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PROGRAMA Módulo:

Atenção à saúde
DE EDUCAÇÃO da pessoa privada
PERMANENTE de liberdade
EM SAÚDE
DA FAMÍLIA

UNIDADE
Atenção integral à
3
saúde da mulher
privada de liberdade

Lannuzya Veríssimo e Oliveira


Mayara Lima Barbosa
Atenção integral à saúde da mulher privada de
liberdade

Caro cursista,

Considerando que você já estudou os aspectos históricos, legais e o cenário da assistência


prisional nacional, bem como se instrumentalizou para prestar atenção integral à saúde do
homem privado de liberdade, te convidamos a refletir agora sobre as singularidades que
permeiam a saúde da mulher privada de liberdade.

É preciso considerar que o encarceramento amplia a condição de vulnerabilidade da mulher,


seja pela inadequação do sistema penitenciário as necessidades desta população, seja pelo
abandono familiar, ou ainda por outros fatores que propiciam e agravam muitas doenças.
Desse modo, te convidamos a conhecer os principais agravos que acometem a mulher em
situação de aprisionamento e os aspectos que envolvem o cuidado do binômio mãe/filho em
privação de liberdade e assim, contribuir com o aprimoramento quando ao acolhimento e o
cuidado à mulher privada de liberdade ofertado na sua ESF. Vamos seguir nossos estudos?

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Aula 1 – Principais agravos que
acometem a mulher em situação de
aprisionamento

As prisões foram criadas a partir de uma racionalidade que via a periculosidade como uma
característica inerente aos homens, portanto, sendo projetada para esses (FOUCAULT, 1987).
Sendo assim, mesmo que o número de mulheres presas tenha aumentado com o advento
do século XX, as prisões femininas continuam sem estrutura para abrigar e disciplinar as
mulheres em situação de encarceramento, inclusive no Brasil (MAIA et al., 2009). Portanto,
o sistema penitenciário brasileiro, reconhecidamente deficiente no tocante à garantia dos
direitos a saúde, assistência social e jurídica dos indivíduos presos, torna-se ainda mais negli-
gente para os segmentos menos favorecidos dessa população, neles incluindo as mulheres
(VENTURA; SIMAS; LAROUZE, 2015). Você já havia pensado nisso?

E sobre os dados e o perfil dessas mulheres?

Apesar de a participação feminina na população carcerária brasileira ser, em geral, pouco sig-
nificativa, correspondendo a aproximadamente 5,8% da população carcerária total, o ritmo
no crescimento da taxa de mulheres presas no país tem chamado atenção. Entre os anos de
2005 e 2014, essa taxa cresceu numa média de 10,7% ao ano. Em termos absolutos, o núme-
ro de mulheres presas saltou de 12.925 em 2005, para 33.793 em 2014 (BRASIL, 2014b).

Historicamente, as mulheres em privação de liberdade tendem a ser jovens, afrodescen-


dentes, mães solteiras, de baixo nível socioeconômico e educacional, com história de pros-
tituição e uso abusivo de drogas (BARROS et al., 2016). Tais características são capazes de
fomentar o ciclo de exclusão, antes mesmo do aprisionamento, não sendo raro encontrar,
nessa população, as que nunca se apresentaram em serviços de saúde (ALVES et al., 2016).

Nesse contexto, o relatório do InfoPen de 2012 retrata as desigualdades sociais que marcam
o perfil das mulheres presas no Brasil: 47% tinham até 29 anos de idade, 63% eram negras
e 83% não completaram o ensino médio (BRASIL, 2012b), conforme observamos a seguir:

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Gráfico 1 – Perfil das mulheres que se encontram no sistema prisional brasileiro.

Fonte: Adaptado de Brasil (2012).

