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RAMOS, Jorge Abelardo. História da Nação Latino-americana. 1. ed. Florianópolis, SC: Editora
Insular, 2022. E-Book (ePub; 3,51 Mb). ISBN 978-85-524-0236-7.
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Agradeço a todos que contribuíram à edição desta magistral obra, em
particular minha profunda gratidão a Victor Ramos que a liberou para
publicação em língua portuguesa.
O Editor
Índice Geral
Apresentação
Jorge Coscia
Prefácio à 2ª edição
Waldir José Rampinelli
Introdução
I A Espanha cavalheiresca
1. Origens do particularismo espanhol
2. A nobreza enfrenta a monarquia nacional
3. A virada da história: 1492
4. A casa dos Áustrias no trono espanhol
5. A influência das Índias na Espanha
6.O regime servil
7. Estrangeirização do reino e ruína da indústria
8. Auge dos arbitristas
9. As classes improdutivas
10. O privilégio da Mesta
11. A Espanha que não viajou para as Índias
II Os astrônomos selvagens
1. Geografia ou História?
2. A hegemonia castelhana na conquista
3. Os segregados da Espanha na América
4. Os incas e astecas descobrem a Europa
5. A propriedade coletiva da terra
6. Toltecas, astecas e maias
7. Fim e começo
IX O Congresso do Panamá
1. A política do Chile e do Peru
2. Como os portenhos recebem o convite para o Congresso do Panamá
3. Rivadavia nega apoio ao Congresso
4. Um julgamento de Sucre sobre Buenos Aires
5. O separatista Mitre julga o unificador Bolívar
6. A reação do México
7. Ingleses e ianques na política mexicana
8. América Central e Chile e o Congresso
9. Um revolucionário brasileiro nos exércitos bolivarianos
10. Bolívar e o Dr. Francia
11. O isolamento do Paraguai
12. Os que foram ao congresso
13. As resoluções simbólicas
14. O triunfo de Canning
Epílogo
Índice Onomástico
Apresentação
Jorge Coscia
Secretário de Cultura da Nação Argentina
A apresentação de História da Nação Latino-americana, de Jorge Abelardo
Ramos, ao público do Brasil é o cumprimento de um objetivo por muitos anos
adiado e que, por fim, pode tornar-se realidade.
Pertenço a uma geração argentina que encontrou nesta obra — assim como
na intensa atividade política e literária de seu autor — o sentido e a explicação
deste continente e dos mais de quinhentos anos de luta, às vezes vitoriosa e às
vezes desafortunada, pela soberania, pela liberdade, pela dignidade e pelo bem-
estar de nossos povos.
Descobrir, aos vinte anos, a natureza continental de nossas guerras pela
Independência, a unidade que brotava de nosso passado e se projetava
necessariamente em nosso futuro, o grande projeto de San Martín, Bolívar,
O’Higgins, Artigas e Abreu e Lima partido em dezenas de fragmentos
insignificantes, foi um acontecimento espiritual que marcou para sempre nosso
pensamento e nosso compromisso político. Aprendemos, no momento de
iniciar nosso ingresso na política, que o principal objetivo dessa atividade devia
ser a restauração, nas condições de nossa época, daquela unidade perdida depois
da batalha de Ayacucho.
Neste livro, minha geração começou a compreender, na Argentina, a
história e as particularidades de nosso vizinho, o Brasil, que, ao contrário do
resto do continente, não sofrera o flagelo da balcanização. Longe disso, ele havia
mantido uma singular unidade estatal, não isenta de guerras civis, que dominou
seu extenso território.
A ideia central expressa no próprio título do livro é que a América Latina é
uma nação, no mesmo sentido em que Fichte falava da Nação Alemã ou
Napoleão da Nação Francesa. Isso implica que cada um de nossos pequenos
países — em comparação com o gigantesco projeto — são peças de um enorme
mosaico que já começamos a construir. O Brasil e a Argentina constituem, no
pensamento geopolítico de Juan Domingo Perón e no truncado projeto de
Getúlio Vargas, a pedra angular capaz de sustentar o conjunto do edifício. A
América espanhola e a América portuguesa são, em certo sentido, os herdeiros
do pensamento do Conde Duque de Olivares que, por mais de sessenta anos,
sustentou a unidade da Península Ibérica e, portanto, do Novo Mundo.
Tiveram que transcorrer mais de quarenta anos para que a obra de Jorge
Abelardo Ramos, de muitas vendas na Argentina dos anos 70, chegasse à terra
do Barão do Rio Branco, da mesma forma como a obra e o pensamento de
Darcy Ribeiro, Helio Jaguaribe ou Luiz Alberto Moniz Bandeira apenas nos
últimos anos começaram a transpor a débil barreira que separa o português do
espanhol.
E isso foi possível porque, por sorte ou por obra de nossos povos, muitas das
ideias propostas neste livro começaram a tornar-se realidade. O Mercosul e a
Unasul iniciaram uma revelação de sua potencialidade integradora. Pela
primeira vez, desde os tempos da Grande Colômbia, nós sul-americanos
estamos nos dando estruturas políticas e econômicas autônomas, sem que a
presença dos Estados Unidos interfira em nossas decisões soberanas.
Se o Centenário argentino, em 1910, foi a apoteose de nossa fragmentação e
debilidade, o Bicentenário de nossa Revolução de Maio é o reinício dessa
unidade perdida. Esta História da Nação Latino-americana nos oferece chaves
essenciais para fortalecer e consolidar esse processo, que deve ser irreversível. A
sobrevivência de nossos povos, de nossa singular cultura formada por aportes de
todos os lugares do mundo, de nossas matériasprimas e de nossos trabalhadores
industriais, é o que está em jogo. Jorge Abelardo Ramos soube ver isso há
quarenta anos e, seguramente, essa visão ajudará nosso mútuo entendimento e
colaboração.
Prefácio à 2ª edição1
***
O livro de Jorge Abelardo Ramos História da Nação Latino-americana, cuja
primeira edição apareceu em abril de 1968, mostra exatamente o ontem para
compreender o hoje, dentro de uma perspectiva da questão do nacional e do
marxismo. A história, como as outras ciências, será sempre incompleta se não
ajudar as pessoas a viver melhor. Ela tem obrigação de trabalhar em favor dos
homens e das mulheres, já que os homens e as mulheres são o objeto primeiro
de seu estudo. Por isso, Marc Bloch procurava “compreender o presente pelo
passado” e ao mesmo tempo entender “o passado pelo presente”. Dessa maneira,
abre-se uma perspectiva para o futuro. Esta visão ativa da história é
compartilhada em diversos modos e contextos intelectuais por pessoas como
Walter Benjamin, Antonio Gramsci, Carlo Ginzburg, Ranajit Guha, Laurence
Sterne e Bronislaw Malinowski. É o que faz Jorge Abelardo no seu valioso
trabalho citado acima, não sendo ele apenas um historiador, mas também um
homem do seu tempo, parecendo-se — como diz o provérbio árabe — muito
mais com sua época que com seus genitores. Por isso, três linhas fundamentais
perpassam a obra de Ramos: o marxismo, o peronismo e o antimitrismo.
Na História da Nação Latino-americana, o autor mostra como um “sistema
mundial”, que é o capitalismo, avança sobre a América Latina, levado pelos
conquistadores espanhóis e portugueses, capitaneados pela Inglaterra e
auxiliados por Holanda e França. O fato de a Espanha e Portugal terem chegado
primeiro à América, longe de robustecer a influência sobre suas burguesias nas
metrópoles, pelo contrário, dificultou a possibilidade de se liquidarem as
instituições de suas arcaicas sociedades, de exorcizar os particularismos feudais e
de estabelecer um sistema capitalista avançado na Península Ibérica e em seus
territórios ultramarinos ao nível dos tempos modernos, ou seja, do capitalismo
inglês. Na realidade, o século XVI pôs frente a frente uma Espanha na qual se
vivia um “feudalismo apodrecido” mesclado com um “capitalismo débil” contra
“um conjunto incoerente de sociedades, tribos e grupos étnicos”, cujas
expressões mais complexas deviam levar em conta combinações de despotismo
oriental com modalidades produtivas mais primitivas, ou seja, exemplos do
“modo de produção asiático”. Por isso, Espanha e Portugal converteram-se em
intermediários perniciosos entre as riquezas extraídas das colônias e o domínio
de Londres. Para Ramos, o capitalismo nacional não triunfou plenamente na
América Latina, já que sua principal característica ainda é o semicolonialismo.
Daí seu apoio aos movimentos nacionais populares com orientação
industrializadora.
As guerras civis pela independência, também chamadas de revoluções,
incorporaram os indígenas, os gauchos, os negros e os mestiços, dando ao
conflito um “caráter verdadeiramente popular”. Daí o autor falar em “luta de
classes na independência”. No entanto, uma vez vitoriosa a contenda, as “classes
perigosas” foram relegadas a um plano inferior, isto é, subalternizadas. Dois
objetivos eram buscados por esses movimentos armados: 1) impedir que a
América hispânica recaísse sob o jugo absolutista da metrópole e 2) conservar a
unidade política do sistema de vice-reinado sob a forma de uma Confederação
dos novos grandes Estados. Coube a Simón Bolívar, na Carta da Jamaica, dar
uma formulação categórica ao segundo ponto, conhecido como a “Pátria
Grande”, ao dizer que “é uma ideia grandiosa pretender formar de todo o
Mundo Novo uma só nação, com um só vínculo que ligue suas partes entre si e
com o todo. Já que o Mundo Novo tem uma origem, uma língua, costumes
comuns e uma religião, deveria, por conseguinte, ter um só governo que
confederasse os diferentes Estados a serem formados; mas isso não é possível,
porque climas remotos, situações diversas, interesses opostos, caracteres
dissímiles dividem a América. Que belo que o Istmo do Panamá fosse para nós o
que o de Corinto é para os gregos!”.
A autoconsciência da nação inconclusa é a denominação dada pelo autor à ruína
do plano bolivariano, implementada pelas oligarquias regionais — as mesmas
que haviam abastecido os exércitos dos libertadores com homens e recursos —,
tornando-se, posteriormente, contrárias à unificação, quando o livre-comércio
já estava garantido. As oligarquias atuaram como forças centrífugas, não
permitindo a formação de um Estado nacional autóctone e, por sua vez,
provocando um processo de balcanização, que no plano cultural revigora o
desconhecimento recíproco de que padecem ainda hoje os revolucionários
latino-americanos. Os projetos, conservador e liberal, que vão marcar a política
do século XIX na América Latina, são altamente elitistas e dependentes da
hegemonia inglesa. Para Jorge Abelardo Ramos, “a vitória final só será possível
com a Confederação de todos os Estados latino-americanos. Porém, essa
estratégia, que lança suas raízes no mais profundo de nossa história comum, tem
um nome moderno: socialismo; e designa um problema: a questão nacional”.
Para Ramos, a razão fundamental dos grandes problemas latino-americanos
está no fato de que a revolução da independência não cristalizou a unidade
nacional do subcontinente. Andrés Kozel2, estudioso da obra de Jorge Abelardo,
afirma que a explicação para o fracasso do projeto unificador inicial deve ser
buscado na “tremenda desproporção entre uma superestrutura ideológico-
jurídica (a projetada por Bolívar), e uma infraestrutura econômico-social
reduzida, escravagista e semiservil, controlada por terratenentes, donos de
escravos, consignatários e exportadores de matérias-primas (tabaco, café,
algodão, couros, anil etc.), isolados entre si e vinculados em separado ao
mercado mundial. Irremissivelmente localistas e ligados estreitamente aos
interesses das potências protoimperialistas (especialmente a Grã-Bretanha),
estes setores buscaram, em cada caso, estabelecer tarifas alfandegárias específicas
e regimes políticos em conformidade com seus privilégios, contribuindo assim
de maneira decisiva ao processo de fragmentação. Em cada oligarquia regional,
Ramos parece estar vendo a oligarquia do porto de Buenos Aires: Santander,
Páez, Olañeta e tantos outros são figuras homólogas a Rivadavia...
O processo de formação do mercado mundial, juntamente com o ciclo de
expansão do capital central, incorporou regiões da América Latina ao seu raio
de ação, especialmente partes de alguns países que ofereciam matériasprimas
que lhes interessavam para o processo de acumulação, preparando, desse modo,
o caminho para as rupturas. As grandes greves de operários, mineiros,
ferroviários e camponeses por melhorias salariais, laborais e organizacionais
foram reprimidas violentamente pelos exércitos das oligarquias, com o apoio do
capitalismo internacional. A greve dos trabalhadores de Cananea (México-
1906), a dos mineiros de Iquique (Chile-1907), a dos operários de Río Blanco
(México-1907), a dos ferroviários de São Luís Potosí (México-1907) e a dos
camponeses bananeiros de Tegucigalpa (Honduras1954) são apenas alguns dos
exemplos mais conhecidos de um verdadeiro massacre. Cidades essas doloridas
até hoje, já que foram “alisadas pelo silêncio e pela morte”, nas palavras de Julio
Cortázar. Não por acaso, os mineiros chilenos disseram a Pablo Neruda: “aonde
fores, fala destes tormentos, fala tu, irmão, de teu irmão que vive embaixo, no
inferno”, mesmo sendo o “Chile, Metal e Céu”. Apesar de tudo, as greves do
México foram os movimentos precursores da Revolução Mexicana, sendo a de
Cananea contada pelo muralista David Alfaro Siqueiros; a do Chile abriu
caminho para a “República Socialista” de 1932 — liderada por Marmaduque
Grove —, concretizada no governo marxista de Salvador Allende em 1970 e
imortalizada em Hijo del Salitre, por Volodia Teitelboim; a de Honduras deu na
constituição do Código do Trabalho, em uma região em que a empresa
multinacional United Fruit Company atuava como um Estado dentro de outro.
Jorge Abelardo Ramos e Adolfo Gilly, ao analisarem a Revolução Mexicana,
concordam que os “focos de civilização” e o desenvolvimento desarmonioso do
capitalismo geraram grandes contradições internas no país, levando-o a um
processo de radicalização. As estradas de ferro, símbolos da modernidade
conservadora, construídas com o objetivo de escoar uma economia primário-
exportadora para o mercado internacional, trouxeram de volta sobre os trilhos
os soldados camponeses indígenas de Pancho Villa e Emiliano Zapata. A
Mexicana foi a primeira revolução social do século XX, marcada por um caráter
agrarista, nacionalista, anti-imperialista e, inclusive, anticapitalista, provocada
por um acelerado desenvolvimento desigual do capitalismo. Para a América
Latina, a Revolução Mexicana é o que foi a Francesa para a Europa, com toda a
sua ambiguidade, mas também com suas promessas. Afinal, a hegemonia da
oligarquia foi substituída pela da burguesia agrária, depois de vencer a
camponesa, marcando o início da época contemporânea na região. No entanto
não se pode esquecer que esta Revolução, mais que a Porfirio Díaz, derrotou a
Emiliano Zapata. O México profundo (indígena, civilização meso-americana),
segundo Guillermo Bonfil Batalla, vem enfrentando há 500 anos o México
imaginário (ocidental, civilização europeia). Embora os dois, por razões diversas
e próprias, tenham participado do conflito de 1910, coube ao segundo se utilizar
da estratégia da mestiçagem, com base na teoria do indigenismo, para manter os
povos originários em uma posição de subalternidade na história do século XX.
Jorge Abelardo Ramos, neste livro, analisa a história da nação latino-
americana dentro da perspectiva da revolução, da luta de classes e do socialismo,
aliando esses conceitos com o bolivarianismo, com a questão nacional e com o
marxismo. A América Latina, nessa grande marcha por sua emancipação, só
poderá avançar sob os auspícios do projeto bolivariano e da bandeira do
marxismo. “Impõe-se reunir Marx com Bolívar”, ou seja, um “marxismo
bolivariano”, latino-americanizando o marxismo e marxistizando a América
Latina. “Um século depois da publicação de O Capital, para os latino-americanos
Bolívar e Marx já não poderão estar separados por força alguma.” Ramos chega
a afirmar que “expor as razões de tão curiosa fusão foi o propósito desta História
da Nação Latino-americana.’ Possivelmente, ele tenha sido o primeiro historiador
a trabalhar estes dois conceitos em tão profunda conexão.
O exemplo vitorioso é a Revolução Cubana, que acaba de completar 50 anos.
Fidel Castro sempre defendeu a concepção de revolução não como evento, mas
sim como o resultado de um processo de longa duração. Perguntado por Ignácio
Ramonet3 quando começou a Revolução, respondeu que em 10 de outubro de
1868, início da Guerra dos Dez Anos contra o colonialismo espanhol. Preso e
interrogado logo após o assalto ao quartel Moncada, disse que o autor
intelectual daquela façanha havia sido José Martí, revolucionário cubano morto
em 1895, em luta pela independência de Cuba. Portanto, não fora o Movimento
26 de Julho que criara as condições para desencadear o processo revolucionário,
mas sim as circunstâncias históricas que marcaram a vida dos cubanos por mais
de cem anos. Entre elas, o desenvolvimento de um capitalismo dependente, o
mais avançado do Caribe e um dos mais progressistas da América Latina,
caracterizado pelo impacto secular do colonialismo espanhol, seguido da
exploração do imperialismo estadunidense. Daí a afirmação de Jorge Ramos de
que os revolucionários cubanos não participavam da concepção de Régis Debray
de que os latino-americanos deveriam “livrar-se de seu passado”. Trata-se
justamente do contrário, já que temos um grande passado histórico, com
grandes lutas revolucionárias que precederam as atuais conquistas. “Não vamos
renunciar a esse passado por ignorância nem por soberba.”
A emancipação deste continente reside, portanto, no conhecimento de sua
história e na implementação de seu grande projeto, que é a formação dos
“Estados Unidos Socialistas da América Latina”. É o que o autor faz ao longo
deste grande trabalho.
No entanto, para que esta grande meta seja alcançada, a América Profunda
precisa ser respeitada e aceita pela América Imaginária. Embora Ramos não tenha
nenhuma idealização do passado pré-hispânico, cabe lembrar que uma nação
etnicamente e culturalmente plural exige a superação e a anulação de toda
estrutura de poder que implique a dominação de um grupo sobre o outro. É
preciso aprender a ver o Ocidente desde a América, ao invés de continuar vendo
a América desde o Ocidente. Sem a autonomia das comunidades indígenas e a
recriação de estruturas sociais mais amplas — o Estado — que permitam a
realização e a vivência de culturas originais reclusas, jamais se chegará a uma
verdadeira emancipação do continente latino-americano.
A Editora Insular, com uma história de dezoito anos, traduz e publica uma
obra que vai fazer escola entre os estudantes dos cursos de história, ciências
sociais e políticas, sociologia, antropologia, serviço social, relações
internacionais e economia, assim como interessará a qualquer pessoa ligada à
nação latino-americana. Isso por que foi escrita por um Mestre. Sem dúvida,
uma grande obra, para um grande público, feita por uma editora que marcará a
história das publicações sobre a América Latina no Brasil.
***
A Espanha cavalheiresca
9. As classes improdutivas
O clima torna-se mais seco e árido. A Espanha está mais desolada que nunca.
Não é de espantar que a população decresça verticalmente, em três séculos, de
uns 10 milhões de habitantes para 5 milhões.60 Os que não emigram por fome
incorporam-se aos exércitos que lutam em toda Europa, se lançam para as
Índias, morrem em terra estranha ou se radicam para trabalhar onde podem. Em
certo período, a emigração anual chega a até 40 mil homens jovens. Os
espanhóis que ficam têm, no entanto, um recurso final: se refugiarem na
penumbra de um convento ou se entregar à mendicância.
É o grande tema da história da Espanha. Já nas Cortes de 1518 e 1523,
suplicavam ao bondoso Carlos V que “não andassem os pobres pelo reino, mas
que cada um pedisse esmola no seu povoado de origem”.61
Os ricos, diz Colmeiro, gozavam do lazer “das rendas das casas e terras” e os
fidalgos pobres
(...) remediavam a sua necessidade acolhendo-se à igreja com a esperança da prebenda ou da mitra
ou seguiam a profissão das armas, para, talvez, alcançarem uma modesta pensão como prêmio dos
seus bons serviços nas campanhas da Itália ou de Flandres.62
Na Espanha havia tantos fidalgos, que províncias inteiras “brasonavam de
fidalguia”. Um autor conta que os mendigos de ofício celebravam suas juntas à
maneira de confrarias, onde faziam “seus acertos e repartimentos”. Na vila de
Mallen, se reuniram numa certa oportunidade três mil mendigos, homens e
mulheres, que celebraram uma espécie de congresso, com grandes gastos e
festas. Não faltavam na França, Alemanha, Itália e Flandres pernetas, mancos,
aleijados ou cegos que não fossem à Castela para mendigar, “por ser grande a
caridade e grossa a moeda”.
Ao redor de 70 mil indigentes passavam a cada ano pela Espanha. E tão
lucrativa era a temporada “alta” como a “baixa”. No século XVII, calculava-se que
havia na Espanha 60 mil pobres legítimos, 200 mil vagabundos que viviam de
esmola e “2 milhões que não ganhavam nada, por falta de emprego ou pela sua
inclinação para a ociosidade”.
Perante essa situação, o Estado botou ordem e estabeleceu uma polícia de
mendigos. A agonia espanhola tinha colocado à prova a vontade de sobreviver a
qualquer custo. Havia mendigos que fingiam um sem número de doenças ou
imundas feridas. Outros, enfim, “torciam os pés, inchavam as pernas, se
desconjuntavam os braços e com ervas se abriam chagas asquerosas para
sensibilizar os corações mais insensíveis e se alguma pessoa, com pena, oferecia-
se para ajudá-los e curá-los, respondiam: ‘Não queira Deus que tal coisa
consinta, que a ferida do braço é uma Índia e a da perna um Peru!’.”63
Alguns pais cuidadosos do futuro de seus filhos cegavam ou aleijavam os
recém-nascidos “para que os ajudassem a juntar dinheiro e ficassem com aqueles
(...) benefícios após sua morte bem herdados”.64
Entre os vagabundos e miseráveis da altiva Espanha cavalheiresca, podiam
distinguir-se em algum canto de alguma taberna oficiais de gabinete e leguleios,
“ouvidores de roupas largas e mangas arrocadas”,65 junto a estudantes sujos,
sarnosos e famintos e filósofos cobertos com farrapos.
Daquela admirável Espanha de ferro que descobriu a América e recebeu este
prêmio, só acrescentamos que o mais ilustre de seus filhos era um aventureiro
fracassado de 58 anos, que concebeu a sua obra-prima na prisão, enquanto
purgava o crime de uma dívida. Em 1590, haviam rejeitado seu pedido de um
dos quatro cargos vagos nas Índias. Naquele cubículo de presídio, nasceu Dom
Quixote e seu triste riso é a sátira feroz do fidalgo que não pôde viajar para a
América e ficou na Espanha para retratá-la.
1 Conferir Ferran Soldevila, Historia de España, T IV, Ed. Ariel, Barcelona, 1959; Rafael Altamira,
Historia de España y de la civilización española, T III, Barcelona, 1913.
2 J. P. Oliveira Martins, Historia de la civilización ibérica, p. 189, Ed. El Ateneo, Buenos Aires, 1951.
3 Karl Marx, La revolución española, p. 8, Ed. en lenguas extranjeras, Moscú.
4 Ibid., p. 13.
5 J.H. Elliott, La España imperial, p. 15, Ed. Vicens-Vives, Barcelona, 1969.
6 Ibid.
7 Ibid.
8 Manuel Ballesteros Gaibrois, Isabel de Castilla, Reina Católica de Espana, p. 104, Ed. Nacional, 2a
ed., Madrid, 1970.
9 Ibid.
10 N.E. Na Espanha e em Portugal, designação injuriosa que se dava outrora aos mouros e especialmente
aos judeus batizados, suspeitos de se conservarem leais ao judaísmo, hoje significa “porco”.
11 Inventário dos livros da rainha Dona Isabel, que estavam no Alcázar de Segóvia a cargo de Rodrigo de
Tordesillas, vizinho e regedor da dita cidade no ano de 1503. Ver Manuel Ballesteros Gaibrois, op. cit., p.
211. Em dito inventário, preparado por mão inábil, o livro do perigoso Bocaccio aparece sem título, ainda
que o meticuloso catalogador nos informe que a obra está encadernada com tábuas de couro vermelho “e
duas fechaduras de zinco em cada tábua com cinco pregos grandes de zinco”.
12 Ibid.
13 Alberto M. Salas, Tres cronistas de Índias, p. 28, Ed. Fondo de Cultura Económica, 1986, México.
14 Carlos Blanco Aguinaga, Julio Rodríguez Puértolas, Iirs M. Zavala, Historia social de la literatura
española, Volume 1, p. 216, Ed. Castalia, Madrid, 1979.
15 José L. Lopid, Miguel Ferrer, España, literaturas castellana, catalana y vascuence, p. 196, Ed.
Daimon, Barcelona, 1977.
16 Ver J. Vicens Vives, Historia de España y América, social y económica. Volumen 2, p. 359, Ed.
Vicens Vives.
17 Vicens Vives, op. cit. Ver Elliott, op. cit. p. 81.
18 Pierre Vilar, La Catalogne dans l’Espagne moderne, Recherches sur les fondaments
économiques des estructures nationales, p. 573, tomo I SEVPEN, París, 1962; Rodolfo Puiggrós, La
España que conquistó el Nuevo Mundo, p. 40, Ed. Siglo Veinte.
19 Ver Elliott, op. cit., p. 90.
20 Ibid.
21 Os reis católicos ordenaram que o comércio de estrangeiros que se efetivava pelo Senhorio de Vizcaya
retirasse seu valor em gêneros e frutos do reino, proibindo a extração do ouro e da prata em pasta, louça ou
moeda.
22 Ver C. Brockelmann, Histoire des peuples et des états islamiques, depuis les origines jusqu’à nos
jours, Payot, Paris, 1949; y Colonel Lamouche, Histoire de la Turquie, Payot, Paris, 1934; Cari
Grimberg, Le déclin du Moyen Age et la Renaissance, Histoire Universetie, Vol. V Marabout
Université, Verviers.
23 Ibid., p. 96.
24 Ballesteros Gaibrois, op. cit., p. 138; Vicens Vives, op. cit., p. 363; Elliott, op. cit., p. 113.
25 Elliott, op. cit., p 110.
26 N.E. Jovens fidalgos com poderes e riquezas deteriorados pelo tempo.
27 Aguinaga, Puértolas, Zavala española, op. cit., p. 118.
28 A monarquia, pragmática, ordenou a expulsão de todos os mouros adultos não convertidos. Produziu-se
então a curiosa situação em que a grande maioria muçulmana, em particular os camponeses e classes sociais
muito humildes, se converteram de fato ao cristianismo.
29 No entanto, na Catalunha, centro manufatureiro moderno da Espanha, no final do século XV a “guerra
social” obtém algumas vantagens para os camponeses, de ordem puramente política. Acabam os “maus
usos”, a “remessa”, e os maus tratos pessoais. Ver Vilar, op. cit., T. I, p. 509.
30 Carlos V “oi a espada do Catolicismo contra a Reforma”, disse Carlos Pereira, Breve História de
América, p. 301. 4a ed., Ed. Aguilar, México, 1958. Em outras palavras, encarnou a contrarreforma feudal
contra a secularização religiosa do capitalismo europeu.
31 Marx, op. cit., p. 9.
32 G. Renard, G. Weulersse, Historia económica de la Europa moderna, p. 15, Ed. Argos. Buenos
Aires, 1950.
33 Regine Pernoud, Histoire de la bourgeoise en France, p. 378, T. I, Ed. du Seuil, París 1960. Podem
ser consultadas estatísticas sobre o ouro e a prata extraídos das Índias, em Clarence H. Haring, O Império
Hispánico en América, p. 273, Ed. Hachette, Buenos Aires, 1966; em J. Vicens Vives, Historia social y
económica de España y América, T IV, Ed. Teide, Barcelona, 1957; e em José Larraz, La época del
mercantilismo en Castela, Madrid, 1944.
34 Manuel Colmeiro, Historia de la economía política en España, T II, p. 1027, Ed. Taurus, Madrid,
1965. Francisco de Quevedo y Villegas esccrvia que o dinlieiro “nascc nas índias honrado e é em Gênova
enterrado”.
35 O ducado valia na Espanha 375 maravedis e o escudo 350. O peso da prata das colônias avaliava-se em
272 maravedis e o peso do ouro em 450.
36 “Enquanto abundavam os metais preciosos na França e Holanda, faltavam entre nós” (Colmeiro). Dizia-
se na época que a Espanha era o paladar da Europa, porque provava os metais preciosos, mas os demais
reinos eram o estômago, pois se nutriam com a substância. “Se vais a Gênova, Roma, Amberes, Nápoles ou
Veneza, se dizia, vereis na rua dos banqueiros e cambistas, sem exagero, tantos montões de escudos
cunhados em Sevilha, como há em San Salvador ou em Arenal, melões”. Um autor da época, Ceballos,
disse: “E assim não se acha já na Espanha moeda de ouro nem de prata, porque com a mercadoria que vem
de fora retiram-nas” (Colmeiro, p. 1031).
37 “A Espanha se converteu em distribuidora na Europa da riqueza metalizada da América, pois produzia
pouco e fabricava menos. Na maior prosperidade e a despeito de todas as leis, o dinheiro fugia do país. As
manufaturas e também os cereais a Espanha recebia-os da França, Inglaterra e Holanda, onde iam parar o
ouro e a prata em troca”: C. H. Haring, El comercio y la navegación entre España y las Índias en
época de los Habsburgos, p. 204, París-Brujas, Desclée De Brouwer, 1939.
38 Sob os Habsburgos, o comércio exterior da Espanha, em particular o comércio com as Índias, cai em
mãos dos europeus pertencentes às nações capitalistas. No fim do século XVII, os franceses controlam 25%
do comércio com as Índias, os genoveses 22%, os holandeses 20%, os ingleses 10%, os alemães 8% e os
orgulhosos espanhóis, donos do império, só 5%. Ver Los siglos XVI y XVII, Roland Mousnier, T. IV p.
308, Ed. Destino, Barcelona, 1959.
39 Ver Vicens Vives, op. cit.,T. III, p. 35.
40 Rodolfo Puiggrós, Historia crítica de los partidos políticos argentinos, p. 273, Ed. Argumentos,
Buenos Aires, 1957. Nessa época, no entanto, já governava a Espanha Carlos III, que declarou que as artes
manuais “não aviltavam nem prejudicavam as prerrogativas da fidalguia”.
