Folkestad G. 2005). A new model to study the relationships between music
knowledge and training music teachers is the Theory of Social Representations (Moscovici
1981; Mugny-Carugati 1989).

Aims
Our project deals in particular with the concept of “music knowledge” and our
hypothesis is that “music knowledge” can be investigated as a social and psychological
construction as described by the theory of Social Representations. According to this
perspective, music knowledge could have its development in the crossroads between the
different Social Representations of music. The main aim of our research is to study the
impact of the Social Representations of music on students studying to become music
teachers.

What exactly are“social representations”?


The theory of social representations was first elaborated by the French socio-
psychologist Serge Moscovici (1961), who defined SRs as “appropriate and legitimate
objects of social psychology”.Our project refers in particular to the research carried out in
Italy and Swizerland by Mugny and Carugati (1988), which studied the social representations
of intelligence held by parents and teachers. Mugny and Carugati defined SRs as “ordinary,
everyday attitudes, which are often less naïve than they appear…conceptions (that) are
actually social constructions, with a multiplicity of significances which … are related to
different social integration “ (Mugny, Carugati 1989, p. IX). An interesting aspect of SRs is
that they work in the opposite way to scientific thought. For example: the results of Mugny
and CArugati show that the phenomenon connected to the intelligence are considered
innate above all by people that think that these phenomenon are scientifically inexplicable,
and that this data is notably present more among the teachers than with the university
students in education. The hypothesis is that this social representation of intelligence
allow the teachers and the parents to defend their own professional and parent identity in
the face to the school failure, which is interpreted like a lack of intelligence.

Method
In our research, an open questionnaire was submitted to the university students
studying to become practitioner in the nursery and general teachers in kindergarten and
primary school, at the beginning and end of the course of Music Education. We collected
912 questionnaires. The topics: We focalised our research on the following topics: music,
musicality, the musical child, the music teacher and music education. The students were
asked to complete some sentences (1a. Music is..1b. Musicality is….) and answer some
questions concerning musical child, music education and teacher’s competencies.

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Results
We first classified the answers into different categories. In particular we have analysed
the prototypes of musical child and music teacher. We found different prototypes of
musical child and collected the competences of music teacher in 3 categories, as you can
see in the slide (Addessi 2004).

Musical child
• The Natural Child:“All children are musical”: (Genetic origins of musicality)
• The Gifted Child:“The musical child is the predisposed child” (Talent or Gift)
• The Educated Child: “The child with more musical experience and education”
(Developmental theories)
• The Able Child: Sings in tune, listens with attention, moves in time, recognises
musical styles. Sense of rhythm.
• The Creative Child: Shows most creativity in his/her relationship with music and
instruments
• The Enjoying Child: Enjoys making and listening to music: “You see that he/she
loves musical activities”

MusicTeacher Competences
• Basic competences: the musical competences
o To know the basic elements of music
o To be a music maker
o General musical knowledge
• Professional competence: music teaching
o Specific professional training for music teaching
o To know the musical development of children
o To be able to stimulate the curiosity of the children towards music
o To be able to teach an instrument, the rhythm, to listen to, to sing, to write and read
the notes…
• General teaching competences
o to possess socio-psycho-educational competences”,“relationships abilities”
o Interdisciplinarity. body and motor competences”,ability to use“music like a game,
for relationships and communication”.
Then the frequency of the words and the multiple correspondence analysis were
carried out by means a specific software. The multiple correspondence analysis was made
to analyze the co-occurrence of words. I will show the results of the questionnaire submitted
at the beginning of the course: 465. I will show some results concerning 4 topics: music,
musicality, child musicality and teacher competences.

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THE MUSIC IS…..

Fig. 1. Legend:

· CHYes = The musical child exists


· CHNo = The musical child doesn’t’ exist
· CH+Yes: the child more musical exists
· CH+No: the child more musical doesn’t exist
· ‘“Yes = The musicality of child is different from the musicality of adult
· ‘“No = The musicality of child is not different from the musicality of adult

In this graph we can observe the words used by the students in order to complete
the sentence “The music is….”:
- in the centre we find the word used by all students: harmony, together, shape, to
communicate, to express, instruments, way, feelings, emotions, art. The basic definition of
music is therefore characterized by an harmonic ensemble of elements (harmony, together,
forms), that are used to communicate (instruments, way, to communicate, to express)
feelings and emotions (feelings, emotions), into an aesthetic dimension (art).
- Observing the Dimension 1: on the left side we find the words that underline the
communicative function of the music (to communicate, to express ); on the right side
instead we find the words which defines the music in structural way: harmony, melody,
notes, rhythm.

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- We observe that the Communicative conception of music is held by the students
who say that there isn’t difference between children musicality and adults musicality, do
not exist both the musical child and children more musical than others. Instead the
Structural conception of music is held by the students that say that exist both the musical
child and children more musical than others. We can think that the prototype of musical
child held by the most students is based on the musical abilities: the musical child is the
child able to sing, to play, etc.
- In this diagram we observe the lack of historical and social contents and words.
Therefore the psychological dimension of the music is stronger than the historical and
social dimension.
- Finally, we observe the presence of an ambiguous area, bottom on the right, where
we find two words: melody and life. In this case the psychological dimension seems
replaced by a biological and naturalistic dimension of music, based on the melody, that is
typical of the new age music, very widespread among our students.

THE MUSICALITY IS….

Fig. 2. Legend:
· CHYes = The musical child exists
· CHNo = The musical child doesn’ exist
· CH+Yes: the child more musical exists

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· CH+No: the child more musical doesn’t exist
· ‘“Yes = The musicality of child is different from the musicality of adult
· ‘“No = The musicality of child is not different from the musicality of adult

In the Fig. 2 we can observe the words used by the students in order to complete the
sentence “The musicality is….”:
- In the central area we read the following words: melody, music, sound, ears, hearing,
being able to, person. It is interesting to notice the prevalence of the listening, in respect
to the production. It is due probably to the fact that the listening is the more familiar
experience for our students, that are not musicians.
We observe therefore two poles: 1. bottom on the left, in the blue circle, we find the
words: predisposition, attitude, rhythm, following, musical.The subjects that are placed in
this area has answered that exist children more musical than others (CH+Yes).The musicality
would seem an attitude and predisposition; 2. Up on the left, in the green circle, we find
the following words: anyone, quality, musicality, catching, recognizing, producing.We also
find here the subjects that sad that do not exist children more musical than other (CH+No).
Therefore in this area it seems to dominate the personal dimension of the musicality. In
synthesis: every child has her/his own musicality.

WHAT ARE THE CHARACTERISTICS OF THE MUSICAL CHILD ?

Fig. 3. Legend:

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· CHKin= children of kindergarten
· CHPri= children of primary school

This graph shows the answers of the subjects that wrote that there is difference
between adult and children musicality and then described separately the musicality of the
children of kindergarten and the musicality of the children of primary school .On the left
in the blue circle, we find some words which define the musicality in a disciplinary way
(instrument, singing, listening, songs, music) .We find in this area the children of the
primary school. In the green area the musicality is defined by words like body, movement,
spontaneous, ,object: here we find the kindergarten children.

WHAT SHOULDTHE COMPETENCES BE OF A GENERAL TEACHERTHAT ALSOTEACHES


MUSIC?

Fig. 4. Legend:

· TKin = theacher of kindergarten


· TPri = theacher of primary school

The last graph shows the answers concerning the competences of the teachers: We
find also here a meaningful polarity between the teachers of the primary school and
those of the kindergarten schools. On the axis of Dimension 1 we see on the left the words
that denote disciplinary and technical competences, that is musical competences: to play,
pentagram, instrument, notes, being able to.These are the competences of the teacher of

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primary school. On the right we have the words child, activity, by means of, children, skills,
way, knowing, involving: that is the prevalence of Educational competences. Here we find
the teachers of kindergarten.These results seems to reflect the teaching/learning model
more widespread in Italy, which give a more educational task to the kindergarten, inside a
Yygotskian constructionist perspective of the development, and to the primary school the
task to start the disciplinary education of child.

In conclusion
I presented the method and some results of a research project being carried out at
the University of Bologna, about training student music teachers. Our aim is to study the
implicit and tacit music knowledge of these students, and to analyse how their music
knowledge changes during the university curriculum and if it affects how to teach music.
We think the Theory of SRs give us the theoretical and analytic tools to investigate this
field.
This first part of our research has deal with the individuation and analysis of the
“semantic field” of the social representations of music held by our students. The results
analyzed so far show the richness of the vocabulary and of the use of the words, in
relationships with both the concepts of music and musicality, and the prototypes of musi-
cal child and music teacher. We are now analyzing the questionnaires made at the end of
the courses in order to estimate if there are some changes and “turning point”.The next
step will be the definition of the contents of the courses of Music education, the comparison
between the social representations of music with social representations of intelligence:
for example “intelligent child” and “musical child”,to elaborate a new questionnaire and to
involve the teaching in service.
We believe that by making explicit their own SRs of music, the students will have a
better awareness of their own future professional role and will act more deeply during the
university training: paraphrasing Schön’s concept of “reflective practitioner” (1983), we
would like to use the term of “reflective musical teacher practitioner”, that is the student/
teacher that build up his/her own musical knowledge and professional competencies,
reflecting and operating at the same time, in a spiral process. The expected impact of the
results will be a contribution to the elaboration of the university curriculum for music
teachers.

Acknowledgements
We would like to thank Prof. Mario Baroni for his suggestion during the preparation
of the project and Dr. Carlo Tomasetto for the elaboration of the graphs.

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A partilha social da música

Rosemyriam Cunha
rose05@uol.com.br
Faculdades de Artes do Paraná

Resumo
O ser humano compartilha melodias, harmonias, ritmos, intensidades, letras e
canções no seu dia a dia. Os motivos que o levam a suspender o ritmo de suas
vidas para agregar-se a outras pessoas com o objetivo de partilhar um mesmo
fato sonoro-musical despertam questionamentos. Esse trabalho busca investigar
noções que historicamente nortearam as percepções a respeito da função da
música na vida das pessoas. Estudos apontam que a arte dos sons pode superar
o lugar de linguagem das emoções para assumir o espaço de elaboração e trans-
formação de sentimentos por meio de uma dinâmica de construção de analogias,
do movimento simbólico. Vygotsky e Langer são as referências teóricas que for-
necem as bases para o entendimento de que o ser humano, ao partilhar suas
músicas, demarca espaços de participação social coletiva ao mesmo tempo em
que elabora e reafirma pautas identitárias, afetivas e emocionais individuais.
Palavras-chave: partilha social, fato sonoro-musical, cognição e emoção

A música é apontada como a mais social das manifestações humanas. Essa observa-
ção talvez se deva ao fato de que a música permite que muitas pessoas se agreguem ao
redor de uma fonte sonora compartilhando de um mesmo fato musical.
Esse fenômeno pode ser observado nas manifestações da vida cotidiana. Há músicos
que se propõem a executar seus instrumentos nas ruas ou em festividades ao ar livre e
atraem ao seu redor uma quantidade de pessoas que se interessam em ouvir e participar
de sua performance. Quando a proposta é a de interpretações em eventos fechados, em
teatros e casas de show, as pessoas repartem um espaço físico delimitado com o objetivo
de receber a música, a voz, as vibrações que serão ali executadas. Embalados por orques-
tras, bandas ou conjuntos musicais, as pessoas cantam e dançam envoltos por harmonias
e melodias que desencadeiam movimentos corporais rítmicos em bailes e festivais. Além
dessas manifestações sócio-culturais, os aparelhos eletrônicos facilitam a reprodução e
repetição das músicas que são do gosto e preferência do ouvinte, também efetivando o
contato deste com aquele que canta ou toca.
Por que as pessoas suspendem o curso de suas vidas e param para escutar música?
Por que inserem a audição musical entre as atividades do seu dia a dia? Por que procuram
gravações que permitam a fruição repetida de um mesmo fato sonoro? Variadas respostas
podem satisfazer essas questões: o significado da música; a identificação do ouvinte com
o intérprete, com o estilo ou com a música em si; a sensação de beleza percebida; a

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emoção estética. Nenhuma dessas hipóteses serão aqui refutadas. Trata-se, porém, de
ampliar os limites dessa discussão, tentando entender aspectos da dinâmica psicológica e
neurológica que colaboram para que todos esses fenômenos se concretizem na vivência
social da música.
Para os fins desse trabalho, música refere-se ao fato sonoro, rítmico, melódico, poé-
tico e harmônico, construído e produzido pelo homem, sem que entrem em discussão as
qualidades estéticas, características de estilos ou época histórica de sua composição. A
música passa a ser considerada, por essa ótica, como uma manifestação acústica cultural e
socialmente partilhada.
Susanne Langer (1989) no livro Filosofia em Nova Chave, descreveu a trajetória do
pensamento filosófico que norteava concepções a respeito da função da música na vida
do ser humano, até a época da publicação dessa sua obra.
Segundo a autora, a concepção de música como um estímulo capaz de produzir
respostas emocionais remonta aos filósofos gregos. Mesmo as sociedades tribais são cita-
das como usuárias dos toques de tambores e outros instrumentos percussivos como
forma de suscitar sentimentos pré-determinados nos membros de suas clãs (p. 212).
Langer segue explicando que Kant defendia o lugar da arte como atividade cultural e
a música se inseria como uma contribuição para o progresso intelectual. Para os darwinistas,
a música seria produto de instintos, contrastando com a noção de música como uma mani-
festação secundária do sistema nervoso, defendida por William James. Os psicólogos
Helmholtz e Wundt, consideravam a música como uma sensação prazerosa que se instituía
sobre os elementos de prazer propiciados pelos arranjos tonais que a constituíam (p.211).
Já os pensadores Rousseau, Kierkegaard e Croce, defendiam a idéia da música como
catarse emocional e sua essência seria a auto-expressão, crença compartilhada pelos
músicos Beethoven, Schumann e Liszt.
Ao discutir a necessidade da forma artística para a auto-expressão (p.216), a autora
concorda em dizer que essa teoria é ainda a mais aceita. Considera que embora possamos
“usar a música para descarregar nossas experiências subjetivas e restaurar nosso equilíbrio
emocional” (p.217), essa não seria a finalidade principal da arte dos sons. Para essa autora
a música é semântica e não sintomática, sendo o seu significado
“não o de um estímulo para provocar emoções, não o de um sinal para enuncia-las; se tem um
conteúdo emocional, ela o “tem” no mesmo sentido que a linguagem “tem” seu conteúdo
conceitual – simbolicamente. Não é comumente derivada de afetos nem tensionada para eles;
mas cabe dizer, com certas reservas, que é a respeito deles” (p.271).

Dessa forma, a arte musical deve superar o lugar de estímulo à formação de senti-
mentos ou de escoadouro emotivo. A música estaria mais próxima do simbolismo, no
sentido de conteúdo de idéias, de formulação e representação de emoções, disposições,
tensões e resoluções (p.221). Tais sentimentos seriam formalizados na obra musical e
percebidos pelo fruidor, já que este também comunga da natureza das emoções ali orga-
nizadas. Nesse sentido, o intérprete não extravasa seus sentimentos ao executar a música.
Ele torna-se mensageiro de uma forma concebida pela lógica do compositor que, ao
construir sua obra, nela insere conteúdos emocionais humanos.

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O psicólogo russo Vygotsky defendeu tese semelhante no livro Psicologia da Arte
(1999). Ele considerou que, o papel da música na vida do ser humano estaria reduzido, se
as canções e melodias se prestassem apenas a contagiar emocionalmente muitas pessoas
com os sentimentos de uma. Ao discutir o critério do contágio, denominação por ele
apontada para o fenômeno da transferência de sentimentos via intérprete-fruidor, ele
aponta para a possibilidade de se instituir um julgamento estético equivocado quando
baseado em percepções que consideram boa a obra que suscita bons sentimentos e de
pouca qualidade a obra que faz emergir sentimentos negativos (p.304).
Para Vygotsky a verdadeira natureza da arte estaria contida no conflito entre emo-
ções opostas, na contradição que se estabelece entre a forma e o conteúdo da obra que
acarretariam na transformação dos sentimentos. A música, forma de arte construída por
conteúdos retirados da vida, transcenderia seu próprio conteúdo em formas de expressão
que pudessem ampliar os sentimentos individualizados para um sentido social e histórico.
Para ele,“na arte supera-se certo aspecto do nosso psiquismo que não encontra vazão no
cotidiano” (p. 308).
Por essa via de entendimento, a música seria um instrumento a favor da reorganiza-
ção de emoções e de transformação pessoal. Os sentimentos, antes presentes na vida e
simbolizados no conteúdo e forma da obra, poderiam ser eliciados pela própria arte musi-
cal. O fruidor teria a oportunidade de percebê-los com um certo distanciamento, já que
uma outra pessoa, ao transmitir o fato musical torna-se personagem das cenas e emoções
ali representadas. Nessa dinâmica da emoção estética ou catártica, a pessoa poderia con-
frontar seus próprios sentimentos suscitados pela música, àqueles que se apresentam na
obra. Esse confronto afetivo-cognitivo acarretaria na transformação desses sentimentos
em outros diferentes dos originais.
Para Vygotsky (1990), o ser humano constrói seu imaginário com base nos fatos que
encontra e vivencia na realidade. As fantasias seriam combinações de elementos retirados
da realidade e reelaborados pela imaginação (p.16). Percebe-se por essa exposição que os
sentimentos, imagens e pensamentos que se reorganizam enquanto o ser humano parti-
lha a música, procedem de vivências reais, de experiências já apropriadas e constituintes
de suas subjetividades.
Esse movimento emocional que funde sentimentos e imaginação poderia ser me-
lhor entendido sob a lei do signo emocional comum, exposta por Vygotsky no livro La
imaginacion y el arte em la infancia (ibidem). Segundo esse enunciado, todos os elementos
subjetivos que causam um efeito emocional coincidente tendem a unir-se entre si. Esses
elementos podem ser diversificados e sem semelhança entre si. Assim, imagens, sons,
emoções, pensamentos de cenas que se baseiam em sentimentos ou signos emocionais
semelhantes tendem a se combinar, a se aglutinar. As imagens e sensações se unem por
possuírem um tom afetivo em comum. Esse tipo de associação acontece com mais fre-
qüência em estados de espírito nos quais a imaginação movimenta-se com liberdade e
trabalha sem regras nem conceitos (p.22).
Segundo o autor, todo um movimento de sentimentos, emoções e imaginações
seria desencadeado por associações operadas livremente no psiquismo das pessoas que
ouvem e compartilham melodias, ritmos, canções. A subjetividade das pessoas se veria

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povoada de imagens e sentimentos que, por desfrutarem do mesmo tom emocional,
emergeriam e se combinariam em torno do fato sonoro-musical que os deflagrou.
Não se trata, por essa via de entendimento, de que a música seja a linguagem das
emoções. Parece que a música, como uma dimensão de comunicação não-verbal, se
coloca como um ponto de partida comum às pessoas. A partir desse elemento coletiva-
mente compartilhado, surgiria a possibilidade da movimentação individualizada do apare-
lho psíquico no sentido de reunir elementos afetivamente semelhantes e com eles
construir analogias, colaborando com a reorganização afetiva e cognitiva das pessoas que
co-participam de um mesmo fato sonoro.
Como se poderia explicar a dimensão neurobiológica desse movimento de memó-
rias, imagens, cenas, sons, sentimentos e emoções? Nesse sentido, recorre-se aos
ensinamentos de André Lapierre (20002), analista corporal da relação. Esse autor funda-
menta sua obra na psicanálise, conceitos que não serão adotados para os fins desse traba-
lho, porém sua exposição prática e suscinta do funcionamento cerebral podem auxiliar no
entendimento da questão acima proposta.
Para Lapierre, a estrutura neurológica e a estrutura psíquica do ser humano são
interdependentes. Elas seriam o resultado da interação entre os fatores genéticos - que
fazem com que todos os seres humanos comunguem de uma mesma evolução – e os
fatores de adaptação aos eventos da vida diária. Estes últimos são individualizados e fazem
com que a estrutura neuropsíquica de cada pessoa se constitua de forma diferenciada.
Portanto, neurônios e conexões nervosas mais se desenvolvem quanto mais as demandas
se fazem presentes. As demandas se dão devido ás vivências motoras, cognitivas e afetivas
do ser humano. Essas experiências acarretam em sensações, percepções que motivam o
funcionamento cerebral (p. 209).
Dois circuitos funcionais, que ligam as estruturas anatômicas neurológicas, seriam
encarregados de transmitir as informações que transitam pelas vias cerebrais: o circuito
somato-sensorial e o circuito neurovegetativo.
No circuito somato-sensorial, as sensações chegam ao córtex. O processo de trata-
mento das informações é associativo e privilegia as sensações percebidas do meio exte-
rior. Como resultado tem-se uma vivência consciente, lógica e dedutiva. Já no circuito
neurovegetativo, as sensações passam pelo sistema límbico para eventualmente chegam
ao córtex. O processo de tratamento é analógico e privilegia as sensações internas ao
organismo. Propicia uma vivência afetiva, emocional e simbólica (p.205). O autor segue
explicando que
“na vida cotidiana, esses circuitos estão em equilíbrio, a vivência flutuando do funcionamento
“associativo” ao funcionamento “analógico”, segundo a ativação preferencial de um ou de outro...
Esses dois circuitos podem, entretanto, tornar-se incompatíveis: sob o efeito de uma emoção vio-
lenta, o circuito associativo é totalmente inibido e você fica incapaz e manter um pensamento
intelectual. Em contrapartida, se estiver muito concentrado numa atividade intelectual, reagirá
de modo retardado a um stress emocional” (p.206).

Parece que os circuitos neurobiológicos se encarregam de processar as sensações


que são percebidas pelos sentidos tanto na realidade exterior como na realidade interior

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do organismo. Tomando-se por base o funcionamento da estrutura cerebral no que diz
respeito aos circuitos neurobiológicos, pode-se inferir que tanto a dinâmica biológica
como a psicológica se sucedem durante a partilha de fatos sonoro-musicais.
Sob o ponto de vista da construção de analogias proposto por Vygotsky e da formu-
lação de símbolos representando as emoções, apontado por Langer, a música socialmente
vivenciada pode promover alterações fisiológicas e psíquicas nas pessoas. Essas alterações
acarretam em dinâmicas cognitivas e emocionais que podem resultar numa nova visão de
si mesmo e do ambiente ao redor, modificando pessoas individuais e coletivas. Por essa via
de entendimento, a audição, a fruição musical, seja ela individual ou compartilhada, se
torna um ato social com implicações que ultrapassam a auto-expressão ou o contágio das
emoções.

Conclusão
Nesse trabalho foram discutidos temas referentes à partilha social de fatos sonoro-
musicais. Indagando os motivos pelos quais as pessoas incluem no seu dia a dia ações que
permitem o compartilhamento de um mesmo fato musical em concertos, bailes, shows,
ou até junto a aparelhos eletrônicos, buscou-se compreender esses fenômenos á luz das
idéias propostas por Langer e Vygotsky.
Entendendo que a arte musical deve transpor as funções de estímulo desencadeador
de sentimentos, de descarga emocional e do contágio afetivo, mostrou-se que a música
pode se inserir na vida cotidiana como um fato que simbolicamente se reporta aos senti-
mentos e emoções do ser humano. Capaz de promover intenso movimento psíquico e
neurológico, a música pode eliciar uma ambientação afetiva seguindo o princípio da lei do
signo emocional comum. Atuando no campo da analogia, a música ao ser compartilhada,
serviria como ponto de partida comum às pessoas para o desencadear de uma dinâmica
subjetiva e individual na dimensão da emoção estética.
Compartilhar fatos sonoros- musicais é uma atividade que faz parte da vida cotidiana
do ser humano. Demarcada pelo gosto e preferência de cada pessoa, essa partilha aconte-
ce por meio de um movimento cognitivo e psicológico intenso. Ao compartilhar músicas
as pessoas asseguram um espaço social individual e coletivo. As pessoas usufruem de um
mesmo fato cultural que passa a se constituir em um significado pessoal e diferenciado
para cada um. Ao compartilhar suas músicas o ser humano garante espaços de convivên-
cia e participação social, reorganizando-se emocionalmente, reafirmando pautas identitárias
e preferências musicais.

Referências
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Lapierre, A.(2002). Da psicomotricidade relacional à análise corporal da relação. Curitiba:
Editora UFPR.
Vygotsky, L.S. (1999). Psicologia da Arte. São Paulo: Martins Fontes.
____________ .(1990). La imaginacion y el arte em la infancia. Madrid: Ediciones AKAL.

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Música: linguagem formadora de identidades
sociais

Auro Sanson Moura


auro_moura@yahoo.com.br
Universidade Federal do Paraná

Para a maioria das pessoas, não há dúvidas. Ouvir música é um dos grandes prazeres
que se pode ter. Apesar de algumas diferenças, todos concordam que a música exerce um
papel muito importante em suas vidas, seja acompanhando os trabalhos do dia-a-dia, seja
como objeto de estudos mais aprofundados, ou mesmo quando se trata da principal fonte
de renda de um músico profissional.
Este trabalho pretende criar uma relação entre a música e a formação da identidade
pessoal e também da identidade social, isto é, a identidade individual no contexto de
determinados grupos. Também pretende verificar a função da música como meio de
melhoria de nível sócio-cultural, inserção na sociedade, ou apenas como forma de lazer
das pessoas em geral. Um exemplo específico aqui abordado será o dos surdos; como e
onde se situam nessa busca interminável por uma própria identidade, não a de deficiente,
mas sim a de criança, de adolescente e de cidadão.

Definindo identidade e linguagem


Segundo John Sloboda,“(…) as crianças simplesmente adquirem o conhecimento
através de suas experiências sociais diárias. Consequentemente, tal conhecimento tende
a ser universal em uma cultura, e constitui a base sobre a qual as habilidades mais especí-
ficas serão construídas (...)” 6. A partir dessa afirmação, podemos tentar entender a constru-
ção dessas habilidades específicas (por exemplos os processos cognitivos realizados para
aquisição de linguagem, fala, modelos comportamentais, entre outros) como um passo
para a formação de uma identidade, a partir do momento em que a pessoa, criança,
adolescente, começa a descobrir novas maneiras de se comunicar, através dessa nova
habilidade adquirida. Para tanto, teremos que compreender o termo identidade de uma
maneira um pouco mais abrangente, como fatores que determinam a maneira com que a
pessoa se relaciona, age ou pensa. Outra maneira de compreender o conceito de identida-
de é imaginar que vários outros tipos de identidades acabam por formar uma identidade
geral do indivíduo. Alguns estudiosos como Folkestad e Hargreaves, entre outros, já
mapearam alguns tipos, como identidade pessoal, identidade social, identidade cultural,
identidade étnica, identidade nacional, que serão sucintamente definidos a seguir:

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• Identidade pessoal (características idiossincráticas) é talvez a mais complexa de ser
descrita, mas é ela que normalmente se sobressai às outras, devido aos seus fatores
determinantes para a caracterização e/ou diferenciação dos indivíduos.
• A identidade social é normalmente formada a partir de grupos de convívio, através
de interesses comuns, ou amizades. É provavelmente nesse nível de identidade
que a música possa ter um papel fundamental, principalmente em fases como a
adolescência, em que as descobertas são muitas e muito intensas. Podemos dizer
que a identidade social se trata das características que as pessoas adquirem a partir
de relações sociais, no convívio com outras pessoas.
• A identidade cultural depende de fatores muitas vezes mais antigos do que a
própria civilização (IIari, 2006), sendo possível, inclusive, que um povo tenha mais
de uma identidade cultural (Folkestad, 2002), já que algumas culturas são muito
mais antigas que as próprias nações.Também porque uma cultura pode ser forma-
da a partir de outras várias culturas. Citando Geertz,“(...) a cultura é melhor vista não
como complexos de padrões de comportamento (...), mas como um conjunto de
mecanismos de controle (...) para governar o comportamento (...)”,assim, pode-se
entender a cultura como uma maneira de interpretar os acontecimentos, um modo
de possibilitar que o homem encontre “sentido nos acontecimentos através dos
quais ele vive”7.
• A identidade étnica, que varia de acordo com as descendências e características
físicas é algo imutável. Mais do que apenas características genéticas, a identidade
étnica depende da cultura familiar, ou até mesmo da identificação do indivíduo
com sua terra, seu povo, ou dos seus descendentes.
• A identidade nacional é relativa ao país de origem ou residência por tempo prolon-
gado, continente e características geográficas, entre outras. Difere da identidade
étnica por não se basear tão fortemente em características como raça, descendên-
cias, entre outras.

A soma de todas estas identidades irá constituir a identidade pessoal do ser humano.
Dependendo da situação e do momento da vida, um tipo de identidade pode se sobres-
sair. A linguagem e a música estão diretamente ligadas à questão da identidade e, por esta
razão, são discutidas a seguir.

A música é linguagem?
A função primordial da linguagem é a comunicação, e é através fala, a maneira mais
comum de comunicação entre os humanos, que estamos acostumados a obter informa-
ções, nos comunicar com outros da mesma espécie. Mas ela não pode ser encarada como
a única forma, já que temos consciência da existência de outras formas “não-faladas” de
comunicação. É o caso da linguagem de sinais, que utiliza símbolos para representação de
fatos e/ou objetos e que nada tem em comum com a língua (aqui no caso a língua
portuguesa) falada. Para Vygotsky, “(...) a atividade (...) de criação de significado é a
precondição para a criação de linguagem (...)” 8.
Então como podemos sentir a intenção do compositor quando ouvimos uma obra?

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Ou como é que podemos interpretar o que ouvimos? Provavelmente, é por que de algu-
ma maneira as informações estão chegando até nós; está havendo uma forma de comu-
nicação entre o espectador e o compositor. De que maneira pode haver comunicação?
Através da linguagem. Se há comunicação, há algum tipo de linguagem envolvida.

A música enquanto linguagem


“(...) Quando a gente entende uma coisa assim, talvez nem seja necessário falar.
Talvez a música, em si, dê conta do que há para dizer (...)” 9.
Que poder é esse que a música tem de emocionar as pessoas ? O que faz com que
um punhado de notas, sons ou ruídos, possa ser tão atraente aos ouvidos? O que é que a
música tem de tão especial? Ou ainda, que relação temos com a música, que a faz tão
importante para cada um de nós? Será que ela pode ser considerada uma forma universal
de linguagem? E mais ainda, será que a música pode mesmo ser considerada uma lingua-
gem? Por que ela une algumas pessoas ao mesmo tempo em que é motivo de discórdia
entre outras?
Contrariando Borges Neto (2005) que, após uma longa explanação acerca do tema,
conclui que música não é linguagem, e Voloshinov ( em nome de Bakhtin) que diz:“(...) Não
é a atividade mental que organiza a expressão, mas ao contrário, é a expressão que organiza
a atividade mental (...)”e ainda “(...) A palavra está presente em todos os atos de compreen-
são e em todos os atos de interpretação (...)”, este trabalho pretende considerar a música
como sendo também uma forma de linguagem, devido aos apontamentos anteriores, de
que a música pode sim, ser uma forma de linguagem, não verbal, mas linguagem. O próprio
Bakhtin diz em dado momento, após se dirigir à música como “fenômeno ideológico”,que
“(...) É impossível, (...) exprimir em palavras, de modo adequado, uma composição musical
(...)10”, causando certa contradição em seu discurso. Assim, “(...) não podemos deixar de
refletir que música também é linguagem (não verbal), o que significa dizer que ela também
se constitui condição de conhecimento e de ordenação de pensamento (...)” 11.
De acordo com Sloboda (1983), a música pode soar como uma espécie de expres-
são vocal das emoções; pode vir a provocar os mesmos estados afetivo-emocionais da
linguagem falada. Ao considerar a música como linguagem, devemos pensar que ela é
capaz de transmitir informações, causar emoção, assumir diversos significados, ser com-
preendida de maneira particular, pode estar associada a fatos ou acontecimentos, entre
outros. A música muitas vezes parece conseguir expressar nossas emoções ou sentimen-
tos. Fazendo um paralelo com o pensamento vygostkyano, quando da afirmação de que
“(...) as relações entre pensamento e palavra são, na linguagem da criação de significado,
o instrumento-e-resultado (...)” 12, podemos imaginar que com a música haja essa mesma
ligação. Segundo Georges Snyders, “(...) A música como linguagem é sem dúvida mais
diretamente comovente do que a linguagem propriamente dita, mas liga-se
freqüentemente a ela (...)”13.
Além de expressar nossos sentimentos, a música pode também evocar estados
afetivos e comportamentais, como lembranças, entre outros. Dependendo do estímulo
enviado, haverá uma resposta emocional diferente.“A música é um canal fundamental de
comunicação: ela fornece meios através dos quais as pessoas podem compartilhar emo-

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ções, intenções e significados, mesmo que suas línguas faladas sejam mutuamente in-
compreensíveis (...)”14.

Música e formação de identidade


Se a música pode evocar sentimentos, nos levar a certos níveis comportamentais e
influenciar tanto as nossas vidas, qual seria sua relevância na formação de nossa identida-
de? Até que ponto ela pode nos influenciar?
(...) A ansiedade dos adolescente em relação à sua identidade, e a procura de suas
diferenças certamente não são coisas novas(...)“15
A música tem sido frequentemente usada como uma maneira de se construir e
expressar identidade (Hargreaves et al, 2002), pois proporciona uma forma de expressão
que as palavras nem sempre suprem. Talvez por isso ela seja tão importante quando da
construção da identidade de uma pessoa; ao ouvir música, estamos absorvendo informa-
ções abstratas, que serão assimiladas de maneiras diferentes em cada um de nós. A música
em si não forma a identidade das pessoas, ou de grupos, apenas faz a ponte entre as
pessoas e os interesses comuns, mas realmente parece ser uma maneira de se afirmar
como pessoa.
“(...) Quando se escuta uma música assim, é como se a gente tivesse aprendido uma
coisa que ninguém mais tira. É o que faz a gente ser do jeito que é (...)” 16.

Música e identidade de grupos


Quando se fala em identidade social, pode-se vir a pensar em grupos, em “tribos”, ou
momentos, fases da vida, como o que ocorre com adolescentes, em que a música tem um
papel muito forte, determinando a que grupo um desses indivíduos pertence. A mídia tam-
bém desempenha um papel muito “importante” nesse sentido, ditando normas de conduta e
modismos, moldando o comportamento das pessoas.
A música pode estimular a chamada coerência comportamental (Roederer, 1998),
fenômeno no qual ocorre um processo de equalização dos estados emocionais de um
grupo. Trata-se, porém de um fenômeno mais raro, por depender da maneira como as
informações musicais são recebidas e processadas por cada um. A familiaridade com a
informação, treino e o gosto musical, as associações internas e todos os processos cognitivos
ligados à motivação e aos estados afetivos que ela provoca, são fundamentais e definitivos
para determinar o estado mental de cada indivíduo em um momento específico. Mas no
geral, sabe-se que pessoas de um mesmo grupo tendem a comportar-se de maneira
muito semelhante. Como cita Snyders,“(...)sabemos da alegria que os jovens encontram
em comunicar-se com outros jovens, com outras pessoas, com suas músicas, através de
suas músicas(...)”17.

Música e suas funções na sociedade


De acordo com Allan Merriam18, a música pode ter diversas funções na sociedade,
como por exemplo, a função de comunicação, em que o autor diz que a música não é uma

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forma universal de linguagem, mas uma linguagem direcionada a pessoas de uma mesma
cultura.
Quando Merriam cita a função de validação das instituições sociais e dos rituais
religiosos, o autor sugere que é a música é um dos elementos que ditam o adequado e o
impróprio na sociedade, além de ter o papel de divulgar lendas, mitos e preceitos religio-
sos.
O autor também cita o papel da música na contribuição para a continuidade e esta-
bilidade da cultura, além de uma outra função, a de integração na sociedade, que remete
aos movimentos sociais, como o caso daqueles apoiados na cultura Hip Hop, ou mesmo
em trabalhos desenvolvidos em locais como ONG’s.

Música, identidade e trabalho social


A idéia de identidade e formação de indivíduos pode remeter a uma forma de se
tentar dar melhores condições para pessoas com problemas gerados pela má distribuição
de renda, desigualdade social, entre outras situações que se fazem presentes na vida
cotidiana do Brasil. Trabalhando música com crianças, jovens, ou mesmo adultos que
normalmente não teriam acesso a esse tipo de informação, pode-se ter muitas boas
surpresas, melhoria de vida, não somente de renda, mas também a questão de acesso à
cultura, de novas expectativas na vida de um cidadão, uma nova visão de mundo. Assim, o
aprendizado musical pode ser visto também como um meio de se chegar a algum lugar,
ou mesmo como uma finalidade. Como sugere Mário de Andrade:
“(...) ainda não se percebeu na nossa terra que a cultura é tão necessária como o pão,
e que uma fome consolada jamais não equilibrou nenhum ser e nem felicitou qualquer
país (...)”19.
Essa “fome” de cultura pode ser saciada coletivamente, reunindo grupos de uma
comunidade e oportunizando a integração, como diz Merriam:
“(...) A música, então, fornece um ponto de convergência no qual os membros da
sociedade se reúnem para participar de atividades que exigem cooperação e coordena-
ção do grupo (...)” (Merriam, 1964, p.226).
A música pode ser usada nesse processo de inserção do indivíduo à sociedade e os
profissionais podem (e até devem) ter isso como objetivo. Mas além das crianças pobres
ou em situação de risco, pode-se utilizar técnicas que envolvam música, para indivíduos
com deficiências das mais variadas, no processo de socialização e formação da identidade
dos mesmos.

Música e crianças especiais


Quando se fala no ensino de música para indivíduos portadores de necessidades
especiais, geralmente exclui-se naturalmente os surdos, visto que para os mesmos, a
música parece não ter utilidade. Como estão praticamente alheios à música, acabam por
ter outros estímulos como ponto de referência durante o processo de formação de iden-
tidade. Tais estímulos (geralmente visuais) acabam determinando a formação de suas
identidades, a de surdo e a de adolescente, criança ou adulto (dependendo do período da
vida em que estejam).

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Todos esses fatores tornam a formação de uma identidade consolidada muito mais
difícil, já que todos esses conteúdos da televisão são momentâneos, desaparecendo na
mesma velocidade e proporção com que surgem, deixando o indivíduo mais suscetível à
variação de comportamento estimulada pela mídia e criando um padrão comportamental
questionável, tanto no surdo quanto nos indivíduos em geral, o que é péssimo para a
sociedade, que necessita de cidadãos pensantes e contestadores.

Considerações finais
A música como linguagem parece ser algo tão óbvio, mas ao mesmo tempo tão
complexo de se explicar por meio de palavras. Quem nunca ouviu uma música e se
emocionou? Ou como é que às vezes podemos entender o que a seqüência de notas de
uma música instrumental está nos dizendo? Claro que trata-se de uma definição mais
subjetiva da linguagem, mas ainda assim, muito eficiente.
A vivência musical é com certeza um dos caminhos (não o único) para o aumento do
nível cultural da população e talvez um dos mais acessíveis, apesar de ainda ser, de certa
forma, elitizada.
É possível que a escola seja utilizada também como um meio de atingir o aluno no
ponto certo, a vontade de aprender sobre assuntos de seu interesse.
Tudo isso pode auxiliar na formação da identidade social, mas é a identidade do
próprio indivíduo, que ele já carrega consigo e que está em constante formação - a iden-
tidade pessoal, que vai fazer com que ele não seja igual a nenhum outro, que tenha sua
própria expressão como pessoa.
As funções da música podem ser inúmeras, desde o prazer que sentimos por sim-
plesmente ouvir uma música da qual gostamos, ao papel da música para a sociedade.
Pode-se pensar em relação à transmissão de cultura, a possibilidade de utilizá-la como
ferramenta poderosa para integração de deficientes ou pessoas em situação de risco a um
grupo melhor estruturado, dentre outros. Todos esses certamente já seriam motivos mais
do que suficientes para que a estudássemos muito mais a fundo.

Notas
6
(...) “children simply acquire the knowledge through their everyday social experiences. In consequence,
such knowledge tends to be universal in a culture, and is the ground on wich more specialized skills may
be built.”(…) Sloboda, J.A. (1985). The musical mind; The cognitive psychology of music. New York: Oxford
University Press. Tradução do autor.
7
Geertz, C. (1989). A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Ed. LTC.
8
Newman, F.; Holzman, L. (2002). Lev Vygotsky – cientista revolucionário. São Paulo: Edições Loyola, p131.
9
Nestrovski, A. (2000). O livro da música. São Paulo: Ed. Companhia das letrinhas., p.33.
Voloshinov, V. (1986). (Em nome de Bakhtin, M.) Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo: Editora
10

Hucitec, p38.
11
Sekeff, M. L. (2003). De música e educação. In: Revista da Academia Nacional de Música, vol XIV. Rio de
Janeiro: Sermograff artes gráficas e editora Ltda.
12
Newman, F.; Holzman, L. (2002). Lev Vygotsky – cientista revolucionário. São Paulo: Edições Loyola., p146.

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13
Snyders, G. (1992). A escola pode ensinar as alegrias da música? São Paulo: Cortez, p97.
14
“Music is a fundamental channel of communication: it provides a means by which people can share
emotions, intentions and meanings even though their spoken languages may be mutually
incomprehensible (...)”Macdonald, R.A.R.; Hargreaves, D. J.; Miell, D. E. (2002). Musical Identities. New York:
Oxford University Press, p1. Tradução do autor.
15
Snyders, G., op. cit., p149.
16
Nestrovski, A., op.cit., p.29.
17
Snyders, G., op. cit., p92.
18
Merrian A., apud Hummes, J.M.(set. 2004). Por que é importante o ensino de música? Considerações sobre
as funções da música na sociedade e na escola. Revista da ABEM, 11, p17-24.
19
Andrade, M. (1974).Oração de Paraninfo. Aspectos da música brasileira. São Paulo: Martins/MEC, p.245.

Referências
Andrade, M.(1974).Oração de Paraninfo.Aspectos da música brasileira. São Paulo: Martins/
MEC.
Borges Neto, J. (2005). Música é linguagem? In: Anais do 1º Simpósio Internacional de
Cognição e Artes Musicais (SINCAM). Curitiba: Editora da UFPR.
Folkestad, G. (2002). National Identity and music. In: Macdonald, R.A.R.; Hargreaves, D. J.; Miell,
D. E. Musical Identities. New York: Oxford University Press.
Geertz, C. (1989). A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Ed. LTC.
Hummes, J.M.(set. 2004). Por que é importante o ensino de música? Considerações sobre as
funções da música na sociedade e na escola. Revista da ABEM, 11, p17-24.
Macdonald, R.A.R.; Hargreaves, D. J.; Miell, D. E. (2002). Musical Identities. New York: Oxford
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Nestrovski, A. (2000). O livro da música. São Paulo: Ed. Companhia das letrinhas.
Newman, F.; Holzman, L. (2002). Lev Vygotsky – cientista revolucionário. São Paulo: Edições
Loyola.
Roederer, J.G. (1998). Introdução à Física e à Psicofísica da Música. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo.
Schafer, M. R. (1992). O ouvido pensante. São Paulo: Ed. Unesp.
Sekeff, M. L. (2003). De música e educação. In: Revista da Academia Nacional de
Música, vol XIV. Rio de Janeiro: Sermograff artes gráficas e editora Ltda.
Sloboda, J.A. (1985). The musical mind; The cognitive psychology of music. New York: Oxford
University Press.
Snyders, G. (1992). A escola pode ensinar as alegrias da música? São Paulo: Cortez.
Voloshinov, V. (1986). (Em nome de Bakhtin, M.) Marxismo e Filosofia da Linguagem. São
Paulo: Editora Hucitec.

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A utilização de modelos de performance no
ensino de instrumento musical

Paulo David Amorim Braga


pdabraga@gmail.com
Universidade Federal da Bahia

Resumo
O presente artigo situa a questão do uso de modelos no ensino de instrumentos
musicais em relação a uma pesquisa de doutorado em andamento. Essa investi-
gação envolverá a aplicação de dois tipos de modelo – gravações em vídeo do
professor e gravações em vídeo de colegas ou pares – em um curso de violão on-
line. Após descrever os resultados de algumas pesquisas significativas sobre a
utilização de modelos no ensino musical, aborda-se o conceito de imitação refle-
xiva, desenvolvido por Schön (2000). Com base nesse autor, argumenta-se em
favor de uma imitação de modelos musicais que seja combinada com o diálogo,
de modo a instituir um processo pedagógico reflexivo, capaz de conduzir o estu-
dante, independentemente de seu nível de desenvolvimento, a buscar possíveis
soluções para os problemas musicais que enfrenta.
Palavras-chave: ensino instrumental; modelos; imitação reflexiva.

Introdução
A utilização de modelos de performance para o ensino de instrumentos musicais é
uma prática muito antiga, talvez tanto quanto a própria arte musical. De fato, a abordagem
pedagógica baseada em modelos tem existido por séculos. No século XVII, Comenius já
afirmava que “o uso de instrumentos deve ser demonstrado na prática e não por meio de
palavras; isso significa dizer que o exemplo é mais importante que o princípio” (apud Droe,
2005, p. 21). Em música, o uso de modelos é importante porque a maior parte do que os
estudantes precisam aprender requer a reprodução sonora. De modo semelhante àquele
pelo qual as crianças aprendem a pronunciar sons, palavras e sentenças, estudantes de
música também aprendem a empregar timbres e estilos apropriados a partir de modelos
apresentados por outros (Droe, 2005, p. 21). O fundamento do método Suzuki, da “educa-
ção do talento”, é exatamente o de que as crianças aprendem música da mesma forma
que absorvem sua língua materna: primeiro ouvindo para poder falar (imitando) e, somen-
te depois, lendo e escrevendo (Suzuki, 1994)20.

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Muitos teóricos têm apontado a utilização de modelos como uma estratégia eficaz
para o ensino da performance musical. Dickey (1992) faz uma revisão de pesquisas sobre
o ensino baseado em modelos na pedagogia instrumental. O autor conclui seu trabalho
afirmando existirem fundamentos para argumentar que o uso de modelos é eficaz para a
promoção de um amplo espectro de habilidades musicais, alem de ser aplicável a pratica-
mente qualquer contexto de ensino. Barry e Hallam (2002) apresentam uma visão pano-
râmica do assunto, salientando a importância de demonstrações e exemplos aurais para o
desenvolvimento musical, sobretudo em alunos iniciantes. Lisboa et al. (2005)
consubstanciam, como parte de dois estudos experimentais com violinistas de nível avan-
çado, que o processo de construção de performance baseada em imitação de modelos
pode gerar insights interpretativos muito úteis.
A questão da aprendizagem de instrumentos musicais baseada no uso de modelos
será aqui considerada como parte da revisão de literatura e da fundamentação teórica
relativa a uma pesquisa em andamento, a qual envolverá o planejamento, implementação
e a avaliação de um curso de violão on-line. Assim, as principais subáreas de conhecimen-
to envolvidas nesse artigo são a Educação Musical e Psicologia Cognitiva.
É importante ressaltar que, nesse curso de violão, a intenção será fomentar um
processo de aprendizagem em grupos virtuais, em que todos se observem, escutem e
avaliem mutuamente, em um ambiente em que o professor sirva de modelo aos estudan-
tes, além de eles próprios serem modelos uns para os outros. Finalmente, é importante
destacar que, para conseguir criar o ambiente virtual descrito, professor e estudantes
gravarão suas performances em vídeo semanalmente e, enviando e recebendo gravações
via e-mail, terão condições de desenvolver seu conhecimento, inclusive prático, através
dessas interações.

2) Professores e pares como modelos


Em um espaço de aprendizagem coletiva, colaborativa, o papel de modelo que cada
aluno desempenha diante do grupo não deve ser negligenciado. Segundo Tourinho
(2003b):“O individual no ensino em grupo também é preservado, mas o aluno tem outros
referenciais que não o modelo de seu professor, e aprende a aprender vendo e ouvindo os
colegas” (p.52).
Apesar de alguns trabalhos, como o de Davidson, Howe e Sloboda (2000), abordarem
a influência que os colegas ou pares (peers) exercem sobre o aprendizado musical de
estudantes, sobretudo iniciantes, há necessidade de pesquisas mais aprofundadas sobre a
questão. Por esse motivo, apesar de a pesquisa em andamento não ser de cunho experi-
mental, os alunos do curso de violão a distância receberão tratamentos diferenciados, geran-
do dados relativos ao uso de dois tipos de modelos: metade do grupo estudará com o auxílio
de gravações, em vídeo, tanto do professor quanto dos colegas, enquanto a outra metade do
grupo terá como modelo apenas as gravações, também em vídeo, do professor.
Um dos objetivos da presente pesquisa é justamente o de empreender uma análise
interpretativa (Gall, Gall, Borg, 2003, p. 453) dos dados relativos a esses dois tipos de
modelos a serem empregados. Por meio de tal análise, devem ser encontrados construtos,

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temas e padrões que permitam compreender, em detalhes, como cada tipo de modelo
influencia a aprendizagem dos estudantes.

3) Pesquisas sobre uso de modelos no ensino instrumental


Em se tratando do professor de instrumento e de gravações utilizadas como mode-
los, há muitas pesquisas significativas. Zurcher (1975, apud Hallam, 1997, p. 205-206)
realizou um experimento em que comparou uma prática orientada por modelos, onde os
estudantes do grupo experimental eram auxiliados por meio de gravações, que incluíam
instruções, lembretes e modelos, e os do grupo controle não recebiam esse tratamento.
Descobriu-se que a prática orientada por modelos melhorou alguns aspectos da
performance, como: discriminação de alturas de modo geral, combinação de tons, discri-
minação rítmica e tempo gasto na prática (apud Barry e Hallam, 2002, p. 158).
De modo semelhante, Rosenthal et al (1998, apud Hallam, 1997, p. 206), compara-
ram a prática baseada em modelos (ouvindo gravações) com a análise silenciosa do canto
(execução cantada de uma composição), e a prática livre (sem essas orientações anterio-
res) de um grupo controle. Diferenças significativas nos efeitos das diferentes técnicas
foram encontradas para diferentes aspectos da performance. Estudos realizados por Dickey
(1992, apud Barry e Hallam, 2002, p. 158) e Kendall (1990, apud Barry e Hallam, 2002, p.
158) também dão crédito ao uso de modelos aurais como um suporte ao desenvolvimen-
to musical.
Linklater (1997, apud Barry e Hallam, 2002, p. 158) investigou os efeitos da prática
realizada, em casa, por três grupos de clarinetistas iniciantes. Foram empreendidos três
tipos de prática baseada em exemplos: a) com modelos gravados em vídeo; b) com mode-
los gravados em áudio e c) com gravações sem modelo (melodia), somente com o acom-
panhamento. Observou-se que os instrumentistas do grupo que estudou com modelos
gravados em vídeo conseguiram um desempenho significativamente maior em critérios
visuais e físicos da performance, imediatamente depois de praticar com os exemplos.
Além disso, esses mesmos instrumentistas também conseguiram um desempenho me-
lhor em avaliações posteriores nos critérios de qualidade sonora e afinação.
Todos esses estudos, apesar de apontarem indícios da importância da prática basea-
da em modelos, necessitam de maior aprofundamento e comprovação, tanto através de
pesquisas que os repliquem quanto por meio de trabalhos que procurem novas perspec-
tivas relacionadas à questão.

4) Fundamentação teórica: a imitação como um processo reflexivo - Schön


Uma questão geralmente levantada em relação ao ensino musical baseado em
modelos é a seguinte: Imitar modelos é algo desejável para o desenvolvimento musical
de um estudante ou apenas fará com que ele se torne uma caricatura dos modelos
estudados? Schön (2000) nos ajuda a pensar sobre essa questão ao descrever como se
processa uma espécie de imitação reflexiva, através da qual podem ser apreendidas as
mais complexas competências, inclusive no domínio musical.
O autor argumenta que demonstrar e imitar são processos pedagógicos cruciais para
o desenvolvimento cognitivo do indivíduo. Aprender através da observação e da imitação

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envolve a capacidade de refletir-na-ação, um processo que não requer a habilidade de
explicitar verbalmente o que se faz (p. 91). Por outro lado, Schön defende que o ensino-
aprendizagem tem maior probabilidade de sucesso quando, além de demonstrar/imitar, é
possível instituir as operações dialógicas, o dizer/ouvir (p. 93). Desse modo, ao combinar
dizer/ouvir e demonstrar/imitar,“a corrente de ações e reflexões recíprocas que forma o
diálogo entre o estudante e o instrutor pode ser analisada de várias formas” (p. 95). Ao
combinar essas operações, é possível subir e descer os degraus de uma “escada de refle-
xão” (p. 95-96). Os degraus dessa escada são os seguintes: 1. Processo de design (ou
performance); 2. Descrição do processo de design; 3. Reflexão sobre a descrição do pro-
cesso de design; 4. Reflexão sobre a reflexão sobre a descrição do processo de design.
Diante disso, depreende-se que a imitação é parte fundamental no processo heurístico
de solucionar problemas. Imitar de modo reflexivo permite desenvolver a capacidade de
improvisar para resolver problemas. No entanto, antes de ser capaz de criar suas próprias
soluções, o estudante precisa assumir uma postura de confiança no mestre, tomando seu
modelo como caminho para aprendizagem. Em outras palavras, para aprender através da
imitação reflexiva, o aluno deve assumir uma postura semelhante à “posição de depen-
dência da criança”,sendo capaz de suspender suas crenças anteriores, confiando em sua
habilidade de avaliar o que está aprendendo e, uma vez que tenha entendido o processo,
tomar suas próprias decisões (p. 101). Assim, é possível passar da imitação do outro para a
imitação de si mesmo (p. 92). Como evidência de que esse processo realmente ocorre, o
autor cita a fala de uma aluna que aprende o design, em arquitetura, sem temer imitar seu
instrutor:“Sinto que, mesmo que algo seja muito dominante agora, será possível desfazê-
lo depois” (p. 101).
Até certo ponto, a atitude de copiar modelos musicais não deve ser encarada como
uma prática reprovável. Afinal, sempre aprendemos com base em referenciais. Geralmen-
te, mesmo um performer muito experiente continua fazendo suas escolhas interpretativas
com base em modelos apreciados recentemente ou mesmo em um tempo remoto, ainda
que isso não seja feito de modo consciente. O problema ocorre quando alguém deixa de
exercitar seu senso crítico-estético, simplesmente por adotar um determinado modelo
como padrão a ser seguido irrestritamente. Por outro lado, um estudante que seja habitu-
ado a transitar pela “escada reflexiva”, principalmente se for auxiliado por um professor
experiente, terá condições de considerar modelos de performance sob diversos ângulos,
aprendendo a estabelecer critérios para julgar até que ponto vale à pena “imitar” alguém.
Em suma, a imitação de modelos não deve ser vista como uma estratégia didática
que necessariamente limita o desenvolvimento musical do estudante, que o impede de
construir suas próprias interpretações de obras musicais. Como defendem Lisboa et al
(2005), apesar do preconceito que músicos formados segundo a tradição romântica nor-
malmente têm contra qualquer tipo de performance baseada em imitação, estudar tendo
como referência um modelo a ser copiado é uma estratégia interessante mesmo para
instrumentistas experientes, pois assim eles podem refletir sobre novas possibilidades de
interpretação. Ou seja, o mais importante no processo de imitação é que o performer
desenvolva sua capacidade de considerar possíveis caminhos, aprendendo a analisar os
motivos que o levam a escolher determinada interpretação em detrimento de outra.

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5) Conclusão
A utilização de modelos para o ensino de instrumento musical é amplamente en-
dossada por pesquisas. No entanto, a questão da eficácia dessa estratégia ainda precisa de
muito mais estudo. Por isso, o objetivo principal deste artigo foi justamente suscitar o
interesse por questões relacionadas ao uso de modelos no ensino de instrumentos musi-
cais, sobretudo no que tange à importância da imitação como parte de um processo
pedagógico reflexivo.
Desse modo, espera-se que a investigação em curso venha a contribuir no sentido
de descrever como ocorre o processo de aprendizagem de violão on-line ao se utilizarem
os dois tipos de modelos em estudo: gravações em vídeo do professor, gravações em
vídeo dos colegas. Além disso, os dados levantados na presente pesquisa poderão servir
para estudos experimentais posteriores sobre a influência dos dois tipos de modelo (o do
professor e o dos colegas ou pares) no desenvolvimento musical de instrumentistas.

Notas
20
O método Suzuki, elaborado inicialmente para o ensino de violino, já foi adaptado para outros instrumen-
tos, e tem como um dos principais fundamentos o aprendizado baseado em gravações-modelo.

Referências
Barry, N., Hallam, S. (2002). Practice. In R. Parnacutt, G. McPherson (Eds.). The science &
psychology of music performance: creative strategies for teaching and learning (pgs. 151-
166). Oxford: Oxford University Press.
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Trabalho apresentado por ocasião do XII Encontro Anual da Associação Brasileira de
Educação Musical. Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis, Brasil.

Levels of attachment in western classical singing lessons: the


perception in singing performance
Sofia A. Serra
sofiaserra99@yahoo.com
University of Sheffield - United Kingdom

Background
The voice studio, possibly more than any other instrument, seems to be exclusively
directed to the body training. In this type of lessons, the otherwise normal barrier of the
instrument is not applicable and singing teacher and student are“confronted” directly in a
face-to-face interaction (both having the instrument incorporated). For this reason, the
voice seems to be an instrument which demands a closer observation and a different
approach in pedagogical terms.

Aims
1. Describe the processes of learning that emerge from teacher – student relationship.
2. 2. Clarify singing teacher - student psychology and role.
3. 3. Explore factors that contribute towards an effective singing teacher – student
interaction.

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Method
The Adult Attachment Scale (Collins & Read, 1990) was used to test levels of
attachment on 10 singing teachers and their 30 singing students.This test was implemented
to allow an observation on the levels of in-depth in a relationship singing teacher – student’s
relationship.

Results
Musical pedagogical relationships develop and adjust over time.
Singing students show patterns of attachment towards their singing teachers.
Results on attachment levels are to emerge on the time leading to the conference.

Conclusion
This study provides insight into how attachment between singing teacher and student
projects in vocal dynamics

Keywords
Singing, relationship and psychology

References
Collins,N. L. & Read, S. J. - Adult Attachment Scale, 1990

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Tema 6. O desenvolvimento paralelo da mente e
das artes musicais

Criatividade musical: aproximações com as


idéias de Jean Piaget

José Nunes Fernandes


jonufer@globo.com
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro

Resumo
O objetivo deste estudo é apresentar e discutir algumas idéias de Jean Piaget
sobre criatividade e de suas possíveis aproximações com a criatividade musical.
Utilizou-se as obras de Piaget “Creativity”, original de 1972, e os dois volumes de
“Os Possíveis e os Necessários”, originais de 1981. Para Piaget no processo criativo
atuam vários mecanismos cognitivos, sendo que o desenvolvimento cognitivo
apresenta operações seqüenciais e a utilização dos possíveis e das novidades
também, fazendo, assim, com que haja um paralelismo entre os dois. Portanto,
além do processo maturativo, o aparecimento de estruturas mentais, esquemas,
sistemas, funções, dentre outros, está presente também no desenvolvimento do
possível, ou seja, das possibilidades, da novidade, da invenção, da criação. Sendo
todas essas ações, todos os atos da criatividade intelectual, processos da abstra-
ção reflexiva. Ao discutir o aspecto da criação, Piaget deixa muito claro, como em
todos os seus trabalhos, sua posição contrária ao positivismo. Piaget acredita que
o positivismo é contrário às idéias psicológicas sobre criatividade. O autor enfatiza
que os positivistas lógicos ou os empiristas minimizam a atividade do sujeito, o
sujeito do conhecimento, que para a psicologia está no centro do processo de
desenvolvimento. Ainda defendendo sua posição construtivista, contra os inatistas
e empiristas, Piaget diz que o novo conhecimento e a criação de novidades, vincu-
lados à produção de possibilidades, é sempre o resultado de um processo de
regulação – ou seja, de equilibração. As aproximações com a música são feitas
através de ligação com a literatura sobre o tema e possíveis exemplos. Como
recomendações indica-se que os pesquisadores, da área da psicologia cognitiva
desenvolvimentista da música e da educação, produzam mais conhecimento so-
bre o desenvolvimento da criatividade musical (possibilidades, novidades, pro-
cessos etc) relacionados ao pensamento de Piaget com crianças brasileiras, dando,

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ao contrário do que reza Freeman (2006), a devida importância a este aspecto, uma
vez que a criatividade, assim como o talento, a novidade, é um dos elementos que
informa a teoria do desenvolvimento e a prática educacional em qualquer área
do conhecimento.
Palavras-chave: criatividade, Piaget, aspectos psicológicos, criatividade musica

Abstract
The goal of this study is to present and to discuss some of the ideas of Jean Piaget on
creativity and
its possible approximation with musical creativity. 1972’s original, Piaget’s “Creativity”
was used and two volumes of “Possibility and Necessity”, 1981’s original. For Piaget,
many cognitive mechanisms act in the creative process, being that cognitive
development presents sequential operation and make use of ‘possibilities’ and
‘novelty’ too, therefore causing a parallelism to raise between them. Nonetheless,
beyond maturative process, mental structures appearances, schemes, systems,
functions, among others, are also present in the ‘possible’ development, i.e., of
possibilities, novelty, invention, creation. Being all those actions, all intellectual
creativity’s acts, just reflective abstraction processes. On discussing creation process,
Piaget is very clear, as in all of his works, on his stand against Positivism. As stated
earlier, Piaget believes that positivism is contrary to psychological ideas on creativity.
The author underlines that logical positivists or empiricists minimize the activity
of subject, the knowing subject, that for psychology is on the development process
core. Still championing his constructivism, against nativist and empiricist positions,
Piaget asserts that new knowledge and creation of novelty, linked to possibilities
production is always a regulatory process outcome – that is, of equilibration.
Approximations with music are carried out through liaisons with literature on the
theme and possible examples. As recommendation, it’s pointed out that researchers
from development-cognition psychology of music and education should bring
in more knowledge on musical creativity development (possibilities, novelty, pro-
cesses, etc.) related to Piaget’s thoughts on Brazilian children, giving due importance,
opposing to Freeman (2006), to this feature, since, as stated before, creativity,
talent, and novelty inform development theory and educational praxis in any
knowledge field.
Key-words: Piaget, psychological features, creativity, musical creativity

Introdução (objetivo e contribuições)


O objetivo deste estudo é discutir o pensamento de Jean Piaget sobre criatividade e
relacioná-lo com a música. Piaget escreveu sobre criatividade, usando este termo somen-
te em uma palestra proferida em 1972, publicada em 1981. Posteriormente Piaget tratou
das possibilidades e das necessidades, incluindo em tal discussão a produção de novida-
des. Nas obras “Os Possíveis e os Necessários” (1987a e 1987b) discute a questão da
possibilidade como invenção, passando a usar tais termos ao invés de criatividade. Segun-
do Piaget (1987a),“as possibilidades, em termos de cognição, significam essencialmente

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invenção e criação. Por isso, o estudo das possibilidades é de muita importância para a
epistemologia construtivista” (p.4, grifo do original). Piaget passa a observar o mecanismo
responsável pela origem de novas possibilidades, ou seja, a criação e a invenção.
Alguns pesquisadores, que utilizam o pensamento piagetiano como fundamenta-
ção teórica de seus estudos, divulgam trabalhos que tratam da criatividade. Na área da arte,
por exemplo, um número surpreendente de pesquisas foram apresentadas no último
encontro da Sociedade Jean Piaget1, em 2006, facilitado pelo tema do encontro:“Art and
Human Development”. Mesmo assim, Freeman (2006) mostra que os pesquisadores -
psicólogos desenvolvimentistas e educadores - ainda tratam como periféricos os temas
da criatividade, do talento e da novidade nos seus trabalhos, e aponta que a teoria de
Piaget é “um bom exemplo de uma abordagem centrada em universais do desenvolvi-
mento” (p.5). O erro, ao considerar tais aspectos como periféricos, é que eles informam a
teoria do desenvolvimento e a prática educacional (Freeman, 2006).
A contribuição deste trabalho é trazer uma reflexão sobre o processo criativo-musi-
cal com base em Piaget, para que possa ser conhecido e discutido pelos profissionais da
arte musical.