Ademais, estudos revelam que a maioria das mulheres foi presa por tráfico de drogas ou
associação ao tráfico, são reincidentes e não participam de atividades de ressocialização no
âmbito prisional, a saber: exercício de atividade laboral ou escolar, culminando com o pro-
longamento das penas e consequentemente maior exposição às condições insalubres das
prisões (CUNHA, 2010; OLIVEIRA et al., 2013).

Outra característica que merece destaque, pois certamente repercute nas condições de saú-
de da mulher presa é o abandono familiar vivenciado por essas após o aprisionamento,
ao contrário do que ocorre com os homens, que na maioria das vezes, recebem suporte
financeiro e afetivo durante todo o cumprimento da pena (JESUS et al., 2015). Acrescente-se
que o abandono familiar, associado ao descumprimento da garantia da visita íntima, impac-
tam negativamente na vivência da sexualidade das mulheres privadas de liberdade, e conse-
quentemente impactam em sua saúde e qualidade de vida (SOARES; FELIX-SILVA; FIGUEIRO,
2014). Agora que já conhecemos um pouco acerca do perfil socioeconômico das mulheres
privadas de liberdade em nosso país, vamos continuar nossos estudos sobre as condições
de saúde dessas mulheres?

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UNIDADE 3
Para ampliar seus conhecimentos sobre o contexto de encarcera-
mento de mulheres no Brasil, assista a uma entrevista com Dráuzio
Varela sobre essa temática. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?time_continue=1&v=EDg6yESqKT8>

Condições de saúde das mulheres privadas de liberdade


Sabemos que as distintas condições sociais, econômicas e culturais influenciam no processo
de adoecimento das populações e de cada pessoa em particular, e também que populações
expostas a condições precárias de vida estão mais vulneráveis ao adoecimento e morte
(BUSS; PELLEGRINI FILHO, 2007). Desse modo, considerando as condições do encarcera-
mento feminino no Brasil, você já se perguntou quais são as principais demandas de saúde
das mulheres privadas de liberdade?

A fim de sumarizar alguns indicadores de saúde das mulheres privadas de liberdade, segue
o quadro abaixo:

Assunto Principal Dados epidemiológicos


Infecção Sexualmente • Os resultados de uma revisão sistemática acerca da prevalência
Transmissível (IST)/ de HIV/AIDS e demais infecções sexualmente transmissíveis (IST) na
Síndrome da Imuno população carcerária feminina no Brasil aponta alta prevalência das
Deficiência Adquirida seguintes enfermidades: Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV)
(AIDS) (4,4-24,8%), Sífilis (5,7-25,2%), Papiloma Vírus Humano (HPV) (4,8-
19,0%), Vírus da Hepatite B (HBV) (7,4%) e Vírus da Hepatite C (4,6-
19,0%) (BEZERRA, 2015).

• Em estudo realizado nas penitenciárias paraibanas, 5,4% da


população carcerária investigada afirmou ter diagnóstico de IST
(OLIVEIRA et al., 2013).

• Um estudo sobre sífilis realizado com presidiárias em Teresina-PI


sinalizou que que 38,5% das mulheres nunca utilizam camisinha nas
relações sexuais e que 62,2% não sabem como se dá a transmissão
da sífilis. Ademais, associou a alta prevalência de sífilis ao uso de
drogas ilícitas antes das relações sexuais (ARAÚJO; ARAÚJO FILHO;
FEITOSA, 2015).
Câncer de colo uterino Um estudo realizado em penitenciárias do Ceará demonstra que as
mulheres encarceradas apresentam peculiaridades que as tornam
mais vulneráveis ao desenvolvimento de câncer de colo uterino, a
exemplo da alta prevalência de tabagismo (44,5%), com histórico de
longo uso de contraceptivo oral (66,6%), coitarca com idade inferior a
15 anos (72,2%) e uso raro de preservativo (38,4%) (ANJOS et al., 2013).