41 Ver Vilar, op. cit.; Altamira, Manual de Historia de España, p. 289, Ed. Sudamericana, Buenos Aires,
1946; Puiggrós, La España que conquistó el Nuevo Mundo, p. 46.
42 Colmeiro, op. cit., T. II, p. 776.
43 Ibid., p. 769.
44 Thomas Hope, Torquemada, p. 83, Ed. Losada, Buenos Aires, 1946.
45 A Espanha havia se convertido “em uma espécie de colônia econômica francesa pelo regime livre-
cambista da paz dos Pirineus (1659)”, disse Mousnier, op. cit., p. 310. O arbitrista, em sua obra Abusos de
las rentas reales, afirma que as demais nações tratavam a Espanha “como as Índias da Europa”.
46 Já as repúblicas italianas medievais protegiam seu comércio exterior e sua indústria estabelecendo
impostos, proibindo os artífices, sob pena de morte, e concedendo grandes privilégios à navegação.
Conferir Colmeiro, op. cit., p. 783; e Federico List, Sistema nacional de la economia política, p. 23, Ed.
Aguilar, Madrid. 1955.
47 Colmeiro, op. cit., p. 843.
48 Geraldo Brennan, El laberinto español, p. 11, Ed. Ruedo Ibérico, París, 1962.
49 Altamira, op. cit., p. 384.
50 Vicens Vives, op. cit., T. III, p. 23.
51 Ibid.
52 Elliott, op. cit., p. 115-116.
53 No final do reinado de Felipe II, não se encontrava dinheiro na Espanha a 30%, enquanto no resto da
Europa não se pagava nem 3%: Alvaro Florez Estrada, Examen imparcial de las disensiones de la
América con la España, de los medios de su reconciliación, y de la prosperidad de todas las
naciones, p. 87, 2a Ed., Cádiz, 1812.
54 Ver Vicens Vives, op. cit., T. III. Em meados do século XVI, compraram-se na Espanha 1.500 vassalos
por 150 mil ducados, ou seja, à razão de 100 ducados por cabeça. Em Sevilha e Lisboa havia mercados de
escravos brancos, sérvios e outros escravos.
55 José María Pemán, Breve historia de España, Ed. Cultura Hispánica, Madrid, 1950, p. 210.
56 Rómulo D. Carbia, Historia de la leyenda negra hispanoamericana, Ed. del Consejo de la
Hispanidad, Madrid, 1944; e Vicente D. Sierra, El sentido misional de la conquista de América, p. 468.
Ed. del Consejo de la Hispanidad, Madrid.
57 Renard, Weulersse, op. cit., p. 44.
58 Colmeiro, op. cit., p. 749.
59 Ibid.
60 A Inglaterra, pelo contrário, havia dobrado sua população no mesmo período: de 2,5 milhões para
milhões em 1700.
61 Os mendigos “reconhecidos” estavam munidos de uma “licença” outorgada pelo padre de seu lugar de
origem, que lhes permitia pedir esmolas em um raio de seis léguas ao redor. Os esmoleiros privilegiados
eram os cegos, agrupados em confrarias. Se algum deles caía enfermo, a confraria pedia esmola em seu
nome aos protetores habituais, “para que tal devoção dos ditos paroquianos não se venha a perder”. Ver
Marcelin Defourneaux, La vida cotidiana de España en el Siglo de Oro, p. 262, Ed. Hachette, Buenos
Aires.
62 Colmeiro, op. cit., p. 605. Em um manuscrito anônimo do século VIII, vale dizer, na época de luta contra
o mouro, lê-se o seguinte: “O folgar é coisa muito usada na Espanha, e o uso do ofício muito desestimado, e
muitos querem mais se manter de ter tabuleiro de jogo em sua casa ou de coisa semelhante que usar um
ofício mecânico, porque dizem que por isso perdem o privilégio da fidalguia, e não pelo outro”.
63 Colmeiro, op. cit., p. 597.
64 Ibid.
65 Soldevila, op. cit., p. 61. “Em Sevilha, especialmente, era maroto ou amarotado quando menos até o ar
que se respirava”.
Capítulo II
Os astrônomos selvagens
Todos aqueles que diferem dos demais tanto como o corpo da alma ou
o animal do homem (e têm esta disposição todos aqueles cujo
rendimento é o uso do corpo, isso é o melhor que podem aportar) são
escravos por natureza.
Aristóteles
1. Geografia ou História?
7. Fim e começo
1 Georg Wilhelm Friedrich Hegel, Lecciones de filosofia de la historia universal, p. 176, Ed.
Anaconda, Buenos Aires, 1946. Só mediante a linguagem hegeliana é possível admitir a identificação do
arcabuz de Pizarro, o cuidador de porcos, com o “Espírito”.
2 Do “Diário do Descobrimento”, citado por Pedro Henríquez Ureña, Las corrientes literarias en la
América Hispánica, p. 12, Ed. Fondo de Cultura Económica, México, 1964.
3 N.E. Autoridade máxima do território.
4 J. M. Ots Capdequi, El Estado español en las Índias, p. 17, Ed. Fondo de Cultura Económica, México,
1965.
5 Miguel Luis Amunátegui, La crónica de 1810, p. 8, Santiago de Chile, 1911. Depois, começou a
emigração da “gente comum ou vulgar”: durante o século XVIII, passavam para as Índias 14 mil espanhóis
por ano. Ver Colmeiro, op. cit., p. 968.
6 Amunátegui, op. cit., p. 8.
7 Em 1681, emigraram mil espanhóis em uma só viagem, por “não poder viver na Espanha”: Renard,
Weulersse, op. cit., p. 44.
8 Colmeiro, op. cit., p. 987.
9 Conferir Puiggrós, Ots Capdequi e Vilar, op. cit.
10 A. Hyatt Verril, Viejas civilizaciones en el Nuevo Mundo, p. 294, Ed. Argonauta, Buenos Aires,
1947.
11 Ibid., p. 55.
12 Louis Baudin, El imperio socialista de los incas, p. 341, Ed. Zig-zag, Santiago de Chile, 1945.
13 Frederico Engels, El origen de la familia, la propiedad privada y el Estado, p. 196, Ed.
Lenguas Extrangeras. Moscú, 1955. Um ponto de vista menos egocéntrico pode ser estudado em Racismo
e Historia, de Claude Lévi-Strauss, Antropología Estructural, Vol. II, Ed. Eudeba.
14 Mariano Picón-Salas, De la conquista a la independencia, p. 58, Ed. Fondo de Cultura Económica,
México, 1965.
15 N.E. Pequena extensão de terra administrada por família inca.
16 A aparição e desaparição do debate sobre o modo de produção asiático possuem uma curiosa história,
que não cabe examinar aqui. Constituem um dos aspectos menos conhecidos da decadência do pensamento
marxista, durante o ciclo stalinista, as curiosas vicissitudes sofridas pela categoria do modo de produção
asiático. O ex-comunista Karl A. Wittfogel est.udou o problema do ângulo reacionário. Com as devidas
reservas, é possível consultar alguns elementos de juízo a respeito da discussão na Internacional Comunista
em 1931, no citado autor: Despotismo oriental, p. 454, Ed. Guadarrama, Madrid, 1964. Tanto Eric J.
Hobsbawn, na sua introdução a Formações econômicas pré-capitalistas, de Marx, Ed. Platina, Buenos
Aires, 1965, como Maurice Godelier, no seu estudo preliminar para a antologia de textos de Marx e Engels
(Modo de produção asiático, Ed. Eudecor, Córdoba, 1966), reatualizaram a importante questão. O
eurocentrismo capitalista supunha tradicionalmente que a história da Humanidade deveria reproduzir
naturalmente todas as fases, pelas quais tinha atravessado a evolução da Europa, o continente e xemplar.
Grande parte da historiografia marxista inclinou-se para discutir essa tradição, mas não o próprio Marx. A
possibilidade de desenvolvimentos históricos originados nos países excêntricos aparece sugerida na
categoria do “Modo de produção asiático”. Da mesma forma, a discussão desse problema desenvolve a
hipótese de uma evolução da comunidade primitiva para o feudalismo, sem passar pela fase da escravidão.
Postula-se a viabilidade contemporânea de uma transformação dessas comunidades em organizações
próximas ao socialismo, sem a necessidade rigorosa de “suicidar-se para se renovar”, como assinala Marx a
Vera Zasulich, a respeito da comuna russa. Sob esse mesmo aspecto, cabe assinalar as opiniões de Leon
Trotski sobre a provável evolução das comunidades indígenas da Bolívia dentro de um regime socialista,
que figuram no livro de Alfredo Sanjinés, La reforma agraria en Bolívia, p. 21, 2a ed. La paz, 1945.
17 N.E. Expressão da obra Tristana, de Benito Pérez Galdós.
18 “Sobre as ruínas e os resíduos de uma economia socialista, lançaram as bases de uma economia feudal”:
José Carlos Mariátegui, Siete ensayos de interpretación de la realidad peruana, p. 10 V. II, de Obras
Completas, Ed. Amauta, Lima, 1959. Exceto por esse juízo errado, essa obra é uma das raras contribuições
originais do socialismo latino-americano.
19 Com o objetivo de desacreditar o socialismo, identificando-o com o stalinismo, o professor Louis
Baudin qualifica como tal o regime incaico. Seu livro, há que se admitir, é mais útil que as ideias políticas
do seu autor.
20 N.E. Instrumento usado para comunicação, feito da união de cordões com diversos nós e cores, para
suprir a falta de escrita.
21 Com maior razão, poderiam ser considerados precursores da historiografia stalinista da União Soviética,
cujo governo preferia suprimir dos anais os seus adversários, quando temia polemizar com seus livros,
depois de ter fuzilado os autores. Como se vê, não há nada de novo abaixo do sol, seja o Sol incaico ou seja
aquele “sol pai dos povos”, como se chamava nos seus dias Stalin, hoje também apagado do “quipu
burocrático”.
22 Baudin, op. cit, p. 15, e Salvador Canais Frau, Las civilizaciones prehistóricas de América, p. 326,
Ed. Sudamericana, Buenos Aires, 1959.
23 Walter Krickeberg, Las antíguas culturas mexicanas, p. 16 e ss., Ed. Fondo de Cultura Económica,
México 1961.
24 Bernal Díaz de Castillo, Historia verdadera de la conquista de la Nueva Espana, p. 202, em
25 Crónicas de las culturas precolombinas, Ed. Fondo de Cultura Económica, México, 1963.
26 Verril, op. cit.; Krickeberg, op. cit.
Picón-Salas, op. cit., p. 57.
27 Krickegerg, op. cit., p. 35.
28 Carlos Malpica, Crónica del hambre en el Perú, p. 38, Francisco Moncloa Editores, S. A. Lima, 1966.
29 Salvador Cañáis Frau, Las civilizaciones prehispánicas de América, p. 417, Editora Sudamericana.
30 Karl A. Wittfogel estabelece uma estreita correlação entre os conhecimentos matemáticos e
astronômicos e as necessidades das primitivas comunidades agrárias de vigiar exatamente a redistribuição
dos campos inundados, medir as estações, controlar os ciclos anuais e contar com um calendário exato para
prever catástrofes naturais. Heródoto atribuiu os começos da geometria no Egito à necessidade de medir,
cada ano, a terra inundada. Ver Karl A. Wittfogel, Despotismo oriental, p. 49, Ed. Guadarrama, Madrid,
1964.
31 Ver Edmundo O’Gorman, La invención de América, Ed. Fondo de Cultura Económica, México,
1958.
Capítulo III
2. A política colonizadora
6. As classes rentistas
Além disso, os hábeis irmãos tinham se iniciado nas finanças e nos negócios.
Desgraçadamente, as suas especulações acabaram numa catástrofe. A bancarrota
do padre jesuíta La Vallette arrastou consigo as fortunas e poupanças de
milhares de investidores da classe média francesa, que tinham depositado seus
capitais nas mãos de La Vallette, na boa fé de que se tratava da Companhia de
Jesus. Diante da quebra, a Companhia negou qualquer vínculo e o seu prestígio
sofreu um duro golpe. O parlamento de Paris condenou a Companhia; do
mesmo modo, a punhalada recebida por Luís XV foi atribuída aos jesuítas.
Em meados do século XVIII, o conflito se tornou bruscamente agudo; a
universalização do capitalismo e da nação burguesa abraçava já as principais
nações católicas. Tratava-se, definitivamente, de consolidar os direitos da
monarquia absoluta pela centralização do poder nacional, face à tentativa dos
jesuítas de conservar os poderes papais com a ajuda da nobreza. O dilema não
oferecia dúvidas.
A Companhia se propôs a derrubar Carlos III, pois o monarca governava
com o núcleo de homens da Ilustração burguesa, todos católicos, porém
nacionalistas, ao contrário dos jesuítas, que reuniam ao seu redor os
ultramontanistas feudalizantes, muito mais interessados na unidade católica da
Europa, capaz de manter intactos os interesses da nobreza dentro da Espanha,
do que dispostos a aceitar a unidade nacional do Estado espanhol. A unidade
nacional significava para a nobreza o começo da sua ruína. A atividade jesuítica
se destacava também em Portugal, na França, Nápoles e Parma, em suma, nos
países mais católicos da Europa.
O padre Gabriel Maladriga e outros jesuítas tinham sido executados em
Portugal, devido a uma tentativa de assassinato, que lhes foi atribuída, contra o
rei José I. Finalmente, descobriu-se uma carta do general da ordem, padre
Lorenzo Ricci, tia qiud teeitava provar a tiegiiímiidade (dCardo III, por ser filho
de adultério.57 As convulsões incitadas pelos jesuítas no mundo dos
desclassificados, dos mendigos, ladrões e prostitutas dos subúrbios madrilenhos
contra Carlos III, além da célebre carta aludida, culminaram com um decreto de
expulsão da Companhia, que foi seguido pelas principais cortes europeias e
estendeu-se, também, às missões jesuíticas nas Índias.
Dos 170 vice-reis nomeados nas Índias durante três séculos, somente quatro
haviam nascido na América. Dos 602 capitães gerais, presidentes e
governadores, apenas 14 eram crioulos. Da mesma forma, num total de 706
bispos, somente 105 crioulos obtiveram a mitra.69 “O mais miserável europeu”,
escrevia Humboldt, “sem educação e sem cultivo do seu entendimento, se acha
superior aos brancos nascidos no novo continente”.70
Dois anos antes da Revolução Francesa, o bispo de Córdoba, José Antonio
de San Alberto, escrevia ao marquês de Sonora, José de Gálvez: “Sempre serei de
opinião de que não convém nem à religião, nem ao Estado que para bispados e
arcebispados sejam escolhidos sujeitos nascidos e criados nestas terras”.71
Na milícia, as diferenças não eram menores. Um coronel espanhol ganhava
250 pesos e um coronel chileno 50 pesos. Um tenente-coronel espanhol, 185
pesos; um oficial chileno, da mesma patente, 46 pesos.72 Esses brancos crioulos,
latifundiários iluministas, oficiais postergados, rábulas de Nova Granada ou
Charcas, lojistas e bacharéis dos portos coloniais, vão liderar a luta contra a
Espanha. Colidirão no início com as “castas infames” e, logo após, conseguirão
incorporá-las numa luta, que, em certo sentido, não era a sua. LlanerosNE de
variadas cores com José Antonio Páez, crioulos e negros com San Martín,
gauchos com Güemes, índios e mestiços com Artigas, camponeses astecas ou
maias com Hidalgo e Morelos ou cholos e mestiços com Muñecas no Alto Peru,
todos se lançarão na corrente da história universal como “americanos”.
Entretanto, ao conflito de classes sociais e de raças, que leva nas suas
entranhas a luta pela independência, se somará outro dilema: o dos godos e
liberais, já que haverá americanos absolutistas e espanhóis liberais confrontados
na América. Também nas Índias se travará um episódio do duelo espanhol: ser
de uma vez por todas uma nação ou retornar à petrificação austro-bourbônica
do negro império, com o pilantra de Fernando VII no topo.
Aqui não há mais cúmplices que tu e eu: tu, por opressor, e eu, por
libertador, merecemos a morte.
Tupac Amaru, ao Visitador Areche, que lhe exigia os nomes dos
seus cúmplices.
Um povo que oprime a outro não pode ser livre.
Inca Yupanqui, nas Cortes de Cádiz, 1811.
2. Os precursores da independência
3. O plano de Miranda
6. O começo de Canning
As tentativas seguintes tiveram a mesma sorte. O Rio da Prata proporcionou
ao império respostas análogas às napoleónicas. O deus Mercúrio foi mais
propício àqueles mercadores que as dádivas de Marte. Logo se vingariam à
maneira inglesa, cobrando altos juros usurários por seus reveses militares. O
problema das colônias espanholas, apesar de tudo, seguiaos preocupando. E se
fosse enviado um regimento de católicos irlandeses para a América do Sul? O
fogo do incêndio europeu foi mais poderoso que os mercados sul-americanos. O
novo gabinete britânico, escolhido por um rei cuja demência já era notória, não
refletia, naturalmente, a loucura do monarca, senão a sensatez da classe
dominante.
Como secretário de Relações Exteriores, apareceu a jovem figura de George
Canning, de 35 anos, poeta e orador afiado, brilhante demais para ser suportado
pela entediada nobreza britânica; para o cúmulo, carecia de fortuna e era filho de
uma atriz, com sangue irlandês nas veias. Tantos defeitos só podiam ser
compensados por uma dose formidável de talento político e pela íntima
convicção da nobreza de que esse inquieto deputado por Liverpool (centro de
fabricantes e exportadores) era absolutamente indispensável para eles.
Para Canning, e com razão, os problemas europeus eram muito árduos, para
ainda levar em conta a emancipação das colônias espanholas. Isso ficou mais
evidente quando Napoleão invadiu a Espanha, capturou Carlos IV e pretendeu,
estabelecer seu irmão José como rei da Espanha. Impedir a modernização da
Espanha sob a mão de Napoleão era muito mais importante, no momento, que
emancipar os mercados sul-americanos. A Inglaterra se aliou com a Espanha
rapidamente e enviou suas tropas para a península. Isso não impediu que a
Inglaterra continuasse o contrabando com as colônias. Desse modo, a etapa dos
precursores, como Miranda, chegava a seu fim e começava a história moderna
da América Latina.
4. Fatores da balcanização
7. A juventude de Bolívar
2. A sociedade chilena
NE
Quando a burguesia portenha pró-britânica, inimiga dos montoneros e
caudilhos das províncias, adverte que o Exército dos Andes liberou o Chile, se
desinteressa da revolução americana. A emancipação chilena suprimia o perigo
godo sobre a fronteira do oeste; aos exportadores e fazendeiros de Buenos Aires
nada importavam as províncias do Alto Peru ocupadas pelos absolutistas. Além
disso, o caudilho Martín Miguel de Güemes sustentava com seus gauchos em
Salta a frente do norte, de acordo com San Martín. Todas as preocupações de
Buenos Aires consistiam em esmagar Artigas, o maior caudilho popular das
Províncias Unidas. “Protetor dos Povos Livres”, que exigia a luta contra o
português e a organização da nação. Ademais, as províncias argentinas do
interior resistiam com as armas na mão ao monopólio portuário. Impunha-se
exterminar essas resistências e abrir o mercado interior das províncias para a
invasão industrial inglesa. Como os interesses portenhos se baseavam na
possessão exclusivista do porto e da aduana, que regulavam o comércio pelo
interior do Rio da Prata e do Paraná, a antiga Província do Paraguai, sufocada
por Buenos Aires, resistia, por sua vez, à ditadura comercial e política do porto.
Ficou enclausurada durante meio século, até a Guerra do Paraguai, em que o
Paraguai, sem os latifundiários do Dr. Francia e os López, foi arrasado a ferro e
fogo. O célebre isolamento paraguaio encontrava no monopólio portuário e
fluvial de Buenos Aires seu verdadeiro fundamento.
E agora, que acontecia com San Martín no Peru? A situação era muito
singular. Tinha incorporado ao seu exército os negros dos engenhos de açúcar e
tentado mobilizar, sem sucesso, os índios. Mas, Buenos Aires não respondia aos
seus pedidos de ajuda. Um acontecimento europeu pareceu inclinar, por um
momento, a balança militar e política a seu favor. Era a política espanhola.
Após fuzilar os liberais que tinham sustentado a guerra nacional contra o
invasor francês, salvando-lhe o trono, o pérfido Fernando VII decidiu equipar
uma expedição punitiva, para recobrar o controle das colônias sublevadas. A
expedição devia partir para a América em janeiro de 1820. Porém, o exército de
Andaluzia sublevou-se com o general Riego nas Cabezas de San Juan. A espada
ameaçadora, que o absolutismo esgrimia sobre a revolução americana, se voltou
contra o carrasco das liberdades espanholas. Assim começa um novo período
constitucional na Espanha, que duraria somente três anos. Aterrorizado,
Fernando jura novamente à Constituição e se constitui um gabinete liberal em
Madri. Não poderia chegar melhor notícia para os patriotas da América.18 No
final das contas, os oficiais do rei eram, em sua maioria, liberais, veteranos das
guerras napoleônicas, que defendiam o rei na América após a restauração do
absolutismo na metrópole. O governo liberal determinou aos exércitos reais nas
províncias ultramarinas a ordem de negociar com os rebeldes. No Peru, o
general Pezuela estabeleceu conversações com San Martín. Seria possível que,
finalmente, “o governo de Madri quisesse assentar, sobre fundamentos liberais,
o grande império universal hispânico?”.19
É impossível sustentá-lo, segundo temos visto pelo exemplo das Cortes de
Cádiz. O liberalismo espanhol era tão fraco como a burguesia espanhola sobre a
qual repousava. Incapaz de levar a revolução nacional até o fim, tampouco tinha
energia suficiente para estabelecer com os americanos uma igualdade, que não
estava em condições de impor na própria metrópole. Para libertar os índios e
escravos na América, destruindo o latifúndio crioulo, os liberais no poder
deviam primeiro exterminar a nobreza semifeudal espanhola, que sustentava
Fernando. Revelou-se impotente para ambas as coisas.
Ao se informar que Fernando VII tinha assinado a Constituição de 1812,
Bolívar instrui José Rafael Revenga, secretário de Estado e Relações Exteriores
da Colômbia, a iniciar gestões de paz com a Espanha. A revolução encabeçada
por Riego e pelo coronel Antonio Ouiroga na Espanha comove o Libertador.
Escreve a Guilermo White em Trinidad: “Com negócios da Espanha estou
muito contente, porque nossa causa tem se decidido no tribunal de Quiroga”. O
otimismo de Bolívar resultou tão infundado como o de San Martin. Enviou
Revenga e Tibúrcio Echeverría em 1821 para Madri. Mas, o governo espanhol
não deu a menor importância aos ministros americanos e pouco depois os
expulsava da Espanha. Estavam os liberais no poder e sairiam logo dele, porque
Deus cega aqueles que quer perder.
Nesse momento, San Martín voltou seu olhar para o sul. Enviou o
comandante Antonio Gutiérrez De La Fuente a Buenos Airrs ppar ppdir ajuda
militar urgente. Tratava-se de consumar a emancipação da América do Sul,
destruindo o principal reduto peruano dos realistas. O triunfo de San Martín no
Peru faria cair em suas mãos, como fruta madura, as províncias do Alto Peru. O
comandante De La U uente encontrou, no transcorrer da sua viagem, o mais
caloroso apoio das províncias interiores. Havia soldados dispostos a lutar, mas
faltavam os recursos financeiros para equipálos e mantê-los. Tais recursos só
podiam vir do porto de Uuenos Aires, principal fonte pecuniária do antigo vice-
reinado. Entretanto, a voraz oligarquia portenha negou os recursos. Rivadavia
tinha necessidades mais urgentes!24
O jovem comandante de cavalaria, d. Antonio Gutierrez De La Uuente,
contava apenas com 24 anos de idade e gozava da confiança do general San
Martín. De Lima até Uuenos Aires, precisou passar por toda a classe de
vicissitudes. As distâncias sem limites eram percorridas lentamente a cavalo.
Porém, as condições de insalubridade da travessia foram menos penosas que o
ambiente glacial do oficialismo portenho, em relação ao pedido de auxílio
formulado pelo Libertador. No seu Diário, relata detalhadamente Gutiérrez de
La Uuente as intrigas palacianas do localismo rivadaviano. As resistências de
uuenos Aires diante da revolução da independência não podiam ser mais claras.
San Martín, objeto da repulsa dos ingleses amigos de Cochrane no Chile e dos
localistas, em Uuenos Aires, sabia bem disso. Nas suas Instruções para o
comandante De La Uuente, San Martín afirmava que em todos os povos das
províncias unidas “o patriotismo é uniforme” e elogiava os saltenhos, tucumanos
e santiaguenhos pelo seu sentido do dever. No entanto, a chave da ajuda pedida
estava em Uuenos Aires. Se todas as províncias ofereciam homens para
combater, somente uma delas podia proporcionar “numerário, vestuário e
armamento”. Essa província era Buenos Aires, a mais reticente e hostil para
colaborar.
O velho partido unitário no governo, de Martin Rodríguez a Bernardino
Rivadavia, não ocultava a “indisposição” que mantinha em relação a San Martin.
Seriam inúteis todos os esforços do jovem comandante para estimular o
patriotismo aldeão. Postergou-se, numerosas vezes, na Sala de Representações,
o tratamento do pedido de auxílio do Libertador. Foi tal a depressão que
acometeu o comandante De Lia Fuente diante da indiferença portenha, que ele
sofreu toda a sorte de mal-estar físico, fato que descreve no seu Diário. O
periódico Argos, órgão do governo, atacava diariamente o governador Juan
Bautista Bustos, de Córdoba, e os planos da emancipação americana. “Buenos
Aires já tinha feito mais do que podia fazer por aqueles povos (...)”, tal era o
ponto de vista de Rivadavia. A burguesia portenha tinha a alma ressecada. O seu
dinheiro se destinava a fins mais úteis.25
Sete províncias apoiavam o pedido de San Martín, menos a de Buenos Aires.
Rivadavia recusou-se a reconhecer o caráter oficial do enviado de San Martín.
Este foi reenviado de Buenos Aires como um simples mensageiro, com um
envelope fechado, sem que fosse possível discutir com o fátuo Rivadavia a
gravidade da situação militar no Peru. A resposta era negativa.26
O agente britânico e simultaneamente ministro da Fazenda, o “argentino”
Manuel José García, personagem muito mais sinistro que Rivadavia, declarava
nesses momentos, perante a Junta de Representantes, que “ao país era útil que os
espanhóis permanecessem no Peru”.27
Esse mesmo indivíduo também faria todo o possível para que os
portugueses conservassem a Banda Oriental. Com essa estratégia, a burguesia
portenha deixava cair San Martin, no Peru, assim como tinha apunhalado
Artigas pelas costas. Destruía-se com isso a unidade sul-americana, pois a
consequência dessa política fatídica seria a segregação da Banda Oriental e do
Alto Peru. Terá se dado conta San Martín, no seu melancólico desterro, do
profundo erro do seu julgamento sobre Artigas?
Numa carta a Tomás Guido, San Martín dirá estas palavras irreparáveis:
Eu opino que os portugueses avancem com pés de chumbo, esperando a sua esquadra para bloquear
Montevidéu por mar e terra e, em minha opinião, a devorem. Na verdade, esta não é a melhor
vizinhança, mas, falando a você com franqueza, prefiro a dos portugueses que a de Artigas.28
Por não querer fazer política, San Martín incorreu na pior de todas: deixar
de mãos livres os bandidos portenhos. Se a vizinhança de Artigas seria a selva, a
gente decente de Buenos Aires reservaria para San Martin seu sepulcro em vida
na Europa.
8. Um império hispano-crioulo?
Colocado San Martín numa situação sem saída, negado o seu pedido de
auxílio pela burguesia portenha, fechado o caminho para uma conciliação com o
exército liberal, que se dispunha a combatê-lo com forças imensamente
superiores, posto em xeque por Olaneta no Alto Peru, que lhe declarara a guerra
sem quartel, não tinha outro recurso senão dirigir-se para o norte e procurar o
apoio do invicto Bolívar. Justamente Bolívar se dispunha a realizar o mais audaz
projeto político de sua carreira. Produzida a revolução militar dos liberais
espanhóis, em 1820, abria-se uma nova instância modernizante na metrópole.
Seria possível dessa vez? A burguesia atrever-se-ia, por fim, a reedificar o país e
o exaurido império? Lançar-se-ia Espanha a forjar o seu século XVIII trinta
anos após os franceses?
Bolívar se fazia as mesmas perguntas que San Martin em Lima. Idealizou,
então, um plano que fez chegar ao governo de Fernando VII, por intermédio do
seu ministro em Londres, o velho patriota dom Francisco Antonio Zea. O
ministro colombiano redigiu o documento e o entregou ao embaixador da
Espanha em Londres, o duque de Frías, em nome de Bolívar, presidente da Grã-
Colômbia. Dom Zea acompanhou o plano com um projeto de decreto que devia
ser assinado por Fernando VII, bloqueado nesse momento por um gabinete
liberal e em presença das Cortes reunidas em Cádiz, como dez anos antes. A
essência do plano consistia numa confederação entre a América e a Espanha. A
base da confederação era o reconhecimento explícito, por parte da monarquia,
da independência dos estados americanos. Essa associação política, ou “Império
composto de repúblicas perfeitamente independentes, reunidas para sua
felicidade sob a presidência, não sob o domínio, de uma monarquia
constitucional”29, convocaria para uma dieta confederada30, supremo
parlamento do império hispano-crioulo. Existiria liberdade de comércio dentro
dos marcos do império, criando um Zollverein31 aduaneiro, para construir um
mercado nacional único. Todo espanhol que se radicasse na América adquiriria,
automaticamente, os direitos de cidadão americano e vice-versa. Em caso de
guerra, seria prestado auxílio recíproco em todas as partes da confederação.
Cada uma das partes confederadas olharia “cada uma como amigos ou inimigos
seus os amigos ou inimigos da outra”.32
Esse “plano de reconciliação entre a Espanha e a América” levava por título
Projeto de decreto sobre a emancipação da América e a sua confederação com a
Espanha, formando um grande império federal, e foi descoberto em 1966 no
Arquivo Nacional da Espanha pelo embaixador equatoriano Azpiazu Carbo.33
Ignoramos a reação de Fernando VII diante do grandioso plano que teria
salvo, simultaneamente, a Espanha de sua decadência e a América Latina da sua
“balcanização”. Porém, as Cortes de Cádiz, mais amedrontadas que suas
antecessoras de 1812, rejeitaram o projeto. O mesmo destino teve outro projeto
análogo, de Lucas Alamán, o político e historiador mexicano, deputado nas
Cortes.34 Temiam o espantalho de Fernando, que, por sua vez, estava
acovardado diante deles: nem os liberais se atreveram a liquidar a nobreza e
Fernando, nem este último a dissolver as Cortes da burguesia espanhola.