Piaget e a criatividade (fundamentação teórica e implicações)


No artigo de 1981,“Creativity”,Piaget inicia apontando dois problemas presentes na
discussão sobre criatividade: (1) a origem ou causas da criatividade e (2) os mecanismos
do processo criativo (Como a criatividade se realiza? Como alguém cria algo novo? Como
é o processo do ato criativo?). Sobre o primeiro aspecto, a origem da criatividade, Piaget
diz que muito ainda é mistério, mas, na verdade, algumas pessoas são claramente mais
criativas que outras, e isso não é só questão de genialidade. No entanto, a criatividade está
presente em todos nós, mas sua origem permanece misteriosa. Não há explicação concisa
na área da psicologia, restando somente o campo da biologia para explicar tal fenômeno.
Mas a biologia não tem capacidade de explicar qualquer tipo de atitude mental, então a
criatividade não pode ser explicada por ela.
A criatividade nem sempre está ligada à precocidade entre dois indivíduos, pois o
indivíduo pode ser precoce e não ser criativo. Isso quer dizer que os criativos nem sempre
são precoces.“Mozart é o melhor exemplo de precocidade e espírito2 criativo”.Mas muitos
outros se tornaram criativos sem serem precoces, muitas vezes num período da vida
adulta. Um bom exemplo para isso é Kant,“por muitos anos Kant não foi kantiano” (Piaget,
1981, p. 222).
Para Piaget (1981) a origem da criatividade continua sendo um problema, mas afir-
ma que todo indivíduo tem sempre novas idéias, mesmo que modestas, mas em alguns
elas se destacam. Sobre a origem da criatividade Piaget diz que, no seu caso, para entendê-
la devemos considerar três aspectos: (1) trabalhar sozinho, não levando em consideração
todas as influências do meio; (2) é necessário ler muito em outras disciplinas, não somente
na sua própria disciplina3; (3) há um contraste nas idéias entre os pesquisadores, e os mais
contrários às idéias psicológicas sobre criatividade, as de Piaget inclusive, são geralmente
os positivistas lógicos ou os empiristas.“A atividade do sujeito, o sujeito do conhecimento,

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é minimizado no positivismo lógico, mas, no meu pensamento, a atividade do sujeito está
no centro do desenvolvimento da inteligência” (Piaget, 1981, p. 222). Piaget vincula o
potencial para criar com a inteligência, ou seja, com o desenvolvimento intelectual do
sujeito. Para Piaget, o conhecimento é “uma estruturação da realidade e não somente sua
cópia. O desenvolvimento da inteligência não é relativo unicamente ao campo das asso-
ciações empíricas, ele é uma construção” (p. 222).
Segundo aspecto: os mecanismos da criatividade. Para ele, o estudo da psicologia da
inteligência, que nos ensina muito sobre a questão, aponta que “o desenvolvimento da
inteligência é uma criação contínua. Cada estágio do desenvolvimento produz algo extre-
mamente novo, totalmente diferente. Todo o desenvolvimento é caracterizado pelo apa-
recimento dessas estruturas totalmente novas. (...) A criação de novidades acontece em
cada geração – ela ocorre em cada indivíduo. Cada criança reconstrói o mesmo tipo de
inteligência e o mesmo tipo de conhecimento dela mesma” (Piaget, 1981,p. 223). A
inteligência não é algo que é esboçado a partir dos objetos, mas é algo que é adicionado
a ele, uma construção, refutando a idéia do inatismo ou pré-formismo.
Sobre o processo de maturação, muitos aspectos do desenvolvimento estão de
acordo com o programa fixo de maturação existente. A puberdade, por exemplo, possui
uma escala temporal biológica confirmada, enquanto que nos estágios do desenvolvi-
mento intelectual há grandes variações4 (Piaget, 1981). Isso mostra que as estruturas não
são executadas de acordo com um sistema prefixado. Existe uma construção em cada
indivíduo. E este é um problema psicológico.
Em relação ao mecanismo da criação, a hipótese de Piaget (1981) é:“a criação de
novidades se dá através do processo de abstração reflexiva5. Existem dois tipos de refle-
xão. Um é a abstração empírica, tipo comumente exemplificado, no sentido aristotélico,
quando a informação é construída a partir dos objetos: você tem dois objetos e acha uma
diferença de peso entre eles; você compara as cores olhando para eles, então, a partir da
noção de peso e cor do objeto, você abstrai. Essas noções são construídas a partir de nossas
próprias percepções, ou seja, elas são empíricas” (1981, p. 224). Existe outro tipo de abstra-
ção, a abstração reflexiva, na qual você abstrai, não a partir dos objetos, mas a partir de suas
próprias ações. O que importa é a coordenação das ações com as fontes das próprias ações
do sujeito. É comum confundir numa criança muito nova esse tipo de abstração reflexiva
com a abstração empírica. Observamos que quando uma criança estava prestando aten-
ção às propriedades dos objetos, isso é apenas uma ilusão, pois o que ela está mesmo
fazendo é abstraindo a partir de suas próprias ações.
Piaget (1981) diz que todas essas ações, todos os atos da criatividade, são processos
da abstração reflexiva.“Por que este processo de abstração reflexiva seria fonte das novi-
dades e dos atos criativos?” Existem dois aspectos distintos e inseparáveis e dois sentidos
da palavra reflexão. O primeiro é o sentido físico. Há uma reflexão física, como se fosse um
reflexo em um espelho, e existe uma transposição, vindo de um nível baixo para um nível
alto de construção intelectual. Quando há o movimento da ação para a representação da
ação, ou seja, somente conseguimos pensar sobre o fazer uma coisa se formos capazes de
faze-la6. O movimento é de um nível inicial para um nível mais complexo. Nesse sentido,
há a reflexão do nível da ação para o nível da representação.

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Outro tipo de reflexão envolvida é, no sentido da “reflexão mental”, algo que não é
somente refletido em um nível alto, mas é reconstruído num nível alto o que já existe num
nível baixo, com inclusão de novos elementos, havendo um aumento e um
aprofundamento dessa reflexão e também sua transposição para o segundo nível.
Piaget (1987a) discute também as relações entre a evolução das possibilidades e
das estruturas operacionais, focalizando o desenvolvimento das possibilidades em relação
à idade. Em termos de função: (a) o hipoteticamente possível, no qual as soluções válidas
estão misturadas com erros; (b) o realizável, selecionado com base em resultados prévios
ou organizados previamente através do sistema intuitivo; (c) o dedutível, derivado de
variações intrínsecas; e (d) o possível postulado, quando o sujeito acredita que novas
construções são possíveis mas ainda não encontraram os procedimentos corretos. Em
termos de estrutura, Piaget distingue quatro estágios: (a) as possibilidades geradas por
uma série de analogias; (b) o “co-possível” concreto, no qual várias possibilidades são
simultaneamente antecipadas antes de serem executadas; (c) o “co-possível” abstrato, no
qual cada possibilidade realizada é vista como somente uma entre várias outras concebi-
das; e (d) o possível, na sua forma mais geral, no qual o número de possibilidades é visto
como infinito.
Para defender a posição construtivista contra os inatistas e empiristas, Piaget (1987a)
afirma que “não é suficiente mostrar que um novo conhecimento é sempre o resultado de
um processo de regulação – ou seja, de equilibração , pois o processo regulatório é por ele
mesmo hereditário (...) ou ele é produto de experiências aprendidas de vários níveis de
complexidade” (p.3). Com isso, Piaget mostra que resolveu discutir o problema (a geração
de conhecimento novo) por outro ângulo, focando o desenvolvimento das possibilidades.
É claro que qualquer idéia ou ação realizada deve existir previamente como uma possibi-
lidade, e uma possibilidade geralmente gera outras possibilidades, e isto é de interesse da
epistemologia.
Piaget aponta primeiramente o fato de tais possibilidades serem geradas em grande
quantidade durante a vida, elas “constituem um dos melhores argumentos contra o
empirismo (...) as possibilidades não são observáveis, resultam das construções ativas do
sujeito; é claro que as propriedades do objeto têm papel nessa construção, as proprieda-
des sempre são interpretadas a luz da ação do sujeito sobre os objetos. Tais ações ao
mesmo tempo geram um grande número de novas possibilidades com o aumento de
ricas interpretações. Nós estamos tratando de um processo criativo muito diferente da
simples leitura da realidade trazido pelo empirismo” (p.3).
Se as possibilidades antecedem a realização (...), elas devem necessariamente ser
executadas, embora elas não possam ser usadas para justificar a posição construtivista.
Contra isso, Piaget apresenta dois argumentos, um psicológico e um lógico. O primeiro diz
que deve ser feita a distinção entre a percepção do observador e a do sujeito. Em crianças
de 4 e 5 e de 11 e 12 anos há um enriquecimento progressivo, um desenvolvimento
qualitativo que é, ao mesmo tempo, regular e complexo.Tal argumento fortifica a hipótese
de que “as possibilidades são gradualmente construídas enquanto estão sendo executa-
das” (p.4). O segundo, o argumento lógico, é baseado no fato de que a expressão the set of
possibilities tem significado somente em relação a tais possibilidades, que são deduzidas

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de uma lei necessária. O conjunto de todas as possibilidades (set of all possibles) é sempre
muito aberto.
Se aceitarmos a noção de idéias predeterminadas e inatas como hipótese, há possi-
bilidade de erro. “Por um lado, elas não são predizíveis, então suas possibilidades de
ocorrer não podem ser precisamente determináveis. Por outro lado, se as idéias verdadei-
ras são preexistentes por toda a vida, então podemos concluir que as idéias falsas também
são” (p.4).

Música e criatividade: aproximações com as idéias de Piaget


Muitos estudos foram feitos sobre criatividade musical. No exterior, dentre os traba-
lhos publicados, o trabalho de Mialaret (1994),“La créativité Musicale”, é um “clássico”. No
Brasil, na área da música, alguns autores já divulgaram estudos sobre a criação musical, mas
nas publicações mais recentes da área da cognição musical quase não existem trabalhos.
Nos anais do 1º Simpósio Internacional de Cognição e Artes (2006) encontramos dois
trabalhos, na revista Cognição e Artes Musicais (No 1, 2006) nenhum artigo, e no livro“Em
busca da mente musical – Ensaios sobre os processos cognitivos em música – da percep-
ção à produção” também não existe qualquer capítulo que trate da criatividade musical.
Um trabalho percussor feito no Brasil, que envolve a teoria piagetiana na música, é o
de Beyer (1988), que ainda hoje é tomado como inicial padrão em algumas pesquisas e
práticas na educação musical no Brasil7. De 1988 até os dias atuais, outros trabalhos foram
produzidos sobre a teoria de Piaget e a música, principalmente teses e dissertações.
Recentemente Beyer (2005) apresentou a organização do estudo “O som e a
criatividade. Reflexões sobre experiências musicais”,no qual destacamos o texto de Kebach
(2005)8, que apresenta uma discussão bastante fértil sobre novidades, usando a teoria
piagetiana, inclusive o que se refere à abstração reflexiva9. A autora, através de experimen-
tos empíricos, comprova as hipóteses piagetianas já citadas. Nas palavras da autora:“Medi-
ante um reflexionamento, os sujeitos operatórios transpõem a um plano superior o que
colheram no patamar precedente, no qual diferenciaram o objeto musical e, depois, re-
constroem sobre esse plano superior o que lhe foi colhido, por meio da organização
mental dos dados, pelo processo de abstração reflexionante, ou seja, realizam uma refle-
xão sobre esse conhecimento de relações, integrando as diferenciações feitas às estrutu-
ras mentais” (p.126-127).
Assim, como Piaget demonstrou, a criação de novidades se dá através do processo
de abstração reflexiva, passo seguinte da abstração empírica. Citamos aqui, a título de
exemplo, como elas aconteceriam em uma atividade no campo da música.
Um exemplo de abstração empírica: uma criança experimenta cinco tambores, um
de cada tamanho, e é solicitado que ela os coloque na ordem do mais grave para o mais
agudo, ou seja, do maior para o menor. Ela os põe em fila, experimenta, olha e diz que
terminou. É questionado se ela está certa. Ela responde que sim e coloca agora do menor
para o maior, experimenta na ordem colocada e diz que terminou. A maneira de ordenar
não é uma propriedade dos tambores (objetos), a criança tende a colocá-los em série,
como os 10 dedos, os números de 1 a 10 para poder abstrair empiricamente. Aqui temos

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duas noções, as alturas/tamanhos e a ordenação dos tambores e a relação entre elas, que
foram deduzidas de suas próprias ações em vez de qualquer tipo de abstração reflexiva. A
criação, ou seja, a possibilidade de criar uma novidade depende das operações mentais
vigentes. A criança cria com base em tais operações.
Usando a abstração reflexiva, temos o seguinte exemplo: a criança olha para os
tambores e os experimenta, escolhendo o mais grave. Em seguida, ela passa a tocar o mais
grave e cada um dos outros, comparando-os com o tambor grave. Essa comparação traba-
lha com o todo, utilizando-se de reflexão para sua execução. Após, o professor toca uma
série rítmica no tambor grave e pede que ela imite no tambor mais agudo e depois faça a
série ao contrário. Depois o professor toca duas séries rítmicas em um tambor médio e
pede que ela diga qual era a série conhecida e o porquê. O aluno diz qual era e afirma que
era igual à tocada pelo professor na atividade anterior.Aqui há a presença da reversibilidade
e da conservação de ritmo. Posteriormente, o aluno é solicitado a fazer uma música e
elabora uma pequena música que inclui a série de tambores, indo do grave para o agudo,
em movimentos ascendentes e descendentes; utiliza partes da série rítmica usada pelo
professor na sua versão contrária e cria um trecho usando um tipo de nota pedal, o tambor
grave, mostrando que domina as relações entre as alturas mentalmente e não só
empiricamente, a partir das ações sobre os objetos. É claro que isso não acontece“do nada”.
É um estágio evoluído, usando os materiais e processos do momento e aperfeiçoando-os,
incluindo novos e transformando tudo isso numa criação, utilizando o nível operacional.
Outro exemplo na área da música seria o seguinte: uma criança pequena (1 ano),
que está no estágio sensório-motor, com a inteligência totalmente voltada para as suas
ações e não para operações mentais. Vários instrumentos de percussão são colocados em
diversas partes de uma sala. A criança começa a explorar o ambiente e vai experimentan-
do instrumento por instrumento, volta para o começo (o primeiro que ela experimentou),
cria uma rota diferente, mas passando de um por um, inicia do final e vai até o começo.
Todos estão no nível da ação física, usando um movimento depois o outro, usando os
indicadores presentes no momento. Ela não reflete sobre o que fez no passado, é apenas
uma ação após a outra naquele momento e espaço.
No estágio seguinte, há reflexão no nível representacional. A criança demonstra a
habilidade de percorrer a sala e entender onde ela está em relação ao espaço, e onde está
cada instrumento e suas relações. Ela trabalha mentalmente. Mas agora existem novos
elementos que não são um problema para alcançar novos níveis, pois abrangem uma
imagem do total, essa possibilidade traz a reversibilidade, uma vez que a visão de todo
está envolvida e ela proporciona agora a possibilidade para composições que conduzem
para a reflexão sobre as relações dentro de um estágio inicial simplesmente vivido e “não
raciocinado”, o pensar sobre o passado.
Na música podemos discutir as relações entre a evolução das possibilidades e das
estruturas operacionais. Em termos de função, poderíamos exemplificar assim: (a) o hipo-
teticamente possível – a criança, por exemplo, experimenta sensorialmente alguns instru-
mentos num fazer aleatório, uma operação puramente motora; (b) o realizável – a criança
já seleciona processos com base na experimentação feita, mas ainda tem como suporte
operacional a ação; (c) o dedutível – a criança inicia a reflexão fazendo jogos diversos com

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os instrumentos, por exemplo, tocando de um por um, dois ao mesmo tempo, mais grave
e depois mais agudo, fazendo forte e fazendo fraco; e (d) o possível postulado – a criança
sabe que pode realizar novas construções, mas ainda não encontra os procedimentos
corretos. No estágio seguinte, ela, já de posse da abstração reflexiva, cria novidades, uma
vez que novas possibilidades são geradas com a maturidade e com o desenvolvimento.

Considerações Finais
Ao discutir o aspecto da criação, Piaget deixa muito claro, como em todos os seus
trabalhos, sua posição contrária ao positivismo. Como já foi dito anteriormente, Piaget
acredita que o positivismo é contrário às idéias psicológicas sobre criatividade. O autor
enfatiza que os positivistas lógicos ou os empiristas minimizam a atividade do sujeito, o
sujeito do conhecimento, que para a psicologia está no centro do processo de desenvol-
vimento.
Ainda defendendo sua posição construtivista, contra os inatistas e empiristas, Piaget
diz que o novo conhecimento e a criação de novidades, vinculados à produção de possi-
bilidades, é sempre o resultado de um processo de regulação – ou seja, de equilibração.
Para Piaget, o processo criativo utiliza vários mecanismos cognitivos e é paralelo ao
desenvolvimento intelectual. O desenvolvimento cognitivo apresenta operações
seqüenciais e a utilização dos possíveis e das novidades também, fazendo, assim, com que
haja um paralelismo entre os dois. Portanto, além do processo maturativo, o aparecimento
de estruturas mentais, esquemas, sistemas, funções, dentre outros, está presente também
no desenvolvimento do possível, ou seja, das possibilidades, da novidade, da invenção, da
criação.
Como recomendações, indica-se que os pesquisadores, da área da psicologia
cognitiva desenvolvimentista da música e da educação, produzam mais conhecimento
sobre o desenvolvimento da criatividade musical (possibilidades, novidades, processos
etc) relacionados ao pensamento de Piaget com crianças brasileiras, dando, ao contrário
do que reza Freeman (2006), a devida importância a este aspecto, uma vez que, como já
foi dito, a criatividade, o talento e a novidade informam a teoria do desenvolvimento e a
prática educacional em qualquer área do conhecimento.

Notas
1
Jean Piaget Society 36th Annual Meeting.
2
Soul no original.
3
Para um psicólogo é necessário ler sobre biologia, epistemologia e lógica, para ter uma visão interdisciplinar,
ler muito sobre áreas afins e correlatas.
4
Piaget cita, além dos estudos feitos por ele em Genebra, o caso de crianças iranianas, em que os estágios
biológicos eram os mesmos, mas as idades não eram as mesmas e havia uma grande variação no andamento
do desenvolvimento.
5
O termo usado no texto “Creativity” (1981 [1972]) é “reflexive abstraction”. Numa publicação traduzida
para o português é usado o termo “abstração reflexionante” (Jean Piaget. Abstração reflexionante: relações
lógico-aritméticas e ordem das relações espaciais. Porto Alegre, Artes Médicas, 1995), mas neste estudo
utilizamos “abstração reflexiva”.

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6
Ver Deckert (2006) maiores detalhes de tal aspecto na música.
7
Nos referimos aqui a alguns cursos de graduação e pós-graduação brasileiros e não da totalidade de pes-
quisas e cursos no Brasil. Além disso, nos reportamos unicamente a práticas e pesquisas que envolvem a
psicologia do desenvolvimento musical com base em Piaget.
8
Em 2006 dois trabalhos de conclusão de curso de mestrado foram elaborados, tomando como fundamen-
to a teoria piagetiana e sua aplicação na música, são eles: Deckert (2006) e Weiland (2006), v. refências.
9
A autora denomina “abstração reflexionante”.

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and Inhelder (pgs. 221-229). Monterey: Books Cole. Appendice B.
Piaget, Jean (1987a). Possibility and Necessity. Volume 1. The Role of Possibility in Cognitive
Development. Minneapolis: University of Minnesota Press.
Piaget, Jean (1987b). Possibility and Necessity. Volume 2. The Role of Necessity in Cognitive
Development. Minneapolis: University of Minnesota Press.
Weiland, Renate L. (2006). Aspectos figurativos e operativos da aprendizagem musical de crianças e
pre-adolescentes, por meio do ensino de flauta doce. Unpublished master’s thesis, Universidade
Federal do Paraná, Curitiba, Brasil.

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Prática instrumental e motivação: uma reflexão
sobre a possibilidade da experiência de fluxo

Rosane Cardoso de Araújo


rosanecardoso@ufpr.br
Universidade Federal do Paraná
Grace Filipak Torres
gre@fato.org
Universidade Federal do Paraná
Agnes Leimann Ilescas
Escola de Música e Belas Artes do Paraná

Resumo
O presente trabalho procura discutir a motivação no ensino de instrumento mu-
sical como elemento que possibilita o reportamento para a experiência de fluxo.
Para tanto, são abordados inicialmente alguns dados sobre motivação, como
conceito, teorias e fatores motivacionais. Em seguida, por meio da abordagem da
“Experiência de Fluxo”, estudo desenvolvido por Csikszentmihalyi (1999) e da dis-
cussão sobre o estabelecimento de metas, procura-se inferir algumas reflexões
sobre a condução do processo educativo, a fim de contribuir com os estudos da
motivação no contexto músico/educacional brasileiro.
Palavras-chave: motivação, experiência de fluxo, ensino de instrumento.

O tema da motivação no processo de aprendizagem suscita a atenção dos educado-


res de todos os níveis de ensino. No caso da música, particularmente no ensino do instru-
mento, este objeto tem sido especialmente considerado. Como aprender sem motivação?
De acordo com O´Neill & McPherson (2002), as pesquisas sobre motivação em
música buscam compreender especialmente como as crianças desenvolvem a vontade
de seguir o estudo musical, porque existem variações de persistência neste estudo e
também o quanto o contexto da aprendizagem pode intervir neste processo. Para estes
autores, algumas teorias atuais delegam para a motivação uma tarefa fundamental no
processo de aprendizagem, que auxilia os estudantes na aquisição de condutas e adapta-
ções que lhes oportunizarão o alcance de seus objetivos.
A palavra “motivação” vem do verbo latino movere, é aquilo que move uma pessoa,
que a põe em ação ou a faz mudar o seu percurso. Segundo Woolfolk (2000), a motivação
pode ser descrita como um estado interior que estimula o indivíduo, direcionando-o e
mantendo seu comportamento orientado para um determinado fim. Para Kaplan (1997),

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é a motivação que fornece as ferramentas para usar os componentes cognitivos criativos,
que por sua vez é relacionada com o “como” e “o que” se vai ensinar , ou seja, com os
objetivos traçados no processo de ensino.
A motivação, portanto, tem sido entendida como fator ou processo psicológico.Toda
pessoa tem certos recursos pessoais, como energia, tempo, conhecimento e habilidade que
poderão ser investidos em determinada atividade. Depois de definida uma tarefa/atividade
ela será mantida enquanto os fatores motivacionais estiverem presentes. Para Woolfolk
(2000) existem quatro concepções gerais à motivação: concepção comportamental; con-
cepção humanística; concepção cognitiva e concepção de aprendizagem social.
Na concepção comportamental, abordada pelos behavioristas, a motivação pode ser
explicada com conceitos como “recompensa” e “incentivo”. A recompensa é pensada
como um atrativo fornecido como conseqüência de um determinado comportamento. Já
o incentivo é um procedimento que busca encorajar os recursos interiores do indivíduo,
como senso de competência, auto-estima e auto-realização.
A concepção humanística, por sua vez, enfatiza a importância das características da
personalidade do aluno e seus sistemas de acesso à motivação. Nesta concepção é apre-
sentada a teoria da hierarquia das necessidades: a partir da satisfação das necessidades
básicas é que o aluno vai permanecer motivado pela realização pessoal.
Na concepção cognitiva, relacionada a uma reação da visão comportamental, os
teóricos advogam que o comportamento é determinado pelo pensamento. Nesta teoria,
a motivação intrínseca é considerada como um fator essencial para o processo de apren-
dizagem, uma vez que os indivíduos são considerados como entes ativos e curiosos.
Por fim, a concepção de aprendizagem social aborda a motivação como a expecta-
tiva de atingir um objetivo e seu valor. O resultado final é a busca do conhecimento
construído e da aquisição de habilidades. Nesta abordagem são consideradas tanto a
preocupação dos behavioristas, com resultados ou efeitos de comportamentos, quanto o
foco dos cognitivistas no impacto de crenças e expectativas individuais.
Ao focalizar o tema da motivação, especificamente no ensino da música, O’Neill e
McPherson (2002) buscaram, por meio de diferentes argumentos, discutir os fatores
básicos da motivação. Inicialmente os autores revisaram algumas perspectivas teóricas
sobre este tema na literatura músico/educacional. Em seguida, levando em consideração
as perspectivas já existentes, O’Neill e McPherson10, estabeleceram e discutiram quatro
fatores básicos da motivação: potencial, prazer, compromisso e meta.
Para estes autores, o fator potencial é aquele no qual se considera que o indivíduo
apresenta alguma habilidade para atividade musical que, por sua vez, deve ser aprimorada.
O prazer, segundo fator discutido pelos autores, conduz a advertência de que o estudante
necessita tocar não somente as obras indicadas pelo professor, mas também aquelas de
seu interesse pessoal. O compromisso, terceiro fator, é abordado como um elemento no
qual o esforço em aprender é discutido, ou seja, aprender o repertório a ser executado
demanda tempo e esforço, no entanto este esforço não deve causar confusão ou frustra-
ção durante a prática. Por fim, o último fator posto em discussão por O’Neill e McPherson
é a meta. Para os autores, é necessário encorajar os estudantes a identificarem suas própri-
as metas e aspirações, definindo assim seus objetivos futuros.

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Estes elementos orientados por O’Neill e McPherson também são explorados em
outros estudos. Csikszentmihalyi (1999), apontando especialmente para elementos da
motivação intrínseca e valorizando a necessidade do estabelecimento de metas claras
como fundamental na realização de diferentes tarefas, destaca os componentes afetivos
da motivação que geram o estado de fluxo, ou seja, um profundo envolvimento pessoal
nas atividades.
Para Csikszentmihalyi, o estabelecimento de metas é o primeiro passo para que em
seguida o indivíduo siga para a etapa de concentração, que por sua vez pode levar o
sujeito ao estado de fluxo, isto é, a uma completa imersão do sujeito numa atividade
prazerosa. Segundo o autor, o fluxo costuma ocorrer quando uma pessoa encara um
conjunto claro de metas, que exigem dela respostas precisas. Ele explica:
O fluxo pode ocorrer quando as habilidades de uma pessoa estão totalmente envolvidas em supe-
rar um desafio que está no limiar de sua capacidade de controle. Experiências ótimas geralmente
envolvem um fino equilíbrio entre a capacidade do indivíduo de agir e as oportunidades disponí-
veis para ação (Csikszentmihalyi, 1999, p.37).

Csikszentmihalyi acrescenta que se os desafios estiverem além das possibilidades


do indivíduo, acabam causando frustração, preocupação e ansiedade. Se estiverem abaixo
das capacidades e habilidades do sujeito, causam o relaxamento e por conseqüência, o
tédio, a apatia. Por isso, é necessário que os desafios sejam elevados, porém enfrentados
com uma equilibrada dose de habilidade do envolvido. Neste caso, o comprometimento
profundo da pessoa, com a atividade, possui uma alta possibilidade de gerar o fluxo.
A partir da discussão do uso das metas, abordado por O’Neill e McPherson (2002) e
Csikszentmihalyi (1999), e da experiência de fluxo, discutida por este último autor é que
se desenvolve o foco deste trabalho. Neste sentido, o objetivo geral deste estudo é inves-
tigar, por meio da reflexão realizada com base em abordagens encontradas no discurso de
Csikszentmihalyi (1999), o uso de metas e o estado de fluxo na prática e no ensino
instrumental. Como objetivos específicos procura-se:
• Apresentar alguns estudos já realizados que envolvam música, motivação e expe-
riência de fluxo.
• Discorrer sobre alguns fatores que envolvem a experiência de fluxo segundo
Csikszentmihalyi.
• Relacionar os dados da teoria de Csikszentmihalyi e atividades de prática instru-
mental.
• Propor algumas reflexões sobre motivação no ensino da música a partir das abor-
dagens aqui apresentadas.

Experiência de fluxo e motivação


O’Neill e McPherson (2002), em seus estudos sobre motivação procuraram revisar
algumas perspectivas vigentes no campo do ensino musical. Eles trataram de cinco pers-
pectivas distintas. A primeira, expectancy-value theory, procura informar sobre os modos
como as crianças valorizam o processo de aprendizagem instrumental, buscando desen-
volver o interesse dos jovens estudantes por meio da atenção às suas opiniões e da

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orientação para a expectativa do quanto elas podem ganhar com tal estudo. A segunda
perspectiva, self-eficacy, procura entender como os alunos percebem suas habilidades
para a performance, especialmente quando em face de uma situação de stress. A terceira,
flow theory, explica que as atividades são prazerosas quando os desafios das tarefas e as
habilidades dos músicos são equilibrados. A quarta perspectiva, atribuittion theory, discur-
sa sobre as diferentes reações que o músico pode ter para explicar uma boa ou fraca
performance. Por fim, a quinta perspectiva, mastery motivational, traz o questionamento
sobre o que ocorre durante o evento performático e por que alguns estudantes, não
obstante suas habilidades, desistem face às dificuldades.
Dentre estas perspectivas, a terceira – flow theory – foi relacionada principalmente
com o trabalho de Csikszentmihalyi, que por sua vez desenvolveu sua pesquisa com
diferentes indivíduos, no contexto da realização das mais variadas atividades. No entanto,
sua teoria foi considerada no ensino musical e testada por alguns pesquisadores, como
O’Neill (apud O´Neill & McPherson 2002) e Custodero (2006).
O´Neill procurou relacionar a quantidade de tempo de estudo e a experiência de
fluxo, a partir de uma pesquisa desenvolvida com 60 jovens com idades entre 12 e 16
anos, com variados níveis de performance. Em sua investigação, a autora observou que os
contextos avaliativos das escolas de música especializadas contribuem para a redução da
experiência de fluxo, de alunos considerados menos habilidosos na prática instrumental. A
autora propõe aos educadores, buscar diferentes meios para motivar os estudantes que
apresentam mais dificuldades, como condição de lhes assegurar que a qualidade de suas
experiências musicais se mantenha intrinsecamente recompensada.
Custodero (2006), por sua vez, investigou a experiência de fluxo com crianças na
faixa etária entre de 0 a 11 anos. Segundo a autora, as observações sistemáticas das
interações das crianças com a música sugerem três princípios a ser considerados pelos
docentes durante as atividades de educação musical: o cuidado para com o estabeleci-
mento e manutenção de desafios apropriados; o reconhecimento e engendramento da
autonomia dos alunos; e o envolvimento dirigido das crianças em atividades que são
valorizadas pela cultura em geral e pela cultura da infância, a partir do aproveitamento da
natureza engajadora11 da atividade musical.
Csiksentmihalyi vem desenvolvendo, há mais de trinta anos, uma “fenomenologia
sistemática” (como ele mesmo define) com ferramentas das ciências sociais, principal-
mente da psicologia e da sociologia, para investigar como se pode ter uma vida excelente
nos mais diversos sentidos: trabalho, relacionamentos, lazer, entre outros.
Segundo as conclusões do autor depois de tantos anos de pesquisa, um conjunto
claro de metas em nossas atividades rotineiras nos facilita “experiências de fluxo”. Mas o
que é o fluxo? Segundo Csikszentmihalyi (1999), é um estado de envolvimento total com
o que se está fazendo, que ocupa a mente com um certo grau de exigência de concentra-
ção, está adequado às habilidades do indivíduo para proporcionar desafios possíveis de
transpor e oferecer o prazer com os resultados (feedback imediato, como chama o autor).
Uma atividade que envolve completamente a pessoa a ponto dela perder a noção do
tempo e até da própria fome:

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(...) raras vezes sentimos a serenidade que surge quando o coração, a vontade e a mente participam
do mesmo evento (...) Esses momentos excepcionais são o que chamei de experiências de fluxo. A
metáfora do ‘fluxo’ foi utilizada por muitas pessoas para descrever a sensação de ação sem esforço
experimentada em momentos que se destacam como os melhores de suas vidas. Atletas se refe-
rem a eles como ‘atingir o auge’, místicos religiosos como estar em ‘êxtase’, artistas e músicos como
enlevo estético. Atletas, místicos e artistas fazem coisas muito diferentes quando alcançam o fluxo,
no entanto suas descrições de experiência são extraordinariamente similares. (...) O fluxo tende a
ocorrer quando as habilidades de uma pessoa estão totalmente envolvidas em superar um desafio
que está no limiar da sua capacidade de controle” (Csikszentmihalyi, 1999, p. 35-37)

Portanto, as reflexões que são tratadas neste texto, acerca da motivação para o
estudo de instrumento musical, levam a considerar a teoria do fluxo defendida pelo autor,
como especialmente significativa para este processo. Suas orientações merecem ser
verificadas no trabalho cotidiano do professor de instrumento. Nesta interpretação obser-
va-se que, o que às vezes ocorre com crianças, principalmente no final da infância e início
da adolescência, que já têm os padrões da sociedade internalizados, a dualidade trabalho
versus diversão pode confundi-los, no caso do processo de aprendizagem musical.
Para eles, estudar é algo correspondente ao trabalho para os adultos, portanto algo
nem sempre fácil, mas que é necessário fazer para o bem de seu futuro, mesmo que,
freqüentemente, não seja tão agradável. Do outro lado está a diversão, que é algo tido
como de pouca importância, fácil, mas quando ela está ocorrendo, os jovens mostram-se
alegres e motivados.“Em outras palavras, a divisão entre trabalho que é necessário, mas
desagradável, e o que é agradável, mas inútil, está bem estabelecida no final da infância”
(Csikszentmihalyi, 1999, p 58).
Assim, um dos principais elementos para discussão a ser considerado é a questão do
trabalho e do lazer: alguns estudantes de instrumento consideram a prática instrumental
como “trabalho”, pensando tal prática, como necessária segundo os padrões laborais vi-
gentes; outros vêem a prática como “diversão”, delegando para esta atividade um caráter
“inútil”, como algo que deveria ser muito fácil. Então, o que justificaria para eles o investi-
mento de energia para estudar algo que não é fácil, exige esforço ou, por outro lado, que
talvez não “sirva para nada” em suas vidas práticas? É necessário, portanto, orientar esta
falta de perspectiva que norteia o pensamento de diversos alunos, que até gostam de
música, mas não encontram motivos para este estudo. Freqüentemente, para as crianças
e adolescentes, a música está associada à diversão, a um momento de encontro com
determinado grupo, entre outras possibilidades. Neste sentido, considerando as duas pos-
sibilidades - do lazer e do trabalho - o autor orienta: “(...) a pior condição que relatam é
quando o que fazem não parece nem trabalho nem diversão (...) sua auto-estima fica mais
baixa (...)” (Csikszentmihalyi, 1999, p. 59)
O que o autor propõe em seu trabalho é que os incentivos devem emergir, natural-
mente, a fim de obter o estado de fluxo na realização de uma tarefa específica, como a
execução instrumental. Para que isso aconteça, é necessário ter metas claras,“não porque
seja importante alcançar metas, mas porque, sem uma meta, é difícil se concentrar e evitar
distrações” (Csikszentmihalyi 1999, p. 133). Assim, mesmo que a pessoa não experimente
o fluxo, o simples fato de se orientar em direção às metas estabelecidas melhora o estado

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da mente: até um trabalho pouco prazeroso faz algum sentido se os indivíduos conse-
guem vê-lo como mais uma parte de suas metas.
Encontrar sentido em cada tarefa de estudo: perceber a evolução dos dedos ao
praticar exercícios técnicos, vencer uma dificuldade na leitura do texto musical, tocar no
andamento desejado. Da mesma forma que os esportistas sentem prazer em superar
obstáculos para melhorar seus desempenhos, também os músicos, outros artistas, enfim,
indivíduos na realização das mais variadas tarefas, o sentem. Não é fácil construir este
processo internamente, e o autor alerta para isso. É necessário ter sempre um investimen-
to inicial de energia psíquica para chegar a um ponto em que qualquer coisa que se esteja
fazendo seja capaz de motivar naturalmente e com grandes possibilidades de vivenciar a
experiência de fluxo. O que ocorre é que a maioria dos sujeitos tem muita falta de entusi-
asmo para fazer o investimento inicial.
A reflexão aqui proposta, portanto, traz como implicação para o ensino do instru-
mento, a proposta de organização do processo de ensino e prática instrumental a partir do
estabelecimento de metas, tanto por parte do professor, quanto por parte do aprendiz,
como primeiro passo para motivar o indivíduo e, na seqüência, chegar a uma possível
experiência de fluxo. O estabelecimento de metas como um processo norteador da prá-
tica instrumental conduz a realização de uma atividade autolética12, na qual a própria
experiência passa a ser a meta principal. Neste sentido, a motivação passa a ser muito mais
intrínseca do que extrínseca, ou não exotélica, isto é, motivada apenas por fatores exter-
nos. Esta categoria de motivação externa ao indivíduo, por sua vez, é discutida por Guima-
rães (2001) que adverte para o uso de motivadores extrínsecos prejudiciais, que instigam
o sujeito ao interesse pela recompensa.
A sugestão que se traz, portanto, é de realmente transformar o estudo de instrumento
em algo parecido com um jogo, procurar envolver o processo de ensino numa direção que
leve cada vez mais os estudantes a tomar posse de suas próprias ações. O próprio ato de querer
realizar determinada atividade, segundo Csikszentmihalyi (1999), focaliza a atenção, estabele-
ce a prioridade na consciência criando no indivíduo uma sensação de harmonia interior.
Existem muitos desafios na prática instrumental de que o aluno pode não gostar, no
entanto é possível estabelecer metas para orientar seu estudo, no qual a experiência
pode ser mais positiva, pois o ato de estabelecer a meta, de acordo com Csikszentmihalyi,
pode anular boa parte da dificuldade da tarefa. Como nos esclarece o autor, em um dos
muitos exemplos por ele citados: se até um operário que fazia movimentos repetitivos,
todos os dias, para verificar um aparelho numa linha de montagem, conseguiu dar sentido
ao que fazia aprimorando seus movimentos, como não encontrar sentido, diversão e
desafio estimulador no estudo de instrumento?
É necessário ajudar os estudantes de instrumento a pensar na oportunidade que têm
de encontrar alegria e prazer em suas práticas, construindo o sentido deste processo
internamente com eles e para eles, sendo criativos e reinventando o seu fazer musical. A
disposição de enfrentar os desafios das próprias ações é o que leva ao crescimento pesso-
al e promove a satisfação na prática instrumental. Tal situação, que pode gerar a experiên-
cia de fluxo, é o que oferece o sentimento de realização, entusiasmo, capaz de evitar o
peso da entropia, freqüentemente encontrada no decorrer da vida cotidiana.

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Notas
10
No texto original: Success and failure; Enjoyment; Engagement; Goals. (O’Neill & McPherson, 2002, p. 40-
42).
11
Custodero (2006) discute em seu texto a qualidade das tarefas educacionais a partir da necessidade de
se produzir o engajamento das crianças com a proposta apresentada. Segundo a autora as atividades
prazerosas motivam os alunos, levando-os a uma melhor compreensão e a valorização do conteúdo.
Autotélica: palavra composta por dois radicais gregos: auto (relativo ao indivíduo), e telos (meta, finalida-
12

de).

Referências
Custodero, L A. (2006) Buscando desafios, encontrando habilidades: a experiência de fluxo e
a educação musical. In: Ilari, Beatriz (Org.). Em busca da mente musical (pgs.381-399). Curitiba:
Editora da UFPR.
Csikszentmihalyi, M. A descoberta do fluxo. Psicologia do envolvimento com a vida cotidiana. (1999).
Rio de janeiro: Rocco.
Guimarães, S.E.R. (2001). A motivação do aluno: Contribuições da Psicologia Contemporânea.
Petrópolis: Vozes.
Kaplan, J.A. (1997) Teoria da aprendizagem pianística: uma abordagem psicológica. Porto Alegre:
Movimento.
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psychology of music performance. Creative Strategies for teaching and learning (pgs 31-46). New
York: Oxford University Press, Inc.
Woolfolk, A.E. (2000). Psicologia da Educação. Porto Alegre: Artes Médicas.

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Natural and learned schemata in the musical
expressions of Israeli-Arab kindergarten
children: a case study

Claudia Gluschankof
mgluschan@actcom.co.il
Levinsky College of Education - Tel-Aviv - Israel

Abstract
The presence of natural and learned schemata in musical works has been previously
studied (see for example Cohen & Jeger-Granot, 1997; Cohen & Mondry, 1997;
Cohen, 2003). Schemata as underlying the musical expressions of North American,
English-speaking young children has been suggested by Cohen (1980). The
presence of natural and learned schemata in the musical expressions of a 4-year-
old Israeli-Arab girl playing the darbouka, a traditional Arab vase-shaped drum is
at the core of this case study - one of three belonging to a larger study on the
spontaneous and self-initiated musical behaviors of Israeli Jewish and Arab
kindergarten children (Gluschankof, 2005).
Visual ethnography was the methodology used. Episodes selected for an in-
depth microanalysis were typically representative of the kindergarten, with content
particularly revealing, rich, and unique.
Analysis and interpretation of the data indicate that young children are able to
incorporate learned schemata from their own culture as a whole, i.e. the musical
schema considered appropriate for [??] an instrument, if they are extensively
exposed to it, and if they have the opportunity to explore the stylistic technique
for that instrument. In this case, the only present learned schema is the rhythmic
pattern massmoudi khabir, belonging to Arab music. It is usually played on the
darbouka, with the hands.
Natural schemata are not instrument-dependent. They are present while exploring
a familiar instrument – in this case, the darbouka - in innovative ways – in this case,
with mallets. Three natural schemata are present: (1) an ever-present, underlying
pulse, (2) the preparation-arrival schema and (3) ascending curves: longer units
and slow tempo at the beginning, giving way to shorter units developing into
accelerando.
Keywords: Musical style, Schemata, Musical development, Young children

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1. Background
The presence of natural and learned schemata in musical works has been previously
studied (see for example Cohen & Jeger-Granot, 1997; Cohen & Mondry, 1997; Cohen,
2003). Schemata as underlying the musical expressions of North American, English-
speaking young children has been suggested by Cohen (1980). The presence of natural
and learned schemata in the musical expressions of a 4-year-old Palestinian girl is at the
core of this case study – one of three belonging to a larger study on the spontaneous and
self-initiated musical behaviors of Israeli Jewish and Arab kindergarten children
(Gluschankof, 2005).
Schemata – natural and learned – are internal unconscious principles for constructing
groupings (Lerdahl & Jackendorff, 1983; Cohen, 1994). They are “obtained as the result of
logical processing taking into account psychoacoustic and cognitive constraints” (Cohen,
1994, p. 55).
Natural schemata are universal systems of operations, which have been consciously
or unconsciously crystallized in our minds from a very early age, and lie at the basis of
musical activity: its creation/composition and the receptive act of listening to it (Cohen,
2001). These schemata exist in different domains, such as nature, music, dance, language,
and human relations (Lerdahl & Jackendorff, 1983; Cohen, 1994; Blacking, 1971/1995).
Some are mainly pertinent to the field of music, notably theme and variation, and particularly
melodic inversion (Blacking, 1971/1995). They are not defined in precise, quantitative
terms; they may contain emotional aspects; and they are“manifested in various ways with
different degrees of abstraction and may be grouped into schema types in various domains”
(Cohen, 2003, p. 196). Schemata may be expressed variously, using different materials in
different cultures (Nattiez, 1977).

2. Aims
The aim of this study is to gain understanding of the ‘musicking’ (Small, 1998) of
young children – i.e. their natural presdispositions and the rules and schemata governing
their creating/improvising with musical instruments – specifically regarding the nature of
the spontaneous behavior and self-initiated activities of Israeli Arab (i.e. Palestinian) children
in the kindergarten music area.
This study is based on an interpretative paradigm, which precludes delineating
research questions in their final form prior to entering the site chosen for field study. The
initial questions that guided this study were:
• What intuitive musical understanding (cognitive processes) can be inferred from
the children’s musical expressions?
• What stylistic features are identifiable in the self-initiated musical expressions of
young children in an Israeli Arab kindergarten setting?

3. Method
The study’s design was guided by its research questions and the researcher’s previous
knowledge and assumptions, particularly in regard to early childhood and music. These

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assumptions are constructivistic, calling for open-ended methodologies within an
interpretative paradigm, where findings are not anticipated but rather, emerge while the
study is in progress. Such methodologies have been used in similar previous studies on the
musical expressions of young children (see Pillsbury Foundation Studies, 1978; Cohen,
1980; Smithrim, 1997; Young, 2003).
In this study, specifically, the method used is audiovisual ethnography, described by
Tobin, Wu, and Davidson (1989), an open-ended methodology that requires gathering
data in context. Therefore, it is an appropriate one for this study.
The researcher-ethnographer observed 4- to 5-year-old children active in the music
area in their kindergarten: an urban Arab kindergarten in a Church-operated (parochial)
school, attended by 4- to 5-year-olds. The researcher got to know this kindergarten only in
her role as researcher, foreign to the culture and with only a basic-level receptive knowledge
of the spoken language. As the researcher came from a different culture than that of the
school (i.e. Jewish-secular vs. Arab-parochial), she had to establish trust and gain the
acceptance of the school headmistress, the kindergarten teacher, the kindergarten aide,
the parents, and of course, the children.The video recordings were made from November
1996 through June 1997, by the researcher, using a home video camera. The camera was
handheld rather than in a fixed position, and followed the children. The children became
accustomed to the camera and the researcher’s observing them through it. 6.5 recorded
hours of raw data include musical and non-musical episodes, some clearly audible and
others not.
Two strategies – descriptive and microanalytic – were found to be the most suitable
for understanding the complex reality of kindergarten children’s behavior in a natural
environment set up to encourage musical play. This study presents results of the
microanalysis, i.e. a qualitative ethology approach (Morse, 1994), that enables to observe,
describe, and interpret the above-mentioned complex behavior. Episodes selected for this
in-depth microanalysis were typically representative of the kindergarten, with content
particularly revealing, rich, and unique.
The process of data analysis of each episode followed Wolcott’s suggestion (1994, in
Graue & Walsh, 1998): a triple approach including description, analysis, and interpretation.
This was based on Geertz’s theory of thick description (Titon, 2003).The description was in
written form, with added musical notation and stills taken from the video footage provided
for supplemental illustration.The analysis involved coding, looking for patterns, and noting
saliences.

4. Results
The case study features Oola, a girl five by the end of the school year, in her
relationship to the darbouka. The two different episodes chosen for this case study were
recorded on two separate occasions, in which she displays a range of musical expressions
with this instrument.
a.The form of the first episode, that lasted 16’55", can be seen as a suite: introduction,
solo I, duet, interlude, solo II.The introduction function as a warm-up, and the interlude, as
a transition. The characteristics of the other movements are:

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• Sequence of rhythmic playing and pause – Solo I
The sequence of rhythmic playing and pauses can be seen as waves of energy. After
each pause, the tempo changes. The tempo sequence is as follows: MM = ca. 108, 88,
76-104, unsteady, 88, unsteady, 84-92, unsteady, unsteady, 100-92, 116.This can be seen as
a convex curve, comprised of zigzag sections. The fast and energetic last section may
contribute to some sense of ending.
A single rhythmic pattern: and variants on it, is played in each
rhythmic section.This pattern, in its rhythmic characteristic, is identifiably the “massmoudi
khabir”, a well-known rhythmic pattern in Arab music. In this musical tradition, rhythmic
patterns are comprised of fixed cycles of strong beats (called ‘dum’), weak beats (called
‘tek’), and sometimes rests (called ‘has’). The ‘dum’ is played on the middle of darbouka
drumhead, with one hand, sounding lower than the ‘tek’, that is played on the rim with the
other hand, that also plays the ornamentation.
Oola beat only with her right hand, usually in the middle of the drumhead, therefore
rhythmically characteristic of the massmoudi khabir, but not timbrically.The way she opens
and closes her left hand on the darbouka’s rim may indicate that she is trying to play as it
should be done. Her left hand always closes at the end of the cycle; this indicates that she
acquired the learned schema cognitively, but her motoric skills are as yet insufficient to
perform it. The massmoudi khabir is played in sequences of two to seven repetitions. A
sequence of two repetitions is played only once, this being the consequence of an
uncomfortable posture.
Sometimes, at the end of sections, she does not play the entire massmoudi khabir,
but only the first part of it, as she did in the second section:

The unsteady sections are characterized not only by the lack of a steady tempo, but
also by the massmoudi khabir being played only in part, as in section 8: , or in

section 4: .
The repetition of the same rhythmic pattern contributes to a short-term directionality
and low complexity (Cohen, 2003). With one exception, all sections end either with a
quarter note added to the massmoudi khabir, or with an eighth and a quarter note added
to that pattern.This may indicate the existence of the preparation-arrival schema (Cohen,
1980).
• Music as a form of communication – Duet
In this duet, three types of peer interaction in play (Parten, 1932 in Power, 2000)
developed: parallel play, associative and cooperative. The type of the engagement with
the instrument developed in parallel to the above-mentioned type of play, from exploration
to mastery and to a beginning of gesture production (Cohen, 1980; Swanwick & Tillman,
1986). It is suggested here that both aspects, i.e. types of peer interaction, and type of
engagement with a musical instrument, are interrelated.
• Searching for sounds – Solo II played on the toy guitar

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In this section, Oola was determined to produce sounds from the toy guitar. She is
acquainted with the oud, one of the instruments played in wedding bands. It is assumed
that she related to the toy guitar as an oud, rather than as a guitar, because she never held
it as a guitar is usually held, but closer to the manner of holding an oud.The exploration did
not succeed, but it seems that she was determined or had the urge to produce a musical
gesture. Because the strings could not serve as a means for that, she resorted to using the
toy guitar as a drum, playing a rhythmic pattern that she had already mastered: the
massmoudi khabir, as she had done previously while playing in ensemble with a classmate.
This solution is an original one. The massmoudi khabir is a rhythmic-timbric pattern,
intended to be played on a percussion instrument, and not on the back of a guitar. This is
not the way it is played in the Arab musical tradition. Nevertheless, the urge for producing
a musical gesture was so great that Oola broke the barriers of the tradition, and“transposed”
the rhythmic-timbric pattern to other instrument.
The musical gesture was comprised of the massmoudi khabir repeated six times,
and a variant of it ( ), played in accelerando (MM = ca 80 - 120). The latter
contributed to some sense of directionality, while the repetition of the same pattern
contributed to momentary complexity.
When Oola left the toy guitar on the shelf, she took the darbouka , and played
massmoudi khabir, and the same variant as previously.This can be considered a coda of the
previous musical gesture.
b. The second episode lasted 9 minutes, and is characterized by the ways Oola
related to the different instruments.The different instruments are four: (1) darbouka
with two mallets, (2) darbouka with one mallet, (3) darbouka without mallets, and
(4) toy guitar. Apparently, those are only two different instruments, i.e. darbouka
and toy guitar, played with different techniques. Nevertheless, for Oola playing the
darbouka with two mallets, or with one mallet or with the hands, means playing
three different instruments. This is evidenced by the way she explored each of
them, in the specific rhythmic patterns played on each.
Still, it is notable that there are some similarities in the way Oola related to the
darbouka with two mallets and to the darbouka with one mallet. The similarity resides in
the exploration-mastery cycle performed in each of them. Mastery is also present in her
relating to the darbouka without mallets, and, in a sense, to the toy guitar.
• Exploration
This phase is characterized by exploring the instrument through all the senses, as
previously identified by Cohen (1980), Swanwick and Tillman (1986), and Delalande (1989/
1993). Oola employed but two of her senses: hearing and kinesthesia. This is indicated by
the fact that she concentrated on the darbouka’s drumhead, changing her way of striking
it, such as beating with various parts of the mallets, using big movements and small
movements. The consequence of this exploring was a variety in timbres and unsteady
rhythmic and dynamic sequences.
This phase makes possible to get to know the instrument, to try playing techniques,
and in a way serves as a way of warming up towards a phase that concentrates on the
musical material.

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• Mastery
In this phase, the focus is on the musical material, as it strives towards a mental image
of sounds. (Cohen, 1980), developing an urge to master the production of the musical
material (Swanwick and Tillman, 1986). This phase was present in all four instruments.
Musical ideas which have the potential of developing into musical motives appeared in
each of them. Mastery may evolve into another phase, called by Cohen (1980) gesture
production and imitation, i.e. the production of a personal musical expression or the
production of a piece in the vernacular (Swanwick and Tillman, 1986).
• Gesture production
This phase was reached only with two instruments: (1) the darbouka played with
two mallets, and (2) the darbouka played with the hands.
The musical gesture played with two mallets on darbouka is based in the alternating
hands technique Oola developed in the exploratory phase. It is composed of only two
duration units: quarter note and eighth note; its length, measured in number of beats, is 30.

One pattern with variants comprises this gesture: . The variants are the

consequence of cognitive operations: contraction (e.g. ) and reduction (e.g.

). The whole gesture can be seen as two ascending curves in the duration
parameter: the duration units are longer at the beginning, and turn into shorter ones; the
tempo starts slow and develops into accelerando. The inexact repetition of the curve
imparts some sense of directionality, while the concurrence between the two curves of
change contributes to short-term complexity. All these features may indicate that natural
schemata underlie this gesture.
The musical gesture played with the hands on the darbouka played is a composite
gesture composed of a very short introduction and three parts. All of them containing a
single rhythmic pattern: the massmoudi khabir, itself comprising two duration units (quarter
note, eighth note). It ends with a short pattern which is the beginning of the massmoudi
khabir.
Each section is longer (12 beats, 20 beats, and 30 beats) and slower than the other
(MM = ca. 120 to 100). It can be seen as two different curves of change: an ascending
one in the duration parameter, and a descending one in the tempo parameter. The use of
a single rhythmic pattern contributes to short-term directionality, while the non-concurrence
between the two curves of change contributes to some level of complexity .
These characteristics comply with the style of Arab music. It is reinforced in the way
Oola plays the darbouka. She holds it under her left arm, and plays with her right hand
while opening and closing her left hand concurrent with the rhythmic pattern. She is
striving to play with both hands as it is traditionally played. When she holds the darbouka
in the traditional way, she plays only a rhythmic pattern of her culture, i.e. a learned
schema, which belongs to the vernacular. This phase, the vernacular one within Swanwick
& Tillman’s (1986) imitative phase, was exhibited in their study by older children.

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5. Conclusion
The darbouka is widely used in Arab music, in the art, folk, and popular genres.
Children are exposed to this style of music and play (usually under the arm, beaten with
the fingers, palms or heels of both hands). The rhythmic pattern massmoudi khabir is a
learned schema, belonging to Arab music. Oola incorporated this learned schema as it is
shown in the way she played it in the darbouka,and even on the toy guitar.She incorporated
this schema as a whole: it is associated with a specific instrument, played with the hands.
Interestingly when Oola plays the darbouka with mallets are present only natural
schemata, like an ever-present, underlying pulse; the preparation-arrival schema; ascending
curves: longer units and slow tempo at the beginning, which turn into shorter ones
developing into accelerando.
This may suggest that young children are able to incorporate learned schemata from
their own culture if they are extensively exposed to it, and if they have the opportunity to
explore the stylistic technique with the right instrument. Natural schemata are not
instrument dependent.

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A criança e a música: As implicações da música
no desenvolvimento intelectual e emotivo
infantil entre zero e dois anos

Carolina Chaves Gomes


carolinacg_musica@yahoo.com.br
Isaac Samir Cortez de Melo
isaac_thevenin@yahoo.com.br
Danilo César Guanais de Oliveira
dguanais@musica.ufrn.br
Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Esta pesquisa visa identificar efeitos da música na criança entre zero e dois anos.
Especificamente, objetivou-se: compreender os aspectos do desenvolvimento in-
telectual e emotivo, na primeira infância, relevantes no desenvolvimento
psicossocial; identificar ações realizadas, entre zero e dois anos, em crianças que
apresentam musicalidade aparentemente acima do padrão; comparar caracterís-
ticas da criança de seis e sete anos que teve acompanhamento musical cedo, com
aquela que não teve. A amostra constituiu-se de dezesseis alunos (entre seis e
sete anos) do primeiro ano do Curso de Iniciação Artística (UFRN). Os pais, mães ou
responsáveis receberam um questionário referente ao ambiente sonoro da crian-
ça entre os zero e dois anos; as professoras responderam um esquema para
análise desses alunos em sala baseado na Ficha Orientadora para Observação da
Conduta Musical de Gainza (1988, p. 39-42). Busca-se, assim, conhecer o ambiente
vivido na primeira infância dos sujeitos, comparando esses dados com seu com-
portamento atual em sala de aula. Após análise dos questionários verifica-se que
a parte da amostra que possuiu estímulo musical intencional do zero aos dois
anos apresenta concentração, e expressa traços melódico, rítmico e tímbrico. As
crianças sem estímulo musical intencional não demonstraram níveis satisfatórios
de concentração ou expressão melódica. Observa-se que a criança estimulada
musicalmente desenvolve certas habilidades de maneira mais refinada. Constata-
se, portanto, que a música presente desde cedo auxilia processos como concen-
tração e expressão.
Palavras-chave: Música; Criança; Desenvolvimento.

1. Fundamentação teórica
O ser humano é o único animal que, ainda antes de nascer, já possui todos os siste-
mas sensoriais funcionando. Ainda na barriga da mãe, por volta do“49º dia após a fertiliza-

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ção, o feto afasta a cabeça do local de estímulo quando sua face é tocada levemente nas
proximidades da boca” (BRAZELTON e CRAMER, 1992, p. 35) e, com seis meses e meio o
feto responde estímulos auditivos, em que “registrou-se [...] mudanças na freqüência de
batimentos cardíacos do feto como resposta a estímulos sonoros” (idem).
O bebê comunica-se e responde não-verbalmente, ao que ocorre em seu mundo, e
essa comunicação exige um certo nível de controle sobre os sistemas neuromotor e
psicofisiológico.
Em relação à audição, Brazelton e Cramer afirmam que o bebê prefere a voz femini-
na à masculina. Nessa faixa de freqüência, os bebês costumam diminuir o comportamento
e decrescer a taxa de batimentos cardíacos (BRAZELTON e CRAMER, 1992, p. 77). Tal fato
explica as diversas recomendações para que os pais cantem para, e com as crianças.
Ainda antes do primeiro ano, mais especificamente, por volta do terceiro mês de
vida, o bebê é induzido a seguir com os olhos e a cabeça procurando a fonte sonora.
Em relação ao terceiro e quarto mês, a mãe e o bebê passam a interagir em sintonia,
realizando:
Jogos seriais de sorrir para o sorriso, vocalizar a vocalização, tocar frente ao toque (...) Quando brincam
juntos, tanto a mãe quanto o bebê estão experimentando domínio. Para o bebê, trata-se da capaci-
dade de seqüênciar os controles e a produção de sinais (BRAZELTON e CRAMER, 1992, p. 137).

Durante os primeiros quatro meses, o eletroencefalograma do bebê acusa um ama-


durecimento (EMDE ET AL apud BRAZELTON e CRAMER, 1992, p. 141) apresentando uma
maior competência cerebral de armazenamento de dados cognitivos e afetivos.
É interessante se reportar também à afirmação que faz a autora em relação ao que
ela chama de quarto estágio (de 8 a 12 meses):
Os avanços cognitivos deste estágio são acompanhados de avanços sociais e afetivos. Os objetos
físicos e humanos começam a ser percebidos como externos ao sujeito. A inquietude que a criança
experimenta em relação às pessoas estranhas sugere que estas são elementos que precisam ser
compreendidos, da mesma forma que os elementos físicos (FARIA, 1998, p. 29).

Partindo do pressuposto de que a interação da criança com seu meio é uma das
condições que favorecem a evolução mental, e que a experiência física é o produto das
ações como tocar, cantar, dançar, jogar, cheirar, saborear, etc do sujeito sobre os objetos, é
interessante afirmar que a criança, desde o seu nascimento, está capacitada para descobrir
ou extrair conhecimentos de qualidades e propriedades como cor, forma, energias etc., a
partir destes objetos.
No período de 12 a 18 meses, segundo Faria (1998, p. 30), a idéia de objeto como
algo externo ao sujeito é consolidado, embora este ainda não possa ser representado.
Qualquer novidade é suficiente para que a criança procure os esquemas mais apropriados
para compreendê-la e assimilá-la.

1.1. A música e a Criança


Considera-se a música como uma das mais importantes formas da expressão huma-
na, pois integra desde aspectos afetivos à cognitivos e estéteis para promover a comuni-
cação social, conferindo significado à essa linguagem.

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O trabalho com música deve considerar, portanto, que ela é um meio de expressão e forma de
conhecimento acessível aos bebês e crianças, inclusive aquelas que apresentem necessidades
especiais. (Referencial Curricular para Educação Infantil, 1998, p. 49).