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Saúde reprodutiva Um estudo realizado com presidiárias do Piauí identificou que
42,5% eram multíparas e 40,4% não realizaram nenhuma consulta
de pré-natal. A frequência de abortos provocados foi de 42,5%
(BARROS et al., 2016).
Hanseníase/ Tuberculose O resultado de um estudo realizado na região metropolitana de
Recife apontou para elevada prevalência para a hanseníase em
mulheres privadas de liberdade (FERREIRA et al., 2016).

Uma revisão integrativa concluiu que as taxas de tuberculose em sua


forma ativa ou latente são maiores em populações carcerárias do
que entre populações que não vivem em confinamento (VALENÇA et
al., 2016).
Saúde Bucal Um estudo realizado com mulheres encarceradas identificou
precárias condições de saúde bucal: altas taxas de perdas dentárias,
uso de próteses dentárias inadequadas e dificuldades de acessos aos
cuidados dentários (RODRIGUES et al., 2014).
Saúde Mental Estudos sinalizam que o estresse, a depressão severa, ideação
suicida e ansiedade são muito presentes entre mulheres presas,
sendo alto o número das que fazem uso de medicação psicotrópica
(CONSTATINO; ASSIS; PINTO, 2016; OLIVEIRA et al., 2013).
Violência São bastante altas as taxas de violência perpetradas contra as
mulheres presas, e essa violência não apenas precede como
impulsiona os delitos, culminando com o encarceramento
(FERREIRA et al., 2014).
Assistência à saúde A assistência à saúde para mulheres privadas de liberdade está aquém
do preconizado pela legislação vigente, desde as ações de promoção à
saúde até ações de tratamento e reabilitação (ALVES et al., 2016).
Quadro 1 – Demonstrativo com alguns dados epidemiológicos sobre a saúde de mulheres
privadas de liberdade.

Após essa discussão, perceberam que também é importante a realização de ações de saúde
pública para esse grupo?

Ademais, são escassos estudos que abordem outros aspectos do adoecimento entre mulhe-
res privadas de liberdade, a saber: doenças cardiovasculares, respiratórias, dentre outras.
Porém, é consenso entre estudiosos da área, que são múltiplas as vulnerabilidades viven-
ciadas pelas mulheres, cabendo aos profissionais de saúde conhecer tais vulnerabilidades,
a fim de construir intersetorialmente, junto aos demais membros de sua equipe, ações
que promovam a saúde, previnam os agravos e as doenças e tratem as doenças, por meio
de uma abordagem integral (BARROS et al., 2016).

Devemos destacar também que no âmbito da privação de liberdade algumas condições


fisiológicas, como a gravidez, conferem por si só uma ampliação da vulnerabilidade des-
sas mulheres e de seus filhos (VENTURA; SIMAS; LAROUZE, 2015). Atento a essas deman-
das, o Estado tem implementado algumas políticas específicas para o cuidado em saúde de
mulheres privadas de liberdade. Vamos conhecê-las?

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Contextualização das políticas de saúde da mulher
Especificamente no tocante à saúde da mulher presa e em consonância com a Política Nacio-
nal de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade (PNAISP), de 2014 des-
taca-se a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PNAISM) (BRASIL, 2004c;
BRASIL, 2014a). Outrossim, tais políticas coadunam com as propostas da Política Nacional de
Atenção às Mulheres em Situação de Privação de Liberdade e Egressas do Sistema Prisional
(PNAMPE) (BRASIL, 2014c).

Notas sobre a PNAISM

Foi elaborada em 2004 e, especificamente no tocante à saúde da


mulher presa, já trazia orientações para implantação de ações integrais
que atendessem às demandas específicas das mulheres presidiárias
por meio de uma atenção diferenciada dentro do conjunto de ações
do Sistema Único de Saúde.