Já a terra fervia sob os pés do Protetor do Peru. Era pública a solidão em que
se encontrava o governo do vencedor de Maipo. Os latifundiários enobrecidos
conspiravam contra San Martin, as intrigas se propagavam no seu próprio
exército, até mesmo na oficialidade argentina, desintegrada pela moleza, pela
falta de pagamento e pelas “delícias da Cápua”36 limenha. O apelido colocado em
San Martin era de “rei José” e o seu ministro, Bernardo de Monteagudo,
companheiro de Mariano Moreno na Revolução de Mayo, era acusado de
“mulato”, “sibarita”, “ladrão”, pela petulante canalha do marquesado crioulo.
O exército, integrado por chilenos e argentinos, se desmoralizou naquela terra, o bastante para que
não se devesse esperar dela coisa de proveito. A insubordinação era geral: todos os chefes queriam
ser deliberantes e ninguém obedecer (...) colocavam San Martín na situação de contemporizar com
todos e não mandar em ninguém.37
Para colaborar com Bolívar na luta comum e arrancar da inércia corrupta as
suas forças, San Martin enviou para o Equador uma divisão de auxílio, para
combater junto a Sucre, comandada pelo coronel alto-peruano Andrés d,e Santa
Cruz, um crioulo decidido que tinha militado antes nas filas realistas. Não os
aguardavam as doçuras do trópico nem as “tapadas”38 limenhas. Triunfaram nas
batalhas de Rio Bamba e Pichincha sob o comando de Sucre. Ali misturaram seu
sangue argentinos, peruanos, altoperuanos, quitenhos, colombianos e
venezuelanos. Levando à prática seu desígnio de criar a Grã-Colômbia, Bolívar
decide incorporar a ela Guayaquil, do antigo reino de Quito. San Martin,
influenciado pelos interesses peruanos da costa, se opôs a essa anexação numa
nota escrita de Lima. Bolívar responde ao Protetor do seguinte modo:
VExª expressa o sentimento que teve ao ver a intimação que fiz à província de Guayaquil para que
entrasse no seu dever. Eu não penso como VExa. que o voto de uma província deva ser consultado
para deliberar sobre a soberania nacional, porque não são as partes, mas o povo, como um todo,
que delibera nas assembleias gerais reunidas livre e legalmente.39
San Martin tinha desaprovado, da mesma forma, uma tentativa de
“independência” de Guayaquil, e Bolívar o felicitava por isso, acrescentando:
Eu não acredito que Guayaquil tenha direito a exigir da Colômbia a permissão para expressar a sua
vontade de incorporar-se à república, mas, sim, consultarei o povo de Guayaquil, porque esse povo
é digno de uma ilimitada consideração da Colômbia. Não é o interesse de uma pequena província o
que pode perturbar a marcha majestosa da América Meridional.40
Observe-se, nessa referência de Bolívar, o seu conceito preciso da nação
latino-americana e o julgamento que mereciam as pequenas soberanias
separatistas disfarçadas de “autonomias” ou pseudonacionalidades, da qual será
logo tão pródiga a América balcanizada. O porto e a cidade de Guayaquil, como
é comum na América Latina até nossos dias, era o centro de um mundinho de
comerciantes, exportadores e importadores, que traficavam com o produto do
trabalho escravo e servil. Seus interesses estavam vinculados ao Peru e ao
comércio internacional. Separado por uma grande distância de Quito, Guayaquil
se distinguia, como Valparaíso ou Buenos Aires, por uma particular
dependência do estrangeiro. Esses traços da cidade-porto não se têm modificado
no século XX. Basta dizer que essa cidade sequer conservou intacta a casa da
célebre entrevista entre San Martín e Bolívar. Nesse mesmo lugar, ergue-se o
enorme vulto de um banco estrangeiro; e, como irônica lembrança, enfeita a sua
frente uma placa de bronze.
Naqueles dias, a sociedade de Guayaquil estava dividida em três partidos.
Um era peruanófilo, o outro, colombianista, e o terceiro se denominava
independente, e era minoritário. “O peruanismo tinha feito seguidores entre
comerciantes, chapetones41 e godos recentemente convertidos”, diz o historiador
Reyes.42
Entre os colombianistas, figuravam numerosos sobrenomes patrícios e
patriotas reconhecidos, além do clero e artesãos e gente do povo. A luta dos
partidos, na chegada de Bolívar a Guayaquil, manifestava-se publicamente.
Poucos dias depois de se declarar a incorporação de Quito à GrãColômbia,
apareceram colados nas paredes da cidade cartazes que diziam: “Último dia do
despotismo e o primeiro do mesmo”.43
Bolívar julgava os “independentes” assim: “O fato é que esta dúzia de
bagunceiros começou a se mexer (...) mas não podem fazer nada, porque aqui a
democracia tem papel reduzido, porque os índios são vassalos dos brancos e a
igualdade destrói a fortuna dos grandes”.44
Fazia alusão, desse modo, àqueles partidários da “liberdade” de Guayaquil,
que não podiam ir muito longe, pois toda revolução devia mobilizar os índios,
que eles mesmos exploravam e que, acima de tudo, temiam. Bolívar sabia disso
muito bem, pela sua experiência. Ao entrar Bolívar em Guayaquil, as aclamações
se misturavam: “Viva o Peru! Viva Guayaquil independente!”.45
San Martín deixa a cena peruana para Bolívar. Despoja-se das insígnias de
comando, reúne o Congresso peruano e renuncia ao poder perante a assembleia.
Já tinha caído Artigas, agora era a vez de San Martín. No Peru, estoura uma
furiosa luta de facções, enquanto os exércitos espanhóis derrotam o general
argentino Rudecindo Alvarado em Toarata e Monquegua. À frente de 9 mil
soldados, entra em Lima o general Canterac, triunfo que não se atreve a
sustentar, pois se retira para a serra a fim de reagrupar suas forças. Ao mesmo
tempo, a oligarquia peruana divide-se em duas alas: uma delas nomeia
presidente José de la Riva Agüero, que se instala em Trujillo, ao norte de Lima;
a outra escolhe o nome do marquês de Torre-Tagle, como titular do governo
faccioso. Em semelhante caos, chega o general Sucre com seus colombianos,
preparando a chegada de Bolívar. O Libertador entra em Lima em 1° de
setembro de 1823. Nesse momento, os 100 mil “filhos de San Luís” franceses
invadem a Espanha, para esmagar o governo constitucional e restituir a
Fernando VII a plenitude de seus poderes absolutos. Com a queda do governo
liberal de Madri, o exército encabeçado por La Serna, composto por
“constitucionalistas” e absolutistas, perde todas as suas esperanças políticas e, por
sua vez, se divide entre as tropas liberais de La Serna, no Peru, e o exército
“servil” de Olañeta, no Alto Peru.
O marechal Pedro de Olañeta, de Vizcaya, ultragodo, dono de minas e
mulas, tinha feito uma fortuna mantendo um “comércio incompatível com os
interesses do exército a que servia”.47
Sua crueldade, sua avareza e a beleza de sua jovem mulher, Dona Pepa
Marquiegui, formavam os três pilares de sua fama. Considerava a monarquia
como a sua religião; era, além disso, um soldado hábil. Mas, amava o dinheiro
mais do que a Vênus e a Marte.
Suas negociatas com o exército eram toleradas pelas autoridades espanholas,
na esperança de que, por meio de seus agentes comerciais, se obtivessem
informações úteis para a guerra. Entretanto, o vice-rei La Serna observou com
desgosto essa atividade bélico-mercantil e tentou travá-la, o que azedou as
relações entre ambos.
Uma grande notícia chega para a América Revolucionária: Fernando VII
destitui do mandato o vice-rei La Serna.48 Bolívar vislumbra as vantagens
políticas com a mudança na situação europeia e entrega o comando dos
exércitos a Sucre. Uma vez mais a inter-relação entre a história espanhola e a
história hispano-americana, o fluxo e o refluxo da revolução no seio do
declinante império se colocavam em evidência: a política ganhava e perdia
batalhas com o deslocamento dos partidos e das classes.
O partido realista, que influenciava toda a alta sociedade peruana, devia criar
graves problemas para Bolívar. O marquês de Torre-Tagle era presidente do
Peru, e sua figura simbolizava a indiferença geral pela causa da independência,
tão comprometida no Peru pela presença dos grandes exércitos espanhóis. A
guarnição da fortaleza do Callao, composta por tropas argentinas e na qual
permaneciam prisioneiros numerosos soldados espanhóis, sublevou-se, devido
ao atraso do soldo e pela fome que foi submetida pelos governos portenho e
peruano, que ignoraram repetidas vezes as súplicas dos oficiais a esse respeito. O
sargento Moyano, do regimento “Rio de la Plata”, liderou uma rebelião, libertou
os prisioneiros espanhóis e desfraldou, a seguir, a bandeira de Fernando VII na
fortaleza. As tropas espanholas avançaram rapidamente para Lima. Em tais
circunstâncias desesperadas, o Congresso peruano se reuniu e chamou Bolívar,
que se encontrava em Pativilca, nomeando-o ditador e suspendendo a vigência
da Constituição. Foi nessas horas críticas que o presidente peruano TorreTagle,
o vice-presidente conde de Surrigancha e o general Berindoaaga ministro de
Guerra, acompanhado de 337 generais, oficiais superiores e chefes subalternos
do exército peruano, passaram para o lado dos espanhóis. Ao mesmo tempo, o
honrado marquês (que era dominado notoriamente pela sua volúvel mulher)
publicava um Manifesto cobrindo de insultos o Libertador. Vejamos um pouco
mais de perto esse personagem através de O’Leary:
O marquês de Torre-Tagle pertencia aos “mentecaptos”, dos quais falava Paz Soldán. Criado no
meio do luxo, amava o poder não porque fosse ambicioso, mas por ostentação (...). No governo dos
vice-reis, foi pródigo e dissoluto e no de San Martín foi patriota; com Monteagudo, oligarca,
intrigante com Guido e com San Donas, traidor (...) até no seu lar, a debilidade, que foi a marca da
sua vida pública, o perseguiu. Submetido cegamente por sua esposa, era escravo e não o senhor em
casa, conclui.49
Um dia o marquês reuniu em sua casa vários oficiais da guarnição, a fim de
buscar uma solução para a situação do Peru. As tropas clamavam pelo
pagamento dos soldos. O coronel J. Gabriel Pérez propunha levantar um
empréstimo para socorrer os soldados. “Com quanto contribuirá você?”—
perguntou a marquesa interrompendo-o — “Pois, se acreditarmos no que diz a
voz pública, você gasta querida y coché50. “Senhora” — respondeu Pérez -, “a voz
pública costuma errar e ainda ser maliciosa; e, como prova de que não devemos
dar-lhe crédito, basta dizer que, segundo os dizeres, você reparte seus favores
entre um marquês e um oficial subalterno do exército”.
O marquês valia tanto como marido quanto como governador. Era o
homem mais indicado para ofender o Libertador.51
Bolívar assumiu o governo do Peru e adotou imediatamente medidas para
reorganizar o exército. Nomeou Sucre general-chefe do exército colombiano-
peruano.
Persuadiu as autoridades eclesiásticas, para que dessem a prata lavrada do culto; tomou para o
Estado o produto das propriedades daqueles que, por haverem desertado para seguir o inimigo,
perderam o direito à proteção do governo, estabeleceu impostos e os fez cobrar.
Ao mesmo tempo, Bolívar suprimia a mita e os repartimentos de índios.
Anulou a obrigatoriedade do trabalho indígena nas obras públicas,
estabelecendo que os outros cidadãos peruanos também deveriam realizar ditas
tarefas. “O corregedor, o sacerdote, o agricultor, o mineiro, o mecânico, todos e
cada um deles eram seus opressores, ao obrigarem a cumprir os contratos mais
onerosos e fraudulentos”. Também suprimiu o direito de padres e corregedores
ao trabalho gratuito dos índios em serviço doméstico, declarando vigentes as
antigas leis espanholas que os favoreciam. Ordenou a entrega de uma porção de
terra a cada índio, anulando a autoridade hereditária dos caciques. Outorgou
pensões aos descendentes da nobreza incaica e protegeu os filhos de Pumacahua.
O sentido geral de tais medidas é muito claro. No entanto, todas elas teriam
o mesmo efeito na sociedade peruana de leis semelhantes às das Índias sobre a
mesma matéria. Para extirpar a servidão ou semiescravidão indígena, era preciso
aniquilar o regime de possessão da terra existente ainda hoje. Outorgar
juridicamente direitos aos índios sem eliminar a estrutura social (sacerdote,
latifundiário, mineiro e corregedor, como detalha O’Leary) era arar sobre o mar,
como de fato aconteceu. Tinha que iniciar por revolucionar as relações de
propriedade e coroar a obra com seu ornamento jurídico, para que este último
refletisse a realidade social e não fosse, como de fato foi, uma máscara caricata
das intenções do reformador.
Max Weber disse que “Frederico, o Grande, odiava os juristas porque
aplicavam conforme o seu critério formal os decretos inspirados num sentido
material, e com isso atendiam finalidades perfeitamente opostas às que ele se
propunha.”52
Deviam passar quase 150 anos para que a revolução encabeçada pelo general
Velasco Alvarado libertasse, em 1968, os índios peruanos.
É em tal situação política e militar, que um general de 29 anos de idade,
Antonio José de Sucre, enfrenta o exército espanhol nas montanhas de
Ayacucho. Acompanha-o o intrépido general José María Córdoba, que,
levantando seu chapéu branco de palha de jipijapá53 na ponta de sua espada,
eletriza os seus homens, lançando-se no combate com o grito: “Divisão! Em
frente! Armas na medida e passo de vencedores!”54.
Menos de cem anos mais tarde, a tradição histórica havia se perdido de tal
forma no Peru, como no resto da América Latina, que as crianças peruanas
aprendiam História em textos traduzidos do francês. Assim, aconteceu que
muitos peruanos adultos conservassem da escola a ideia de que o general
Córdoba tinha dito no dia da célebre batalha “não haja vencedores” em vez de
“passo de vencedores,” graças à deficiente tradução da frase “pas de vainqueur”. A
versão não é tão inacreditável, caso se leve em conta que em nosso país,
Argentina, se considerou durante muito tempo como maior símbolo de cultura
conhecer uma língua europeia, mesmo que fosse tão mal aprendida como a
daquele tradutor infiel, do que dominar bem a própria língua. Assim, temos
suportado literatos europeizantes e histórias simiescas.
Nem mesmo quando a batalha de Ayacucho já era um fato de importância
histórica mundial, os tradutores da inteligência colonial podiam conceber que,
nós, latino-americanos marchamos um dia a passo de vencedores.
O grito de guerra lançado pelo general Lara ao iniciar o combate, e que
recolhe nas suas tradições Ricardo Palma, é menos homérico, porém mais
crioulo. Os homens de Lara eram filhos dos llanos e “gente crua”. Seu general
dirigiu-lhes antes da batalha o seguinte discurso: “Zambos do caralho! Na frente,
estão os godos punheteiros! Quem comanda a batalha é Antonio José de Sucre,
que, como vocês sabem, não é nenhum sacana. De forma que apertem os
colhões e... a eles!”.
Na mesma batalha, combateu com a lança, vestida de capitã de cavalaria com
uniforme escarlate, Manuelita Saénz, a magnífica companheira do Libertador.
À frente de suas tropas, Córdoba galgou “a formidável altura de
Cundurcuna, onde tomou como prisioneiro o vice-rei La Serna”.
Córdoba tinha 25 anos, o general Miller contava 29, Isidoro Soares tinha 34,
o venezuelano Silva tinha 32. As forças patriotas somavam 5.780 homens e os
realistas do vice-rei La Serna, 9.310 soldados. A vitória americana foi completa.
Caíram prisioneiros o vice-rei La Serna com todos os seus generais, começando
por Canterac e Valdés, com mais de 600 oficiais e 2 mil homens de tropa.55
Quase 2 mil mortos ficaram sobre o campo de Ayacucho, encerrando-se aí o
poder espanhol na América. Os fatores políticos foram essenciais para a derrota
espanhola. A reação absolutista na Espanha acabou com qualquer esperança para
os militares constitucionalistas: seu triunfo teria sido uma oferenda dos liberais
espanhóis na América para os absolutistas que os venceriam na Espanha. Além
disso, o exército de La Serna ia para a quarta batalha desmoralizado até a
medula: o mercador marechal Olaneta, que do Alto Peru havia lhes declarado
guerra, ameaçava-os com o pelotão de fuzilamento. A guerra civil confrontava
os espanhóis no próprio território de suas antigas colônias. Sua capitulação e as
condições generosas oferecidas por Sucre encerraram o drama. Porém, as
consequências políticas de Ayacucho iriam aprofundar o processo de
fragmentação dos antigos vice-reinados. A independência das províncias do
Alto Peru seria a sua expressão imediata.
1 Nos apontamentos, incluindo os da correção final desta obra, Jorge Abelardo Ramos pretendia
desenvolver ainda mais o tema Haiti. Alexandre Pétion foi citado permanentemente por Ramos em suas
aulas e conferências; considerava-o como a figura chave da independência americana. Inclusive pensou em
dedicar-lhe este livro. Nota dos organizadores da edição de 2011 publicada pelo Senado da Argentina.
2 N.E. Que praticavam a encomienda, instituição que autorizava colonos a explorar a mão de obra de
comunidades indígenas.
3 Amunátegui, op. cit., p. 170.
4 Marcelo Segall, El desarrollo del capitalismo en Chile, p. 23, Santiago de Chile, 1953.
5 Amunátegui, op. cit., p. 182.
6 Carrera havia sido sargento-mor na Espanha e lutado em treze batalhas contra os franceses.
7 O agente britânico W. G. Worthington, para não ser menos que o agente norte-americano Poinsett,
entregou a O’Higgins um projeto de constituição que tinha elaborado e, por “comedimento”, acrescentou o
texto do manifesto que havia redigido para acompanhar a promulgação daquela. Esse prestativo
Worthington disse a O’Higgins: “O mundo conhece o senhor como o chefe militar do Chile, porém, se o
senhor seguir meus conselhos, será conhecido como o pai deste país. Não lhe faço oficialmente essa
indicação, mas sim no meu papel de grande amigo da liberdade e me ofereço para ter com o senhor
entrevistas familiares para tratar destes assuntos”. Ver Hernán Ramírez Necochea, Historia del
imperialismo em Chile, p. 43. Ed. Austral, Santiago de Chile, 1960.
8 Webster, op. cit., T. I, p. 767.
9 Ibid., p. 772.
10 V Raúl Scalabrini Ortiz, Política británica en el Río de la Plata, 4a ed., p. 83, Ed. Plus Ultra,
Buenos Aires, 1965.
11 Segall, op. cit., p. 17.
12 Em 1819, já estavam radicados em Valparaíso, Santiago e outras cidades cerca de 40 comerciantes
ingleses. Forneciam material bélico, monopolizavam as exportações para a Europa, eram os únicos
importadores de manufaturas, controlavam o comércio de cabotagem e se vinculavam à mineração.
13 Segall, op. cit., p. 19.
N.E. Cavaleiros do interior argentino liderados por caudilhos.
14 Samhaber, op. cit., p. 430.
15 Bernardo Frías, Historia del General Güemes y de la Provincia de Salta, o sea de la
independencia argentina, T IV, p. 240, Salta, 1955.
16 Frías, op. cit., p. 240.
17 Conferir Luis Peñaloza, Historia económica de Bolivia, T I, La Paz, 1947.
18 Ver Héctor Modesto Garcia, La Gran Colombia, causas que produjeron su hegemonía en la
emancipación de América, p. 33, Tipografia Universal, Caracas, 1925.
19 Samhaber, op. cit., p. 434.
20 Ricardo Rojas, El santo de la espada, p. 206, Ed. Losada, Buenos Aires, 1950.
21 Mariano Torrente, Historia de la revolución hispanoamericana, Tomo III, p. 453. Madrid, 1830.
22 Samhaber. op. cit., p. 434.
23 N.E. A revolta de Vendée — 1793/1794 —, na região de Loire, oeste da França, contra a Revolução
Francesa.
24 O dinheiro do porto, confiscado da nação pela usurpação de Buenos Aires, foi empregado por Rivadavia
na fundação da Escola de Declamação e Arte Dramática. Da mesma forma, segundo os conceitos do
sublime visionário, sócio de Hullet Brothers de Londres, a Academia de Medicina e Ciências Exatas deveria
formar uma coleção de “geologia e aves do país” e descrevia, com sabedoria onisciente, as funções da Escola
de Partos, que deveria estudar “as partes ósseas que constituem a pélvis; o estudo do útero, o feto e suas
dependências; a bexiga, a urina e o reto”. Também fundou a Casa de Partos Públicos e Ocultos e a
Sociedade Lancasteriana. Ver José María Rosa, Historia argentina, p. 365, Tomo III, Ed. J.C. Granda,
Buenos Aires, 1964.
25 Ver El diario y documentos de la misión sanmartiniana de Gutiérrez de la Fuente (1822). Tomo
I, Ed. Academia Nacional de la Historia, Buenos Aires, 1978.
26 José Luis Busaniche. Historia argentina, p. 436, Ed. Hachette, Buenos Aires, 1965; Mariano Paz
Soldán, Historia del Perú independiente, Madrid, 1919. Em seu discurso para a Sala de Representantes,
Rivadavia expressou, do modo mais claro permitido pelo seu difuso e emaranhado estilo, a posição
portenha perante a emancipação americana e o pedido de San Martin. “O governo de Lima”, disse,
“presidido pelo Supremo Protetor da Liberdade do Peru, entre os objetos que tinha recomendado (...) era
de que Buenos Aires coadjuvasse seus esforços para libertar as províncias ainda ocupadas pelo inimigo
comum, mas (Rivadavia sustentou que) aqueles fragmentos de um poder vacilante cairiam com menor
custo que com qualquer classe de esforços por parte de Buenos Aires; que seriam insuficientes para superar
as dificuldades que opunha o espírito de vertigem que dominava os povos intermediários (ou seja, as
províncias rebeldes a Buenos Aires), sem o qual tudo seria aventurado; o único que convinha para Buenos
Aires era fechar-se sobre si mesma (...) tanto mais considerando que Buenos Aires já havia feito tudo o que
poderia fazer (...) e que era chegado o momento de que, pela experiência e seus próprios sacrifícios, esses
povos se fizessem dignos da liberdade”. Ver Los mensajes, de H. Mabragana, Tomo I, p. 188, citado por
Arturo Jauretche, Ejército y política, Capítulo IV, Ed. Qué, números 6-7, Febrero de 1958.
27 Busaniche, op. cit., p. 436.
28 Ibid., p. 382.
29 Ver Boletín de la Integración, n° 17, abril de 1967, do Banco Interamericano de Desarrollo, Buenos
Aires, p. 167.
30 N.E. Assembleia colegiada constituída de representantes plenipontenciários dos estados confederados.
31 N.E. Aliança aduaneira, que teve como meta a unidade e liberdade alfandegária para os 38 estados
alemães, o que favoreceu a liberdade entre as suas fronteiras internas, facilitando assim o maior comércio e
uma maior estrutura para os processos industriais.
32 Ver Boletín de la Integración, n° 17, abril de 1967, do Banco Interamericano de Desarrollo, Buenos
Aires, p. 167.
33 Ibid.
34 Moisés González Navarro, El pensamiento político de Lucas Alamán, p. 133, El Colegio de México,
México, 1952.
35Arthur Preston Whitaker, Estados Unidos y la independencia de América Latina, p. 242, Eudeba,
Buenos Aires, 1964.
36 N.E. Expressão que se refere à invasão da cidade de Cápua na Roma antiga, em 211 a.C., por Aníbal, que
deixou ali as tropas cartaginesas divertindo-se, durante todo o inverno daquele ano.
37 Antonio José de Irisarri, Historia crítica del asesinato del Gran Mariscai de Ayacucho, p. 81, Ed.
Casa de las Américas, La Habana, 1964.
38 N.E. Denominação dada às mulheres limenhas na época do vice-reinado e primeiros anos da república,
porque tapavam suas cabeças e caras com mantos de seda, deixando a descoberto apenas um olho.
39 Bolívar, Documentos, p. 108.
40 Ibid., p. 110.
41 N.E. Chamavam-se assim os homens brancos nascidos na Espanha que viviam na colônia e
representavam os interesses metropolitanos, ocupando altos cargos administrativos, militares e no
comércio externo.
42 Reyes, op. cit, p. 359.
43 Ibid., p. 358.
44 Ibid.
45 Ibid.
46 Monteagudo foi proscrito do Peru por resolução do Congresso, que acatou a proposição de Sánchez
Carrión, em de dezembro de 1822. De acordo com essa resolução, no caso de o proscrito tocar algum ponto
do território peruano, ficaria privado da proteção da lei. Na história da América Latina, poderia se fazer
uma sugestiva lista de “pesteados” e “proscritos” pela canalha oligárquica de todas as épocas. Os
senhorzinhos da sociedade peruana e do partido monárquico (que logo seriam republicanos ardentes) se
recrutavam entre aqueles que possuíam “títulos de Castela”. Mas, como tais títulos tinham sido adquiridos
com dinheiro, diz Paz Soldán, os que se consideravam nobres no Peru eram “ignorantes, irresponsáveis,
desprovidos de mérito e, por sua nenhuma ou viciada educação, eram em sua maior parte mentecaptos; até
hoje se diz que um indivíduo tonto, néscio ou presunçoso parece um marquês ou conde”, Paz Soldán, op.
cit., p. 74.
47 Ver Torrente, op. cit., p. 450.
48 Frías, op. cit., p. 261.
49 O’Leary, Memorias, p. 107, II.
50 N.E. Expressão que significa gastar muito ou ter gastos extraordinários, obviamente com amantes e
diligências.
51 Daniel Florencio O’Leary, Junín y Ayacucho, p. 102. Ed. América, Madrid, 1919.
52 Max Weber, Historia económica general, p. 228, Ed. Fondo de Cultura Económica, México, 1961.
53 N.E. Fibra da planta bombonaça, com a qual se faz o chapéu-panamá.
54 Palma. op. cit., p. 97.
55 Ver parte militar de Sucre, em O’Leary, Junín y Ayacucho, p. 196.
Capítulo VII
De Bolívar a Bolívia
2. O partido rivadaviano
4. Cortesãos e toureiros
8. A Europa e a independência
Fragmentação no Prata
Buenos Aires não esteve longe, por volta de 1854, de se converter num
porto franco, atraente aos interesses estrangeiros e portenhos. Mas seria à
Banda Oriental do Rio da Prata que caberia esse destino, empurrada com todas
as suas forças por Buenos Aires. Quando a revolução hispano-americana se
propaga em todo o imenso território, aparece do fundo das regiões fronteiriças
com o Brasil um homem singular que durante uma década exercerá sua suprema
influência sobre quase todo o atual território argentino, exceto Buenos Aires.
Esse homem era José Artigas.
A história do artiguismo se entrelaça estreitamente com a desintegração das
Missões Jesuíticas, que havia começado com a expulsão dos padres da
Companhia de Jesus em 1767. Durante os trinta anos seguintes, os índios
civilizados no Paraguai foram sequestrados pelos portugueses e vendidos como
escravos para as plantações, onde morreram quase na sua totalidade; outros
fugiram para a floresta e perderam até a memória de seus ofícios e artesanatos.
Nas Missões Orientais, a decadência aconteceu paulatinamente, sob a
inépcia das autoridades administrativas espanholas, empenhadas imediatamente
em saquear os bens abandonados pelos jesuítas. Francisco Bauzá afirma que
muitos índios das Missões desceram até o Sul para se estabelecerem na Banda
Oriental como modestos lavradores.9 Parte do gado cuidado pelos jesuítas irá
povoar as planícies do Rio Grande do Sul, estabelecendo assim a base da sua
economia pecuária. Deste modo, as Missões Jesuíticas explodiram em mil
pedaços, das quais ficaram os testemunhos de suas ruínas na Argentina,
Uruguai, Brasil e Paraguai. Na Banda Oriental “a maior parte dos usos e
costumes rurais provém da criação de gado jesuítica”, diz Esteban Campal.10 11
Da importância das Missões Orientais pode dar uma ideia o fato de que
cobriam o territorio do atual rio Uruguai até o rio Negro, e constituíam um
gigantesco enclave junto à imprecisa fronteira brasileira. Quando se ordena a
expulsão dos jesuítas, o conjunto dos trinta povos das Missões (17 pertencentes
ao Rio da Prata e 13 às províncias do Paraguai) contava com uma população
indígena cristianizada de 141 mil pessoas.11
Quando conquistaram as Missões em 1801, os portugueses encontraram
nelas 21 mil índios. Cinco anos depois da queda de Artigas, permaneciam entre
as ruínas apenas 1.897 índios, entre homens e mulheres.12 Em 1834, finalmente,
restavam nas Missões orientais apenas 372 indígenas.
Cabe imaginar as estreitas relações entre o militar gaucho que distribui terras
e os índios cristãos das destruídas Missões que, pela primeira ve a, em décadas,
recebem apoio da ordem vigente. Porém, se os índios guaranis fixam sua
atenção em Artigas, também este aprenderá junto com Aaara a essência de uma
política agrária democrática (no sentido original desta expressão e não no seu
pervertido uso atual). Será muito claro para Artigas que os guaranis são muito
mais civiliaados e dignos de confiança que os sórdidos consignatários de couro e
chifres de Montevidéu, enriquecidos à custa do sangue e do esforço dos
pioneiros fundadores da cidade.17
Nos índios que se dispõem a viver arriscadamente na grande fronteira, a
lutar para defendê-la e trabalhar a terra, Artigas reconhece os civilizadores; na
burocracia espanhola, que despreza os informes de Azara, observa seu caráter
obtuso e formalista que será fatal para a integridade territorial; nos grandes
comerciantes montevideanos, donos de imensas propriedades, predomina um
parasitismo venal que lhe repugna. Quando os portugueses se apoderam em
1801 das Missões Orientais, a colonização iniciada por Azara e Artigas é
destruída pelos escravagistas, sem qualquer reação dos militares espanhóis.18
Em 1811, quando Artigas levanta a bandeira da revolução, os índios
missioneiros se alistarão para acompanhá-lo.19 O caudilho indígena das Missões,
Andrés Guaycurari, será o filho adotivo de Artigas. Desde então, o célebre e
indomável “Andresito” assinará como Andrés Artigas. Os índios das Missões
chamam o caudilho de Caraí-Guazú.