Para uma abordagem significativa e consistente, é necessário respeitar as fases da


criança, seu modo de perceber, sentir e pensar. Estudos afirmam que, para que a criança se
desenvolva é necessário que ela possua o biológico, psicológico e o social desenvolvidos
de forma integrada.
O primeiro contato com a música “por ouvido” e por imitação é quando a criança
mescla “intuição, conhecimento prático e transmissão oral” (Referencial Curricular para
Educação Infantil, 1998, p. 47 e 48), valendo-se de habilidades importantes para seu de-
senvolvimento.
É intuitivo o processo de musicalização da criança, desde seus balbucios até a escuta
e suas conseqüentes reações, onde podem mostrar-se calmos ou até muito agitados, etc.
Até os dois anos o bebê se expressa sob três aspectos:“o intuitivo, o afetivo e a exploração
(sensório-motora) dos materiais sonoros” (Referencial Curricular para Educação Infantil,
1998, p. 52).
Assim, a produção musical do bebê até os dois anos se caracteriza pela exploração
do som e suas qualidades, e não criação de temas ou melodias definidas. Da mesma forma
a vivência do ritmo não segue pulso ou compasso, há o tempo livre. Seu caráter mais
importante passa a ser o canto, pois, além de bastante acessível, permite a descoberta de
sons possíveis de serem emitidos e integra melodia, ritmo e harmonia, aspectos novos à
vida musical e auditiva do bebê.
A música é integrada à jogos e brinquedos. Dramatizam acompanhando com sons
os movimentos de brinquedos, etc, objetos sonoros e produção musical que terminam
por possuir personalidade e significados. Reiterando a conjugação da afetividade à qual-
quer elemento da vida do bebê. Somente a partir dos três anos o gesto, o movimento e o
som passam a ser o modo de expressão.
Os jogos podem beneficiar a resposta do bebê. É importante que a mãe estabeleça
o“sorrir para o sorriso, vocalizar a vocalização, tocar frente ao toque”(BRAZELTON e CRAMER,
1992, p. 137). Todas as suas vivências devem suscitar o anseio de ouvir e interagir, pois, o
bebê não dissocia o “ouvir” do “movimentar”,pois “percebem e expressam-se globalmen-
te” (Referencial Curricular para Educação Infantil, 1998, p. 64).

2. Objetivos
2.1. Geral
• Observar os efeitos que a música exerce na criança recém-nascida até os dois anos.

2.2. Específicos
• Compreender de forma ampla os aspectos do desenvolvimento intelectual e
emotivo através de toda a vivência musical e o seu papel nos primeiros anos de
vida como fator importante, ou não, no desenvolvimento psicossocial.

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• Identificar as ações realizadas, na fase de zero à dois anos, em crianças que, entre os
seis e nove anos, apresentam musicalidade bastante expressiva.
• Observar a musicalidade, sensibilidade, percepção auditiva, psicomotricidade, senso
rítmico, sociabilidade, memória e atenção da criança de seis à nove anos que teve
acompanhamento musical nos primeiros anos de vida, e aquela que não o teve.

3. Método
Essa pesquisa caracteriza-se como sendo um estudo exploratório-descritivo, contri-
buindo para o âmbito analítico-comparativo. A amostra constituiu-se de dezesseis crian-
ças, alunas do primeiro ano do Curso de Iniciação Artística da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte (CIART-UFRN), com faixa etária entre seis e sete anos.
A coleta de dados foi realizada por fontes secundárias bibliográfica e documentais
(livros, revistas). Contudo, a pesquisa de campo foi centrada em dados obtidos junto às
mães das crianças-alvo através de um roteiro de entrevista e de observações do compor-
tamento dessas crianças nas aulas de música lecionadas no CIART da Escola de Música da
UFRN. Para isso, utilizou-se o questionário de entrevista e um esquema direcionado para
observação, sendo os instrumentos usados para esse fim como melhor alternativa viável.
São questionários de perguntas semi-abertas estruturadas em pontos principais com o
intuito de melhor direcionar as informações coletadas.
Para análise e observação da conduta musical das crianças em estudo, utilizou-se
como base a Ficha Orientadora para a Observação da Conduta Musical de Gainza (1988, p.
39-42), aos quais foram entregues às professoras.

4. Resultados
Nesta pesquisa foram observadas dezesseis crianças com perfis particulares, todas
na faixa etária entre seis e sete anos. Das dezesseis, oito estudam no turno matutino, e oito
no vespertino.
Cinqüenta e seis por cento das crianças possuem músicos na família, setenta e cinco
por cento têm instrumentos musicais em casa, e em oitenta e um por cento dos pais
consideram essencial o ensino de música. Entretanto duas famílias consideram o ensino
de música uma atividade secundária, mesmo esta pesquisa sendo realizada apenas com
alunos que estão cursando aulas de iniciação musical.
A maioria dos responsáveis afirmou que, ao primeiro contato com a música após o
nascimento, a criança procurava o som virando-se, acalmava-se, e sorria. Os entrevistados
disseram que a mãe, ao cantar músicas, durante a fase que se estende até os dois anos,
notava que a criança acalmava-se ou acompanhava a música com movimentos.
Sendo que, sete das dezesseis crianças demonstraram interesse pela música entre
zero e um ano, quatro entre dois e quatro, três após quatro anos. Entretanto, uma não
demonstrou interesse pela música e somente uma o fez entre um e dois anos.
Ressalta-se também, que, do total, dez das crianças costumavam produzir ou repro-
duzir sons que identificavam como “suas músicas”, e onze costumavam explorar sons de
diversos materiais.

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Por fim, dentre as músicas que escutavam em casa, dezoito por cento eram/são
música clássica, forró, e MPB; nove por cento, samba e música internacional; cinco por
cento pagode e sertaneja; como pode ser visualizado no Gráfico I.
Para análise dos resultados da pesquisa, as crianças foram divididas em dois grupos:
as que possuíram estímulo musical intencional entre os zero e dois anos, e as que não o
possuíram.
Baseado na Ficha Orientadora para a Observação da Conduta Musical de Violeta
Gainza (1988, p. 39-42) foi elaborada uma adaptação para que os professores dissertassem
sobre a conduta da criança frente aos objetivos de sala, ou seja, de recepção e expressão
musical, aprendizagem, e relação pessoal ou social.
Constatado que quatro foram as crianças que não receberam estímulo entre os zero
à dois anos, e doze as que o tiveram, será exposto as análises e conclusões mediante
cruzamento dos questionários respondidos pelos responsáveis e pelas professoras.

Gráfico I: Que tipo de música a criança ouvia em casa?

4.1 Recepção Musical


Primeiramente nota-se que, dentre as doze crianças que receberam estímulo musi-
cal intencional, apenas uma não o fez desde a gestação. Incluso nessas, em relação à
motivação em sala, trinta e quatro por cento demonstram interesse, trinta e cinco por
cento, atenção, dezenove por cento, concentração, e doze por cento, memória.
Já as crianças que não receberam estímulo, cinqüenta por cento demonstram inte-
resse, vinte e cinco por cento, atenção e vinte e cinco por cento, memória.

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Observa-se, então a grande disparidade quanto à concentração, as crianças que
receberam estímulos têm maior facilidade de concentração, como pode ser visto nos
Gráficos II e III. Tal fato pode existir pelo fato de ser uma sala de aula de música, e, por não
terem recebido estímulo na primeira infância não se interessarem e tal ser motivo de
desconcentração. Porém, o mesmo foi observado durante as aulas de literatura infantil e
artes plásticas, descartando a hipótese explanada. Verifica-se, então, que a música auxilia
na concentração. De acordo com Howard (1984, p. 66), em seu capítulo sobre o compor-
tamento em relação à música,“o mais importante de tudo é a faculdade de concentração;
e esta só se educa por meio de movimentos rítmicos”.
Nota-se que ainda é pouca a porcentagem dos que apresentam a concentração
como aspecto ou traço marcante. Como as crianças que formam os grupos mencionados
encontram-se no primeiro semestre do Curso de Iniciação Artística, não desenvolveram
completamente, ainda, essa importante qualidade.
Em questão ao aspecto ou traço musical que a criança capta preferencialmente, as
crianças que não receberam intencionalmente a música como estímulo até os dois anos
não captam timbre, melodia ou estilo, especificamente, mas apenas em conjunto integra-
do, não apresentando nenhum desses traços como dominantes.
Quanto à aspectos ou níveis individuais que se demonstram durante a recepção, as
mesmas crianças citadas no parágrafo anterior não evidenciam afetividade, sensorialidade,
ou inteligência, ou seja, não apreciam, escolhem ou gozam da música, não discriminam
qualidades sonoras, e não compreendem e relacionam estruturas sonoras. Já nas demais
crianças (com estímulo musical intencional até os dois anos), o percentual de inteligência
foi da ordem de vinte e um por cento, de afetividade, o mesmo, e de sensorialidade, sete
por cento.

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Gráfico II: Aspecto ou traço musical que a criança capta preferencialmente.
Gráfico III: Aspecto ou traço musical que a criança capta preferencialmente.

4.2 Expressão Musical


Quanto à expressão musical, apenas quatro do total de dezesseis crianças, as quais
são integrantes do grupo que recebeu estímulos propositais, apresentam alta capacidade
de manifestar-se.
A via de expressão principal de ambos os grupos é a voz. O corpo e o instrumento
dividem a porcentagem restante igualmente.
Percebe-se que o primeiro grupo possui maior riqueza quanto aos traços que ex-
pressa, os quais compreendem o sentido melódico, tímbrico (sonoro), rítmico e integração
de todos os traços (os anteriores mais o estético), pois o outro grupo apenas expressa o
rítmico e o tímbrico.
Em relação à aspectos individuais demonstrados durante a expressão, há diversidade
quanto aos dois grupos. O primeiro não apresenta nenhum indivíduo com expressão da
sensorialidade ou da motricidade. Contudo, o segundo grupo não possui o nível social ou
integração de campos (sensorialidade, afetividade, sociabilidade, motricidade, e inteligência).
Contraditoriamente, o segundo grupo, dentre características gerais apresenta co-
municação (30%), não há integração de campos expressivos, há capacidade de jogo (10%),
imaginação (20%), estereotipia (10%), sensibilidade (20%), e criatividade (10%). O primei-
ro apresenta-se com comunicação (13%), capacidade de jogo (13%), imaginação (18%),
estereotipia (3%), sensibilidade (24%), e criatividade (13%), e integração de campos ex-
pressivos (16%).

4.3 Aprendizagem
Quanto à capacidades manifestas (habilidades, técnicas, destrezas) a capacidade de
imitar e a capacidade de interpretar encontram-se em patamares semelhantes; respecti-

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vamente no primeiro e no segundo grupo, estão em vinte e nove, e setenta e um por
cento, e, vinte e oitenta por cento.

4.4 Relação Pessoal


Tratando-se da música, a relação individual do primeiro grupo encontra-se em mais
de setenta e cinco por cento entre excelente e boa. Com o instrumento sessenta e sete
por cento encontram-se nessa faixa. No que diz respeito à sua interação com o professor,
todas encontram-se entre excelente e boa. E, com os colegas de sala, setenta e cinco
encontram-se no mesmo nível.
O segundo grupo, cinqüenta por cento têm boa relação com a música, porém, vinte
e cinco a tem flutuante e o mesmo, regular. Cinqüenta por cento apresenta-se regular
com relação ao instrumento. Vinte e cinco por cento, boa. Com o professor, cinqüenta por
cento encontram-se entre muito boa e boa, vinte e cinco por cento insatisfatória e, o
mesmo, regular. Já com os colegas em sala, vinte e cinco por cento apresenta boa relação,
outros vinte e cinco, insatisfatória, e cinqüenta porcento, regular.

5. Conclusões
Conclui-se, pois, que a inserção da música na criança nos seus primeiro anos de vida,
influencia na sua sociabilidade, concentração, capacidade de interpretar - que está intima-
mente ligada ao processo de aprendizagem, pois, somente aquele que compreende e
relaciona é capaz de interpretar – enriquecendo os traços expressivos da criança, necessá-
rios à sociabilização e ao seu desenvolvimento como um todo.
Entretanto, a criança que possuiu estímulo musical intencional até os dois anos
possui certa defasagem ou desmotivação quanto ao movimento (motricidade). Levan-
tam-se aqui as hipóteses de que a música não foi acompanhada dessa característica ine-
rente, devido à questões sociais, ou de estimulação da própria família, ou ainda à completo
desinteresse desse grupo quanto à tal aspecto.

6. Sub-áreas de conhecimento
Música, Desenvolvimento Humano e Estimulação Musical Infantil

Referências
BRAZELTON, T. Berry, CRAMER, Bertrand G. (1992). As primeiras relações. São Paulo: Martins
Fontes.
FARIA, Anália Rodrigues de (1998). Desenvolvimento da criança e do adolescente segundo Piaget (4ª
ed.) São Paulo: Ática.
GAINZA, Violeta Hemsy de (1998). Estudos de psicopedagogia musical. (Trad. Beatriz A.
Cannabrava). São Paulo: Summus.
HOWARD, Walter (1984). A música e a criança (4ª ed.). (Trad. Norberto Abreu e Silva Neto). São
Paulo: Summus.
MÁRSICO, Leda Osório (2003). A criança no mundo da música. Porto Alegre: Rígel.
Brasil. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental (1998). Referencial
Curricular Nacional para a Educação Infantil. Brasil: MEC/SEF

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Músicos e não-músicos: o treinamento musical
influencia a atenção visual?

Ana Carolina Oliveira e Rodrigues


carolor@email.com
Leonor Bezerra Guerra
lguerra@icb.ufmg.br
Maurício Alves Loureiro
mauricio@musica.ufmg.br
Universidade Federal de Minas Gerais

Resumo
A influência da música sobre a função cerebral tem sido alvo da curiosidade de
neurocientistas e músicos desde a década de 1990. Existem várias evidências que
apontam para a existência dos processos de neuroplasticidade cerebral, tanto
funcional quanto estrutural, decorrentes do treinamento musical, os quais po-
dem produzir diferenças comportamentais entre músicos e não-músicos. Pesqui-
sas sugerem uma influência do treinamento musical em capacidades cognitivas
não-musicais em crianças, mas poucos estudos têm sido realizados para investi-
gar tal influência em adultos. Destes, alguns trabalhos têm relatado, direta ou
indiretamente, a existência de capacidades visuais aumentadas em músicos. En-
tretanto, deve-se ressaltar que os estudos ainda não são conclusivos, consideran-
do tratar-se de um campo de pesquisa recente. O objetivo geral deste trabalho
consiste na investigação da capacidade de atenção visual em músicos e não-
músicos adultos. O grupo dos músicos (n = 26) foi composto por integrantes da
Orquestra Sinfônica e da Banda Sinfônica da Escola de Música da UFMG e o dos
não-músicos (n = 26), por alunos e ex-alunos de graduação ou pós-graduação de
cursos da área biológica da UFMG. A metodologia da pesquisa consistiu em
questionário e testes neuropsicológicos. O questionário forneceu, além de dados
básicos de identificação e caracterização dos indivíduos, informações que permi-
tissem excluir a possibilidade de transtornos de atenção. Foram aplicados os
testes neuropsicológicos “trilhas” e o subteste “símbolos” do WAIS III, capazes de
verificar a capacidade de atenção visual, principalmente para que a sensibilidade
dos mesmos à proposta desta investigação fosse avaliada. O principal teste apli-
cado, multiple choice reaction time (MCRT), exigiu que o indivíduo respondesse, por
meio de ações motoras específicas, a vários estímulos luminosos apresentados.
Para que fosse possível avaliar a capacidade de atenção visual dividida, o teste
MCRT foi aplicado duas vezes. Na primeira vez (situação 1), o teste foi utilizado

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isoladamente. Na segunda vez (situação 2), concomitantemente aos estímulos
luminosos, foram apresentados outros estímulos visuais, que se alternavam alea-
toriamente. Ao indivíduo foi solicitado informar verbalmente a ocorrência da
mudança no momento em que a percebesse. O teste “trilhas” e o subteste “símbo-
los” do WAIS III não revelaram diferença significativa entre músicos e não-músicos,
caracterizando sua pouca sensibilidade para detecção de diferenças dentro da
faixa de normalidade. No teste MCRT sem acoplamento do vídeo (situação 1), os
músicos apresentaram uma porcentagem de respostas corretas significativamen-
te maior quando comparados aos não-músicos (músicos: 69,88%; não-músicos:
67,52%; p = 0,032). No teste MCRT com acoplamento do vídeo (situação 2), não
houve diferença significativa entre os grupos em nenhuma das variáveis do teste
MCRT. Entretanto, os músicos apresentaram tempos de reação aos estímulos do
vídeo significativamente menores (músicos: 1193ms; não-músicos: 1352ms; p =
0,015). Os resultados sugerem uma maior capacidade de atenção visual dividida
em músicos em relação a não-músicos, o que pode indicar a existência de um
benefício do treinamento musical em uma capacidade cognitiva não-musical,
com repercussões para as áreas de educação no processo ensino-aprendizagem
e da saúde nas intervenções terapêuticas visando reabilitação.
Palavras-chave: neuroplasticidade, atenção visual, treinamento musical

1. Fundamentação teórica
Os músicos possuem características cerebrais, tanto anatômicas quanto funcionais,
que não são encontradas em não-músicos e que estão relacionadas com a idade de início
dos estudos musicais (Baeck, 2002). Muitas pesquisas neurológicas descrevem modifica-
ções no córtex cerebral de músicos decorrentes dos vários anos de prática musical. De
acordo com Schlaug et al. (1995a), o plano temporal esquerdo – porção bem definida do
córtex auditivo – é maior em músicos em relação aos não-músicos. Os mesmos pesquisa-
dores descobriram diferenças em outro substrato neuro-anatômico, o corpo caloso (re-
gião anterior), que também é maior em músicos (Schlaug et al., 1995b). As diferenças em
tais estruturas cerebrais são evidentes principalmente em músicos que iniciaram os estu-
dos musicais nos primeiros anos da infância. Um outro estudo mostrou que, em indivíduos
do gênero masculino, o volume médio do cerebelo é maior em músicos do que em não-
músicos (Schlaug, 2001). Em relação às características funcionais do cérebro, pesquisas
também mostram diferenças entre os dois grupos. De acordo com um estudo de Elbert et
al. (1995), os dedos da mão esquerda de violinistas possuem uma maior representação no
córtex sensorial primário do que os dedos da mão esquerda de indivíduos pertencentes
ao grupo controle. Este achado correlacionou-se com a idade na qual os estudos de violino
começaram. Um estudo de Pantev et al. (1998) demonstrou que músicos possuem uma
maior representação cortical auditiva do que não-músicos. A força total de ativação cortical,
que reflete o número de neurônios envolvidos na resposta, foi 25% maior em músicos do
que no grupo controle. Curiosamente, este resultado foi verificado apenas quando o
estímulo auditivo consistia em tons tocados no piano. Para tons puros, mesmo que de
mesma freqüência e intensidade, não foi observada diferença significativa entre músicos

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e não-músicos em relação à ativação cortical.Tal descoberta, de uma maior representação
cortical auditiva nos músicos, correlacionou-se também com a idade na qual os estudos
musicais começaram: quanto mais jovem, maior o efeito.
Os estudos anteriormente citados indicam a existência de uma reorganização cortical
como resultado do treinamento musical.Tal reorganização, por sua vez, poderia produzir
diferenças comportamentais entre músicos e não-músicos no que se refere a capacida-
des cognitivas, incluindo as de percepção e/ou motoras.
O estudo de Brochard et al. (2004) investigou capacidades visio-espaciais em músi-
cos e não-músicos adultos. O experimento principal envolveu a aplicação de um teste
neuropsicológico capaz de avaliar capacidades visio-espaciais de percepção e de ima-
gem. Os pesquisadores mediram o tempo de reação dos indivíduos, em uma tarefa na
qual era preciso detectar a posição de um ponto em relação a uma linha horizontal (discri-
minação vertical) ou vertical (discriminação horizontal), apresentado em uma tela de
computador. Foram realizadas duas condições experimentais: uma condição de imagem –
na qual a linha de referência desaparecia antes que o ponto fosse apresentado, envolven-
do, portanto, a necessidade de uma imagem mental da linha – e uma condição de percep-
ção – que envolvia o mesmo procedimento, porém com a permanência da linha na tela.
Os resultados mostraram que os tempos de reação foram significativamente menores em
músicos em ambas as condições, mas principalmente na discriminação vertical na condi-
ção de imagem. Brochard et al. (2004) citam o estudo de Neuhoff, Knight & Wayand
(2002), no qual foi solicitado aos participantes, com diferentes níveis de experiência mu-
sical, que avaliassem a magnitude de intervalos de altura utilizando um analógico visual.
Os resultados mostraram que os músicos profissionais forneceram respostas mais preci-
sas, sugerindo um melhor uso do domínio visual (distâncias espaciais) para a representa-
ção de uma informação sonora (intervalos de altura). Uma condição controle no estudo, na
qual diferenças de brilho deveriam ser visualmente mapeadas, mostrou que tal vantagem
encontrada em músicos não poderia ser explicada apenas por melhores capacidades
sensório-motoras. Assim, os dois estudos fornecem evidências para uma melhor capacida-
de visio-espacial em músicos.
Brochard et al. (2004) apontam que o aumento das capacidades visio-espaciais ob-
servado nos músicos pode ser devido à experiência de leitura musical, já que a decodificação
de altura envolve o reconhecimento das posições relativas das notas musicais ao longo do
eixo vertical da partitura. O estudo também ressalta que as diferenças observadas poderi-
am ser explicadas por processos atencionais mais eficientes em músicos. Assim, os mes-
mos poderiam apresentar, por exemplo, um campo espacial de atenção maior em relação
aos não-músicos, como é sugerido nos estudos de Furneaux & Land (1999). Entretanto,
segundo os pesquisadores, isso ainda é uma hipótese que requer maiores investigações.
Em relação à prática de leitura musical, é preciso fazer algumas considerações. A
comparação dos movimentos sacádicos, tipo de movimento dos olhos, em músicos e não-
músicos permite observações interessantes. Segundo Kopiez & Galley (2002), para estudo
do processamento da informação visual geral, o padrão dos movimentos sacádicos pode
ser usado como um possível indicador de distúrbios mentais, assim como uma medida da
velocidade de processamento mental. De acordo com os mesmos autores, devido às

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demandas específicas da leitura musical, parece razoável presumir que o início precoce
da prática instrumental com a utilização da leitura pode ser capaz de modificar a maneira
pela qual a informação visual é processada em músicos adultos.
O estudo de Kopiez & Galley (2002), que comparou músicos e não-músicos, mostrou
que, durante a execução de tarefas óculo-motoras simples, músicos profissionais produ-
zem movimentos sacádicos mais rápidos e eficientes, com mais movimentos antecipatórios,
em relação a não-músicos. Vários estudos enfatizam a considerável antecipação feita
pelos músicos do conteúdo visual da partitura, a fim de programar as ações motoras
necessárias a um bom desempenho. Segundo Goolsby (1994), quanto mais experiente o
músico, maior é a antecipação. Kopiez & Galley (2002) sugerem que os parâmetros de
movimento do sistema óculo-motor revelam uma espécie de “impressão digital” da ma-
neira pela qual o indivíduo processa a informação visual, e que tal característica é diferente
nos músicos.
Outros trabalhos, utilizando neuro-imagem, também sugerem uma maior eficiência
dos processos visuais em músicos. Platel et al. (1997) mostraram a ativação de uma área
cerebral visual associativa (área de Brodmann – BA – 19) em músicos, durante uma tarefa
de discriminação de altura. Os autores sugeriram que os músicos imaginavam as melodias
em um eixo visual, a fim de detectar as mudanças de altura. O estudo de Schmithorst &
Holland (2003) investigou a relação entre a prática musical e o processamento de dois
elementos musicais, melodia e harmonia. Os resultados mostraram que músicos e não-
músicos recrutam redes neurais diferentes para a percepção destes dois elementos. Áreas
cerebrais parietais inferiores foram ativadas somente em músicos durante a percepção de
melodia (BA 40) e harmonia (BA 39), e tais áreas já foram descritas como envolvidas em
processamento visio-espacial.
Considerando as evidências que apontam para uma maior eficiência dos processos
visuais em músicos e, especificamente, a necessidade de investigação da capacidade de
atenção visual, como ressaltam Brochard et al. (2004), o interesse deste estudo foi avaliar
o desempenho de músicos e não-músicos em tarefas que envolvem tal capacidade. Esta
investigação poderá contribuir para o conhecimento das diferenças entre os dois grupos
e ressaltar a existência de benefícios do treinamento musical em capacidades cognitivas
não-musicais. Evidências que apontem para um maior desenvolvimento da capacidade de
atenção visual em músicos poderão eventualmente ser consideradas um argumento adi-
cional para a institucionalização definitiva da educação musical no ensino de primeiro e
segundo graus, além de contribuir para intervenções terapêuticas visando reabilitação em
caso de quadros neurológicos.

2 . Objetivos
O objetivo geral do trabalho é comparar o desempenho de músicos e não-músicos
em tarefas que envolvam a capacidade de atenção visual. Os objetivos específicos são:
• Verificar se os músicos apresentam maior capacidade de atenção visual em relação
aos não-músicos.
• Discutir as causas das possíveis diferenças observadas entre os dois grupos.
• Verificar se há relação entre o desempenho dos músicos e dois fatores relaciona-

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dos à experiência musical: idade de início dos estudos musicais e tempo de prática
musical.

3 . Método
O estudo envolveu a participação de dois grupos de voluntários: 26 músicos (média
de idade = 23,3 ± 4,4 anos; 18 homens e 8 mulheres) e 26 não-músicos (média de idade
= 23,6 ± 2,8 anos; 8 homens e 18 mulheres). O grupo dos músicos foi composto por
integrantes da Orquestra Sinfônica e da Banda Sinfônica da Escola de Música da Universi-
dade Federal de Minas Gerais (UFMG) e o dos não-músicos, por alunos e ex-alunos de
graduação ou pós-graduação de cursos da área biológica da mesma universidade.Todos os
voluntários envolvidos deram um consentimento escrito para a participação no estudo, o
qual foi aprovado pelo Comitê de Ética da UFMG. Anteriormente à realização dos testes
descritos a seguir, os indivíduos forneceram informações a respeito de uso de medica-
mentos, ingestão de álcool, horário da última refeição, qualidade de sono da noite anterior
e características de bem estar geral.
A metodologia para a avaliação da capacidade de atenção visual foi desenvolvida
após revisão de literatura e discussão com diferentes profissionais, e consistiu de questio-
nário e testes neuropsicológicos. O questionário de identificação forneceu, além de dados
básicos como início e tempo de prática musical, informações que permitissem excluir a
possibilidade de transtornos de atenção. Foram aplicados os testes neuropsicológicos
“trilhas” e o subteste “símbolos” do WAIS III, capazes de verificar a capacidade de atenção
visual, principalmente para que a sensibilidade dos mesmos à proposta desta investigação
fosse avaliada. O teste“trilhas” requer que o indivíduo conecte, traçando linhas, 25 núme-
ros arranjados aleatoriamente em uma folha de papel, em ordem crescente (parte A), e 25
números e letras, em ordem crescente alternada (parte B). Instrui-se o indivíduo para
realizar a tarefa no menor tempo possível e, ao final do teste, é registrado o tempo total de
realização do mesmo e a quantidade de erros cometidos. O subteste “símbolos” do WAIS
III consiste em relacionar, a partir de um modelo que associa números e símbolos, uma
seqüência aleatória de números com os símbolos correspondentes a cada um. Após a
realização do teste, que tem a duração de dois minutos, conta-se a quantidade de associ-
ações realizadas e o número de erros cometidos.
O principal teste aplicado, multiple choice reaction time (MCRT), encontra-se disponí-
vel no aparelho “Multipsy 821” (Bio-data Gesellschaft fur Biomedizinische), um
microprocessador que faz o registro e a análise de diferentes parâmetros psicológicos e
psicofisiológicos. Neste teste, o indivíduo deve responder, por meio de ações motoras
específicas, a vários estímulos luminosos apresentados. O teste tem a duração de sete
minutos e, ao final do mesmo, o aparelho fornece as porcentagens de respostas corretas,
atrasadas, erradas e omissas. Para que fosse possível avaliar a capacidade de atenção visual
dividida, o teste MCRT foi aplicado duas vezes. Na primeira vez (situação 1), o teste foi
utilizado isoladamente. Na segunda vez (situação 2), concomitantemente à apresentação
dos estímulos luminosos, foi projetado um vídeo, em monitor posicionado em frente ao
sujeito, o qual apresentava uma seqüência de 42 estímulos visuais, sendo, cada um deles,

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uma entre cinco figuras geométricas aleatoriamente escolhidas (triângulo, quadrado, re-
tângulo, círculo ou losango) apresentadas em diferentes instantes também aleatoriamen-
te escolhidos. Ao indivíduo foi solicitado informar verbalmente a ocorrência da mudança
de figura, imediatamente no momento em que a percebesse. Os instantes de resposta
foram registrados pelo aplicador com auxílio de um software especialmente programado
para este estudo, o qual, além de gerar as figuras, fornecia também os instantes, em
milisegundos, das mudanças de figuras e das respostas dos sujeitos. A duração total do
vídeo era exatamente a mesma do teste MCRT. Portanto, esta tarefa (situação 2) exigia do
indivíduo a capacidade de dividir a atenção visual, já que dois conjuntos de estímulos
deveriam ser percebidos simultaneamente: as luzes e as figuras geométricas.

4. Resultados
O teste “trilhas” e o subteste “símbolos” do WAIS III não revelaram diferença significa-
tiva entre músicos e não-músicos, o que mostra que estes testes não são sensíveis para o
objetivo deste estudo. É preciso ressaltar que tais testes são comumente utilizados na
prática clínica para investigar a existência de déficits de atenção. Considerando que a
proposta da pesquisa foi avaliar se existe aumento da capacidade de atenção, e não déficit,
a ausência de diferença significativa entre músicos e não-músicos em relação a esses
testes já era esperada.
No teste MCRT sem acoplamento do vídeo (situação 1), os músicos apresentaram
uma porcentagem de respostas corretas significativamente maior quando comparados
aos não-músicos (músicos: 69,88%; não-músicos: 67,52%; p = 0,032). Quanto às porcenta-
gens de respostas atrasadas, erradas e omissas não foram encontradas diferenças signifi-
cativas entre os grupos. No teste MCRT com acoplamento do vídeo (situação 2), não houve
diferença significativa entre músicos e não-músicos em nenhuma das variáveis do teste
MCRT. Entretanto, os músicos apresentaram tempos de reação aos estímulos do vídeo
significativamente menores (músicos: 1193ms; não-músicos: 1352ms; p = 0,015).
Os resultados sugerem principalmente uma maior capacidade de atenção visual
dividida em músicos já que, na situação 2, os músicos apresentaram um desempenho
equivalente ao dos não-músicos no teste MCRT e, ainda assim, obtiveram um resultado
superior nas respostas ao vídeo. Isso indica que os músicos conseguiram dividir a atenção
visual entre os dois conjuntos de estímulos de modo mais eficiente.
É possível fazer uma relação entre os resultados encontrados e a prática musical. É
interessante notar que, além da atenção visual específica exigida na leitura musical, os
músicos lidam constantemente com outros estímulos visuais em suas atividades musicais.
Músicos instrumentistas tocam quase sempre em conjunto com outros instrumentistas.
Ao mesmo tempo em que tocam seus instrumentos, eles precisam ler a partitura e estar
atentos aos movimentos dos outros instrumentistas ou também do regente, no caso de
uma orquestra ou banda sinfônica. Assim, a execução musical, que quase sempre envolve
mais de um músico, exige mais de um foco de atenção, já que dois tipos de estímulos
visuais necessitam ser percebidos simultaneamente – a partitura e o movimento dos
outros músicos. Logo, assim como a leitura de partitura, a percepção de movimento é algo

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bastante trabalhado na rotina profissional dos músicos, o que poderia constituir mais um
estímulo para o desenvolvimento dos processos atencionais.

5. Conclusões
Os resultados sugerem uma maior capacidade de atenção visual dividida em músi-
cos em relação a não-músicos, o que pode indicar a existência de um benefício do treina-
mento musical em uma capacidade cognitiva não-musical. Os resultados relacionados aos
demais objetivos específicos mencionados anteriormente (relação entre o desempenho
dos músicos e idade de início dos estudos musicais e tempo de prática musical) ainda
serão analisados.

6 . Sub-áreas de conhecimento
- Biologia da Música - Psicologia da Música - Neurociência Cognitiva

7 . Referências
Baeck, E. (2002). The neural networks of music. European Journal of Neurology, 9, 449-456.
Brochard, R.; Dufour, A.; Després, O. (2004). Effect of musical expertise on visuospatial abilities:
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Elbert, T.; Pantev, C.; Wiendbruch, C.; Rockstroh, B.; Taub, B. (1995). Increased cortical
representation of the fingers of the left hand in string players. Science, 270, 305-307.
Furneaux; Land. (1999). The effect of skill on eye-hand span during musical sight-reading.
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Inglaterra.
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Kopiez, R.; Galley, N. (2002). The musicians’ glance: a pilot study comparing eye movement
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Pantev, C.; Oostenveld, R.; Engelien, A.; et al. (1998). Increased auditory cortical representation
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functional anatomic study. Brain, 120, 229-243.
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Schlaug, G. (2001). The brain of musicians: a model for functional and structural adaptations.
In R. J. Zatorre, I. Peretz (Ed.). The biological foundations of music (pgs. 281-299). New York: The
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Schlaug, G.; Jäncke, L.; Huang, Y.; et al. (1995a). In vivo evidence of structural brain asymmetry
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functional magnetic resonance imaging study in humans. Neuroscience Letters, 348, 65-68.

O desenvolvimento da percepção do tempo em


crianças de dois a seis anos: um estudo
investigativo a partir do canto espontâneo

Maria Betânia Parizzi


betaniaparizzi@hotmail.com
Universidade do Estado de Minas Gerais

Resumo
Este trabalho tem como objetivo investigar as relações entre o canto espontâneo
da criança de dois a seis anos e sua percepção do fenômeno tempo. Em trabalhos
anteriores observamos que a partir dos três anos, as crianças demonstram a
necessidade de concluir suas músicas de uma forma previsível, isto é, já manifes-
tam um senso claro de conclusão. Além disso, seu canto espontâneo passa a
manifestar, ao longo de sua evolução, uma ordenação temporal cada vez mais
organizada em unidades regulares. Entretanto, antes dos três anos, isso parece
não ocorrer. O tratamento dado ao tempo é arbitrário e imprevisível. A impressão
que se tem é que ele não é “medido” e sim vivenciado. O que pretendemos
verificar é até que ponto a percepção de tempo da criança de dois a seis anos se
manifesta em seu canto espontâneo. Adotaremos como referencial teórico as
Teorias de Desenvolvimento Musical de Koellreutter (1985), Swanwick (1986) e
Hargreaves (1996) e a Teoria de Eugene Minkowski (1973) acerca do tempo
fenomenológico ou “tempo vivido”. Como metodologia, recorreremos inicialmen-
te à Análise de Produto. Serão selecionados cerca de sessenta cantos espontâneos
de crianças de dois a seis anos, que serão analisados musicalmente por seis
jurados independentes. Destes dados, será elaborada a Análise de Conteúdo de
natureza qualitativa da qual categorias referentes ao fenômeno tempo emergi-

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rão. A partir daí, será feito o cruzamento dos dados fornecidos pela Análise de
Conteúdo com o referencial teórico. Acreditamos que este trabalho possa servir
de estímulo e de recurso para estudos voltados ao desenvolvimento da criança
com implicações na educação musical, na puericultura, na neurologia pediátrica,
na psicologia infantil, na psicopedagogia e em outras áreas correlatas.
Palavras-chave: Percepção do tempo, neuropsicologia, desenvolvimento cognitivo
musical.

Fundamentação teórica e objetivos


O canto espontâneo representa um desafio para qualquer pesquisador. Enquanto o
desenho da criança já tem sido alvo de intensos estudos há várias décadas, a música vocal
produzida espontaneamente pela criança, que se manifesta mais nitidamente a partir dos
dezoito meses de idade, é praticamente desconhecida na comunidade científica. Uma
grande dificuldade envolvendo estudos desta natureza é a complexidade de se registrar
essa manifestação da criança. Como o próprio nome já indica, o canto espontâneo ocorre
de maneira imprevisível e está associado, muitas vezes, ao ato de brincar. Além disso, é
provável que as pessoas em geral ao escutarem essa forma tão efêmera e espontânea de
expressão da criança não a interpretem como sendo música.Talvez, todas essas questões
possam justificar a escassez de pesquisas sobre o assunto (PARIZZI, 2005).
Nosso interesse pelo canto espontâneo já dura mais de vinte anos e culminou, mais
recentemente, em uma dissertação de mestrado na qual investigamos as relações entre o
desenvolvimento cognitivo da criança de três a seis anos e seu canto espontâneo. Uma
das principais conclusões a que chegamos foi que essa forma de manifestação da criança
tem um fluxo evolutivo previsível, análogo ao seu desenvolvimento cognitivo.
Uma outra questão interessante que emergiu desse estudo foi a forma como o
“fenômeno tempo” se manifestou nas músicas investigadas. A partir dos três anos, as
crianças demonstram sentir necessidade de concluir suas músicas de uma forma previsí-
vel, isto é, já manifestam um senso claro de conclusão. Além disso, constatou-se que seu
canto espontâneo passa a manifestar, ao longo de sua evolução, uma ordenação temporal
cada vez mais organizada em unidades regulares. Antes dos três anos, isso parece não
ocorrer. O tratamento dado ao tempo é arbitrário e imprevisível. A impressão que se tem
é que ele não é “medido” e sim vivenciado. Esse tempo, definido por Minkowski (1973)
como “tempo vivido”parece ser o único a ordenar o canto espontâneo da criança durante
seus dois primeiros anos de vida. Essa observação despertou nosso interesse em estudar
mais profundamente o assunto e tentar responder uma questão central: até que ponto, a
percepção do tempo se materializa, se concretiza no canto espontâneo da criança de dois
a seis anos.
Para a elaboração desta pesquisa fundamentaremos nosso trabalho nas Teorias do
Desenvolvimento Musical de Keith Swanwick (1988) e David Hargreaves (1996). Isso se
justifica pelo fato de que essas duas teorias são calcadas em uma concepção de desenvol-
vimento que integra não só as modificações ocorridas espontaneamente em uma cultura,
“sem nenhum esforço consciente ou direcionamento”, como é o caso do canto espontâ-

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neo, como também “aquele desenvolvimento que é resultado de um treinamento espe-
cífico” (RUNFOLA e SWANWICK, 2002)
Para proporcionar a esta investigação uma perspectiva mais ampla e humanista,
integramos também as idéias de Hans Joachim Koellreutter (1985) sobre a evolução da
consciência humana. Este autor associa a evolução da consciência não somente à história
da nossa civilização como também à trajetória do homem enquanto indivíduo
(KOELLREUTTER, apud BRITO, 2000). Nessa teorização, Koellreutter (1985, 1997a, 1997b)
enfatiza que a música produzida por crianças pequenas reflete a maneira como elas
percebem o mundo.
Nosso interesse pelo estudo do tempo foi também desencadeado por H. J. Koellreutter,
ainda na década de oitenta. Este autor também considera a percepção de tempo e espaço
como responsável pelas modificações mais significativas em todas as culturas e civiliza-
ções (KOELLREUTTER, apud BRITO, 2001). Abordagens filosóficas e históricas sobre o as-
sunto são inúmeras e já têm sido alvo de reflexão desde a Antiguidade (Aristóteles,
Agostinho, Newton, Heidegger, dentre outros). Entretanto, estudos que correlacionam a
percepção do tempo na criança com seu desenvolvimento cognitivo-musical são ainda
escassos e pontuais. Os clássicos estudos de Jean Piaget (1946, 1952, 1982) continuam
sendo uma importante referência.
Foi, contudo, na obra de Eugene Minkowski, O Tempo Vivido (1973), que encontra-
mos os elementos primordiais que poderão nos conduzir à compreensão da vivência
temporal das crianças que se manifesta em suas músicas. A teoria de Minkowski foi utiliza-
da como fundamentação teórica de uma tese de doutorado na Universidade de São Paulo,
que apresentou um estudo sobre a vivência temporal presente na fala de crianças na pré-
escola (QUELUZ, 1989).
Minkowski (1973) verificou que o tempo, quando tratado na vida cotidiana, tende a
ser reduzido a intervalos, “distâncias medidas em minutos, horas e em calendários que
marcam os dias, meses e anos”. Quando as pessoas não se adequam a essas medidas,
considera-se que apresentam desorientação temporal e, como conseqüência, patologias
que se manifestam através dessa forma de desorientação. Chegando a essa constatação,
Minkowski julgou ser este um ponto de partida muito restrito para se estudar o tempo,
pois estudos dessa natureza não deveriam ter como fundamento medidas de orientação
ou desorientação. Esses são atributos “espaciais” aplicados ao tempo que dele constituem
apenas uma parte racional e abstrata. O tempo apresenta também aspectos muito mais
amplos e ricos que têm um caráter “não racional” e não podem ser percebidos pelo
pensamento discursivo, mas captado como uma totalidade, como um“oceano misterioso
em movimento contínuo” (BERGSON apud MINKOWSKI, 1973). Assim, Minkowski consta-
tou que em nossas vidas transitamos constantemente entre a “vivência temporal natural e
espontânea” e “a experiência racional do tempo medido”.Isso levou o autor a concluir ser
possível experienciar o tempo em duas possibilidades: uma que o apresenta como um
“fenômeno não racional, fenomenológico, refratário a toda forma conceitual”,e outra que
surge quando “tentamos representá-lo sob a forma de uma linha reta”.
Assim, o corpo principal de nosso referencial para a análise dos cantos espontâneos
será constituído pelas teorias do desenvolvimento musical de H.J. Koellreutter (1985),

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Keith Swanwick (1988) e David Hargreaves (1996). Para investigarmos as relações entre o
canto espontâneo e o desenvolvimento da percepção do tempo na criança nos apoiare-
mos na Teoria do Tempo Vivido de E. Minkowski (1973).
Acreditamos que este trabalho possa ter desdobramentos e servir de estímulo e
recurso para estudos voltados ao desenvolvimento da criança com implicações na pueri-
cultura, na neurologia pediátrica, na psicologia infantil, na psicopedagogia, na educação
musical e outras área correlatas.

Metodologia
1 - Delineamento
Este estudo se caracteriza como de delineamento exploratório. A pesquisa
exploratória tem como principais objetivos“proporcionar maior familiaridade com o pro-
blema” e assim “torná-lo mais explícito”,e aprimorar “as idéias e intuições” do pesquisador
(GIL, 2002). O planejamento da pesquisa exploratória caracteriza-se por sua flexibilidade,
podendo envolver desde levantamento bibliográfico e entrevistas até análises de exem-
plos representativos do assunto em questão. Este último é o caso desta investigação.

2 - Amostra e natureza dos dados


A amostra deste estudo consiste de cantos espontâneos produzidos por crianças,
alunas do Núcleo Villa-Lobos de Educação Musical. Esta é uma escola particular de música,
considerada referência em Belo Horizonte, fundada em 1971 e pioneira, nesta cidade, no
trabalho musical com crianças entre dois e seis anos de idade. Os cantos espontâneos,
gravados no período de 2002 a 2005 com equipamento digital de excelente qualidade,
fazem parte do acervo do Núcleo Villa-Lobos de Educação Musical. Eles podem ser consi-
derados dados existentes, ou seja,“dados já presentes na situação em estudo e que po-
dem ser utilizados na pesquisa sem modificações” (LAVILLE & DIONNE, 1999).
A amostra será determinada por critérios de tipicidade e oportunidade, o que se
justifica pela natureza do estudo. Portanto, ela será formada em função das “escolhas
explícitas do pesquisador, a partir das necessidades de seu estudo” (LAVILLE & DIONNE,
1999) Uma seleção randômica poderia eliminar justamente os casos mais típicos e repre-
sentativos da faixa etária selecionada. Assim, serão selecionados em torno de sessenta
cantos espontâneos considerados exemplares, os quais serão distribuídos de forma ho-
mogênea ao longo da faixa etária escolhida (dois a seis anos), de acordo com os seguintes
critérios:
• músicas vocais, com ou sem letra;
• músicas diversificadas e representativas de cada idade:“esboço, pot-pourri, imagi-
nativa, transcendente” (PARIZZI, 2005c, 2006);
• músicas criadas espontaneamente durante as aulas de música e sem vínculo per-
ceptível com o repertório musical usualmente conhecido pelas crianças.
Sobre isso, Hargreaves et al (2002) enfatizam que estudos envolvendo formas de
manifestações artísticas devem ser baseados em atividades relacionadas aos conteúdos

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trabalhados durante as aulas e não em “testes importados de laboratórios de psicologia”.
Esta investigação será realizada a partir de cantos espontâneos criados pelas crianças em
seu contexto real de aula, portanto, sem possibilidades de manipulação ou controle.
Os cantos selecionados serão gravados em CD, segundo uma ordem randômica, e
posteriormente submetidos a seis jurados independentes, conforme será descrito no
próximo item (Método).

3 - Método
3.1 - Avaliação dos cantos espontâneos – Análise de Produto
A partir da seleção e preparação do CD com os cantos espontâneos, iniciaremos o
procedimento empírico desta investigação. Nessa primeira etapa, utilizaremos como
método a Análise de Produto. Essa abordagem permite que observadores ou jurados
independentes façam interpretações pessoais acerca do objeto de estudo. As reflexões e
interpretações das evidências fornecidas por aqueles que não tiveram participação na
produção do objeto de análise são extremamente úteis e repletas de significados
(SWANWICK, 1994).
Seis jurados independentes serão convidados para analisar os cantos espontâneos
selecionados, priorizando o tratamento dado ao fenômeno tempo. Esse júri será compos-
to por educadores musicais e por compositores, brasileiros e estrangeiros, de reconhecida
competência. Cada jurado receberá um CD contendo as sessenta faixas anônimas, ou seja,
sem nenhuma indicação do nome ou idade das crianças. Os jurados poderão analisar as
músicas de acordo com seus próprios critérios, desde que priorizem as questões ligadas
ao tempo.

3.2 - Análise dos dados: Análise de Conteúdo


Nesta próxima etapa, utilizaremos a técnica de Análise de Conteúdo. Esse tipo de
análise tem como objetivo explorar a estrutura e os elementos do conteúdo (neste caso,
os dados fornecidos pelos jurados), visando esclarecer suas diferentes características e
extrair sua “significação” (LAVILLE e DIONNE, 1999). Essa análise implica em um “estudo
minucioso do conteúdo, das palavras e frases, procurando encontrar-lhes o sentido, cap-
tar-lhes as intenções, comparar, avaliar, descartar o acessório, reconhecer o essencial e
selecioná-lo” (ibid).
A investigação de caráter exploratório requer uma abordagem indutiva. O pesquisa-
dor agrupa as unidades de“significação aproximada” para obter um grupo inicial de“cate-
gorias rudimentares” as quais, ao longo do processo, serão refinadas em direção às
“categorias finais”.Este tipo de Análise de Conteúdo é denominado “modelo aberto”, uma
vez que as categorias “emergirão no curso da própria análise” (LAVILLLE e DIONNE, 1999).
O objetivo da Análise de Conteúdo é procurar padrões musicais temporais presen-
tes nos cantos espontâneos aqui investigados. Os dados obtidos serão tratados qualitativa-
mente13, procurando levantar também outras peculiaridades que possam emergir. A partir
daí, objetivamos traçar uma ponte entre a evolução do canto espontâneo e o desenvolvi-

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mento da percepção do tempo na criança, fundamentados em nossos referenciais teóri-
cos, ou seja, nas Teorias do Desenvolvimento Musical de Koellreutter (1984), Swanwick
(1988) e Hargreaves (1996), nas idéias de Minkowski (1973) sobre o “tempo vivido” e em
outras fontes que se fizerem necessárias.

Resultados esperados e conclusões


A música é uma arte eminentemente temporal e o canto espontâneo das crianças
apresenta características que podem ser consideradas o que há de mais essencialmente
temporal na música: ele transcorre no tempo, chegando a um final, ora imprevisível, ora
previsível. Neste percurso, ele se organiza de forma regular ou irregular. Parece que os
dois conceitos do tempo, cronométrico e vivido, descritos por Minkowski, se intercalam e
se manifestam ao longo do canto das crianças. È possível, portanto, que possa existir uma
relação significativa entre a evolução do canto espontâneo e o desenvolvimento da per-
cepção do tempo em crianças.
Acreditamos que música poderá servir como um instrumento poderoso capaz de
explicitar e de corporificar a vivência que a criança de dois a seis anos tem do fenômeno
tempo. Esperamos que este trabalho possa servir de fundamentação para pesquisas futu-
ras, tanto na área da música, da educação musical e da psicopedagogia quanto na puericul-
tura, na neurologia infantil e na psicologia pediátrica. Este estudo poderá também contribuir
para que a comunidade científico-acadêmica atribua ao canto espontâneo a mesma rele-
vância já dispensada às formas já consagradas de representação utilizadas pela criança.
Existe também a possibilidade que este trabalho crie num novo parâmetro de avali-
ação do desenvolvimento infantil, (como o desenho, a gestualidade, a linguagem) que
possa vir a ser aplicado na puericultura, na neuropsicologia do desenvolvimento e possa
ser, inclusive, um instrumento ou recurso na propedêutica das doenças do desenvolvi-
mento.

Notas
13
Eventualmente, os dados obtidos poderão demandar algum tipo de análise estatística quantitativa.

Referências
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Fundação Petrópolis.
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Estudo – educação musical, Belo Horizonte: Atravez, UFMF, 6, 79-89.
Koellreutter, H. J. (1997b) Sobre o valor e o desvalor da obra musical. Cadernos de Estudo –
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Laville, C. Dionne, J. (1999). A construção do saber. Porto Alegre: Artmed.
Minkowski, E. (1973). O tempo vivido. México: Fondo de Cultura Econômica.
Parizzi, M. B. (2005). O canto espontâneo da criança de três a seis anos como manifestação de seu
desenvolvimento cognitivo. 150 f. Dissertação (Mestrado em Educação Musical), Escola de
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Parizzi, M. B. (2006). O canto espontâneo da criança de zero a seis anos: dos balbucios às canções
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Piaget, J. Inhelder, B. (1982). A psicologia da criança. São Paulo: Difel Difusão Editorial.
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Queluz, A. G (1989). A vivência temporal na fala de crianças de pré-escola: uma abordagem
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Runfola, M. Swanwick, K. (2002). Developmental characteristics of music learners. In: Colwell,
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Swanwick, K. (1988). Music, mind and education. London: Routledge.
Swanwick, K. (1994). Musical knowledge. Londres: Routledge.

Ação pianística, desempenho e controle do


movimento – uma perspectiva interdisciplinar

Maria Bernardete Castelan Povoas


bernardete@brturbo.com.br
Universidade do Estado de Santa Catarina

Resumo
A ação pianística está sujeita a diversas competências do âmbito da música e,
como ação físico-motora, depende de movimentos corporais para sua
operacionalização, estando também sujeita à intervenção dos fatores do desem-

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penho. Constatações resultantes de observações e experimentos laboratoriais
interáreas vêm, cada vez mais, instigando a pesquisa sobre o desempenho huma-
no e fatores que nele interferem. O foco desta comunicação é apresentar relações
interdisciplinares entre aspectos inerentes a determinados fatores do desempe-
nho (RASCH, 1991) e à prática músico-instrumental, com vistas a sua otimização via
estudo e consciência de aspectos inerentes e comuns aos fatores e aplicação de
recurso técnico no estudo do piano. Os objetivos concentram-se na apresentação
de recortes de trabalhos anteriores, estabelecendo-se correlações entre questões
inerentes a fatores do desempenho (Rasch, 1991), mais especificamente à coorde-
nação e flexibilidade, em conexão com aspectos da técnica pianística, e no levan-
tamento de argumentos interáreas para a continuidade deste e outros trabalhos
correlatos. Por integrarem, sobremaneira, toda a ação motora necessária à execu-
ção pianística, o estudo sobre esses fatores traz à tona argumentos que auxiliam
no desenvolvimento de estratégias de treinamento e de execução do instrumen-
to, objetivando um maior rendimento do estudo em termos de tempo, de gasto
energético com menor desgaste físico-muscular, objetivado atingir uma maior
eficiência técnica com reflexos no resultado sonoro. Desde o início do aprendiza-
do do piano, leitura e concepção musical não prescindem da consciência tanto
corporal em geral quanto dos movimentos a serem utilizados e ajustados a cada
situação de execução. São apresentados pressupostos teóricos e metodológicos
interdisciplinares com aportes em argumentos da técnica pianística e de sub-
áreas que tratam do movimento humano, a citar, cinesiologia e biomecânica, entre
outras que orientam o estabelecimento das relações entre fatores do desempe-
nho e ação pianística no treinamento de situações músico-instrumentais especí-
ficas. Os resultados desta investigação mostram que a consideração de questões
inerentes aos fatores apresentados aliada à aplicação do recurso técnico propos-
to permite otimizar o estudo e o desempenho ao piano, apontando para a neces-
sidade de mais pesquisas interáreas neste sentido.
Palavras-Chave: técnica pianística; fatores do desempenho; interdisciplinaridade.

1. Fundamentação teórica
O conhecimento sobre os mecanismos de funcionamento dos fatores do desempe-
nho que interagem na ação pianística1, aliado à consciência a respeito da inter-relação
entre esta ação e questões fisiológicas afetas ao desempenho físico-motor, pode tornar a
prática mais objetiva.“Uma vez identificados tais fatores, pode-se formular programas de
desenvolvimento e treinamento” (Rasch, 1991, p.183). Por integrarem, sobremaneira, toda
a ação motora necessária à execução pianística, o estudo sobre esses fatores traz à tona
argumentos que auxiliam no desenvolvimento de estratégias de treinamento e de execu-
ção do instrumento, objetivando um maior rendimento do estudo em termos de tempo,
de gasto energético com menor desgaste físico-muscular, objetivado atingir uma maior
eficiência técnica com reflexos no resultado sonoro.
No âmbito do controle motor, a compreensão exata da razão de um movimento
possibilita a aprendizagem dos novos movimentos ou de conjuntos deles, e a percepção
mental passa a servir de guia para a organização do processo de aquisição do conheci-

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mento, propiciando condições para estabelecer-se critérios de escolha dos passos a seguir
na seqüência do trabalho. Estas evidências apontam para o estudo de aspectos da coorde-
nação motora em correlação com a atividade pianística a serem considerados, sobretudo,
durante a fase de aprendizado do instrumento. Nesta fase, leitura e concepção musicais
não prescindem da consciência tanto corporal em geral quanto dos movimentos a serem
utilizados e ajustados a cada situação de execução. Assim, formulações como a de Meinel
& Schnabel (1987, p. 2), de que uma “coordenação na atividade do ser humano é a
harmonização de todos os processos parciais do ato motor em vista do objetivo, da meta
a ser alcançada pela execução do movimento” se adapta à ação pianística. Para o autor,
coordenação quer dizer literalmente “ordenar junto”,ou seja, harmonizar todos os proces-
sos parciais do ato motor em vista do objetivo que, dependendo da área em que se aplica,
o significado desta ordenação se altera.
Todo o corpo pode ser subdividido em segmentos que são unidades de coorde-
nação que envolve diferentes articulações e vários pequenos movimentos que se mani-
festam simultaneamente com o movimento básico. A unidade de coordenação pode ser
definida como um segmento corporal constituído por elementos rotatórios capazes de
girar simultaneamente em sentidos opostos (Magill, 2000, Santos, 2002). A mão é, portan-
to, uma unidade de coordenação cujo funcionamento requer atenção especial do pianis-
ta. Assim como no esporte, também nas ações músico-instrumentais, o conceito de
coordenação se refere às fases do movimento ou aos movimentos parciais, operações
que aparecem na estrutura básica e no ritmo de movimentos (parciais e isolados) que
devem ser coordenados em uma ou mais formas de movimentos. O mesmo ocorre quan-
do movimentos discretos dos dedos atuam em cadeia com as estruturas dos outros seg-
mentos (mão, braço e antebraço), além do tronco, em movimentos agregados ou complexos
(Calais-Germain, 2002; Magill, 2000).
Um trabalho motor coordenado refere-se à utilização de determinados músculos
que são necessários para a realização de cada situação específica de desempenho, en-
quanto outras estruturas musculares devem, ao máximo possível, manter-se relaxadas
para que se evitem maiores tensões na seqüência da execução instrumental (Kaplan,
1987; Azevedo, 1996; Fink, 2005). Por outro lado, somente a compreensão exata da tarefa
do movimento permitirá ao executante “apropriar-se do decurso de um movimento soli-
citado” ou seja, é essencial que, para o sucesso da tarefa, que o agente do ato coordenado
(o pianista) conheça e compreenda exatamente o objetivo da ação, a razão do movimen-
to. “Quanto mais exatamente for compreendida a tarefa, tanto melhor será a base dos
requisitos para a aprendizagem de novos movimentos” (Meinel & Schnabel, 1987, p.4).
Assim sendo, a coordenação motora pode ser entendida como a realização organizada de
movimentos segundo um objetivo antecipado.
Devido à conformação assimétrica do teclado, a realização ao piano de eventos
musicais em que a escrita requer a colocação das mãos em posições opostas sobre o
teclado é considerada como uma das questões mais complexas a ser resolvida (Kochevitsky,
1967). Assim, a orientação espacial de movimentos, quando relacionada ao planejamento
de distâncias, é apontada como uma das estratégias mais importantes a ser utilizada
durante o treinamento pianístico. As mudanças de posições devem então ser previstas e

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preparadas mentalmente durante o percurso do movimento em direção ao evento se-
guinte. A estas orientações acrescenta-se a possibilidade de aplicação dos ciclos de movi-
mento (Póvoas 1999), recurso técnico que prevê a organização do trabalho pianístico por
meio da exploração consciente de movimentos nos eixos x, y e z e cuja flexibilização
nestes eixos é orientada por linhas imaginárias ou desenhadas sobre trechos musicais de
interesse. A opção pela linha de trajetória do ciclo é determinada pelo design musical,
conforme a situação funcional mais eficiente, no sentido de otimizar a ação pianística. A
concavidade ou convexidade do desenho das linhas indica a movimentação na profundi-
dade da tecla ou coordenada z e a exploração deste eixo (z), induz à realização de movi-
mentos menos retilíneos que permitem atingir o alvo (nota(s)) com um maior
aproveitamento do impulso de um toque para o(s) próximo(s) e, com mais segurança
(Póvoas, 1999, 2006).
A movimentação dos segmentos nos três eixos pode ser avaliada e medida por
meio de métodos biomecânicos de análise, entre eles a cinemetria ou cinematografia de
alta velocidade que é, por definição, um método de captação de imagens de uma ativida-
de física. Na coleta de dados são registrados parâmetros do desempenho que podem ser
transformados em um modelo físico-matemático simplificado, possibilitando a obtenção
de informações de medidas e a execução de cálculos sobre parâmetros cinemáticos do
movimento tais como posição, velocidade, aceleração e deslocamento tanto linear como
angular do corpo ou de seus segmentos. Na análise, os dados como a altura de projeção do
movimento e o ângulo de ataque podem ser comparados aos valores fornecidos pela
cinemetria (Gertz, 1997; Amadio, 1997; Póvoas, 1999, 2005)2. A velocidade do movimento
pode ser prejudicada pela ocorrência de lesões por treinamento, um fator cujas informa-
ções a respeito de suas causas e conseqüências é de interesse para a prática instrumental.
Lesões musculares em conseqüência de atividade física exaustiva não podem ser inteira-
mente eliminadas, mas com técnicas de treinamento apropriadas, sua freqüência pode
ser bastante reduzida (Rasch, 1991).
Para a execução de um trecho musical, as estratégias de operacionalização do
trabalho vão depender da densidade da escrita musical, do número de planos sonoros a
serem operacionalizados, dos tipos de movimentos necessários: alternado, simétrico ou
assimétrico (Póvoas, 1999; Kaplan, 1987, Martins, 1993), considerados os movimentos
gerais no campo da técnica pianística, entre outros aspectos. A opção por um trabalho
segmentado (Magill, 2000; Schmidt, 2001), ou seja, pelo treinamento de configurações
musicais determinadas para cada mão (direita e esquerda) ou de partes delas, de linhas
ou planos separadamente é, em muitos casos, mais aconselhável. Quando é necessária
a realização de diferentes movimentos agregados para as duas mãos, uns simultâneos
outros não, estes são denominados movimentos complexos; exigem do executante
uma coordenação bastante elaborada e um alto nível de dissociação muscular (Kaplan,
1987). Depois desta etapa, com a possibilidade de praticar cada parte independente-
mente, abre-se a oportunidade de o aluno ou pianista, já mais preparado, dirigir sua
atenção para as solicitações da coordenação temporal e espacial da ação de mais seg-
mentos, reunindo as partes em uma única unidade (Kaplan, 1987, Magill, 2000; Schmidt
& Wrisberg, 2001).