Notas sobre a PNAMPE

Implantada em 2014, possui como objetivos:

I – fomentar a elaboração das políticas estaduais de atenção às mulhe-


res privadas de liberdade e egressas do sistema prisional;

II – induzir para o aperfeiçoamento e humanização do sistema prisional


feminino, especialmente no que concerne à arquitetura prisional e
execução de atividades e rotinas carcerárias, com atenção às diver-
sidades e capacitação periódica de servidores;

III – promover, pactuar e incentivar ações integradas e intersetoriais,


visando à complementação e ao acesso aos direitos fundamentais,
previstos na Constituição Federal e Lei de Execução Penal, voltadas
às mulheres privadas de liberdade e seus núcleos familiares;

IV – aprimorar a qualidade dos dados constantes nos bancos de


dados do sistema prisional brasileiro, contemplando a perspectiva
de gênero; e

V – fomentar e desenvolver pesquisas e estudos relativos ao encar-


ceramento feminino.

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Figura 1 – PNAISM, PNAMPE e PNAISP – políticas brasileiras na busca por garantir os direitos das
mulheres presas no país (com ênfase na saúde).

Fonte: Autoria própria (2017).

Entretanto, apesar do aparato legal vigente, são muitos os desafios para efetivação de uma
assistência integral à saúde das mulheres presas (DIUANA et al., 2016), dentre os quais elen-
ca-se: o desconhecimento dos profissionais das Redes de Atenção à Saúde (RAS) quanto
às suas atribuições no cuidado às pessoas privadas de liberdade, conforme apresentamos
na situação problema. Lembra?

Então, convidamos você a continuar conosco nesse aprendizado, visando superarmos jun-
tos esses desafios! Até a próxima aula!

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Aula 2 – O cuidado do binômio mãe/filho
na situação da maternidade vivenciada
em privação de liberdade

Na aula anterior, estudamos as condições de saúde e os principais agravos que acometem


as mulheres privadas de liberdade. Agora, discutiremos um fenômeno recorrente em peni-
tenciárias femininas e que traz significativos desafios para prestação do cuidado à saúde
do binômio mãe/filho: a maternidade vivenciada no cárcere.

Sabemos que o perfil das mulheres encarceradas é composto por jovens, imersas em um
contexto social que propicia o sexo desprotegido, de modo que a gravidez é uma situação
recorrente no ambiente prisional (SOARES; CENCI; OLIVEIRA, 2016). E, sendo a maternidade
desejada ou não, quando vivenciada na prisão, traz contornos distintos daqueles vivencia-
dos por mulheres em liberdade (FRANÇA; SILVA, 2015).

Um estudo desenvolvido por Oliveira, Miranda e Costa (2015a) concluiu que a maternidade
vivenciada no cárcere é permeada por sofrimentos e limitações. No entanto, a permanência
da criança junto à mãe gera consolo em meio à angústia e minimiza, mesmo que tempora-
riamente, as dificuldades no cárcere.

Vamos observar na figura a seguir a vivência da maternidade para presidiárias.

Figura 2 – Vivência da maternidade para presidiárias.

Fonte: Adaptado de Oliveira, Miranda e Costa (2015a).

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Ressalta-se que grande parte das unidades prisionais femininas não dispõe de recursos
humanos especializados e espaços físicos necessários à saúde da mulher, em especial ao
tratamento pré-natal e pós-natal, o que gera um descompasso entre o arcabouço legal
e a realidade encontrada nas penitenciárias (VENTURA; SIMAS; LAROUZE, 2015). Ademais,
percebe-se que a instituição prisional age de forma contraditória no que tange às mulheres
que são mães encarceradas, pois, ao mesmo tempo em que negligenciam as necessida-
des do contato entre as mulheres e seus filhos, cobram das prisioneiras um estreitamento
de relação com os filhos e, historicamente, estimulam o modelo de mãe ideal (OLIVEIRA;
COSTA; MIRANDA, 2015b).