8. A revolução agrária
9. A década artiguista
Sua ação militar e política dura somente dez anos. Inicia a luta contra os
absolutistas espanhóis na Banda Oriental e os gauchos, fazendeiros e índios que o
seguem o proclamam “Chefe dos Orientais”. Ao mesmo tempo, os portugueses,
com a sombra britânica que os tinha seguido até a América, aproveitam as
dificuldades do reino da Espanha e invadem a Banda Oriental.
Artigas luta contra eles, após vencer os espanhóis. Essa titânica luta se
complica com a resistência dos governos de Buenos Aires em prestar-lhe ajuda.
Pelo contrário, facilitam a ação portuguesa, provocando a ira de Artigas e de
todas as províncias. Os deputados orientais artiguistas para os Congressos
convocados por Buenos Aires são rejeitados. Seu caudilho é difamado na
imprensa portenha e a sua cabeça colocada a prêmio. Os próprios fazendeiros
orientais, que no primeiro período artiguista o tinham acompanhado, o
abandonam. Só compõe seu exército uma multidão de paisanos esfarrapados e
índios indomáveis descendentes daqueles guaranis das Missões Jesuíticas. Um
ou dois letrados e secretários que escrevem o ditado em acampamentos móveis,
difundem as proclamas, éditos, manifestos e correspondência que o chefe
oriental sustenta com os chefes revolucionários do Novo Mundo.
Seu prestígio se propaga além da província natal. As novas províncias que
surgem depois do domínio espanhol — Santa Fé, Corrientes, EntreRíos,
Misiones, Córdoba — outorgam-lhe o título de “Protetor dos Povos Livres”. Por
que este amor e por que aquele ódio? Artigas é o único caudilho das guerras da
Independência que combina em sua luta a unidade da Nação com a revolução
agrária e o protecionismo industrial nos territórios sob seu comando.
Tudo era elementar, porém nítido nesse movimento popular revolucionário
nascido na Banda Oriental e que procurava criar a Nação dentro dos limites do
velho vice-reinado. Ao não aceitar a hegemonia de Buenos Aires e ao esgrimir
semelhante programa, Artigas sofrerá a agressão dos interesses portenhos e
estrangeiros, que eram mais ou menos os mesmos, como logo se verá. Buenos
Aires adula e corrompe um dos seus lugarestenentes de Entre-Ríos, como antes
haviam feito os portugueses com seus estancieiros e lugares-tenentes da banda
oriental.
Derrotado em Tacuarembó pelos portugueses veteranos das guerras
napoleónicas, perfeitamente armados e com uma assombrosa superioridade
material, Artigas recua para Entre-Ríos. Ali o espera para traí-lo um de seus
oficiais, Francisco Ramirez, que, subornado pelo dinheiro de Buenos Aires, lhe
assesta o golpe final. Sem lhe dar tempo para se refazer, pois toda a campanha
do interior argentino engendrava, em poucos dias, exércitos artiguistas,
Ramirez empreende a perseguição do grande caudilho que, perdido, se interna
nas selvas paraguaias e se acolhe à proteção do dr. José Gaspar de Francia, o
“Supremo Ditador”.
A ocupação portuguesa da Banda Oriental e a perda do porto de
Montevidéu arruínam o sistema federal dos povos associados a Artigas na luta
contra a hegemonia de Buenos Aires. Os povos do litoral se viram obrigados a
procurar um acordo com Buenos Aires, dona do único porto em condições de
comercializar. Neste fato, assinala Reyes Abadie, encontra-se a base material da
traição de Ramirez ao Protetor dos Povos Livres.21
É 1820. No Paraguai permanece Artigas durante trinta anos, onde morre
após ver desvanecida a esperança de uma Nação unificada. Pois, justamente em
seu solar nativo, a Banda Oriental, a perfídia anglo-portenha fundará nessa
província outra “Nação”. Vencido e indomável, já muito ancião, Artigas
responderá com uma frase cortante ao convite de alguns amigos para retornar à
Banda Oriental, depois que essa terra havia se transformado em “Estado
Independente” sob a forma de República Oriental do Uruguai: “Já não tenho
Pátria”. Tinha fracassado em reunir as províncias do Prata numa Nação e se
recusava voltar para a sua província convertida em “Pátria”.
A admissão de Artigas como “herói nacional” foi muito lenta no Uruguai. A
oligarquia resistiu longo tempo para beatificar o caudilho que tinha repartido
terras para gauchos e índios. Finalmente, quando resolveu fazê-lo, amputou
Artigas das Províncias Unidas do Rio da Prata e o converteu em prócer de uma
delas. Os ingleses foram mais categóricos. Em The Cambridge Modern History, de
1949, que os alunos da célebre universidade estudam, se definia Artigas como
um “chefe de contrabandistas, bandido e degolador” que botava seus inimigos
em sacos de couro costurados e os jogava do alto da meseta do Hervidero. Isto já
havia sido descoberto há muito tempo pelos historiadores argentinos portenhos,
Mitre e Vicente Fidel López.22
Ao cair derrotado Artigas pelas intrigas de Buenos Aires, as tropas
portuguesas ocupam a Banda Oriental e a incorporam ao Império próbritânico
sob o nome de Província Cisplatina. A submissão da Corte Imperial do Rio à
Grã-Bretanha não precisa ser demonstrada, pois está exposta em toda a história
europeia e americana das relações da Casa de Bragança com o Império Britânico.
Trazidos na marra para a América pela frota inglesa, face à invasão napoleônica,
os Bragança não tinham mudado sua docilidade sob a influência do novo clima.
Sem dúvida, Londres estava muito longe: no Rio da Prata só chegavam ecos
distantes dos escândalos. É preciso reconhecer que Ponsoby serviu para seus
amos com empenho. De acordo com a sua tradição, a política britânica começou
por sugerir a terceiros que propusessem por ela as suas próprias iniciativas.
Além da inexperiência política dos novos Estados, se somava com maior razão a
tendência dos agentes das oligarquias regionais, interessados nos mercados
europeus, em aceitar de bom grado uma política completamente elaborada,
assim como preferiam os artigos importados aos próprios.
A coincidência desses personagens, frequentemente políticos de influência
decisiva em seus respectivos países, com os interesses britânicos, acabou por
transformá-los em simples agentes imperiais. Tal era o caso daquele que seria o
principal instigador da derrota política argentina, após as Províncias Unidas
terem conseguido triunfar militarmente sobre o Brasil. Manuel José García era
o personagem colonial mais oportunista da sua época. Foi homem de confiança
de todos os governos portenhos: de Rodríguez, Rivadavia, Dorrego e Rosas.
Este último lhe ofereceu a embaixada no Peru. E qual era a força que respaldava
esse tal García? Carecia de um partido político e tampouco estava dotado de um
talento notável. Porém, havia conseguido aperfeiçoar surpreendentes faculdades
para servir, simultaneamente aos interesses portenhos e à política britânica. Foi
o criador de uma escola que engendrou numerosos discípulos em Buenos Aires.
Usava, deleitado, uma caixa de rapé guarnecida de diamantes e uma prancha de
ouro com o retrato do insigne chifrudo George IV43
Estas caixinhas de rapé se encontravam entre as preocupações do
representante britânico em Buenos Aires, Mr. Parish, que sabia como adocicar o
espírito de certos círculos aldeãos. Em um comunicado a seu chefe em Londres,
para conhecimento de Mr. Canning, dizia:
Tenho a honra de manifestar-lhe que presenteei uma dessas caixas para Mr. Rivadavia por ocasião
do aniversário de Sua Majestade (...) Não me resta agora nenhuma caixa de suficiente valor como
obséquio adequado para ter o prazer de presenteá-la, quando se apresente a oportunidade, ao
Ministro atual, Mr. Garcia. Portanto, tenho a honra de lhe pedir o favor de transmitir a Mr.
Canning meu desejo de que me enviem para tal fim duas ou três caixas mais44.
Ao que parece, a efígie do corno real exercia uma enigmática influência
sobre os ministros sipaios do Prata. Mas deixemos a psicologia para os
especialistas.
1 Cidades hanseáticas eram aquelas cidades alemãs livres, reunidas numa confederação para exercer o
monopólio comercial no Báltico e que floresceram entre o século XIII e o século XVII.
2 Jorge Abelardo Ramos, Historia política del Ejército Argentino, Ed. Peña Lulo, Buenos Aires. 1959.
3 Ver KarI Mannheim, Ensayos sobre sociología y psicología social, p. 151, Ed. Fondo de Cultura
Económica, México, 1963.
4 Whitaker, op. cit., p. 28.
5 Dito tratado transformou Portugal numa colônia econômica da Inglaterra. Seu negociador, John
Methuen, redigiu um acordo de apenas uma página que conservaria a história. Methuen era irmão de um
fabricante de tecidos, o que não deixou de atrair críticas sugestivas. Segundo a sua prestação de contas no
Parlamento, Methuen tinha levado para Portugal fortes somas de dinheiro para suborno. Gastou 44 mil
moedas de ouro, fora um lote de belíssimas joias. Subornou, ao que parece, o confessor do rei, o jesuíta
Sebastião de Magalhães, que pôde assim fazer dote para duas sobrinhas; bem como o secretário de Estado,
Roque Monteiro Paim, e o signatário do Tratado, o Marquês de Alegrrt.e. sortudo comprador c ocupante,
no dia seguinte, de seu suntuoso palácio. Além do apimentado escândalo, uma história detalhada do
Tratado pode se encontrar em Nelson Werneck Sodré, As razões da independência, p. 15, Ed.
Civilização Brasileira, S. A., Río, 1965.
6 “A América hispânica veio a depender virtualmente, quase por completo, das importações britânicas
durante as guerras napoleónicas, e depois da sua ruptura com a Espanha e Portugal converteu-se em uma
quase total dependência económica da Inglaterra, isolada de qualquer interferência política dos possíveis
competidores deste último pais. Em 1820, o empobrecido continente já adquiriria a metade da Europa (...)
A expansão da indústria inglesa póde se financiar facilmente à margem dos ganhos correntes, pela
combinação das conquistas dos seus vastos mercados e uma continuada inflação de preços produtora de
fantásticos benefícios. Não foram nem cinco nem dez por cento, mas centenas de milhares por cento os que
fizeram as fortunas de Lancashire”: Eric J. Hobsbawn, Las revoluciones burguesas, p. 57, Ed.
Guadarrama, Madrid, 1964.
7 Manuel José Garcia, o chorão lacaio, escrevia para lorde Strangford em 1815 que, se o governo inglês não
escutava ae eúplicae da oligarquia portenha pa-a outorgar-lhe um protetorado no Rio da Prata, tais
circunstâncias “conduzirão o poeo das Colônias ao último extremo e converterão esses formosos países em
espantosos desertos se a Inglaterra os abandonar aos seus próprios esforços e se negar inexoravelmente a
escutar os seus humildes pedidos (...) qualquer governo é melhor que a anarquia, e até o mais opressor
oferecerá mais esperanças de prosperidade que a vontade incontrolada do povão”. Pedia urgência a
Strangford sobre uma decisão de ajuda. Protetorado, auxílio ou o que fosse. Desde 1810, segundo este
sujeito, os governos contavam com o Império Britânico. “Os governos provinciais de Buenos Aires têm
conservado esta crença até agora, na esperança de que Sua Majestade Britânica acederia aos pedidos dos
seus infortunados povos e lhes faria conhecer qual seria a sua sorte.” Ver Webster, op. cit., T. I, p. 137.
8 Forbes, op. cit., p. 516.
9 Francisco Bauza, Historia de la dominación española en el Uruguay, a. edición, T I, p. 298,
Montevideo, 1929.
10 Esteban F. Campal, Los tapes misioneros, en marcha, 29 de abril de 1966, Montevideo.
11 Osear Schmieder, Geografía de América, p. 400. Ed. Fondo de Cultura Económica, México, 1965.
12 Eduardo Acevedo, José Artigas, jefe de los orientales y protector de los pueblos libres, p. 740, 2a
ed., Casa Barreiro y Ramos. Montevideo, 1933.
13 Acevedo, op. cit., p. 75.
14 Conferir Félix de Azara, Memoria sobre el Estado rural del Río de la Plata y otros informes,
Buenos Aires, 1943; Sarrahil, op. cit., para estudar sua época e o papel de seu irmão, o embaixador José
Nicolás de Azara.
15 Reyes Abadie, Bruschera y Melogno, La Banda Oriental, Pradera. Frontera. Puerto, p. 63, Ed. de la
Banda Oriental, Montevideo, 1966.
16 Vivian Trías, “La revolución agraria de los comandantes”, p. 3, Suplemento del diario Época, 10 de
septiembre de 1965, Montevideo.
17 A família Artigas, como todos os fundadores, acabou sem bens. Artigas vivia já do seu salário de oficial
do Rei.
18 Trías, op. cit.
19 O dirigente do Movimento Patriótico de Libertação da Argentina, dr. Carlos Díaz, do Chaco, e o
intelectual católico uruguaio, Alberto Menthol Ferré, têm assinalado o caráter de Artigas como caudilho
dos índios missioneiros. V Alberto Methol Ferré, “Artigas, último caudillo de las Misiones jesuíticas”, en
Época, Montevideo, 10 de septiembre de 1965; Carlos Díaz em Izquierda Nacional, n° 1, Buenos Aires.
20 Quais eram os oficiais de Artigas? Fernando Otorgues tinha se desempenhado como capataz das
Fazendas do Rei, emprego que obteve por influência de Artigas; Encarnación Benítez era peão e matreiro
(N.E. Que ia para o campo a fim de escapar da justiça); o mulato Gay, matreiro apenas; o capitão Pedro
Amigo era de análoga condição social. Ver Trías, op. cit.
21 Ver Reyes Abadie. Bruschera y Melogno, Artigas. Su significación en la revolución y en el proceso
institucional iberoamericano, p. 297 Ministerio de Instrucción Pública, Montevideo,
1966.
22 Ver El Diario, 13 de septiembre de 1949, Montevideo; Resumen, 30 de septiembre de 1949, Madrid.
23 Claudio Sánchez-Albornoz, España, un enigma histórico, p. 235, T II, Ed. Sudamericana, Buenos
Aires.
24 Caio Prado Júnior, Historia económica de Brasil, p. 89, Ed. Futuro Buenos Aires, 1960.
25 Arthur Ramos, Las poblaciones del Brasil, p. 150, Ed. Fondo de Cultura Económica, México, 1948.
26 N.E. Também conhecida como Conjuração Baiana ou Revolta dos Alfaiates.
27 N.E. Revolução Pernambucana ou Revolução dos Padres.
28 Vamireh Chacón, História das ideias socialistas no Brasil, p. 13, Ed. Civilização Brasileira, S. A., Rio
de Janeiro, 1965.
29 José Honório Rodrigues, Conciliação e reforma no Brasil, p. 39, Editora Civilização Brasileira S. A.,
Rio de Janeiro, 1965.
30 Ver Euclides da Cunha, Los sertones, Ed. Claridad, Buenos Aires, 1943.
31 Olga Pantaleão, “A presenca inglesa, no Brasil Monárquico”, p. 65, T. II, vol. I, da História geral da
civilizacão brasileira, 2a ed., Difusão Europeia do Livro, São Paulo, 1965.
32 Ibid., p. 76.
33 O gado da Banda Oriental dava de 16 a 20 arrobas de carne, enquanto que no Rio Grande do Sul não
passava de a 10 arrobas. Ver Prado Júnior, op. cit., p. 110.
34 Adolfo Saldías, Historia de la Confederación Argentina, T. I, p. 156, Ed. El ateneo, Buenos
35 Aires, 1951, y J. A. Soares de Souza, “O Brasil e o Prata até 1828”, p. 301, en História geral da
civilização brasileira, T. II, São Paulo, 1965.
Kauffman, op. cit., p. 63.
36 O príncipe João era um monarca obeso e tímido, que convivia puerilmente com a pompa e que
contribuiu para fazer do Rio de Janeiro algo parecido com uma Corte europeia. Era dispendioso na sua
mesa; só em dar de comer e beber aos parasitas que o rodeavam, João gastava anualmente 275 mil francos,
o que era um verdadeiro esbanjamento. Para ir direto ao ponto, o Príncipe Regente era de tal voracidade
burguesa que quando se entediava na Ópera do Rio, o que ocorria toda vez que assistia a ela, tirava de uma
pequena cesta um frango assado e espantava o sono que lhe produzia a música devorando com sentimento
o franguinho no camarote real. Em matéria de frangos “sempre tinha um por perto”, diz Renato de
Mendonça, em Breve historia del Brasil, p. 53, Ed. Cultura Hispânica, Madrid, 1950. Compreende-se
facilmente que, com semelhante príncipe, lorde Strangford carecesse de preocupações.
37 Webster, op. cit., T. I, p. 237.
38 H. S. Ferns, Gran Bretaña y Argentina en el siglo XIX, p. 176. Ed. Solar-Hachette, Buenos Aires,
1966.
39 Em 1810, o rei da Grã-Bretanha George III, tinha se afundado numa demência completa. “Havia algo
poético na figura desse velho rei cego, a perambular pelo seu castelo entre fantasmas, falando com as
sombras; pois ele vivia a sua vida entre os mortos, tocando seu órgão e sem perder jamais a sua serenidade
e as suas ilusões”, escreve a condessa Lieven. Ver Kauffmann, op. cit., p. 130.
40 Ibid.
41 Ibid.
42 Ibid.
43 Raúl Scalabrini Ortiz, Política britânica en el Río de la Plata, p. 103, a ed., Fernandez Blanco,
Buenos Aires, 1957.
44 Webster, op. cit., T. I, p. 160.
45 Memorias del general Marte, T II, p. 20.
46 A descarnada biografia de Thomas B. Davis (Carlos de Alvear, hombre de revolución, Ed. Emecé,
Buenos Aires, 1964) é incompreensiva na história argentina, embora rica em fatos sobre a personagem.
47 Marte, op. cit, p. 24.
48 Vicente G. Quesada, História diplomática latino-americana, T II. “La política del Brasil con las
repúblicas del Río de la Plata”, p. 111, Ed. La Cultura Argentina, Buenos Aires, 1919.
49 J. A. Soares de Souza, “O Brasil e o Prata até 1828”, T II, V I, p. 327, da História geral da civilização
brasileira, 2a ed., Difusão Europeia do Livro, São Paulo, 1965.
50 Quesada, op. cit., p. 110.
51 Ibid., p. 112.
52 O deão Funes escrevia para Sucre sobre García: “Ainda que este ministro sempre tenha sido suspeito no
referente a patriotismo, ninguém esperava dele uma traição tão soez e descarada. Suspeita-se com muito
fundamento que isso tem sido de acordo com lorde Ponsonby, Plenipotenciário da Inglaterra, de quem se
sabe de positivo tem aprovado o fato pelo senhor Garcia. Também se nota que todos os ingleses trabalham
a favor de que se admita o tratado”. Ver Peña, op. cit., p. 167.
53 Ferns, op. cit., p. 192. Rivadavia, preocupado pela sua segurança pessoal, fez imprimir na imprensa oficial
cartazes nos quais se lia: “Buenos Aires e Banda Oriental! García os tem traído! Os ingleses querem ter uma
parte dos despojos! Se não abrirmos os olhos, voltaremos aos tempos de Beresford!”. Já era tarde para se
tornar antiimperialista.
54 Peña, op. cit., p. 167.
55 Marte, op. cit., p. 30.
56 Scalabrini Ortiz, op. cit., p. 107.
57 Webster, op. cit., T. I, p. 196.
58 Ibid.
59 Luis Alberto de Herrera, La misión Ponsonby, T. I, p. 348, Montevideo, 1930.
60 Herrera, op. cit., T. II, p. 196.
61 Kauffman, op. cit., p. 201.
62 Scalabrini Ortiz, op. cit., p. 114.
63 Herrera, op. cit., T. II, p. 261. O bloqueio financeiro a que alude Ponsonby estava organizado pelo Banco
Nacional, sob o controle de comerciantes britânicos; os escassos “argentinos” do banco pertenciam ao
partido unitário e rejeitavam todos os pedidos do governador Dorrego. Ver Memorias del general
Marte, T II, p. 36, Ed. Fabril Editora, Buenos Aires, 1962.
64 Ibid., p. 248.
65 Os arquivos do Foreign Office podem ser consultados, pelo pesquisador, meio século depois de
transcorridos os acontecimentos a que aludem os documentos respectivos. Há uma só exceção: a
documentação relativa às relações entre a Inglaterra e a Irlanda é secreta, seja qual for o período a estudar.
A esta proibição excepcional tem que acrescentar, desde 1982, a documentação a respeito da usurpação
inglesa das Ilhas Malvinas. Os ladrões não querem deixar nenhum vestígio ao olho de Clio (Nota de 1987).
66 Webster, op. cit, T. I, p. 219.
67 Ibid.
68 Forbes, op. cit., T. II, p. 494.
69 Herrera, op. cit., T. II, p. 333.
70 Ver Saldías, T. I, p. 233.
71 Ver Herrera, T. II, p. 248.
72 Ramos, op. cit., T. I, p. 107.
73 Saldias, op. cit., T. I, p. 247.
74 Herrera, op. cit., T. II, p. 352.
75 Ibid.
76 Saldías, op. cit., T. I, p. 503.
Capítulo IX
O Congresso do Panamá
6. A reação do México
3. Santander conspira
1. A Confederação Peruano-boliviana
Santa Cruz havia sido presidente do Peru e marechal das suas forças
armadas, do mesmo modo que a história comum do Baixo e do Alto Peru, suas
analogias raciais, históricas, linguísticas e econômicas tornavam a unidade
política um resultado óbvio da mais pura necessidade. Porém, os fatores
separatistas começaram a minar, rapidamente, a construção confederativa. Pior
ainda, o principal inimigo da Confederação acabou sendo o ditador do Chile,
dom Diego Portales.
Quando os partidos da luta pela independência — carrerianos e o’higginistas
— foram desalojados do poder por anacrônicos, apoderou-se do governo do
Chile uma sólida classe social que não tem deixado, senão raramente, o controle
do país desde essa época: uma arraigada combinação de comerciantes e
latifundiários conservadores, espalhados em diversos partidos, mas unidos na
continuidade de uma ordem estável. Católicos ou liberais, ultramontanos ou
maçons, pelucones ou pipiolos4, frondistas ou plebeus, os integrantes da classe
dominante chilena detestavam toda mudança e, em particular, toda a
intervenção do “demos”, todo o grande projeto nacional, todo o atrevimento
histórico. Espremida entre a montanha e o oceano, essa oligarquia chilena, de
maneiras cultas e alma petrificada, foi uma tenaz defensora do patriotismo
provinciano mais obtuso.
Era perfeitamente natural que semelhante classe social encontrasse o seu
homem político num comerciante de Valparaíso, o porto estrangeiro por
excelência do Chile, a Buenos Aires do Pacífico. Esse homem foi Diego Portales.
É o medíocre burocrata prático que aparece em todos os estados balcanizados e
que despreza as quimeras. Organiza a administração pública, coloca ordem nas
finanças, submete o exército ao poder civil oligárquico, governa com mão de
ferro e aspira a uma república pequena e centralizada, uma espécie de estado
comercial mais próspero que seus próprios negócios privados, sempre em
ruínas.
Desconfiava de O’Higgins unicamente porque Carrera havia morrido e
porque por trás de O’Higgins percebia a sombra de Bolívar no Peru. Vencido e
morto Bolívar, eis que aparece agora no Peru outro Bolívar, menor sem dúvida,
mas que reformulava a Confederação, e tendia a fazer do porto de Callao um
porto mais importante no comércio do Pacífico que o de Valparaíso. De ste
modo, Portales prepara a guerra, rejeita todas as propostas do boliviano para
negociar, trata seus enviados com desprezo, provocao de mil maneiras, assalta
os barcos peruanos e os converte em barcos chilenos e, finalmente, declara
guerra à Confederação.5
Expõe suas ideias com admirável concisão:
A posição do Chile perante a Confederação Peruano-boliviana é insustentável. Não pode ser
tolerada nem pelo povo nem pelo governo, porque equivaleria a seu suicídio. Não podemos olhar
sem inquietação e o maior alarme a existência dos povos confederados, e que, ao final, pela
identidade de origem, língua, hábitos, religião, ideias, costumes, formarão, como é natural, um só
núcleo. Unidos esses dois estados, embora seja apenas momentaneamente, serão sempre mais do
que o Chile em toda ordem de questões e circunstâncias (...) A Confederação deve desaparecer para
sempre do cenário da América.6
6. Servis e febris16
7. Classes e raças
Entretanto, este pedido não encontrou acolhida. Em 1835, cinco anos depois
da morte de Bolívar e da desagregação da Grande Colômbia, aquele México que
tinha ambicionado anexar a América Central com o imperador Iturbide, perdia,
por sua vez, entre as presas dos expansionistas ianques, quatro estados
gigantescos: Texas, Novo México, Arizona e Califórnia.
O primeiro deles, cuja extensão geográfica era maior que a França, foi
colonizado por aventureiros norte-americanos, a escória social dessa nação,
segundo seus próprios apologistas: “Rudes elementos da sua classe, gente
acostumada a viver à margem da lei, impossível de governar a não ser por
métodos estabelecidos por eles mesmos”. O presidente dos Estados Unidos,
Andrew Jackson, um pilantra brutal, cuja fórmula favorita era “primeiro se
ocupa o território em disputa e depois se argumenta o direito a ocupá-lo”,
escolheu um herói digno da empreitada. Enviou ao Texas um antigo comparsa
do exército, Sam Houston, cuja degradação pessoal, assim como seu alcoolismo
crônico, foram tão insuportáveis em outros tempos para seus colegas, que
acabou por se incorporar durante vários anos a uma tribo de índios cherokees.
Estes o admitiram como irmão, outorgando-lhe o honroso título de “Grande
Bêbado”. Este farrapo humano foi chamado da tribo à Casa Branca pelo
presidente Andrew Jackson, que lhe deu instruções precisas para encabeçar uma
“revolução” no Texas e “liberar” os colonos ianques da “tirania do México”.
O “Grande Bêbado”, embalado pelo ardente rum do cofre divino, não pôde
se conter ao sair da Casa Branca. Disse aos jornalistas: “Vou ao Texas para me
tornar homem outra vez. Serei presidente de uma grande república. E haverei
de trazê-la para os Estados Unidos”.37
Os especuladores de terras, como Charles Butler e os banqueiros associados,
proporcionaram todos os recursos necessários. O México perdeu, entre 1835 e
1846, cerca de 1 milhão e 400 mil km2, quase a metade do seu território (mais
do que o atual território da Argentina). Imediatamente após ocupar as terras
mexicanas, os “civilizadores” norte-americanos restabeleceram a escravidão, que
havia sido abolida anos antes pelos “bárbaros mexicanos”. Agiotas, assassinos,
especuladores, banqueiros, dipsomaníacos incuráveis e ladrões de ofício
ampliaram a jurisdição territorial dos Estados Unidos.
Engels se equivocou ao julgar o golpe; mas, um poeta norte-americano, pelo
menos, escreveu alguns versos como humilde lápide:
Que gritem a toada da liberdade
Até se arroxearem as caras
Querem somente a Califórnia
Para somá-la aos Estados Unidos escravistas
E depois nos enganar e saquear.38
O território da pátria latino-americana, ao invés de se unificar, reduzia-se de
norte a sul.
1 Alfonso Crespo, Santa Cruz, p. 196, Ed. Fondo de Cultura Económica, 1944. Apoiam-no o sul do Peru e
Bolívia; porém o norte limenho e vice-real é hostil ao mestiço serrano filho de uma chefe indígena de
Huarina.
2 Reyeros, El pongueaje. La servidumbre personal de los indios bolivianos, p. 143.
3 Hugo Guerra Báez. Portales y Rosas, p. 176, Ed. del Pacífico, Santiago do Chile, 1958; Manuel Gálvez,
Vida de Don Juan Manuel de Rosas, p. 222, Ed. Tor, Buenos Aires, 1949; Enrique M. Barba,
Formación de la tiranía, p. 125, em Historia de la Nación Argentina, Vol. III, 2a ed., Ed. El Ateneo,
Buenos Aires, 1951; Antonio Zinny, Historia de los gobernadores de las provincias argentinas, p.
100, Vol. V Ed. La Cultura Argentina, Buenos Aires, 1921; Alberto Edwards Vives, La fronda
aristocrática, p. 45, E. del Pacífico, Santiago do Chile, 1959.
4 N.E. Eram chamados depreciativamente de pelucones, em alusão ao uso anacrônico de perucas, os
integrantes do grupo político conservador do Chile da primeira metade do século XIX. Pipiolos
“principiantes, novatos” era como os pelucones chamavam seus rivais liberais.
5 Guerra Báez, op. cit., p. 55.
6 Dizia Portales, numa carta ao almirante Blanco Encalada: “Pela sua extensão geográfica; pela sua maior
população branca; pelas riquezas conjuntas do Peru e da Bolívia, apenas exploradas agora; pelo domínio
que a nova organização trataria de exercer no Pacífico, tomando-nos; pelo maior número também de gente
ilustrada da raça branca, muito vinculada às famílias de influxo da Espanha que se encontravam em Lima;
pela maior inteligência de seus homens públicos, embora de menos caráter que os chilenos; por todas estas
razões, a Confederação afogaria o Chile em muito pouco tempo”. E acrescentava: “Devemos dominar para
sempre o Pacífico”: Guerra Báez, op. cit., p. 184. Admirável patriotismo dos caciques da paróquia sul-
americana: já os ingleses tinham em suas mãos todo o comercio do Chile; rapidamente controlariam a
economia do salitre; e antes de acabar o século os ianques tomariam o cobre chileno.
N.E. Os habitantes do litoral chamavam assim os que procediam das regiões mais altas. De arriba, que em
espanhol significa acima, do alto etc.
7 Crespo, op. cit., p. 251.
8 Saldías, Historia de la Confederación Argentina, T II, p. 65.
9 As diferenças funcionais entre os dois partidos de Buenos Aires — o comércio unitário e os fazendeiros
federais — explicam-se em Ramos, Las masas y las lanzas, p. 121. Buenos Aires.
10 Gálvez, op. cit., p. 224.
11 Crespo, op. cit., p. 284.
12 Ibid., p. 312.
13 Crespo, op. cit., p, 321.
14 Ibid., p. 320.
15 De 1825 até 1898, estouraram na Bolívia sessenta revoluções, sem contar as guerras internacionais, e
morreram sete presidentes assassinados: Antonio José de Sucre, Pedro Blanco de Soto, Manuel Isidoro
Belzú Humerez, Jorge Córdova, Mariano Melgarejo Valencia, Agostin Morales Hernández e Hilarión Daza
Groselle, sem contar os que morreram no exílio. Ver Alcides Arguedas, Pueblo enfermo, Barcelona,
1906.