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A dissociação muscular é o domínio das sensações de contração e de relaxamen-
to. Além de um controle sobre as sensações, esta dissociação possibilita o desenvolvimen-
to da capacidade de auto-observação e, igualmente, de controlar e coordenar
conscientemente o próprio corpo em função do objetivo musical a ser atingido. Dissociar
e coordenar movimentos que abrangem a musculatura dos membros superiores, sobretu-
do dos segmentos braços, antebraços, mãos e dedos, além do emprego dos pedais que
exige o controle e a coordenação dos movimentos das pernas direita e esquerda, consti-
tui-se em uma tarefa bastante complexa. Somente através de uma prática planejada e
consciente pode-se obter uma habilidade motora mais eficiente e otimizada. O conceito
de “dificuldade”é relativo, sobretudo nas tarefas que demandam a habilidade físico-motora
para sua execução. Segundo a compreensão de Kaplan, o “nível de dificuldade de uma
determinada ação não se encontra nela mesma e sim no grau de desenvolvimento da
psicomotricidade do indivíduo que a executa, grau este que lhe permite realizar, ou não, as
coordenações de caráter muscular apropriadas ao caso” (Kaplan, 1987, p.96).
Há situações em que, pelo fato de o executante não conseguir visualizar os seg-
mentos esquerdo e direto ao mesmo tempo, devido à grande distância entre eventos
destinados a estes segmentos, torna-se essencial buscar-se movimentos mais objetivos e
econômicos, com planejamento das distâncias (saltos) e consciência da sensação corporal
(controle cinestésico). Para Meinel & Schnabel (1987, p.153), a “compreensão e a elabora-
ção exata das informações sensoriais de movimento, como base de uma direção e
regulação correta do decurso de movimento, já nos são conhecidas como processo parcial
essencial da coordenação motora”.
Na ação pianística, movimentos complexos podem ser coordenados através da
“automatização” adquirida por meio da consciência das sensações ao realizá-los. As coor-
denações mais complexas não podem ser dominadas até que certos movimentos básicos
tenham atingido um nível adequado. São consideradas habilidades de coordenação com-
plexas no piano, por exemplo, movimentos alternados entre os segmentos do lado es-
querdo e direito, execução de trechos ou obras polifônicas, entre outras situações de
realização instrumental.
A utilização de pequenos músculos das mãos/dedos para pressionar ou tocar as
teclas na seqüência e tempo corretos e força adequada (Parlitz et al, 1998) é uma constan-
te na prática pianística, e exigem um alto grau de precisão e controle. Este processo requer
o desenvolvimento da habilidade3 motora fina. Muito embora grandes músculos possam
estar envolvidos no desempenho dessas habilidades, os músculos pequenos são os mais
acionados para atingir a meta deste tipo de ação. Em geral, os padrões de movimentos
utilizados no início da prática de uma habilidade são modificados a cada retomada, surgin-
do novos padrões sempre mais aperfeiçoados. Por esta razão, ao aprender uma nova
habilidade, é necessário que se desenvolva padrões de movimentos adequados (Magill,
2000), pois a técnica é construída com base na aquisição e posterior reorganização dos
hábitos (Kaplan, 1987), ou seja, é um processo em que “uma dada habilidade motora é
adquirida com auxílio de prática sistemática, informações externas sobre a habilidade
(instrução) e sobre a própria execução (“feedback” extrínsico ou aumentado) em uma
escala de tempo de minutos, horas, dias ou semanas” (Manoel: 1999, p.53).

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2. Objetivos
A ação pianística está sujeita a diversas competências no âmbito da música e, por ser
uma ação físico-motora, depende essencialmente do movimento. Por esta razão, está
também sujeita à intervenção dos fatores do desempenho. No entanto, sabe-se que a
literatura disponível pouco trata destes fatores em conexão com a atividade músico-
instrumental. A premissa de que “todo desempenho humano pode ser visto como a
expressão de vários componentes denominados fatores do desempenho” (Rasch, 1991,
p.183) aliado à aplicação dos ciclos de movimento (Póvoas 1999, 2006), tem suscitado
vários trabalhos teóricos e experimentais desde então. Nesta comunicação, os objetivos
são: apresentar recortes destes trabalhos que incluem conceitos relacionados aos fatores,
mais especificamente à coordenação e flexibilidade em conexão com questões da técni-
ca pianística; levantar argumentos interáreas que suscitem a continuidade deste e outros
trabalhos correlatos.

3. Contribuições interdisciplinares
A partir das duas últimas décadas do século XX, a tendência de buscar na
interdisciplinaridade uma maior abrangência das pesquisas tem possibilitado o levanta-
mento de argumentos em áreas que tratam do movimento, essenciais para o campo da
técnica instrumental. Tendo em vista que a execução instrumental é resultado do
processamento e realização de elementos constitutivos da música e que a opera-
cionalização e desempenho desta ação depende de movimentos corporais, constatações
resultantes de observações e experimentos laboratoriais interáreas vêm, cada vez mais,
instigando a pesquisa sobre o desempenho humano e fatores que nele interferem. Assim,
os argumentos aqui apresentados são interdisciplinares, com aportes teóricos das práticas
instrumentais e de sub-áreas que tratam do movimento humano como a cinesiologia e a
biomecânica.
Questões referentes à coordenação motora, flexibilidade e outros fatores do de-
sempenho tratadas em correspondência com a prática pianística, entre outros autores,
podem ser encontradas em Ortmann (1929) e Kochevitsky (1967) e após os anos oitenta
em Kaplan (1987), Wilson, (1988), Berry (1989), Azevedo (1996) e Fink (2005). Atualmen-
te, com os avanços da psicologia, cinesiologia e neurologia, as pesquisas relacionadas à
coordenação motora em conexão com as práticas instrumentais vêm sendo intensifica-
das.

4. Implicações
A análise prévia da peça a ser executada e o planejamento dos movimentos mais
adequados à realização do texto musical são procedimentos essenciais para que ocorra
um desempenho técnico e musical mais eficiente. Neste contexto, o estudo e o controle
sobre os fatores coordenação e flexibilidade, entre outros fatores do desempenho tais
como força, flexibilidade e rapidez de movimento, vão auxiliar na aprendizagem e fixação
dos meios selecionados durante o treinamento e execução pianística, prevenindo proble-

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mas causados pelo mau uso do aparato físico-muscular e por de tensões, com reflexos no
resultado sonoro.
Para ilustrar este trabalho, são apresentadas duas situações músico-instrumentais
em que as argumentações levantadas se aplicam. A situação seguinte foi construída sobre
um compasso da Sonata Breve (1947) para piano de Oscar Lorenzo Fernandez, contorno
da (m.e.). A configuração como um todo, mostrada na Figura 1, é repetida inúmeras vezes
e a fórmula rítmica dos três ou cinco eventos do primeiro tempo do modelo aparece em
mais de trinta compassos, transposta ou não, em andamento rápido com indicação de
intensidade sonora fff para a maior parte das recorrências. Por esta razão deduz-se que,
desde o início do estudo, deverão ser estabelecidos procedimentos de execução adequa-
dos para evitar maiores tensões e conseqüente fadiga, com prejuízo da energia que o
trecho requer. A flexibilização do movimento, indicada no modelo (Figura 1) segundo os
ciclos de movimento (Póvoas 1999 e 2005), mostrou-se eficiente tanto para a
operacionalização do apoio necessário sobre a segunda fusa (eixo y) como para a manu-
tenção, na seqüência da precisão do toque na realização das semicolcheias na coordena-
da x (extensão do teclado).
O texto musical seguinte (Figura 2) mostra os compassos [15] ao [17] do Prelúdio 18
de Chopin que foi executado por pianistas durante a realização de experimento
biomecânico (cinemetria) a partir do terceiro tempo do compasso [15]. A escrita deste
trecho apresenta questões técnico-musicais como densidade da escrita, freqüentes des-
locamentos na coordenada x entre acordes e oitavas e a realização de articulações cuja
complexidade de execução pianística podem ser otimizadas mediante a organização das
trajetórias dos movimentos discretos reunidos em movimentos complexos, no sentido de
torná-los mais objetivos. O modelo orienta para o deslocamento dos segmentos no senti-
do de um movimento côncavo (eixo z) para cima (eixo y) e para a direita (eixo x) para os
seis primeiros eventos até a execução do segundo acorde em stacatto (.) (terceiro e
quartos tempos do compasso [15] e início do [16]), seguido por uma queda para baixo, no
sentido convexo, em direção a oitava com acento (marcado >). Neste ponto se inicia uma
nova inflexão do movimento onde as mãos seguem o movimento no sentido côncavo,
em arco, e assim por diante. Cada apoio nas oitavas vai servir de impulsão para o desloca-
mento e queda na próxima, completando um ciclo e dando início ao seguinte.
Para a realização deste trecho conforme os ciclos sugeridos, o movimento de pulso
para baixo na execução dos acordes em stacatto deve ser evitado. Se operacionalizados
de forma coordenada e contínua, os ciclos possibilitam mais eventos sejam tocados em
uma única inflexão do movimento (seta).Tal organização permite desenvolver uma maior
velocidade de execução (rapidez de movimento) devido à otimização da trajetória dentro
de cada ciclo de movimento. O aproveitamento racionalizado de uma única impulsão para
realizar dois ou mais eventos não impede a livre flexibilização do punho, ao mesmo
tempo em que possibilita impetrar a necessária energia durante a execução das oitavas e
acordes (dinâmica forte (f)).

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Considerações finais
Os pressupostos apresentados neste trabalho poderão contribuir para a atividade
músico-instrumental de profissionais e alunos, no sentido de que a ação pianística possa
ser realizada com maior consciência e eficiência técnico-musical. O tratamento
interdisciplinar da técnica com vistas à relação de causa-efeito estará expandindo as pos-
sibilidades práticas e de pesquisa teórica e experimental. A prevenção e a resolução de
problemas que interferem no desempenho instrumental encontram-se, em grande parte,
em argumentos na área da saúde, nas sub-áreas que tratam do movimento, como a
biomecânica, cinesiologia, entre outras. O diálogo interáreas vem atestando a necessida-
de do desenvolvimento de mais pesquisas interdisciplinares na sub-área das práticas
interpretativas que abordem a técnica instrumental em conexão com questões afetas ao
movimento humano, entre elas os fatores do desempenho, que sejam acompanhadas de
procedimentos experimentais com utilização de métodos de análise biomecânicos. Estu-
dos neste sentido virão ampliar as possibilidades no sentido de otimizar a prática pianística
durante o processo de construção da interpretação de uma obra musical.

Referências
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Wilson, F. R. Teaching hands, treating hands. The Piano Quarterly: n. 141, p. 34-41, 1988.

Children’s practice and understanding of music:


A series of teaching and learning strategies

Tânia Lisboa
tlisboa@rcm.ac.uk
Royal College of Music - London - England

Abstract
This investigation focuses on the relationship between practice and understanding
of music, involving the intersection between performance, music education and
the psychology of music. The method involves three case studies with cellists
aged 9, 12 and 14, using a mixture of qualitative and quantitative analysis of data
collected. The participants learned three new pieces of music, two of which
composed specially for the investigation, and were involved in a series of multi-
modal learning and teaching strategies (e.g. studying the music away from the
instrument, colouring the music, listening to performances by professional cellists,
discussing performance matters, drawing the phrasing and singing). The first
study establishes the baseline for the two subsequent ones, which look into

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building a schema for playing by analysing the piece before starting to practice,
and the third study, investigates the impact of an involvement in a series of
musical activities before starting to practice. Their practice sessions and informal
performances were recorded on audio and video, the timing and dynamic
characteristics of their playing were analysed, and they were interviewed both
during the practice period and after their final performances in order to trace the
relationship between their procedural and declarative knowledge. An evaluation
by external examiners and an assessment of their own performances by the
children five years later, provided validation of the results. The results point at
singing as an effective tool for constructing internal “models”, which may lead to
more expressive playing. This has implications for music education and for further
research into the development of children’s understanding of music.
Key Words: cellists, practice, performance, learning, teaching.

Background
Previous investigation in the area of practice and performance has focused largely
on expert musicians, most commonly pianists. Research with children has been mainly
concerned with time spent practising and behaviour during practice sessions, whilst the
range of practising approaches adopted and their effectiveness in achieving expressive
performances at early ages has received little attention.

Aims
This paper aims at showing the relationship between children’s practical approaches
to, and developing understanding of, music. It develops into the specific context of instru-
mental learning and the cello in particular, describing three empirical studies to investigate
the relationship between different approaches to new pieces of music and their
consequences for practice and performance. As a whole, the paper demonstrates the
importance of a detailed characterisation of children’s playing as a means for understanding
their musical development.

Methodology
Three children were filmed in practice sessions and in informal performances of
three different pieces of music. In the first study, which establishes the baseline for the
subsequent studies, the children received no guidance concerning their approach to the
new piece. In Study 2, the children were involved in a simple analysis of the piece before
practising it, in an attempt to build up a more reliable schema for practising. In Study 3,
their playing was preceded by a series of practical activities - colouring the score, watching
performances, talking about music, and singing.The children were interviewed both during
practice and during performances and their playing was analysed in detail. An evaluation
of improvements and changes in the participants’ playing is compared with an evaluation
by three external examiners and the children’s own appraisal five years into the research.
The method relied on both quantitative and qualitative analysis of the main data.

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Results
The paper addresses the question of how an instrumentalist’s conception of music,
as a form of musical thinking, can be expressed at early stages. It points at singing as a
concrete form of musical thinking and as a means of connecting the children’s thought
with their action in cello playing. Despite difficulties in sight-singing, the children acquired
a more expressive aural representation of the piece which transferred to more expressive
playing.Thus, from their“learned mistakes”in Study 1 to their heightened musical awareness
in Study 3, there is evidence of the benefits to be gained from involving the children in
various forms of musical exploration prior to work on the instrument.Thus,this investigation
focuses on children’s ways of thinking about music, as opposed to merely conveying
information related to an instrumental approach. It recognises that children’s technical
limitations can obscure their capacity to reflect their musical knowledge in playing. It
shows that children’s conceptualisation of music is a complex mixture of explicit knowledge
articulated through language, and implicit understanding conveyed through their cello
playing.

Conclusion
The findings of the research have implications for musical education and psychology
of music, suggesting that the children’s instrumental constraints impeded their ability to
express themselves, advocating the need for greater resourcefulness when teaching
children - to view the instrument through the “lens” of music rather than music through
the “lens” of the instrument. By nurturing their individuality and stimulating their natural
creativity, children’s musicality can fulfil its proper role as a vehicle for artistic expression.

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Children abilities to conserve some basic
sound parameters

Elisabetta Piras
angheloruiu@yahoo.it
University of Bologna - Italy

Background
In a famous book (Six études de psychologye, 1964) J. Piaget proposed some well
known tests, in order to determine children’s mental development stages, based on
abstraction abilities about substance conservation. Studies in the musical field [e.g.
Zimmerman, M.P. and L. Sechrest, 1962; Pflederer M. 1967; Crowtther, R., Durkin K., Shire B.,
Hargreaves D., 1985] analyze implicit or explicit forms of children reasoning that seem to
be not very distant from those studied by Piaget.

Aims
My purpose is to show the results of a set of tests based on the mould of Piaget’s
work. The idea was born from a didactic experience. The tests concern three sound
parameters: pitch, duration and timbre. The focus of attention is children’s ability, from a
perceptive point of view, to abstract and“conserve” a sound parameter -for example pitch-
, whereas another is changed -for example duration-.

Method
Nine tests have been organized as in the following examples:

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These tests were proposed to sixty eight children, divided in five classes of an
elementary school (age from 6 to 10 years), and to eight 8 children, 11 years old, from a
class of a first middle school class.

Results and conclusions


The confrontation of these test verifications was based on the age, and the musical
background of the children (particularly about their knowledge of the concepts involved
in the experience). A first check of the results indicates that the sound parameter abstraction
ability of the children grows, obviously, with age, although this doesn’t really coincide with
the stages indicated by Piaget. Moreover there aren’t very important differences between
tests done by children playing an instrument or performing in other musical activities
regularly, and those doing musical activities at school only.
Keywords: abstraction, conservation, sound parameters.

Como ocorre o pensamento criador musical no


adulto

Kristiane Munique Costa e Costa


kristianemunique@hotmail.com
Universidade Federal de Goiás

Resumo
Este artigo apresenta alguns resultados obtidos na pesquisa sobre a Improvisa-
ção Musical e o Desenvolvimento Cognitivo do Sujeito Adulto, defendida como
dissertação de mestrado na UFG, no início de 2006. Na ocasião da defesa foi
comprovada a hipótese de que é possível observar o pensamento criador do
adulto quando ele experimenta atividades de improvisação. Neste contexto tam-
bém é observável sua expressão musical e/ou criação musical. Sob a fundamenta-
ção de Jean Piaget (1973), Eliane Figueiredo (1996), Keith Swanwick (1988), Esther
Beyer (1989) e Mariza Careli (2001), serão discutidos a Improvisação Musical e a
Abertura de Possíveis na Construção do Conhecimento e na Construção do Co-
nhecimento Musical. Levando em conta a análise dos dados do estudo em ques-
tão, foi constatado que existe a evolução dos sujeitos, e que diferentes níveis de
desenvolvimento cognitivo dos sujeitos podem ser objetivamente definidos. Es-

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tas evidências mostram que quando o sujeito pratica a improvisação musical,
desenvolve sua capacidade criativa e passa a ter satisfação por estar criando
dentro do que é capaz de fazer.
Palavras-chave: pensamento criador, cognição musical, educação musical criativa.

1 Fundamentação teórica
Este texto dá continuidade e comenta o estudo sobre a Improvisação Musical e o
Desenvolvimento Cognitivo do Sujeito Adulto da dissertação apresentada no Mestrado
em Música da EMAC/UFG. Sob a fundamentação de Jean Piaget (1973), Eliane Figueiredo
(1996), Esther Beyer (1989), Keith Swanwick (1988) e Marisa Careli (2001), discutiu-se a
cognição e a cognição em música para entender o processo do pensamento criador e,
então, compreender como ocorre a criação musical no adulto para, por fim, delimitar uma
evolução do pensamento criador musical.
Os estágios definidos por Piaget (1973) estão embasados na capacidade humana de
desenvolver-se. Segundo o autor, o processo de desenvolvimento humano constitui-se
em um sistema de operações que envolvem uma construção mental baseada na experi-
ência real do sujeito sobre o mundo circundante que o permite explorar, conhecer e agir.
Desse modo, o desenvolvimento da cognição consiste em um processo de adaptação do
sujeito ao ambiente, através dos esquemas adquiridos para chegar às estruturas, tendo
como fator determinante a constante adaptação e equilibração entre a assimilação e a
acomodação que irão direcionar o sujeito.
Os autores Figueiredo (1996), Beyer (1989), Swanwick (1988) e Careli (2001) com-
provam em suas discussões a existência de um desenvolvimento cognitivo que confirma
a visão de Piaget.
Figueiredo (1996), ao estudar a Evolução do Pensamento Criador, demonstra que as
mudanças comportamentais indicam a progressão do funcionamento cognitivo em dire-
ção à níveis cada vez mais elevados, e que as etapas diferenciadas entre si admitem em
cada período a reconstrução de estruturas elaboradas em planos anteriores. O que permi-
te tal evolução na construção do conhecimento é a noção de ultrapassagem de níveis,
caracterizado pela constante necessidade de ponderação entre a assimilação e a acomo-
dação, conduzindo o sujeito à criação de um novo esquema que será conservado até que
outra experiência abra novas possibilidades e o amplie. Assim, o conhecimento adquirido
se dá pela busca de resoluções, ou melhor, na criação de soluções entre as contradições ou
pelo preenchimento de lacunas, estabelecendo assim a relação entre o velho e o novo
para apresentar os possíveis das ações futuras, as novidades em potência. Esses possí-
veis, ou as novidades, provocam a transformação do sujeito em seu meio e garantem o seu
desenvolvimento, sua evolução, a partir da criação.
Beyer e Swanwick se atêm ao desenvolvimento cognitivo musical, explicando que a
construção de conteúdos musicais não acontece de forma desorganizada, descontínua.
As considerações de Beyer (1989) sobre a cognição em música confirmam os aspec-
tos relacionados ao desenvolvimento humano apresentado por Piaget. Apesar da autora
afirmar que a linguagem musical é em si significativamente mais complexa, exigindo do

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sujeito uma ação maior no aprendizado da codificação e decodificação da mensagem
sonora, ela conclui que o fazer musical incorpora comportamentos diferentes que, ao se
agruparem, formam etapas sucessivas de desenvolvimento, num nível crescente de difi-
culdade. Assim, o desenvolvimento musical também implica em transformações que são
baseadas na constante equilibração e nas adaptações sucessivas entre os processos de
assimilação e acomodação, levando o sujeito a desenvolver estruturas internas, tanto
específicas quanto amplas, que poderão desencadear em outras seqüências mais com-
plexas, permitindo a abertura de possíveis14.
Seguindo essa idéia, Swanwick (1988) apresenta como desenvolvimento cognitivo
musical uma seqüência de estágios próxima à de Piaget. Essa seqüência atua de forma
linear e contempla as dimensões da crítica musical, que formarão os quatro estágios do
desenvolvimento musical. Nestes, se prevê que o sujeito responda a um objeto musical
de forma diferente a cada estágio, engajando-se a uma crítica mais formal e complexa,
mas sempre necessitando da retomada rápida de respostas dos estágios anteriores. Ape-
sar desse mapeamento do desenvolvimento da cognição musical constituir-se em um
caminho a ser percorrido pelo sujeito desde o nascimento, tal seqüência não delimita
idades. Mesmo apresentando uma faixa etária para cada estágio, o autor deixa claro que a
falta do estudo formalizado em música, ou de uma vivência num meio social empobreci-
do musicalmente, irá ocasionar uma estagnação do desenvolvimento cognitivo musical.
Assim, pode ocorrer de se encontrar sujeitos adultos que apresentam respostas musicais
que evidenciam um desenvolvimento em seus primeiros estágios.
Careli (2001) chega à comprovação de que o sujeito reflete o que ocorre com o ser
epistemológico, ou seja, a criação do conhecimento musical também ocorre de maneira
organizada e se exerce pela equilibração, criando elementos musicais cada vez mais
complexos. A autora avança na procura de evidências da construção do conhecimento
musical observável apresentando três níveis distintos da evolução do pensamento criativo
musical, cujas características confirmam a existência de construções parciais e de um
desenvolvimento contínuo, cumulativo e gradual, a transferência de estágios, a equilibração
constante, a tendência à complexidade, além dos elementos musicais específicos de cada
nível. Ela acrescenta, e salienta ainda, que o desenvolvimento depende da percepção do
meio e não de uma gradação cronológica.
Por fim, as discussões teóricas apresentadas mostram que a capacidade humana
permite a criação do conhecimento, sendo este inerente à qualquer idade.

2 Objetivos
A proposta desta pesquisa surgiu da observação de aulas em instrumento musical,
em escola específica de música, dos sujeitos adultos que apresentavam dificuldades em
coordenar leitura com execução e, em conseqüência, perdiam o prazer musical que pro-
curavam nas aulas. Partiu-se da hipótese, comprovada ao final do estudo, de que através
de um processo educacional baseado na Improvisação Musical, o sujeito adulto teria a
capacidade de se expressar musicalmente e de executar um instrumento musical, de
modo que o desenvolvimento da motricidade e da cognição seriam expressos através da

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satisfação, da competência na execução musical e da criação de experiências novas e
estruturas musicais novas.
Assim, o objetivo do trabalho consistiu em elaborar um programa de educação
musical criativo para o sujeito adulto iniciante em piano com atividades práticas e
estruturadas de Improvisação Musical que estimulasse as habilidades cognitivas e a cria-
ção e proporcionasse a satisfação pessoal com a música. Através deste, discutiu-se os
processos de construção do conhecimento e do conhecimento musical, como também, a
Improvisação Musical e a Abertura de Possíveis na construção do conhecimento, visando
a valorização dos métodos de Improvisação para a Construção do Conhecimento Musical.
Neste texto serão apresentados somente os resultados referentes a evolução do
pensamento criativo musical no sujeito adulto.

3 Metodologia
Por ocasião da pesquisa foram realizados quatro etapas de investigação: 1) a defini-
ção da fundamentação teórica e a opção pela pesquisação; 2) o pré-planejamento das
sessões/aulas e a elaboração do questionário (perfil do sujeito) e do roteiro de entrevista/
depoimento; 3) a aplicação do programa, do questionário e roteiro de entrevista/depoi-
mento; e 4) a coleta e análise dos dados obtidos que serviram para a análise qualitativa.
No pré-planejamento das sessões/aulas, procurou-se desenvolver um plano que
envolvesse: a) Apreciação: audição acompanhada de reflexão e relação com o conteúdo
abordado; b) Execução por audição: o aluno ouve e procura o som no instrumento; c)
Execução por imitação: observação e imitação da execução do professor; d) Arranjo:
possibilidade de recriação na peça com a inclusão da introdução, da coda, da variação, ou
mesmo de uma modificação melódica e/ou rítmica na estrutura da música; e) Jogo
improvisatório: atividade de improvisação que funcionou como momento de explora-
ção dos elementos teóricos e/ou técnicos presentes no repertório; f ) Improvisação:
músicas espontâneas gravadas para apreciação; g) Execução por leitura: com partitura; e
h) apresentação de Conteúdo teórico musical.
A implementação do programa ocorreu entre agosto/2004 a julho/2005, em duas
instituições de Goiânia: Centro Livre de Artes, da Secretaria de Cultura da Prefeitura Muni-
cipal de Goiânia, e Oficina de Música e Artes, da Escola de Música e Artes Cênicas da
Universidade Federal de Goiás. As sessões/aulas tiveram caráter individual, sendo realiza-
das as observações em loco e gravações em vídeo como registro do comportamento
cognitivo/musical dos sujeitos. A observação dos elementos da aprendizagem e das com-
petências adquiridas durante o processo educacional, bem como a delimitação dos crité-
rios de análise, foram realizados mediante a comparação e análise dos dados obtidos nos
protocolos das sessões/aulas, construídos a partir das observações em loco, gravações em
VHS-C e K7, questionários e entrevistas/depoimentos.
Dos quinze sujeitos que participaram do programa foram selecionados três deles,
para a comparação e verificação: 1) do desenvolvimento cognitivo, e 2) da capacidade de
criação a partir da estrutura musical dada. O critério de seleção destes sujeitos consistiu no
fato de serem os únicos que não possuíam nenhum conhecimento musical formal e que
participaram de todo o período determinado para a implementação do programa.

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Em cada protocolo foram identificados os itens especificados pelos critérios de aná-
lise adotados, sendo feitas as comparações de uma sessão/aula com outra, de um mesmo
sujeito, para observar o desenvolvimento individual.Também foram comparados os proto-
colos de um sujeito e os do outro, para a observação das características comuns entre eles
e o estabelecimento de uma seqüência evolutiva.

4 Resultados
Das observações durante as sessões/aulas obtiveram-se alguns dados interessantes:
a) considerando que o rendimento dos sujeitos foi satisfatório, pôde-se verificar que a falta
do instrumento para o estudo diário não compromete o desenvolvimento musical, desde
que os objetivos das aulas sejam claros e condizentes com a realidade do adulto. Contudo,
o fato de dois dos sujeitos trazerem as lições estudadas por possuírem o instrumento para
praticar diariamente mostra que ter o instrumento em casa, para as “tarefas”, ajuda no
desempenho; b) o rendimento dos participantes foi maior para os que participaram do
programa com 2hs/aula por semana, em relação aos que participaram com 1h/aula por
semana, o que prova que a retenção do conteúdo é melhor se o período entre as sessões/
aulas forem curtos; c) apesar de nenhum sujeito concluir o programa pré-elaborado, isso
não significa uma defasagem na capacidade cognitiva, e/ou motora, e/ou emocional e sim
que o desenvolvimento do sujeito foi respeitado, ocasionando modificações que contem-
plavam as necessidades do mesmo.
Sobre as atividades elaboradas, observou-se que: a) sendo a teoria musical aplicada
na prática, foi possível aos sujeitos compreenderem o que estavam executando, sendo a
fixação do conteúdo observada na própria execução, tanto das músicas prontas (com
partituras), ou das criadas (improvisações); b) os momentos de apreciação funcionaram
como meio de observação (audição), identificação e discriminação de elementos musi-
cais, levando-os a ouvir melhor a música, tornando-os mais conscientes do que ouvem e,
portanto, mais críticos, e ajudando-os na execução e nas improvisações; c) as atividades
improvisatórias tiveram um bom resultado, pois exploraram as habilidades, os conheci-
mentos e as sensações em exercícios diretivos e livres, consistindo-se em momentos de
desenvolvimento técnico/cognitivo que favoreceram a leveza e tranqüilidade para reali-
zarem o que era proposto; d) nas improvisações foi possível perceber os conhecimentos
sendo adquiridos, as habilidades sendo desenvolvidas e as novidades se concretizando,
além do estado de envolvimento emocional do momento, pois ao transportar as idéias do
que viu e/ou ouviu e/ou sentiu para o instrumento, uma extrema ordenação de pensa-
mento verificada.
Quanto aos dados obtidos nos protocolos dos três sujeitos selecionados para a aná-
lise, observou-se que o produto musical deles não foi igual e, portanto, não seguiu o pré-
planejamento na íntegra. Na seqüência são apresentadas as evidências da criação musical
observadas nas improvisações destes sujeitos, mediante a análise dos protocolos, basea-
das na seguinte legenda15, conceituadas como a seguir:
• abertura de possíveis: compreensão das possibilidades nas relações novas, a
partir da produção de novidades, ocasionando mudança, extrapolação e extensão
de um processo dado;

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• lacuna: impedimento no sujeito de observar a realidade;
• conservação: memória, manutenção de novidades;
• equilibração: atividade constante de organização na busca do ajustamento entre
uma mensagem nova e uma anterior.
Sobre o desenvolvimento cognitivo dos três sujeitos selecionados, evidenciou-se
três níveis, definidos no QUADRO 1, que se segue:

Quadro 1 – Níveis de desenvolvimento cognitivo do adulto

O desenvolvimento musical observado nas improvisações dos sujeitos também pôde


ser verificado, utilizando os mesmos critérios, nas criações desenvolvidas no repertório
trabalhado; ou seja, nas introduções, codas, variações e arranjos/harmonizações, incluídos
em algumas músicas estudadas, o que deu ao aluno a chance de modificar a forma e a
estrutura da peça. Percebeu-se, como apresentado no QUADRO 1, a noção de desenvolvi-
mento partindo de criação curta para mais extensa, notas isoladas para melodias, inclusão
de acompanhamento e trabalho com modulação de escalas, que consistem em prática de
aberturas para a estrutura e a criação do novo.
Esses níveis observados em cada sujeito, a partir dos elementos musicais presentes
nas improvisações, confirmam a hipótese de que o aluno adulto é capaz de demonstrar

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um desenvolvimento cognitivo/musical observável (criação), se tiver a oportunidade de
participar de atividades de educação musical, e se for estimulado à prática da improvisa-
ção e à prática do instrumento.
Verificou-se ainda, com base nos protocolos, que o comportamento de cada sujeito,
ligado à disposição e à personalidade, foi uma das condições relacionadas ao desenvolvi-
mento cognitivo e criativo do adulto. Os aspectos verificados nos sujeitos analisados foram
em alguns completamente diferentes e em outros, semelhantes. Um dos aspectos relaci-
onado ao comportamento dos sujeitos consistiu na valorização negativa da própria capa-
cidade. Os três sujeitos tiveram comportamentos diferentes, neste caso, por terem
personalidades diferentes. Pôde-se, também, fazer a relação dos elementos que impedi-
ram e/ou favoreceram a criação, sendo delimitados na análise a personalidade, a falta de
conhecimento e/ou o conhecimento adquirido.
Assim, pôde-se confirmar os avanços cognitivos, musicais e criativos, nos sujeitos,
ocorridos durante o período empírico. São considerados avanços os preenchimentos de
lacunas, a partir das aberturas de possíveis e as conservações, ao longo do desenvolvi-
mento. Os avanços observáveis nas improvisações estão apresentados nos Níveis de De-
senvolvimento Cognitivo do Adulto, definidos com base na análise dos protocolos. Contudo,
alguns avanços também foram identificados pelos sujeitos em suas vidas ao longo do
programa e foram apresentados por eles na entrevista/depoimento.

5 Conclusão
A análise dos dados comprovou o que fora apresentado sobre o desenvolvimento
humano proposto por Piaget, de que o conhecimento é um processo contínuo de adapta-
ção, onde o sujeito pode simultaneamente transformar a realidade, interagindo com ela,
transformando a si mesmo para integrá-la ao seu sistema interno, enquanto ação ativa
transformadora e inter-ativa em transformação. Percebeu-se a construção mental, a partir
das improvisações baseadas nos experimentos sobre a realidade musical do adulto, o que
permitiu observar que o sujeito explora o universo musical, conhece seus fenômenos e
age sobre os mesmos. Essa constatação levou à indicação dos três níveis de desenvolvi-
mento cognitivo, pois percebeu-se, nas criações, a passagem de um funcionamento
cognitivo/musical menos avançado para um mais avançado, confirmando a existência de
uma organização sucessiva que gera a evolução.
Uma vez estabelecido os três níveis de desenvolvimento ocorrido nos sujeitos sele-
cionados para a análise, identificadas as transformações estruturais e formais ocorridas em
algumas músicas do repertório e verificados os avanços detectados pelos sujeitos, pode-
se reportar ao estudo sobre o pensamento criador, constatando que as ultrapassagens de
níveis ou avanços ocorridos durante as atividades musicais foram conseqüência das aber-
turas no sistema cognitivo/musical, que conduziram às novidades, à extrapolação, à
extensão de um processo dado, aos possíveis. Contudo, essa transformação ocorreu, gra-
ças às conservações dos conhecimentos musicais adquiridos durante o processo de
desenvolvimento, pois as criações musicais dependeram dos processos anteriores (con-
servação), para produzir o novo (abertura).

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Ficou claro que os esquemas não se fecham, mesmo em fase adulta, podendo ainda
evoluir à níveis mais avançados de desenvolvimento musical, desde que os sujeitos te-
nham a oportunidade de vivenciar a música continuamente. Assim, pôde-se afirmar que
os sujeitos, mesmo sendo adultos, são capazes de ultrapassar barreiras, preencher lacunas
e praticar possíveis.
Por fim, um trabalho de educação musical que proporcione a criação, a escuta e a
execução, como o que foi proposto, elaborado e aplicado com os sujeitos adultos, nesta
pesquisa, comprova que o sujeito pode ter uma vivência significativa e real com a música,
e que pode ter a satisfação por estar criando dentro do que é capaz de fazer.

6 Sub-áreas de conhecimento
Esta pesquisa compreende as seguintes sub-áreas: educação musical, instrumentação
musical, iniciação musical em instrumento, educação de jovens e adultos iniciantes.

7 Notas
14
Figueiredo, E. L. (1996). Abertura de possíveis na construção do conhecimento – Segundo Figueiredo,
trata-se de uma potencialidade de evolução, determinada pelo aparecimento da novidade, que, em cola-
boração com o meio, ocasiona mudança através das atualizações e abre-se em novas possibilidades.
Os conceitos listados, tais como: abertura de possíveis, lacuna, conservação e equilibração, estão baseados
15

nos livros de Piaget: Biologia e Conhecimento (1973), e O Possível e o Necessário (1985).

8 Referência Bibliográfica
BEYER, E. S. W. (1989). A abordagem cognitiva em música: uma crítica ao ensino da música, a
partir da teoria de Piaget. Dissertação (Mestrado em Educação). Porto Alegre: UFRGS.
CARELI, M. (2001). Evolução do Pensamento Criador Musical: improvisações rítmicas e
melódicas. Monografia (Especialização em Música Brasileira Contemporânea). Goiânia: UFG.
COSTA, K. M. C. e. (2006). A improvisação na educação musical para adultos – como ocorre o
pensamento criador. Dissertação (Mestrado em Música). Goiânia: UFG.
FIGUEIREDO, E. L. (1996). Evolução do pensamento criador em situação musical. Tese
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PIAGET, J. (1985). O possível e o necessário. Vol. 1, Porto Alegre: Artes Médicas, 1985.
PIAGET, J. (1973). Biologia e conhecimento. Petrópolis: Vozes.
SWANWICK, K. (1988). Music, Mind and Education. London: Routledge.

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Sessões de demonstração
Demonstrations

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Aplicação de pistas visuais e táteis no controle
da afinação em uma obra virtuosística para
contrabaixo

Fausto Borém
fborem@ufmg.br
Universidade Federal de Minas Gerais
Guilherme Menezes Lage
menezeslage@gmail.com
Maurílio Nunes Vieira
maurílio@fisica.ufmg.br

Resumo
Aplicação, em contexto musical, do conhecimento provindo de estudos experi-
mentais sobre o controle da afinação não-temperada nas cordas orquestrais. A
partir de pistas visuais e táteis no corpo do contrabaixo, o conjunto braço-mão-
dedos esquerdos realiza, com maior precisão e consistência, movimentos grossos
(distâncias entre posições) e finos (distâncias entre os dedos), nos diversos regis-
tros (grave, médio, agudo, super-agudo e região dos harmônicos naturais) de um
instrumento não familiar ao contrabaixista, em trechos selecionados da obra
Variations on Tom Jobim´s Wave para contrabaixo solo.
Palavras-chave: controle motor, afinação não-temperada, contrabaixo.

1- Introdução
Uma das três áreas do Comportamento Motor, o Controle Motor estuda os mecanis-
mos responsáveis pela produção e controle do movimento (ex. equilíbrio, tempo de rea-
ção e percepção), os quais, ao longo do tempo e da prática contínua, estão diretamente
relacionados à aquisição de habilidades motoras, ou seja, à aprendizagem motora (PÚBLIO,
TANI & MANOEL, 1995).
Segundo SLOBODA (1996, p.107), ainda existe uma “crença psicológica”, na qual se
responsabiliza fatores genéticos pela excelência na aptidão e performance. A partir deste
mito, é comum se confundir capacidade e habilidade (MAGILL, 2000). Embora algumas
capacidades percepto-motoras inatas possam ser importantes para instrumentistas, evi-
dências científicas consolidam o papel da prática como um fator crucial na aquisição do
alto nível de expertise na performance (BLOOM, 1985; ERICSSON, KRAMPE e TESCH-RÖMER
1993; ERICSSON, 1994). De fato, as abordagens mais reconhecidas no ensino de cordas

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para o problema “universal” da afinação em instrumentos não-temperados (Applebaum,
1973, p.15) sempre prescrevem muitos anos de prática deliberada para as mudanças de
posição da mão esquerda. O desenvolvimento da habilidade de afinação em um tempo
de prática menor poderia contribuir muito para minimizar este problema, que é apontado
por Havas (1995, p.53) como uma das mais enraizadas causas de ansiedade em violinistas
nas mudanças de posição e no registro agudo.
Assim, ser “desafinado” nos instrumentos da família do violino poderia, então, ser
algo remediável e em um tempo menor. Estes desvios na afinação, como aqueles de
menos de um milímetro nos dedos da mão esquerda do violinista responsáveis por uma
desafinação perceptível ao ouvido humano (SLOBODA, 1995, p.115) têm motivado o
desenvolvimento de estratégias para um melhor controle e precisão nos movimentos
envolvidos na performance de instrumentos de afinação não-temperada. No caso do
contrabaixo, o problema de afinação é agravado pela falta de padronização, por cerca de
três séculos, na construção do instrumento, pela consolidação tardia de suas técnicas de
mão esquerda e pelo fato de seu registro grave situar-se próximo ao limiar inferior da
escuta humana (BORÉM, 1995). Uma destas abordagens, visando reduzir do tempo de
aprendizagem, buscou integrar diferentes fontes sensoriais (BORÉM, 1997).
Tradicionalmente, o ensino da afinação se ancora em dois referenciais sensoriais
apenas: cinestesia e audição. Entretanto, a audição é um sentido cuja atuação efetiva só
tem efeito após todo o processo de localização e início de produção de cada nota musical
ter se completado. Em outras palavras, a audição não antecipa a nota que se quer afinada,
mas apenas permite uma avaliação (nota baixa, alta ou afinada) e correção depois que ela
se inicia (processo de feedback). Por isto, um sistema sensório-motor, integrando não dois,
mas quatro fontes sensoriais (cinestesia, audição, tato e visão) para, não apenas corrigir a
afinação, mas também antecipá-la, parece ser muito mais eficiente (Lage, Borém, Vieira,
Bareiros, no prelo); Borém, Lage, Vieira, Barreiros, 2006; Lage, Borém, Vieira, 2004).
Se há uma incipiência e informalidade na utilização de pistas visuais e táteis na
performance instrumental erudita, há, por outro lado, referenciais já consolidados na mú-
sica popular, como as marcações em madrepérola nos espelhos de instrumentos não-
temperados (comumente encontradas em violões e contrabaixos elétricos). Por exemplo,
percebe-se que os contrabaixistas Edgar Meyer (Ma, Meyer e O’Connor, 2000) e Robert
Hurst (Krall, 2004) utilizam estas marcações incrustadas na 3ª menor, 4ª justa, 5ª justa, 7ª
menor e 8ª a partir das notas fundamentais das cordas soltas (que equivalem às casas 3, 5,
7, 9, 12), padrão que pode ser repetido na oitava seguinte. Estes intervalos refletem tam-
bém a predominância de tonalidades mais próximas do tom de Dó maior (ou seja, com
poucas alterações) ou pouca utilização de procedimentos modulatórios, o que é típico da
música popular.
Neste estudo, como as pistas visuais estão integradas às pistas táteis e podem incluir
trechos com muitas alterações (mais comuns na música erudita), são utilizadas apenas
duas marcações (aqui chamadas de pistas visuais) em cada oitava (ao invés de quatro) nos
registros agudo e super-agudo: a 5ª justa e a 8ª justa justas a partir das cordas soltas, e
seus intervalos compostos (8ª+5ª justas, 8ª+8ª justas, 8ª+8ª+5ª justas, 8ª+8ª+8ª jus-
tas). O final do espelho, que varia de contrabaixo para contrabaixo, também pode ser

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usado como pista visual para a região dos harmônicos naturais. Por outro lado, referências
construtivas do contrabaixo são utilizadas como pistas táteis neste estudo: a pestana (no
registro grave), a sela na parte curva anterior do braço do contrabaixo (no registro médio)
e a curva superior esquerda do tampo (no registro agudo). Assim, juntas, as dicas táteis
e visuais cobrem todos os registros do contrabaixo (grave, médio, agudo, super-agudo e
região dos harmônicos naturais) na preparação e realização movimentos grossos (saltos
realizados pelo conjunto braço-mão dedos esquerdos entre as posições) e movimentos
finos (entre os dedos da mão esquerda numa mesma posição) em demanda na realização
musical.

2 - Aplicações de pistas táteis e visuais na afinação de trechos


selecionados de Variations on Tom Jobim´s Wave
A utilização destas pistas táteis e visuais em contexto musical pode ser exemplificada
em trechos selecionados de Variations on Tom Jobim´s Wave, obra para contrabaixo solo.
Sua performance inclui diversas técnicas de arco e pizzicato nos diversos registros do
instrumento e cujo alto grau de dificuldade técnica (incluída aí a afinação) exemplifica a
funcionalidade das estratégias desenvolvidas no sistema sensório motor de controle da
afinação proposto.
As dicas táteis são especialmente úteis na região grave e média do contrabaixo, uma
vez que estas não se encontram no típico campo de visão do instrumentista erudito que
deve olhar para a parte musical na estante e/ou para o maestro ou pianista, mais à frente.
Assim, o formato saliente da pestana, que marca o início da escala (as cordas soltas), pode
ser tátil e facilmente encontrado pelo dedo indicador da mão esquerda, correndo sobre as
cordas em direção à região mais grave (aqui definido como movimento descendente). A
partir daí, faz-se um movimento contrário, ascendente, até a nota buscada nas proximida-
des, recorrendo-se às distâncias intervalares (2ª menor, 2ª maior, 3ª menor etc.) memoriza-
das cinestesicamente no estudo tradicional do instrumento. No Ex.1, após a descida de
semi-colcheias em harmônicos naturais, a mão esquerda desce ainda mais, até o início da
corda solta Ré para, depois, subir e localizar, a partir de uma 3ª menor ascendente, a nota
Fá2 com o dedo1.

Ex.1- Nota localizada com a pista tátil da pestana no registro grave do contrabaixo em
Variations on Tom Jobim´s Wave.

Um exemplo de pista tátil na região média do contrabaixo ocorre na seção dedicada


a um tratamento polifônico do contrabaixo (instrumento quase sempre tocado

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homofonicamente) em pizzicati, no qual a linha melódica no registro médio é acompa-
nhada em um registro mais grave. Aqui, o timing da troca de arco para pizz. na mão esquer-
da é favorecido por um pizz. na corda solta Lá3 realizado com a mão direita. Assim, a
afinação da nota Lá2 com o dedo 4 (uma 8ª justa com a corda solta de afinação delicada) é
assegurada com a pista tátil provida pela sela. Primeiro, com a mão na fôrma tradicional da
4ª posição, o salto é localizado pelo polegar e assim, a nota Lá2 (5ª justa a partir da corda
solta Ré2) estará sob o 1º dedo. Depois, com a mão esquerda movendo-se um tom para a
região mais grave, o 4º dedo passa a ocupar o lugar do 1º dedo e, assim, pode tocar esta
nota afinada. Sem sair desta posição, o 1º dedo toca a nota Dó3 (Ex.2). Nesta mesma
passagem, temos um exemplo de controle da afinação em movimentos finos para fins
expressivos em que, na técnica de contração da mão esquerda seguida de glissando, o 4º
dedo progride do Dó3 para o Dó#33 (Ex.2).

Ex.2 Notas localizadas com a pista tátil da sela em movimento grossos (mudança de posição) e finos (extensão
e contração da mão esquerda) no registro médio do contrabaixo em Variations on Tom Jobim´s Wave.

A região de transição entre os registros médio e agudo do contrabaixo e violoncelo


é uma das mais problemáticas em relação à afinação, pois implica numa mudança radical
da conformação da mão esquerda, que passa da posição tradicional (em que o polegar é
colocado na parte anterior do braço) para a posição de capo tasto (em que o polegar é
colocado sobre o espelho, como ocorre com os demais dedos). O Ex.3 mostra, nesta
região, a utilização da pista tátil provida pelo contato do punho esquerdo com a curva
superior esquerda do tampo e das pistas visuais da 8ª justa e 8ª+5ª justas. No trecho
mostrado neste exemplo, o controle da afinação pode tornar-se mais crítico não apenas
porque envolve cordas duplas (sons simultâneos em bicordes ou acordes), mas também
porque os pizzicati são realizados na região aguda, onde as posições entre as notas são
mais estreitas (em que a possibilidade de erro é inversamente proporcional) e a articula-
ção e reverberação sonora é mais difícil devido à tensão maior da corda.

Ex.3- Notas localizadas com a pista tátil da curva superior esquerda do tampo e com as pistas visuais da 8ª
justa e das 8ª+5ª justas no registro agudo do contrabaixo em Variations on Tom Jobim´s Wave.

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Este estudo advoga também a importância de se recorrer às diversas fontes sensori-
ais numa mesma região. Os bicordes de intervalos justos facilmente soam desafinados
como decorrência de pequenas variações de movimento fino (por exemplo, rotação do
dedo sobre o ponto de apoio). Por exemplo, a 5ª justa Si-Fá# do acorde de G7+ (c.83 no Ex.
3 acima) é mais facilmente executada quando o instrumentista abandona a posição tradi-
cional dos dedos curvados em arco e base da mão apoiada sobre as cordas e assume uma
posição mais aérea, com os primeiros artelhos dos dedos “quebrados”. Neste caso, por
perder o contato físico com a curva superior esquerda do tampo, a referência visual da
8ª justa é mais útil que a referência tátil. Quanto à dificuldade de articulação e reverbera-
ção do pizzicato no registro agudo, o recurso da abordagem das notas com um portamento
inferior facilita também a realização estilística própria da música instrumental popular.
O Ex.4 mostra um trecho virtuosístico não apenas pela difícil localização de notas
contendo muitos saltos na região super-aguda (por isso, de maior tensão das cordas sobre
o espelho), mas também porque envolve a coordenação de duas vozes simultâneas, uma
em arco e outra em pizzicato. A localização das notas nesta passagem do registro super-
agudo do contrabaixo torna-se mais fácil com a utilização das pistas visuais das 8ª+8ª
justas e das 8ª+8ª+5ª justas, permitindo que uma parte maior do esforço e concentra-
ção do instrumentista seja dirigida para a realização musical polifônica, seu jogo de tim-
bres e ênfases de articulação.

Ex.4- Notas localizadas com as pistas visuais das 8ª+8ª justas e das 8ª+8ª+5ª justas no registro super-agudo
do contrabaixo em Variations on Tom Jobim´s Wave.

Na região após o final do espelho, os harmônicos naturais são notas muito agudas
que não são apertadas sobre o espelho (que não existe sob elas), mas sim produzidas com
o simples encostar do dedo na corda, nos seus nodos correspondentes. Apesar disto, a sua
produção sonora exige a mesma precisão de localização das notas pressionadas sobre o
espelho. Assim, pode-se utilizar como pista visual o próprio final do espelho para se
localizar os harmônicos em arco após os pizzicati que ocorrem após a introdução da obra
e, especialmente, logo em seguida, os agudíssimos bicordes de harmônicos naturais (Ex.5).

Ex.5- Notas localizadas com a pista visual do final do espelho no registro dos harmônicos naturais do
contrabaixo em Variations on Tom Jobim´s Wave.
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3- Considerações Finais
Estratégias utilizando de forma sistemática as informações sensoriais proprioceptiva
(cinestésica) e exteroceptivas antecipatórias (visuais e táteis) permitem um proficiente
controle da afinação não-temperada que, aliado ao sentido corretivo da audição, propici-
am uma performance mais precisa do ponto de vista técnico, permitido que o intérprete
se concentre mais nos aspectos musicais.
Dada a grande variabilidade na construção dos membros da família do violino e da
relação direta entre tempo de prática e grau de dificuldade técnica do repertório, este
controle mostra-se especialmente efetivo e útil em instrumentos com os quais o
instrumentista não tem familiaridade e em obras solísticas que demandam um alto grau
de virtuosidade, como exemplificado nas Variations on Tom Jobim´s Wave.
Eventualmente, a partir da verificação do potencial das diferentes fontes sensoriais e
sua aplicação (simultânea ou em diferentes momentos dentro de uma mesma obra),
como nas estratégias demonstradas neste trabalho, pretende-se a formulação e consoli-
dação de um sistema de controle da afinação de instrumentos não-temperados, como o
contrabaixo e demais membros da família do violino.

Referências
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Branigan, 2. Neptune City, NJ: Paganiniana.
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Borém, F. (1997). Afinação integrada no contrabaixo: desenvolvimento de um sistema sensório-motor ba-
seado na audição, tato e visão In: Anais do X encontro anual da ANPPOM. Goiânia, agosto, 1997, 53-58.
Borém, F., Lage, G.M., Vieira, M.N., & Barreiros, J.P. (2006). Uma perspectiva interdisciplinar da visão e do tato
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Krall, D. (2004). Diana Krall: Live at the Montreal Jazz Festival. Diana Krall, piano e voz; Anthony Wilson, guitar-
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Lage, G.M., Borém, F., & Vieira, M.N. (2004). A informação visual, tátil e auditiva no controle da afinação em
instrumentos musicais não-temperados. In: Anais do II Congresso Brasileiro de Comportamento Motor. Belo
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Lage, G.M., Borém, F., Vieira, M.N, Bareiros, J. B. (2007). Visual and Tactile Information in the Double-Bass
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Bloom B. S. (1985.) Generalizations about talent development. In B.S. Bloom (Ed.) Developting talent in young
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Ericsson K. A. (1994). Peak performance and age: an examination of peak performance in sports.
Applied Cognitive Psychology, 8, 164-196.
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Ma, Y., Meyer, E., O’Connor, M. (2000). Appalachian Journey: live in concert. Yo-yo Ma, violoncelo; Edgar Meyer,
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Públio, N. S.; Tani, G; Manoel, E. J. (1995). Efeitos da demonstração e instrução verbal na aprendizagem de
habilidades motoras da ginástica olímpica. Revista Paulista de Educação Física, .9/2, 111-124.
Schmidt, R. A. (1988). Motor control and learning. Champaign: Human Kinetics Books.
Sloboda, J. (1996). The acquisition of musical performance expertise: desconstructing the “talent” accountof
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expert performance in arts and sciences, sports and games. New Jersey: Lawrence Erlbaum, p.107-126.

Experimentando o mesotônico com Froberger

Edmundo Hora
ephora@iar.unicamp.br
Universidade Estadual de Campinas

A presente demonstração será realizada ao Cravo afinado no temperamento


mesotônico padrão europeu do século XVII, utilizando-se de movimentos programáticos
de uma das Partitas de Johann Jakob Froberger (1616-1667).
Fundamentação teórica: Sobre o sistema Mesotônico
O temperamento mesotônico foi amplamente utilizado em toda a Europa durante
os séculos XVI e XVII. A forma padrão deste sistema linear tem uma amplitude de onze
quintas, cada uma delas estreitadas em ¼ da coma sintônica (-1/4 S), especificamente:
Mib-Sib-Fá-Dó-Sol-Ré-Lá-Mi-Si-Fá#-Dó#-Sol#.
Este é, portanto, um sistema linear de afinação no qual o último intervalo (Sol#-Mib)
está excessivamente desafinado, provocando uma sonoridade desagradável como um
‘uivar de lobo’, gerando daí o seu nome: quinta de lobo. A forte característica de sua
estrutura é a produção do intervalo da terça maior pura, perfazendo um total de oito, a
saber: Mib/Sol, Mi/Sol#, Fá/Lá, Sol/Si, Lá/Dó#, Sib/Ré, Dó/Mi, Ré/Fá#. Neste temperamento,
possibilita-se tocar em apenas nove tonalidades: seis maiores (Sib, Fá, Dó, Sol, Ré e Lá
Maior) e três menores (sol, ré, e lá menor). As cinco alterações do teclado tradicional são
afinadas como terças maiores puras a partir das teclas naturais, mais freqüentemente
como Dó#, Mib, Fá#, Sol#, e Sib. Consequentemente, não existem enharmonias, uma situ-
ação que inevitavelmente cria uma limitação para os instrumentos de afinação fixa (cra-
vos, órgãos, clavicórdios etc.), não podendo, portanto, facilitar a transposição, nem dar
margem à possibilidades de expansão harmônica. A necessidade de uma determinada
solução indicou aos autores dois caminhos:

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a) ou para um compromisso de afinação do Ré#/Mib e Sol#/Láb, permitindo assim
que aquelas teclas – pudessem servir para ambas as notas;
b) ou para uma adição de novas teclas totalmente separadas para o Ré# e o Láb, de
forma que, mais duas terças puras pudessem ser adicionadas ao sistema,
sem alterar as características básicas do temperamento.

Sob esta perspectiva, característica primeira da afinação - o intervalo de terça pura –


os construtores optaram pelo segundo caminho (item b), proporcionando a criação e
utilização de teclas “auxiliares”,comumente chamadas de split keys [teclas partidas/dividi-
das] para o Ré# e Láb.

O Mesotônico Padrão
O termo meantone, ou como aqui consideramos “mesotônico”1, aparece pelos dois
diferentes tamanhos do tom (maior e menor) que se encontram na entoação padrão justa.
O tom maior com a razão 9/8, e o tom menor com a razão 10/9, têm respectivamente
203.91 e 182.40 cents. Ter dois tamanhos de tons numa escala, obviamente, torna-se
inconveniente. Contudo, no mesotônico, por meio de suas boas terças, seis tonalidades
maiores, ou seja, Dó, Ré, Fá, Sol, Lá e Sib, são boas, e Mi e Mib maior, toleráveis, embora
sobre elas encontremos a quinta do lobo. No que se refere às tonalidades menores, ré, sol,
e lá, são boas; e dó, dó#, mi, fá, e si menor, não tão boas, porém possíveis.
O temperamento mesotônico é uma quase forma de temperamento igual; porque
nele, com exceção de uma quinta (a do lobo), todas as outras onze quintas têm o
estreitamento semelhante. Dessa maneira, exceto pela altura da nota inicial, as tonalida-
des “boas” são idênticas; porém, como acontece nos temperamentos irregulares, o verda-
deiro “caráter” individual da tonalidade não existe entre elas.
Com respeito às notas sensíveis, em sete escalas maiores, as notas direcionadas
como tal, são baixas, e são ainda muito mais baixas, se comparadas às notas do tempera-
mento igual. Particularmente, notas sensíveis baixas têm um efeito atenuado sobre a
melodia, o que pode parecer estranho num primeiro momento; porém, uma pessoa, logo
se acostuma a ela e aos seus intervalos baixos.
Do temperamento mesotônico resultaram tons iguais (Dó/Ré, Ré/Mi, Fá/Sol, Sol/Lá,
Lá/Si) e semitons desiguais: os diatônicos (Mi/Fá, Si/Dó) e os cromáticos (Dó/Dó#, Ré/
Ré#, Fá/Fá#, Sol/Sol#, Lá/Lá#)2. Do temperamento igual resultaram tons e semitons iguais,
visto que as proporções intervalares são as mesmas para ambos. Porém, nos temperamen-
tos irregulares de períodos posteriores os tons e semitons dependerão das características
proporcionais dos seus intervalos. O primeiro - o mesotônico - se aplicava aos instrumen-
tos de teclado e, em especial, aos órgãos nos séculos XVI e XVII; o segundo - o igual - se
aplicava aos instrumentos de cordas com trastos devido à sua constituição especial e mais
tarde, a quase todos os instrumentos musicais; os terceiros – os irregulares - típicos do
século XVIII se aplicavam aos instrumentos de teclado, especialmente espinetas e cravos.
A necessidade de transposição para um número cada vez maior de tonalidades, e a
restrição implícita da divisão da oitava em 12 notas, impuseram em diferentes proporções, a
utilização do temperamento igual. Contudo, sua aceitação se deu, em alguns casos esparsos,

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já no século XVII e apesar de muita resistência, em meados do século XVIII, firmando-se
progressivamente no decorrer do século XIX, como o sistema“padrão” até os dias de hoje.

Objetivos
Permitir o conhecimento e a vivência de sensações auditivas específicas por meio
da demonstração prática das comas musicais, dos tons e semitons maiores e menores,
como também das terças: pitagórica e pura, revelando este desconhecido universo sono-
ro tão comum no século XVII.
Contribuições
Compreender de maneira efetiva as relações intervalares, principalmente no que
diz respeito à natureza do intervalo consonante perfeito e imperfeito da terça maior, e sua
significação no processo das cores e afetos tonais – as futuras “características das tonalida-
des” dos séculos posteriores - bem com reavaliar o conceito de Bem temperado.
Sobre a escolha do compositor
Vivendo numa época em que o temperamento mesotônico3 foi preponderante em
toda a Europa, J. J Froberger (1616-1667), provavelmente, compôs, tocou ou escutou sua
obra neste temperamento.
Na história da Música Ocidental, Froberger é reconhecido como um dos mais impor-
tantes compositores alemães para teclado do século XVII. Suas composições, especial-
mente suas Partitas, têm sido uma fonte de inspiração para o desenvolvimento das gerações
subseqüentes de compositores alemães, uma influência que se projetou enormemente
no século XVIII. A sua grande produção composicional, objeto de nossa atenção, está
quase que exclusivamente devotada para os instrumentos de teclado, a saber, o Órgão, o
Cravo ou Clavicórdio, sem nenhuma indicação para qual tipo de instrumento esta ou
aquela obra foi pensada.
O material musical Frobergiano por nós analisado, segue a seqüência classificatória
utilizada pela edição austríaca Denkmaeler der Tonkunst in Österreich4, e a mais recente
publicação da editora alemã Bärenreiter5, que se propõe a realizar uma nova catalogação
de toda a obra do autor (seis volumes), a qual teve apenas os seus quatro primeiros
volumes publicados, respectivamente, nos anos de 1993, 1995, 2002 e 2003. Os outros
dois volumes (já com número de série)6 ficaram para um futuro próximo.
Froberger, proficiente tanto no órgão como nos outros instrumentos de teclado, foi:
aluno de Girolamo Frescobaldi (1583-1643), organista na corte de Viena e também um
freqüente viajante e intérprete nos Países Baixos, Inglaterra, Alemanha e França. Ele faz
parte da geração de compositores influenciados pelo chamado Stylus Phantasticus (Estilo
Fantástico – estilo improvisatório da escola Italiana do séc. XVII), mais freqüentemente
encontrado nas Tocatas, e também pelo estilo Brisé (aquele que utiliza acordes
desmembrados – quebrados) dos alaudistas franceses, com figurações rítmicas geralmen-
te encontradas em suas Partitas.
Dentre as suas danças, as Allemandes são as mais elaboradas e expressivas, conjun-
tamente com o Tombeau, as Lamentation[s], o Plainte e a Meditation; elas utilizam títulos
programáticos, como: Plainte... pour passer la mélancholie (Plainte... para passar a Melanco-
lia) da Partita XXX em lá menor, ou Meditation faite sur ma mort future... (Meditação sobre
a minha morte futura) da Partita XX em Ré Maior, entre outras.
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Notas
1
Em diferentes línguas aparece com as seguintes denominações: meantone em inglês, mesotonique em
francês, mitteltönig em alemão, tono medio em italiano, mesotonico em espanhol.
2
As notas acima mencionadas, aparecem apenas como exemplificação teórica, não determinando eviden-
temente um tipo específico de afinação. N.A.
3
Mesotônico – o sistema de afinação padrão do século XVII, que tem como característica a utilização de um
determinado número de terças maiores puras tendo ao centro o tom intermediário, ou tom do meio. N.A.
4
Johann Jacob Froberger, Orgel und Klavierwerke, ed. G. Adler. In: Denkmäler der Tonkunst in Österreich, VIII
[series IV/I]; XIII [series IV/2]; XXI [series X/2], Viena, 1897, 1899, 1903. (3. Vols.).
5
JJ Froberger: Neue Ausgabe sämtlicher Werke Clavier- und Orgelwerke, ed. Siegbert Rampe. [a partir daqui
NFA I – BA 8063, NFA II – BA 8064, NFA III – BA 8065, NFA IV.1 – BA 8066, NFA IV.2 - BA 8434].
6
Clavier- und Orgelwerke abschriftlicher Überlieferung (Obras para Teclado e Órgão de Fontes Copiadas),
Tocatas e Obras Polifônicas (em preparação), v.V, BA 8435; idem, Obras vocais e para conjunto Instrumental,
(em preparação), v.VI, BA 8436.

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LINDLEY, M. (1984) Lutes, Viols & Temperaments. Cambridge: Cambridge University Press.

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1983 (R.Rasch).