É válido ressaltar também que as modificações fisiopsicológicas inerentes do período gravídico


e as implicações na saúde materna e fetal, particularmente durante o segundo e o terceiro tri-
mestres gestacionais, integram uma das etapas da gestação em que as condições ambientais
vão exercer influência direta no desenvolvimento salutar do feto (SCHULER-FACCINI, 2002).
Outrossim, não são raros os casos em que as gestantes presas não recebem a assistência
médica necessária no que concerne às consultas de pré-natal, bem como à realização dos
partos. Associa-se também a isso a pouca existência de berçários nas unidades prisionais,
o que faz com que as crianças permaneçam na cela junto com a mãe e outras prisioneiras
(SOARES; CENCI; OLIVEIRA, 2016).

Portanto, compreendendo que as prisões se configuram por um ciclo de disseminação de


doenças, exposição à violência e a algumas drogas, com ênfase para o tabaco (ALVES et al.,
2016), você acredita que prestar cuidados integrais e acolher as demandas da saúde mater-
no-infantil no interstício das prisões constitui-se em uma grande responsabilidade para os
profissionais de saúde, incluindo os da Estratégia Saúde da Família? Esse tema poderia ser
discutido nas próximas reuniões da equipe da nossa situação-problema, não é?

Então, sigamos nossos estudos discutindo acerca da atenção à mulher grávida e ao recém-
-nascido no ambiente prisional!

Atenção à mulher grávida e ao recém-nascido no


ambiente prisional
No Brasil, apesar dos notáveis avanços consolidados pelo SUS, ainda persistem altas taxas
de mortalidade materna e infantil por causas evitáveis, em decorrência principalmente da
assistência precária e desarticulada no período perinatal (MARTINS et al., 2017).

Morte materna corresponde ao falecimento de uma mulher durante


a gestação ou dentro de um período de 42 dias após o término da
gestação, independentemente da duração ou da localização da ges-
tação, em função de qualquer causa relacionada com (ou agravada
pela) gravidez, ou por medidas tomadas em relação a essas, porém
não em função de causas acidentais ou incidentais (OMS).

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Vamos resumir, no infográfico a seguir, as principais causas de mortalidade materna.

Figura 3 – Principais causas de mortalidade materna.

Fonte: Adaptado de Silva et al. (2016).

Mortalidade infantil consiste na morte de crianças no primeiro ano


de vida e é a base para calcular a taxa de mortalidade infantil, que
consiste na mortalidade infantil observada durante um ano, referida
ao número de nascidos vivos do mesmo período (OMS). Os princi-
pais determinantes da mortalidade infantil são: causas perinatais
e precárias condições socioeconômicas (NASCIMENTO; ALMEIDA;
GOMES, 2014).

A fim de diminuir os indicadores de mortalidade materna decorrentes de complicações evi-


táveis que acometem as mulheres no período gestacional, parto e puerpério, o Ministério
da Saúde implantou, no ano 2000, o Programa de Humanização no Pré-Natal e Nascimento
(PHPN). Em 2011, com a finalidade de qualificar a assistência obstétrica e neonatal, o Minis-
tério da Saúde implantou a Rede Cegonha, por meio da Portaria nº 1.459 (BRASIL, 2011a).

A Rede Cegonha é uma estratégia inovadora do Ministério da Saúde que visa implementar
uma rede de cuidados para assegurar às mulheres o direito ao planejamento reproduti-
vo e à atenção humanizada à gravidez, ao parto e ao puerpério, e às crianças o direito ao
nascimento seguro, ao crescimento e ao desenvolvimento saudáveis. Tem como base os
princípios do SUS, de modo a garantir a universalidade, a equidade e a integralidade da
atenção à saúde. Dessa forma, a Rede Cegonha organiza-se de modo a assegurar o acesso,
o acolhimento e a resolutividade, por meio de um modelo de atenção voltado ao pré-natal,

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parto e nascimento, puerpério e sistema logístico, que inclui transporte sanitário e regula-
ção (BRASIL, 2011a).

A seguir, apresentaremos um infográfico com os componentes da Rede Cegonha.

Figura 4 – Componentes da Rede Cegonha.