16 N.E. Assim eram chamados os dois partidos em disputa na América Central no período da Assembleia
Constituinte entre 1823 e 1824, sendo que os servis correspondiam às facções conservadoras ou moderadas
e os febris às liberais. A denominação de febris dada aos liberais deve-se a forma eloquente, acalorada,
exaltada, febril com que defendiam as suas posições liberais e federalistas contra os servis conservadores e
centralistas que representavam as grandes famílias guatemaltecas. No decorrer da história dos povos da
América Central, estes “partidos” assumiram outras denominações como Timbucos (liberais) e Calandracas
(conservadores), para, finalmente, serem chamados simplesmente de Liberais e Conservadores.
17 Gallardo, Las constituciones de la República Federal de Centroamérica, p. 59.
18 Ibid., p. 45.
19 Gallardo, op. cit., p. 59.
20 Ibid.
21 Na Guatemala havia 50 mil brancos, 150 mil mestiços e 800 mil índios. Em El Salvador, mil brancos e
350 mil índios. Ver Pedro Joaquín Chamorro, Historia de la Federación de la América Central, p. 19,
Ed. Instituto de Cultura Hispánica, Madri, 1951.
22 N.E. Os nativos eram obrigados a trabalhar em regime semi-servil jornadas mais longas e mais longe
dos povoados ou cidades por mandamento-ordem da autoridade colonial etc.
23 N.E. Sistema que obrigava os índios a trabalhar em regime servil temporadas na fazenda, retornando
regularmente para trabalhar no seu próprio sustento e para pagar tributos.
24 Gallardo, op. cit., p. 62 e ss.
25 El Salvador produzia anil, bálsamo, cacau e açúcar. Os principais produtos exportáveis da América
Central eram o algodão, o anil, a madeira de construção e o pau de tinta. Ver Gavidia, Historia moderna
de El Salvador, e Chamorro, op. cit.
26 Gallardo, op. cit., p. 268.
27 Arturo Humberto Montes, Morazán y la federación centroamericana, p. 319. Libro Mex Editores,
México, 1958.
28 Gallardo, op. cit., p. 270.
29 Seria impossível sequer esboçar um resumo bibliográfico das maldades norte-americanas na América
Latina a partir da segunda metade do século passado. A título ilustrativo, ver Samuel Flagg Bemis, La
diplomacia de EE. UU. en América Latina, Ed. Fondo de Cultura Económica, México. Carlos
Montenegro, Las inversiones extranjeras en América Latina, Ed. Coyoacán, Buenos Aires, 1962.
William Kreem, Democracia y tiranías en el Caribe. Joseph Freeman y Scott Nearing, La diplomacia
del dólar, 1935; Carlos Ibarguren, De Monroe a la buena vecindad, Buenos Aires, 1951. Margaret
Marsh, Los banqueros en Bolivia, Ed. Aguilar, Madrid. Leland H. Jenks, Nuestra Colonia de Cuba, Ed.
Aguilar, Madri, 1929.
30 “O interesse dos escravagistas serviu de estrela polar para a política dos Estados Unidos, tanto no
exterior como no interior (...) Sob seu governo, o norte do México foi dividido entre os especuladores de
terras estadunidenses, que esperavam com impaciência o sinal para cair sobre Chihuahua, Coahuila e
Sonora. As revoltosas e piratas expedições dos flibusteiros contra os estados da América Central eram
dirigidas, nada mais nada menos, pela Casa Branca de Washington”, em Marx, La guerra civil en los
Estados Unidos, p. 90, Ed. Lautaro, Buenos Aires, 1946.
31 Gallardo, op. cit., p. 428.
32 Ibid.
33 Gallardo, op. cit., p. 451.
34 Montenegro, op. cit., p. 30.
35 José María Torres Caicedo, Mis ideas y mis principios, T II, p. 31, Paris, 1875.
36 Citado por González Navarro, El pensamiento político de Lucas Alamán, p. 130.
37 Montenegro, op cit., p. 31.
38 Ibid., p. 38.
39 Saldías, op. cit., T. III. p. 174; Julio Irazusta, Vida política de Juan Manuel de Rosas a través de su
correspondencia, T.V, p. 180, Ed. Huemul, Buenos Aires, 1961: Barba, op. cit., Jorge M. Mayer, Alberdi
y su tiempo, p. 634, Ed. Eudeba, Buenos Aires, 1963.
40 N.E. Napoleäo III do 18 Brumário de Luís Bonaparte, de Karl Marx.
41 Saldías, op. cit., T. III, p. 174.
42 O ataque ao México pelos Estados Unidos “fizeram os Estados Unidos perderem a confiança e respeito
da Argentina e colocaram o governo de Washington no mesmo nível que os de Londres e Paris”, que
naquele mesmo momento estavam intervindo com suas frotas no Rio da Prata. Ver John F. Cady, La
intervención extranjera en el Río de la Plata (1838-1850), p. 209, Ed. Losada, Buenos Aires, 1943.
43 Saldías, op. cit., T. III, p. 252.
44 Torres Caicedo, op. cit., p. 42.
45 Ver José Victorino Lastarria, La América, p. 251, Imprenta del Siglo, Buenos Aires, 1865.
46 Ver Carlos D’Amico, Buenos Aires, su política, sus hombres, Ed. Americana, Buenos Aires, 1953.
47 Mitre reclamava a Sarmiento por ter participado do congresso depois de haver pronunciado, na sua
qualidade de diplomata argentino, belicosos discursos contra a Espanha. O presidente se declarou
surpreendido “depois de tão guerreira declaração, me aparece você com a bobagem do Congresso
Americano de Lima”, organizado por “ódio à democracia norte-americana”. Ver Rodolfo Ortega Peña y
Eduardo Luis Duhalde, Felipe Várela contra el imperio británico, p. 73, Ed. Sudestada, Buenos Aires,
1963, e Manuel Gálvez, Vida de Sarmiento, p. 263, Ed. Tor, Buenos Aires, 1952.
48 Lastarria, op. cit., p. 248.
49 Ibid.
50 Gabriel René Moreno, Ayacucho en Buenos Aires, p. 67.
Capítulo XII
1. O positivismo na Europa
3. Positivistas e Jívaros11
O nobre produto importado vinha com a garantia do selo europeu e isso era
suficiente! Entretanto, empregávamos essa superestrutura jurídica e filosófica
burguesa sem haver realizado, na América Latina, a revolução burguesa que a
havia gerado na Europa. Operava-se uma viagem transatlântica das leis e da
filosofia sem importar, ao mesmo tempo, as relações sociais, os métodos de
produção e tampouco a estrutura de classes. A América Latina teve assim
matrimônio civil sem máquina a vapor e estados soberanos, organizados
segundo o modelo de John Locke, onde alguns cidadãos passavam as tardes
encolhendo crânios humanos ao tamanho de um punho mediante um
interessante procedimento de cozimento desconhecido pelos juristas ingleses.
Tivemos cemitérios secularizados e escola laica, mas se manteve o atraso clássico
que assegurava a condição semicolonial da América Latina. Gozamos (e nem
sempre!) de soberania territorial em cada estado, com a condição de esquecer
nossa soberania dividida como nação inconclusa.
Assim, redigiram-se soberbas constituições, de cunho europeu ou norte-
americano, estabelecendo os três poderes de Montesquieu em províncias
esfarrapadas erguidas como “nações”, que até careciam de burguesia, e cujos
orçamentos mal chegavam para pagar os salários de um só poder, que era
sempre o Poder Executivo. Os partidários do positivismo burguês europeu, na
América Latina, acabavam sendo os inimigos do desenvolvimento capitalista
nas suas próprias pátrias!
A filosofia que a burguesia europeia adotava após o seu triunfo era acolhida
pelos latifundiários parasitários ou exportadores improdutivos dos grandes
portos como a fórmula intelectual do “progresso”. Porém, nessa filosofia o
acento estava posto na “ordem” mais do que no progresso e era protegida pelas
classes mais hostis à conquista de uma economia independente.
O positivismo se revelava, definitivamente, como uma filosofia
conservadora, do qual haviam invertido o seu sentido ao cruzar o oceano: seus
cândidos consumidores latino-americanos a identificavam com as “ideias
avançadas”. Ressuscitava sob novas formas o antagonismo entre o pensamento e
a vida, patético nos séculos colon iais e que na era insular resultaria tragicômico.
8. Poetas e profetas
9. Rodó e o arielismo
Em Ariel não havia furor. Incitava-se à elevação moral. Afinal, Rodó emitia
frases de uma sociedade satisfeita, à qual as cavalarias de Aparício Saraiva
dariam um último sobressalto em 1904, uma sociedade praticamente de prazeres
virtuosos e inimiga do excesso. Além disso, Francisco Piria, à frente de uma
legião de arrematadores25, criou em Montevidéu uma nova classe de pequenos
proprietários qu e constituiriam a base social granítica dos arielistas. Atrás das
polidas frases de Rodó, descobria-se um rosado Nirvana distribuindo conselhos
de idealismo aos famintos da Pátria Grande.26
Toda a auto satisfação das oligarquias ilustradas da América Latina, sua
concepção pro domo sua de um progresso quimérico, sua latinidade, seu
humanismo lacrimejante, seu desdém aristocrático pelas baixas necessidades
materiais, sua adoração às formas, todo esse detrito ético do estancamento
continental, Rodó o poliu, o empacotou e o serviu à jovem classe média da
América hispânica, acompanhado dessa gelatina com sacarina de cuja fabricação
havia se tornado mestre.
A pequena burguesia satisfeita do Porto intemporal se sublimava com Rodó
e oferecia à sua tiritante congênere latino-americana o mais delicioso narcótico
da sua rica farmacopéia importada. Nessas doces horas sem futuro, este
estupendo sermão laico arrancou um ah! geral de deslumbramento.
Apesar de tudo, havia uma amarga injustiça em glorificar a peça mais
detestável e niilista de Rodó, justamente o escritor que no Prata torna a
reivindicar Bolívar e retoma a ideia da Pátria Grande. Sepultar seu Bolívar e
exaltar seu Ariel, eis aqui a impostura clássica do colonialismo cultural
posterior. 27
Entretanto, o que é mais marcante ainda, não se refere somente aos pontos
da mera doutrina, mas sim à atitude diferencial de Ugarte e de outros homens da
sua geração diante da primeira guerra imperialista, pedra de toque para todos os
“latino-americanistas” dos tempos pacíficos, como Alfredo Palacios, Rodó e
congêneres. Ao estourar a guerra de 1914, a “doce França” e a “nobre Inglaterra”
entraram em luta com o “bárbaro teutão”. Às primeiras se acrescentará, logo,
outra “democracia”, os Estados Unidos.
Nas duas guerras imperialistas aconteceu o mesmo fenômeno. Não era
muito lírico para a inteligência se entregar à veneração do empório agiota da
Grã-Bretanha. Mas a velha entente cordiale entre a França e a Inglaterra permitia
aos poetas e escritores defender os investimentos ianque-britânicos em nome da
cultura francesa.
Por acaso o bando da “civilização” não se compunha das potências
imperialistas que mantinham a América Latina na barbárie? Somente um
completo serviçal e um exaltado arielista podia identificar nosso destino com
essas democracias coloniais. Toda a “inteligência”, no entanto, caiu de joelhos
perante o “espírito”: Rodó, Palacios, Frugoni, García Calderón, Lugones, Rojas,
Gómez Carrillo, Alcides Arguedas, Rubén Darío. A lista é interminável. Mas
Ugarte assumiu uma posição neutra. Publicou um jornal em Buenos Aires
intitulad o La Pátria para lutar contra a participação argentina na guerra
imperialista.
Os críticos cegos nunca perdoaram Ugarte por essa conduta. Assim Alberto
Zum Felde opina sobre os escritos de Ugarte:
Considerados como ensaística, não oferecem valores especialmente ponderáveis (...) se ressentem
de superficialidade filosófica, de carência de fundamentação sociológica séria; não vão a fundo no
exame dos problemas, nem tentam revisar algumas das questões; no lugar disso, oferecem
abundante glosa verborrágica de tópicos já conhecidos.29
É verdade que antes o mesmo crítico havia escrito o seguinte:
Todo nacionalismo nesta América é essencialmente oposto ao sentido de universalidade de nosso
devir, postulado fundamental de nossa entidade (...) O que a América não pode seguir é a rota de
nenhum nacionalismo, nem mesmo do seu próprio, no caso de que pretendesse tão minguado
intento e enquanto este se opusesse ao espírito de universalidade, que é nosso imperativo
histórico.30
É inútil esclarecer ao leitor que Zum Felde foi um abnegado democrata
durante a última guerra, partidário das democracias imperialistas. Também Luis
Alberto Sánchez diz: “Ugarte, ao cabo de anos de apostolado, tem um entardecer
cético e claudicante”.31
Essa frase misteriosa, o que significa? Sánchez é um dirigente aprista32,
devoto e hagiógrafo de Haya de la Torre. Ugarte ensinou-lhes, como o próprio
Haya nunca deixou de reconhecer, o que significava o imperialismo na América
Latina. Porém, Sánchez introduziu na segunda edição de seu livro essa frase
misteriosa, porque Ugarte apoiou o general Perón em 1945 e foi embaixador do
seu governo no México em 1947. Como se vê, o ex-antiimperialista Sánchez
imputa a Ugarte “claudicação”, porque, enquanto Sánches estava ao lado dos
Estados Unidos na guerra, Ugarte estava contra ela, e enquanto Sánchez se unia
ao “civilismo” peruano dessa época, Ugarte enfrentava a oligarquia argentina.
Curiosa integridade a de Sánchez e radiante o seu entardecer. Terminado o
conflito, naturalmente, grande parte dos intelectuais latino-americanos se
reincorporaram em bandos nesse exército de Xerxes, nos quais se integram os
“Mestres da América” do tipo de Palacios, e que derramaram lágrimas
eloquentes e veementes gritos de alerta frente “ao perigo ianque”. Ugarte nunca
pertenceu a esse tipo repulsivo de redentorista sul-americano, que só exerce seu
ofício nos dias serenos e sempre goza da simpatia da grande imprensa
comprometida.
Não surpreenderá o leitor saber que na segunda guerra imperialista, todos
mantiveram as mesmas posições, Ugarte e os outros. Tampouco será demais
recordar que, em 1945, quando na Argentina o país estava polarizado entre
Spruille Braden e Perón, Ugarte regressou, após muitos anos de ausência, e se
posicionou contra o embaixador Braden, enquanto a imensa maioria da
intelligentsia argentina e latino-americana se pronunciava contra Perón. A
coragem moral de estar contra os mandarins jamais faltou a Ugarte, e essa é a
razão do silêncio profundo que envolve a sua pessoa e a sua obra.
Darei só um exemplo: Ugarte não chegou a ver publicado em vida nem um
só livro seu na Argentina. Somente em 1953 se fez a edição argentina de El
parvenir de América Latina e em 1961 e 1962 foram publicados La Pátria Grande,
La reconstrucción de Hispanoamérica, El destino de um continente, assim como um
trabalho intitulado Manuel Ugarte y La revolución latinoamericana, que escrevi em
1953. Os livros mencionados tampouco foram publicados por editora comercial
alguma, mas por Ediciones Coyoacán, que eu dirigia com fins exclusivamente
políticos e que acabou confiscada, em parte, pelo SIDE (Serviço Secreto do
Estado Argentino) em 1962 e logo destruída com bombas incendiárias em 1964,
sem que ambos os fatos encontrassem na imprensa da “esquerda sipaia” o menor
eco, nem protesto.
Por volta de 1900, a consciência nacional latino-americana se fragmenta. O
destino de Ugarte é o melhor testemunho: o mais penetrante latino-americano
dos anos novecentos se converte num morto civil. Se sua cabeça figura no mural
que o pintor Oswaldo Guayasamín criou na Universidade de Guayaquil, junto à
de Bolívar e à de San Martin, na Argentina permanece desconhecido. A
bibliografia sobre a nebulosa herança de Rodó é tão asfixiante e desatualizada
como o próprio Rodó, porém nada se escreve sobre Ugarte. Isso diz muito sobre
ambos os personagens e sobre os profundos exegetas.
Uma ensaística torrencial se derramaria depois sobre o “americanismo” ou o
indigenismo abstrato. Seus autores se recrutavam entre os viandantes a meio
caminho de um liberalismo desbotado e os matizes prudentes das “vibrações
telúricas”. Outro gênero, mais “visionário”, era o dos escritores que tinham
perpetuamente dilatada a pupila sobre “o mistério da América”. Esse pântano de
águas vivas e matérias orgânicas já devorou milhares de volumes nutridos por
esse Grande Nada que a imprensa “séria” chamou “o pensamento americano”.
Todo o segredo consistiu em evitar os temas essenciais do drama.
2. Unilateralidade da produção
3. Da imitação à revolução
5. O significado do aprismo
De fato, a razão estava com Haya de la Torre. Nada mais errado que
identificar as nacionalizações num país imperialista com as de um país
semicolonial. Se assim fosse, a nacionalização do petróleo mexicano por
Cárdenas teria o mesmo significado da que foi realizada na indústria
automobilística pela França imperialista, em 1946. Esta última obedecia ao
déficit dessa indústria, salva pelo estado imperialista mediante uma generosa
indenização. Mas os proprietários “nacionalizados” na França eram franceses,
não estrangeiros, e a França burguesa nada tinha a temer deles. A nacionalização
no México, pelo contrário, era um ato defensivo de um país revolucionário
diante dos capitais estrangeiros.33
“Para falar concretamente” — escrevia Mella —, “liberação nacional absoluta
somente a conseguirá o proletariado, e será por meio da revolução operária .34
Ao passar por cima das tarefas da unidade nacional da América Latina,
principal fator para a liberação latino-americana do imperialismo, o militante
cubano resumia a estratégia revolucionária na fórmula lapidar de “revolução
operária”.
Precisamente por causa do atraso histórico de nossos estados, do
estrangulamento do seu desenvolvimento industrial por obra da oligarquia
agrária e do imperialismo estrangeiro, o peso específico da classe operária
latino-americana é muito menor que o das classes sociais não proletárias no
interior de cada estado.35 A grande maioria da população latino-americana está
vinculada ao campo e aos setores de serviços, burocráticos ou de transportes.
Nesse quadro, a classe operária não pode resolver por si mesma o triunfo da
revolução, a menos que estabeleça uma aliança com as restantes classes
oprimidas. Deve assumir, no seu programa, não somente as suas próprias
reivindicações, mas também as aspirações democráticas e nacionais das demais
classes. Só nesta perspectiva a classe operária pode liderar as grandes maiorias
nacionais na luta contra o imperialismo.
Nacionalismo e socialismo não brotavam na América Latina da cabeça de
nenhum teórico, mas da sua própria estrutura econômica e social.
Entretanto, para poder realizar a revolução democrática, nacional e social na
América Latina, a história exigia que o movimento fosse conduzido numa
perspectiva ao mesmo tempo nacionalista e socialista. O nacionalismo não devia
ser aristocrático, de uma elite civil ou militar, mas popular, e o socialismo devia
abandonar para sempre seus laços com o cosmopolitismo europeu.
Nacionalismo popular e socialismo crioulo, tal era a fórmula. Isto nos remete
diretamente ao caráter da revolução latino-americana.
Por outro lado, a entrega de terras aos camponeses bolivianos criou uma
classe de pequenos proprietários capitalistas, naturalmente, com baixo nível
produtivo e técnico, de ínfima capitalização, mas capitalistas de qualquer forma.
Esse fato era, por um lado, de imensa progressividade histórica; por outro, a
revolução boliviana estabelecia uma ordem social conservadora no campo e uma
fonte de imensos perigos. Para conjurá-los, a revolução agrária devia ser
acompanhada de uma política de industrialização e de controle p olítico de toda
a economia boliviana, com a participação democrática de todos os trabalhadores
na construção desse planejamento. Senão, o campesinato podia, no dia de
amanhã, estrangular a revolução. Não era nada impossível que acabassem por se
converter na base passiva de uma ditadura militar capaz de garantir a possessão
das suas terras em troca da recolonização do restante do país.
A revolução agrária burguesa devia ser apenas o primeiro passo para
conquistar o apoio dos camponeses, criando um mercado interno para a
indústria, e utilizar as velhas comunidades agrárias como formas de transição
para uma socialização da agricultura num alto nível técnico.61
1 Andrés Molina Enríquez. Los grandes problemas nacionales, 1909. Citado por José E. Iturriaga, La
estructura social y cultural de México, p. 106, Ed. Fondo de Cultura Económica, 1951, México.
2 Jesus Silva Herzog, Breve historia de la revolución mexicana, p. 22, Tomo I, Ed. Fondo de Cultura
Económica, México, 1960.
3 M. S. Alperovich y B. T. Rudenko, La Revolución Mexicana de 1910-1917 y la política de los Estados
Unidos, p. 33, Ed. Fondo de Cultura Popular, México, 1960.
4 Silva Herzog, op. cit., p. 14.
5 Alperovich e Rudenko, op. cit., p. 32.
6 Silva Herzog, op. cit., p. 16.
7 Era uma brincadeira corrente: quando alguém perguntava se Terrazas era do estado de Chihuahua,
responder: “Não, o estado de Chihuahua é de Terrazas”.
8 Silva Herzog, op. cit., p. 20.
9 O ganho diário de um peão ao estourar a revolução mexicana era de dezoito a vinte e cinco centavos por
dia (o peso mexicano equivalia a um dólar). O peão recebia um salário igual ao dos seus antepassados de
1792. Porém, o custo dos artigos fundamentais (arroz, milho, trigo, feijão) havia dobrado num século.
10 Ver o livro México insurgente, John Reed.
11 Luis Enrique Erro, Los pies descalzos. Citado em Silva Herzog, op. cit., p. 30.
12 N.E. Grupo humano submetido a um sistema de aliciamento, ou escravidão mascarada, em que se
empenha o trabalho para saldar dívida.
13 Diz Marx em O Capital: “Em alguns países, sobretudo no México (...) a escravidão aparece disfarçada
sob a forma de peonagem. Mediante adiantamentos que precisam ser resgatados trabalhando e que se
transmitem de geração a geração, o peão, e não somente ele, mas também a sua família, passa a ser de fato
propriedade de outras pessoas e de suas famílias”, Tomo I, P. 122, Ed. Fondo de Cultura Económica,
México, 1964.
14 Em 1810, Morelos assinava um documento no qual se declarava que a partir daquele momento não mais
se chamariam os filhos do país de “Índios, Mulatos, nem castas, mas todos, no geral, Americanos. Ninguém
pagará tributo, nem haverá escravos doravante, e todos os que os tenham, seus donos serão castigados. Não
há caixas de Comunidade, e os Índios receberão a renda de suas terras como suas próprias. Todo americano
que deva qualquer quantidade aos Europeus não está obrigado a pagá-la; porém, ao contrário, deve o
Europeu pagar com todo o rigor o que dever para o Americano” Ver Alfonso Teja Zabre, Morelos, p. 144,
Ed. EspasaCalpe Argentina, Buenos Aires, 1946.
15 A evolução de Porfirio Díaz, desde seus momentos iniciais de confronto com os Estados Unidos até sua
desconfiada amizade com perigosos vizinhos está detalhadamente narrada por Daniel Cosio Villegas em
Estados Unidos contra Porfirio Díaz, México.
16 Ver Aperovich e Rudenko, op. cit, p. 64.
17 N.E. Grifo é um bicho mítico com cabeça de águia e corpo de leão.
18 Carlos Fuentes, Tiempo mexicano, p. 61, Ed. Cuadernos de Joaquín Martiz, México, 1980.
19 As grandes fortunas acumuladas por crioulos civis ou eclesiásticos não podem ser qualificadas como
capital nacional no sentido reprodutivo e dinâmico da expressão. O seu reinvestimento tinha um caráter
suntuário, usurário e litúrgico, que se esgotava em si mesmo. Veja o exemplo de Ouro Preto no Brasil, de
Potosí na Bolívia ou de Lima no Peru. Nem a prata de Potosí nem o ouro de Ouro Preto contribuíram para
extrair minérios de ferro e construir uma siderurgia. Porém, as três esplêndidas cidades ficaram como
museus de um apogeu desaparecido.
20 Conferir Charles A. Beard, Una interpretación económica de la Constitución de los Estados
Unidos, p. 100, Ed. Arayú, 1953, Buenos Aires.
21 Gilberto Amado, citado por Paulo R. Schilling, op. cit., p. 85.
22 A palavra “nacional” é empregada aqui num sentido forçado, prático e provisório. Só o latinoamericano
é “nacional” e se chamarmos “nacionais” aos movimentos populares e revolucionários da Bolívia, Peru,
Argentina etc. é exclusivamente para indicar a participação de classes diferentes no seu seio. Esses
movimentos são realmente “estaduais” e, além disso, só poderão alcançar seus objetivos de liberação no
marco da Confederação Latino-americana.
23 Ver estudo detalhado do radicalismo de Yrigoyen em Ramos, Del patriciado a la oligarquía (1862-
1904) y La bella época (1904-1922), Ed. Mar Dulce, Buenos Aires, 1982.
24 A influência do pensamento de Manuel Ugarte sobre Haya de La Torre e o aprismo tem sido
expressamente reconhecida por este. Ver Víctor Raúl Haya de la Torre, Treinta años de aprismo, p. 45,
Ed. Fondo de Cultura Económica, México. 1956.
25 Ibid, p. 15.
26 Referimo-nos às grandes linhas do desenvolvimento latino-americano, à tendência geral, sem perder de
vista que a América Latina é uma espécie de Frankenstein histórico-social, sendo que cada um dos seus
pedaços tem ambicionado um desenvolvimento próprio e carrega consigo uma monstruosidade particular.
A lei do desenvolvimento combinado permitia observar,
no Peru, exposições sutis da arte moderna, o uso do avião ou indústrias complexas, enquanto a quinhentos
quilômetros da costa peruana a história descia bruscamente um milênio ou mais até a comunidade
primitiva, a tribo da floresta e a idade do bronze.
27 Julio Antonio Mella, Ensayos revolucionarios, Ed. Popular de Cuba y del Caribe, La Habana, 1960.
28 Víctor Raúl Haya de la Torre, El antiimperialismo y el APRA, Ed. Ercilla, Santiago de Chile, 1936.
29 Mella, op. cit., p. 7.
30 Ibid., p. 13.
31 Leon Trotski, Historia de la Revolución Rusa, Tomo II, p. 89, Ed. Tilcara, Buenos Aires, 1962.
32 Mella, op. cit., p. 13.
33 “O México semicolonial luta pela sua independência nacional, política e econômica. Tal é, no estado
‘atual’, o conteúdo fundamental da revolução mexicana. Os magnatas do petróleo não são capitalistas
comuns, simples burgueses. Possuem as mais importantes riquezas naturais de um país estrangeiro, se
apoiam sobre seus bilhões e na estrutura militar e diplomática de suas metrópoles, e se esforçam por
estabelecer num país subjugado um regime de feudalismo imperialista, procurando subordinar a legislação,
a justiça e a administração. Nessas condições, a expropriação é o único meio sério de salvaguardar a
independência nacional e as condições elementares da democracia.” Leon Trotski, em Por los estados
socialistas de América Latina, p. 21, Ed. Coyoacán, Buenos Aires, 1961.
34 Mella, op. cit., p. 24.
35 Estas observações, válidas para a situação latino-americana de 1930, não têm perdido a sua força em
1985, quando o desenvolvimento industrial da América Latina tem deixado inalterado o diagnóstico
anterior, em virtude do vertiginoso crescimento demográfico da população, principalmente no setor
agrário. É importante frisar, no entanto, que na Argentina, Chile e Uruguai, por exemplo, o eixo da
revolução não se acha no campo, mas nas cidades. Para nos referirmos somente à área do Prata, todo o
pampa úmido é tipicamente capitalista e os “camponeses” são aliados instáveis, mas enfim aliados, da ordem
oligárquica “moderna”. Só se mobilizam pelos preços “sustentados”, fixados pelo governo, ou pela taxa de
câmbio com o dólar, quando lhes é desfavorável.
36 N.E. Foi mantido o termo, pois, por exemplo, na tradução brasileira dos Sete ensaios de autoria de José
Carlos Mariátegui a expressão é mantida. E há ensaios acadêmicos, alguns publicados pela USP, nos quais
permanece a expressão.
37 Haya de la Torre, op. cit., p. 63. “Nós não somos um povo industrial; consequentemente, a classe
proletária do nascente industrialismo é jovem (...) Uma criança vive, uma criança sente dor, uma criança
protesta contra a dor; no entanto, uma criança não está capacitada a se dirigir por si mesma.” Ver Trinta
anos de aprismo, p. 126. Tal é o conceito paternal de Haya a respeito do proletariado latino-americano.
38 Haya de la Torre, op. cit, p. 23.
39 Ibid. p. 24. Também em El antiimperialismo y el APRA o mesmo autor diz: “Para nossos povos, o
capital de exportação ou importação introduz a etapa inicial da sua idade capitalista moderna. Não se repete
na América Indígena, passo a passo, a história econômica e
40 social de Europa. Nesses países, a primeira forma de capitalismo moderno é a do capital estrangeiro
imperialista” (p. 51). Haya de la Torre reforça e esclarece seu pensamento com esta frase de C. K. Hobson:
“Comparados com os de outros países, os investimentos britânicos têm atuado como pioneiros no
descobrimento e abertura de novos campos de desenvolvimento”. É evidente o caráter apologético do papel
desempenhado pelo imperialismo na América Latina e o desconhecimento do chefe aprista da verdadeira
natureza do capital financeiro.
41 Haya de la Torre, El antiimperialismo y el APRA, p. 68.
42 Essa corrente de investimento imperialista não só cria na primeira etapa de expansão agrária ou
mineradora uma classe média, mas também um proletariado, como diz Haya. O que esse autor esquece de
mencionar é que esse proletariado faz parte da “aristocracia do trabalho” do país dado e que os operários e
empregados das empresas de capital estrangeiro são a fonte do “sensacionalismo político” e do
conformismo mais completo. O desenvolvimentismo, os cepalinos e os teóricos do investimento
estrangeiro como fórmula mágica da “decolagem” são discípulos diretos de Haya de la Torre. Por seu lado,
o stalinismo e os esquerdistas abstratos da América Latina desconhecem, como era de se prever, as obras de
Haya de la Torre; preferem praticar esse perpetuum mobile que Goethe definia assim: “Não há nada mais
horroroso que a ignorância ativa”.