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Sessões de pôsteres
Poster sessions

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A incidência de lesões por esforço repetitivo
em músicos instrumentistas e suas
conseqüências psicológicas

Taianara Goedert
taia_goedert@hotmail.com
Universidade Federal do Paraná

Atualmente, uma das grandes preocupações que atormentam músicos instru-


mentistas está relacionada a distúrbios osteomusculares causados pela prática instrumen-
tal contínua e excessiva. Esses distúrbios, também conhecidos como lesões por esforço
repetitivo, caracterizam-se inicialmente pela perda de sensibilidade, ardência e dores nos
punhos, antebraços e ombros, podendo, em estágios mais avançados, afetar a carreira
destes profissionais, que terão suas “ferramentas” de trabalho impossibilitadas de realizar
tais atividades.
Além de alterações fisiológicas acarretadas pelo esforço repetitivo, distúrbios psico-
lógicos também são expressivos em músicos com LER, devido à dor crônica e o medo da
incapacidade. Partindo destes pressupostos, elaborou-se um questionário contendo vinte
e quatro perguntas, as quais buscavam responder questões como a incidência de músicos
lesionados, preocupações com a postura, prevenções, tratamento, além de questões rela-
cionadas ao aspecto emocional dos instrumentistas.
Foram entrevistados trinta músicos, destes, vinte e um disseram já ter tido ou ter
algum tipo de lesão e a maioria deles apresentou alguma preocupação quanto à influên-
cia desta na sua carreira musical.
Embora os entrevistados tenham apresentado conhecimentos acerca da prevenção
como postura correta para a prática do instrumento e alongamentos, a maioria afirmou
que estes cuidados são ignorados durante a execução musical. Dos instrumentistas
lesionados, 61% relataram algum desconforto emocional oriundo da lesão, como ansieda-
de, insegurança e incerteza quanto ao futuro. “Muitas vezes me perguntava se era isso
mesmo que deveria fazer da vida, se eu era uma fraude na música, achava que era minha
culpa e que não tinha talento(...)”,e 81% deles afirmam que não apenas fatores físicos, mas
também emocionais provocados pela lesão, interferem durante a performance musical.
“Sinto-me constantemente tensa e nervosa ao executar trechos que exijam maior desen-
voltura com medo que alguma seqüela da lesão possa interferir no meu desempenho”.
Realizaram algum tipo de tratamento 47% dos entrevistados com LER, e apenas 14%
mostraram-se satisfeitos com os resultados. Dos nove músicos não afetados, apenas um
não demonstrou preocupação quanto a possível aquisição da doença e as suas futuras
conseqüências.

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Ao comparar o processo de trabalho de uma empresa industrial ao de uma orquestra
ou grupo musical, pode-se perceber que, embora as tarefas sejam completamente distin-
tas, tanto o músico quanto o operário estão submetidos ao grande esforço repetitivo e,
portanto, sujeitos à obtenção da doença. A diferença entre eles é que, enquanto estes
trabalhadores terão sua saúde assegurada pelos benefícios previdenciários, os músicos
instrumentistas, além de renunciar ao seu amor pela profissão, ainda terão suas identida-
des profissionais ameaçadas por geralmente não possuir vínculo empregatício.
Para que esse distúrbio não tome proporções ainda maiores entre músicos
instrumentistas, é necessária maior atenção dos mesmos para com a postura durante a
execução, além de cuidados que previnam o aparecimento da lesão. É também de funda-
mental importância que os professores de música estejam conscientes sobre as conseqü-
ências da lesão e previnam seus alunos de problemas futuros, de ordem fisiológica e
conseqüentemente emocional.
Palavras-chave: Lesão por esforço repetitivo, performance musical, distúrbios psi-
cológicos.

Aspectos cognitivos da iniciação ao


contrabaixo: uma análise dos materiais e
processos pedagógicos utilizados no Brasil

Sonia Ray
soniaraybrasil@yahoo.com.br
Universidade Federal de Goiás

Resumo
O presente trabalho discute aspectos psicológicos da performance musical com
base no conceito de ‘aprender musica musicalmente’, defendido por Keith Swanwick
(2003), e em trabalhos centrados nas particularidades do contrabaixo (Borém,
1995; Negreiros, 2003). A proposta é discutir a necessidade de considerações de
ordem psico-pedagógica no ensino da performance musical, em particular, no
ensino do contrabaixo no Brasil, em fase de iniciação para adolescentes e adultos.
Conclui-se que os professores no Brasil precisam, ao mesmo tempo que desen-
volvem seus próprios materiais pedagógicos, conhecer e explorar melhor o que
está disponível sobre psicologia e pedagogia da performance musical.
Palavras-chave: contrabaixo, pedagogia da performance, cognição musical
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1. Fundamentação teórica
Trabalhos discutindo aspectos psicológicos da performance musical têm crescido
consideravelmente dentre aqueles apresentados nos congressos da área de música no
Brasil. Ao lado do conceito de ‘aprender música musicalmente’, defendido por Keith
Swanwick (2003), considerando o prazer no processo de aquisição do conhecimento
musical uma necessidade, estão trabalhos que demonstram as “pérolas e pepinos” na
particularidades do contrabaixo (Borém, 1995) e os trabalhos apresentando os processos
pedagógicos mais utilizados no Brasil para o ensino deste instrumento (Negreiros, 2003),
bem como trabalhos sobre a preparação para a performance musical em seus aspectos
psicológicos (Carvalho, 2004). Entretanto, a literatura carece de trabalhos que reúnam as
discussões recentes sobre o tema de forma a discutir novos olhares para o ensino do
contrabaixo na realidade brasileira e com a devida atenção para cada etapa no processo,
em particular, o momento inicial.

2. Objetivos
Este trabalho propõe-se a discutir a necessidade de considerações de ordem psico-
pedagógica no ensino da performance musical, em particular, no ensino do contrabaixo
no Brasil, em fase de iniciação para adolescentes e adultos.

3. Contribuições
Em sua dissertação de mestrado versando sobre processos de inicação ao contrabaixo
no Brasil, Alexandre Negreiros (2003) nos mostra uma realidade supreendente: mãos de
90% dos professores de contrabaixo no Brasil utilizam um método de 1922 como priorida-
de nos materiais de iniciação ao instrumento. O gráfico abaixo mostra os três métodos
mais adotados por estes professores em ordem de preferência.

I. Billé 50%
F. Simandl 33 %
F. Zimermman 11%
Outros 7%

Figura 1 – Negreiros (2003) – Gráfico demonstrando os materiais (livros) de técnica mais utilizados no
Brasil com iniciantes.

A desatualização do métodos citados não implica que estes sejam, necessariamente


ultrapassados. Ultrapassada, sim, é a forma de aplicá-los. Por isso, a responsabilidade maior
de considerar o contexto em que os exercícios propostos por estes métodos devem ser
considerados recai sobre o professor de instrumento. O maior problema com as propostas
de Billé e Smandl está na progressão lenta e linear do aprendizado, que não considera
aspectos da realidade do iniciante fundamentais, como a pouca resistência muscular, a
pouca familiarizade com o material escrito e, na maioria dos casos, a dificuldade de man-
ter-se concentrado por um período médio-longo de estudo.

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Com relação ao primeiro aspecto, a resistência muscular, os métodos mantém o
iniciante com a responsabilidade de executar notas na 1ª posição (dedo indicador da mão
esquerda na nota lá, um tom acima da corda solta mais aguda –(corda Sol) e o fazem tocar
nesta posição em todas as cordas, inclusive na corda Mi (a mais grave), o que exige um
esforço muscular para o qual o iniciante ainda não está preparado, além de um relativo
domínio da troca de ângulos com o uso do arco (mão direita) nas mudanças de cordas.
Propostas mais recentes, a exemplo de Vance (1995) e até mesmo o questionável Suzuki
(1991) resolvem esta questão de maneira satisfatória, quando propõem o uso de grande
parte da extensão do braço (espelho) do instrumento, explorando os notas da posição
próxima ao centro do instrumento, onde pode-se conseguir quase todas as notas da 1ª
posição e manter o braço esquerdo do iniciante em um confortável ângulo de 45º em
relação ao corpo (cotovelo levemente inclinado para baixo), minimizando o cansaço e
ajudando-o a prestar mais atenção no que está tocando do que nas dores que sente ao
manter o braço erguido para a execução da 1ª posição por longo período.
A concepção musical é outro fator que chama atenção. No processo de aprendizado
musical, com qualquer instrumento, o processo deveria ser o mais prazeroso e musical
possível. Entretanto, os métodos mais usados no Brasil apresentam dezenas de páginas
com escalas e arpejos, quase sempre sem sentido musical que se aproxime, ainda que
levemente, à realidade do estudante brasileiro. Neste sentido, cabe lembrar Swanwick
quando diz que “no trabalho de educadores eficazes... não há nunca um momento em
que a frase (definida de forma ampla) não seja concebida, modelada ou esperada” (p.58)
Esta afirmação nos faz pensar, como levar um aluno a desenvolver uma concepção
musical, modelada, esperada ou preparada de uma frase musical se os métodos mais
usados o levam a sentir dor, angústia e frustração logo nos primeiros contatos com o
instrumento? A resposta talvez esteja na necessária ampliação e reestruturação dos mate-
riais utilizados. É necessário que se façam adaptações no material disponível e se mescle
a esses as novas propostas que têm surgido em publicações recentes nos EUA e Europa.

4. Implicações
Dados recentes sobre o ensino do contrabaixo no Brasil mostram que há um número
cada vez maior de professores e estudantes viajando para o exterior e conhecendo novas
possibilidades pedagógicas. Negreiros (2003) mostra que a grande maioria dos professo-
res no Brasil conhece os métodos recentes, mas não os adotam. As razões são variadas,
porém, na maioria dos casos, é a insegurança de traçar um caminho sem garantias de
resultados. Em depoimentos de alunos, entretanto, Rodrigues (2005) constatou que estes
estão ansiosos por novidades e dispostos a tentar caminhos diferentes dos tradicionais
livros europeus de escalas e arpejos. Note-se que o valor do trabalho técnico com escalas
e arpejos não está sendo desconsiderado, porém, a forma de aplicação destes em estudos
para iniciantes, sim. O prazer em tocar deve vir primeiro. Se isto for conquistado no proces-
so de assimilação da técnica desde o início através de propostas que respeitem as condi-
ções físicas do aluno, sua realidade cultural e sua expectativa com o fazer musical, pode-se
conquistar um processo sólido e profícuo de aprendizado, onde professores de instru-

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mento não repitam fórmulas cegamente, mas sejam “educadores eficazes”,como propõe
Swanwick.

5. Sub-áreas de conhecimento
Música – Educação – Psicologia

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Trabalho apresentado como conclusão de curso. Universidade Federal de Goiás, Goiânia,
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A percepção do corpo na performance musical:
o lugar da imagem corporal na prática
camerística

Thiago Cazarim
thiago_cazarim@yahoo.com.br
Universidade Federal de Goiás

Resumo
O presente trabalho apresenta resultado parcial de estudo sobre diferentes as-
pectos das etapas de preparação para performances musicais. Esta etapa compre-
endeu as relações entre corpo e realização da performance musical, e concentrou-se
no conceito de imagem corporal. O objetivo foi investigar como performers expe-
rimentam e constróem as imagens de seus corpos na prática camerística. Discute-
se a natureza e percepção do corpo humano a partir de conceitos defendidos por
Paul Schilder e Maurice Merleau-Ponty a fim de identificar como se constitui o
mosaico de nossa existência corporal. Pode-se concluir que as imagens que os
performers fazem de si dependem necessariamente da qualidade do seu
engajamento no fazer musical.
Palavras-chave: performance musical; música de câmara; imagem corporal; per-
cepção corporal.

1. Fundamentação teórica
O presente trabalho apresenta resultado parcial de estudo sobre diferentes aspectos
das etapas de preparação para performances musicais. Esta etapa, compreendida entre
agosto de 2006 e julho de 2007, estudou-se as relações entre corpo (mais especificamen-
te, imagens corporais) e realização da performance musical. As discussões são resultantes
da revisão de literatura realizada até o momento.
A formação do performer musical envolve, além dos aspectos teóricos e técnicos
inerentes à sua prática musical, saberes de várias áreas do conhecimento, como a psicolo-
gia, anatofisiologia, física (acústica), filosofia, entre outras. Por isso, a performance musical
tem se caracterizado como um campo de estudos interdisciplinares. Merecem especial
atenção recentes pesquisas investigando como o corpo do performer emerge nas rela-
ções entre aprendizado e realização da música. Como apontam Cazarim e Ray (2005), o
corpo dos músicos apresenta uma tripla natureza no momento dos ensaios e da

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performance musical: 1) corpo-meio, o corpo como responsável pela associação de gestos
à produção dos sons específicos; 2) corpo-emoção, que expõe nas diferentes posturas e
expressões faciais realizadas pelo performer o caráter individual que a música lhe desper-
ta; 3) corpo-comunicação, responsável pela interação entre músicos na prática camerística.
Tais apontamentos indicam que o conjunto corpo-mente, de fato, constitui um todo
inseparável, o que é discutido por diversos autores (CONABLE, 1992; SCHILDER, 1999;
GELB, 2000; PEDERIVA, 2004). Merleau-Ponty (2006) vai além ao afirmar que categorizações
como “corpo-objeto/corpo-sujeito”,“corpo/mente”,“percepção/realização” só têm sentido
se pensadas enquanto manifestações distintas da mesma realidade. Poder-se-ia dizer, no
caso da performance musical, que só é possível estudar seus diferentes aspectos conside-
rando-os não como partes de um mesmo processo, mas como manifestações desse pro-
cesso. Assim, ainda pensando com Merleau-Ponty, somos levados a finalmente restabelecer
a unidade essencial inerente ao corpo, e os processos mentais e “puramente” motores se
unificam sob a existência de uma corporeidade (FREITAS, 2004, p. 52).
Porém, como o próprio Merleau-Ponty admite, o corpo se engaja em atividades que
fazem com que ele assuma uma caráter ora predominantemente “psíquico” (como no
caso de operações ditas intelectuais, como ler e contar), ora predominantemente “físico”
(como no ato de pegar objetos). Não se nega, com isso, as afirmações anteriores sobre a
unidade do corpo, mas antes, aquelas são recolocadas ao se admitir as diferentes perspec-
tivas que o corpo me apresenta. Nesse sentido, é possível falar em imagens corporais
(SCHILDER,1999), em representações que eu, como ser encarnado em um corpo, tenho
dessa encarnação. Mas aqui não existem imagens “puras”: não é possível que haja um
corpo fora de um contexto de ação, o ser não pode ser visto como uma máquina inerte,
nem tampouco apenas como uma mente. Eu tenho imagens de meu corpo apenas a partir
da experiência de meu corpo.
A atividade do performer musical proporciona um terreno fértil para essas discus-
sões. Se, pensando com Merleau-Ponty (2006), somos levados a reconhecer a
indissolubilidade do sistema sujeito-corpo, por outro lado somos levados a refletir acerca
das diferentes aparições desse corpo no momento da performance. Primeiramente, po-
demos dizer sem dúvidas que há, como afirma Gabrielsson (1999), representações men-
tais envolvidas no processo de execução musical, mas não podemos nos esquivar dos
processos motores. Se existe, por um lado, a representação e a percepção de um corpo que
faz música, existe necessariamente um corpo vivo que realiza música e que é percebido.
Mas, além do aspecto unificador, também reconhecemos que a performance se estratifica
em processos distintos, que ela “aparece”, no sentido da fenomenologia, sob diferentes
perspectivas, dependendo da etapa de sua preparação ou realização analisada.
Especificamente na prática de música de câmara, as discussões sobre a emergência
das percepções e usos do corpo se fazem pertinentes, pois há, a todo momento, uma
intercorporalidade (BOSI apud FREITAS, 2004, p. 56) premente, o corpo aparece em relação
a outro (duo) ou outros corpos (trios e formações maiores) e, mais do que depender dessa
relação, ele surge nela durante o fazer musical. Ora, se existo como corpo em interações
contínuas (corpo/música, corpo/corpos), eu só“existo” para alguém, sou passível de percep-
ção e representação por mim e pelos outros. Justamente considerando o corpo em sua

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unidade simultaneamente indivisa e perspectivística, é que se pretende investigar como os
performers experimentam seus corpos e de seus companheiros através de imagens.

2. Objetivos
O objetivo geral deste trabalho é investigar como os performers experimentam e
constroem as imagens de seus corpos durante sua prática musical em conjunto. Discutin-
do os conceitos de imagem corporal (SCHILDER, 1999; FREITAS, 2004), corporeidade
(FREITAS; 2004), e buscando uma visão da totalidade do ser que realiza música (MERLEAU-
PONTY, 2006), pretende-se compreender quais as relações existentes entre percepção e
produção da música.Também é objeto deste estudo discutir a percepção que os músicos
têm de seus corpos e dos corpos de seus companheiros, e como essas percepções cons-
tituem imagens corporais. Pretende-se, mais especificamente, discutir o papel central do
corpo na prática musical de câmara, de modo a disponibilizar material de consulta para
grupos camerísitcos, professores de performance musical e estudiosos de áreas afins. Para
tal, realizou-se uma revisão da literatura disponível (em inglês e português) nas áreas de
performance musical, psicologia e filosofia, na quais o corpo aparece como objeto de
diferentes análises.

3. Contribuições
Este trabalho propõe a discussão de conceitos relativos à percepção e a representa-
ção do corpo na forma de imagens. Abordando importantes teóricos, espera-se poder
ampliar a compreensão sobre o comportamento do corpo humano durante a performance
musical, em especial a camerística, e compreender as relações entre percepção corporal
individual e entre performers, bem como aquelas existentes entre notação musical e
representação corporal.

4. Implicações
O corpo próprio discutido por Merleau-Ponty (2006), no qual o sujeito é encarnado e
o corpo é existencial, nos revela que, para além das divisões binárias entre corpo e mente,
percepção e percebido, sujeito e objeto, o que existe é um corpo provido de intenções. A
percepção, nesse contexto, aparece como um engajamento do sujeito em uma realidade
material: a percepção, através de seus atos (visão e audição, por exemplo), informa o
mundo sensível e o adapta à sua estrutura perceptiva. O objeto, portanto, existe pela
intervenção direta do sujeito no mundo, ele reflete a própria estrutura perceptiva do
sujeito. Contudo, para que se possa projetar sobre o mundo sensível, é necessário que
esse mundo já esteja ali presente. O mundo não existe apenas pela vontade pura do
sujeito, mas o sujeito só pode se apropriar dele se estiver sempre disponível para os atos
de percepção. Pode-se dizer, em outra palavras, que o mundo se constrói no momento em
que se toma posse dele: ao mesmo tempo em que o sinto sempre presente, é só quando
o tomo em um ato perceptivo que essa sensação se efetiva. Portanto, me engajo no
mundo de modo a transcendê-lo, mas é preciso definir bem em que consiste essa
transcendência:

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“a função simbólica repousa na visão como em um solo, não que a visão seja sua causa, mas porque
é este dom da natureza que o Espírito precisava utilizar para além de toda a esperança, ao qual ele
devia dar um sentido radicalmente novo e do qual todavia ele tinha a necessidade não apenas para
se encarnar, mas ainda para ser. A forma integra a si o conteúdo a tal ponto que, finalmente, ele
parece um simples modo dela mesma [...].” (MERLEAU-PONTY, 2006, p. 178)

É assim que a percepção do corpo se dá. Ela está fundado nessa relação latente
manifestada através da visão, da percepção tátil, das representações mentais, da percep-
ção cinestésica, entre todas as outras formas de retomada do mundo pelas ações do
sujeito. Essa unidade não é dada expressamente: não é possível representá-la em imagens
mentais ou senti-la diretamente. Só podemos ter acesso a ela claramente através de suas
manifestações, que aparecem a nós como individualizadas e independentes. O corpo
pode ser “visto”,“sentido” ou “representado” para mim, mas eu nunca consigo apreender a
“forma” (Gestalt) dessas aparições racionalmente, eu só posso estar imerso nela. Ora, se
não é possível compreender diretamente essa forma, é preciso atingi-la através das pers-
pectivas que ela me apresenta. Só enquanto coisa que se mostra aos poucos é que posso
compreender aquilo que está sempre presente, mas que não aparece com clareza.
“Imagem”, “sensação”, “percepção” do corpo remetem à unidade do corpo, que é
existencial. Cada uma dessas perspectivas nos faz pensar sobre a emergência do corpo na
performance camerística. Quando toco em conjunto, há corpos presentes, disponíveis
para meus atos perceptivos, e, como tal, disponíveis pela estrutura desses atos. Represen-
tar esses corpos é, antes de tudo, me colocar neles, é habitá-los, coexistir com eles e neles.
Se sou pianista e toco com um cantor, devemos respirar juntos, eu preciso saber quando o
cantor fará essa respiração. Mesmo que eu não olhe para ele o tempo todo, o cantor tem
que estar ali necessariamente, o corpo do outro está presente para mim. Como afirma
Schilder:
“as representações de pessoas normais também apresentam características muito semelhantes
às da percepção perturbada do agnóstico visual [que tem ‘cegueira mental’]. Aparentemente, não
precisamos mais do que partes, que podem ser até distorcidas, a fim de dar significado a um objeto
através da representação.” (SCHILDER, 1999, p. 20-21)

Portanto, na medida em que o corpo do outro sempre está ali de fato, não apenas
porque eu o percebo, mas porque ele sempre pode ser percebido por mim, e consideran-
do as afirmações acima de Schilder (1999), fica evidente que o corpo sempre é represen-
tado, mesmo que confusa ou parcialmente. Dito de outro modo, eu sempre represento o
corpo: mesmo que se trate de um processo inconsciente, sempre posso me projetar sobre
ele.
Entretanto, ao mesmo tempo em que percebo o corpo do outro performer, percebo-
o como corpo que se aplica à música, um corpo inserido numa ação. Meu próprio corpo
está também nessa ação. Assim, questiona-se a pretensa visão de uma representação
“eterna” do corpo: essa representação traz consigo o ambiente no qual o corpo estava
entranhado, a percepção do corpo é a percepção de um corpo agindo em um ambiente.
Logicamente, as imagens que adquiri do mesmo performer anteriormente dialogam com
as minhas percepções atuais. Mas é só como movimento de retomada atual do passado,

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no presente, é que essas imagens me ajudam a construir o performer que “estava ontem”
como o “mesmo” que se apresenta a mim hoje.
Do mesmo modo como a percepção dos corpos interage com a percepção de meu
próprio corpo, é possível dizer que a representação da música também o faz: só quando eu
me projeto numa ação musical é que posso perceber meu corpo, construir a imagem da
música para realizá-la pressupõe implicitamente que é meu corpo que a realizará. Não se
pode falar de um “plano de representação” no sentido estrito. Do mesmo modo como
Merleau-Ponty (2006) nos lembra que o pensamento tende para a fala para seu acaba-
mento, o “plano mental” tende para a ação para se fechar. Não é que não existam repre-
sentações da música, mas elas só se completam no momento da ação.
Considerando as discussões acima, pode-se dizer que as imagens que os performers
fazem de si dependem necessariamente de seu engajamento no fazer musical e, no caso
da camerística, dos corpos dos outros. Só ao se relacionar – e isso ocorre a todo o tempo –
com corpos e a música é que a imagem de seu corpo surge. Representando os outros, o
músico se representa simultânea e necessariamente. Eu “vejo” meu companheiro em
minha mente, eu “sinto” meu braço que se move, eu “toco” o instrumento que produz
sonoridades, mas apenas porque sou um sujeito intencional, por minha capacidade de me
projetar sobre esse mundo. Entretanto, a única forma de acesso a essa Gestalt, essa forma
completa que sempre me é dada por minha partitura, por meus co-performers, por meu
próprio corpo, só é percebida através de certas particularizações dessa mesma unidade. Se
me proponho à leitura de uma nova peça, o que fica em evidência é minha capacidade de
leitura e memorização; portanto, meu intelecto “aparece” mais. Se, ao contrário, preciso
olhar para um músico e perceber quando ele respira, troca de arco ou ainda quando eu
preciso mover meu corpo de maneira diferente para produzir um determinado som, é a
motricidade e a percepção “objetiva” que se mostram. Dessa forma, fundando-se numa
unidade que se apresenta múltipla, é que as imagens corporais dos músicos devem surgir.
Mais do que ficar preso à imersão aparentemente irrefletida no mundo, o que nos é
exigido é o movimento de retomada perpétua das imagens construídas, é poder interagir
com elas, reconstruí-las à luz do presente. E não há outra maneira de haver imagens, pois
só quando nos colocamos em relação direta com elas em nossa atividade musical é que
elas podem existir para nós.
Pode-se dizer ainda que os autores pesquisados nos conduzem a repensar o papel
que o corpo assume na performance. Ele não é mais visto como uma máquina de produzir
sons desprovida de intenções, muito menos está subordinado a uma consciência regula-
dora: o corpo nos aparece de diversas formas, mas o sentido comum que as une é sua
capacidade de existir num mundo e de transformá-lo por sua atividade. O corpo do
músico não se esquiva dessa realidade: ele dialoga com os outros músicos e com a música,
e as representações que faz desse mundo dado o transcendem ao mesmo tempo em que
permanecem “coladas” a ele.

5. Sub-áreas de conhecimento
Filosofia, psicologia, performance musical, música de câmara, percepção corporal.

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Referências
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performance dos instrumentos de cordas. Revista PER MUSI, 2, 118-128.
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Trabalho apresentado por ocasião do V Seminário Nacional de Pesquisa em Música
(SEMPEM). Universidade Federal de Goiás, Goiânia, Brasil.
Conable, B. e W. (1992). How to learn Alexander Technique. Colombus, OH: Andover Road.
Freitas, G. (2004). O esquema corporal, a imagem corporal, a consciência corporal e a corporeidade.
Ijuí: Editora Unijuí.
Gabrielsson, A. (1999). The Performance of Music. In Deutsch, D. (Ed.) The psychology of music (p.
501-623). San Diego: Academic Press.
Gelb, M. (2000). O aprendizado do corpo: introdução à Técnica de Alexander. São Paulo: Martins
Fontes.
Merleau-Ponty, M. (2006). O corpo. In Merleau-Ponty, M. Fenomenologia da Percepção. (p. 102 –
270). São Paulo: Martins Fontes.
Nietzsche, W. F. (2004). Sobre Aqueles que acreditam no além e Daqueles que desprezam o
corpo. In: Nietzsche, W. F. Assim Falava Zaratustra. (p. 35 – 39). São Paulo: Editora Escala.
Pederiva, P. (2004). A aprendizagem da performance e o corpo. Revista MÚSICA HODIE 4 nº 1,
45-61.
Schilder, P (1999). A imagem do corpo: as energias constitutivas da psique. São Paulo: Martins
Fontes.
Silva, R. F.; Venditti Júnior, R.; e Miller, J. (Consultado em 09.09.2006). Imagem corporal na
perspectiva de Paul Schilder: contribuições para trabalhos corporais nas áreas de educação
física, dança e pedagogia. Disponível em: <http://www.efdeportes.com/efd68/schilder.htm>.

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O contraponto do som no cinema: A exploração
do som e seu efeito dramático na Sonoplastia
Musical

Débora Regina Opolski


deboraopolski@gmail.com
Universidade Federal do Paraná

Resumo
A sonoplastia no cinema é um exemplo de paisagem sonora construída com a
intenção de representação da realidade e recriação da cena filmada. No entanto,
os sons inseridos ganham novos desenhos e uma intensidade maior do que
teriam no cotidiano, ou seja, eles não são naturais. A composição sonora desloca
o som da função de apenas recriação da cena e, cria margens para se pensar numa
exploração do seu caráter dramático. Este trabalho tem como proposta a criação
de uma sonoplastia musical: a organização do som como informação musical,
partindo da problemática de este receber tratamento individual e separado da
música no contexto audiovisual.
Palavras-chave: trilha sonora; som; cinema.

O projeto tem como proposta a criação de uma trilha sonora que terá como princi-
pais elementos constitutivos os sons que constroem a realidade sonora cinematográfica.
Estando este trabalho em fase inicial, apresentaremos apenas a justificativa, e o esboço
dos objetivos pretendidos, visto que, a composição será realizada ao final da pesquisa com
base nos dados obtidos.
No meio cinematográfico existe uma classificação histórica, que separa o som e a
música em áreas distintas, originada provavelmente no início da prática de captação sono-
ra do filme. No entanto, com o avanço da tecnologia e conseqüente melhoria das técnicas
de captação, com as novas possibilidades de edição e recriação sonora, a captação de som
direto deixou de ser a única e definitiva forma de representação e composição sonora.
Dessa maneira, a música – trilha sonora – também deixa de ser a única possibilidade de
composição e inserção sonora da pós-produção.
A sonoplastia1 inserida na pós-produção é associada à imagem auxiliando na cons-
trução de uma falsa realidade sonoro-visual. Ela é dividida em 3 seções: diálogos, efeitos e
foley2. O Diálogo consiste em tudo o que é relacionado à voz humana: falas dos persona-
gens, sussurros, respirações e grunhidos. Já os sons denominados efeitos são todos aque-
les que são produzidos pelo ser humano de maneira indireta, como: bombas, carros,

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foguetes e ambientes em geral. Do foley fazem parte os sons produzidos diretamente
pelo ser humano e de todos os objetos que compõem determinada cena (BERCHMANS,
2006, p. 120).Todas essas inserções sonoras não são naturais. A informação sonora utiliza-
da como guia – captada no set de filmagem – é ressaltada ganhando novos desenhos e,
uma intensidade maior do que a do mundo real. Tudo faz som no cinema e é isso que
impressiona e causa espanto (LAROCA, 2006). Por conseguinte, podemos afirmar que os
sons ouvidos em determinada cena não são naturais, pois, não foram originados pela
mesma nem pelos objetos que a compunham. Foram sim recriados e, redesenhados com
o objetivo de causar impacto em relação ao que se vê e ao que se ouve. Dessa forma,
acredita-se que o som pode ser explorado em seu caráter dramático e, não apenas utiliza-
do para representação fiel da realidade.
Portanto, este trabalho pretende organizar o som de um filme, que é toda e qualquer
espécie de ruído que não possua timbres de instrumentos musicais (MARTIN, 2003, p.116),
de maneira coerente, lógica e criativa. Uma organização dos sons de forma com que eles
sejam a trilha sonora, ou para que possam contribuir com a mesma, sendo parte integrante
dela. Ou seja, a criação de uma sonoplastia musical onde os sons, tanto os existentes e
exigidos originalmente pela cena quanto os não relacionados com a imagem, contribuam
para uma melhor compreensão do resultado final, ressaltando e enfatizando os elemen-
tos visuais por indução sonora.

Notas
1
Esse termo, apesar de muito utilizado quando se trata de produções teatrais, não costuma ser empregado
para produções cinematográficas, onde é comum denominá-la apenas som. No entanto, como música tam-
bém é som, usaremos o termo sonoplastia sempre que estivermos nos referindo ao som do filme.
2
“A sound effects technique for synchronous effects or live effects.” Segundo: http://filmsound.org/foley
criada por Jack Foley no início de 1962.

Referências
Berchmans, T. (2006). A música do filme – tudo o que você gostaria de saber sobre a música
de cinema. São Paulo: Escrituras.
Martin, M. (2003). A linguagem cinematográfica. Neves, P.(Trad.). São Paulo: Brasiliense.
Schafer, M. (1992). O ouvido Pensante. São Paulo: Unesp.

Sites
Foley Artistry. Disponível em: http://filmsound.org/foley
Acessado em 20 de janeiro de 2007.
Transmissão Oral:
Laroca, A. (2006). Entrevista concedida no mês de março.

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A semiótica de Agawu e a busca da
compreensão dos arquétipos musicais
presentes em canções de Chico Buarque

Christian H. Zimmermann
sucr@onda.com.br
Universidade Federal do Paraná

Esta pesquisa tem como tema central a identificação de símbolos musicais presen-
tes em canções de Chico Buarque através da análise semiótica proposta por Kofi Agawu
em sua obra Playing with signs: a semiotic interpretation of classical music e a compreensão
daqueles por parte do ouvinte. Pretende-se com este trabalho, utilizando-se como méto-
do identificar arquétipos musicais, descrevê-los, exemplificá-los e submetê-los a aprecia-
ção e análise qualitativa, para que se possa correlacioná-los com a técnica composicional
do referido autor.

Desenvolvimento da prática de leitura e


performance musical baseada no sistema de
Solfejo Fixo-Ampliado

Iracema Yrlanda Simon


irinhasimon@gmail.com
Ricardo Dourado Freire
freireri@unb.br
Universidade de Brasília

Resumo: Existem vários sistemas de solfejo, os dois sistemas mais conhecidos são
o Fixo e o móvel. Ambos os O sistema fixo se caracteriza por se cantar exatamente
a nota que está escrita, mas ele não apresenta sílabas especiais para as notas

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alteradas. O sistema móvel se caracteriza pelo relativismo das tonalidades, todas
as melodias maiores podem ser cantadas em dó maior e as menores em lá menor,
o sistema móvel possui ainda sílabas alteradas para as notas bemóis ou susteni-
dos. O uso das sílabas têm a função de diminuir as interferências geradas por uma
mesma sílaba que diz respeito a duas notas diferentes. No entanto, do ponto de
vista da psicologia da aprendizagem estes sistemas apresentam problemas de
interferência por que o uso de uma sílaba que designa duas ou mais notas
diferentes prejudica a construção de relações mentais que o indivíduo deveria
fazer e o leva à confusão. A proposta do sistema de solfejo fixo-ampliado implica
na designação de uma sílaba específica para cada nota musical, principalmente
para sustenidos e bemóis. Neste estudo foi realizada uma avaliação do processo
de aprendizagem musical de um sistema de solfejo a partir de elementos
facilitadores do processo. Os estudantes de vários cursos da universidade, todos
com alguma com experiência musical participaram de uma disciplina de 6 horas
semanais nas quais eles foram introduzidos ao sistema de solfejo fixo-ampliado.
Durante o semestre os estudantes sentiram a necessidade de reconstruir o co-
nhecimento já existente de solfejo. Durante o processo de reconstrução os estu-
dantes foram familiarizados com o vocabulário específico de cada tonalidade,
para que houvesse a fixação do vocabulário os estudantes praticavam as conver-
sas musicais que são perguntas e respostas musicais utilizando o vocabulário
próprio de cada tonalidade, e o improviso. Este processo foi acompanhado por
gravações em vídeo das provas de solfejo e entrevistas.
Palavra-Chave: Solfejo fixo-ampliado, zona de desenvolvimento proximal,
performance musical

1. Fundamentação teórica
Quando um indivíduo é introduzido à música ele vê uma atividade de realização
artística, uma diversão ou um hobby. No entanto, quando ele se depara com o estudo do
solfejo muitas vezes se sente desestimulado pelos relatos de estudantes mais avançados
que lhes contam suas frustrações com a prática de solfejo. Os sistemas de solfejo mais
utilizados nem sempre suprem as principais dificuldades dos estudantes iniciantes como
afinação e leitura. Tem-se então que encontrar um sistema que supra as necessidades do
estudantes iniciantes e dos estudantes avançados que possuam deficiência de afinação,
fluência, ritmo e leitura.
O processo de aprendizagem musical apresenta várias dificuldades para estudantes
iniciantes, entre elas: leitura musical, afinação, fluência musical, compreensão dos interva-
los musicais e identificação dos acidentes (sustenidos e bemóis). O solfejo permite a
decodificação de sons em sílabas, estrutura musical racionalmente compreensível, por-
tanto, é ferramenta do pensamento musical dos estudantes. Com uma sílaba ou número
associados ao som é possível compreender a sintaxe musical: recriação da música como
um processo direto de percepção e realização musical (Freire, 2002).
Existem várias metodologias de educação musical, a primeira delas amplamente
aceita foi a do teórico Guido D‘Arezzo no séc. XI, foram associadas as primeiras sílabas do

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Hino de São João Batista às notas que iniciavam cada frase musical. Estabeleceu-se como
referenciais às notas a serem cantadas as sílabas Ut, Re, Mi, Fa, Sol e La. Neste sistema é
importante perceber“a relatividade das sílabas, com respeito às freqüências sonoras fixas”
(Goldenberg, 2000, 5). Este foi os primórdios do que se conhece hoje como Tonic Sol-Fa
(solfejo móvel) que foi reestruturado pelos ingleses Glover e Curwen na segunda metade
do séc. XIX com o uso de sílabas específicas para cada alteração e sinais manuais (manossolfa)
popularizado por Zoltán Kodaly, no séc. XX. Na França, no séc XVII, surge o sistema de
solfejo fixo. Os músicos começaram a designar as freqüências designadas pelas letras com
as sílabas usadas por D‘Arezzo. Este sistema se disseminou pelos países de língua latina,
em especial França, Espanha e Itália, que foram parâmetros para a Educação musical no
Brasil.
O sistema de solfejo fixo-ampliado é uma tentativa de suprir as deficiências dos
sistemas de solfejo tratados à cima. Ele utiliza as sílabas específicas para cada som, sem a
confusão de ter um mesmo nome para mais de um som, criando assim, vocabulário
específico para cada tonalidade, fazendo com que o músico solfeje sempre na altura na
qual está escrito ou transposto. A intenção do uso do sistema de solfejo fixo-ampliado é
minimizar a interferência causada pela não distinção de notas diferentes em uma mesma
sílaba fazendo assim um intercâmbio entre o estudo de solfejo e a prática instrumental, já
que nos instrumentos cada altura tem uma posição definida.

Sistema fixo-ampliado

2. Objetivos
Desenvolvimento da performance musical baseada no sistema de solfejo fixo-am-
pliado visa facilitar uma série de relações musicais mal-esclarecidas desde o princípio da
convivência do indivíduo com a música. A performance musical é uma atividade prática e
o solfejo deverá estar inserido dentro destas práticas por meio da improvisação cantada
com as sílabas do solfejo. A performance não está somente ligada à execução de um
instrumento em concertos, aqui, ela está ligada à execução dos exercícios de solfejo em
várias tonalidades e nos modos Maior e Menor.
A improvisação no solfejo incorpora uma multiplicidade de significados, comporta-
mentos e práticas musicais (Kenny & Gellrich, 2002), e é fundamental para a compreensão
do novo sistema pois permite que cada pessoa elabore idéias musicais a partir de sua
experiência pessoal. A improvisação permite que haja maior familiaridade com o sistema
e maior facilidade posterior na improvisação instrumental. Para que haja a improvisação é
necessário que haja uma base composta por um ostinato rítmico e por progressões har-
mônicas, em cima dessa base o estudante deverá compor no momento que lhe for pedi-
do uma melodia que seja coerente com a base.

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O solfejo permite a decodificação de sons em sílabas o que forma uma estrutura que
pode ser compreendida racionalmente, criando uma sintaxe que organiza a linguagem
musical tornando-a inteligível e acessível para o estudante em qualquer área da sua vivência
musical, podendo ela ser como instrumentista, arranjador, compositor. No solfejo, o que
está escrito deve ser convertido em som num primeiro contato (Mcclung, 2001), e esses
sons devem ser concebidos internamente. A audiação foi o termo da psicologia definido
por Edwin Gordon (Gordon, 1997) para definir o processo de compreensão mental da
música que acabou de ser executada ou que foi executada no passado, compreensão da
música lida, composta ou improvisada.
O processo de reconstrução do saber musical se baseia na abordagem da Psicologia
Sócio-Cultural de Lev S. Vygtosky (1898-1936), em específico à noção de zona de desen-
volvimento proximal (ZPD), que abrange o espaço da interseção entre aprendizagem e
desenvolvimento.Tal processo é fundamental para a aprendizagem substitutiva de qual-
quer área principalmente a musical onde cada estudante carrega consigo, na maioria dos
casos, um histórico de fracassos e frustrações em relação à performance do solfejo. Há
uma grande dificuldade em relação ao solfejo, pois os estudantes o vêem como uma
obrigação das aulas de teoria musical, faltando a compreensão de suas possibilidades e
uma aplicação efetiva no estudo e performance dos instrumentos musicais.
A relação com os estudantes para a coleta de dados do desenvolvimento individual
durante o processo de aprendizagem do solfejo fixo-ampliado é elemento chave para
uma descrição mais detalhada de como se dá o processo de reconstrução do saber musi-
cal.

3.Método
Para acompanhar o desenvolvimento da habilidade musical do solfejo de cada um
dos estudantes foi realizada uma pesquisa qualitativa longitudinal durante o período de
um ano. Foi fundamental o acompanhamento de todo o processo de aprendizagem atra-
vés da coleta de dados, sendo assim possível identificar aspectos positivos desta aborda-
gem na formação da performance a partir do solfejo.
A pesquisa foi realizada como acompanhamento da disciplina de Introdução à Músi-
ca 1, que foi aberta a alunos do curso de Música e alunos de outros cursos da Universidade
de Brasília. Foram realizados testes e gravações iniciais que estabeleceram o nível de
conhecimentos e habilidades dos estudantes no início do semestre.
Os testes foram de fundamental importância, dado que, a turma era formada por
estudantes de outros cursos, tornando a pesquisa ainda mais interessante. Os testes e
entrevistas informais delinearam o perfil da turma: dos quinze estudantes que iniciaram o
semestre, apenas três pertenciam ao departamento de música, os outros todos era de
outros cursos e cinco deles estavam na matéria para completar a cadeia de módulos livres.
Boa parte dos estudantes já possuía algum tipo de contato formal com a música. Em sala
de aula o conhecimento era avaliado através das improvisações com nomes de notas
dentro de tonalidade e de harmonias pré-definidas pelo professor e leituras.
As improvisações eram primeiramente realizadas com sílaba neutra para que os
estudantes se familiarizassem com a tonalidade, com os sons da tonalidade. Para que a

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improvisação com sílabas ficasse mais orgânica, houve o desenvolvimento de uma
metodologia específica para ela: o estudante deveria começar a improvisar usando duas
notas, depois três e assim sucessivamente até que chegasse à escala completa na seguin-
te ordem dos graus da escala: I,V, III, IV, VI,VII; dessa forma se trabalha não só a improvisação
em si, mas também a afinação e a noção de intervalos.
Após esse primeiro contato com a turma as provas e as aulas eram gravadas e analisa-
das, foram realizados testes de leitura musical quando os estudantes já possuíam um conhe-
cimento mais aprofundado do sistema de solfejo fixo-ampliado. E entrevistas com os
estudantes que eram de vários cursos. A turma era composta de 16 estudantes sendo três
deles estudantes do curso de Música, seis de outros cursos, mas tocavam um instrumento
musical, e o sete estudantes de outros cursos que não tocavam instrumentos3.
Todo o material coletado das gravações e entrevistas foi compilado em DVD’s indivi-
duais de cada estudante com os quais pôde-se realizar uma avaliação mais detalhada do
desenvolvimento individual da leitura e da performance a partir do sistema de solfejo fixo-
ampliado.

4. Resultados
Os estudantes durante o período da disciplina realizaram várias gravações em vídeo
de suas provas de solfejo com o sistema fixo-ampliado, nas quais foi registrado o desenvol-
vimento individual dos alunos. Os indivíduos também participaram de entrevistas nas
quais descreviam como havia sido o processo de aprendizagem e os pontos positivos,
negativos e dificuldades durante o processo de aprendizagem.
Os estudantes demonstraram o desenvolvimento do solfejo por meio das gravações
em vídeo. Após análise das gravações das provas de solfejo foi possível verificar que: 40%
apresentaram todos 44 exercícios, outros 40% apresentou 35 exercícios e 20% apresen-
tou 26 exercícios; todos eles nas tonalidades de: Dó M, Dó m, Ré M, Ré m, Mi M, Mi m, Fá M
Fá m, Sol M, Sol m, Lá M, Lá m e Sib M.
Foi possível fazer uma análise qualitativa do processo de aprendizagem através das
entrevistas com os estudantes. Eles avaliaram diversos aspectos da aprendizagem dentre
eles: 1) conhecimento e prática de outros sistemas de solfejo; 2) como foi o processo de
aprendizagem do sistema de solfejo fixo-ampliado; 3) quais os aspectos negativos do
sistema fixo-ampliado; 4) Quais os aspectos positivos; 5) De qual a maneira o uso do
sistema de solfejo fixo-ampliado está presente no estudo do instrumento.
A avaliação dos estudantes demonstrou dificuldades nos aspectos da assimilação do
vocabulário de cada tonalidade e certa confusão com as notas si e sol#, representadas
pelas sílabas ti e si, respectivamente.“Demorei para diferenciar ‘si’ nota de ‘si’ sílaba, mas
com o tempo eu me acostumei” , diz Carla. Catarina também diz que:“ quando foi aumen-
tando a quantidade de sílabas novas foi ficando mais confuso, mas em um determinado
momento eu vi que o que era ‘fi’ em uma tonalidade era o mesmo ‘fi’ em outra, só que em
outro lugar na escala”.
Os estudantes atribuíram ao sistema fixo-ampliado a melhora do seu desenvolvi-
mento na leitura e performance, relataram melhora na fluência, no ritmo e principalmente

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na afinação:“ Minha afinação na viola melhorou, também desenvolveu minha musicalidade”,
diz Carla. Segundo eles, devido a diferenciação que o sistema faz a uma nota, se ela for
natural há uma sílaba para designá-la, e se essa mesma nota for sustenido ou bemol
existirão outras duas sílabas, cada uma para um dos casos a relação de intervalos e de
tonalidade ficam esclarecidas.“ Eu apenas cantava em Dó Maior, não sabia quando uma
nota estava alterada, com as sílabas eu tive consciência dos acidentes” Catarina.
Em relação ao improviso alguns dos estudantes afirmam que é um conhecimento
que não há muita chance de ser aproveitado no momento do solfejo, mas sim, no
instrumento.”Eu agora improviso com maior consciência, sei o que eu quero tocar” disse
Márcio que toca violão 7 cordas.“Ficou mais fácil saber para onde a harmonia vai enquanto
estou improvisando” Roberto disse isso quando foi questionado à respeito da memorização,
“é como se eu relacionasse todas as coisas que eu já ouvi e colocasse em prática no
momento em que eu estou improvisando e já prevendo os próximos acordes”.“Apesar da
minha improvisação cantada ainda não estar espontânea, minha leitura teve grande me-
lhora, acredito que devido ao sistema de solfejo” diz Carla.
Todos os estudantes que tocavam algum instrumento disseram em suas entrevistas
que o solfejo fixo-ampliado facilitou a relação deles com a leitura de partituras e com a
prática instrumental: “a leitura se tornou mais proficiente, eu leio em várias claves e a
relação por intervalos ficou mais clara” diz Carla.“Quando estava estudando uma música
do Leo Brower, que era como se fosse uma fuga à três vozes eu não conseguia dar um
sentido melódico para as vozes, mas quando solfejei cada uma das vozes separadamente
consegui entender o que estava sendo feito e na hora de tocar a música estava muito
melhor, cada voz aparecendo na hora certa”diz Augusto, violonista.
Também eles falaram sobre a importância para esclarecimentos de relações entre
intervalos na leitura e afinação:“sabendo as sílabas os intervalos parece que vem automa-
ticamente quando se pensa no nome da nota, parece que sem a sílaba certa o intervalo
não afina, a altura e a sílaba já estão ‘dependentes’ um do outro”,disse Vanessa;“sabendo
qual é o intervalo é mais fácil buscar a nota na memória”, Ângelo, Augusto e Roberto
convergiram nesse aspecto, e Carla ainda disse mais:“ Eu já sabia alguma coisa de solfejo,
já imitava e já cantava em graus conjuntos, mas não sabia identificar sustenido e bemol,
trabalhava apenas em Dó Maior, depois do solfejo fixo-ampliado os semitons e acidentes
ficaram mais claros, consigo distingui-los”, pode-se notar o solfejo móvel presente na
educação musical dela.
Houve estudantes na turma de Introdução à Música 1 que realmente estavam come-
çando do a aprender música naquela ocasião, uma dessas alunas obteve progresso consi-
derável. No início do semestre ela apenas repetia o que era cantado e cantava com sílabas
neutras, quando ela deveria colocar nome de notas era a altura certa com o nome errado
e nome errado com altura certa:“Antes de fazer aulas de solfejo eu nem sabia se o que eu
estava cantando poderia ser mais grave ou mais agudo, quando, em aula, falavam para eu
comparar a nota que eu ouvia com a que eu dizia o nome, eu não fazia muita idéia do que
era para eu fazer, graças a orientação do professor eu comecei a ouvir e tentar imitar, e, aos
poucos eu ia aprendendo o nome de cada nota e o som que deveria ter, sempre compa-
rando com uma anterior.”Martha. Os estudantes também atestam que, por causa da greve,

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o desenvolvimento deles ficou prejudicado, pois o trabalho não teve a continuidade exigida
para o seu bom desenvolvimento.

5. Conclusões
O uso do solfejo para a educação musical dos indivíduos é comprovadamente de
extrema importância tanto para a vida acadêmica quanto para a prática instrumental.
Muitas vezes o sistema de solfejo ao qual o indivíduo foi apresentado no início de sua vida
musical o levou a um histórico de frustrações pelas falhas de afinação, pela incerteza do
que se está cantando, ou deficiência de leitura pelo excesso de generalização da utiliza-
ção de um sistema insuficiente para suprir as necessidades musicais e de aprendizagem
do indivíduo. Para que estes episódios de frustração sejam minimizados é preciso que o
estudante seja introduzido a um sistema com o mínimo de interferências.
Averiguou-se durante esse ano de pesquisas que sem o envolvimento do aluno em
aprender, a disciplina, não seria possível dar qualquer passo rumo a um sistema de solfejo
mais completo e com menos propensão à necessidade de artifícios de estudo. O estudo
constante foi ferramenta indispensável do processo de aprendizagem. A disciplina no
estudo levou os estudantes à consciência de seus potenciais e capacidades.
Dentre os aspectos reforçados pelo sistema fixo-ampliado, a afinação foi sem dúvida
é um deles. Os estudantes comentaram que se sentiam mais seguros para improvisar,
cantar e tocar o seu instrumento. Com todo esse aparato de ferramentas musicais um
importantíssimo ponto foi tocado, a musicalidade, os indivíduos se ouvindo e se sentindo
criadores de uma pequena melodia, o improviso, foram aos poucos se encontrando este-
ticamente dentro do que eles mesmos gostariam de ouvir e das direções que eles queri-
am que as frases tivessem. Durante a improvisação os estudantes conseguiram prever a
harmonia e com a prática dela cantada em sala de aula ter consciência de para onde eles
querem que a melodia vá quando improvisam. O uso da voz como instrumento em sala de
aula foi fundamental para alguns alunos que não possuíam o controle da sua própria voz e
do tipo de som que estava sendo produzido por eles.
A implementação do sistema de solfejo fixo-ampliado apresentou vários pontos
positivos na avaliação dos estudantes, entre eles: uso de sílabas específicas para cada
altura esclarece a afinação,a diferenciação entre tonalidades maiores e menores facilita a
aprendizagem e a improvisação torna-se uma ferramenta efetiva na prática da performance
do solfejo. Neste contexto, os sujeitos participantes avaliaram como positiva e válida a
adoção desta metodologia no processo de aprendizagem musical.

Notas
3
Os nomes foram modificados para preservar a privacidade dos participantes da pesquisa.

Referências
Freire, R. J. D.(2002) Reconstruindo o saber: o aprendizado do sistema de solfejo móvel no
contexto universitário. In: Anais do XI Encontro Nacional da Associação Brasileira de Educação
Musical. Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, Brasil.

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Freire, R. J. D. (2003). Avaliação do ditado musical como ferramenta didática na percepção
musical. In: Anais do XIV Encontro Nacional da ANPPOM.
Freire, R. J. D. (2005). Sistemas de solfejo analisados a partir de conceitos de Robert Gagné. In:
Anais do 1° Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais. Curitiba- PR : Editora do
Departamento de Artes da Universidade Federal do Paraná, 2005. v. 1. p. 268-274.
GOLDEMBERG, Ricardo. Métodos de Leitura Cantada: dó fixo versus dó móvel. Revista da
ABEM, n. 5, pág. 5, 2000.
Gordon, Edwin (2000). Teoria de Aprendizagem Musical. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
Hughes, A., Gerson-Kiwi (2004). Solmization, The New Grove Dictionary of Music, On Line. ed.
L. Macy (Acessado em 10 de novembro de 2004)
Santos, Regina Antunes Teixeira dos; Del Ben, Luciana (2004). A improvisação na prática de
solfejo: um relato de experiência. In: Anais do XIII Encontro Nacional da Associação Brasileira de
Educação Musical.

Diagnóstico da prática musical na graduação em


Música na UFBA (licenciatura e bacharelado)

Lucas Campello do Nascimento


Campeloo@ig.com.br
(PIBIC/UFBA)
Maria Luiza Santos Barbosa
mluizasb@yahoo.com.br
(PIBIC/UFBA)
Diana Santiago
disant@ufba.br
Universidade Federal da Bahia

Em música, a prática é necessária para capacitar o musicista a adquirir, desenvolver e


manter aspectos técnicos, aprender uma nova música, memorizar músicas, desenvolver
interpretações e prepará-lo profissionalmente. A chave do propósito da prática é capacitar
física e cognitivamente o profissional, deixando-o com uma consciência mínima do con-
trole motor, para que a capacidade do processo cognitivo seja utilizada nos processos
interpretativos.
De acordo com Harald Jorgensen, há três fases para o auto-aprendizado e constru-
ção da estratégia da prática pessoal:

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• Plano e preparação – organização do que vai ser feito e seus objetivos;
• Execução – administração do tempo e preparação para apresentação pública;
• Observação e avaliação – processo de auto-avaliação (reflexão e equilíbrio das
estratégias pessoais – metaestratégias).
O objetivo desta pesquisa é fazer um levantamento das características da prática
musical na Escola de Música da Universidade Federal da Bahia. Esta Escola oferece os
cursos de Licenciatura em Música, Bacharelado em Canto, em Instrumento e em Compo-
sição e Regência. Para um diagnóstico da prática musical dos alunos, foram escolhidos os
cursos de Licenciatura, Canto e Instrumento, pois os estudantes estão em contato maior
com a prática do seu instrumento.
Para uma sondagem inicial, utilizou-se um questionário aplicado entre todos os
alunos desses cursos. Após a tabulação desses resultados, estão sendo realizadas grava-
ções da prática de nove sujeitos escolhidos (voluntários), para registrar três etapas: o início
do estudo de uma peça escolhida por eles, a etapa intermediária deste estudo e o término
do mesmo.
Estudos realizados por Harald Jorgensen e Aaron Williamon norteiam esta pesquisa.

Referências
JORGENSEN, Harald. (1997) Time for practicing? Higher level music stdents´s use of time for
instrumental practicing. In. JORGENSEN, Harald. LEHMANN, Andréas C. (Eds.) Does practice
make perfect? Current theory and research on instrumental music practice. (pg. 123-139). Oslo:
Norges musikkhogskole.
CLARKE, Eric. (2005). Understanding the psychology of performance. In: RINK, John. Musical
performance: a guide to understanding. (pg. 59-72. ) Cambridge, Cambridge. University Press.
JORGENSEN, Harald. (2004). Strategies for individual practice. In: WILLIAMON, Aaron. Musical
excellence: strategies and techniques to enhance performance. (pg 85-103.) News York, Oxford
University Press.
BARRY, Nancy H. HALLAM, Susan. Practice. In: PARNCUTT, Richard e McPHERSON, Gary E.
(Editores), The Science and Psychology of Music Performance – Creative Strategies for Teaching and
Learning. (pg. 151-165). New York, Oxford University Press.

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Construção da Performance por um Aluno de
Graduação em Piano: Um Estudo da Prática
Musical

Estevam Dantas
estevamdantas@hotmail.com
(PIBIC UFBA/FAPESB)
Diana Santiago
disant@ufba.br
Universidade Federal da Bahia

Introdução
A produção de pesquisa em performance musical no Brasil cresceu consideravel-
mente nas últimas duas décadas. Observa-se, porém, a escassez de estudos que abordem
os aspectos principais da experiência da performance musical, tais como as questões
relativas à expressividade e ao significado musical, à construção da representação mental
e dos planos de performance, bem como aos aspectos psicofisiológicos da prática musi-
cal.

Objetivos
Os objetivos deste trabalho foram observar, registrar e analisar sessões de prática de
um aluno da graduação em piano durante o aprendizado da peça musical“Idílio na Rêde”,
da Suíte Floral de H. Villa-Lobos, designada ao mesmo. Pretendeu-se, com isso, esclarecer
aspectos da construção da sua performance musical, tais como estilo de aprendizagem,
técnica e memorização, e comparar os dados com achados da literatura na área. Preten-
deu-se, ainda, auxiliar os músicos executantes (pianistas e quaisquer outros instrumentistas)
a conseguir uma otimização do tempo nas horas de preparação de uma peça para sua
apresentação. Pesquisas deste tipo são pioneiras no Brasil, onde a pesquisa em execução
musical centra-se nos aspectos analíticos e da musicologia histórica.

Material e métodos
Após levantamento bibliográfico de estudos na área, foram feitos os registros, obser-
vações e, mais tarde, transcrições das sessões de prática do um aluno da graduação em
piano durante o aprendizado de peça musical designada ao mesmo. O registro dessas
sessões foi feito através de filmagem em fita VHS sem determinação prévia de duração
por sessão. As transcrições foram submetidas a posterior análise por meio da categorização

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dos comportamentos observados. Em paralelo, foram realizadas entrevistas com o sujeito
(através de gravação por MD), utilizando questionário elaborado pela minha orientadora
para tal fim, dando complemento à sua pesquisa em psicologia musical. Também foi
acompanhada a elaboração de um diário de prática escrito pelo sujeito, em outras sessões
de estudo que não foram filmadas. Esses registros no diário não foram extensos, mas
esclareceram alguns processos mentais que ocorreram durante sua prática.

Resultados e conclusões
Ao observar como o sujeito da pesquisa praticava, percebeu-se que ele combinava
as abordagens holístico, analista e serialista intuitiva descritas por Hallam (1997), sendo
desta maneira, ainda segundo a classificação de Hallam, aprendizes versáteis. Houve, as-
sim, a constatação da ocorrência do mesmo perfil encontrado na pesquisa realizada na
Inglaterra.
A melhor compreensão dos processos da performance musical viabilizará uma
otimização das técnicas de ensaio dos músicos, beneficiando escolas (ensino) e grupos
musicais (prática musical), podendo reduzir o tempo de preparação das obras musicais e
evitar inclusive problemas ocupacionais em músicos. Isso possibilitará uma redução nos
custos operacionais em instituições musicais e melhor saúde (física e mental) para o
músico.

Referências
Chaffin, Roger. A Comparison of Practice and Self-Report as Sources of Information About
the Goals of Expert Practice. Psychology of Music, 29, pp. 39-69.
Gerling, Cristina C. & Gerber, Daniela Tsi. (2002).A Práxis na Execução Musical: O Estudo da
Obra Azikirê de Alda Oliveira. Anais do XI Encontro Anual da ABEM. (pp. 105-119). Natal: UFRN. 1
CD-ROM.
Gerling, Cristina C. & Souza, Jusamara. (2000).A Performance Como Objeto de Investigação
(UFRGS). Anais do I Seminário Nacional de Pesquisa em Performance Musical. pp. 114-125. Belo
Horizonte: UFMG. 1 CD-ROM.
Gerling, Cristina C., Hasselaar, Silvia C. & Cazarré, Marcelo M. (2002). Abordagens de
Aprendizagem na Didática Pianística: Dois Estudos de Caso. Anais do XI Encontro Anual da
ABEM. pp. 120-134. Natal: UFRN. 1 CD-ROM.
Hallam, Susan. (1997). Approaches to instrumental music practice of experts and novices:
implications for education. In: Jorgensen, H., Lehmann, A. C. (Orgs.). Does practice make perfect?
Current theory and research on instrumental music practice. (pp. 89-107). Oslo: Norges
musikkhogskole
Póvoas, Maria Bernadete Castelan. (2005). Ação Pianística: Controle Cinestésico e Movimento.
In: Dottori, Maurício, Illari, Beatriz, Souza, Rodolfo C. de (eds.). Anais do 1º Simpósio Internacional
de Cognição e Artes Musicais. (pp. 239-246). Curitiba, PR: Deartes.
Santiago, Diana & Brito, Thales da Silva. (2005). Performance Musical e Psicologia da Música:
Aspectos da Construção da Performance Pelo Músico (fase 1). In: Anais do 1º Simpósio
Internacional de Cognição e Artes Musicais. (pp. 166-172). Curitiba, PR: Deartes.

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O regente enquanto educador musical no
ensino coletivo de instrumentos de banda

Fabrício Dalla Vecchia


fatrombone@gmail.com
Universidade Federal da Bahia

Resumo
Um grupo musical seja vocal, instrumental ou misto, principalmente em processo
de formação, exige o desempenho de múltiplas funções por parte do maestro,
diretor ou regente. Mais notadamente se este grupo for vinculado a uma institui-
ção de ensino regular.
Abordaremos em especial duas funções mais básicas, se assim podemos dizer,
daquele que dirige atividades com alunos de Bandas Escolares, não profissionais
ou em formação. Regente e Professor serão estas funções, considerando que o
mesmo profissional se encarrega do ensaio e ensino dos alunos do grupo musi-
cal simultaneamente. Trataremos de alunos iniciantes, supondo o uso do método
Da Capo4, para instrumentos de sopro e percussão que integram a Banda, aplicado
na forma coletiva.
Propomos um diálogo entre os autores que tratam, do assunto em relações às
questões práticas do ensino de instrumentos de Banda em grupo. E a partir deste
os fundamentos que, se permearem o planejamento e execução das atividades
de ensino e de ensaio da Banda, têm possibilidade de influenciar positivamente
num ensino eficaz.
Palavras-chave: Banda, Ensino, Regente

O ensino coletivo de instrumentos de Banda – Método Da Capo


Músico, estudioso, treinador, comunicador, educador, diplomata, disciplinador, executivo, planejador,
gerente de recursos, administrador de pessoal, conhecedor eficiente, advogado, publicitário, guia,
líder e visionário: o regente ideal combina todos estes exemplos numa complexa vocação.5
(Demaree and Moses, 1995, p.1).