Ademais, são princípios da Rede Cegonha: humanização do parto e do nascimento, com


ampliação das ppler baseadas em evidência; organização dos serviços de saúde enquanto
Rede de Atenção à Saúde (RAS); acolhimento da gestante e do bebê, com classificação de
risco em todos os pontos de atenção; vinculação da gestante à maternidade; gestante não
peregrina; realização de exames de rotina com resultados em tempo oportuno.

É válido destacar que as mulheres que vivenciem a gestação, o parto e o puerpério privadas
de liberdade devem estar inseridas no Rede Cegonha, para isso, faz-se necessária a articula-
ção entre todos os profissionais de saúde responsáveis pelo cuidado dessas mulheres. Entre
esses profissionais, destacam-se os das equipes da atenção básica prisional, e na ausência
dessa equipe, a ação compete aos profissionais da ESF responsáveis pelo território onde
existam instituições prisionais.

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Cabe ressaltar também que a Política Nacional de Atenção às Mulheres em Situação de Pri-
vação de Liberdade e Egressas do Sistema Prisional (PNAMPE) em consonância com a Política
Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade (PNAISP) elencam
as seguintes orientações quanto à atenção específica à maternidade e à criança intramuros:

1. identificação da mulher quanto à situação de gestação ou mater-


nidade, quantidade e idade dos filhos e das pessoas responsáveis
pelos seus cuidados e demais informações, por meio de preenchi-
mento de formulário próprio;

2. inserção da mulher grávida, lactante e mãe com filho em local


específico e adequado com disponibilização de atividades condizen-
tes à sua situação, contemplando atividades lúdicas e pedagógicas,
coordenadas por equipe multidisciplinar;

3. autorização da presença de acompanhante da parturiente, devida-


mente cadastrado(a) junto ao estabelecimento prisional, durante
todo o período de trabalho de parto, parto e pós-parto imediato,
conforme disposto no art. 19-J da Lei nº 8.080, de 19 de setembro
de 1990;

4. proibição do uso de algemas ou outros meios de contenção


em mulheres em trabalho de parto e parturientes, observada a
Resolução nº 3, de 1º de junho de 2012, do CNPCP;

5. inserção da gestante na Rede Cegonha, junto ao SUS, desde a con-


firmação da gestação até os dois primeiros anos de vida do bebê;

6. desenvolvimento de ações de preparação da saída da criança do


estabelecimento prisional e sensibilização dos responsáveis ou
órgãos por seu acompanhamento social e familiar;

7. respeito ao período mínimo de amamentação e de convivência da


mulher com seu filho, conforme disposto na Resolução nº 3 de 15
de julho de 2009, do CNPCP, sem prejuízo do disposto no art. 89
da Lei 7.210 de 11 de julho de 1984;

8. desenvolvimento de práticas que assegurem a efetivação do direito


à convivência familiar, na forma prevista na Lei nº 8.069, de 13 de
julho de 1990;

9. desenvolvimento de ações que permitam acesso e permanência


das crianças que estão em ambientes intra e extramuros à rede
pública de educação infantil;

10. disponibilização de dias de visitação especial, diferentes dos dias


de visita social, para os filhos e dependentes, crianças e adolescen-
tes, sem limites de quantidade, com definição das atividades e do
papel da equipe multidisciplinar.

Atenção à saúde da pessoa privada de liberdade 13


UNIDADE 3
Uma vez que já conhecemos os principais agravos que acometem a mulher em situação de
aprisionamento, bem como já discutimos aspectos relevantes acerca da atenção ao binô-
mio mãe/filho no âmbito do encarceramento, na próxima aula, estudaremos o papel da
equipe da ESF no acolhimento e cuidado em relação às demandas das mulheres privadas
de liberdade. Até lá!