43 Haya de la Torre, Treinta años de aprismo, p. 150.
44 Idem. La defensa continental, p. 134, Ed. Américalee, Buenos Aires. 1940.
45 Ibid. p. 87.
46 Haya de la Torre, La defensa continental, p. 156.
47 Ibid., Treinta años de aprismo, p. 183.
48 Palavras do deputado aprista peruano Nicanor Mujica em 1965, referindo-se à iniciação das guerrilhas
dirigidas pelo ex-dirigente aprista Luís de la Ppente Uccda. Citado por Américo Pumaruna, “Perú:
revolución, insurrección, guerrillas”, p. 73, na revista Ruedo Ibérico, n° 6, abril-mayo de 1966, Paris.
49 Haya de la Torre, Treinta años de aprismo, p. 244. Deve-se lembrar que esta doutrina do famoso
sipaio uruguaio pregava a intervenção militar contra a Argentina, por causa de Perón.
50 Eduardo Rodríguez Larreta, Ministro das Relações Exteriores do Uruguai no governo colorado de Juan
José Amézaga (1943/1947), co-fundador do jornal conservador uruguaio El País, formulou em 1945, sob a
inspiração dos Estados Unidos, a doutrina de intervenção conjunta ou coletiva nos países do hemisfério
que não aderissem “a paz e a democracia”. Esta doutrina de intervenção em países soberanos foi articulada
particularmente pelo embaixador dos Estados Unidos na Argentina, Spruille Braden, que preparava uma
intervenção militar no país para derrubar Perón.
51 N.E. Álvaro Obregón e Plutarco Elias Calles foram presidentes mexicanos defensores da reforma
agrária.
52 Céspedes, op. cit, p. 82.
53 N.E. Era o nome dado em vários países latino-americanos à camarilha que influía nos assuntos de
Estado ou em decisões de autoridades superiores.
54 Ver Augusto Céspedes, Metal del diablo (biografia de Patino). Hochschild morreu em Paris em 1956.
O célebre ladrão deixou uma herança de bilhão de dólares.
55 N.E. Todos condimentos apimentados. A palmeira de betéle é comum na Ásia.
56 Ver Carlos Malpica, Crónica del hambre en el Perú, p. 39, Ed. Francisco Moncloa, Lima, 1966.
57 O autor desse livro qualificou o golpe de 21 de julho de 1946 como “uma revolução do dólar na Bolívia”:
tal foi o título de um artigo que escrevi na revista Outubro, n° 4, janeiro-fevereiro de 1947, Buenos Aires,
naturalmente com grande escândalo da tagarelice sipaia, tão antivillarroelista como antiperonista.
58 Ver Céspedes, El Presidente colgado, p. 256 e ss. Nos dias anteriores à sua queda, Villarroel tinha
ordenado a importação de oitenta tratores do Canadá para as principais comunidades indígenas da Bolívia.
O novo governo oligárquico cancelou a ordem. Ver Faustino Reinaga, Tierra y Libertad, p. 32. Ed.
Rumbo Sindical, La Paz, 1952.
59 Céspedes, El dictador suicida, p. 114.
60 Rene Zavaleta Mercado foi o novo pregador desse localismo: “É possível que num sentido científico
estrito possa se aceitar a ideia de uma nação chiriguana, e, como se vê, também não é falso falar de uma
nação latino-americana”.Ver El desarrollo de la conciencia nacional, p. 168, Ed. Diálogo, Montevideo,
1967. Na procura de maior quantidade de “sentido científico”, Zavaleta Mercado, que foi ministro do
MNR, abandonou o nacionalismo boliviano, que se encontrava, a seu ver, moribundo, e filiou-se ao
Partido Comunista, que estava completamente morto.
61 Alfredo Sanjines, La reforma agraria en Bolivia, capítulo “Una entrevista con Leon Trotski”, p. 21,
2a ed., La Paz, 1945.
62 A ideia de certos revolucionários latino-americanos de que a revolução não pode se fazer sem ajuda
russa tem se convertido numa verdadeira obsessão. Consideremos, primeiramente, que a revolução russa
triunfou sem ajuda de ninguém e com a oposição armada do imperialismo em catorze frentes de guerra.
Em segundo lugar, a revolução chinesa chegou à vitória, apesar da ajuda que os russos lhe deram em algum
momento; se essa ajuda tivesse sido maior, Mao teria que se render às exigências de Stalin, que desejava um
acordo com Chiang Kai-Shek. Os chineses, neste caso, jamais teriam conquistado o poder. Quanto à
Bolívia, o governo nacionalista nem foi capaz de aceitar a ajuda tcheco-eslovaca para construir os fornos de
fundição necessários para se emancipar dos monopólios anglo-ianques, por ceder diante da pressão norte-
americana, nem tampouco se mostrou com energia suficiente para construí-los com seu próprio esforço.
Teria sido suficiente proibir a importação de automóveis de último modelo e artigos suntuários durante
um ano para construir essas refinarias. Faltou, precisamente, estabelecer um critério de prioridade nacional
para todo o poder concentrado do estado. Cem anos antes, os paraguaios de Carlos Antonio López
construíram sozinhos a primeira ferrovia da América do Sul e as primeiras linhas telegráficas, assim como
os primeiros fornos de fundição de ferro do continente crioulo. Em plena guerra contra a infame Tríplice
Aliança argentino-brasileira-oriental, os soldados de Solano López editavam na selva o periódico semanal
El Sentinela, impresso sobre papel fabricado por artesãos paraguaios com o corte de árvores extraídas
dessa mesma floresta arrasada pelo fogo dos canhões mitristas. O papel era excelente e conserva-se
perfeitamente legível a impressão após um século. Encontra-se no Arquivo Nacional de Assunção. Os
paraguaios não estavam esperando os tchecos ou russos, queriam fazê-lo e o fizeram porque não pensaram
em nenhum seguro para a velhice. Na Bolívia, como na América Latina, não escasseiam os engenheiros
competentes. O que falta são revolucionários que no poder continuem a sê-lo. Ver os custos de refinarias e
manobras desvalorizadoras dos refinadores estrangeiros em Ñuflo Chávez Ortiz, Cinco ensayos y un
anhelo, p. 252, La Paz, 1963.
63 Atualmente, a Bolívia exporta em torno de oitocentos milhões de dólares anuais. Mas em sua maior
parte são esbanjados em importações supérfluas ou em pagamento de juros da dívida externa.
Capítulo XIV
2. A estrutura social
3. Europeização da intelligentsia
4. Crise e revolução
6. Vargas em 1930
9. O Estado Novo
O segundo passo da revolução peronist a não foi dado. Esse passo consistia
em prosseguir a industrialização não mais com as diferenças de preço das
exportações agrárias submetidas à depreciação internacional, mas mediante a
expropriação da oligarquia financeira, pecuária e comercial que continuava
intocada. Nesse momento, a contraofensiva oligárquica derrubou o regime
peronista, precisamente porque o peronismo não a havia destruído. Nesse fato,
se revela a sua limitação fatal.
O movimento nacional relutava em derrotar a oligarquia exatamente ali
onde podia assestar-lhe um golpe definitivo, ou seja, no secular monopólio da
terra. A fonte do poder oligárquico residia no controle irrestrito da renda
absoluta. Como os preços dos produtos agrícolas se estruturam de acordo com o
valor dos produtos das terras menos rentáveis, isto supõe um aumento do custo
de vida do trabalhador e, em consequência, a exigência ao burguês de estabelecer
um salário mínimo mais elevado do que seria necessário fazêlo caso não
houvesse o parasitismo da renda absoluta. Esta renda significa uma forma
especial de tributo, que toda a sociedade se vê obrigada a pagar para o
latifundiário improdutivo. Assim, o monopólio da terra significava “uma
transferência de valor da indústria para a agricultura”.
Por essa razão, os teóricos da economia industrial burguesa tinham
sustentado, no princípio, a necessidade de abolir a propriedade privada do solo
em benefício do estabelecimento de uma sociedade capitalista mais sólida e
“barata”.52 A existência da renda absoluta acabava sendo “um obstáculo a
otimização do desenvolvimento do modo de produção capitalista no geral”53.
Entretanto, esse evidente antagonismo entre burgueses e latifundiários
significaria que a luta entre ambos na época do imperialismo deveria ser mais
acirrada do que havia sido na etapa do enfrentamento entre feudalismo e
capitalismo? Toda a experiência das revoluções burguesas responderia
negativamente à pergunta. Pois as contradições dessas duas classes não levaram,
necessariamente, à eliminação radical do monopólio da terra.
Na Grande Revolução da França, para tomar o exemplo clássico, durante a
célebre noite de 4 de agosto, quando a Assembleia Constituinte fervia de
entusiasmo revolucionário, as coisas que realmente aconteceram não foram tão
absolutas como os discursos. Os burgueses não estavam menos inquietos na
Assembleia que os nobres latifundiários. Com toda razão, dirá Jaurés que
“sustentar a propriedade feudal contra os aldeãos rebeldes poderia fazer abortar
a revolução, porém permitir aos aldeãos extirparem violentamente o feudalismo
era, talvez, afrouxar as raízes da propriedade burguesa”54.
Estas vacilações e temores, que embargavam a burguesia francesa do século
XVIII na noite mais intrépida da sua época revolucionária, assumiriam um
caráter muito mais conservador e precavido nas revoluções nacionais burguesas
dos países atrasados do século XX.
Simbolicamente, um ano antes havia se suicidado no Palácio do Catete o
presidente Vargas: o chefe do Brasil renunciava à vida e o chefe da Argentina
era expulso do poder. Os dois grandes movimentos nacionais do Brasil e da
Argentina regrediam sob os golpes demolidores do imperialismo e de seus
aliados internos.55
2. Capitalismo e nação
Nos quarenta volumes de suas Obras completas, Lênin só menciona três vezes
a América do Sul, seis vezes a Argentina, quatro vezes o Brasil, quatro o México
e numa só oportunidade se refere ao Chile. Trata-se, além disso, de alusões
incidentais, muitas vezes incluídas numa menção estatística. Os restantes
estados da América Latina não são citados jamais. Num artigo escrito em 1916,
diz:
Não vamos ‘defender’ a comédia das repúblicas em algum principado de Mônaco, bem como as
aventuras ‘republicanas’ dos ‘generais’ nos pequenos países da América do Sul ou em alguma ilha do
Oceano Pacífico, porém disso não se deduz que seja permitido esquecer a bandeira da república nos
movimentos democráticos e socialistas.44
Nas discussões dos primeiros congressos da Internacional Comunista, a
América Latina foi omitida por completo. O presidente da Internacional,
Gregori Zinoviev, no V Congresso, de 1924, diz no seu discurso: “Pouco ou
nada sabemos da América Latina”.
O representante do México era um escritor norte-americano, Bertram
Wolfe, que protestou por essa ignorância. Zinoviev respondeu: “É que não nos
informam”.45
Antes de radicar-se no México, onde formulou opiniões notáveis sobre a
revolução latino-americana, Leon Trotski tampouco tinha conhecimentos
sérios sobre a América Latina. Na sua História da Revolução Russa escrevia: “As
revoluções crônicas das repúblicas sul-americanas nada têm de comum com a
revolução permanente; em certo sentido, constituem a sua antítese”.46
Na América Latina tinha acontecido a revolução mexicana! Sandino
combatia de armas na mão contra as tropas ianques, a Coluna Prestes marchava
por todo o Brasil, o movimento nacional yrigoyenista levava ao poder a pequena
burguesia nacionalista, mas os notáveis teóricos e chefes da Revolução Russa
“careciam de informações”.
A impenetrabilidade da teoria marxista na América Latina não era
consequência somente da indiferença das grandes figuras euro-asiáticas do
socialismo em relação a ela. A própria doutrina resistia a americanizar-se. Pois o
que conhecemos como doutrina marxista nunca foi concebida como tal por
Marx, que somente se consagrou a pensar e a escrever sobre as mais variadas
questões, sem se referir jamais a sistema algum. A posteridade imediata se
encarregou de formular uma espécie de codificação de suas ideias, mas, a seguir,
a família se dividiu em múltiplos e antagônicos herdeiros. O essencial do
pensamento marxista, no entanto, que permanece imutável em seus diversos
intérpretes, exceto na “prática” de Lênin e de Mao, é a sua “universalidade” e o
seu “internacionalismo”. Foi dessa maneira que a “doutrina marxista” entrou na
América Latina, padecendo de universalidade e de internacionalismo até o
martírio, pois havia sido despedaçada em sua integridade nacional e incorporada
ao mercado mundial do imperialismo. Para que essa “doutrina marxista” fosse
útil era preciso destruí-la e reatualizá-la em seus elementos vivos a fim de tornar
reconhecível a realidade latino-americana. É o que haviam feito Lênin na Rússia
e Mao na China. Mas constituía uma tarefa excessiva para os ombros frágeis dos
partidos comunistas latino-americanos, que rendiam culto ritual aos russos e aos
chineses, e repetiam como papagaios a ambos, sem entender nenhum dos dois e
muito menos a América crioula.
Com exceção de Haya de la Torre e de Jose Carlos Mariátegui, nenhum dos
partidos comunistas latino-americanos conseguiu oferecer uma generalização
teórica e criações originais para as grandes experiências revolucionárias latino-
americanas.
A imprensa imperialista europeia se burlava, impiedosamente, das crônicas
revoluções sul-americanas, produto direto da balcanização imposta e usufruída
por essas mesmas potências. A informação dos revolucionários da Europa devia
se alimentar, por falta de outras mais responsáveis, dessas fontes contaminadas.
Pois os problemas da revolução latino-americana, definitivamente, deviam
ser estudados e resolvidos pelos próprios latino-americanos. Afinal das contas,
foi isso mesmo que aconteceu em todas as revoluções.
Se cada revolução é peculiar e excepcional, nos países semicoloniais se
entrecruzam diversos níveis técnicos e idades históricas de surpreendente
antagonismo; essa combinação de atraso e progresso, de indústria e barbárie
produz fenômenos sociais e políticos determinantes da ação política e dos seus
grandes fins. E mesmo dentro da América Latina balcanizada estes níveis
revelam diferenças muito marcantes, que exigem múltiplos métodos políticos de
ação revolucionária.
O que não podiam entender esse gênero de teóricos, que fundamentava suas
especulaçõe s nos textos da Academia de Ciências da URSS, é que, se na Rússia
czarista, “cárcere de povos”, a essência da política nacional do proletariado era o
direito a se separar, na América Latina, a medula da posição marxista na questão
nacional consiste no direito a se unir.
Para existir como nações normais, os povos amarrados ao jugo autocrático
deviam se separar desse jugo, que lhes impedia o desenvolvimento econômico e
cultural; para obter os mesmos fins, pelo contrário, os povos da América Latina
devem se federar. O inimigo dos povos alógenos da Rússia czarista era a
autocracia, que exercia seu poder reunindo-os sob sua espada; o inimigo
fundamental dos povos latino-americanos é o imperialismo, que mantém seu
controle econômico direto e seu domínio político indireto, baseado na
separação das partes constituintes da Nação Latino-americana.
Se a criação de uma indústria pesada na Argentina resultou muito difícil,
seja pelos limites do mercado, pelas dificuldades da comercialização nas
condições do mercado mundial competitivo ou pela escassez de capitais, convém
imaginar que tipo de indústria pesada poderia se construir isoladamente em
Cuba, em Honduras, em El Salvador ou no Equador, só para dar alguns poucos
exemplos, e de que maneira, a menos que o Equador seja condenado
eternamente a plantar bananas, poderiam os estados latino-americanos, por si
mesmos, escapar do flagelo da monocultura exportadora, a não ser pela unidade
econômica e uma planificação nacional de todos os seus recursos.53
Nem do ponto de vista do capitalismo nem da perspectiva do socialismo é
possível conceber um desenvolvimento isolado das forças produtivas em cada
um dos vinte estados. Um dos fenômenos habituais do esquerdismo sipaio da
América Latina consiste na sua manifesta perplexidade diante da unidade latino-
americana: seria o caso de federar os estados após fazer a revolução em cada um
deles, ou antes? A luta pela unidade da América Latina supõe a postergação da
luta pela revolução em cada um dos estados balcanizados? Basta formular essas
insensatas interrogações para compreender como respondê-las.
O triunfo revolucionário na Ilha de Cuba (numa ilha!) implicou,
imediatamente, na necessidade de quebrar a solidão insular do povo cubano.
Todas as esperanças dos cubanos se depositaram num rápido triunfo
revolucionário na Venezuela. É completamente natural que essa espontânea
atitude se baseasse na evidência: se a revolução triunfasse na Venezuela ou na
América Central, se imporia um planejamento em conjunto das suas economias
com a de Cuba, talvez uma moeda comum, uma política aduaneira semelhante,
provavelmente uma federação política em curto prazo. Tal aproximação não
teria um caráter supranacional, como o Mercado Comum Europeu, constituído
por antigas nações de línguas e histórias diferentes, mas essencialmente
nacional, integrado por partes separadas de um mesmo povo e que somente
unidas podem alcançar rapidamente as diversas etapas do crescimento
econômico. A luta se trava, como é natural, nos canais imediatos criados pela
balcanização; porém, essa luta deve ter uma meta: a unidade, federação ou
confederação dos povos de fala hispano-portuguesa. Isto não exclui o Estado do
Haiti, cujo francês é menos importante que o seu creóle, falado pelo povo e que
vincula os haitianos à pátria comum, sem falar dos direitos históricos que
correspondem ao Haiti graças ao papel desempenhado por Alexandre Pétion na
independência da América.
De outro modo, a luta pela criação de vinte estados “socialistas” na América
Latina suporia a consumação da “miséria marxista” ou o estabelecimento de
algum “tutor” (Brasil ou Argentina), rodeado de uma nuvem de pequenos
estados capengas.
Porém, essa união não será o fruto dos pensadores estéreis da diplomacia,
dos técnicos híbridos que se assemelham a “facas sem lâmina”, nem das palestras
constantes da CEPAL, que só tem conseguido o autodesenvolvimento dos bem
remunerados desenvolvimentistas, mas o resultado da revolução triunfante. A
unidade da América Latina chega tarde demais à história do mundo para que
seja o corolário lógico do desenvolvimento automático das forças produtivas do
seu anêmico capitalismo.
A categórica necessidade dessa união abre caminho mesmo através dos
governos mais reacionários: a bacia do Prata, as grandes represas que
intercomunicam o Brasil, o Uruguai, o Paraguai e a Argentina, o Pacto Andino,
a cronicamente adiada canalização do Bermejo, a conexão das bacias do
Orinoco, do Amazonas e do Prata, o Mercado Comum Latino-Americano e a
moeda comum não poderão ser detidos por força alguma. A coincidência e a
unidade política dos estados permitirão o desdobramento pleno dos grandes
projetos, que permitam à América crioula desenvolver o formidável empório
físico que descobriu Alexander Von Humboldt. Entretanto, essa unidade política
passa pelo meridiano da revolução nacional latino-americana.
1 “Uma vez lograda a reorganização da Europa e da América do Norte, constituirá um poder tão colossal e
exemplo tal que todos os países semicivilizados despertarão por si mesmos. As necessidades econômicas
por si só provocarão esse processo.” Federico Engels, Correspondencia, p. 415, Ed. Problemas, Buenos
Aires, 1947.
2 Engels explicava a conduta seguida por ele e Marx durante a revolução alemã de 1848: “Ao regressar à
Alemanha na primavera de 1848, nos filiamos ao Partido Democrático (partido burguês) por ser o único
meio que tínhamos para chegar aos ouvidos da classe operária; éramos a ala mais avançada desse partido,
porém ala dele afinal”. Acrescenta Franz Mehring: “Engels aconselhava seus amigos que não lançassem no
movimento americano como bandeira de luta o Manifesto Comunista, que eles haviam silenciado, como
fica dito, em a Nova Gaceta Remana, pois o Manifesto, como quase todos os trabalhos curtos de Marx e
seus eram ainda dificilmente inteligíveis na América: os operários do outro lado do oceano acabavam de
abraçar o movimento, não estavam ainda bastante cultivados, e o seu atraso, sobretudo em compreender
em teoria, era enorme”. Ver Mehring, op. cit., p. 330.
3 Leon Trotski, “A noventa años del Manifiesto Comunista”, em revista Inicial, p. 4, N° 2, Ano 1, outubro
de 193 8, Buenos Aires.
4 Nos assuntos da Alemanha, Engels baseava as suas apreciações na leitura quase exclusiva da imprensa
britânica (Ver Mayer, op. cit., p. 195). Segundo sabe-se, a burguesia inglesa não viu nunca com bons olhos a
unidade nacional das restantes nações, nem o desenvolvimento capitalista dos seus possíveis competidores.
Porém, esse antibismarckismo de Engels foi deixado de lado quando a nobreza prussiana levou a cabo a
unificação da Alemanha.
5 Georges Weill, La Europa del siglo XIX y la idea de nacionalidad, p. 72, Ed. Uteha, México.
6 Ibid.
7 Karl Mannheim, Ensayos sobre sociología y psicología social, p. 91, Ed. Fondo de Cultura
Económica, México, 1963.
8 Marx y Engels, Correspondencia, p. 231.
9 Idem. Obras escogidas, Tomo I, p. 674. Ed. en Lenguas Extranjeras, Moscou.
10 A guerra franco-prussiana foi preparada com o maior cuidado pelo chanceler Bismarck, que a
considerava politicamente necessária para constituir a nação alemã. Em situação tensa entre Napoleão III e
Guillerme I, Bismarck recebeu um telegrama do seu imperador, destinado à imprensa, porém de caráter
conciliador. Mediante uma ousada síntese do seu texto, o transformou num comunicado de corte
provocativo e brutal, que precipitou o estouro das hostilidades. Ver Henry Valloton, Bismarck, p, 223, Ed.
Fayard, Paris, 1961.
11 Marx y Engels, Correspondencia, p. 26.
12 Marx dizia: “Está no interesse direto e absoluto da classe operária inglesa que esta se libere do seu atual
vínculo com a Irlanda. E esta é a minha convicção mais completa, e isto por razões que em parte não posso
expressar aos próprios operários ingleses. Durante muito tempo, acreditei que seria possível derrubar o
regime irlandês pela elevação da classe operária inglesa. Sempre expressei tal ponto de vista em The New
York Tribune. Mas um estudo mais aprofundado me convenceu do contrário. A classe operária inglesa
nunca fará nada enquanto não se livrar da Irlanda. A alavanca deve se aplicar na Irlanda. Por isso é que a
questão irlandesa é tão importante para o movimento social no geral” (Marx, Correspondencia, p. 297).
13 Ibid. p. 283. Trata-se de uma variante da frase do Inca Yupanqui.
14 Marx y Engels, Correspondencia, p. 306.
15 Ibid. p. 305.
16 Ibid. p. 296.
17 Ver Capítulo IV desta obra, item 19, “Del Inca Yupanqui a Karl Marx”.
18 Marx y Engels, Correspondencia, p. 248. Pelo contrário, o Partido Comunista da Argentina, defende a
política livre-cambista da oligarquia portenha no século XIX. Ver Jaime Fuchs, Argentina: su desarrollo
capitalista, p. 454 e ss., Ed. Cartago, Buenos Aires, 1965.
19 Marx y Engels, La guerra civil en los Estados Unidos, p. 305, Ed. Lautaro, Buenos Aires, 1946.
20 Engels, Correspondencia, p. 415.
21 Marx, Obras escogidas, Tomo I, p. 358.
22 Ibid. p. 363.
23 Uma particularidade foram os países produtores de alimentos, como o Uruguai e a Argentina no Rio da
Prata. Aqui, precisamente, porque o imperialismo precisava produzir alimentos em grandes proporções,
impulsionou o desenvolvimento capitalista das relações de produção no setor agropecuário.
24 Marx, op. cit, p. 365.
25 Ver Domingo F. de Toledo y J., México en la obra de Marx y Engels, p. 30, Ed. Fondo de Cultura
Económica, México, 1939.
26 Engels, “Los movimientos revolucionarios de 1847”, no apéndice do Manifiesto Comunista, p. 412,
Ed. Cénit, Madrid, 1932.
27 Idem.
28 N.E. Faustino Soulouque (1782/1867), Presidente da República do Haiti, em 1849 proclamou-se
imperador com o nome de Faustino I.
29 Revista Dialéctica, n° 5, ano I, p. 272, julho de 1939, Buenos Aires.
30 Marx, Simón Bolívar, p. 51 e ss., Ed. de Hoy, Buenos Aires, 1959.
31 Bernstein considerava que o melhoramento paulatino das condições de vida dos operários e o aumento
de poder parlamentar da social-democracia postergavam sine die a perspectiva de uma conquista
revolucionária do poder. Em consequência, opinava que havia que adaptar a linguagem para as tarefas reais
e os meios para os fins; “para mim, o movimento era tudo e aquilo que habitualmente se chama de objetivo
final do socialismo não era nada”. Dizia isso, pois considerava que o socialismo havia deixado de ser um fim
para ser uma tarefa a se realizar diariamente, uma conquista incessante de reformas. Ver Edward
Bernstein, Les marxistes, p. 276, Ed. J’ai lu, Paris, 1965.
32 Bertram D. Wolfe, Très que hicieron una revolución, p. 601, Ed. José Janes, Barcelona, 1956.
33 Ibid.
34 G. D. H. Colé, Historia del pensamiento socialista, Tomo III, p. 79, Ed. Fondo de Cultura
Económica, México, 1960.
35 La Vanguardia, de outubro de 1907, Buenos Aires, órgão oficial do Partido Socialista da Argentina.
36 Ibid.
37 La Vanguardia, 30 de setembro de 1907. Esse mesmo “socialista” disposto a sugar os povos coloniais
com o pretexto de educá-los, poucos anos mais tarde, ao estourar a primeira guerra imperialista, adotaria
uma atitude equivalente. Quando Carlos Liebknecht, o único deputado socialista alemão que, entre cento e
dez membros do partido no Reichstag, recusou votar a favor dos créditos de guerra pedidos pelo Kaiser e a
maioria imperialista exigiu a sua expulsão do Parlamento, seus ex-camaradas, que votaram pelos créditos
da grande carnificina, impedidos de aceitar a expulsão de Liebknecht, se limitaram a dizer que se tratava de
um exaltado inofensivo, Eduardo David se permitiu acrescentar: “Um cachorro que late não morde”.
Liebknecht foi para a cadeia. Rosa Luxemburgo escreveu um panfleto contra David, intitulado Uma política
de cachorro. Em 1919, o partido supercorrompido dos socialistas de David, unido à soldadesca prussiana,
assassinava em Berlim os dois grandes chefes do proletariado, enquanto se esmagava a insurreição dos
espartaquistas alemães. Ver Paul Frolich, Rosa Luxemburg, sa vie et son oeuvre, p. 279, Ed. Francois
Maspero, Paris, 1965.
38 Ibid. Na sua edição de 23 de agosto de 1907, La Vanguardia, que publicou durante mais de um mês
abundantes informações, correspondências e atas do Congresso de Stuttgart, divulgava um artigo
publicado em Bruxelas por Le Peuple, orgão do Partido Socialista da Bélgica, no qual se pode ler a opinião
desses social-imperialistas diante da possibilidade de que a Bélgica tome conta do Congo: “Se, apesar de
todos os esforços, a burguesia nos dá uma colônia, só terá chegado a hora de lutar, palmo a palmo, para
obter em favor desse povo um pouco de humanidade e de justiça”. Com um pouquinho bastava.
39 Lenin, Obras completas, Tomo XIII, p. 71, Ed. Cartago, Buenos Aires, 1960
40 V Juan B. Justo, Internacionalismo y patria, Ed. La Vanguardia, Buenos Aires, 1938.
41 Lênin, Obras completas, Tomo XX, p. 392.
42 Trotski, Por los Estados Unidos Socialistas de América Latina, p. 57.
43 Pela sua parte, Stalin explicava a mesma questão nos seguintes termos, referindo-se ao nascente
nacionalismo no Egito do começo do século: “A luta dos comerciantes e dos intelectuais burgueses egípcios
pela independência do Egito é, pelas mesmas causas, uma luta objetivamente revolucionária, apesar da
origem burguesa e da condição burguesa dos líderes do movimento nacional egípcio e apesar de estarem
contra o socialismo; pelo contrário, a luta do governo trabalhista inglês para manter a situação de
dependência do Egito é, pelas mesmas causas, uma luta reacionária, apesar da origem proletária e da
condição proletária dos membros desse governo e apesar de que são “partidários” do socialismo. Stalin, El
marxismo y el problema nacional y colonial, p. 236, Ed Problemas, Buenos Aires, 1946.
44 Lênin, op. cit. Tomo XXIV, p. 59.
45 Haya de la Torre, El antiimperialismo y el APRA, p. 58.
46 Trotski, Historia de la Revolución Rusa, Tomo II, p. 569.
47 Jorge Obando, Sobre el problema nacional y colonial de Bolivia, p. 27, Ed. Canelas, Cochabamba,
1961.
48 A aplicação à Bolivia, mediante o método da Science fiction, do exemplo multinacional russo poderá se
avaliar em toda a sua amenidade, se o leitor lembrar que o império czarista ou atual União Soviética
continha dentro das suas fronteiras cinquenta e sete grupos nacionais. Segundo o censo de 1926, havia 77
milhões e 320 mil grandes russos; 31 milhões de ucranianos, milhões e 700 mil bielo-russos, milhões e 900
mil turcos-tártaros, milhões e 578 mil kazaks e kirguises. As nacionalidades restantes, desde os
morovinianos (1 milhão e 339 mil) até os uzbekis, sartos, turcomanos, calmucos, chineses, coreanos,
mongóis, ostiacos, georgianos, armênios etc, constituíam antes da revolução povos antigos, na sua maioria
com velhas literaturas, classes sociais e um nível cultural que, em alguns casos, não era inferior à
nacionalidade dominante. Cf. Richard Pipes, El proceso de integración de la Unión Soviética, p. 383,
Ed. Troquel, Buenos Aires, 1967; e Centre D’Etudes de URSS, Contribution à l’étude du problème
national en URSS, p. 79, Ed. Librairie du Recueil Sirey, Paris, 1948.
49 Outra analogia possível entre a “nacionalidade boliviana opressora” e os grandes russos. Temse
calculado que o crescimento territorial do Império Russo, entre o final do século XV e o final do século
XIX, aconteceu à razão de 130 quilômetros quadrados por dia. O ritmo de absorção se reduziu entre 1761 e
1856 a 80 quilômetros quadrados por dia. Poderia o Sr. Obando nos explicar o ritmo do crescimento
territorial mediante o qual os boiardos do Grande Ducado de Cochabamba absorveram as restantes
nacionalidades hoje oprimidas no Altiplano? Ver Pipes, op. cit, p. 15.