As Bandas e Orquestras Escolares são ambientes férteis para o processo de educação


musical, pois têm ampla ligação com a prática instrumental direcionada ao preparo de
apresentações públicas. Além de ter importância sócio-cultural nas comunidades em que
se encontram, as Bandas costumam abranger repertórios de todos os estilos, o que popu-
lariza a música instrumental. Estes grupos também são verdadeiros celeiros de músicos,

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pois centralizam suas atividades em ensino teórico e prático de alunos iniciantes objetivando
apresentações públicas, e quanto melhor instruídos os músicos, certamente melhor será o
desempenho da Banda.
A renovação e manutenção destes grupos musicais dependem de recursos pedagó-
gicos, que através de aplicação eficiente, tenham a finalidade de elevar a qualidade musi-
cal, desenvolver e, conseqüentemente, perpetuar as Bandas Filarmônicas.
Estas necessidades tornam o uso de métodos coletivos uma opção acertada. Este
tipo de método para Banda e Orquestra, é amplamente usado no exterior já há bastante
tempo. Nos EUA, por exemplo, desde 1920. Porém, constata-se que nas Bandas brasileiras
“poucos são os métodos nacionais e a solução dos métodos de ensino coletivo, nos quais
o mesmo conteúdo é praticado por todos ao mesmo tempo, embora já conhecido da
maioria dos maestros, ainda não é utilizado” (Pereira, 2001, p. 401). Sendo assim, o Da Capo
– Método para o Ensino Coletivo e/ou Individual de Instrumentos de Sopro e Percussão, elabo-
rado por Joel Barbosa (2004), vem ao encontro desta situação em nosso país. Este método,
apesar de editado somente em 2004, já é usado no Brasil há quase dez anos com resulta-
dos muito satisfatórios em vários projetos de renome e em iniciação de Bandas escolares.
A metodologia coletiva traz vantagens, pois dá possibilidade de vários alunos apren-
derem simultaneamente. Difere da pedagogia tradicional em que prevalece o ensino
tutorial, onde se estabelece somente a relação do professor com um aluno a cada aula.“O
trabalho em grupo, é uma excelente forma de enriquecer e ampliar o ensino de um
instrumento” (Swanwick, 1994, p. 10).
Conforme as condições de cada professor e os tipos de instrumentos musicais a
serem lecionados, há variações no número de alunos por turma. Segundo Swanwick o
número entre 6 e 15 tende a ser considerado o ideal por aqueles que trabalham com
grupos. O número mínimo de integrantes, considerado ideal para uma Banda são 36
instrumentista (Manning, 1975). No método Da Capo o autor indica que “Havendo apenas
um professor, sem ajuda de um monitor, defina uma classe com no máximo 30 alunos”
(Barbosa, 2004, p. 4). Portanto, a importância de o professor contar com um ou mais
monitores no ensino coletivo em Bandas de música.
Porém a complexidade de ensinar vários alunos juntos e que aprendem de maneiras
diferentes é significativa. O modelo Espiral de Keith Swanwick e Tillman (1985) ilustra
quatro estágios de desenvolvimento que não se relacionam somente à idade do aluno,
como normalmente são separadas as turmas no ensino regular.
A razão porque o modelo Espiral não está relacionado com idades específicas, vem do fato de que
se acredita que diferentes pessoas se desenvolvem em velocidades diferentes, principalmente
em função dos tipos de estímulos a que estiveram expostas, e do desenvolvimento cognitivo que
varia com a idade (Hentschke, 1993, p.66).

A prática de ensino coletivo garante o desenvolvimento da Banda enquanto grupo


musical mais aceleradamente, porém requer estratégias e procedimentos práticos mais
específicos, do que no ensino tutorial,“você deve encontrar os procedimentos e métodos
empregados para conduzir o ensaio que dêem resultado aos seus propósitos musicais”6
(Demaree and Moses, 1995. p.5).

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Elaborando atividades de aprendizado e ensaio -
Responsabilidades do Regente
O Regente, além de obviamente reger, geralmente também é encarregado de ensi-
nar todos os instrumentos da Banda. Sendo assim, pode ser muito vantajoso ensinar todos
os instrumentos juntos, ou seja, em aulas coletivas. Neste caso, as atividades de ensino
necessitam abranger um grande número de alunos, pelo menos 36, como foi descrito
anteriormente. E, por conseguinte o maestro da Banda assume, no mínimo dois papéis
simultaneamente: Regente e professor. E não bastasse, são poucas as Bandas onde o
regente não terá outras ocupações, além de reger e ensinar, muitas vezes o regente é
também arranjador, arquivista e até montador de palco quando necessário.
O desafio de ser regente e professor simultaneamente, ensinar enquanto rege e
reger enquanto ensina, deve estar implícito no planejamento das atividades pedagógicas,
aulas coletivas e ensaios. “Não pode haver nenhuma falha nas lições por falta de prepara-
ção prévia” (Swanwick, 1994, p. 10). É interessante que o planejamento das aulas coletivas
conte com estratégias individualizantes que tenham o intuito de exigir habilidades aos
alunos de acordo com o desenvolvimento individual de cada um.
“Trabalhar com um grupo é um compromisso educacional totalmente diferente.
Para começar, o professor deve estar especialmente alerta” (Swanwick, 1994, p. 10). A
atenção do professor é multiplicada pelo número de alunos. Se em uma aula individual o
professor dá “x” atenção ao seu aluno de trombone, por exemplo, na aula coletiva, com
toda a Banda o professor deve multiplicar esta atenção conforme a quantia de alunos, o
que visivelmente não é simples.
É consenso que o Regente instrui e faz observações sobre a atuação musical do
grupo, e sendo assim deve ser um super comunicador. Ser claro na transmissão dos obje-
tivos durante as instruções em relação à interpretação, mesmo de uma melodia simples é
imprescindível. “Todos os Regentes são educadores musicais. Pois o objetivo básico é
fazer com que os músicos toquem cada vez melhor” 7 (Demaree and Moses, 1995, p. 5).
Após a execução de qualquer que seja o trecho musical, os músicos do grupo au-
tomaticamente esperam por uma reação do Regente, principalmente se houve uma críti-
ca anterior. Desta forma, músicos e regente podem obter um feedback em relação ao seu
desempenho. Em momentos como este o Regente precisa “aprender a ouvir e avaliar
tudo a todo o tempo, na produção sua e de seus músicos, em cada detalhe e como um
todo, só então pode guiar toda a interpretação” 8 (Demaree and Moses, 1995, p. 4), e assim
realizar de maneira consciente uma regência efetiva.

Desenvolvimento musical no ensino coletivo


A teoria da Espiral para o desenvolvimento musical de Swanwick propõe níveis de
desenvolvimento do mais elementar ao mais complexo. A teoria bem como o modelo
Espiral poderia ser utilizado não só como modelo de avaliação das três atividades musicais
– composição, execução e apreciação – mas também servir de base para a construção de
um currículo em música.

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Encontra-se na teoria Espiral processos semelhantes com as teorias de desenvolvi-
mento de autores como Piaget e Bruner, dentre outros. “... foi constatada uma grande
semelhança entre a teoria Espiral e o paradigma de desenvolvimento advogado pelas
teorias de desenvolvimento psicológico em geral” (Hentschke, 1993, p.68).
O desenvolvimento musical se distingue de outras teorias de desenvolvimento,
porque, as respostas dos primeiros estágios não deixam de existir não importando o quan-
to o indivíduo está desenvolvido musicalmente.
Da mesma forma Swanwick constatou quatro estágios ou níveis na Espiral de desen-
volvimento, sendo estes, materiais, expressão, forma e valor, o mesmo nos afirma que estes
podem ser atingidos em uma única obra musical com intensidades diferentes em habili-
dades de apreciação, técnica ou performance e composição.“Swanwick quer dizer que
respostas a qualquer obra musical contêm as quatro dimensões não importando o quão
simples a obra é” (Hentschke, 1993, p.60).
Sendo assim, tais constatações nos sinalizam a credibilidade de utilizar o ensino
coletivo enquanto modalidade de ensino musical. Pois, nos expõem o fato de que alunos
em diferentes estágios podem compartilhar de uma mesma experiência musical juntos,
independente da complexidade da obra musical, desde que haja planejamento. Ativida-
des estas que atinjam vários estudantes em diferentes níveis de aprendizagem musical
simultaneamente. Ou seja, alunos aprendendo juntos, porém com particularidades pesso-
ais e individuais em relação ao grupo.

Conclusão
Reger uma Banda Filarmônica, ou qualquer outro grupo instrumental ou vocal exige
muito mais do que simplesmente fazer gestos condizentes com a partitura. Foi intuito
deste artigo tocar em questões ligadas às múltiplas funções do Regente, principalmente
em relação ao ensino coletivo de instrumentos de Banda. Esperamos ter atingido o obje-
tivo de expor à reflexão, questões pedagógicas subordinadas a figura, muitas vezes, miste-
riosa do Maestro.
Discutimos fundamentos, para a elaboração de atividades de ensino frente à Banda de
Música, apoiados na teoria espiral de desenvolvimento musical (Swanwick e Tillman, 1985).
Planejar e efetivar atividades que permeiem os diversos níveis de desenvolvimento
musical, em alunos de turmas heterogenias. Alunos que ao tocarem elementos dos mais
simples aos complexos, de uma mesma obra musical juntos, aprendem de forma diferen-
te, também tocando instrumentos diferentes, e isto ocorre simultaneamente durante as
aulas coletivas e ensaios da Banda.
Acreditamos que incluir e possibilitar atividades pedagógicas, entre alunos de dife-
rentes níveis de aprendizagem deva ser o intuito das práticas de ensino do Regente.
Enquanto educador musical no ensino coletivo de instrumentos, estas atitudes inclusivas
poderão garantir o desenvolvimento e difusão das Bandas Escolares.

Notas
4
Da Capo Método Elementar Individual e/ou Coletivo para Instrumentos de Sopro e Percussão (Joel Bar-
bosa, 2004).

604

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5
Tradução de “Musician, scholar, coach, communicator, educator, diplomat, disciplinarian, executive, planner,
budget manager, personnel officer, efficiency expert, advocate, publicist, guide, leader, visionary: The ideal
conductor combines all these roles in an intricate vocation.”
6
“You will find the rehearsal procedures and conducting method you employ must be outgrowths of your
musical purposes” (Demaree and Moses, 1995, p. 5).
7
“All conductors are music educators. Our most basic objective is to take performers as they are and try to
make them better.”
8
“You must learn to hear and evaluate everything you and your musicians produce, both in detail and as a
whole, so that you can guide the over all interpretation.”

Referências
BARBOSA, Joel L. S. (2004). Da Capo – Método para o Ensino Coletivo e/ou Individual de
Instrumentos de Sopro e Percussão. Jundiaí: Keyboard.
DEMAREE, Robert W. and MOSES, V. Don. (1995).The complete conductor: a comprehensive
resource for the professional conductor of the twent-first century. Uper Saddle River: Prentice Hall.
FUNARTE. (2000). Departamento de Bandas de Música. Bandas.mdb: Banco de Dados de Bandas
Brasileiras. Rio de Janeiro, 1 disquete, 3 ½ pol. Access 1997 for Windows.
HENTSCHKE, Liane. (1993). A adequação da teoria Espiral como teoria de desenvolvimento musical.
In R. Martins (Org.). Fundamentos da Educação Musical, (pgs. 47-70). Porto Alegre: Associação
Brasileira de Educação Musical – ABEM.
MANNING, Philip A. (1975). A handbook for the development of the band program. Austin: Texas
Education Agency.
PEREIRA, José A. (2000, Janeiro). A Banda de Música: Retrato Sonoro Brasileiro. Trabalho
apresentado por ocasião do IV Simpósio Latino-Americano de Musicologia. Fundação
Cultural de Curitiba, Paraná, Brasil.
SWANWICK, Keith. (1994). Ensino Instrumental Enquanto Ensino de Música. Fausto Borém de
Oliveira (Trad.). Cadernos de Estudos de Educação Musical, 4/5, 7-14.

605

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Musical utterances in an African Gray Parrot
(Psittacus erithacus): a descriptive study

Luciana Bottoni
luciana.bottoni@unimib.it
Simone Masin
University of Milano-Bicocca
Daniela Lenti Boero
d.lentiboero@univda.it
Università della Valle d’Aosta

Introduction
Because parrots are famed to utter many different forms of vocal mimicry, the aim of
our study was to investigate if an African Grey Parrot (Psittacus erithacus) could be able to
learn and elaborate elements of a human musical code (temperate scale) and rhythm.

Methods
By means of a modified version of the Model/Rival (M/R) method (Todt 1975,
Pepperberg 1981), we trained Theo, a young female African Grey to utter musical sequences
after hearing simple melodies played on a keyboard. The experiment lasted 13 months.
Uttered melodic strings from the parrot had their notes identified with the aid of an
electronic tuner and frequency peak was measured for each note of every sequence.
Parrot’s utterances were judged by two naive judges as matching, at least in part, the
melody played by experimenters, or as being a new creation, composed by heard notes
arranged in different melodic sequences.

Results
Descriptive analysis of strings showed a preferential use of 3-5 notes in performing
duets and answering to musical stimuli, although longer sequences composed by 6-10
notes were not uncommon. Moreover, the strings were uttered at higher octaves, never
heard before, showing that Theo was able to transpose the relationship between frequency
intervals. Only a minority of utterances were judged as repetition of heard melodies by
two naive judges, thus our parrot was able to create new melodies, with different intervals
never heard before.

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Discussion
Physically, sound frequencies are continuous entities, and the musical notes of
temperate scale in human music are sub samples of those entities, chosen on the base of
a compromise allowing the best possible consonance between all the possible combination
of notes within or across octaves (Frova 1999, Schwartz et al. 2003).Thus, by no means the
notes of the temperate scale are “natural”,and the intervals between the frequency of the
notes must be appraised, in order to be repeated in new melodies: a complex cognitive
competence in a non human subject.

References
Frova, A. 1999: Fisica nella musica. Zanichelli, Bologna.
Pepperberg, I. M. 1981: Functional vocalizations by an African Grey Parrot (Psittacus erithacus).
Zeitsch. Tierpsych. 55, 139-160.
Schwartz, D. A., Howe, C. & Purves, D. 2003: The statistical structure of human speech sounds
predicts music universals. J. Neurosci. 23, 7160-7168
Todt, D. 1975: Social learning of Vocal Patterns and Modes of their Application in Grey
Parrots (Psittacus erithacus). Zeitsch. Tierpsych 39, 178-188.

Inteligência Musical se aprende: Experiência de


Aprendizagem Mediada em Música

Simone Marques Braga


ssmmbraga@bol.com.br
Conservatório Brasileiro de Música

Resumo
O presente trabalho aborda a Experiência de Aprendizagem Mediada (EAM), da
Teoria da Modificabilidade Cognitiva Estrutural ( TMCE) de Reuven Feuerstein,
aplicada a alunos do Curso Técnico em Piano em Escola de Música. A experiência
privilegia a construção de competências musicais através do desenvolvimento e
potencialização de operações mentais e funções cognitivas por meio da media-
ção do professor contribuindo para uma formação musical integral. Os resultados
apontam para alunos com maior autonomia e independência capazes de utilizar
as habilidades musicais adquiridas rumo à profissionalização.
Palavras-chave: Cognição, Competências Musicais, Mediação.
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Introdução
Na era pós-moderna, o domínio de técnicas já não é o objetivo fundamental. Saber
manuseá-las e utilizar em situações oportunas tornou-se o novo paradigma e o grande
desafio educacional.
A UNESCO apresentou os pilares da educação que deveriam ser desenvolvidos na
sociedade do conhecimento: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver
e aprender a ser. Esses pilares nos direcionam para uma visão mais global e objetiva da
educação que se pretende para o mundo, aproximando o conhecimento produzido na
escola às necessidades do educando.
Vivemos em um mundo de constantes mudanças em que ensinar teorias
descontextualizadas da realidade, não corresponde com aquilo que o aluno de hoje pre-
cisa saber. O aluno está vivendo essas mudanças, apesar de não saber por que e nem como
elas ocorrem. O papel dos educadores é buscar estabelecer as relações juntamente com
os alunos, de maneira interativa e significativa, auxiliando-os a perceber o mundo e suas
conexões de forma crítica e construtiva.
A reflexão sobre essas questões encontra ressonância nas Teorias Cognitivas. Elas
tratam da cognição, de como o indivíduo “conhece”,processa a informação, compreende
e dá significados a ela. Segundo Portella Staub (2004, p.1), dentre as teorias cognitivas de
aprendizagem mais antigas, destacam-se as de Tolman, da Gestalt e de Lewin. As mais
recentes e de bastante influência no processo instrucional são as de Bruner, Piaget,Vygotsky,
Ausubel e Reuven Feuerstein.
Tomamos como base para essa experiência, a Teoria da Modificabilidade Cognitiva
Estrutural (TMCE) de Reuven Feuerstein. O psicólogo Feuerstein (aluno de Piaget), defen-
de uma pedagogia que considera o desenvolvimento da “auto-plasticidade” do ser huma-
no, ou seja, da modificabilidade que lhe permite estar aberto a aprender o novo que se
apresenta. O indivíduo não nasce com a inteligência, ela se aprende diretamente ou
através da mediação. Segundo Carlos da Silva (2006, p. 9):
O desenvolvimento de estudos sobre a experiência da aprendizagem mediada é recente. Eles
datam da década de cinqüenta (50), tempo em que Feuerstein trabalhou com grande número de
crianças com disfunção intelectual e escolar, o que permitiu confirmar a importante função exercida
pelo mediador humano no desenvolvimento da autoplasticidade e flexibilidade da criança.

A Teoria visa desenvolver ou potencializar as operações mentais e funções cognitivas


através da experiência de aprendizagem mediada (EAM). Na formação musical algumas
dessas funções deverão ser acionadas, tais como memória, atenção, percepção, represen-
tação de conhecimento, raciocínio, criatividade, dentre outras. O ponto fundamental é
que todo indivíduo possa expandir o seu potencial de inteligência mediado pelo professor
que deverá identificar os pontos favoráveis de aprendizagem, modificando a estrutura
cognitiva indo dos que têm desempenho mais atrasado àqueles mais dotados.
O processo de mediação baseia-se essencialmente em três critérios:
· Intencionalidade/Reciprocidade
· Significado
· Transcendência.

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Esses critérios possibilitam o controle da impulsividade dos alunos perante o seu
processo cognitivo, de aprendizagem e suas limitações, tornando perceptivo não só o
desenvolvimento cognitivo, mas afetivo e social.
Na educação musical a aplicação desse processo, tem por objetivo promover o
desenvolvimento potencializando competências e funções cognitivas, necessárias para a
formação musical através da experiência de aprendizagem mediada na perspectiva da
TMCE de Reuven Feuerstein. Outro objetivo é desenvolver o pensamento crítico, habilida-
des, a formação dos conceitos, estratégias, operações e atividades necessárias para uma
aprendizagem independente e significativa.

Método
A Teoria foi aplicada em alunos do Curso Técnico em Piano da 1ª e 2ª Séries, com a
faixa etária entre 15 a 19 anos. A mediação teve o foco em competências específicas na
formação musical tais como conhecimento de repertório, gêneros e estilos musicais,
sensibilidade artística na execução instrumental bem como domínio de práticas vocais e
instrumentais diferenciadas, compreensão e apropriação do código musical, empregado
em formas de registros gráficos convencionais ou não, na escrita e na leitura de partituras,
criação, arranjos e improvisos em diferentes estilos e gêneros musicais, imaginação e
relacionamentos de sons, apreciação, discriminação e sensibilidade sonora e musical de
diferentes estilos e gêneros musicais, de uma forma crítica, fundamentada e contextualizada.
Inicialmente os alunos foram submetidos a um questionário centrado no processo
de criação de arranjos para grupos musicais e suas influências na formação musical. Ques-
tionados sobre os pré-requisitos para a elaboração de arranjos, a maioria deu uma resposta
afirmativa que além do conhecimento teórico, competências como criatividade, sensibi-
lidade e imaginação (89%), devem ser consideradas e podem ser desenvolvidas (85%).
Quanto às influências na formação musical, iniciativas de formação de grupos de níveis
técnicos diferentes, alguns apontam (70%) para uma contribuição positiva para a motiva-
ção e socialização entre alunos, servindo também de critério para a execução do arranjo
atendendo a essas diferenças (87%).
Posteriormente, foi desenvolvida, em uma abordagem interdisciplinar, a atividade
de elaboração de arranjos para grupos vocais e instrumentais. O ponto de partida foi o
desenvolvimento, através da mediação, de operações mentais como identificação, com-
paração e classificação de diversos gêneros e estilos musicais facilitando a seleção de
técnicas, instrumentos, timbres, extensões, tessituras, dentre outros, para a criação dos
arranjos que deveriam ser destinados para pequenos grupos musicais formados por alu-
nos ou colegas de diferentes níveis musicais.
Cada ‘aluno-arranjador’ foi responsável pelos ensaios e preparação de cada grupo.
Esse procedimento possibilitou a verificação sonora dos arranjos e possíveis modificações
de acordo a apreciação dos mesmos, nos aspectos de criação de linha melódica de cada
instrumento, sonoridade, interferências acústicas, dentre outros. Os arranjos foram
registrados em partituras e gravações sonoras e apresentados em público.
Os resultados foram verificados através do método qualitativo de investigação. Os
critérios observados foram à atitude comportamental, estágios das competências musi-

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cais e grau de participação na atividade, registrados em fichas de acompanhamento du-
rante todo o processo.
A EAM provocou nos alunos comportamento mais independente, autônomo, flexí-
vel e seguro, exigindo um pensamento reflexivo sobre o que estava subjacente na situa-
ção, de modo a estendê-la para outros conceitos. A atividade de elaboração de arranjos e
direção de grupos musicais serviu de incentivo para que alguns dos participantes, profissi-
onalmente inclinassem para o Curso de Bacharelado em Regência, prestando vestibular
para a referida área, motivando a curiosidade que leva a inquirir e descobrir relações e o
desejo de saber mais, segundo a Teoria de Feuerstein.

Conclusão
Uma das grandes preocupações dos profissionais que ensinam música é o perfil do
aluno de hoje, que está mais preocupado com o mercado de trabalho e as suas exigências,
e buscam nas Instituições de formação musical o preparo para enfrentar as concorrências
desse mercado. As Teorias Cognitivas reforçam a idéia de uma formação integral nos
aspectos cognitivo, motor, afetivo e emocional. A experiência de aprendizagem mediada,
da Teoria da Modificabilidade Cognitiva Estrutural de Reuven Feuerstein, privilegia o de-
senvolvimento de competências cognitivas relacionadas à capacidade de articular, mobi-
lizar e colocar em ação, conhecimentos, habilidades, atitudes e valores, para resolver os
desafios do dia a dia, com maiores possibilidades e saberes que o tornarão mais compe-
tente para uma sociedade mais dinâmica, comunicativa e humana, sendo capaz de criar e
aproveitar situações atuais.
Sub-Áreas de Conhecimento: Artes Musicais, Educação e Psicologia Cognitiva.

Referências
Gomes, C. M. A. (2002). Feuerstein e a construção mediada do conhecimento. Porto Alegre: Artmed.
Fonseca, V. (1995). Educação Especial – Programa de simulação precoce: Uma introdução às idéias de
Feuerstein. Porto Alegre: Artes Médicas.
Feuerstein, R. (2000, Novembro). A Experiência de Aprendizagem Mediada: Um Salto para a
Modificabilidade Cognitiva Estrutural. Texto apresentado por ocasião do I Fórum
Internacional PEI. Salvador: Fundação Luís Eduardo Magalhães, Bahia.
Souza, A. M. M. (2005, Março). A mediação na perspectiva da teoria do Prof. Reuven Feuerstein.
Trabalho apresentado por ocasião da VI Jornada Catarinense de Tecnologia Educacional.
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Brasil.
Staub, A. L. P. (2004, Agosto). Teorias da Aprendizagem. Disponível em
<http://www.ufrgs.br/tramse/med/textos> (Acesso em: 04/01/07).
Silva, C. (2006). Feuerstein e a Teoria da Modificabilidade Cognitiva Estrutural. Disponível em
<http://www.psicologia.com.pt/artigos/ver_artigo.php?codigo=A0276&area=d3 –> (Acesso em:
20/12/06).

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Anexo I
QUESTIONÁRIO
Questionário centrado no processo de criação de arranjos para grupos musicais e suas
influências na formação musical, tendo como opção as respostas afirmativa ou negativa.

Anexo II
FICHA DE ACOMPANHAMENTO
Foram verificados através da observação a atitude comportamental, estágios das
competências musicais e grau de participação na atividade, em três etapas registradas
durante todo o processo:

1ª Etapa: Processo de Criação


Atitudes e competências observadas A desenvolver Em Desenvolvido
desenvolvimento
Conceitos práticos e teóricos de estruturação e
análise musicais
Identificação, comparação e seleção de diferentes
estilos e gêneros musicais
Análise da composição original
Percepção de diversos ritmos e alturas musicais
Seleção e distribuição dos instrumentos executantes
Apreciação do arranjo elaborado
Registro do arranjo manuscrito
Registro do arranjo digitalizado

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2ª Etapa: Processo de Preparação
Orientação da execução para instrumentistas e A desenvolver Em desenvolvimento Desenvolvido
cantores
Verificação das interferências acústicas
Verificação da interação com colegas

3ª Etapa: Processo de Execução


Performance musical A desenvolver Em desenvolvimento Desenvolvido
Aceitação do público
Participação da organização da apresentação

Anexo III
Arranjo elaborado pelos alunos

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Anexo IV

Ensaio de um dos arranjos

Infant cry as musicians hear it

Daniela Lenti Boero


d.lentiboero@univda.it
Gianni Nuti
g.nuti@univda.it
Université de la Vallé d\’Aoste
Luciana Bottoni
luciana.bottoni@unimib.it
Università di Milano-Bicocca

Abstract
Introduction . Cry is the first sound emitted by an infant, since long it is believed to be
part of human soundscape (Gardiner 1852). However, infant cry seems to be a double
sword signal: it captures mother’s or care-giver’s attention, but may also be elicitor of
infants abuse, and even murder (Soltis 2004). In this study we present a questionnaire to

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be compiled by expert musicians in order to understand and evaluate the “aesthetic”
characteristics of infant cry.

Methods
Our questionnaire is divided in 5 sections, devoted at the evaluation of following
profiles, all important in music listening and evaluation: pitch, volume, timbre, and sound/
silence ratio.The questionnaire includes a final question about expressivity of the signal. A
preliminary questionnaire was submitted to 8 expert musicians (conservatory
undergraduate), naive of eliciting contexts (pain, cinematic stimuli and hunger) of 3 cries
emitted by a normal female infant aged three days. Subjects were allowed to ad libitum
listening to cries, and gave their judgements after each profile. Musicians were generally
concordant in diagnosing the different profiles. Pain was the context charged with the
highest amount of similarities in intonation profiles. Intensity peaks, a most expressive
parameter in music and the their location were different in every context, both in ascending
and descending profile (Lenti Boero & Nuti 2006). After this trial the questionnaire was
modified, in order to meet also aesthetic judgements, and the protocol of submission was
improved, the aim is to evaluate specifically which component of the signal might carry
the most aversive characteristics.

Conclusion
The relatively new discipline of Biomusicology (Wallin et al. 2000) tends to widen
the old meaning of “music” (which is very difficult to be defined by itself) to include non-
human forms, and we know that infant cry in the first phase of life, is analogous to other
mammalian signals, due to larynx position in the infant’s throat (Lenti Boero et al. 1998).
Though generally believed to prime attachment, infant cry might also prime infant abuse
(Soltis 2004), thus, it might be very important to carefully understand which components
of the signal might be aversive, in order to implement proper education program for
mothers at risk.

References
Gardiner, W. 1852: The music of nature. Wilkins, Rice & Kendall . Boston.
Lenti Boero, D. Volpe, C. Marcello, A. Bianchi, C. & Lenti, C. 1998: Newborns crying in different
situational contexts: discrete or graded signals? Perc. Motor Skills 86, 1123-1140.
Lenti Boero D. & Nuti G. 2006. Musical qualities in the infant cry. In: Baroni M., Addessi Anna
Rita, Caterina Roberto, Costa Marco (Eds.) Abstracts 9th International Conference on Music
Perception and Cognition; 6th Triennial Conference of the European Society for the Cognitive Sciences
of Music. Bononia University Press. Bologna. P. 106.
Soltis, J. 2004: Signal functions of early infant cry. Behavioral and Brain Sciences 27,443-490.
Wallin N.L., Merker B., Brown S. (Eds.). 2001. The Origins of Music. MIT Press, Cambridge,
Massachusetts.

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A aprendizagem musical através do taiko e do
rap e sua contribuição para o desenvolvimento
cognitivo de jovens

Lílian N. Nakahodo
nakahodo@hotmail.com
Universidade Federal do Paraná

Resumo
Este trabalho teve como objetivo investigar a aprendizagem musical e sua impli-
cação no desenvolvimento cognitivo de jovens, por meio de duas práticas artísti-
co-musicais: o taiko e o rap - expressões artísticas bem distintas que, porém,
apresentam premissas básicas em comum, como a natureza coletiva, a validação
de um conjunto de idéias e valores e a informalidade e flexibilidade no ensino.
Através da observação de oficinas e treinos, aplicação de entrevistas e experiênci-
as pessoais, foi possível identificar as atividades envolvidas nessas práticas e
supor as respectivas contribuições para o desenvolvimento cognitivo de jovens,
sob a ótica da teoria das inteligências múltiplas de Gardner.
PALAVRAS-CHAVE: aprendizagem musical, desenvolvimento cognitivo, inteligên-
cias múltiplas.

Introdução
Este trabalho teve como objetivo investigar a aprendizagem musical e sua implica-
ção no desenvolvimento cognitivo em jovens, por meio de duas práticas artístico-musi-
cais: o taiko (percussão japonesa) e o rap. Expressões musicais distintas, o Rap e o Taiko
apresentam algumas premissas básicas semelhantes. Primeiro, a finalidade dessas práticas
– o lazer e a divulgação da tradição cultural, no caso do taiko, e a inclusão social através do
Hip Hop, no exemplo do Rap - requer a existência de um grupo com os mesmos interesses,
resultando em uma atividade de natureza coletiva. Segundo, seguem uma “tradição” que
os situa dentro de um contexto sócio-cultural, ou seja, são sustentados por um conjunto de
idéias e valores, responsáveis também por estruturar e definir a expressão artística.. E
terceiro, as habilidades artísticas são adquiridas de maneira informal e flexível.
Sob a ótica da teoria das inteligências múltiplas de Gardner, procurou-se obter uma
visão das atividades envolvidas no aprendizado do taiko e do rap e como poderiam contri-
buir para o desenvolvimento cognitivo daqueles que os praticam.
Inicialmente, resumiremos os principais tópicos abordados pela teoria das inteligên-
cias múltiplas, enfocando as habilidades mais associadas às atividades estudadas, passan-
do em seguida para o estudo de caso do taiko e do rap, ambos orientados pela mesma

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estrutura de exposição: procedimentos da pesquisa, principais referências teóricas e resul-
tados da pesquisa, com enfoque na transmissão e aprendizagem. Concluiremos observan-
do pontos convergentes e diferenciais entre o taiko e o rap, e como podem estar
relacionados ao desenvolvimento cognitivo dos jovens praticantes.

A teoria das inteligências múltiplas e a cognição musical


A teoria de Gardner sobre múltiplas inteligências, segundo especialistas, é uma das
teorias no campo da inteligência mais aceitas atualmente. Nela, propõe-se a existência de
pelo menos oito tipos de inteligência e “áreas distintas de cognição no cérebro, cada uma
específica para um tipo de competência e processamento de informação” (ILARI, 2003). A
inteligência lingüística ou verbal, a lógico-matemática, a espacial, a musical, a cinestésica-
corporal, a naturalista, a intrapessoal e interpessoal, de acordo com Gardner, são passíveis
de desenvolvimento e se manifestam em diferentes graus nos seres normais (que não
portadoras de doenças congênitas). Segundo ele, a maioria das tarefas requer a utilização
de mais de um tipo de inteligência. Assim, as múltiplas inteligências implicariam numa
ampliação no horizonte dos processos de aprendizagem, onde diferentes habilidades -
além do raciocínio lógico e lingüístico - poderiam ser descobertas e estimuladas. E da
mesma forma, vários tipos de inteligência poderiam ser empregados no desempenho de
uma atividade específica, optimizando o desenvolvimento cognitivo.
Seria óbvio que o jovem que se propõe a aprender rap ou taiko utilizasse e desenvol-
vesse sua inteligência musical (a habilidade para criar, apreciar e interpretar músicas). Mas
nessas práticas também estaria lidando com a participação social e o relacionamento em
grupo, a pesquisa de ritmos e palavras e meios de expressá-las, a coordenação motora e a
linguagem corporal, por exemplo. Assim, no estudo das práticas do taiko e do rap, buscou-
se maior fundamentação para a cognição musical, observando a associação e o desenvol-
vimento de outras habilidades, destacando:
· inteligência cinestésica-corporal: habilidade para utilização do corpo, coordenação
motora e sensibilidade para manifestações corporais.
· inteligência intrapessoal: capacidade de introspecção, auto conhecimento, facilida-
de para usar essas informações no cotidiano.
· inteligência interpessoal: relacionado à interação social e à capacidade de entender
o outro.
· inteligência lingüística ou verbal: facilidade com material verbal em geral. Habilida-
de para aprender línguas e usar a linguagem, tanto falada quanto escrita.

Pesquisa do taiko
Um dos instrumentos musicais mais antigos do Japão, o taiko era considerado preci-
oso bem que intermediava a comunicação com os deuses, as almas e os seres humanos.
Supõe-se que tenha sido utilizado, inicialmente, para fins religiosos, expandindo seu uso
para o combate e festividades. A partir daí, foi sendo aprimorado e polido, adquirindo sons
e movimentos típicos, tornando-se um instrumento de cunho artístico. Por volta dos anos
50, após a Segunda Guerra Mundial, foi introduzido um sistema múltiplo, com vários instru-

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mentos e timbres variados, e de execução coletiva, possibilitado pelo desenvolvimento
de tambores com novos sons criados pela variação do diâmetro e da altura do taiko. Assim
instituiu-se a arte do taiko contemporâneo, uma forma artística popular de performance
cuja criação musical é enriquecida pela execução coletiva.
A bibliografia em português sobre o taiko é limitada. Para este trabalho, foi utilizado
como referência teórica o“manual de taiko” estabelecido pela Confederação Japonesa de
Taiko, que abrange os principais tópicos relacionados ao tema. O idioma, neste caso, é um
fator que afeta diretamente a transmissão do conhecimento, seja na dificuldade imposta
pela tradução, seja na comunicação oral entre mestre (quando este só fala o idioma
japonês) e aprendiz.
Na pesquisa de campo foram realizadas duas entrevistas com veteranos de grupos
curitibanos, utilizando questões abertas. As pessoas foram escolhidas conforme a disponi-
bilidade e atuação significativa nos grupos.
As mesmas questões empregadas nas entrevistas foram utilizadas para delinear o
relato de experiência pessoal na condição aprendiz de taiko, ocorrida durante estada em
Okinawa (Japão) durante seis meses, em 2001.

Referências teóricas do taiko


De acordo com o manual da Confederação, a prática do taiko deve estimular as
seguintes virtudes:
- o desenvolvimento da coragem, determinação, o respeito e o sentimento que
preza a filosofia de humildade e eficácia;
- o respeito aos mais velhos, a cooperação mútua, amizade, responsabilidade e união,
- a valorização do folclore, seu cultivo e propagação;
É possível detectar, através destes preceitos, que os objetivos da sua prática condi-
zem com a manutenção de valores e ideais do imaginário nipônico.
Sobre o método, o manual recomenda (“os dez mandamentos da arte do taiko”):
- três anos de dedicação e preparo físico;
- Posicionamento: pernas afastadas, quadris baixo e corpo distante do taiko;
- sinta com os pés e percuta com o corpo. Em outras palavras, deve-se trabalhar o
corpo todo;
- não bata, toque.
- toque em ponto e não em linha (referente ao manejo da baqueta, cujo ângulo ideal
seria de 45º);
- bater com 5 e recuar com 5, sincronia de“a-um” (para regularidade do som e qualidade
timbrística. Sincronia “a-um” é uma expressão para ataque e recuo ou pausa).
- um som e um movimento que se completam como um todo (refere-se à arte do taiko
como uma arte performática, onde se aprecia a música e os movimentos).
- a linha da visão, a posição da baqueta e o posicionamento do percussionista (refere-
se à postura).
- forte, fraco, longo, breve, lento, rápido, som e pausa, prefira tocar com expressão no rosto
a tocar somente com a técnica (refere-se à importância da fisionomia e do grito de guerra).

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- ab-rogar-se dos pensamentos e das imaginações, tendo em cada toque, a presença
da alma, que é executado com “sangue e suor”.
Um ponto importante na transmissão do taiko são as instruções orais. De acordo com
o manual, a representação oral de ritmo é denominada Kuden, que varia de grupo para
grupo. O manual sugere a adoção da conservação e transmissão da cultura kuden de
outras entidades, apesar de haver um padrão adotado pela Nippon Taiko Foundation (direi-
ta – “don, do”; esquerda - “kon, ko”). Os principais sons representados pelo kuden são: kón,
dón, lán, kán, kon, don, lan, kan, ko, do, la, ka.

Transmissão e aprendizagem no taiko


As entrevistas, a observação dos treinos e a experiência pessoal apontam idéias
convergentes com o manual, na transmissão do taiko. O estímulo à “determinação”,“o
respeito aos mais velhos, a cooperação mútua, amizade, responsabilidade e união”,e prin-
cipalmente a “valorização do folclore, seu cultivo e propagação” é explícito. Em todos os
grupos pesquisados, constatou-se que o auxílio àquele que sabe menos ou está com
dificuldade para aprender a coreografia ou a música é freqüente e faz parte da metodologia
informal. Além disso, identificou-se nos treinos as seguintes ações:
1) intenso uso do corpo, desde os exercícios para aquecimento e preparo físico ao
ato de tocar, com poucas instruções verbais técnicas. A coreografia e a música eram
aprendidas principalmente por observação, imitação e repetição.
2) uso de representações vocais de sons para ensinar a música, com a adoção de
fonemas “abrasileirados” para a transmissão oral (adaptação do kuden)
3) jogos de percepção rítmica e estímulo do reflexo e sensibilidade musical, como
por exemplo, a criação de determinada célula rítmica pelo líder, reproduzida pelos outros
em efeito dominó, sem perda do pulso, ou jogos de dinâmicas.
4) contato interpessoal intenso de forma lúdica e no auxílio da transmissão do co-
nhecimento.

Pesquisa no rap
Nos Estados Unidos dos anos 70 surgia a expressão musical-verbal da realidade dos
guetos americanos, o rap, (em Inglês Rhythm and Poetry) ritmo e poesia. As primeiras
gravações, datadas da mesma década, apresentam uma estrutura simples, com a decla-
mação de um texto sob o ritmo das batidas de tambores africanos, centralizando o tema
na cultura negra (influência da tradição jamaicana, levada aos Estados Unidos pelos
imigrantes). Atualmente são utilizados os “samples”, amostras extraídas de músicas pré-
existentes, ou bases montadas eletronicamente adicionados ou não por instrumentos
tocados, e os temas mais recorrentes giram em torno da desigualdade social e o comba-
te ao racismo. O rap está inserido no movimento cultural hip hop, cujos elementos são
o MC (mestre de cerimônias, o “porta-voz que relata, através de articulações de rimas, os
problemas, carências e experiências em geral dos guetos”); o DJ (Disc Joquey, o opera-
dor de discos que faz bases e colagens rítmicas, e por suas interferências é considerado,
no meio, um músico); o grafitti (a expressão plástica da cultura hip hop, representada em

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locais públicos) e o breakdance (a expressão corporal, que deve ter como local de
manifestação a rua).
A produção literária sobre o movimento hip hop e o rap, tanto acadêmica quanto
diletante, vêm crescendo. Para este trabalho foram utilizadas principalmente fontes virtu-
ais – que têm a vantagem da dinamização das informações - por tratar-se de um movi-
mento em constante expansão, adaptação e desenvolvimento.
Foram realizadas duas entrevistas com questões abertas, com um instrutor e um
aluno participante de oficina de rap. Conforme método aplicado na pesquisa de campo do
taiko, as mesmas questões empregadas nas entrevistas também delinearam a experiência
pessoal como participante ativo do movimento hip hop e instrutor em diversas oficinas
ministradas em Curitiba e região.

Referências teóricas no rap


A transmissão do rap pressupõe a utilização da metodologia crítico-superadora, de-
senvolvida por um coletivo composto de autores publicado em 1992 no campo da educa-
ção física.Tal metodologia preconiza que o educador seja comprometido com um“projeto
político pedagógico, que nasce das necessidades de emancipação de uma classe emer-
gente dentro da nossa atual estrutura de divisão de classes”, tendo com clareza “qual
projeto de sociedade e de homem persegue, os interesses de classe que defende, os
valores, a ética e a moral que elege para consolidar através de sua prática, e como articula
suas aulas com esse projeto maior de homem e sociedade”. Implica também na concep-
ção de um currículo que ordene a reflexão pedagógica do aprendiz, de forma a pensar a
realidade social desenvolvendo determinada lógica.

Transmissão e aprendizagem do rap


As entrevistas apresentam como ponto comum, a elaboração da poesia (rima) e
ritmo na estrutura do ensino. Outros itens foram a“discussão do tema”,a “dança”,“colocar na
base” e a “história e filosofia do hip hop”.Todas as entrevistas apontam a participação do
aluno e a “troca de idéias”, partindo do conhecimento do aprendiz para contextualizar o
que poderá ser transmitido. Outro ponto nas entrevistas refere-se ao papel conscientizador
do rap para a realidade social e defesa dos interesses e valores eleitos para o projeto de
uma sociedade melhor, a inclusão social através dessa conscientização e contribuição, o
trabalho da auto-estima e o estímulo à reflexão. Algumas atividades desenvolvidas nas
oficinas de rap, em resumo, são:
1) noções de rima e prosódia
2) leitura de textos e discussão do conteúdo, como matéria prima para desenvolver
poesia (rima). A poesia era criada de forma coletiva, cujos versos eram elaborados
a partir da extração de palavras chaves dos textos discutidos.
3) noções de ritmo e subdivisão
4) jogos coletivos de improvisação de rima, observando e mantendo um ritmo cons-
tante.
5) Estímulo à expressão individual e conscientização para a realidade social.

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Conclusão
A pesquisa realizada apontou os seguintes pontos convergentes entre o taiko e o rap:

a) As atividades são praticadas de forma não burocrática. Geralmente o trabalho é


voluntário e a participação é espontânea - É possível detectar, entretanto, caracte-
rísticas condizentes aos princípios da educação musical, onde a consciência musi-
cal é trazida ao primeiro plano pelas lideranças; o nível de compreensão musical do
aprendiz não é apenas considerado como interfere diretamente no método em-
pregado e contribui para o seu desenvolvimento; a fluência em si é a finalidade
(independente do meio).Tanto o rap como o taiko propicia ao aprendiz uma inten-
sa vivência musical, apesar de não utilizarem necessariamente conceitos formais
de música. Apesar disso, as entrevistas apontam que, não necessariamente, tal
vivência tenha estimulado a busca por conhecimento formal musical. O fato de
serem atividades exercidas espontaneamente possivelmente contribui para um
maior aproveitamento da vivência e estímulo da inteligência musical.
b) Não há rigorosidade no método; Os treinos / aulas são conduzidos de acordo com
as habilidades dos aprendizes, que participam e “trocam idéias” - A maior parte dos
relatos apontou a flexibilidade na metodologia, adaptável de acordo com as habi-
lidades e necessidades das pessoas presentes nos treinos / aulas. Uma hipótese
levantada sugere que há a transformação do método a cada“geração” de instruto-
res, pela própria necessidade de adaptação aos alunos, como pela contribuição dos
mesmos. Essa flexibilidade poderia proporcionar um ambiente saudável para o
estímulo das múltiplas inteligências.
c) O aprendiz também exerce papel educador, quem sabe mais ensina quem sabe
menos, intensificando o contato social entre os praticantes – é perceptível o estí-
mulo à inteligência interpessoal em ambos os casos.
d) Autodidatismo, transmissão oral - o resultado da pesquisa também aponta o
“autodidatismo” da maioria dos líderes e coloca em questão a necessidade do
conhecimento musical formal como requisito para a transmissão das habilidades
musicais relacionadas a essas práticas.
e) Ausência de notação musical tradicional. Em alguns treinos de taiko pode haver
prática de leitura rítmica, mas não há o pré requisito da leitura e escrita para se
aprender o taiko.
f) Estímulo à linguagem. Em ambas atividades,os sistemas da linguagem são ativados.
No taiko, o ato de cantar, gritar ou “traduzir foneticamente” o ritmo é intensamente
estimulado. No rap, a elaboração da rima e a discussão do tema instigam, além do
sistema da linguagem, a memória e ordenação seqüencial.
g) Pode ocorrer a prática de jogos coletivos. Segundo Ilari (2003), os jogos musicais
utilizados de forma lúdica, participativa e não-competitiva, podem contribuir signi-
ficativamente no aprendizado, através da ativação dos sistemas de controle de
atenção, memória, linguagem, ordenação seqüencial e do pensamento superior,
bem como o estímulo dos sistemas de orientação espacial e do pensamento social.

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h) Conscientização da condição social e cultural, aos valores implícitos nessas práti-
cas - Um dos objetivos da prática do taiko citado no manual - a valorização do
folclore, seu cultivo e propagação - nos remete à outra questão, relacionada ao
estímulo da inteligência intrapessoal. O fato de ser uma arte tradicional praticada e
exposta num contexto diferente do qual foi originado, deve ser observado com
atenção. Se a exposição a outras culturas ajuda-nos a entender algo da nossa
(SWANWICK, 2003, p. 37), é possível que a questão da crise de identidade cultural
dos nipo-brasileiros (ILARI, 2006, p. 41) seja um fator que não só propicia como dá
consistência ao envolvimento e prática dessa arte, onde o cotidiano brasileiro ge-
raria a necessidade de expor uma porção das tradições de origem como forma de
autoconhecimento. Da mesma forma, existe a contrapartida do outro lado, onde os
brasileiros, através da experiência ou simples exposição a outras manifestações
culturais que não a sua própria, teriam uma oportunidade de entender um pouco o
que é inerente ao brasileiro (apesar desta ser uma questão bastante complexa,
dada a diversidade cultural do país). No rap observamos a convergência dos propó-
sitos da metodolgia crítico-superadora adotada pelos instrutores entrevistados, com
a principal finalidade da prática dessa arte apontada na bibliografia sobre o assunto
e no resultado das pesquisas: a reflexão da realidade social e a inclusão social. A
música como forma simbólica, nesta prática, contribui de maneira significativa para
a criação de “um espaço onde novos insights tornam-se possíveis”. Considerando
que o significado e o valor da música estão ligados ao que é socialmente situado e
culturalmente mediado, o rap é uma expressão musical que funciona eficiente-
mente aos seus propósitos.

Notamos que essas práticas se diferenciam em alguns pontos cruciais quanto aos
sistemas estimulados. No taiko, percebe-se com maior nitidez a associação da inteligência
corporal cinestésica em relação ao rap. A maioria das recomendações do manual do taiko
voltam-se para o preparo físico e a utilização do corpo como ferramenta de expressão,
intimamente relacionada à qualidade do toque e a expressão musical, o que pôde ser
comprovado pela observação dos treinos e entrevistas. A coordenação motora envolvida
na execução do instrumento também é um estímulo claro a esse sistema. De acordo com
Ilari, a execução instrumental auxilia, além disso, no desenvolvimento dos sistemas de
controle de atenção, memória, orientação espacial, ordenação seqüencial e de pensa-
mento superior.
No rap, percebe-se maior estímulo ao sistema da linguagem, envolvidos nos proces-
sos de criação e improvisação através da manipulação das palavras e dos sons. Ilari aponta
a utilização do ouvido interno e a resolução de problemas nesses processos, que podem
também ativar os sistemas de controle de atenção, memória, linguagem, ordenação
seqüencial e do pensamento superior.

Referências
Ilari, B. (2006). Música e identidade dekassegui. In: BUDASZ, R. (org). Simpósio de Pesquisa em Música:
Anais. Curitiba: DeArtes-UFPR.

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Ilari, B. (2003, setembro). A música e o cérebro: algumas implicações do
neurodesenvolvimento para a educação musical. Revista da ABEM, Porto Alegre, V. 9, 7-16.
Manual de Taiko : estabelecido pela Confederação Japonesa de Taiko.
Swanwick, K. (2003). Ensinando música musicalmente. São Paulo: ed. Moderna.
Sá, G. (1990). Musicalização: método Gazzi de Sá. Rio de Janeiro: Pró-arte. Obras completas de
Gazzi de Sá, n. 6.
Souza, J. (2005). Hip hop: da rua para a escola / Jusamara Souza, Vânia Malagutti Fialho e Juciane
Araldi. Porto Alegre: Sulina.
http://www.mundodarua.com.br/ <História do Hip Hop>
http://www.efdeportes.com/efd11/abib.htm/. <ABIB, P. R. J. Entre duas concepções pedagógicas de
educação física escolar: uma síntese como proposta. >
http://www.drumdojo.com/world/taiko.htm <MARSHALL, P. Taiko - japanese drumming>
http://www.taiko.com/taiko_resource/learn.html <Learning taiko>

Música: Linguagem formadora de identidades


sociais

Auro Sanson Moura


auro_moura@yahoo.com.br
Universidade Federal do Paraná

Para a maioria das pessoas, não há dúvidas. Ouvir música é um dos grandes prazeres
que se pode ter. Mas que poder é esse que a música tem de emocionar as pessoas ? O que
faz com que um punhado de notas, sons ou ruídos, possa ser tão atraente aos ouvidos? O
que é que a música tem de tão especial? Ou ainda, que relação temos com a música, que
a faz tão importante para cada um de nós? Será que ela pode ser considerada uma forma
universal de linguagem? E mais ainda, será que a música pode mesmo ser considerada
uma linguagem? Por que ela une algumas pessoas ao mesmo tempo em que é motivo de
discórdia entre outras? Como podemos sentir a intenção do compositor quando ouvimos
uma obra? Ou como é que podemos interpretar o que ouvimos?
Além de expressar nossos sentimentos, a música pode também evocar estados
afetivos e comportamentais, como lembranças (emoções) da infância, de momentos que
tiveram alguma importância na vida da pessoa, ou no caso dos estados comportamentais,
algo que pode estimular a pessoa a ter determinadas reações, como alegria, melancolia,

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euforia, entre outros. Qual seria sua relevância na formação de nossa identidade? Até que
ponto ela pode nos influenciar?
Se pudermos pensar na música como uma forma ativa de linguagem, que pode
transmitir informação, podemos fazer uma ponte entre essas informações e o gosto mu-
sical. A vivência musical é com certeza um dos caminhos (não o único) para o aumento do
nível cultural da população e talvez um dos mais acessíveis, apesar de ainda ser, de certa
forma elitizada. É possível que a escola seja utilizada também como um meio de atingir o
aluno no ponto certo, a vontade de aprender sobre assuntos de seu interesse.
A música pode ser usada no processo de inserção do indivíduo à sociedade e os
profissionais podem (e até devem) ter isso como objetivo. Mas além das crianças pobres
ou em situação de risco, pode-se utilizar técnicas que envolvam música, para crianças e/ou
pessoas com deficiências das mais variadas, no processo de socialização e formação da
identidade desses indivíduos.
Palavras-chave: música, identidade, linguagem.

Música e educação especial: O Ensino da Música


nas Escolas de Educação Especial

Ana Paula Ferreira Moreno


paulinha_fm@yahoo.com.br
Universidade Federal do Paraná

Será realizada uma pesquisa empírica, com professores de música de escolas de


educação especial nas principais instituições do Brasil, visando compreender como uma
mesma aula pode ser dada de maneiras diferentes dependendo do professor, região,
material disponível e condição socioeconômica. A pesquisa também tem como objetivo
verificar quando a aula de música perde a função de conteúdo e passa a ter finalidade
terapêutica.
Para a investigação, um questionário buscará ressaltar as principais informações quanto
à organização dessas escolas na prática educativa, na formação dos docentes, expectativa
dos alunos e professores, administração das limitações de cada aluno, etc. criando um
panorama do ensino de música nas escolas especiais, resultados estes que serão analisa-
dos e compartilhados entre todos os que vivenciam, objetivando a troca de experiências.
Palavras- Chave: educação especial, práticas educativas, música.

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Referências
Jannuzzi, Gilberta S. de M. (2004). A Educação do Deficiente no Brasil: dos primórdios ao início do
século XXI. Campinas: Autores Associados.
Kirk, Samuel A. (1996). Educação da Criança Excepcional. São Paulo: Martins Fontes.
Louro, Viviane dos S. (2006). Educação Musical e Deficiência: propostas pedagógicas. São José dos
Campos: Ed. Do Autor.

USI MÚSICA para sentir vida

Celina Maydana
fabrasil@compuland.com.br
USIMED
Fátima Brasil
fabrasil@compuland.com.br
USIMED

Envelhecer é inevitável na vida de todos os seres vivos, e este processo se inicia a


partir do feto, que tem como ponto de partida A VIDA. Nós não temos consciência deste
fato tão cedo pois, a vida é repleta de situações e momentos que não podemos evitar,
transpor, saltar (ser criança, ser jovem, ser estudante, ser trabalhador, ser mãe, pai, avó,
avô....), cada etapa a seu tempo. Os dias, as semanas, meses e anos estão correndo e... é
tão real o envelhecer que nem percebemos. Envelhecer não é esperar chegar aos 90
anos, é mais simples, é apenas um fato diário. Envelhecer pode ter algumas gotas de
prazer...os prazeres da alma tão maduros e tão espontâneos na velhice. Ninguém conta
estórias como vovó (ô) ! Como é bom ter vovó (ô) na mesa de almoço aos domingos!
Nem sei o que seria de nós nas briguinhas de família se vovó (ô) não estivesse presente
para “tapar o sol com a peneira”. Suas palavras de sabedoria, de vivência e experiência de
vida nos fazem refletir. É fundamental para o equilíbrio familiar a presença dos nossos
entes mais velhos e provavelmente os mais queridos, que nos deram vida, supriram e
suprem tantas imaturidades, tantos vazios, tantas incertezas, com a grandeza de sua sabe-
doria.
Acontece, porém, que nem sempre as pessoas primam por estas atitudes em rela-
ção aos mais velhos, provocando um afastamento muito grande deles à sua essência de
vida, ao seu próprio eu. Pensando na importância deste aspecto a USIMED Petrópolis,
criou o Projeto USI-VIDA,com diversos programas dentre eles o de Música (Coral USIMED)

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que é destinado a pessoas com mais de 50 anos de idade, e vem se desenvolvendo há
quatro anos. O grupo reúne-se semanalmente, sendo que nestes encontros, além do
processo musicoterápico, abordam-se aspectos de outras áreas da saúde, educação, hábi-
tos e etc.; orientamos com exercícios respiratórios e físicos próprios para a idade, além de
promovermos atividades que estimulam a ginástica cerebral. No que se refere à música,
mais especificamente, sendo a parcela do trabalho que mais enfocamos, ela é utilizada
também com o objetivo de resgatar a história musical do grupo, reconhecimento dos sons
do próprio corpo, dança, canto, manipulação de instrumentos, etc. Por meio dela, procura-
mos voltar à infância, adolescência, e mesmo à idade adulta, com a finalidade de buscar o
mais precioso que essas fases puderam oferecer, tanto positiva quanto negativamente,
porém, com intuito de trabalhar as descobertas para melhora da qualidade de vida atual.
Os resultados que temos verificado nestes quatro anos foram extremamente satisfatórios,
onde a troca de experiências tem sido muito rica, com crescimento incontestável da auto-
estima, baseado no trabalho com a memória, sociabilidade, leitura de línguas estrangeiras,
a estética, a descoberta de ser capaz de . . .
Palavras-chave: música, sentir, vida

Inter-relações entre o fator do desempenho,


coordenação motora e a ação pianística

Maria Bernadete Castelan Póvoas


bernardete@brturbo.com.br
Elian Dirce Colombi Martins
eliancolombi@ig.com.br
Guilherme Ferreira Amaral
guilhermeamaral@floripa.com.br
Universidade Estadual de Santa Catarina

Resumo
Esta pesquisa apresenta um estudo interdisciplinar sobre determinados “fatores
do desempenho” com vistas à sua consideração no estudo do piano, tendo como
base a premissa de Rasch (1991, p.183) de que “todo desempenho humano pode
ser visto como a expressão de vários componentes”. A coordenação motora é um
desses fatores e o foco desta investigação, parte da pesquisa “Fatores do Desem-
penho e Ação Pianística. Uma perspectiva Interdisciplinar”. Este recorte tem como

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objetivo aprofundar o estudo sobre a coordenação motora e estabelecer cone-
xões teóricas e práticas com a atividade pianística dentro de uma perspectiva
interdisciplinar, objetivando a sua otimização. Foram transcritas e analisadas as
gravações do primeiro experimento realizado em 2004 para a elaboração de
outro experimento, com o mesmo protocolo do anterior. Para isso a última etapa
da pesquisa refere-se à orientação dos grupos de pianistas e período de estudo
por parte dos mesmos. As correlações entre os argumentos até então levantados
e o treinamento pianístico nos permite pressupor que há benefícios quando,
durante a prática no instrumento, leva-se em conta aspectos relacionados ao
fator do desempenho coordenação motora.
Palavras-chave: ação pianística; fatores do desempenho; coordenação motora.

Fundamentação Teórica
Segundo Meinel (1987, p.2), uma “coordenação na atividade do ser humano é a
harmonização de todos os processos parciais do ato motor em vista do objetivo, da meta
a ser alcançada pela execução do movimento”. Esclarece o autor que coordenação quer
dizer literalmente “ordenar junto”, e que, dependendo da área em que se aplica, o signifi-
cado desta ordenação se altera.
No campo da ação pianística, o executante, ou agente do ato coordenado,
somente poderá apropriar-se do decurso de um movimento solicitado quando compreender
corretamente a tarefa de movimento. Para isso é necessário que ele conheça e compreenda exa-
tamente o objetivo da ação, a razão do movimento. Quanto mais exatamente for compreendida a
tarefa, tanto melhor será a base dos requisitos para a aprendizagem de novos movimentos (Meinel:
1987, p.2).

Bernstein determina a “coordenação de movimento como a ‘superação de graus


de liberdade supérfluos do órgão que se movimenta’, o que se assemelha à ‘organização
da direcionalidade do aparelho locomotor’” (Bernstein apud Meinel: 1987, p.24-25). Os
graus de liberdade representam a possibilidade de um determinado segmento corporal
para mover-se absolutamente livre por um espaço acessível. O corpo humano, por cons-
tituição anatômica, tem muitos graus de liberdade e quanto maiores forem as propor-
ções de movimentos de todo o corpo ou número de graus de liberdade que se necessite
utilizar em uma atividade específica, aumenta consideravelmente a dificuldade de co-
ordenação.
Santos (2002) menciona que a coordenação envolve várias articulações e vários
pequenos movimentos que se manifestam simultaneamente com o movimento básico.
Diz também que todo o corpo pode ser subdividido em segmentos que são unidades de
coordenação. Unidade de Coordenação é definido por Santos como um segmento corpo-
ral constituído por dois elementos rotatórios capazes de girarem simultaneamente em
sentidos opostos.

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Unidade de coordenação da Mão
Na ação pianística, um trabalho de coordenação motora refere-se à utilização dos
músculos necessários para a realização de cada situação específica de desempenho, quando
os demais músculos devem manter-se relaxados, ao máximo possível, para que se evitem
as tensões na seqüência da execução instrumental. Para Meinel (1987, p.153),“a compre-
ensão e a elaboração exatas das informações sensoriais de movimento como base de uma
direção e regulação corretas do decurso de movimento já nos são conhecidas como
processo parcial essencial da coordenação motora”.
Neste contexto, postula-se que, para um desempenho motor mais eficiente na ação
pianística, é necessário proceder-se à análise prévia da peça a ser executada e planeja-
mento dos movimentos mais adequados. Muitas vezes o pianista adquire o hábito de
executar um determinado trecho utilizando-se de gestos mais complexos do que os
necessários, fato este que pode ocasionar um acúmulo de tensões e, ao longo do tempo,
lesões. Além do mais, a utilização de gestos desnecessários pode impedir a execução de
algumas passagens, em geral, aquelas de maior velocidade. Portanto, deve-se entender
por coordenação, a realização organizada de movimentos segundo um objetivo antecipa-
do.
Na ação pianística, pode-se coordenar movimentos complexos através da
“automatização” e sensação ou consciência dos mesmos. As coordenações mais comple-
xas não podem ser dominadas até que certos movimentos básicos não tenham atingido
um adequado nível de automatização. Habilidades de coordenação complexas no piano
são, por exemplo, movimentos alternados entre horizontais e verticais em cada mão,
movimento paralelo das mãos, realização instrumental de texto polifônico, entre outros. A

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utilização de movimentos complexos exige do executante uma coordenação bastante
elaborada e um alto nível de dissociação muscular. Para Kaplan (1987),“dissociação mus-
cular” é o domínio das sensações de contração e de relaxamento e que além de um
controle sobre as sensações, a dissociação possibilita desenvolver a capacidade de auto-
observação e, igualmente, a controlar e a coordenar conscientemente o próprio corpo em
função do objetivo musical a ser atingido. Dissociar e coordenar movimentos que abran-
gem a musculatura dos dois membros superiores, sobretudo dos segmentos braços, ante-
braços, mãos e dedos, e o emprego dos pedais que exige o controle e a coordenação dos
movimentos das pernas direita e esquerda, constitui-se em uma tarefa bastante comple-
xa. Somente através de uma prática planejada e consciente pode-se obter uma habilidade
motora mais eficiente e otimizada. O conceito de “dificuldade” para Kaplan é relativo nas
tarefas que demandam, para sua execução, habilidade físico-motora.
O nível de dificuldade de uma determinada ação não se encontra nela mesma e sim no grau de
desenvolvimento da psicomotricidade do indivíduo que a executa, grau este que lhe permite
realizar, ou não, as coordenações de caráter muscular apropriadas ao caso (Kaplan: 1987, p.96).

Segundo Magill (1984), o termo habilidade é uma palavra que serve para designar
uma tarefa com uma finalidade específica a ser atingida, portanto, voluntária. A ação
pianística utiliza-se, mais precisamente, da habilidade motora fina que requer o controle
de músculos pequenos, tais como aqueles envolvidos no movimento das mãos/dedos,
que exigem um alto grau de precisão para tocar ou pressionar as teclas corretas, na se-
qüência certa e no tempo correto. Embora os grandes músculos possam estar envolvidos
no desempenho de uma habilidade motora fina, os músculos pequenos são os mais
acionados para atingir a meta de uma habilidade motora fina. Para Magill, o desempenho
de habilidades motoras, em geral, envolve a organização de músculos do corpo.“Ao apren-
der uma habilidade, a pessoa precisa desenvolver um padrão adequado de coordenação
de movimentos dos membros” (Magill: 1984, p.38). Geralmente as pessoas começam a
praticar uma determinada habilidade, utilizando-se de padrões de movimentos de acordo
com a sua preferência. À medida que retomam a prática de um mesmo padrão, surge
então um novo que se torna cada vez mais hábil.
Para Kaplan (1987), o desenvolvimento da capacidade motora é o que permite a
realização de movimentos complexos com o menor dispêndio possível de energia, evi-
tando lesões e fadigas musculares.
No início de uma nova aprendizagem motora pode-se observar que, além da contra-
ção daqueles músculos imprescindíveis à execução da tarefa, o indivíduo pode contrair
outros que nada têm a ver com a atividade. Estas contrações desnecessárias prejudicam a
realização do movimento. No entanto, através da prática pode se desenvolver um hábito
de evitar as contrações inúteis, facilitando o controle e a coordenação dos movimentos.
Este processo de inibição das contrações musculares supérfluas pode ser realizado cons-
cientemente por meio de treinos. Desta forma, a coordenação dos diversos grupos mus-
culares pode ser adquirida em tempo menor e com resultados muito mais efetivos. Com
base no exposto, pode-se definir a coordenação muscular como sendo a capacidade
potencial que todo indivíduo normal possui de controlar intencionalmente as contrações
musculares.
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O procedimento essencial para a construção de uma técnica a ser desenvolvida
adequadamente é estabelecer, inicialmente, hábitos motores corretos, a partir da
individualização dos movimentos primários, de maneira que possam posteriormente ser
reorganizados de acordo com as exigências que cada obra apresenta, constituindo as
habilidades motoras necessárias para sua correta execução.
Depois de praticar cada parte independentemente, o aluno pode reuní-las para praticá-las em
uma única unidade, com a sua atenção agora dirigida para as solicitações da coordenação temporal
e espacial da ação dos braços (...) (Magill: 1984, p. 279).