Para ampliar sua compressão sobre a vida das mulheres grávidas,


que dão à luz e amamentam nas prisões brasileiras, leia a repor-
tagem da Revista Radis intitulada “Mães do cárcere”. Disponível
em: <http://www6.ensp.fiocruz.br/radis/revista-radis/179/
cartas/%C2%A0maes-do-carcere>

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UNIDADE 3
Aula 3 – O papel da equipe da ESF no
acolhimento e cuidado às demandas das
mulheres privadas de liberdade

A Estratégia Saúde da Família (ESF) visa à reorganização da atenção básica no País de acordo
com os preceitos do Sistema Único de Saúde, apresentando uma característica de atuação
inter/multidisciplinar e responsabilidade integral sobre a população que reside na área de
abrangência de suas unidades de saúde (BRASIL, 2012a). Entretanto, ainda que os profissio-
nais da ESF estejam cientes de tais responsabilidades, os estigmas e preconceitos que per-
meiam o cuidado à população privada de liberdade, reforçados pela carência de capacitação
específica sobre essa temática, contribuem para um cuidado fragmentado e pouco resolu-
tivo a essas populações (OLIVEIRA et al., 2016), tal qual elucidamos na situação problema.
Estão lembrados?

Um estudo desenvolvido por Costa et al. (2014) cujo objetivo foi descrever as ações de saú-
de realizadas para os presidiários e compreender a organização, planejamento e execução
desses serviços pelas equipes de saúde da família, identificou que as ações de saúde se
limitavam a campanhas de vacinação e consultas médicas esporádicas. Além disso, o aten-
dimento aos detentos ocorre sem planejamento ou identificação das reais necessidades
desse público, demonstrando que o presídio não é compreendido como sendo responsabi-
lidade da equipe da ESF.

A seguir, será apresentado um resumo com as dificuldades enfrentadas pelos profissionais


da ESF para prestar assistência à população privada de liberdade:

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UNIDADE 3
Figura 5 – Dificuldades enfrentadas pelos profissionais da ESF para prestar assistência à população
privada de liberdade.

Fonte: adaptado de Costa et al. (2014).

Vamos discutir um pouco mais sobre as dificuldades encontradas pelos profissionais de


saúde para lidar com essa população?

Reconhecidamente são muitos os obstáculos para efetivação do cuidado integral à saúde


das pessoas privadas de liberdade, até porque, tendo em vista que alcançar a integralidade
no cuidado configura-se em um dos maiores desafios para o SUS, inclusive em comunidades
no geral (ARANTES; SHIMIZU; MERCHAN-HAMANN, 2016), não seria diferente em comunida-
des inseridas em um contexto ainda maior de vulnerabilidades. Contudo, acredita-se que
a formação continuada dos profissionais de saúde sobre a temática em questão – cuidado
integral à população privada de liberdade- suscite a criação de estratégias para o cumpri-
mento da legislação vigente.

Some-se a isso, a necessidade de fortalecer a integração entre os profissionais de saúde e a


gestão dos presídios/ agentes penitenciários, pois o fortalecimento da intersetorialidade além
de salvaguardar a segurança dos profissionais e dos apenados; possibilitar o planejamento
para o deslocamento, escolta e prioridades de atendimento (BRASIL, 2014a), favorecerá tam-
bém a execução de uma assistência à saúde ética e humanizada (JESUS; SCARPARO, 2015).

Então, após o exposto, é possível que você esteja se perguntando: qual o papel da equipe da
ESF no acolhimento e cuidado as demandas das mulheres privadas de liberdade?

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UNIDADE 3
Acolhimento é uma diretriz da Política Nacional de Humanização
(PNH), que não tem local nem hora certa para acontecer, nem um
profissional específico para fazê-lo: faz parte de todos os encontros
do serviço de saúde. O acolhimento é uma postura ética que implica
na escuta do usuário em suas queixas, no reconhecimento do seu
protagonismo no processo de saúde e adoecimento, e na responsa-
bilização pela resolução, com ativação de redes de compartilhamento
de saberes. Acolher é um compromisso de resposta às necessidades
dos cidadãos que procuram os serviços de saúde (BRASIL, 2010c).