50 Rodney Arismendi, Problemas de una revolución continental, p. 22 e ss. Ed. Pueblos Unidos,
Montevidéu, 1962.
51 Renunciamos a escrever a história melancólica dos detritos ideológicos no stalinismo latinoamericano.
Só lembraremos aqui o caso do Partido Comunista no Chile, cujo patriotismo se reduziu a tomar o partido
da miserável oligarquia chilena no caso de Rio Lauca, na disputa com a Bolívia. Em vez de formular a
mesquinhez desse debate entre povos irmãos e apontar o verdadeiro usurpador da soberania latino-
americana (e do cobre chileno), esses stalinistas aldeões visitavam a Casa da Moeda para levar a sua adesão
ao governo! Basta lembrar a sua história, desde a Frente Popular com Aguirre Cerda até o seu apoio a
Gabriel González Videla, para tudo compreender!
52 Obando. op. cit.
53 O terrorismo ideológico do imperialismo durante um século e meio de balcanização exerceu uma
funesta influência sobre a “inteligência” latino-americana. Ainda na Guatemala, onde a tradição unionista
de Morazán e de Barrios devia contribuir para manter viva a consciência dos interesses comuns, era
possível que um alto funcionário do governo do dr. Juan José Arévalo escrevesse em 1946 o seguinte: “O
termo América Latina é somente uma expressão geográfica, porque as vinte nações assim chamadas não
têm unidade cultural. A desunião é um resultado das variações climáticas, topografia e fontes naturais, as
quais, por sua vez, causam variações nas condições econômicas da cada uma das repúblicas”. Marco
Antonio Ramírez S., “La economia latinoamericana en relación a los grandes poderes”, na Revista de
Economia, p. 211, Guatemala, 1947. Mais curioso é constatar que o presidente da Guatemala nesse
momento era Arévalo, autor de um livro intitulado Istmania, no qual sustentava a tese de unificar os países
do Istmo. Ver Istmania, Ed. Indoamérica, Buenos Aires, 1954.
Capítulo XVI
4. A sociedade cubana
5. O “exército” de Batista
Batista havia desfrutado de anos felizes. Dizia-se que a admiração que lhe
professava Arthur Gardner, embaixador do presidente Eisenhower em Havana,
era tão melosa que se tornava chata para o próprio ditador cubano. Os negócios
marchavam bem. Uma multidão aclamava a mulher de Batista quando aparecia
em público: “Marta do povo!”, gritava-se. O mundo dos negócios, tanto nos
Estados Unidos como em Cuba, via em Batista um governante sério, talvez de
mão dura, mas que guardava as formas legais e até se permitia tolerar a
propaganda dos comunistas, seus amigos de outros tempos. Em realidade, o
Partido Comunista, que havia integrado o gabinete do general Batista durante a
Segunda Guerra Mundial (quando o lema de Moscou era “derrotar o
nazifascismo”), manteve-se um pouco à margem da luta política nos últimos
anos de Batista e guardou a mesma distância com relação ao Movimento de 26
de julho, fundado por Fidel Castro. Os comunistas exerciam influência sobre os
sindicatos cubanos, dos quais Fidel Castro contava com escasso apoio.
Na universidade, de tradição impregnada de violência, tampouco Fidel
Castro era um líder reconhecido. A sua prisão, após o frustrado assalto ao
Quartel de Moncada, em 1953, e a sua posterior anistia não modificaram a sua
adesão às vagas teorias moralizadoras de Eduardo Chibas. Líder ortodoxo (uma
corrente vagamente democrática de um morno anti-imperialismo, em todo
caso, um partido de moralismo categórico), Chibas suicidou-se diante do
microfone de uma rádio havanesa, como protesto pela corrupção da política e da
vida cubana.
Entretanto, era tão profunda a corrupção havanesa e tão incontrolável o
caráter da polícia, tão frequentes as desaparições de opositores, os assassinatos
de estudantes e as torturas, que nem mesmo a particular habilidade política de
Batista, que protegia os agentes mais sinistros do sistema, conseguiu impedir, no
final, a virada da burguesia comercial e das classes médias ilustradas para a mais
tenaz oposição. Ao mesmo tempo, os Estados Unidos observaram, com
crescente alarme, que o seu presidente de confiança se convertia num sátrapa
universalmente detestado. Ninguém fazia escândalo pela sua fortuna privada
(que alguns calculavam em trezentos milhões de dólares). Só o chefe de polícia,
coronel Salas Cañizares, embolsava setecentos e cinquenta mil dólares por mês
de um original imposto ilegal para proteger as redes de jogos clandestinos. A
vida política cubana era rica em exemplos semelhantes, ainda entre os
opositores de Batista. Tal era o caso de Prío Socarras, que logo financiaria Fidel
Castro, ou de Ramón Grau San Martín, acusado de corrupção. O que resultava
intolerável para a sociedade acomodada, vinculada estruturalmente aos Estados
Unidos, era a insegurança pessoal. Os sátrapas e subsátrapas da América Latina,
no exercício do seu regime amistoso com os Estados Unidos, converteram em
guerrilheiros, sem querer, numerosos jovens universitários educados na
admiração aos protetores do norte. Tal é o paradoxo. Restaria assinalar o papel
da guerrilha no triunfo de Fidel Castro.
8. Revolução e lenda
Toda revolução triunfante gera a sua lenda, além da vontade dos próprios
triunfadores e, às vezes, por sua própria vontade. Durante muitos anos e, em
particular, pela ação de Ernesto Che Guevara, se difundiu na América Latina a
ideia errônea de que, graças à ação da guerrilha, os revolucionários cubanos
derrotaram o exército e conquistaram o poder. Esta tese não só é falsa, como
também contribuiu para o derramamento de sangue na América Latina e para
todo gênero de aventuras sem destino.
O autor redigiu em 1964 uma crítica às teorias de Che Guevara.18 Só
diremos aqui que teria sido impossível que somente trezentos guerrilheiros (no
máximo, admitido por Fidel Castro) conseguissem derrotar um exército
profissional se esse realmente houvesse existido. A revolução cubana não
triunfou pela decisão revolucionária de Fidel Castro, mas, antes de tudo, pela
decomposição geral da sociedade semicolonial cubana, pela natureza policial das
forças armadas de Batista (que vendia suas armas para os guerrilheiros) e pelo
apoio massivo da imprensa norte-americana. Sem o conjunto de circunstâncias
sociais, econômicas, políticas, geográficas e históricas da Cuba de 1953-1958, a
guerrilha, por si só, não teria triunfado jamais. Abstrair de tais circunstâncias o
“método” guerrilheiro para tornálo aplicável a todo país e a qualquer tempo
constituiu um erro fatal, que fez a América Latina viver horas amargas. Não se
deve procurar nas faculdades militares de Fidel Castro o segredo da sua vitória,
mas sim na sua notável flexibilidade política e na sua arte de fazer alianças que o
conduziram para a meta.
Já em princípios de 1958, os Estados Unidos decretaram um embargo de
armas destinadas a Batista (1.950 fuzis Garand), que estavam embaladas nos cais
de Nova Iorque. Batista percebeu que seus poderosos amigos começavam a
abandoná-lo. O correspondente do New York Times, Herbert Matthews, que
estava em Havana e já havia entrevistado Fidel na Sierra Maestra, escrevia no
seu diário do chefe guerrilheiro: “A figura mais notável e romântica (...) da
história cubana desde José Marti”.
Para Fidel Castro, ao contrário, as armas chegavam em abundância dos
Estados Unidos, adquiridas com dinheiro de simpatizantes do país do norte. O
embaixador norte-americano Earl Smith disse ao embaixador inglês Alfred
Stanley Fordham que os Estados Unidos esperavam, em caso de alguma grave
emergência, que ambos atuassem como “irmãos siameses”. Nessa oportunidade,
como na guerra das Malvinas, a unidade anglosaxônica teve seus melhores dias.
Os que visitavam as cidades ficavam impressionados com o enorme apoio da classe média e dos
profissionais recebido por Fidel, sobretudo em Santiago, onde os bairros residenciais elegantes,
como Vista Alegre ou o Club de Campo, pareciam recintos fortificados do Movimento de 26 de
julho.19
Em fins de novembro de 1958, no Departamento de Estado e na CIA de
Washington, celebraram-se reuniões com o embaixador em Havana e o ex-
embaixador William Pawley para discutir sobre a necessidade de Batista
renunciar e evitar que Fidel Castro assumisse o poder. Já era tarde. Em 10 de
dezembro, em Havana, disse o ministro de Relações Exteriores de Batista, dr.
Guell, que “os Estados Unidos não vão continuar apoiando o atual governo de
Cuba e meu governo acredita que o presidente está perdendo o controle
efetivo”.
A espectral resistência militar, com seus coronéis contrabandistas, bêbados e
corruptos, se desmanchava a cada hora que passava.
Em 17 de dezembro de 1958, o embaixador Smith visitou Batista no seu
gabinete presidencial, rodeado de bustos de Abraham Lincoln. De nada serviram
os bustos ao ditador. Smith lhe disse que “se se retirasse evitaria o
derramamento de sangue”. Batista mandou colocar de prontidão seu avião
pessoal. Às três da madrugada de 1° de janeiro de 1959, o presidente embarcou
no avião com quarenta acompanhantes civis e militares e voou para a República
Dominicana. Horas depois, entravam em Havana menos de trezentos homens,
mal armados e sem experiência profissional, que se apoderaram do poder
vacante.
Democrata, nacionalista e finalmente marxista, Fidel Castro e Cuba
proporcionaram a mais amarga desilusão para os Estados Unidos desde a
catástrofe militar de Chiang Kai-Shek na imensa China.
Seria injusto reprovar nessa revolução a sua excessiva dependência da URSS:
geograficamente situada na boca do seu mais feroz inimigo, sem que a América
Latina pudesse prestar-lhe o menor apoio, Cuba não teve outro remédio senão
pactuar com o bloco soviético medidas que a protegessem de um ataque norte-
americano, com todas as consequências políticas que tal associação originou. A
revolução latino-americana não pode aspirar a um socialismo insular, mas sim a
uma Confederação de Estados, uma “Nação de Repúblicas”, para usar a
expressão de Bolívar, e só assim, fortalecidas suas partes entre si, poderá
permanecer à margem do jogo mortal entre o leste e o oeste, e seguir seu
próprio caminho. Os Estados Unidos viram se esvair a ilusão de um Imperium no
Caribe e na América Central. Do que foi dito, não seria inoportuno deduzir que
o voraz sistema de dominação n orte-americana acabou sendo, no final das
contas, o fator decisivo de sua própria ruína.
Sua credulidade nos pactos com liberais lhe custou a vida. Ignorou sempre a
profunda ligação estrutural entre os liberais e os conservadores da América
Latina, “a fazenda e a loja”, que repousava no seu comum usufruto da condição
semicolonial de cada país. Na Argentina de hoje se desfez esse grande equívoco:
conservador é sinônimo de liberal.
Sandino foi rodeado por um punhado de homens tão heroicos e
desinteressados como ele: pequenos camponeses quebrados, peões mestiços ou
índios das fazendas cafeeiras e bananeiras, trabalhadores mineiros das jazidas de
propriedade norte-americanas, índios da Mosquitia. Não poucos oficiais de
Sandino contavam com certa instrução, porém, mais que a sua devoção pelo seu
caudilho, o amor pela Nicarágua unia todos.
Duas adesões chegaram para Sandino: a do aprismo peruano de Haya de la
Torre e a da Internacional Comunista de Moscou. Sandino sentiuse melhor
interpretado pelo APRA, que destacou Esteban Pavletich como secretário
privado do insurrecto. Por sua vez, a Internacional Comunista, que pretendia
seduzir Sandino para a sua causa, enviou um jovem salvadorenho, Agustín
Farabundo Marti Rodrigues, que assumiu as funções de coronel no Exército
Libertador da Nicarágua. O próprio Sandino assinalou que Farabundo Martí
havia tentado orientá-lo para um programa comunista:
Em diferentes ocasiões, procurou-se torcer esse movimento de defesa nacional, convertendo-o
numa luta de caráter mais social. Eu me opus com todas as minhas forças. O movimento é nacional
e anti-imperialista. Mantemos a bandeira da liberdade para a Nicarágua e para toda América
espanhola.25
Logo após, afirmou que o seu movimento não é de “extrema direita nem de
extrema esquerda, mas de Frente Única”.
Interrogado sobre os limites da República de Nueva Segovia, em outras
palavras, as terras controladas por seus soldados, Sandino respondeu que a
pátria pela qual lutava não tinha fronteiras na América espanhola. Em certas
ocasiões, se considerou um filho de Bolívar, porque jamais trairia a causa latino-
americana. “Somos noventa milhões de latino-americanos e só devemos pensar
em nossa unificação”.
No final, fracassado no seu intento de influenciar Sandino, Farabundo Martí
abandonou a luta na Nicarágua e partiu para o México. Pouco depois, a
Internacional Comunista, num comunicado, qualificava o herói das Segóvias de
vendido ao imperialismo.
“Sandino passa para o campo imperialista”, dizia o texto da Correspondência
Internacional, órgão do comunismo internacional. No entanto, essa mesma
publicação, de 23 de abril de 1930, desmentia as calúnias sobre Sandino e
ratificava a sua integridade revolucionária. Tais mudanças de opinião eram
muito frequentes na alta burocracia comunista. O mesmo faria o errado
Farabundo Marti, embora rápido, minutos antes de ser fuzilado em El Salvador
em 1932.
Enganado pelas hipócritas promessas de paz do presidente Juan Bautista
Sacasa, Sandino foi assassinado pelo chefe da Guarda Nacional, Anastacio
Somoza, na noite de 21 de fevereiro de 1934, num lugar chamado La Calavera.
Seu cadáver foi jogado numa vala comum. O reinado de quarenta anos da
familia Somoza começava.
Porém, ainda que Sandino estivesse morto, o sandinismo havia nascido. A
indócil Clio, com a sua avara justiça, os esperava.
11. Café sem açúcar em El Salvador
Havia outro teósofo na América Central, porém esse não era um visionário
liber tador como Sandino, mas um psicopata que exerceu uma ditadura feroz em
El Salvador entre 1931 e 1944. O general Maximiliano Hernández Martinez,
além de praticar a politica da oligarquia cafeeira, se inspirava em outras vozes
esotéricas. Em certas ocasiões, combateu uma epidemia de varíola “forrando a
iluminação pública da capital com papel celofane em cores”.26
Por trás das alucinações do ditador, havia em El Salvador gente muito
sensata. Eram os herdeiros ricos dos conquistadores espanhóis, já proprietários
das grandes fazendas de café. Edificavam mansões luxuosas para vigiar de perto
a colheita do café; concluída a colheita, viajavam para a Europa, a fim de
desfrutar o resto do ano nas delicias da civilização, como faziam os grandes
proprietários do Chile, os fazendeiros argentinos, os barões do estanho
boliviano. Na Europa, confiavam seus filhos a veneráveis colégios, para serem
educados na vida e nas línguas estrangeiras.
Seus costumes cosmopolitas faziam com que importassem grandes quantidades de alimentos
enlatados e nas grandes lojas de comestíveis da alta classe se conseguiam os mais sofisticados
artigos. Uma só lata de comida custava o salário de uma semana de trabalho de um peão agrícola.
No entanto, eram gastos vários milhões de dólares anualmente na importação de alimentos dos
Estados Unidos.27
Para sermos totalmente justos, a revolução social que se engendrava em El
Salvador não obedecia somente à criação demiúrgica do imperialismo norte-
americano. A classe cafeeira tinha feito todo o possível para acelerar a explosão.
A frágil sociedade salvadorenha sucumbe diante da crise. Dependente
absoluta dos rendimentos derivados do café, é incapaz de enfrentar o desastre. O
programa reformista e nacionalista de Araujo é repudiado pelos cafeeiros. Até
os técnicos e funcionários da alta classe média recusam colaborar com a sua
administração. No final, o vice-presidente e ministro da Guerra, general
Hernández Martínez, o teósofo, organiza um golpe de Estado e assume o poder
pessoal. Um ano depois, em 1932, os sofrimentos da população camponesa
chegaram a limites intoleráveis e o jovem Partido Comunista Salvadorenho
(fundado em 1930 pelo antes coronel de Sandino, Agustín Farabundo Martí)
organiza uma insurreição popular e camponesa. O movimento estoura em 22 de
janeiro de 1932. Farabundo Martí é fuzilado pouco antes de começar a
insurreição, que é afogada em sangue, num dos massacres mais trágicos da
história da América Latina. Estimase entre vinte e trinta mil os camponeses
assassinados pelas tropas de Hernández Martínez, numa população rural de um
milhão de pessoas.
1. De Zapata a Sandino
Permitimo-nos observar que nas “décadas precedentes” não só se haviam
formulado na América Latina “teorias políticas copiadas”7 como também
movimentos de massa nã o copiados, entre eles alguns armados. Embora Debray
não deve ignorá-lo, insistiremos em lembrar Zapata, Sandino, Prestes, os
mineiros bolivianos de 1942, a classe média e operários da Bolívia de 1952. Mas
duas linhas adiante Debray alude à revolução boliviana desse ano, se bem que
para julgá-la sumariamente em quatro frases lapidares. Ensina-nos que
[...]em 1952, os mineiros destroem o exército da oligarquia, estabelecem um governo liberal,
recebem armas e um arremedo de poder. A revolução se aburguesa. Os mineiros se dividem, pouco
a pouco (...) Recolhidos em si mesmos, semi-impotentes, semi-indolentes, deixam a burguesia
nacional reconstituir um exército e limitam seu reinado de greves, escaramuças e combates....8
Observemos, em primeiro lugar, que na revolução de 1952 participaram não
apenas os veteranos mineiros, como à frente deles, na rua, saiu também Hernán
Siles Suazo9, depois presidente da Bolívia e filho do presidente Hernando
Siles10, habitualmente reconhecido como o chefe da “ala direita” do MNR, da
mesma forma que Juan Lechín11, o dirigente mineiro, comumente considerado
chefe da “ala esquerda” do mesmo movimento. Juntos a eles, empregados,
professores, profissionais, operários fabris, homens e mulheres do povo de La
Paz e outras cidades bolivianas. Efetivamente, destruíram o exército, mas não
estabeleceram um “governo liberal”, e sim um governo pequeno-burguês
revolucionário que entregou a terra aos índios pela primeira vez desde o século
XVI e nacionalizou as minas de propriedade imperialista. Não é certo que os
mineiros “receberam armas”, mas que as arrebataram de seus possuidores, os
militares. Em verdade, a revolução “se aburguesou”. Quanto aos mineiros “semi-
indolentes”, o adjetivo empregado pelo autor que comentamos se parece demais
com o que usam os gerentes imperialistas para referir-se à “preguiça crioula”.
Espanta-nos ver que um teórico da revolução latino-americana esconda tais
preconceitos sociais e raciais. Os mineiros bolivianos não eram “indolentes”,
nem mesmo “semi-indolentes”: de seu esforço dependia e depende a extração do
mineral a mais de 300 metros debaixo da terra, de cuja exportação provêm todas
as divisas da Bolívia.
2. “Índios analfabetos” nas milícias bolivianas
Mas o jovem intelectual de Les Temps Modernes não nos disse tudo sobre a
Bolívia. O colaborador da revista do refinado Jean-Paul Sartre ainda nos reserva
outras alvíssaras. Ei-las aqui em toda a sua beleza:
[O] “povo em armas”, quer dizer, de mercenários recrutados entre os operários sem trabalho e o
lúmpen (...) Na Bolívia as “milícias” do MNR, compostas por índios analfabetos e por “ferroviários”,
único sindicato proletário no qual o terror governamental conseguiu dar resultados, esta burguesia
tem que defender seu poder político contra os que a alçaram ao poder, ou seja, os operários e os
estudantes que, com os jovens nacionalistas e comunistas à frente, conduziram a luta (...) e que, na
Bolívia, sofreram o longo calvário dos massacres mineiros e de todas as insurreições esmagadas pela
“Rosca”.12 “Esse tipo de regime”, continua impassível Debray, “dá à luz um monstro que bem
poderia chamar-se fascismo demoburguês”.13
Quanto ao “monstro” do “fascismo demoburguês”, nascido do nacionalismo
boliviano, é outro dos achados teóricos que pertencem exclusivamente a Debray
e que ninguém pretenderá disputar-lhe, assim como sua curiosa informação de
que os jovens nacionalistas e os comunistas “sofreram o longo calvário dos
massacres mineiros e de todas as insurreições esmagadas pela ‘Rosca’”. Tais são
os resultados das incursões rápidas por uma Nação tão complexa como a Latino-
americana! É bem sabido que “os jovens nacionalistas e comunistas” não
puderam lutar ou padecer juntos porque, primeiro, os stalinistas do PIR (Partido
de La Izquierda Revolucionaria, cujos dissidentes fundaram o PC boliviano)
formaram parte da contrarrevolução que derrubou e enforcou Villarroel, em
1946, e, segundo, os mesmos stalinistas ocuparam cargos públicos nessa
oportunidade e como tal massacraram os mineiros do MNR, em Potosí, em
1947. Há um quarto de século, os stalinistas bolivianos militam em cada golpe de
Estado contra o MNR.
Todo latino-americano conhece a trágica história da Bolívia contemporânea
e não a contaremos aqui. Bastará aludir aos “lumpens” e “mercenários” das
milícias operárias e camponesas da Bolívia para que todo material informativo
que nos dá Debray se torne suspeito. É preciso não ter conhecido a Bolívia
anterior a 1952 para ignorar o alcance histórico das duas principais medidas
adotadas pelo governo nacionalista, quaisquer que sejam os erros, fraquezas e
até traições que a História possa imputar-lhe. Já o fizemos neste livro. O que
opinar, em acréscimo, sobre “milícias” do MNR compostas por “índios
analfabetos”? Raro vocabulário para um marxista que aconselha nada menos que
a América Latina a fazer uma revolução sem perda de tempo! Apesar de nossa
boa vontade, não conseguimos imaginar milícias diferentes num país com 80%
de população indígena, a maior parte da qual não pôde ainda ir à escola,
seguramente por “indolência” ou “semi-indolência”. O indío boliviano é um
camponês, não é um simplesmente índio, salvo para um etnólogo, um racista
branco ou um imperialista, jamais para um marxista, mesmo que seja um
“semimarxista”. A presença de “índios analfabetos” nas milícias do MNR,
agudamente observada pelo olho de águia de Debray, demonstraria
inteiramente o contrário do que se propõe provar o jovem licenciado francês:
que essas milícias eram populares e que os camponeses arrancados da velha
ignomínia formavam milícias para defender a terra que o detestável governo de
Paz Estenssoro lhes havia entregue.
O único problema que apresenta a análise das ideias de Debray — que não
atribuímos a Fidel Castro e sim em seu sentido mais geral — está na
superabundância de opiniões sumárias sobre todas as questões políticas,
teóricas, históricas e até geográficas em que se desloca voluvelmente com juvenil
desenvoltura. A versatilidade de Debray tem assim felizes resultados: seu poder
de síntese desarma o crítico, pois a soma de erros e curiosidades ideológicas
excede o número de palavras que contêm os seus três trabalhos. O exame de
cada um deles levaria, em consequência, a uma contrarréplica aforística tão
estéril como as teses que a originam ou a um grosso volume, do qual
dispensamos o leitor. Preferimos eleger algumas pérolas do relampejante caudal.
Da ideia central de Debray desprendem-se necessariamente todos os seus
extravios laterais. Com efeito, ele afirma que a revolução cubana substituiu o
partido pela guerrilha; melhor ainda, somente a guerrilha pode gerar o partido.
O chefe dela deve reunir ao mesmo tempo a condição de chefe político e militar.
Na China e no Vietnam, o partido criava a sua força militar subordinada à
direção política daquele. Na América Latina, Cuba ensinou um novo caminho —
é a guerra que gera o partido: “Esta é a desconcertante novidade inaugurada pela
revolução cubana”, diz Debray com toda razão.14 Não objetamos o vocábulo
“desconcertante”. Esta “novidade” tinha posto fim a “um divórcio de várias
décadas entre teoria marxista e prática revolucionária”. 15 Agora, o marxismo
enfim se encarnou. E os partidos que se consideram revolucionários? Debray
elaborou uma resposta: “Aí onde o instrumento já não serve, deve ser detida a
luta de classes ou devem ser forjados novos instrumentos?” É preciso então
formar uma guerrilha: “A guerrilha se constitui Direção Política”.16
Naturalmente, “uma perfeita educação marxista não é, para começar, condição
imperativa”. Suspeitávamos disso. O fundamental é ser jovem e de sólida
compleição física:
Além dos fatores morais (...) o físico é fundamental (...) que um homem velho possua uma
militância a toda prova, uma fomação revolucionária, ah, não basta para enfrentar a vida
guerrilheira, sobretudo no começo. A aptidão física é condição para o exercício de todas as outras
aptidões possíveis: trivialidade de aspecto pouco teórico, mas a luta armada parece ter razões que a
teoria não conhece”.17
Pobre Mariátegui, não teria servido para a revolução, nem os bolcheviques
(quase todos cardíacos), nem sequer Guevara, com sua asma! Debray é um
selecionador implacável. Nada de ideologia, bons bíceps e boa equipe!
Naturalmente, não compreendem isso os marxistas latino-americanos, homens
de cidades:
O homem da cidade vive como um consumidor (...) embora seja um camarada, se passa a vida na
cidade, é um burguês sem sabê-lo em comparação com o guerrilheiro (...) bem se diz que nos
banhamos no social: os banhos prolongados amolecem.18
Os únicos que não amolecem são os que se banham no próprio umbigo,
quer dizer, os que se banham no individual. São os duros individualistas que
pretendem substituir o partido e o povo e se autoelegem para o martírio. Desses
revolucionários pequeno-burgueses estava inundada a Rússia czarista. (Muitos
deles, como informa a literatura russa, não se banhavam nem no social e nem no
individual. Viviam cobertos de piolhos.) Lênin escreveu vários livros para
condená-los, ao mesmo tempo que se inclinava diante de seu heroísmo pessoal.
Nós também nos inclinamos diante do herói terrorista ou guerrilheiro que se
imola pela revolução. Mas o condenamos politicamente, a menos que a
guerrilha brote organicamente de uma determinada sociedade em
decomposição: tal é o caso de Douglas Bravo, na Venezuela, cujo programa
examinaremos mais adiante ou de Luis de la Puente Uceda, no Peru.
8. Stalinismo e marxismo
1 Ramos, Los peligros del empirismo en la revolución latinoamericana, na revista Izquierda Nacional n° 5,
fevereiro de 1964, Buenos Aires.
2 Ramos, Historia del stalinismo en la Argentina, op. cit.
3 Debray escreveu: América Latina: algunos problemas de estrategia revolucionaria, Ed.Banda
Oriental, Montevidéu, 1967; El castrismo: la larga marcha de América Latina, na revista Pasado y
Presente, Cordoba, 1964, e ?Revolución en la revolución?, Ed. Sandino, Montevidéu, 1967.
4 No momento em que é escrito este capítulo, Debray é processado na Bolívia por sua relação, teórica ou
prática, com as guerrilhas desse país. Isso prova que sua paixão revolucionária não é apenas verbal e tal
atitude desperta a nossa simpatia. Quanto ao governo do general Barrientos, protegido da embaixada dos
Estados Unidos, encontrou na presença de “cubanos estrangeiros” a última possibilidade que lhe restava
para demonstrar seu “nacionalismo” . Também Barrientos ignora que os godos do Alto Peru foram
vencidos pelo venezuelano Sucre. Somente os rangers ianques são compatriotas para Barrientos!
5 ?Revolución en la revolución?, p. 7.
6 Ibid., p. 13.
7 Aqui, como no resto de seus trabalhos, Debray formula superficiais referências ao stalinismo,
mencionando-o elusivamente. Tem razão, sem dúvida, quando fala das “teorias políticas copiadas”; sua
posição seria inalterável se explicasse que essas teorias copiadas provinham de Moscou e eram aplicadas
não apenas na América Latina, mas também na Europa ou na Ásia: eram o resultado da degeneração
burocrática do Estado Soviético e da Internacional Comunista.
8 ?Revolución en la revolución?, p. 23.
9 N.E. Hernán Siles Suazo (1913-1996), deputado federal a partir de 1942, participou como um dos líderes
do MNR na revolução popular de 1952. Foi vice-presidente da República entre 1952 - 1956, primeiro
presidente eleito pelo voto popular em 1956; em 1979 elege-se novamente, mas é derrubado em 1980 pelo
golpe militar do general Garcia Mesa; finalmente, assume a presidência em 1982 para renunciar um ano
antes do término do mandato.
10 N.E. Hernando Siles Reyes (1882-1942), pai de Hernán Siles Suazo, foi presidente da Bolívia de 1926 a
1930.
11 N.E. Juan Lechín Oquendo (1914-2001), importante líder sindical, foi secretário geral da Federação
Sindical dos Trabalhadores Mineiros da Bolívia, de 1944 a 1987, ministro das Minas, em 1952, e vice-
presidente, de 1960 a 1964, do presidente Victor Paz Estenssoro.
12 América Latina: algunos problemas etc., p. 71.
13 Ibid.
14 ?Revolución de la revolución?, p. 113.
15 Ibid., p. 113.
16 Ibid., p. 111.
17 Ibid., p. 107.
18 ?Revolución de la revolución?, p.70. “Todo homem, mesmo sendo um camarada, que passa a vida na
cidade, é um burguês sem sabê-lo em comparação com o guerrilheiro... Como vimos, a montanha
proletariza burgueses e camponeses e a cidade pode aburguesar até os proletários”. Pela mão de Rousseau,
Debray prega o retorno à Natureza: só ela purifica. A cidade corrompe, a montanha exorciza e proletariza.
Debray propõe-nos um ideal pequeno-burguês do século XVIII. Mas Lênin não aparece em nenhuma
parte.
19 ?Revolución de la revolución?, p. 108.
20 Lênin, Obras completas, tomo XXXI, p. 243.
21 Ibid.
22 Esta frase de Engels pertence ao seguinte texto: “(...) Somos comunistas (diziam em seu manifesto os
comunistas blanquistas) porque queremos alcançar o nosso fim sem nos determos em etapas intermediárias
e sem compromissos que não fazem mais que afastar o dia da vitória e prolongar o período de escravidão”.