Isso permite que o pianista fique atento ao movimento dos segmentos separada-
mente, pois pode aprender o conteúdo musical (partitura) determinado para cada mão
(ou lado do corpo) sem o compromisso de fixar-se na coordenação de todo o conjunto de
eventos musicais otimizando, o aprendizado e, conseqüentemente, o tempo de estudo.
Além disto, é “provável que o treino com elementos isolados se tenha revelado mais
eficaz, não só porque simplificava os conceitos intelectuais, como também simplificava a
coordenação motora” (Cross apud Knapp: 1989, p.75).“(...) [Quanto] maior for a perfeição
com que é aprendido, mais a seqüência dos atos se torna independente do ambiente e
mais a integração é interna” (Knapp: 1989, p.154). Partindo-se dos pressupostos anteriores,
o instrumentista deverá, primeiramente, adquirir uma forma motora o mais próximo pos-
sível daquela que será teoricamente a melhor, para depois se dedicar ao trabalho desta
forma a fim de torná-la um hábito.

Objetivos
A pesquisa “Fatores do Desempenho e Ação Pianística. Uma perspectiva
Interdisciplinar” tem como objeto de estudo investigar fatores do desempenho e estabe-
lecer conexões com a atividade pianística.Tem sua origem em argumentos apresentados
por Póvoas e, como referencial, os pressupostos de Rasch sobre o desempenho humano,
este entendido como “a expressão de vários componentes denominados fatores do de-
sempenho” (1991, p.183-193). Optou-se por investigar determinados fatores, questões a
eles relacionadas e quais as implicações destes fatores na utilização de recursos técnico-
instrumentais.
O movimento é considerado o elemento-meio da ação pianística9. Sabe-se que o
desempenho desta ação físico-motora está sujeita à intervenção de vários fatores como
coordenação, flexibilidade, rapidez de movimento, força e fadiga e que aspectos a eles
relacionados interagem na atividade pianística. Dentre os fatores do desempenho, o foco
de investigação neste estudo é a coordenação motora.Tem por base o pressuposto de que
a “coordenação na atividade do ser humano é a harmonização de todos os processos
parciais do ato motor em vista do objetivo, da meta a ser alcançada pela execução do
movimento” (Meinel: 1987, p.2).

Método
Inicialmente foi realizada uma revisão bibliográfica sobre o tema na área da técnica
pianística e em áreas que tratam de questões referentes ao movimento humano como a

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Biomecânica, Cinesiologia, Ergonomia. Após a leitura e reflexão do tema, foram
estabelecidas conexões entre a prática pianística e os fatores de desempenho força, flexi-
bilidade, rapidez de movimento e fadiga e, neste trabalho mais especificamente, coorde-
nação motora. Realizou-se um estudo sobre o fator em questão, desde conceitos,
interferência no processo do movimento a conexões entre a coordenação motora e a
ação pianística. Neste estudo também foi consideranda a aplicação do princípio de relação
impulso-movimento – ciclos de movimento (Póvoas: 1999) na prática individual do grupo
de alunos pesquisadores (três) do curso de Bacharelado em Piano. Foram transcritas e
analisadas as gravações do primeiro experimento realizado em junho de 2004 com a
intenção de obter informações mais precisas para a realização de outro experimento, com
o mesmo protocolo do anterior, visando analisar-se, de forma comparativa, os resultados
medidos entre ambos os grupos, somando-se estes aos resultados obtidos em 2004.
No entanto, na última etapa desta pesquisa estabelecemos mais dois grupos de
pianistas, cada qual contendo 6 sujeitos, todos alunos do curso de Bacharelado em Música
– Piano, da UDESC, com o objetivo de avaliar se a aplicação dos fatores do desempenho
estudados apresentou melhores resultados na atividade pianística.
O experimento consta em uma comparação dos resultados obtidos por dois grupos
de pianistas: o Grupo Experimental (GE) e o Grupo Controle (GC). O grupo experimental
realiza trechos musicais a partir da orientação da equipe de pesquisa e o grupo controle
realiza os mesmos trechos a partir dos seus conhecimentos musicais. Como parte do
protocolo e para minimizar possíveis desvios de resultados, foram estabelecidos alguns
critérios comuns para ambos os grupos como: padronização no tempo de estudo diário da
peça (15 minutos/dia) e mesmo andamento (pulsação). Os grupos receberam a obra
musical da qual deveriam trabalhar os trechos selecionados também em data comum.
O Grupo Experimental (GE) foi orientado semanalmente durante dois meses e cons-
tituiu-se de oito encontros, pela equipe de pesquisa enquanto o Grupo Controle (GC)
deveria executar a peça conforme seus conhecimentos. Todas as aulas do grupo experi-
mental foram filmadas pela equipe.
Durante as aulas ministradas para a orientação do GE, foram constantemente abor-
dados aspectos referentes aos fatores do desempenho investigados – coordenação motora,
força, fadiga, e flexibilidade e sua relação com a ação pianística. Ao início de cada aula
eram praticados exercícios de alongamento, levando-se em conta que os mesmos deve-
riam ser realizados durante o estudo diário individual de cada pianista. Na seqüência, os
participantes eram observados individualmente e orientados no sentido de praticar os
trechos musicais seguindo os ciclos de movimentos propostos por Póvoas (1999). A Figura
1 ilustra um dos trechos escolhidos com orientação da trajetória do movimento a ser
seguida, visando otimizar o desempenho:

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Figura 1: Prelúdio 18 (comp. [14] – [16]). Fonte: Chopin: 1996, p.37.

Para a realização do trecho musical anterior, o movimento proposto segundo os


ciclos de movimento e os objetivos desta pesquisa, consta movimentos no sentido para-
bólico e no sentido horário. Neste modelo, a orientação serve para ambas as mãos. No
compasso [15] cada ciclo de movimento pode iniciar nas oitavas com acento (>) com um
gesto para baixo e para a esquerda até atingir o acorde em stacatto (.), seguindo-se o
movimento para cima e para a direita a partir do próprio acorde que serve de impulsão
para o novo ciclo. Este movimento deve ser executado da forma mais contínua possível,
evitando-se um movimento de pulso para baixo, quando da execução do acorde em
stacatto, o que traria maior dispêndio de energia e diminuiria a velocidade do movimento,
por aumentar a trajetória do mesmo.
Os argumentos e dados coletados servirão para avaliar a aplicabilidade de questões
referentes aos fatores na melhoria do desempenho pianístico. Na próxima etapa desta
pesquisa a aquisição de imagens e análise dos dados da execução pianística de ambos os
grupos deverá ser realizada com o auxílio de software específico para captação de ima-
gens e descrição de dados biomecânicos, utilizando-se a cinemetria como método de
análise, no Laboratório de Biomecânica do Centro de Educação Física – CEFID – da Univer-
sidade do Estado de Santa Catarina – UDESC.

Resultados
O grupo experimental (GE) apresentou no decorrer das aulas semanais uma melhora
significativa nos dois trechos propostos pela equipe de pesquisa. No início eles utilizavam
vários movimentos e contrações desnecessárias, as quais só iriam prejudicá-los nos estudos
posteriores. Portanto, nas aulas, eles tiveram a oportunidade de estabelecer, inicialmente,
hábitos motores corretos no estudo dos trechos. Alguns participantes precisaram partir da
individualização dos movimentos primários, ou seja, tocar o trecho de cada mão separada-
mente de maneira que possam posteriormente ser reorganizados de acordo com as exigên-
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cias que cada obra apresenta, constituindo as habilidades motoras necessárias para sua
correta execução. Essa individualização dos movimentos simplificava os conceitos intelectu-
ais, como também simplificava a coordenação motora. Isso permite que o pianista fique
atento ao movimento dos segmentos separadamente, pois pode aprender o conteúdo
musical (partitura) determinado para cada mão (ou lado do corpo) sem o compromisso de
fixar-se na coordenação de todo o conjunto de eventos musicais otimizando, o aprendizado
e, conseqüentemente, o tempo de estudo. Ajudou, portanto, evitar desde o início as contra-
ções inúteis do corpo ou das próprias mãos, facilitando o controle e a coordenação dos
movimentos. Este processo de inibição das contrações musculares supérfluas foi orientado
nas aulas, a fim do participante ter mais consciência dos seus movimentos.

Conclusão
Com base nos pressupostos estudados verificou-se que através da preparação e
desenvolvimento de um ato motor complexo, se desenvolve a habilidade motora e, com
estudos intensivos que automatizam as habilidades motoras, se desenvolve o hábito so-
bre o qual se fundamenta a técnica pianística.
A partir da situação músico-instrumental apresentada, observou-se que para a reali-
zação técnico-musical do trecho apresentado, faz-se necessária uma prática minuciosa
com treinamento dos segmentos direito e esquerdo, separadamente, para melhor consci-
ência das diferenças entre os movimentos necessários para a execução das linhas musi-
cais. Tais procedimentos são transferíveis para situações equivalentes.
As informações obtidas poderão servir de recursos essenciais na busca do aumento
no índice de eficiência do desempenho pianístico através do controle, aproveitamento e
aprimoramento de movimentos, no sentido de torná-los mais objetivos durante o treina-
mento. Estes resultados deverão contribuir como suporte para profissionais e alunos, no
sentido de que a ação pianística possa ser realizada com maior eficiência técnico-musical
e menos esforço.
A aplicação prática de conceitos levantados permite pressupor que há benefícios
quando, durante a prática pianística, leva-se em conta aspectos relacionados ao fator do
desempenho coordenação motora.

Referências
Knapp, B. (1989). Desporto e Motricidade. São Paulo: Compendium.
Kaplan, J. A. (1987). Teoria da Aprendizagem Pianística. Porto Alegre: Movimento.
Magill, R. (1984). Aprendizagem Motora: Conceitos e aplicações. São Paulo: Edgard Blücher.
Meinel, C. (1987). Motricidade I: Teoria da Motricidade Esportiva sob o Aspecto Pedagógico. São
Paulo: Ao Livro Técnico.
Póvoas, M. B. C. (1999). Princípio da Relação e Regulação do Impulso-Movimento. Possíveis
Reflexos na Ação Pianística. Tese de Doutorado, Mímeo, Universidade Federal do Rio Grande
do Sul.
Rasch, P. J. (1991). Cinesiologia e Anatomia Aplicada. Tradução de Marcio Moacyr de Vasconcelos.
Rio de Janeiro: Guanabara Koogan.
Santos, Â. (2002). Biomecânica da Coordenação Motora. 2a ed. São Paulo: Summus.

632

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Flexibilidade e rapidez de movimento, uma
correlação interdisciplinar com a técnica
pianística

Vânia Eger Pontes


van_kik@hotmail.com
Maria Bernardete Castelan Povoas
bernardete@brturbo.com.br

Esta investigação faz parte da pesquisa “Fatores do Desempenho e ação pianística -


Uma perspectiva interdisciplinar”, projeto este que se propunha realizar um estudo
interdisciplinar sobre os fatores de desempenho: força e fadiga, coordenação motora
flexibilidade e rapidez do movimento relacionando-os à ação pianística, para melhor
entender e obter um melhor aproveitamento do movimento realizado na execução
instrumental, bem como uma correta utilização e manutenção das estruturas corporais
envolvidas nesta prática. Desempenho é definido por Schmidt (2001, p.136) como com-
portamento observável, ou seja, a execução de uma habilidade num determinado instan-
te e determinada situação. Através deste estudo, buscou-se obter um melhor entendimento
sobre os fatores de desempenho: flexibilidade e rapidez do movimento, através de argu-
mentos de áreas do conhecimento, a citar, biomecânica, cinesiologia e ergonomia. Apre-
sentou-se propostas de soluções para a realização de situações músico-instrumentais
específicas (trechos musicais) que necessitam da utilização de mecanismos de flexibilida-
de e de movimentos rápidos. Dentre as ações realizadas nesta investigação estão: a sele-
ção de pressupostos interdisciplinares sobre técnica pianística e práticas consideradas
fundamentais, fazendo-se inter-relações entre argumentos e sua aplicação através da
experimentação. Tais procedimentos auxiliam na prevenção de possíveis lesões articula-
res e musculares. Casos ocorrem por falta de orientação, sendo necessário otimizar o
estudo do piano através de uma melhor conscientização corporal e de movimentos.
Para avaliar a importância de um estudo nesse sentido, bastaria o exemplo clássico do pianista e
compositor Robert Shumann que, insatisfeito com o seu desempenho técnico, construiu aparelho
inadequado para exercitar seu dedo anular, que acabou paralisado. Isso por ignorar alguns princí-
pios da fisiologia articular dos dedos, bem como opções mais adequadas para tentar resolver seus
problemas técnicos (AZEVEDO, 1997, p. 36).

Entre outras atividades, foram realizadas reuniões semanais entre bolsistas e


orientadora para discussões, estudo e transcrição de material audiovisual relativo ao expe-
rimento biomecânico (estudo piloto) realizado em fase anterior desta pesquisa (2004).
Como última etapa, foi feita a preparação para outro experimento biomecânico com o
intuito de ratificar dados anteriores.
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Com base na literatura pesquisada foi possível estabelecer-se correlações
interdisciplinares e sua aplicação em situações da literatura pianística encontradas no
decorrer do estudo ao instrumento. Na figura 1 encontram-se os compassos [271] e [272]
do terceiro movimento (Presto) do Concerto para piano e orquestra em sol maior (G) de
Maurice Ravel onde a escrita contém arpejos ascendentes e descendentes a serem exe-
cutados pela mão direita. Para trechos semelhantes a este, embora seja necessário execu-
tar-se movimentos em direções opostas, a escolha do dedilhado é determinante para a
continuidade do fluxo musical, sem que haja interrupção de movimentos com conse-
qüente interrupção desta continuidade. Neste sentido,
sendo dois ou mais movimentos acíclicos executados numa seqüência direta, são caracterizados
como [uma] combinação de movimentos e também como combinação sucessiva. A relação entre
eles é tão estreita que ocorre a fusão de fases como nas execuções de movimentos cíclicos. Em
função disso é que se torna possível uma ligação ‘fluente’, livre de atritos, de vários movimentos de
diferentes tipos (MEINEL, 1984, p.65).

Pode-se entender a passagem musical seguinte (Figura 1) em blocos de quatro (04)


notas cada um, dois no sentido ascendente do teclado e dois no descendente. Na prática,
a opção de dedilhado 1 (abaixo das notas, no retangulo) mostrou-se ineficiente, pois
ocasiona um deslocamento lateral no eixo (posição) da mão maior do que o necessário,
impedindo que se atinja a velocidade indicada de 125 batidas por minuto e a fluência da
idéia musical. Na velocidade de execução, a passagem do polegar pode levar ao desvio de
eixo da mão, prejudicando o desempenho técnico-musical. Na mesma Figura, (01), a
opção de dedilhado 2 (circulada) é a alternativa considerada mais eficaz. Nela, a passagem
do quinto para o quarto dedo proporciona um movimento contínuo e regular da mão. Na
linha da mão esquerda encontram-se grupos de colcheias com saltos (grandes intervalos
entre uma nota e outra) que exigem muito controle e precisão de execução. Neste caso,
para obter-se o grau de relaxamento suficiente para a execução do movimento e para
evitar-se a sobrecarga nos tendões, a alternativa encontrada foi a flexibilização do punho
que permite uma maior participação e movimentação livre do braço e antebraço durante
a execução do trecho. A orientação para o movimento dos segmentos encontra- se
indicada pela intersecção de duas setas que formam um ciclo (I).
Na ação pianística, para buscar-se uma determinada sonoridade e para obter-se o
melhor resultado possível, são necessários movimentos coordenados. A flexibilidade é
um termo qualitativo que expressa amplitude de movimento e está diretamente relacio-
nado com a mobilidade articular e o desempenho muscular, já que depende de sua
extensibilidade11. É definida por Rodrigues (1986, p. 01) como uma “qualidade física ex-
pressa pela amplitude do movimento voluntário de uma articulação ou combinações de
articulações num determinado sentido”.Outra definição seria,“capacidade de movimentar
as partes do corpo, através de uma ampla variação de movimentos sem distensão exces-
siva das articulações e ligamentos musculares” (GERTTMAN apud JUNIOR & BARROS, 1998,
p.1). O aumento no grau de flexibilidade, com o objetivo de preparar a abertura de mão,
torna-se essencial para pianistas, já que é variável de pessoa para pessoa e que cada
indivíduo pode fazer a manutenção da mesma para aumentar seu arco de movimento.

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Figura 1: Opção de dedilhado 1 (no retangulo) e 2 (circulado). Compassos [271] e [272] do terceiro movimento
do Concerto para piano e orquestra em sol maior, de Maurice Ravel. Fonte: ENCORE10

Entre o final do Século XIX e início do século XX houve um maior interesse por
princípios científicos que auxiliam no entendimento e funcionamento de nossas alavan-
cas ósseas para melhor proveito do movimento. A execução baseada na técnica digital,
onde a mão deveria permanecer imóvel, sendo os dedos os únicos condutores de movi-
mento já não dava conta das densas escritas para piano, em que são exigidos mais veloci-
dade, precisão e maior esforço da estrutura muscular e articular de membros superiores.
Uma característica da maioria das habilidades manuais de direcionamento consiste no desempe-
nho rápido e preciso de uma habilidade. Quando a velocidade e a precisão estiverem relacionadas
a um desempenho bem-sucedido de uma habilidade, estaremos observando um dos princípios
fundamentais do desempenho motor: um compromisso entre a velocidade e a precisão (MAGILL,
2000, p.75).

Rash (1991) diz que a rapidez máxima de um movimento é, em boa parte, uma
característica inata individual e para Kotchevitsky (1967) é influenciada pelos tempos de
reação e resposta que são, em parte, características inatas que podem ser minimizados por
treinamento da atenção, estado mental e habilidades. Conclui dizendo que a rapidez de
movimento é reduzida pela incapacidade dos músculos antagonistas relaxarem adequa-
damente, sendo esta, uma habilidade e sujeita à influência do treinamento.
Através do princípio de relação e regulação impulso-movimento - ciclos de movimento,
Póvoas (1999) propõe a análise da partitura e o planejamento prévio do movimento em
seus ângulos e trajetórias anteriormente à execução pianística, tudo isto através de uma
racionalização “diminuindo o somatório de distâncias a serem percorridas significando
menos carga de trabalho com menor desgaste físico-muscular” na hora do estudo. Segun-
do a autora, mais do que um recurso técnico este
é um recurso estratégico de utilização do movimento, no sentido de explorar a organização espa-
cial do movimento em sua trajetória, controlando a energia dispendida e a velocidade do gesto

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sem perder de vista a associação do(s) movimento(s) com os eventos musicais e o resultado sonoro
(PÓVOAS, 1999, p.89).

O estudo consciente é fundamental para que, no decorrer do treinamento, na medi-


da em que o indivíduo evolui nos estágios de sua aprendizagem, o desempenho fique
cada vez mais consistente. A execução pianística depende de variáveis de desempenho,
algumas delas discutidas na literatura da técnica pianística, outras não. Mais estudos relaci-
onados aos fatores do desempenho flexibilidade e rapidez do movimento devem ser
realizados.

Notas
9
Ação pianística: atitude criativa e interpretativa construída através do processamento das questões envol-
vidas na música selecionando, coordenando e realizando tanto os elementos da construção musical que
constituem e caracterizam cada obra quanto os movimentos que possibilitam esta ação (Póvoas: 1999, p.81).
10
O trecho referente à figura 1 foi escrito no programa ENCORE – Editor de Partituras.
11
Comprimento máximo alcançado pelos músculos, elasticidade do sistema de ligamentos e das cápsulas
articulares e em certo grau também a posição individualmente um pouco diferenciada das superfícies
articulares e suas ligações (Meinel, 1984, p. 163).

Referências
AZEVEDO, C. R. O. De. ( 1996). A técnica pianística: uma abordagem científica . São João da Boa
Vista, SP: Air.
JUNIOR, J. C.; BARROS, M. V. G. De .( 1998) Flexibilidade e Aptidão Física Relacionada à Saúde.
Revista Corporis. Pernambuco, Ano III, n. 03, Jan / Dez 98. Disponível em <http://www.upe.br/
corporis3/artigo4.html>. Acesso em 24/02/2006
KAPLAN, J. A. ( 1987). Teoria da Aprendizagem Pianística. Porto Alegre: Movimento.
KOTCHEVITSKY, G. (1967). The Art of Piano Playing: a Scientific Approach. Summy-Birchard
Company, USA.
MAGILL, R. A. (2000). Aprendizagem Motora: conceitos e aplicações. São Paulo: E. Edgard Blücher.
MEINEL, K. ( 1984). Motricidade I. Rio de Janeiro: Ao livro Técnico.
PÓVOAS, M. B. C. P. (1999) Princípio da Relação e Regulação do Impulso-Movimento. Possíveis Reflexos
na Ação Pianística. Tese de Doutorado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
RASCH, P. J. (1991). Cinesiologia e anatomia aplicada. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan.
RODRIGUES, T. L. (1986). Flexibilidade e alongamento. 2.ed. Rio de Janeiro: Sprint.
SCHMIDT, R., Wrisberg, C. A. (2001). Aprendizagem e Performance motora. Porto Alegre: Art Med.

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A aplicação de elementos modais nas aulas de
música

Luiz Bourscheidt
gauspa@gmail.com
Rosane Cardoso de Araújo
rosanecardoso@ufpr.br
Universidade Federal do Paraná

Resumo
A presente pesquisa em andamento tem como tema central a investigação sobre
a aplicação de elementos da música modal com crianças entre 05 e 07 anos de
idade, sob o ponto de vista do desenvolvimento da construção melódica. O estu-
do pretende verificar a utilização destes elementos como forma de ampliar as
possibilidades musicais e o universo sonoro dessas crianças, hoje freqüentemente
restrito aos modos Maior e menor, despertando assim, o interesse delas por esse
novo tipo de sonoridade. Por meio deste trabalho, busca-se discutir a pertinência
desse tipo de material musical, questionando o que ele pode acrescentar ao
ensino da música e à prática musical em sala de aula. Serão analisados e descritos
os aspectos cognitivos da percepção e construção destas escalas modais nas
crianças envolvidas, num contexto de prática instrumental e vocal. Sendo assim,
os métodos utilizados nas aulas serão basicamente os métodos Orff e Orff /
Wuytack, por se adequarem perfeitamente a este tipo de sonoridade. A metodologia
utilizada será a Pesquisa-ação, tendo como categorias de análise a criação, a apre-
ciação e a interpretação. Para a pesquisa empírica, serão planejadas 10 aulas onde
estes elementos serão aplicados – conforme as categorias acima – e, posterior-
mente, os dados serão analisados e descritos em forma de relatório. A coleta de
dados se dará pela observação direta das aulas e através da análise crítica dos
trabalhos desenvolvidos em sala de aula.
Palavras-chave: cognição musical; música modal; construção melódica.

Introdução
O motivo principal deste estudo está relacionado à ampliação do universo sonoro
das crianças envolvidas com a pesquisa, utilizando melodias modais. Beth Bolton, no seu
Childsong (2002: 02)12 destaca a relevância dessa ampliação, tendo em vista a importância
das crianças em vivenciar todas as linguagens musicais, escutando e interagindo com os
diversos modos e as diversas métricas musicais. Da mesma forma, Gordon (2000) também

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sugere que “quanto mais extenso for o vocabulário dos alunos em padrões tonais de várias
tonalidades13, mais capazes eles serão de audiar tonalidades e tonicalidades objectivas e
subjetictivas” (p.194), o que também vem a justificar a presente pesquisa.
Os métodos escolhidos para aplicar essas atividades são os métodos Orff e Orff /
Wuytack. Há muitas atividades nesses métodos relacionadas ao tema desta pesquisa. Estão
presentes, nas atividades propostas pelos métodos, tanto músicas instrumentais – utilizan-
do o instrumental Orff – quanto músicas vocais. Sua aplicação resulta também em uma
ampliação nas práticas do conteúdo proposto, tendo em vista a grande carência com
relação a esse tipo de material no Brasil.
Por outro lado, o estudo também busca coletar dados sobre a interação entre os
alunos participantes e o seu contato com a sonoridade da música modal. Por essa razão,
esta pesquisa também pretende ampliar o leque de informações relacionadas processos
cognitivos relacionados ao desenvolvimento da construção melódica, fornecendo dados
para pesquisas posteriores ou até mesmo para interessados em tomar contato com os
resultados deste estudo.

Fundamentação teórica
Tanto nas atividades cantadas quanto nas tocadas com o instrumental Orff, o princi-
pal elemento da música a ser trabalhado é a construção, reconhecimento e processamento
da melodia. Conforme Dowling (1988, apud. Hargreaves & Zimmerman, 2006: 256), “O
contorno [melódico] é um dos elementos mais óbvios de uma melodia a se manter
invariável em todas as instâncias.” O mesmo destaca Hargreaves & Zimmerman (2006),
conforme o texto:
“As pesquisas parecem indicar que as estruturas necessárias para a percepção tonal e rítmica estão
disponíveis aos bebês muito antes do que sugerem as nossas práticas educacionais atuais. As evi-
dências advindas das pesquisas também apontam para a importância do contorno melódico como
elemento crítico das melodias para bebês e adultos.” (p.256).

Os esquemas de contorno melódico fazem parte do universo musical das crianças,


tanto ao perceberem suas musicas quanto ao executá-las, sendo este elemento chave
para a aquisição das canções, de acordo com o texto:
“É interessante notar que tanto na percepção quanto na produção melódica, a informação de
altura é armazenada em esquemas de contorno. Os esquemas de contorno guiam a percepção
melódica facilitando o reconhecimento imediato de melodias familiares. E os esquemas de con-
torno guiam as primeiras fases de aquisição da canção.” (ibid., 2006: 258).

Apesar do fato do ritmo, para o método Orff, anteceder os outros elementos musi-
cais (Pena, 1995; Lopes, 1991), estudos recentes revelam que crianças com a idade entre
05 e 07 anos conseguem conservar padrões tonais mais facilmente do que padrões rítmi-
cos, (Hargreaves & Zimmerman, 2006: 255, Sloboda, 1985: 208), mais uma vez destacando
a relevância do desenvolvimento da construção melódica à educação musical.
Finalmente, em uma seqüência de aprendizagem dividida em níveis de competên-
cia, o conteúdo a ser abordado irá depender de um conteúdo anterior já ultrapassado, e
que servirá de preparação para o próximo estágio de aprendizagem. Gordon (2000: 187-

638

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217) sugere que no ensino de um determinado conteúdo musical, deve haver uma preo-
cupação em delimitar níveis de seqüência de aprendizagem. Para ele, portanto, as escalas
modais compreendem um nível intermediário de aprendizagem de conteúdo tonal, pos-
terior ao ensino da tonalidade e antecedente à multinonalidade e à politonaliadade.

Os métodos Orff e Orff / Wuytack


A música elementar, que trata do fazer musical ativo e criativo, numa totalidade que
envolva a música, o corpo e a palavra, faz parte da obra escolar de Carl Orff, a Orff-Schulwerk.
Este método também prevê a utilização da musica modal (Wuytack, 2005: 10). Nesse
sentido, o universo modal também pode estar inserido, de forma a adequar-se às idéias do
Orff-Schulwerk, através do instrumental Orff.
Os Instrumentos Orff são basicamente diatônicos, ou seja, restritos à escala diatônica.
No entanto, é possível ampliar suas possibilidades de criação e execução através da utili-
zação das escalas modais diatônicas. Os modos antigos, como também são conhecidos,
podem vir a preencher uma lacuna que, de certa forma, é deixada pela falta de cromatismos,
muito comum neste tipo instrumento. A criança, ao praticar o instrumental Orff, tem a
possibilidade de exploração imediata do som, das alturas musicais e, consequentemente,
de todas as relações intervalares presentes na escala diatônica, vivenciando na prática a
sonoridade de uma determinada escala modal, objetivo desta pesquisa.
Por outro lado, o método Orff / Wuytack pode ser considerado a continuação, e, de
certa maneira, uma ampliação do método Orff na atualidade. Em seu método, Jos Wuytack,
que fora aluno do próprio Carl Orff, tem como princípio as mesmas idéias do método Orff,
em que “a música é uma totalidade de três formas de expressão: verbal, musical e corpo-
ral.” (ibid., 2005: 05). Também é possível destacar que no método Orff / Wuytack, existe
uma grande preocupação em desenvolver o sentido estético da música e esta deve ser
vivida de maneira ativa, criativa e em comunidade. Wuytack sugere que “O professor não
é um mero transmissor de conhecimentos; deve [o professor] saber comunicar com os
alunos o prazer de fazer música; adaptar os materiais à idade e à personalidade das crian-
ças, às características do meio em que ensina” (idem, 2005).
Portanto, por se adaptarem perfeitamente aos objetivos desta pesquisa, tanto devi-
do à utilização da música elementar e dos instrumentos do método Orff quanto à aborda-
gem ativa de aprendizagem proposto por Jos Wuytack, estes serão os métodos utilizados
nas aulas deste estudo.

Objetivos
Objetivo Geral
A pesquisa pretende investigar e a aplicação de elementos da música modal nas
aulas de música, sob o ponto de vista do desenvolvimento da construção melódica, como
forma de ampliar as possibilidades musicais praticadas em sala de aula.

Objetivos Específicos
São objetivos específicos da pesquisa proposta:

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· Ampliar o universo musical aplicado à sala de aula, hoje freqüentemente restrito
aos modos Maior e menor, utilizando os demais modos da escala diatônica através
da prática vocal e de instrumental Orff;
· Analisar os aspectos cognitivos da percepção modal nas crianças em idade pré-
escolar / escolar, num contexto de prática instrumental e vocal, sob o ponto de vista
do desenvolvimento da construção melódica;
· Discutir sobre a pertinência desse tipo de material musical, questionando o que ele
pode trazer ao ensino da música e à prática musical;

Metodologia
Por se adequar à proposta da pesquisa empírica, a metodologia utilizada será a
pesquisa-ação. Conforme Thiollent (2005: 16),
“a pesquisa-ação é um tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e realizada em
estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo e no qual os pes-
quisadores e os participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de
modo cooperativo ou participativo.”

Outros aspectos importantes para a pesquisa-ação dizem respeito à ação conjunta


entre pesquisador e pesquisados (Franco, 2005: 489). Para este tipo de pesquisa,“a parti-
cipação das pessoas implicadas nos problemas investigados é absolutamente necessária”
(Thiollent, 2005: 17), havendo assim“uma ampla e explícita interação entre pesquisadores
e pessoas implicadas na situação investigada;” (ibid., 2005: 18). Dessa interação é que
serão tomadas as decisões quanto aos rumos a serem empregados para que, enfim, os
objetivos da pesquisa sejam alcançados.
Na pesquisa empírica serão planejadas 10 aulas num período de 02 meses e meio
(no primeiro semestre de 2007). Serão aqui estabelecidas 03 etapas a serem ultrapassa-
das, cumprindo com o plano de ensino proposto, e cada uma com seus objetivos muito
bem definidos. Estes objetivos devem estar sempre de acordo com o plano de ensino. As
etapas são as seguintes:
· Etapa 01: compreensão das notas de repouso (Pedal, tônica, final) através de exer-
cícios de apreciação;
· Etapa 02: compreensão das notas de repouso através de exercícios de criação /
Improvisação;
· Etapa 03: compreensão das notas de repouso através de exercícios de Interpreta-
ção;

Nesse caso, a hipótese é que, tendo os alunos compreendendo as notas de repouso,


os demais graus do modo em questão estarão sendo também compreendidos e proces-
sados, ainda que de maneira instintiva e indireta, o que vem a cumprir com os objetivos
supracitados. É muito importante salientar que o fato da criança demonstrar uma tendên-
cia (ou centralidade) a uma determinada nota pedal pode significar a construção de uma
melodia modal, cujo contorno será determinante para a avaliação dos resultados dessa
pesquisa.

640

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A principal ferramenta de controle e de avaliação do desenvolvimento musical pro-
posto encontra-se nas etapas 02 e 03, que ocorrerá no início e no final da pesquisa. Nesse
momento o aluno será convidado a improvisar nos instrumentos Orff sobre uma nota
pedal (ou ostinato pedal) que servirá de apoio à criação e interpretação da melodia criada
por ele. Estes testes serão realizados de maneira individual e serão avaliados conforme a
coleta de dados desta pesquisa.

As categorias de análise
As categorias de análise escolhidas serão a apreciação, a interpretação e criação. É
muito importante destacar que os exercícios que serão utilizados para as aulas propostas
obedecerão rigorosamente às categorias de análise acima. Assim sendo, a escolha das
atividades a serem desenvolvidas deverão contemplar estas três categorias supracitadas.
Para este trabalho, será adotada a visão moderna do sistema modal, de acordo com
a concepção de expansão tonal da música do século XX. Os modos abordados serão,
conforme Zamacois (1982: 400), os seguintes:

Modos Maiores: Modos menores:


•Modo de dó (Jônio); •Modo de lá (Eólio);
•Modo de fá (Lídio); Modo de ré (Dório);
•Modo de sol (Mixolídio); Modo de mi (Frígio);

O 7º modo, o modo de si, a princípio não será utilizado “por não ter a quinta conso-
ante (dominante normal)” (idem, 1982), e, portanto, ter uma natureza instável. Por fim, as
atividades do estudo aqui proposto também não pretendem utilizar os modos de dó e de
lá (Jônio e Eólio, respectivamente), pois estes representam os modos Maior e menor e,
conforme já fora citado anteriormente, a idéia principal e o foco dessa pesquisa está na
ampliação das sonoridades aplicadas em sala de aula, sendo este objetivo melhor contem-
plado com as demais escalas acima citadas. Portanto, as escalas utilizadas serão:
•Modo de fá (Lídio): 02 aulas • Modo de ré (Dório); 02 aulas·
•Modo de sol (Mixolídio): 02 aulas • Modo de mi (Frígio): 02 aulas

Para cada modo (ou escala modal) serão utilizadas 02 aulas onde serão abordados
apenas exercícios do modo em questão, conforme as categorias de análise acima. Portan-
to, para cada aula serão realizadas as seguintes atividades, todas relacionadas inteiramente
com a escala modal da aula em questão:

1. Audição musical ativa de uma determinada peça musical;


2. Realização de uma atividade vocal (e de audição interior) onde os alunos serão
convidados a participar ativamente do exercício proposto, cantando a música soli-
citada;
3. Realização de uma atividade instrumental (instrumental Orff) onde os alunos
serão convidados a participar ativamente do exercício proposto, tocando a música
solicitada;

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4. Realização de uma atividade de criação e improvisação sobre a escala modal
utilizada no dia;
5. Audição de outra música na mesma escala (momento de relaxamento);

É importante destacar que, dependendo do grau e do nível de concentração dos


alunos poderão ser introduzidas outras atividades rítmicas ou recreativas, que não neces-
sariamente fazem parte dos objetivos da pesquisa, mas que estarão em conformidade
com os objetivos da aula.

Grupo participante
O Grupo escolhido para esta pesquisa são crianças em idade escolar com a faixa
etária entre 05 e 07 anos de idade. Gardner (1997: 208) destaca a importância dessa faixa
etária no desenvolvimento musical, pois “aos 06 anos, ela {a criança} já atingiu um relaci-
onamento funcional com símbolos musicais, tocando, executando e percebendo com
certa exatidão”.Além disso, essa faixa etária foi selecionada de acordo com os critérios de
aquisição de melodia através do contorno melódico. Hargreaves & Zimmerman (2006:
258) citam que nessa idade, as crianças ainda percebem as melodias através do seu
contorno melódico e que, a partir dos oito anos, sua percepção começa a operar cada vez
mais dentro de um sistema tonal. Ora, sendo a aquisição de melodias modais o centro
deste estudo, e levando em consideração a importância dada à construção melódica
através do seu contorno, é possível acreditar ser esta a faixa etária mais apropriada para o
estudo em questão. Além disso, é nessa idade em que ocorrem muitos avanços cognitivos
por parte das crianças, tanto nos processamentos quanto nas representações e aquisições
musicais (ibid., 2006).
Finalmente, Gardner (1997: 201) também destaca a capacidade da criança de 05 a
07 anos em dominar e compreender “uma variedade de propriedades formais para ser
válido considerá-la [a criança] como um participante do processo artístico”,o que vem a
favorecer a realização da pesquisa com a faixa etária proposta.

Coleta de dados
Os dados desta pesquisa serão coletados através da observação direta das aulas e
posterior elaboração de um caderno de dados, onde deverão ser descritos todos os aspec-
tos pertinentes ao estudo, conforme as categorias de análise acima. Finalmente, será
realizada a análise crítica dos trabalhos realizados em sala de aula, com o propósito de
medir o desenvolvimento da construção de melodias sobre padrões modais.

Resultados e Conclusões
A presente pesquisa encontra-se em andamento e, por essa razão, não será possível
descrever seus resultados e suas conclusões.

642

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Notas
12
O texto original: “A child should experience the whole language of music, listening to and interacting in
a variety of tonalities and meters. The childsong […] includes songs in major, Dorian, Phrygian, Lydian,
Mixolydian, Aeolian, harmonic minor, melodic minor, and Locrian.”
Conforme Gordon (2000), “várias tonalidades” está se referindo aqui às demais escalas modais, além dos
13

modos Maior e menor.

Referências
Bolton, B. M. (2002). Childsong - Learning the Language of Music: songs in varied tonalities and
meters. Philadelphia: Bestbeal Music.
Dowling, W.J. (1988). Tonal structure and children’s early learning in music. In: J. A. Sloboda (Org.).
Generative processes in music: the psychology of performance, improvisation and composition.
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Implicações da prática percussiva nas habilidades espaciais e
musicais em crianças de 7 a 10 anos
Juliana Carla Bastos
juliana_clara@yahoo.com.br
Universidade Federal do Paraná

Resumo
Alguns estudos sugerem que a música pode auxiliar no desenvolvimento de
habilidades espaciais em crianças (Costa-Giomi, 2006). Considerando a importân-
cia destas habilidades para o desenvolvimento cognitivo como um todo, esta
pesquisa está investigando se há uma melhora das habilidades espaciais com o
aprendizado da percussão pelas crianças. O que será apresentado aqui é um
relato do projeto piloto da pesquisa, inclusive dificuldades e resultados.
Palavras-chave

1. Fundamentação Teórica
No decorrer da vida, memorizamos fatos e aprendemos diariamente, porém, o perí-
odo em que o cérebro está mais propício ao desenvolvimento é a infância, pois milhões
de conexões neurais, as sinapses, estão em formação. É nesta fase que ocorre a abertura
das janelas de oportunidades (Antunes, 2002; Gardner, 1983), períodos em que a criança
apresenta maior facilidade de aprendizado e assimilação. Como qualquer pessoa, a crian-
ça vive situações em que precisa tomar decisões bem como fazer uso de regras sociais.
Em um estudo com crianças estudantes de piano, a música foi apontada como um fator de
desenvolvimento da disciplina e concentração, além de despertar benefícios educacio-
nais e cognitivos (Costa-Giomi, 1999). O cérebro humano pode ser organizado em
“construtos do neurodesenvolvimento” ou sistemas (Levine, 2003). O foco central desse
estudo foi o desenvolvimento das habilidades espaciais, que é o sistema cerebral respon-
sável pela capacidade de lidar ou criar informações em padrões visuais ou em configura-
ções específicas, como as organizadas em Gestalt (Levine, 2003). As habilidades espaciais
são importantes para o ser humano porque nos possibilitam resolver as questões básicas
e as complicadas do cotidiano, como ler e interpretar um mapa, medir e estimar dimen-
sões de espaço, resolver um quebra-cabeças, entre outras (ver Ilari, 2003).

2. Objetivos
O principal objetivo desta pesquisa é verificar se a prática da percussão beneficia o
desenvolvimento de habilidades espaciais em crianças, e, em caso afirmativo, de que

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modo isso acontece. O segundo objetivo é descrever e comparar as habilidades musicais
de crianças percussionistas, coralistas e de um grupo controle.

3. Método
3.1.: Amostra
Participaram deste estudo 22 crianças de ambos os sexos, de idade variável entre 7
e 10 anos de idade, divididas em três turmas, sendo: (a) uma turma de alunos de
percussão;(b) uma turma de coral e uma turma sem atividade musical (grupo controle). A
grande maioria das crianças provinha de condição social pouco privilegiada. A pesquisa foi
realizada em uma escola particular de Curitiba, com autorização da direção da escola e
junto a turmas de musicalização infantil da Universidade Federal do Paraná, também em
Curitiba. As crianças estavam quase que igualmente divididas entre as escolas pública e
particular.Todas as crianças foram autorizadas pelos responsáveis a participar da presente
pesquisa, que assinaram termos de consentimento. Dentre as crianças, havia uma hiperativa,
de acordo com o relato de seu responsável, e o seu teste foi trabalhoso, porque ela
negava-se a fazer os exercícios.

3.2.: Instrumentos de coleta de dados


Para a seguinte pesquisa foram elaborados 2 questionários, sendo um para os res-
ponsáveis, com questões sobre demografia, preferências musicais e opiniões sobre o
perfil da criança junto a um termo de consentimento; e um outro para as crianças, em
forma de entrevista, onde foram coletados dados sobre preferências musicais, como e
onde elas ouviam música e opiniões sobre as matérias da escola, além de testes de
habilidades espaciais e musicais.
3.2.1.: Testes com as crianças
Foram aplicados 4 testes para análise do desenvolvimento das habilidades espaciais
baseados na Escala de Inteligência Wechsler para Crianças, que consistiam em montar a
figura de um rosto humano e de um cavalo e em apontar o que estava faltando na figura
de uma menina e de um coelho; e 5 testes de habilidades musicais, sendo 3 realizados no
xilofone e dois no corpo, baseados no conceito de eurítmica ou ginástica rítmica (isto é,
vivenciar a música movimentando-se e representando ritmos e nuances percebidos com
o corpo) de Emile Jacques Dalcroze.

3.3.: Procedimentos
Após a entrega do termo de consentimento e do questionário respondido pelos
responsáveis, as crianças estavam prontas para participarem da testagem do estudo. As
entrevistas e os testes foram realizados individualmente em horários que não coincidiam
com as aulas. A escolha da ordem de execução dos vários testes e da entrevista foi feita
pelas crianças, com o intuito de deixá-las à vontade. Os testes de habilidades possuíam, de
acordo com o grau de dificuldade, tempos máximos para execução e quatro erros eram
permitidos. A criança primeiramente observava a execução do exercício para então fazê-
lo. É importante ressaltar que a pesquisadora observou as turmas de percussão e de canto

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em aula por duas semanas, para tomar conhecimento do conteúdo ministrado, antes de
elaborar os testes e aplicá-los junto às crianças.

4. Resultados
4.1.: Questionário dos responsáveis
O termo responsáveis foi usado aqui porque algumas crianças participantes eram
órfãs. A média de idade dos responsáveis foi de 38 anos, e a maioria dos questionários foi
respondida pelas mães. Com relação às preferências musicais dos responsáveis, os estilos
musicais preferidos foram a música instrumental, seguida do samba, e mais da metade dos
responsáveis afirmou ouvir música com a criança, citando o sertanejo, a música pop, a
música infantil e o rock. Aproximadamente metade das famílias contava com a presença
de músicos (9 das 22 famílias). Interessantemente, o avô era o músico da família e 4
crianças tinham contato com eles enquanto estes tocavam. Com relação à educação
musical prévia, aulas de música foram mencionadas por 6 pessoas, e 2 delas tocavam
instrumentos há cerca de 18 anos, já tendo tocado em bandas. No que diz respeito às
atividades escolares, de um modo geral, os responsáveis classificaram como satisfatório o
desempenho escolar das crianças. Com relação ao perfil das crianças perante os colegas,
12 dos responsáveis disseram que as crianças eram colaboradoras, 7 as definiram como
lideres, 2 foram consideradas tímidas, e apenas uma como inerte.

4.2.: Entrevista com as crianças


A média de idade foi de 8 anos e 8 meses de idade. A grande maioria das crianças
sabe qual é o tipo de música preferida dos responsáveis e gosta. Elas passam muito tempo
escutando música sozinhas e com os amigos, afirmação já feita por outros estudiosos do
assunto (Palheiros, 2005) e o fazem em sua casa e na casa dos amigos. As crianças que
fazem alguma atividade musical estão igualmente divididas entre percussão e canto,
além de outras poucas que fazem violão e piano. As que têm aulas de música a citam
como ítem preferido da aula e cantar como algo incômodo. Oito crianças apontaram um
músico na família, mas só 4 delas (como já afirmado no ítem anterior deste tópico pelos
responsáveis) aprenderam algo com eles, citando noções de ritmos e de como tocar
teclado e trombone. As crianças percussionistas e coralistas têm, em média, 10 meses de
prática musical.

4.3.:Testes com as crianças


Os resultados serão mostrados de maneira discursiva e expostos em gráficos para
melhor exposição de algumas questões da entrevista com as crianças.
No que se refere a preferências musicais, o estilo musical citado como preferido das
crianças foi o pop, eleito por 13 delas, seguido do rock, com 11 votos, infantil com 6 votos
e samba com 5.
Com relação aos testes de habilidades espaciais, no exercício de arranjar figuras, o
tempo máximo para montagem das peças era de 30 segundos. O rosto, de nível fácil, teve

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uma média de 9 segundos de montagem e a figura do cavalo, um pouco mais complexa,
levou cerca de 16 segundos. Quase todas as crianças montavam o cavalo com as patas
trocadas, mas, exceto uma, percebiam logo o erro e as destrocavam. No exercício de
completar figuras, com tempo máximo de 15 segundos, as crianças levaram em média 5
segundos para acusar a falta do rabo do coelho e 2 segundos para perceber que a mão da
menina estava faltando. Os erros até então mantiveram-se em uma porcentagem
irrelevante para efeitos da análise.
Com relação aos exercícios de habilidades musicais, os resultados foram bastante
interessantes e conclusivos. No xilofone, os três exercícios propostos tiveram resultados
condizentes com os graus de dificuldade. O fácil foi executado sem problemas por 21
crianças. O intermediário foi executado prontamente por 14 crianças, tendo como média
de tempo 3,2 segundos e duas crianças não conseguiram faze-lo. O difícil foi executado
em cerca de 6 segundos, com exceção de 6 crianças que o fizeram imediatamente (3 do
coral e 3 da percussão) e de outras 3 que não conseguiram. O tempo máximo para todos
os exercícios feitos no instrumento era de 20 segundos.
No corpo, a imitação simples foi feita de imediato por 11 crianças (4 do coral, 4 da
percussão e 3 sem aulas de música), obtendo do restante uma média de execução de 3
segundos. A criação sobre ostinato foi, sem dúvida, o exercício que obteve os melhores
resultados. Grande parte das crianças mostrou desenvoltura de criação.Treze delas impro-
visaram de imediato (5 do coral, 5 da percussão e 3 sem aulas de música) e o restante
levou cerca de 2,5 segundos para pensar em algo. Sobre o ostinato feito pela pesquisadora
no tempo da fórmula de compasso apareceram colcheias, semicolcheias, tercinas e até
síncopes!
Ainda com relação às matérias preferidas e menos gostadas, algumas crianças
forneceram justificativas interessantes para as suas respostas. Uma criança definiu a músi-
ca (vide gráfico 1) da seguinte maneira: - “Como se formasse um monte de letras, mas
cantando.”.Com relação às matérias preferidas (vide gráfico 3), uma criança disse gostar da
matemática por ser “viciada” nela. Porém, a maior quantidade de respostas instigantes
surgiu no contexto das matérias menos gostadas (gráfico 4):

“A professora pede para falar e eu não gosto.” (ciências)


“Porque tenho que ficar lembrando da plantas.” (ciências)
“Porque só tiro notas ruins.” (português)
“Porque sempre me falam que estou errado.” (português)
“Porque tenho que ficar lembrando do passado.” (história)
“Parece-me repetitivo.” (história)

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Gráfico 1: Significados da palavra “música” Gráfico 2: Instrumentos conhecidos e já tocados
para as crianças (experimentados) pelas crianças

Gráfico 3: Matérias preferidas das crianças Gráfico 4: Matérias não preferidas pelas crianças

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5. Conclusões
Após a realização da análise das respostas dos responsáveis, a primeira conclusão do
presente estudo é a de que eles se preocupam com a música que as crianças ouvem e
estas, mesmo ouvindo música sozinhas ou com amigos, já que estão numa fase de pré-
adolescência, ainda a ouvem em companhia da família, que ainda pode orientá-las nesse
sentido. A maioria das crianças ainda é cuidada pela mãe. As crianças órfãs, algumas das
quais citadas pelos responsáveis como irrequietas ou portadoras de déficit de atenção, se
mostraram muito atenciosas e dispostas durante os testes. As crianças definidas pelos
responsáveis como líderes tiveram destaque nos bons resultados dos testes e são, em sua
maioria, alunos de percussão. Crianças que cometeram muitos erros pertenciam à deno-
minação colaboradora e dividem-se igualmente entre as que têm aulas de música e as
que não têm.
Finalizando-se a apuração do desempenho obtido nos testes, concluiu-se, como
afirmado em outros estudos (Costa-Giomi, 2006), que as crianças estudantes de música
atingiram melhores resultados no teste de nível difícil executado no xilofone e nos testes
de imitação simples e de criação sobre ostinato, feitos no corpo. Ainda dentro desse grupo,
as crianças percussionistas obtiveram uma pequena vantagem nos mesmos testes menci-
onados, ainda que possuíssem o mesmo tempo de prática musical que as crianças do
coral. No entanto, os resultados dos testes de habilidades espaciais não foram conclusivos
já que todas as crianças conseguiram realizá-los igualmente bem.O próximo estudo con-
tará com testes de habilidades espaciais mais difíceis do que os atuais, para averiguar os
efeitos da música nas habilidades espaciais das crianças. Entretanto, vale lembrar que este
estudo preliminar forneceu alguns dados importantes, que serão muito úteis na realização
de um estudo subseqüente.

6. Implicações para o desenvolvimento da mente musical:


pesquisa e prática
De acordo com os resultados encontrados neste estudo, as crianças da turma de
percussão obtiveram melhores resultados em tempo e desempenho nos testes de nível
difícil, seguidas pelas crianças do coral. Seguindo a idéia de que o cérebro saudável é o
cérebro ativo (Herculano-Houzel, 2002), algumas propostas pertinentes à pesquisa e à
prática do ensino da música são:
· Implantar atividades musicais tendo a percussão como foco, tanto em meios onde
já existam aulas de música quanto em lugares onde ela, a música, passa desperce-
bida;
· Fazer com que o estudo da percussão sirva de incentivo para a produção científica
sobre o assunto;
· Revitalizar e rever o modo como o ensino da percussão vem sendo tratado;
· Desenvolver exercícios e métodos para uso em sala de aula;
· Incentivar a criança a conhecer jogos e brincadeiras envolvendo montagem de
figuras, organização seqüencial de imagens, letras, números ou sons, fazendo-a

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treinar sua capacidade de organização e resolução de um ponto chave de um
problema;
· Realizar brincadeiras que envolvam movimentação corporal e estimulação dos
cinco sentidos. Explorar cada um separadamente, criando situações que envolvam
o raciocínio lógico;
· Organizar atividades em aula que envolvam o corpo em movimento, fazendo com
que a criança descubra a infinidade de sons que ela pode fazer com elementos do
ambiente à sua volta. Incentivá-la a cantar, usando a voz como complemento do
mundo novo de sons que ela está para descobrir. É uma rica maneira para fazer
pequenas mentes despertarem para o interesse musical ou usá-lo como auxiliar
em outras áreas de ensino.

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Influência da música no comportamento de


crianças participantes do projeto de
musicalização para bebês na UFBA

Angelita Maria Vander Broock


angelbroock@yahoo.com.br
Universidade Federal da Bahia

Resumo
Considerando a importância da Educação Musical nos primeiros anos de vida e
os benefícios que esta pode trazer, este artigo tem como foco principal descrever
e analisar os resultados do Curso de Musicalização para bebês da UFBA, que teve
início em setembro de 2006. Para a obtenção de alguns dados significativos, um
questionário foi elaborado para os pais participantes do projeto, com a necessi-
dade de compreender o que eles pensavam sobre o trabalho. Dentre as pergun-
tas, os pais puderam relatar suas impressões sobre o curso e sobre o comportamento
de seus filhos após o início das aulas. Através de uma análise das respostas foi
possível perceber que os participantes procuraram o programa a fim de estimular
em seus filhos algumas competências além das musicais, e que todas as crianças
tiveram algum comportamento diferenciado após o início das aulas. Sendo assim,
pode-se concluir que as aulas de música interferiram no cotidiano das crianças e
que estas, do ponto de vista dos pais, tiveram uma melhora significativa na soci-
alização, coordenação motora, atenção, entre outras coisas. Essas proposições têm
implicações diretas para a Educação Musical e para a Psicologia da Música.
Palavras-chave: Educação Musical; Musicalização Infantil; Bebês;

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Fundamentação teórica
A música é uma das múltiplas formas de comunicação entre a mãe e o bebê e,
muitas vezes, é usada antes mesmo do nascimento. Sabe-se que o aparelho auditivo dos
bebês já está formado desde a trigésima segunda semana de gestação, quando o feto já
escuta relativamente bem e responde a estímulos sonoros, ainda no útero (Ilari, 2002).
Segundo Lévy (1993), desde a vida intra-uterina o bebê ouve os sons emitidos e percebe
as vozes da mãe e do pai e, logo em seguida, as palavras que lhe são dirigidas. É papel
fundamental da família estimular os sentidos da criança, para que esta tenha acesso a uma
expressão sonora que seja “sua expressão própria, prelúdio da linguagem e abertura para
a música” (Lévy, 1993).
O bebê, ainda no primeiro mês de vida, é capaz de reagir e reconhecer músicas que
ouvia durante a gestação. Alguns estudos sugerem que a voz materna é o som preferido
dos bebês. Eles a reconhecem a partir do terceiro dia de vida, provavelmente por esta ser
ouvida com maior freqüência durante a gestação, assim como reconhecem canções,
histórias, parlendas e rimas ouvidas durante os últimos meses de gravidez (Ilari, 2002).
Alguns estudos revelam que quando o bebê ouve a mesma música que porventura ouviu
durante a gestação, seus batimentos cardíacos mudam, assim como seus movimentos
corporais.
O ensino de música para bebês é recente e começou a ser valorizado através das
descobertas da neurociência, que apontam a primeira infância como o período mais pro-
pício do desenvolvimento cognitivo infantil, inclusive o desenvolvimento cognitivo-musi-
cal (Ilari, 2006). Pesquisas mostram que, durante a infância, o cérebro humano é mais
maleável e o aprendizado é mais eficaz do que em qualquer outra fase da vida. Para tanto,
é necessário que as crianças sejam estimuladas desde cedo (Ilari, 2005).
Alguns estudos sugerem que as práticas musicais das crianças e dos adultos auxiliam
no desenvolvimento auditivo, motor, cognitivo e social, além de ajudar a fortalecer a
relação afetiva entre as pessoas. Além do desenvolvimento das habilidades perceptivo-
musicais, o aprendizado musical auxilia no desenvolvimento da atenção, da memória, da
sociabilidade, e nos sistemas de ordenação seqüencial e organização espacial.(Ilari, 2005).
Segundo Beyer e Braga (2006), experiências sonoras podem auxiliar o desenvolvimento
da fala e do canto. Alguns estudos sobre aquisição da linguagem revelam que brincadei-
ras, como parlendas, por exemplo, quando os pais interagem com a criança no colo num
movimento de ir e vir, podem desempenhar funções que vão muito além do afeto e do
mimo, sendo que o ritmo e o jogo corporal destacam as palavras, identificam unidades
melódicas e enfatizam alguns fragmentos por meio da rima e da repetição (Belintane,
2006).
A educação musical para crianças com idades entre 0 e 4 anos deve ser tratada com
muita competência, pois as aulas de musicalização podem direcionar a vida musical dos
pequenos e, como já visto, estimular a fala (Suzigan e Suzigan, 1996). Por esta razão é
necessário que programas de musicalização infantil sejam direcionados e que os profes-
sores estejam preparados para encarar variadas situações e para considerar alguns dos
vários fatores que acabam sendo inerentes ao ensino da música, como a inserção de
outras habilidades, visando uma educação multidisciplinar capaz de facilitar o processo de

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ensino-aprendizagem, trabalhando competências diferenciadas, utilizando a música não
somente como fim, mas também como meio, capaz de contribuir na formação de cida-
dãos e lidar com a diversidade social e artística (Oliveira, 2006).
O canto e a fala dirigidos ao bebê podem influenciar na comunicação e na interação
com seus responsáveis. Os contornos melódicos (tanto da fala quanto da música) são
aspectos importantes que constituem a base da percepção musical no início da vida. O
bebê pode não entender as palavras que estão sendo ditas, mas sabe, instintivamente, que
estão sendo dirigidas a ele quando há um exagero no contorno melódico, uso do registro
vocal agudo, andamentos lentos e expressividade acentuada (Ilari, 2002 e 2006). Devido
a isso, é necessário que nas aulas de musicalização os professores incentivem os pais a
cantarem para seus filhos, e além de audições, é necessário que haja muita música canta-
da e um repertório selecionado.
Normalmente a música utilizada com crianças pequenas serve como entretenimen-
to e estímulo ao sono. As canções de brincar têm, geralmente, um andamento mais
acelerado e contém em suas letras jogos de palavras e sugestões de movimentos, auxili-
ando a percepção auditiva, a coordenação motora, a sociabilidade, a linguagem e a
musicalidade do bebê. Já as canções de ninar são geralmente mais lentas, pois servem
exclusivamente para acalmar o bebê e estimular o sono (Ilari, 2002). Considerando a
relevância destes momentos, é necessário que as aulas de musicalização possam incluir
momentos de brincadeiras e momentos de relaxamento.

Curso de Musicalização Infantil da UFBA


Considerando a importância da Educação Musical Infantil e os benefícios que esta
pode trazer, deu-se início em setembro de 2006 a um curso de Musicalização Infantil, para
crianças com idades entre 0 e 4 anos, na UFBA. Este curso surgiu para ampliar o quadro de
cursos de extensão da Instituição, onde as crianças podiam iniciar sua educação musical
apenas aos 5 anos de idade. As aulas eram realizadas com a presença dos pais, em todas as
turmas. As turmas eram divididas por idade, com turmas para crianças com idades entre 0
e 2 anos e outras para crianças com 3 e 4 anos. As aulas aconteciam aos sábados e às
segundas-feiras no período da manhã, sendo duas turmas na segunda e três turmas no
sábado. Obteve-se uma média de 10 alunos por turma, totalizando 50 alunos.

Objetivos
Os principais objetivos do projeto resumiam-se em:
- Proporcionar aos alunos do curso de graduação em Licenciatura em Música opor-
tunidades guiadas de ensino de musicalização infantil, onde eles pudessem apren-
der através da prática;
- Despertar e desenvolver a percepção e a produção musical das crianças da comu-
nidade;
- Promover uma maior interação entre a comunidade e a Universidade;
- Transmitir o conhecimento musical através do canto, jogos musicais, movimentos,
improvisação e execução musical;

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- Desenvolver a percepção musical das crianças, bem como instigar a criação espon-
tânea;
- Auxiliar na relação afetiva entre os pais e seus filhos.

A participação dos alunos do curso de graduação em Música deu-se, na maioria das


vezes, de forma indireta, através de observações e algumas vezes como auxiliar da profes-
sora, através da execução de instrumentos harmônicos variados, com o intuito de acompa-
nhar as músicas utilizadas em aula.

Metodologia
As aulas consistiram na sensibilização musical através de atividades práticas envol-
vendo canto, movimento, improvisação, execução musical, jogos e brincadeiras, resgatan-
do o nosso patrimônio cultural através de rimas, lendas, parlendas, cantigas folclóricas,
canções de ninar e de várias partes do mundo, obras de música erudita e canções inven-
tadas, respeitando sempre o quadro de desenvolvimento físico, motor e cognitivo-musi-
cal das crianças em questão.
As aulas seguiam, sempre que possível, um mesmo roteiro, e sempre eram marcadas
por uma canção inicial e uma canção de despedida. Além de atividades direcionadas, as
aulas continham alguns momentos livres, para que os pais pudessem brincar com seus
filhos. Ao final sempre havia um momento de relaxamento.
Os materiais utilizados pelas crianças foram basicamente instrumentos de percus-
são, como caxixis, ovinhos, pandeirinhos, metalofones, entre outros, além de materiais
alternativos, como bolas, bambolês, tecidos coloridos, baldes, etc..