A isto replicava Engels: “Os comunistas alemães são comunistas porque, através de todas as etapas
intermediárias e todos os compromissos criados, não por eles, mas pela marcha do desenvolvimento
histórico, veem com clareza e perseguem constantemente seu objetivo final: a supressão das classes e a
criação de um regime social em que já não haverá lugar para a propriedade privada da terra e de todos os
meios de produção. Os 33 blanquistas são comunistas porquanto se imaginam que basta seu desejo de saltar
as etapas intermediárias e os compromissos para que a coisa se faça e que — eles creem nisso firmemente —
‘estoura’ um desses dias e o poder cai em suas mãos, ‘o comunismo será implantado no dia seguinte’.
Portanto, se não podem fazer isso imediatamente, não são comunistas. Que pueril ingenuidade apresentar
a própria impaciência como um argumento teórico!”, citado por Lênin nas Obras completas, tomo XXXI,
p. 62.
Blanquismo provém de Augusto Blanqui (1805-1881), eminente revolucionário francês. Passou a metade da
vida na prisão. Apesar da admiração que os mestres do socialismo tinham por sua intrepidez
revolucionária, foi criticado por Marx, Engels, Lênin e Trotski por seu critério puramente conspirativo e
minoritário. Lênin dizia o seguinte, em 1906: “O blanquismo espera obter a libertação da Humanidade da
escravidão assalariada não por meio da luta de classes do proletariado, mas mediante a organização de
complôs por uma pequena minoria de intelectuais”.
23 Algunos problemas de estrategia revolucionaria, p. 40.
24 Lipset, op. cit.
25 Debray, Régis. El Castrismo, la larga marcha de America Latina. Editorial sandino, Montevideo,
1967.
26 Ibid.
27 Ibid.
28 Ver Capítulo XIV.
29 Ramos, Revolución y contrarrevolución, tomo II.
30 Debray. El Castrismo, la larga marcha de America Latina.
31 N.E. Earl Browder Russel (1891-1955), secretário geral do Partido Comunista dos Estados Unidos —
CPUSA na sua sigla em inglês — entre 1930 e 1945, do qual foi expulso em 1946.
32 Debray, Régis. Algunos problemas de estrategia revolucionaria. Montevideo, Ediciones de La
Banda Oriental, 1967.
33 Ibid.
34 Jacques Duclós, bem como o secretário por longos anos do stalinismo francês, Maurice Thorez,
assumiram tantas posições políticas sobre os mesmos temas fundamentais, quantas mudanças fez a
burocracia do Kremlin nos últimos quarenta anos. Em 1936, dizia Duclós apoiando os gastos militares do
governo da França: “Não seremos nós, os comunistas, que temos denunciado e denunciamos o perigo que
acarreta ao nosso país a política de expansão do hitlerismo, que negaremos a legitimadade de certos gastos”.
Quando Stalin assina com Hitler seu famoso tratado, que desencadeia a segunda guerra imperialista em
setembro de 1939, gestada pela rivalidade germano-britânica, Duclós afirma: “Defendemos o pacto
germanosoviético porque era um fator de paz (...) este povo soube, sob as formas mais diversas, mostrar
sua reprovação ao ver uma França presa ao carro do imperialismo britânico”. Nesse momento, na
realidade, a França estava ocupada pelas forças nazistas, mas Duclós estava educado durante anos para
servir Stalin em cada uma de suas exigências. Em 1945, Thorez, o colega de Duclós na direção do Partido
Comunista Francês, ocupa a vice-presidência do Conselho de Ministros da República burguesa. Thorez é o
segundo do general Charles De Gaulle. É, em tal condição, que se dirige ao mineiros em greve de Wasiersil
e lhe diz: “Digo francamente que é impossível aprovar uma greve de mineiros neste período (...) Produzir é
hoje a forma mais elevada do dever de classe” (L’Humanité. 22 de julho de 1945). A esse partido pertencia
Debray, pouco antes de viajar para a América Latina. Com semelhantes partidos fica explicado porque não
houve revolução na Europa ao cair Hitler.
35 N.E. Bode expiatório. Expressão mantida no original, em função do propósito do Autor.
36 Em minha história do stalinismo argentino descrevo em detalhe a trajetória da Internacional Comunista
nos tempos de Stalin e a política do stalinismo no Prata.
37 La larga marcha etc.
38 Nada melhor que ir às fontes: V La revolución permanente, volumes, Ed. Coyoacán, Buenos Aires,
1963.
39 Algunos problemas de estrategia revolucionaria, op. cit., p. 21.
40 Revista Civilização Brasileira, n° 14, ano III, julho de 1967, p. 85, Rio de Janeiro.
41 Ibid., p. 89.
42 Ibid., p. 90.
43 Ibid., p. 92.
44 Ibid., p. 93.
45 O dirigente do Partido Comunista Argentino, Rodolfo Ghioldi, instrumento por sua vez do senhor
supremo, o ítalo-crioulo Vittorio Codovilla, lançou um libelo contra Debray, de caráter injurioso, que
preferimos não comentar. O stalinismo argentino ocupa um lugar especial no Museu de Cera da Ex-
Internacional Comunista.
46 Revista citada, p. 108.
47 Algunos problemas de estrategia, p. 31.
48 Ibid.
49 Ibid.
50 N.E. Da Zona do Canal.
51 Ibid.
52 Deutscher, Isaac. Le prophete désarmé, tomo I, p. 612, Ed. Julliard, Paris, 1962.
53 Debray, Algunos problemas de estrategia revolucionaria, p. 31.
54 N.E. Partido Socialista de la Izquierda Nacional — PSIN.
55 Manifesto do PSIN, 10 de janeiro de 1964. Concluía assim: “Em consequência, exigimos deste governo,
apesar de sua origem espúria: 1. Emprego vigoroso de todas as instâncias internacionais; 2. Sanções
econômicas unilaterais contra o agressor, se não renuncia imediatamente sua atitude; 3. Oferecimento de
armas ao Panamá para defender sua soberania; 4. Reivindicação da soberania latino-americana sobre o
Canal cujo funcionamento deverá ficar a cargo de uma comissão integrada pelas vinte repúblicas latino-
americanas; 5. Consultas imediatas para promover uma ação latino-americana coletiva”.
56 Ernesto Che Guevara, La guerra de guerrillas, p. 11.
57 N.E. No capítulo anterior foi amplamente abordada a história cubana.
58 Lênin. La diplomacia de los EE.UU. durante la guerra hispano-americana de 1898, Ed. em línguas
estrangeiras, Moscou, 1958.
59 Publicadas em Partisans, julho-setembro, 1967, p. 26, Paris, n° 38.
60 Ibid., p. 28.
61 Do mesmo modo é elogiada a ação do famoso Lord Cochrane e de Giuseppe Garibaldi. O primeiro
roubou os fundos do exército de San Martín. O segundo exerceu a pirataria no Prata com os frères de la Côte
e saqueou selvagemente Gualeguaychú; anos depois, na Itália, lutou pela unidade nacional de sua pátria,
donde provém sua justa glória.
62 Alberto Methol Ferré, Debray, la revolución verde-oliva y la OLAS, na revista Víspera, n° 3, novembro de
1967, Montevidéu, Uruguai.
63 Reproduzido em Revolución, órgão do MRO, n° 21, abril de 1957, Montevidéu, Uruguai.
64 La Prensa, de maio de 1959, Buenos Aires.
Capítulo XVIII
De Bolívar às Malvinas
Nem Bolívar nem San Martin combateram pura e s i mpl es mente pela
independência das colônias espanholas na América. Pelo contrário, ambos os
capitães se esforçaram por todos os meios para manter unidas as províncias
americanas do império com o seu centro metropolitano espanhol. Tal é o
significado das conversações de San Martin com o vice-rei La Serna em
Pinchauca. Na Colômbia, Bolívar pensava o mesmo que San Martin. Dali nasceu
seu projeto de uma confederação entre América e Espanha. Seria um império
“composto de repúblicas perfeitamente independentes, reunidas, para a sua
felicidade, sob o domínio de uma monarquia constitucional”.
Entretanto, as cortes liberais de 1820, que nem sequer queriam admitir a
igualdade das províncias americanas com as da Espanha, rejeitaram o projeto.
Era a expressão da raquítica burguesia espanhola, incapaz de realizar a sua
revolução democrática e que capitula uma e outra vez diante do absolutismo.
A independência foi irremediável e, ao mesmo tempo, trágica. Pois a
independência da Espanha nos custou a fragmentação em vinte repúblicas
impotentes e a subordinação aos nascentes impérios anglo-saxões. Qual era, em
consequência, a essência do pensamento político de Bolívar? Criar uma nação
americana. Se fosse possível, proteger seu crescimento e fortalecer sua débil
estrutura sob o manto protetor do velho Império Espanhol, com a garantia do
caráter constitucional do seu centro monárquico.
A explicação é muito simples. Tanto Bolívar quanto San Martín, O’Higgins,
Alvear e muitos outros soldados das guerras contra a Espanha haviam sido
oficiais do rei na metrópole. Eram filhos de uma época dominada por dois
grandes temas: a Revolução Francesa, com seus Direitos do Homem e do
Cidadão, e as campanhas napoleónicas, que contribuíram para a constituição de
novos estados nacionais. O século XIX tem sido chamado, precisamente, o
século do movimento das nacionalidades. Mas, a formação dos estados nacionais
unificados na Europa, que seriam formidáveis alavancas para seu progresso,
encontrou insuperáveis obstáculos na América crioula. Não só se opunham à
unidade nacional da América Latina as potências anglo-saxónicas, cujo lema,
tomado dos romanos, seria divide et impera, como também as oligarquias
portuárias e os grandes fazendeiros que, fortalecidos após as guerras contra a
Espanha, haveriam de confiscar o poder. As classes dominantes crioulas
aliaram-se ao poder imperialista estrangeiro. Despojaram o povo da América
Latina de dois valores essenciais: a democracia política e económica e o acesso à
civilização moderna, somente possível pela unidade da América crioula numa
poderosa confederação. Tal seria um resumo possível da história da América
Latina.
2. Oligarquia e imitação
4. Antes de Galtieri
Bolivarismo e Marxismo
1 N.E. Este discurso foi pronunciado por Jorge Abelardo Ramos em 1991, na qualidade de embaixador
argentino e em nome do corpo diplomático latino-americano, no salão de atos que foi o gabinete do reitor
José de Vasconcelos da UNAM. Publicado a pedido de Alberto Methol Ferré (Montevidéu, 31/03/1929 -
15/11/2009), intelectual, escritor, jornalista, professor de historia e filosofia, historiador, filósofo e teólogo
uruguaio. É considerado um dos intelectuais latino-americanos mais fecundos por sua produção e mais
originais por seu pensamento.
Índice Onomástico
C. Brockelmann 55
C. K. Hobson 396
C. K. Webster 192
Cabral, Pedro Álvares 423
“Cabugá”, Antonio Gonçalves da Cruz 267
Cacique Enriquillo 21
Caicedo, José María Torres 347, 364, 552
Calderón, Francisco García 371, 373, 374
Caliban 366
Calígula 488
Calles, Plutarco Elias 403
Campal, Esteban 260
Campomanes, Pedro Rodrigues de 132, 333
Campos, Pedro Albizu 511
Cané, Miguel 370
Canek, Jacinto 131
Cañete, Pedro Vicente 445
Cañizares, Rafael Salas 497, 501, 502
Canning, George 144, 145, 192, 194197, 230, 236, 253, 269, 270, 272, 273, 275, 279-283, 292, 303, 304,
305, 329, 340, 365
Canova 361
Caolho Pepe Bordas 146
Carbia, Rómulo D. 74
Carbo, Azpiazu 217
Cárdenas, Lázaro 382, 393
Cardozo, Efraim 176
Carlos de Gante 59
Carlos I 59, 554
Carlos III 65, 68, 119, 124, 129, 132, 133, 137-139, 148, 149, 232, 332
Carlos IV 137, 138, 145, 146, 232
Carlos Magno 60
Carlos V 60, 61, 63, 64, 72, 74, 76, 83, 88, 162 (ver Carlos I)
Carlyle, Thomas 38, 301
Carpentier, Alejo 531, 567
Carranza, Venustiano 382
Carrera, José Miguel 170, 206, 208, 295, 328, 338, 339, 341
Carrera, Rafael 338, 339, 341
Carrillo, Gómez 371, 374
Carvajal 87
Casanova 138, 140
Castellanos, cirurgião 289
Castelli, Juan José 176
Castillo, ministro 193
Castillo, Bernal Diaz de 93, 95
Castillo, Ramón 433, 435
Catarina da Rússia 140
Cavour 524
Ceballos 63
Cerda, Aguirre 482
Cerdas, Rodolfo 506, 510
Cerro, Sánchez 399
Cervantes, Miguel de 70, 88, 174
César 349
Céspedes, Augusto 37, 402, 531, 567
Céspedes, Carlos Manuel de 490
Ceto, Vaya 57
Cevallos, ministro 233
Chanceler lorde Eldon 196
Chastenet, Jaques 138
Chateuabriand, René 314
Chatfield, Frederick 339
Chávez, Hugo 28
Chavez, Julio César 176
Chaviano, Río 497
Che Guevara, lrnesto 30, 502, 513, 534, 538
Chevres 60
Chiang Kai-Shek 397, 410, 504, 506, 525
Chibas, lduardo 498, 501
Chirino, José Leonardo 140
Chocano, Santos 374
Chomsky, Noam 22
Christophe, Henri 185, 186
Churchill, Winston 527-528, 548
Cid 45
Circe 58
Clarence Haring 106
Claude Lévi-Strauss 88
Clemenceau, Georges 361
Clio 55, 282, 509, 555
Cobden, Richard 386, 450, 458
Codovilla, Vittorio 41, 406, 428, 483, 527-528, 532
Colbert 66, 117
Colmeiro, Manuel 63, 66, 67, 77, 82, 85
Colombo, Cristóvão 21, 44, 51, 57, 81, 190, 432
Comandante Ayarza 313
Comandante Morales 497
Comandante Ramel 185
Comte, Augusto 39, 355-357, 368
Conde Cabarrús 232
Conde de Aranda 132
Conde de Borromeu 51
Conde de Buffon 35, 114, 115, 431
Conde de Floridablanca 132, 148, 271
Conde de Keyserling 35, 431, 432
Conde de Saavedra 209
Conde de Surrigancha 224
Conde de Toreno 153
Conde de Vistaflorida 209
Conde Duque de Olivares 18
Condessa Lieven 273
Coolidge 393
Córdoba, José María 226, 227, 315, 320
Córdova, Jorge 332
Coronel Alvear 238
Coronel Antonio Quiroga 212
Coronel Beresford 144
Coronel Latorre 354, 367
Coronel Hamilton 193, 194
Coronel Paz 275
Coronel Ramirez 230
Cortázar, Julio 25, 547
Cortés, Hernán 86, 87, 92-95, 98
Constant, Benjamin 313, 314
Coscia, Jorge 17
Costa, Ángel Floro 365, 366, 367
Costa, Mendez 554, 556, 559
Cristophe, Henri 184
Cromwell, Oliver 142, 455, 524, 554
Cuauhtémoc 94
Cuervo, Rufino 313
Cuitláhuac 94
Cunninghame, Robert Bontine 302
Curado, Francisco Xavier 270
Czar Alexandre I 188
D. João VI 270
D’Alembert 531, 567
Dalencour, François 186
Dante 383
Darío, Rubén 365, 371
Darwin 357, 358
David, Eduard 468, 470
Davis, Richard Harding 491
Dawkins, Edward J. 303, 304
Daza, Hilarión 332
De Maistre 116
Deão Funes 139, 170, 230, 235, 237, 238, 245, 246, 278, 289, 290, 308
Debray, Régis 27, 499, 514-523, 526-529, 532-538, 541, 543
Defourneaux, Marcelin 76
De Gaulle, Charles 528
Deputado Castro 237
Deputado Valiente 158
Dessalines, Jean-Jacques 143, 184, 185
Deutscher, Isaac, 535
Díaz, Adolfo 505
Díaz, Carlos 262
Díaz, Porfirio 26, 342, 354, 356, 375, 377, 378, 379, 381
Diderot, Denis 531, 567
Diplomata Torres 218
Dom Bernardino 234
Dom Gregorio Funes 230 (ver Deão Funes)
Dom Quixote 43, 78, 162
Donovan, Patricio 442
Dorrego, Manuel 273, 274, 281-285, 287, 308, 314
Dr. Francia 38, 128, 170, 209, 264, 299, 300-302, 337, 360
Dr. Guell 504
Draper, Theodor 495
Dubois, Jules 499
Duclos, Jacques 527, 528
Duque de Albuquerque 73
Duque de Angulema 192, 195, 218
Duque de Frias 217
Duque de Osuna 117
Duque de Wellington 196, 197
Dutt, Palme 483
Duvalier, François 488, 512
E
G. Renard 61, 83
G. Weulersse 61, 83
Gaibrois, Manuel Ballesteros 48, 30, 33
Galdós, Benito Pérez 90
Galindo, Blanco 407
Gallardo, Ricardo 134, 335, 340
Galtieri, Leopoldo 349, 332, 334
Gálvez, José de 132
Gálvez, Manil 140
Gamarra, Agustín 316, 323, 326, 331
García, Alan 401
García, Juan Agustín 170
García, Manuel José 213, 233, 237, 274, 276, 278, 290, 349
García Moreno 343
Gardner, Arthur 301
Garibaldi, Giuseppe 341
Gavidia, Francisco 182
General Alvear 139, 243, 246, 237, 273, 276, 346
General Arenales 237, 242
General Belzú 332
General Berindoaga 224
General Blosset 197
General Caicedo 320
General Calvi 554
General Canterac 223, 227
General English 197
General Flores 316
General Freire 297
General Galtieri 552, 554, 556, 559
General Guerrero 307
General Heredia 330, 331
General Iturbide 336
General José Felix de Uriburu 433
General Justo 433
General La Mar 312, 313, 316
General Lara 227
General Las Heras 231, 290
General Leclerc 18-4
General Lecor 263
General Lucio Mansilla 549
General Marte 276
General Miller 227
General Peñaloza 188
General Pezuela 211
General Roca 334, 548
General Rochambeau 183
General Rodríguez 288
General Soler 275, 276
General Soublette 313
General Terrazas 377, 379
General Urdaneta 176, 197, 307, 320
General Uriburu 433
General Valdés 227
General Vargas 419
General Vásquez Sempertegui 554
General Velasco Alvarado 226, 401, 474, 512, 553
General Whitelocke 549
George III 273
George IV 192, 196, 273, 273, 279
Gerbi, Antonello 113-115
Germani, Gino 439
Ghandi, Mahatma 552
Ghioldi, Rodolfo 293, 532
Gilly, Adolfo 22, 25
Giménez, Pérez 498
Ginzburg, Carlo 22
Godoy, Manuel 137-139, 232
Goethe, Johann Wolfgane von 363, 399, 531, 567
Gómez, Alejandro 499
Gómez, Máximo 490, 493
Gonçalves, Bento 268
González, Alfonso Rumazo 193
González, Florentino 312, 315
González, Juan Rojas 497
González, Juan Vicente 183
González, Pablo 382
Gordon 284
Goulart, João 429, 452
Governador Roberts 546
Graham, Cunninghame 302
Gramsci, Antonio 22
Grimaldi 64
Grimberg, Cari 55
Grove, Marmaduque 25
Gual, Manuel 140, 194, 304
Guarumba 187, 188
Guayasamín, Oswaldo 373
Guaycurari, Andrés (ver “Andresito”)
Güemes, Martín Miguel de 135, 208, 289
Guerrero, Vicente 297
Guha, Ranajit 22
Guido, Tomás 216, 224
Guillerme I 459
Gustave Le Bon 362
Gutiérrez, Joaquín Posada 183
Guyau, Marie Jean 369
Guzmán, Antonio Leocácio 316
Guzmán, Juan Pablo Biscardo e 120, 175
Guzmán Blanco 354
Habsburgo, Welser de 60
Habsburgos 59, 63, 64, 68, 72-74, 99, 105, 111, 124
Haiderabad, Nizam de 483
Hamilton, Alexander 386
Harguindeguy, Albano 554
Haring, Clarence H. 62
Hauser, Arnold 43
Haya de la Torre 90, 372, 389-393, 396401, 477, 508, 552
Hearst, William Randolph 491, 492
Hegel, Georg Wilhelm Friedrich 35, 79, 114, 455, 458, 466, 556, 567
Heine, Heinrich 531, 567
Henrique III 123
Henrique IV 48, 49
Henrique, “o Impotente” 46, 49
Henrique VIII 6*7
Heppisley 197
Heras, Gregorio Las 230
Heredia, José Francisco 181
Heres, Tomás 243, 312
Hernández, Agostin Morales 332
Hernández, José 347
Herrera, Luis Alberto 29
Hertford, Lady 273
Hertzog, Enrique 407
Herzog, Jesus Silva 377
Hidalgo, Miguel 135, 210
Hindenburg 393
Hitler, Adolf 424, 435, 528, 552
Hobsbawn, Eric J. 90
Hochschild, Mauricio 377, 404, 406
Hohenzollern 457
Hope, Thomas 66
Hostos, Engenio Maria de 365
Hoz, Martinez de 436, 519, 551
Huanina Capac 86
Huáscar 86
Hugh Nelson 490
Humboldt, Alexander Von 62, 100, 116, 135, 174, 486, 531, 567
Hume, David 115, 116
J. A. Cova 250
J. Gabriel Pérez 225
J. H. Elliott 47
Jackson, Andrew 344
Jaguaribe, Helio 18
Jaurès, Jean 450, 451
Jauretche, Arturo 360, 436, 531, 567
Jefferson, Thomas 487, 490
Joana, “a Louca” 59
Jorge Juan 124
Jovellanos, Gaspar Melchor de 119, 1^^, 139, 148, 261, 333
Juan de Padilla 60
Juan II 49
Juana, “a Betraneja” 49
Juniet, Manuel Amar y 169
Justo, Juan B. 439, 470
Kadhafi 474
Kaiser 470
Kamenev, Len 403
Katayama, Sen 41
Kauffman, William 141, 142, 144, 151, 152, 195
Kautsky, Karl 462, 468
Kipling, Rudyard 398
Kirchner, Cristina Fernández de 28
Kirchner, Néstor 28
Kozel, Andrés 24
Krickeberg, Walter 93, 94
Kugelmann, Ludwig 460
M. Bari 185
Maceo, Antonio 490, 491
Machado, Gerardo 392, 493, 494
Madame D’Epinay 116
Madariaga, Salvador de 197
Madero, Francisco 382
Magalhães, Sebastião de 255
Magno, Carlos 456
Magoon, Carlos E. 492-494
Mahatma Gandhi 483, 552
Malinowski, Bronislaw 22
Malpica, Carlos 95
Mancini, Jules 180
Mannheim, Karl 458
Mansilla, Lucio 549
Manuel, Juan de Rosas 325, 329, 360
Mao Tsé-Tung 40, 397, 410, 472, 476, 477
Maquiavel, Nicolau 88
Marat, Jean-Paul 133, 267
Marco Polo 81
Marechal Olaneta 227, 237
Maria Luisa, “Mesallna” 137, 138
Maria Ramos, José Mejía 362
Mariana, Juan de 122
Mariátegui, José Carlos 90, 126, 477, 479, 480, 519
Marinello, Juan 483, 527
Marinho, Antonio 191, 204
Marquês de . A<.^^00.^0 255
Marquês de Ama” 169
Marquês de Barbacena 276
Marquês Casa-D’Ávila 209
Marquês Casa-Rosa 209
Marquês de Maceéó 277
Marquês de Miraflores 168
Marquês de QUCSUZ 277
Marquês de Selva Alegre 168
Marquês de Solanda 168
Marquês de Torre-Tagle 169, 209, 222224
Marquês de Villa Orellana 168
Marquesa de Santos 277
Márquez, Gabriel García 510, 554, 567
Marquiegui, Pepa 223
Marta 501
Martí, Agustín Farabundo 508, 510
Martí, José 20, 22, 24, 26, 28, 365, 490, 491, 503, 540, 561
Martín, Ramón Grau San 494, 502
Martínez, Maximiliano Hernández 488, 509, 510
Martins, Domingos José 267
Martins, Oliveira 45
Martov, Julius 468
Marx, Karl 26, 31, 35, 40, 41, 46, 61, 90, 146, 149, 152, 161-165, 380, 389, 390, 422, 427, 455-464, 466, 467,
476, 489, 513, 521, 524, 531, 534, 542, 561-563, 567
Matthews, Herbert 499, 503
Maximiliano I 59, 60
Maximiliano da Austria, Ferdinando 350
McKinley, William 491
Mead, Margaret 530, 566
Medina, Ortega y 188
Mehring, Franz 456
Mejía, José Maria Ramos 360, 362
Melgarejo, Mariano 332
Mella, Julio Antonio 391-393
Méndez, Nicanor Costa 522, 524, 527, 554, 556, 559
Mercad, Rene Zavaleta 408
Methuen, John 255
Michelet, Jules 20
Miguel de l..’na mu no 138
Mijares, Augusto 181
Mill, Stuart 355, 357
Miranda, Francisco de 120, 140-145, 171, 172, 174, 178, 180, 183, 186
Mitre, Bartolomeu 39, 192, 258, 263, 265, 293, 294, 302, 308, 311, 322, 347-351, 362, 448
Moncada, Luis José de Orbegoso y 326, 331
Monge, García 374
Monje Tomás Gutiérrez 407
Monroe, James 490
Monteagudo, Bernardo de 170, 176, 199, 219, 221, 222, 224, 246, 293, 308, 323
Montesquieu 116, 174, 358, 489
Montezuma 94, 103, 116
Morales, Tomas 188, 497
Morazán, Francisco de 31, 32, 170, 323, 325, 336-338, 342, 484, 534
Morelos, José Maria 135, 210, 378, 379, 380
Moreno, Mariano 219, 366, 446
Morgan, Thomas 88
Morillo, Pablo 188, 298, 321, 322, 466
Mosquera, Joaquim 179, 235, 237, 287290
Motz, Friedrich von 458
Mousnier, Roland 64
Mr. García 275
Mr. Gordon 277
Mr. Hullet 272
Mr. Morgan 527
Mr. Parish 275, 291, 292
Mujica, Nicanor 400
Mulato Gay 262
Muñecas, Ildefonso de Las 135, 210, 247
Murat, Joaquim 146
Murillo, Pedro Doming 247
Mussolini, Benito 552
Napoleão Bonaparte 17, 21, 23, 37, 43, 45, 141, 143, 146, 151, 152, 157, 167, 173, 184, 188, 203, 205, 212,
232, 254, 269, 309, 345, 363
Napoleão III 345, 350, 363, 459
Nápoles, Maria Antonieta de 137
Narino, Antonio de 139
Nebrija, Elio Antonio de 51, 55
Nehru, Pandit 483, 548, 554
Nelson, Hugh 490
Neruda, Pablo 27, 406, 483
Nieto, Domingo 331
Nietzsche, Friedrich 369, 513
Nuñez, Rafael 354
R
Rainha Maria Cristina 345
Rainha Vitória 55^
Ramirez, Francisco 264
Ramón 502
Ramonei, Ignácio 26
Ramos, Alberto Guerreiro 355
Ramos, Jorge Abelardo 17, 18, 22-30, 170
Rampinelli, Waldir José 19
Reagan, Ronald 555
Rei Boabdil 55
Remingion, Frederic 491
Renan, Ernesi 368, 369
René-Moreno, Gabriel 231, 234, 351, 375
Revenga, José Rafael 211, 212
Reyeros, Rafael 249
Reyes, Alfonso 36
Reyes, Hernando Siles 403
Reyes, Osear Efren 168
Ribeiro, Darcy 18, 531, 567
Ribeiro, Padre João 267
Riego, Rafael 150, 210-213
Rivadavia, Bernardino 25, 171, 214, 215, 231-234, 237, 258, 271, 272, 274, 276-279, 281, 284, 285, 288294,
308, 311, 314, 347, 349, 366, 553
Rivera, Fructuoso 263
Robertson, Wiliam S. 140
Robespierre 133, 267, 374, 455, 524, 554
Roca, Julio Argentino 429
Roda, Manuel de 132
Rodó, José Enrique 366-369, 371, 373
Rodrigues, Agustín Farabundo Martí 508, 510
Rodríguez, Martín 215, 274
Rodríguez, Carlos Rafael 483
Rodríguez, Manuel 170, 208
Rodríguez, .imón 173, 174, 204, 249
Rojas, Isaac 371, 499
Rojas, Ricardo 354
Rômulo 45
Roosevelt, Franklin 365, 399, 435, 505, 5 11
Roosevelt, Theodor 365, 505
Rosas, Juan Manuel de 38, 257, 258, 274, 284, 285, 329, 330, 331, 346, 347, 349
Rosas, Juan Martínez de 446
Rosas, Manuelita 349
Roosevelt, Franklin 505, 511, 527
Roosevelt, Theodor 505
Rousseau, Jean-Jacques 134, 139, 174, 243, 309, 531, 567
Roussef, Dilma 28
Roy, Manabendra Nath 41
Ruiz, Juan 50
Ruiz, Tomás 336
Valdívia, Pedro de 99
Valle, José Cecílio del 297, 333, 334, 336
Van Geel 285
Van Kol 469
Vargas, Getúlio 18, 413, 419-429, 433, 443-447, 451, 452, 522-523
Varona 374
Vasconcelos, José 36, 374, 552
Vazquez, José Antonio 531, 567
Velasco, José Miguel de 331, 332
Vice-rei La Sorna (ver La Serna)
Victoria, Guadalupe 296
Victor Jean-Baptiste 143
Vidal, Francisco de 331
Videla, Gabriel González 482
Vila, Vargas 374
Villalba, Victoriano de 240
Villarroel, Gualberto 377, 405, 406, 483, 517
Villegas, Francisco de Quevedo y 62, 70
Villegas, Micaela 169
Virgilio 50
Virtanen, Atturi I. 443
Visconde de (Cissleir.eii^5i 195, 253, 256, 271
Visconde de Sao Leopoldd 227
Visconde Stranford 271
Visitador Areche 137
Vives, Vicens 52, 55, 64, 72, 73
Volodia Teitelboim 25
Voltaire 35, 115, 174, 531, 567
W G. Worthington 206
Walker, William 340, 341, 347, 487
Ward 106
Washington, George 386, 487, 505
Washington Luís 402, 420, 421
Weber, Max 226
Webster, C. K. 193, 194
Weyler, Valeriano 491
Whitaker, Arthur Preston 218, 255, 295,
296, 303
White, Guilermo 212
Wilson 197
Wilson, Henry Lane 382
Wittfogel, Karl A. 90, 96
Wolfe, Bertram 41, 476
Wolker, Willian 340
Wood, Leonard 492, 540