Resultados
Tendo em vista o pouco tempo da existência do programa, urge a necessidade de
uma avaliação do curso como um todo, para que sua continuidade possa atender as
necessidades e os desejos dos pais participantes. De acordo com o referencial Curricular
Nacional para a Educação Infantil (RCNEI) (citado em Brito, 2003) a avaliação faz parte do
processo educativo, servindo como auxílio ao professor, para que este possa refletir sobre
as condições de aprendizagem oferecidas ajustando sua prática às necessidades coloca-
das pela criança, neste caso, pelos pais ou cuidadores. Para analisar o desenvolvimento
musical da criança, sugere-se que o professor faça um registro de observações sobre cada
criança, para que ao final do processo possa-se analisar o desenvolvimento do aluno. É o
que Swanwick (2003) chama de comparação intrapessoal, que neste caso é o tipo de
avaliação mais adequada, considerando que cada criança tem seu tempo e seu desenvol-
vimento natural. Considerando que a avaliação é um complemento à educação (Mendéz,
2002), estas devem caminhar juntas em prol do desenvolvimento do aluno.
Para avaliar o funcionamento do curso e o desenvolvimento das crianças envolvidas,
um questionário foi elaborado para os pais participantes, sendo que obtivemos respostas
de 23 pais. Neste momento iremos considerar somente algumas questões referentes ao

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desenvolvimento das crianças: “Por que você matriculou seu filho no programa de
Musicalização da UFBA?”,“Você considera o ensino da música importante para o desenvolvi-
mento do seu filho? Por quê?” e “Você percebeu alguma mudança, musical ou extra-musical,
no comportamento do seu filho após o início das aulas? Por favor, cite.”
Através de uma breve análise das respostas pôde-se perceber que os pais procura-
ram o curso na tentativa de desenvolver em seus filhos algumas das competências citadas
anteriormente, como coordenação motora, socialização, sensibilidade musical,
psicomotricidade, fala, afetividade, etc., o que sugere que os pais já têm um conhecimen-
to, formal ou informal, dos benefícios que a música pode trazer ao ser-humano. Nota-se
também uma preocupação dos pais em inserir seus filhos numa atividade em que possam
desenvolver o relacionamento com outras crianças e colaborar na formação de valores
destes indivíduos.
Quanto às possíveis mudanças na conduta das crianças após o início do curso, todos
os pais relataram algum comportamento diferenciado por parte dos pequenos. Através
das respostas foi possível notar que várias das competências citadas anteriormente foram
estimuladas e que as crianças responderam de forma satisfatória. Segundo os pais, as
crianças começaram a cantar e dançar mais no ambiente familiar, alguns tiveram uma
melhora significativa na atenção, socialização, coordenação motora, autonomia, iniciativa,
expressão corporal, improvisação, ritmo, vontade de tocar instrumentos para acompanhar
o que estão cantando, curiosidade, melhora naquisição da linguagem e do vocabulário e,
principalmente e de um modo geral, as crianças se mostraram mais felizes. Em vários
relatos informais, os pais disseram que ficaram admirados com a diferença do comporta-
mento da criança durante a aula de música e em casa, local em que se mostram muito
mais à vontade e onde reproduzem tudo o que foi aprendido na aula, onde nem sempre
as crianças participam ativamente. Através destas respostas foi possível notar que de
alguma forma a música contribuiu para o desenvolvimento dos pequenos. Vale ponderar
que nem sempre podemos acreditar na veracidade das respostas, visto que os pais podem
ter respondido algo que pudesse agradar a professora, por exemplo.
É interessante considerar que tivemos no curso algumas crianças com Síndrome de
Down e Paralisia Cerebral. Os pais relataram que o interesse surgiu da necessidade de
inseri-las em alguma atividade que pudesse desenvolver a coordenação motora e a soci-
alização das crianças, e, segundo relatos posteriores, tanto dos pais das crianças quanto de
outros pais participantes, as crianças foram aos poucos se mostrando muito mais indepen-
dentes e muito mais felizes. Segundo Alvin (citado em Joly, 2003), a música pode contri-
buir para que a criança especial amplie seus limites físicos ou mentais, despertando sua
consciência perceptiva, seu desenvolvimento da audição e do controle motor.Todos estes
fatores, sendo desenvolvidos, favorecerão a integração social e emocional da criança.
Além disso, outros fatores também podem ser ampliados, como a memória e a atenção,
por exemplo. Contudo, pode-se dizer que o ensino da música contribuiu de alguma forma
para a qualidade de vida das crianças em questão, auxiliando a coordenação motora e a
socialização através do contato com outras crianças.

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Conclusões
De acordo com os relatos dos pais é possível dizer o ensino da música interferiu no
desenvolvimento das crianças que participaram do primeiro semestre do curso de
Musicalização para Bebês da UFBA. Porém, é delicado afirmar que essa diferenciação
comportamental deu-se somente por causa das aulas de música, visto que não foi levada
em consideração a existência de outras atividades que, porventura, faziam parte da vida
das crianças em questão.
Pode-se concluir também que a maioria dos objetivos do curso foi alcançada, e que os
pais que participaram do projeto se sentiram satisfeitos e puderam participar mais ativamen-
te da vida de seus filhos. Vale dizer que no questionário os pais puderam escrever alguns
pontos que não eram totalmente satisfatórios e sugerir algumas mudanças para a continui-
dade do curso. Isso permite uma participação ativa dos pais e das crianças, que são os
principais elementos do projeto, e o curso fica com “a cara” de quem participa dele. Essas
considerações também podem contribuir para a elaboração de currículos específicos para a
Musicalização Infantil para crianças pequenas e para gerar estudos mais aprofundados sobre
o desenvolvimento cognitivo-musical, através de pesquisas científicas.

Referências
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do ser. São Paulo: G4 Editora.
Swanwick, K. (2003). Ensinando Música Musicalmente. Trad. Alda Oliveira e Cristina Tourinho.
São Paulo, Moderna.

Força e fadiga na ação pianística. Relações


interdisciplinares

Daniel da Silva
virtuose@gmail.com
Maria Bernardete Castelan Povoas
c2mbcp@udesc.br

Resumo
Esta investigação fez parte da pesquisa “Fatores do desempenho e Ação pianística
– Uma perspectiva interdisciplinar”, cujo foco foi o estudo de fatores que intervêm
na prática pianística, entre eles: força e fadiga. Para o estabelecimento de cone-
xões entre fatores pesquisados e a ação pianística, foram levantados argumentos
interdisciplinares que deram respaldo à aplicação dos ciclos de movimento, con-
siderando-se os fatores destacados. Foi realizado um levantamento bibliográfico
sobre abordagens da área da técnica pianística e de pressupostos interdisciplinares,
leitura e reflexão sobre o material pesquisado, exposição e troca das informações
durante os encontros com o grupo de pesquisa. A esses conteúdos foram agrega-
dos argumentos para o desenvolvimento de uma consciência anatômica e
cinesiológica dos membros superiores, em suas relações com a ação pianística,
resultado sonoro e a manutenção da saúde das estruturas anatômicas utilizadas
com relação à força. A partir de exemplos de trechos musicais com diferentes
níveis de densidade sonora, foram destacadas situações de prática instrumental
relacionadas aos fatores força e fadiga. Seguindo protocolo estabelecido em
experimento biomecânico realizado em 2004, foi realizada a fase de seleção de

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sujeitos e orientação comum para dois (02) grupos de sujeitos: grupos controle
(GC) e experimental (GE).
Palavras-chave: ação pianística; fatores de desempenho; força; fadiga.

Introdução
Com esta investigação pretende-se dar continuidade à discussão sobre fatores do
desempenho presentes na ação músico-instrumental, força e fadiga, sobre quais as impli-
cações que a utilização das relações levantadas têm no desempenho e de que forma elas
intervêm na otimização da ação pianística. Os estudos realizados tiveram por base a pre-
missa de Rasch (1991, p.183) de que “todo desempenho humano pode ser visto como a
expressão de vários componentes denominados fatores de desempenho”.
Resultados anteriores apontam para o aprofundamento das relações entre questões
técnico-instrumentais e aspectos mais específicos a cada um dos fatores em destaque
como objeto de investigação e para a pesquisa interdisciplinar. Neste sentido, foram ava-
liadas novas conexões entre fatores de desempenho pesquisados e a ação pianística, a
aplicabilidade dos argumentos levantados e correlações propostas.
Pressupõe-se que os resultados da investigação sobre tais aspectos em conexão
com a aplicação do princípio de relação impulso-movimento – ciclos de movimento (PÓVO-
AS, 1999) em situações técnico-instrumentais específicas podem servir na busca de uma
maior eficiência e conseqüente otimização da ação pianística.

Métodos
Para a realização desta investigação procedeu-se, inicialmente, de uma revisão biblio-
gráfica que incluiu levantamento e atualização sobre abordagens da área pianística e de
pressupostos interdisciplinares nas áreas da cinesiologia e biomecânica sobre aspectos do
movimento, dentre os quais, os fatores força e fadiga. Na continuidade da pesquisa, foi feita
leitura e reflexão sobre o material pesquisado, exposição e troca de informações durante os
encontros com o grupo de pesquisa. Na seqüência, buscou-se aprofundar argumentos da
área da técnica instrumental e àqueles relativos aos fatores de desempenho força e fadiga,
estabelecendo-se conexões com a ação pianística, objetivando a sua otimização.
Foram discutidos conceitos e sua adequação para o desenvolvimento de uma cons-
ciência anatômica e cinesiológica do membro superior, em suas relações com o resultado
sonoro e a manutenção da saúde das estruturas anatômicas utilizadas com relação à força.
Os argumentos sobre este fator foram relacionados a situações práticas da ação pianística,
em trechos musicais com diferentes níveis de complexidade técnica e de volume sonoro.
Também foram abordados aspectos como: problemas posturais e de coordenação, inter-
valos entre períodos de prática pianística e seus benefícios, tensão muscular, e exercícios
de aquecimento corporal para prevenção ao surgimento de lesões.

Resultados
Segundo Drake (1994), a relação dinâmica entre cabeça, pescoço e costas é, na
primeira infância, geralmente perfeita, mas gradativamente vai sendo degenerada pelos
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maus hábitos adquiridos ao longo da vida. Qualquer interferência, mesmo involuntária,
nessa relação harmônica, cria distorções e tensões que dificultam o funcionamento har-
monioso do nosso organismo. Assim, a expressão “bom uso” passa a ser sinônimo de
postura correta ou boa postura, no sentido de uma boa coordenação de movimentos e a
correta aplicação do fator força em determinado trecho musical por meio do grau de
conhecimento que temos de nosso organismo.
Quanto ao desenvolvimento da consciência do membro superior, foram feitas incur-
sões na área de técnica de consciência corporal, para possíveis aplicações de conceitos na
prática pianística. Esta tem por meta otimizar o uso do fator força e a prevenção da fadiga
em decorrência do uso adequado e consciente das estruturas corporais envolvidas na
ação pianística. De acordo com a metodologia proposta da pesquisa, buscou-se estabele-
cer conexões entre os argumentos considerados pertinentes e a sua aplicação na prática,
mais especificamente, a aplicação da força na realização de um determinado trecho mu-
sical em função da prevenção e profilaxia da fadiga.
O correto uso das estruturas corporais implica na constante atenção e observação
ao que ocorre com as estruturas anatômicas envolvidas enquanto executamos qualquer
ação, seja ela pianística ou não. Para tanto, é necessário que estejamos predispostos a
buscar meios de desencadear processos que venham a propiciar a tomada da consciência
corporal, com o objetivo de tornar nossa motricidade mais variada e harmoniosamente
coordenada.
O trecho musical do primeiro exemplo (Figura 1) traz a indicação de dinâmica
piano (p), oitavas no contorno da mão direita e acordes de três sons arpejados no registro
grave no contorno da mão esquerda. Como o volume sonoro proposto se mantém cons-
tante durante vários tempos, deduz-se que, para executá-lo, serão suficientes: uma menor
ativação muscular e um maior tempo de manutenção da tensão sobre em cada evento.

Figura 1: Sonata opus 2 n.1, 3º mov., compassos [34]-[35]. Fonte: BEETHOVEN (1980, p.17)

Na Figura 2 há duas indicações de volume sonoro diferentes. No início tem-se a


indicação piano (p) em um registro médio e após a indicação forte (f) onde há uma
afastamento maior entre as mãos devido a distância de registros . O contorno da mão
esquerda é acompanhado de notas arpejadas em um ritmo constante, enquanto o contor-
no da mão direita possui acordes em staccato. O trecho em forte (f) subentende uma
maior ativação muscular, acompanhada de força explosiva e menor tempo de manuten-
ção da tensão em cada evento, com o propósito de produzir um volume sonoro maior.

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Figura 2: Sonata opus 2 n.1, 3º mov., compassos [1]-[3]. Fonte: BEETHOVEN (1980, p.16)

Deste modo, a aplicabilidade de conceitos relacionados ao fator força na realização


de trechos musicais deverá, na medida do possível, estar subordinada às indicações de
dinâmica, textura, andamento caráter e estilo do trecho a ser realizado.

Discussão
Força
De acordo com Rasch (1991, p.183), “qualquer desempenho pode ser formal ou
informalmente analisado para determinar seus componentes em termos de fatores gerais
ou específicos. Uma vez identificados tais fatores, pode-se formular programas de desen-
volvimento ou treinamento”.Expõe o autor que a força pode ser dividida em força dinâmi-
ca, estática e explosiva, subfatores que podem ser separados e “desenvolvidos de modo
diferencial”.
A força está relacionada com o tempo de manutenção e com a velocidade de
ativação muscular. Assim, o satisfatório desenvolvimento deste fator depende, significati-
vamente, do repouso entre períodos de atividade.
Os parâmetros que nos indicam a potência de movimento a ser aplicada em deter-
minado trecho musical, são dados pelo estilo, época e design musical da peça. Para que se
estabeleça uma correta aplicação desta potência é essencial que o pianista controle tal
processo, o que Keele (apud SCHMIDT e WRISBERG, 2001) conceitua como controle de
força.
Para Meincke (1998, p.59), o uso inadequado da força é destacado como a causa
mais comum de problemas músculo-esqueléticos em músicos. Para que haja uma correta
aplicação de força e conseqüente preservação destas estruturas, deve-se ter, previamen-
te, uma concepção do resultado sonoro que se espera produzir ao executar um trecho
musical. Para Meinel (1987, p.144),
o meio metodológico aqui também deveria ser, ao lado dos esclarecimentos, a participação, sobre-
tudo a consciente co-execução pelo atleta [músico] na demonstração ou no filme, o que ainda
pode ser apoiado por acentuações dinâmicas especiais [exageros].

Quanto ao controle do movimento e regulação da potência (força) a ser aplicada, de


acordo com o resultado sonoro desejado, o orientador de uma tarefa ou o professor de
instrumento desempenha um papel muito importante. Juntamente com o aluno, o plane-
jamento da prática, o treinamento e os resultados podem ser permanentemente avalia-
dos.

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Como o resultado sonoro está relacionado ao tipo de toque, o uso inadequado de
força muscular, e a utilização de posições e movimentos impróprios pode gerar, como
conseqüência, imprecisão do ataque na tecla, bem como um difícil controle na igualdade
de intensidade entre as notas. Sendo esses fatores participantes durante o treinamento e
em situação de apresentação em público. Segundo Azevedo (1996, p.81),“não é apenas
a economia de energia muscular que está em jogo, mas também o controle da sonorida-
de. A essência do problema não se localiza antes nem depois, mas durante a execução de
um acorde ou uma passagem”.
Há situações em o pianista pode confundir a necessidade de velocidade do movi-
mento com o excesso de velocidade na execução. Neste caso, o executante tende a
empregar mais força do que àquela necessária para a realização de certas passagens
musicais, o que pode causar maior contração muscular do que a necessária para a execu-
ção da tarefa. Dessa forma, o executante pode atingir um estado de fadiga prejudicial ao
seu bom desempenho em um menor período de tempo.
Na prática instrumental, assim como em todas as atividades que dependem do
movimento, cada sessão de trabalho deve iniciar com um período de aquecimento. Este
aquecimento serve de preparação para o trabalho muscular mais intenso que ocorrerá na
seqüência da atividade.
Smutz et al. (1994), citando Stock 1991, Armstrong 1987 e Silverstein 1987, diz que:
estudos epidemiológicos em diversos setores mostraram que a LER14 está associada ao nível de
esforço executado pelas mãos [e que] a força de impacto do dedo (Armstrong 1993) e o desvio do
punho durante a digitação estão associados ao nível de risco de desenvolvimento de LER.

A redução dos riscos associados à força e a postura podem compensar os efeitos


negativos da repetitividade. Smutz também afirma que o risco de desenvolver LER nos
membros superiores está associado ao número de horas que o digitador [pianista] traba-
lha com o teclado.
Não podemos, entretanto atribuir somente à potência de movimento um bom re-
sultado sonoro devemos trabalhar levado em consideração outros aspectos envolvidos na
prática pianística, para a obtenção de bons resultados. Para Meinel (1987, p.144) “na mai-
oria dos casos, deve ocorrer, a cada vez, a harmonização da entrada de força com outros
parâmetros, para se alcançar ótimos resultados”.

Fadiga
A fadiga muscular pode ser definida como sendo a incapacidade do músculo para
manter uma determinada potência, ou uma deficiência em sustentar um nível particular
de desempenho durante um exercício físico. A fadiga funciona como um mecanismo de
proteção para impedir que se esgote completamente as reservas de energia do organis-
mo. Existem várias definições para este estado de condição física, mas acima de tudo, a
fadiga é uma situação que se vive, sente e que todos os pianistas ou não já experimenta-
ram. Manifesta-se por declínio do nível da atividade realizada, queda da força, espasmos
musculares e diminuição da velocidade.
Dependendo do tipo de trabalho realizado, vários fatores atuando em conjunto e
com diferentes graus de influência, contribuem para que atinja um estado de fadiga. A
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duração e intensidade do trabalho, o tipo de fibra muscular recrutada, a forma de contra-
ção requisitada, a capacidade física do indivíduo, além de outros fatores, podem gerar um
estado de limitação do desempenho.
A fadiga é um dos fatores do desempenho que está diretamente associada à resis-
tência muscular. Entre as definições de resistência, uma delas diz que “a resistência é a
capacidade de realizar o mesmo trabalho durante um período de tempo... [e] a fadiga é
definida como uma falha em manter a força necessária ou esperada de contração muscu-
lar” (LEHMKUL e SMITH, 1989, p.115). Segundo os autores, uma atividade muscular prolon-
gada pode levar a conseqüências que incluem “a acumulação dos produtos das reações
químicas que diminui a velocidade das reações subseqüentes” (1989, p.115).
Em Fox (1993, p. 87-88) vemos que “uma das maneiras pelas quais é obtida a infor-
mação acerca da fadiga muscular é pelo registro da redução de tensão máxima (torque)
de um grupo muscular depois de determinado número de repetições”.Segundo o autor, a
fadiga de um grupo muscular pode ser causada por falha de um ou mais “mecanismos
neuromusculares que participam da contração muscular” e a ausência de contração vo-
luntária pode ocorrer devido a falhas do nervo motor, da junção neuromuscular, do meca-
nismo contrátil e do sistema nervoso central. Entre as falhas relacionadas ao sistema nervoso
está a incapacidade de retransmissão dos impulsos nervosos para as fibras musculares.
É importante entender a fadiga como um mecanismo de defesa que é ativado antes
que ocorra prejuízo de determinadas funções orgânicas, prevenindo lesões nos membros
envolvidos na ação. Deste modo, o conhecimento dos mecanismos responsáveis pela
fadiga e sua tradução fisiológica e bioquímica deve preocupar todos aqueles que preten-
dem um controle eficaz no processo de treinamento de atividades em que o movimento
é o elemento meio da ação.
Não é recomendado um tempo de estudo prolongado sem intervalos, pois podem
ocorrer lesões que se manifestam pela presença de dor ou dor muscular tardia. “Um
indivíduo pode também sofrer uma distensão muscular no início da prática se os músculos
estiverem fracos devido a um exercício recente” (HAMIL e KNUTZEN, 2002, p.99). Para
evitar lesões, uma das técnicas utilizadas é fazer exercícios de alongamento no início, no
decorrer e quando o estudo é finalizado. O alongamento inclui exercícios de flexibilidade
que devem reduzir, consideravelmente, o número de lesões. Se os sinais de fadiga forem
identificados precocemente, as chances de não se ocasionar uma lesão mais grave são
maiores.
De acordo com Rasch (1991), quando o exercício é pesado, consegue-se maior
quantidade de trabalho muscular se forem intercalados períodos de repouso. As pausas de
repouso breves e freqüentes aumentam a eficiência do trabalho muscular numa propor-
ção maior que no repouso prolongado e menos frequente.
A fadiga está diretamente relacionada aos princípios da amplitude de movimento e
de recuperação. Rasch diz que “mover ou massagear um músculo fadigado durante pau-
sas de repouso acelera sua velocidade de recuperação” (1991, p.187). O estudo sobre
causas e efeitos da fadiga na atividade humana é de interesse para a área pianística. Se não
há repouso, tanto no âmbito físico como no mental, corre-se o risco de ter um nível de
rendimento diminuído. A esse estado dá-se o nome fadiga (cansaço).

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Uma das conseqüências do treinamento excessivo de uma atividade motora ou
também de uma atividade mental prolongada é tornar o indivíduo vulnerável à fadiga. Esta
se reflete na provável ocorrência de erros de natureza físico-muscular ou execução da
ação e de memória a que o instrumentista fica exposto. Em princípio, tais situações não
devem ocorrer em situação de controle, sendo que a fadiga pode ser eliminada ou ame-
nizada durante os intervalos entre períodos de treinamento ao piano.
Fox (1993) chama de repouso-recuperação a recuperação que consiste em um
repouso total, ou seja, a completa ausência de exercício durante o tempo de descanso. O
chamado repouso-exercício é aquele no qual a recuperação é acompanhada de exercíci-
os leves, como o também chamado “esfriamento” para o atleta. Este mesmo argumento
pode ser altamente válido na prática pianística. Segundo Fox (1993, p.40),“O acido láctico
é removido mais rapidamente durante o exercício-recuperação do que durante o repou-
so-recuperação”.
Perrot (in Rasch, 1991, p.194) sugere cuidados para o trabalhador evitar a fadiga,
como eliminar movimentos desnecessários, fazer uso da gravidade para a realização do
trabalho e posicionar o corpo confortavelmente para que grupos musculares possam
trabalhar adequadamente.
Segundo Maggil (1984, p.219),“Intermitentes rodadas de exercícios e pausas fazem
com que o atleta [pianista] esteja sempre pronto para a próxima prática”. É no período de
repouso que ocorre uma restauração ou reparo acompanhado por uma compensação que
deve elevar a capacidade do indivíduo para um novo nível de resistência física e mental.
Ao tratar do princípio do treinamento excessivo, o qual está relacionado, sobretudo, com o
desenvolvimento da força e energia, Rasch (1991, p.186) esclarece que “um estado de
fadiga crônica acarreta alterações morfológicas [...] e psicológicas indesejáveis”.
Como durante o estudo o pianista é obrigado a permanecer durante um longo
tempo numa mesma posição, ocorrem tensões em regiões do corpo que devem ser
compensadas. Por exemplo: um pianista que fica uma hora sentado ao piano, cria uma
tensão na região lombar da coluna que deve ser compensada através de exercícios que
movimentem tanto a região lombar, quanto a abdominal no sentido de auxiliar na manu-
tenção do equilíbrio corporal, impedindo que o acúmulo de tensões se transforme em
algum tipo de lesão. O processo de compensação consiste em anular o efeito do trabalho
repetitivo causado durante o estudo do instrumento.
Questionando sobre qual seria o fator predominante e mais eficiente na determinação
do equilíbrio entre o desempenho e repouso no processo de aprendizagem, Schmidt e
Wrisberg (2001) estabelece como determinante o fator energia para a realização de uma
tarefa. Diz ainda que“os profissionais do movimento deveriam analisar as demandas físicas
das tarefas que estão ensinando a fim de adequar as condições de prática para a energia
necessária aos movimentos”, e alerta para a necessidade de que instrutores “deveriam ser
sensíveis aos níveis de aptidão dos aprendizes quando estão ensinando tarefas” (2001,
p.220). Chama a atenção quanto aos riscos a que estão expostos alunos quando executam
tarefas em estado de fadiga, acima de sua capacidade ou nível de domínio técnico.
Para o aprimoramento da técnica pianística, uma outra forma de aumentar o rendi-
mento e diminuir o dispêndio energético é ter consciência dos objetivos que se quer

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alcançar, e dos movimentos que devem ser planejados previamente.“Tornou-se evidente
a necessidade de planejar o movimento antes da ação em função de resultados sonoros
previamente estabelecidos, adequando-se movimentos corporais à resolução de aspec-
tos musicais” (PÓVOAS, 2002, p.45).
O estudo de aspectos ergonômicos, em relação ao piano, também pode ajudar na
prevenção da fadiga. Por exemplo, o banco do piano deve estar em uma altura que
permita manter o cotovelo paralelamente ao teclado, e os pés apoiados no chão a uma
distância que possibilite a livre movimentação do tronco diante do teclado.
Perrot (in Rasch, 1991) sugere cuidados para se evitar a fadiga, entre eles: eliminar
movimentos desnecessários, fazer uso da gravidade para a realização do trabalho e
posicionar o corpo o mais confortavelmente possível para que grupos musculares possam
trabalhar adequadamente.

O experimento
Através do experimento, buscou-se validar estatisticamente o experimento-piloto
realizado em 2004, uma análise quantitativa, levando-se em conta o resultado sonoro com
base na aplicação do recurso técnico proposto, ciclos de movimento, e dos conceitos
levantados. O experimento consistiu um procedimento que contou com a participação de
dois grupos de pianistas que executaram determinados trechos de uma obra musical,
visando analisar-se, de forma comparativa, os resultados medidos entre ambos os grupos.
Os grupos de pianistas foram selecionados entre alunos do curso de Bacharelado em
Música – Piano, da UDESC, de diferentes fases, cada qual contendo seis (06) sujeitos. O
Grupo Experimental (GE) foi orientado semanalmente pela equipe de pesquisa enquanto
o Grupo Controle (GC) deveria executar a peça conforme seus conhecimentos. Para
minimizar-se possíveis desvios de resultados foram estabelecidos alguns critérios: padro-
nização no tempo de estudo diário da peça (15 minutos/dia) e de andamento (pulsação)
da mesma.
Durante o treinamento do GE os alunos foram orientados a inserir pequenas pausas
durante o seu estudo. Naturalmente, não há necessidade de fazer pausas durante os
quinze minutos de estudo, pois este tempo já é consideravelmente curto, porém, uma vez
que os alunos também consomem muito tempo para estudar suas outras peças (não
relacionadas ao experimento), eles deveriam inserir pausas durante o estudo diário, garan-
tindo assim o bom desempenho físico em todas as etapas do estudo.
O período de estudo por parte dos mesmos, teve duração de dois (02) meses e
constituiu-se de oito (08) encontros para orientação do grupo experimental. Todos os
encontros foram filmados.
Ao início de cada aula foram feitos exercícios de alongamento e consciência corpo-
ral (tensão-relaxamento), exercícios de respiração para uma maior concentração, e de
alongamento para o pescoço e segmentos do braço. Este tipo de exercício tem a finalida-
de de trabalhar a consciência no relaxamento – tensão relativos de cada segmento (mão,
punho, antebraço, braço). Esse procedimento mostrou-se importante não apenas para o
aquecimento da musculatura e aumento da flexibilidade articular, como também para o

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fortalecimento dos músculos compensatórios, promovendo um melhor equilíbrio múscu-
lo-esquelético.
Na seqüência, os participantes eram observados individualmente e orientados no
sentido de praticar a música determinada seguindo os ciclos de movimentos propostos
por Póvoas (1999). Foram utilizados trechos do Prelúdio número 18 de Chopin, com os
respectivos movimentos propostos para otimização do desempenho:

Figura 3: Prelúdio 18, compassos [14]-[16].


Fonte: CHOPIN (1996, p.37).

Este trecho possui deslocamentos e acentos no contratempo. Pressupõe-se que, se


o movimento não for pensado antes da realização, este resultado sonoro pode não ser
alcançado. A orientação indicada para a trajetória do movimento busca tornar a realização
das distâncias, com as respectivas articulações indicadas na partitura, mais objetivas e
eficientes.
Para a realização do trecho musical da figura 1, o movimento proposto por Póvoas e,
segundo os objetivos desta pesquisa, constava em formas circulares no sentido horário,
em ambas as mãos. Cada ciclo deve iniciar nos acordes em stacatto (.), para cima e para a
direita, seguindo-se o movimento para baixo em direção ao acorde marcado com acento
(>). Após este último, as mãos seguem o movimento circular para iniciar novamente o
ciclo no próximo acorde em stacatto. Este movimento deveria ser executado da forma
mais contínua possível, evitando-se um movimento de pulso para baixo, quando da exe-
cução do acorde em stacatto, o qual traria maior dispêndio de energia e diminuiria a
velocidade do movimento, por aumentar a trajetória do mesmo.

Conclusão
As observações e as informações levantadas poderão servir como recursos essenci-
ais na busca do aumento no índice de eficiência do desempenho pianístico através do
controle, aproveitamento o aprimoramento de movimentos, no sentido de torná-los mais
objetivos durante o treinamento.
Constata-se que para a preservação da integridade física do indivíduo e para a melhor
assimilação dos conteúdos envolvidos na prática pianística, torna-se imprescindível que se
adote o hábito de intercalar períodos de repouso entre sessões de treinamento. Cabe então
ao orientador e/ou pianista fazer a escolha do tipo de prática mais adequada a ser adotada
durante o estudo ou treinamento, de acordo com as exigências do repertório.

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As práticas adotadas durante o período desta investigação apontam para uma aten-
ção à consciência corporal, cuja prática auxilia na otimização do uso do fator força e a
prevenção da fadiga em decorrência do desenvolvimento de uma consciência das estru-
turas corporais envolvidas na ação pianística. Com isso, evita-se que certas fixações mus-
culares desnecessárias sejam desvantajosas, podendo acarretar em possíveis dores
localizadas devido ao cansaço muscular.
Quanto mais objetivo cada movimento com a projeção do respectivo objetivo sono-
ro, mais satisfatório o resultado e menor o gasto de energia. Também a alternância e
equilíbrio dos mecanismos técnicos, intelectuais e musicais durante o treinamento pianístico
são aconselháveis. Ainda, se levados em conta aspectos relacionados a fatores do desem-
penho, organizando o treinamento com pausas para descanso entre períodos, prevenindo
a fadiga e, conseqüentemente, lesões; se levados em conta aspectos ergonômicos como
a relação corpo-piano e eixo da mão durante a prática pianística, o resultado técnico-
musical certamente será otimizado.
Algumas etapas preliminares antes do treino como exercícios de relaxamento e/ou
aquecimento são de grande valia para o desenvolvimento de uma consciência cinestésica,
auxiliando o pianista a obter uma habilidade em dominar as próprias coordenações mus-
culares.
Como a força está relacionada com o tempo de manutenção e com a velocidade de
ativação muscular, o controle sobre este fator tem reflexos diretos na maior ou menor
velocidade de realização de movimentos e na produção de intensidades sonoras. Assim
sendo, a aplicabilidade de conceitos relacionados ao fator força na realização de trechos
musicais deverá, na medida do possível, estar subordinada às indicações de dinâmica,
textura, andamento caráter e estilo do trecho a ser realizado.

Notas
14
Lesão por Esforço Repetitivo.

Referências
AZEVEDO, Cláudio R. O. A Técnica Pianística: uma abordagem científica. São Paulo: AIR Musical, 1997.
BEETHOVEN, Ludwig. Klavier Sonaten: Band II. Henle Verlag, 1980.
CHOPIN, Frédéric. Complete Works: I Preludes For Piano. 25 ed. Madrid: Real Musical, 1997.
DRAKE, J. La Técnica Alexander de Correccíon Postural: ¿Qué es y Cómo Nos Ayuda? Madrid: Editorial
EDAF S.A., 1994.
FOX, Edward L. Bases Fisiológicas da Educação Física e dos Desportos. Tradução de Giuseppe
Taranto. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1993.
LEHMKUL, L. Don; SMITH, Laura. Cinesiologia Clínica. São Paulo: Manole, 1989.
MEINEL, Curt. Motricidade I: Teoria da Motricidade Esportiva sob o Aspecto Pedagógico. Tradução
de Sonnhilde von der Heide. São Paulo: Ao Livro Técnico, 1987.
PÓVOAS, Maria Bernardete Castelan. Princípio da Relação e Regulação do Impulso-Movimento.
Possíveis Reflexos na Ação Pianística. Tese de Doutorado, Mímeo, 1999, Universidade Federal do
Rio Grande do Sul.

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RASCH, Philip J. Cinesiologia e Anatomia Aplicada. Tradução de Marcio Moacyr de Vasconcelos.
Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1991.
SCHMIDT, Richard; WRISBERG, Craig. Aprendizagem e Performance Motora: Uma abordagem da
aprendizagem baseada no problema. Porto Alegre: Artmed Editora, 2001.

Avaliando o Desempenho Cognitivo Musical

Vilma de Oliveira Silva Fogaça


vilfogaca@yahoo.com.br
Universidade Federal da Bahia

Resumo
Este trabalho, de natureza teórica, tem como objetivo instigar o educador a uma
breve reflexão sobre os processos cognitivos do aluno, levando em consideração
questões genéticas e sócio-culturais. Esta reflexão deve levar à conclusão da
necessidade de uma prática avaliativa de tais processos, com o intuito de diag-
nosticar problemas do aprendizado musical em sua fonte mais primária: a manei-
ra com que o aluno raciocina musicalmente. Este diagnóstico poderá muito
contribuir para a solução de problemas, e, estes benefícios não ficarão restritos à
área musical, podendo ser ainda mais amplamente aproveitado.
Palavras Chaves: Cognição – Avaliação – Educação Musical
Ensinar não é tão somente uma questão de conhecimentos, mas também de modos
de raciocinar. Aprender não é tão somente acumular conteúdos de conhecimento,
mas também modos de raciocinar com eles até aprendê-los, interiorizá-los e integrá-
los à estrutura mental de quem aprende. (MÉNDEZ; 2002, p.39)

Esta afirmação de Méndez nos traz à luz um problema que geralmente passa des-
percebido por nós, educadores, que é: de que maneira o nosso aluno aprende, processa a
informação, a conecta com as demais e a utiliza em sua vida. Muitas vezes estamos tão
focados em ver o resultado somativo de nossos esforços para que o aluno aprenda que
nos esquecemos de observar como o aluno aprende, pois se há problemas na maneira de
aprender é possível que muitos dos nossos esforços sejam vãos, então, iremos agora tratar
de problemas em sua raiz, a cognição, e de como teorias a respeito do assunto podem nos
ajudar a avaliarmos como está o desenvolvimento cognitivo e cognitivo musical de nossos
alunos.

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O que estamos avaliando?
Avaliamos o conteúdo ou o aluno? Estamos levando em conta seu ponto de partida
e a forma com que caminha educacionalmente? São questões que precisam ser pensadas,
pois, às vezes, avaliamos e reavaliamos e os problemas persistem e não mudamos nossas
praxes, nem didaticamente, nem filosoficamente, não abrimos uma investigação, um es-
tudo de caso e geralmente, insistimos numa determinada metodologia
Precisamos avaliar a coisa certa, precisamos avaliar o aluno; não o aluno como um
depósito de nossas informações e conhecimentos, não como um objeto que nos foi
entregue para moldarmos, mas o sujeito aluno, com limitações, melindres e brechas para
soluções.
Méndez afirma que “Os testes de rendimento ou os exames conhecidos como tradicio-
nais carecem de interesse e de valor formativo, porque não nos dizem nada que nos ajude a
entender estes processo” (MÉNDEZ; 2002, p.39); é preciso pensar na maneira de entender-
mos e avaliarmos este processo, a aprendizagem.

Decorar x aprender
Aparentemente, teoricamente, são coisas muito semelhantes, tanto que o Dicioná-
rio Michaeles, em um de seus conceitos, utiliza o mesmo para ambos os verbetes:“Reter na
memória”, mas, na prática, nós sabemos que o aprender ao qual se refere o processo de
aprendizagem, vai mais além do que simplesmente memorizar, é mais parecido com um
dos conceitos de apreender, “tomar posse”, segundo o mesmo dicionário. Decorar é man-
ter um conteúdo na memória, algo que pode durar muito tempo, ou ser efêmero, não
significa que o sujeito tenha compreendido. Aprender, o aluno não apenas decora, ele
toma posse do conteúdo, é algo para a vida.
Um aprendizado eficiente, consolidado, faz com que o aluno utilize de alguma
maneira o conteúdo aprendido em suas atividades práticas, em sua rotina, ou para o futuro.
Entretanto, ao contrário, alguns alunos recebem a informação e não sabendo como
funcionalizá-la, apagam-na de suas memórias antes mesmo de tentar tirar dela algo que
lhes sirva.Todavia, é sabido que algo só será tido como “útil” se o aluno souber “a que” se
destina, não sabendo, não compreendendo o sentido do conteúdo, ele não poderá utilizá-
lo, o aluno deve raciocinar sobre o conteúdo, entender o processo em que este está
implementado.
Musicalmente falando, o ideal é que todo conteúdo musical seja seguido de uma
vivência também musical, mas a vivência será plena à medida da compreensão e enten-
dimento por parte do aluno. Nas artes musicais, é onde bem se tem a oportunidade de
empregar os conteúdos apresentados ao aluno, que terá a oportunidade de utilizá-los,
aplicá-los e ver resultados de aprendizado bem concretos. Para isto será necessário mais
que memorizar, será preciso entender em todos os aspectos os conteúdos oferecidos no
currículo, e, quando isto não ocorre, é importante que o mestre tenha a preocupação de
investigar, se porventura, o problema não estaria na maneira que o aluno raciocina.

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A raiz do problema
“A maneira como o sujeito aprende é mais importante que aquilo que aprende, porque facilita a
aprendizagem e capacita o sujeito para continuar aprendendo permanentemente” (MÉNDEZ; 2002).

Esta é uma das afirmações mais contundentes sobre o aprendizado, não só contun-
dente, mas eficiente, pois detecta “o problema”, que, de maneira geral, poucos percebem.
No processo de aprendizagem, Méndez dá mais ênfase à maneira como o aluno o conce-
be, do que ao conteúdo que ele aprende. Isto é, em termos práticos, se preocupar não com
o que o aluno aprende, mas, como aprende, com o que acontece dentro da mente do
sujeito, com as estruturas, as conexões, como se dá o processo de conectar uma informa-
ção com as demais.
Quando ele diz “A maneira como o sujeito aprende...” ele fala não apenas das compe-
tências inatas, mas das características idiossincráticas na maneira de aprender de cada um.
Em certo ponto, todos os sujeitos são semelhantes, naquilo que se refere à estrutura
correspondente aos aspectos genéticos, matéria-prima dos fundamentos racionais, do
momento da geração do indivíduo até seu nascimento; todavia, as condições em que este
crescerá, desde sua alimentação, aspectos pertinentes à saúde do organismo, o meio
sócio-cultural, a educação recebida, entre tantos outros fatores, irão diferenciar os proces-
sos cognitivos de indivíduo para indivíduo. Então concluímos que podemos ter alunos
com capacidades inatas semelhantes, porém, com situações de aprendizado diversas e
particulares, e o fruto disto é a maneira como o aluno raciocina, pensa a respeito das coisas,
maneira esta que poderá ser bem sucedida, ou não.
Quando o aluno tem um processo racional deficiente, o progresso do mesmo é
sofrido e atravancado, às vezes o problema não é aquilo que está sendo ensinado, ou a
forma que se ensina, mas, a maneira de raciocinar em cima do conteúdo que está sendo
ministrado. Quando os problemas de aprendizado estão a este nível, não adiantará insistir
na explicação de conteúdo, ou em exercícios infindos; o aluno poderá até decorá-lo, mas
dificilmente irá apreendê-lo. É preciso encontrar o ponto onde oriunda o problema, o “X”
da questão, e buscar soluções para este, pois, problemas pertinentes aos processo racio-
nais/cognitivos do aluno não o atingem apenas em um aspecto: certamente, mais áreas de
sua vida são afetadas, e quando devidamente diagnosticados e superados, é dada ao aluno
uma nova oportunidade, com chances reais de sucesso, para ir adiante com plenitude.

Piaget, Vygotsky, Swanwick: eles podem nos ajudar


Avaliar o desempenho cognitivo não é tarefa fácil, mas, quando fazemos e utiliza-
mos os resultados desta para investir no progresso do aluno, é gratificante, faz valer a pena
o nosso esforço na pesquisa para compreender como se dão os processos de cognição.
Muitos autores falam sobre cognição, entretanto, vamos fazer um breve resumo do assun-
to que é focado na teoria desenvolvida por três estudiosos da questão com intuito de
explicar coisas a partir de um ângulo diferente, e que, a depender da ótica do educador,
podem se completar harmoniosamente.

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J. Piaget: Cognição Inatista
Para J. Piaget, o indivíduo já nasce com condições de desenvolver as estruturas
necessárias ao avanço do conhecimento, pois, segundo ele, isto é um fato genético, como
afirma Jean-Marie Dolle:“(...), Piaget renuncia a estudar o que é o conhecimento ou a tomar
partido sobre a natureza do espírito e coloca de imediato a questão múltipla: Como aumen-
tam os conhecimentos?, situando-se não somente no nível interdisciplinar, mas igualmente
no nível genético” (DOLLE, 1974, p.45). O ser humano, então, vem ao mundo pronto para a
aprendizagem de qualquer coisa, sendo que esta ocorre de forma diferenciada a cada
faixa etária e, para uma aprendizagem eficiente, os estádios, conforme define o mesmo
autor:“Discerne-se assim, no desenvolvimento das estruturas da inteligência, um conjunto de
etapas características, chamadas estádios,(...)” (DOLLE, 1974, p.52), devem ser respeitados,
considerando a forma em que se aprende em cada um deles, suas aquisições anteriores e
a consciência das limitações que apresentam, bem como a maneira de vencê-las para dar
início ao estádio seguinte, evoluindo junto com o desenvolvimento de cada pessoa, num
processo acumulativo e sem omissão de etapas.

L. Vygotsky: Cognição Sócio-Cultural


Vygotsky se dedicou à pesquisa sobre as condições em que o ser humano aprende.
Segundo sua teoria, o ser humano, em qualquer fase de sua vida, não aprende do nada, ele
precisa ser apresentado ao material a ser aprendido, ao qual Vygotsky denomina de“obje-
to da cultura”,como afirma Suelly Mello:
Assim, cada nova criança que nasce, nasce num mundo pleno de objetos que escondem aptidões,
habilidades e capacidades (...). Ao aprender a utilizar os objetos da cultura que encontra na socieda-
de e no momento histórico em que vive, cada ser humano reproduz para si aquelas capacidades,
habilidades e aptidões que estão cristalizadas naqueles objetos da cultura a que tem acesso.
(MELLO,1988, p. 138).

Então, o sujeito aprenderá a respeito daquilo que lhe é oferecido ou a que, de


alguma forma, ele tem acesso. Os objetos de cultura que lhe são disponíveis são uma
conseqüência do seu contexto sócio-econômico e cultural; além disto, existe um outro
ponto em que se centra o aprendizado, que é a necessidade de alguém mais experiente
naquilo que será estudado para auxiliá-lo, portanto, a aprendizagem é um processo
colaborativo do mestre ao aprendiz.

K. Swanwick: Cognição Musical


Inspirados na teoria piagetiana, Swanwick e Tillman desenvolveram o Modelo Espiral,
que tem uma característica muito peculiar: ele dá parâmetros sobre o que esperar do
aluno, em que nível de desenvolvimento musical ele está e o que deverá ser alcançado. O
modelo é subdividido em camadas e dimensões, e cada uma delas tem características que
norteiam o professor para situar seu aluno em determinado nível de desenvolvimento
musical. Swanwick continua discursando sobre o assunto em seu livro “Ensinando Música
Musicalmente” (2001), onde ele propõe novos pontos e dimensões, com novos significa-
dos a serem observados. O fato é que, os conteúdos das duas obras são de suma importân-

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cia no auxílio para que o professor entenda alguns processos cognitivos de seu aluno, o
situe, e saiba como alçar mais, além de serem muito especiais, pois tratam de maneira
muito coerente o desenvolvimento cognitivo musical do aluno.

Para Avaliar
As teorias ou modelos existem, estão aí para nos ajudar. Conhecendo bem estas três,
o educador poderá criar meios para avaliar o desenvolvimento cognitivo, poderá testar se
o racional do aluno está coerente com sua idade, identificar pontos problemáticos, verifi-
car se alguma etapa foi subtraída, ou checar o processo de assimilação e acomodação de
informações.
Quando o assunto é aprendizado musical, a teoria de Vygotsky é tão importante
quanto a de Piaget, pois a música do contexto cultural em que o indivíduo está inserido é
tão importante no seu desenvolvimento quanto suas habilidades inatistas, o educador
poderá verificar, por exemplo, se o currículo ou programa está próximo da realidade de
vida do aluno e se ele está pronto para descobertas distantes da sua vivência musical.
Unido a estas informações, Swanwick não só nos orienta em itens específicos da avaliação
do aprendizado musical de maneira cognitiva, como também de maneira afetiva, pois sua
proposta chega ao extremo de investigar questões como o apego do aluno com a música
ou seu compromisso com determinada peça ou compositor.
Tanto quanto o conhecimento teórico, estará a sensibilidade do educador em perce-
ber seu aluno. O ensino musical não é dotado apenas de fatos racionais, mas, é riquíssimo
em eventos emocionais; conhecer o aluno, sua história, seus anseios, medos, o interesse
particular, tudo isto é importante para avaliá-lo, observá-lo com atenção e não generalizá-
lo, tentar chegar ao ponto-chave, respeitando suas limitações e esforçando-se para, juntos,
vencê-las.

Considerações Finais
Se o aspecto cognitivo não fosse tão relevante no processo de aprendizagem, tantos
estudiosos não se deteriam com tamanho afinco, de tal maneira a criarem teorias a respei-
to do assunto. É necessário, portanto, que o educador não ignore o mesmo, ao invés, dê-
lhe a merecida atenção.
Em Educação Musical o progresso do aluno é algo muito peculiar, pois o aluno tem o
desejo de exibir em algum tipo de performance musical o seu sucesso; só que, quando
este não vem na dimensão esperada, pode-se criar um sentimento de frustração por parte
do aluno, o que irá dificultar ainda mais o avanço do mesmo. Será, assim, necessária, por
parte do professor, uma investigação de maneira mais atenta a respeito das causas que
impediram o aluno de ir mais adiante.
Os estudos sobre o desempenho cognitivo podem contribuir e muito para que se
encontrem possíveis soluções para tais casos. Muitas pesquisas já circulam em literatura
de fácil acesso ao educador, agora é preciso que o educador musical tome senso da
importância desta face do processo ensino-aprendizagem e se empenhe em entender e
administrar o conhecimento e benefícios que as teorias da cognição e da cognição musi-
cal podem oferecer.
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Referências
DOLLE, Jean-Marie. Para Compreender Jean Piaget – Uma Iniciação a Psicologia Genética
Piagetiana. Tradução de Maria José G. de Almeida. 3a ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978.
MELLO, Suely Amaral. A Escola de Vygotsky. In: Introdução à Psicologia da Educação – Seis
Abordagens. Organizado por Kester Carrara. São Paulo: Editora Avercamp, 2004.
MENDÉZ, Juan Manuel Álvarez. Avaliar Para Conhecer, Examinar Para Excluir. Trad. Magda
Scwartzhaupt Chaves. Porto Alegre, Artmed, 2002.
SWANWICK, Keith. Ensinando Música Musicalmente. Trad. Alda Oliveira e Cristina Tourinho. São
Paulo, Moderna, 2003.
SWANWICK, Keith e TILLMAN, June. “The sequence of musical development: a study of
children’s composition”, British Journal of Music Education, 3, p.305-339. Cambridge: Cambridge
University Press, 1986.

As reações de crianças de 2 a 5 anos à música


com texto e sem texto, em tom maior e menor

Kamile Santos Levek


kamilesl@hotmail.com
Escola de Música e Belas Artes do Paraná

Resumo
As crianças têm uma grande vivência musical, que ocorre por meio das interações
com seus pais e cuidadores, além das influências da escola, da televisão, etc. Desde a vida
intra-uterina a música já se faz presente e quando o bebê nasce e entoa seus balbucios,
estes podem ser confundidos com o início de uma linguagem musical que vai sendo
desenvolvida com o decorrer do tempo, juntamente com a preferência musical das crian-
ças. No início da vida da criança as mães utilizam uma fala diferenciada para se comunica-
rem com os bebês, chamada de baby talk ou motherese. Essa fala é caracterizada por um
registro vocal mais agudo, andamento lento, e por repetições exageradas dos contornos
melódicos (Trehub & Nakata, 2001/2002), e tudo indica que ocorre em praticamente
todas as culturas do mundo. Analogamente, essas mesmas características estão presentes
no canto dirigido ao bebê. Com o decorrer do tempo e conforme as crianças aprendem a
falar, o uso da motherese diminui. No que se refere à música, essas características são
comuns ao repertório musical das crianças pequenas, onde há uma ênfase muito grande

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no texto e contornos melódicos definidos e repetidos. Embora o conteúdo dos textos seja
simples, os educadores tendem a reforçar esse aspecto da canção, deixando aspectos
como a melodia em segundo plano.
Até o presente momento, pouco se sabe sobre as relações entre a música e a fala
nos primeiros anos de vida. É possível que as preferências das crianças com relação à
música mudem juntamente com a comunicação direcionada a elas.Talvez quando peque-
nas (2 a 3 anos), as crianças prefiram música vocal puramente melódica, ou seja, sem
palavras ou texto, enquanto que um pouco maiores (4 a 5 anos), possam preferir músicas
vocais com texto. Essa é uma questão que tem implicações diretas para as áreas da psico-
logia, educação e psicolingüística. O objetivo principal dessa pesquisa é o de verificar as
preferências e as reações de crianças de 2 a 5 anos de idade ao ouvirem quatro estímulos
musicais vocais interpretados a capella por uma única cantora, por três dias consecutivos,
observadas pelas mães ou responsáveis. Um questionário contendo questões demográficas
e referentes à observação realizada foi entregue aos responsáveis. Os estímulos consisti-
ram em: (a) melodia em tom maior, com texto; (b) melodia em tom maior, sem texto
(melodia entoada com a sílaba“lá”); (c) melodia em tom menor, com texto; (d) melodia em
tom menor, sem texto. Os resultados preliminares mostraram que, de acordo com o ques-
tionário respondido pelos responsáveis, as crianças de 4 e 5 anos apresentaram respostas
gestuais e vocais, mais que na faixa etária de 2 e 3 anos, independente do estímulo ouvido.
Os resultados ainda estão sendo analisados e será verificada também a preferência das
crianças pelos estímulos com texto e sem texto, pelos estímulos em modo maior e em
modo menor, e se há também alguma diferença por gênero. Implicações do presente
estudo para a psicologia da música e educação musical serão apresentadas no evento.

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Programa
Program

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21/05 22/05 23/05 24/05 25/05
8:00 Credenciamento X X X X
Sessão
Palestra: Palestra: Palestra: temática
9:00 Abertura, Salão especial :
Nobre da Aaron Williamon José Zula de Maurício
Reitoria da Royal College of Music Oliveira Loureiro Pesquisa
UFBA USP UFMG em Música

9:30 Apresentação
Debate
artística
10:00 Breque pro cafezinho
Palestra: Mesa: Mesa: Mesa: Mesa:
10:30 Processos cognitivos Aspectos da Processos Música e
Daniel Levitin na performance psicolingüís- cognitivos em cognição
McGill University musical tica e da composição e musical
semiótica percepção
12:30 Intervalo para almoço
14:30 Mesa: Sessões Sessões Sessões Encer-
temáticas temáticas temáticas ramento
Desenvolvimento e
cognitivo através (Hotel Tropical (Hotel (Hotel Tropical da
da Bahia) Tropical da Bahia) Almoço
das artes musicais
Bahia) por
adesão
16:30 Breque pro cafezinho
17:00 Sessão temática Sessões Sessões
especial : temáticas temáticas
18:00 Sessões
Relatos de Sessão de temáticas Assembléia da
experiência demonstrações, ABCM
Reitoria da UFBA

20:00 Concertos

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05/21 05/22 05/23 05/24 05/25
8:00 Credenciamento X X X X
Special
Key-note speech: Key-note Key-note speech: thematic
9:00 Opening speech: session:
session, Salão Aaron Williamon Maurício
Nobre da Royal College of Music José Zula de Loureiro Research
Reitoria da Oliveira UFMG in Music
UFBA USP

9:30 Artistic
Debate
presentation
10:00 Coffee-break
Key-note Round Round table: Round table: Round
10:30 speech: table: Aspects of Cognitive table: Music
Daniel Levitin Cognitive processes psycholinguisti processes of and social
McGill University of musical cs and composition and cognition
performance semiotics perception
12:30 Lunch
14:30 Round table: Thematic Thematic Thematic Closing
sessions sessions sessions session
Cognitive and
development and (Hotel Tropical (Hotel (Hotel Tropical
da Bahia) Tropical da da Bahia) Lunch
the musical arts
Bahia)
16:30 Coffee-break
17:00 Special thematic Thematic Thematic
session: sessions sessions
18:00 Thematic
Sharing Demonstrations, sessions Plenary session of
experiences Reitoria da UFBA ABCM 679

20:00 Recitals
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TERÇA-
SALA 01 SALA 02 SALA 03 SALA 04
FEIRA
O medo do A influência da
Reflecting upon desconhecido. família e da escola
tempo perception Musicoterapia Pesquisa em no
14:30 and its future andamento: a Desenvolvimento
perspectives: a Maria Angélica familiaridade com o do canto das
TEMA 01 review of issues Santos Oliveira inusitado no crianças de dois a
Eleni Lapidaki testemunho de seis anos de idade
pianistas Vivian Dell’
“destemidos”. Agnolo Barbosa
Zélia Chueke Beatriz Ilari
O Método Bonny
de Imagens A percepção do O pensamento
Incidence of stylistic Guiadas e
knowledge on sentido emocional da sincrético da
15:00 Músicas: a música performance musical criança: Henri
rhythm perception e os estados
Juan Fernando Anta – canto lírico medindo Wallon e uma
TEMA 01
Isabel Martinez alterados de a emoção facial. pesquisa de campo
Monica Valles consciência. António Salgado Beatriz de S Bessa
Thelma Alan Wing
Sydenstricker
Alvares
“Menos o olfato e o
Towards a
paladar, todos os
comprehensive Celebrando a outros sentidos são
theory of the vida com doces TEMA 04
necessários para o
emotional meaning canções trabalho em grupo”. A
of music: a The Brain’s
15:30 percepção dos
multimethodologica Virgínia Maria sentidos no Training in the
TEMA 01 l research approach Mendes Oliveira desenvolvimento da Improvement of
and some empirical Coronago performance Pitch and Tempo
findings Acuities
orquestral.
Olin Parker
Kari Kallinen
Glêsse Collet
Ricardo Dourado Freire
Do cálculo
Effects of musical inconsciente da alma: Sessão temática
characteristics and estrutura e desvios especial com o Prof.
16:00 listeners’ abilities on La conciencia
expressivos como Olin Parker:
figure identification: musical
critério de preferência
TEMA 01 I. The embedded Luc Delannoy
O Ensino da
musical
figures test. Psicologia da
Neta Spiro Ângelo Martingo
Música

16:30 Breque pro cafezinho


Investigação sobre Expertise,
Técnica
arquétipos musicais Incorporando a criatividade e
Alexander e
17:00 relacionados ao mente musical resolução de
cognição na
arquétipo do problemas em
pedagogia da Marcos Vinício Cunha
TEMA 02 Malandro em
performance música.
canções de Chico Nogueira Bernardo Grassi
musical
Buarque Patrícia F. Santiago
Christian H. Zimermann
Conhecimentos
musicais
Os principais envolvidos na
desconfortos físico- preparação do
posturais dos repertório “Can you beat it?” A
pianístico de três Resolução de
Flautistas e suas hierarchy of rhythm Problemas na
implicações no bacharelandos sob performance patterns
17:30 a ótica da matriz de Escolha de
estudo na for children ages six Repertório em Aula
TEMA 02 habilidades
performance da cognitivas em and seven years Prática de Violão
flauta música de Debbie Lynn Wolf
Milson Fireman
Marcelo Parizzi M. Davidson e Scripp
Fonseca
Regina Antunes
Teixeira dos
Santos
Liane Hentschke

18:00
Sessão de demonstração, Reitoria da UFBA. Fausto Borém e Edmundo Hora.

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QUARTA-
SALA 01 SALA 02 SALA 03 SALA 04
FEIRA
Cognição e corpo na Ansiedade de
Improvisação na performance musical Performance em
14:30 The mind-body
Música Clássica da Música – Causas,
connection and Patrícia Furst Santiago Sintomas e
Índia: Abdução e
TEMA 02 Significação
musician’s health Patrícia Lima M.
Estratégias de
Terri Mitchell Pederiva
José Luiz Martinez Enfrentamento
Carlos Alberto Fonseca
Musical sense-
making between
Repensando o sensory
aprendizado inicial experience and Contribuição do
de leitura e escrita symbolic aprendizado de Merleau-Ponty e a
15:00 musical a partir de computations: canções no sala-de-aula de
estudos de cognição enactive, desenvolvimento da piano
TEMA 03 linguagem verbal. Denise Andrade de
do ritmo ecosemiotic and
Darcy Alcântara Neto biosemiotic Luciane C. Simionato Freitas Martins
Cristina Tourinho
claims
Mark Reybrouck

As Funções da
Metáforas no ensino Linguagem Musical
de música: um The language of e o problema da
estudo de caso sobre Aspectos entoacionais
15:30 gestures in the da canção e o saber- compreensibilidad
o emprego de singing lesson e da Música
fazer cancional
TEMA 03 linguagem figurada Alessia Vitale Beatriz Raposo de segundo Mário de
em master class de Medeiros Andrade
violão Marcus Straubel Wolff
Ricieri Carlini Zorzal

16:00
LANÇAMENTO DE LIVROS E CDS

16:30 Breque pro cafezinho


Uma investigação Wagner, o artista
Gender equality
em cantores líricos enquanto filósofo e as Quando é música?
projects in
17:00 brasileiros: análise relações
popular music as
do fluxo expiratório interartísticas na obra
cultural and
TEMA 03 na emissão cantada
discursive de arte total - Caio Manoel Nocko
e falada de vogais do Gesamtkunstwerk
practice
português Cecilia Björck
Sylmara Cintra Pereira
Rita de Cássia F. Amato Márcio P. Noronha
Educação Musical e
Bringing order to
Motivação: uma
aesthetics in
O tempo musical sob school. Discursive revisão bibliográfica a
17:30 uma ótica narrativa partir da pirâmide de
positioning in
hierarquia das
TEMA 03 discussions with
necessidades de
Felipe Copetti Hickmann teachers and Fundamentos da
Abraham Maslow
head teachers Técnica de
Monica Lindgren Alexander
João Fortunato Q Júnior
Fatores do desempenho
e ação pianística. (Palestra)
“Reflexive
Estratégias
18:00 interaction” Patrícia F. Santiago
interdisciplinares para a
between children otimização do
TEMA 04 and musical systems. movimento – um
Anna Rita Adessi procedimento
experimental
Mª Bernardete Póvoas

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QUINTA-
SALA 01 SALA 02 SALA 03 SALA 04
FEIRA
A questão da Prática
Identidade local e o instrumental e
Music teachers’
Ensino Coletivo motivação: uma
knowledge and
utilizando Bandinha reflexão sobre a
social
Rítmica e Capoeira: A partilha social da possibilidade da
14:30 representations
música experiência de
Relatos de of music
TEMA 05 experiência em escola Rosemyriam Cunha fluxo
pública de Educação Anna Rita Addessi Rosane Cardoso de
Especial em Salvador- Felice Carugati Araújo
Patrizia Selleri Grace Filipak Torres
Bahia. Agnes Leimann Ilescas
Marcos dos S. Moreira
Henrique Trindade
Levels of
A utilização de attachment in Criatividade musical: Música:
15:00 modelos de western classical aproximações com as Linguagem
TEMA performance no singing lessons: idéias de Jean Piaget formadora de
ensino de the perception in José Nunes Fernandes
05/06 identidades sociais
instrumento musical singing
Paulo David A. Braga performance Auro Sanson Moura
Sofia A. Serra
A Criança e a música: Músicos e não- O desenvolvimento
as implicações da Natural and músicos: o da percepção do
música no learned schemata treinamento musical tempo em crianças
desenvolvimento in the musical influencia a atenção de dois a seis anos:
15:30 intelectual e expressions of visual? um estudo
emotivo infantil de Israeli-Arab Ana Carolina Oliveira e investigativo a
TEMA 06 kindergarten
zero a dois anos Rodrigues partir do canto
Carolina C. Gomes children: a case Leonor Bezerra Guerra espontâneo
Isaac Samir Melo study Maurício Alves Loureiro Maria Betânia Parizzi
Danilo César Guanais de Claudia Gluschankof
Oliveira
Children’s
Ação pianística, practice and Como ocorre o
desempenho e understanding of Children abilities to pensamento
16:00 controle do music: a series of conserve some basic criador musical no
movimento – uma teaching and sound parameters adulto
TEMA 06 perspectiva learning Elisabetta Piras Kristiane Munique
interdisciplinar strategies Costa e Costa
Maria Bernardete Tânia Lisboa
Castelan Povoas

16:30 Breque pro cafezinho

17:00 Assembléia Geral da ABCM

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Apresentações artísticas
Abertura
Salão Nobre da Reitoria da UFBa.
21 de maio de 2007, 9:30 horas
Mario Ulloa, violão

Encerramento
Salão Nobre da Reitoria da UFBa.
25 de maio de 2007, 11:45 horas

Tangos Chorados,
repertório de Tangos e Choros do início do séc.
XX com obras de Chiquinha Gonzaga, Ernesto
Nazareth, Zequinha de Abreu, Pixinguinha, Discepolo, Cuccaro e Matos Rodriguez.

Ricardo Dourado Freire, Clarineta (UnB) e


Henrique Neto, violão (Clube do Choro de Brasília)

Concertos Noturnos
.
21 de maio de 2007, 20:00 horas
Salão Nobre da Reitoria da UFBa
Tânia Lisboa, cello
Cristina Capparelli, piano

22 de maio de 2007, 20:00 horas


Salão Nobre da Reitoria da UFBa.
• Ângelo Martingo (piano)
• Terri Mitchell (flauta), Zélia Chueke (piano)

23 de maio de 2007, 20:00 horas


Teatro Castro Alves
Orquestra Sinfônica da Bahia

24 de maio de 2007, 20:00 horas


Salão Nobre da Reitoria da UFBa.
• GIMBA – Grupo de Intérpretes Musicais da Bahia
• Grupo de Música Eletroacústica da EMAC – UFG.
Direção: Anselmo Guerra

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Este livro foi publicado no formato 17x24cm
Com a fonte Myriad Roman no corpo do texto e títulos
Miolo em papel 75 g/m2
Tiragem: 500 exemplares
Impresso no setor de reprografia da EDUFBA
Impressão de capa e acabamento:
ESB Serviços Gráficos

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