Após relembrarmos o conceito de acolhimento em saúde, e tomando como base todos os


módulos já estudados até aqui, certamente você concluirá que cabe aos profissionais da ESF
realizar escuta qualificada para identificar as demandas suscitadas pelas mulheres privadas
de liberdade, e realizar ações de promoção, proteção e recuperação da saúde e prevenção
de agravos voltadas a essa clientela.

Você compreende que são múltiplas as dimensões que envolvem o acolhimento e cuidado
a mulheres privadas de liberdade na esfera da ESF? Porém, por fins didáticos e fundamen-
tando-nos no perfil epidemiológico desse público, elencamos as seguintes ações prioritárias:

Figura 6 – Ações prioritárias a ser desenvolvidas junto às mulheres em privação de liberdade.

Vamos refletir um pouco sobre cada ação?

Quanto à imunização, faz-se necessário manter o calendário vacinal atualizado, seguindo as


recomendações do Programa Nacional de Imunização (PNI), e atentar para as campanhas
sazonais, as quais em sua maioria, incluem as pessoas privadas de liberdade como grupos
prioritários no recebimento dos imunobiológicos. O acompanhamento durante o pré-natal
e puerpério deve seguir as recomendações da Rede Cegonha, inclusive no tocante à realiza-
ção da visita à puérpera até, no máximo, 10 dias após o parto (BRASIL, 2011a).

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UNIDADE 3
As ações de saúde bucal devem contemplar desde orientações quanto à higiene bucal, até
a prevenção, tratamento e reabilitação de complicações dentárias (RODRIGUES et al., 2014).
Faz-se necessário também reforçar as ações de rastreamento para o câncer de colo uterino
e câncer de mama (ANJOS et al., 2013).

Cabe também aos profissionais da ESF prestar assistência quanto ao planejamento familiar,
assim como realizar triagem/ diagnóstico e tratamento para doenças e agravos, com ênfase
para tuberculose, hanseníase, sífilis, hepatites B e C e HIV/ AIDS (SANTOS; BERMUDEZ, 2012).

Quanto às ações de promoção à saúde, faz-se necessário, por um lado identificar as ques-
tões trazidas pelo público-alvo, por outro traçar estratégias metodológicas compatíveis com
esse público (TAVARES et al., 2016). Sugerimos os seguintes temas a serem abordados com
as mulheres privadas de liberdade: higiene; álcool e/ ou outras drogas; prevenção à violên-
cia; gênero e sexualidade, dentre outros. Por fim, as demandas de saúde mental, tão presen-
tes entre mulheres encarceradas, serão abordadas na próxima unidade.

A Lei nº 11.942, de 28 de maio de 2009, acrescenta a LEP a obrigato-


riedade de que as penitenciárias sejam dotadas de seção para ges-
tantes, parturientes e de creche para abrigar crianças maiores de 6
(seis) meses e menores de 7 (sete) anos, com a finalidade de assistir a
criança desamparada cuja responsável estiver presa (BRASIL, 2009b).
Igualmente, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê a per-
manência do filho junto à mãe no período de amamentação, mesmo
que as mães estejam privadas de sua liberdade (BRASIL, 2009b). Sendo
assim, as crianças que estiverem junto às mães nas prisões devem
receber os cuidados dos preconizados pela Ministério da Saúde, para
seu acompanhamento e desenvolvimento (BRASIL, 2012a).

E sobre os direitos das crianças recém-nascidas? Vamos relembrá-los um pouco?

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UNIDADE 3
Figura 7 – Direitos das crianças recém-nascidas.

Fonte: adaptado de Brasil (2014d).

Dessa forma, a equipe de saúde precisa conhecer as legislações e os direitos desses indiví-
duos objetivando uma melhor assistência.

A fim de aprofundar as reflexões sobre a saúde no ambiente prisional:


desafios e possibilidades, segue reportagem do Canal Saúde Oficial.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=oBZ95HSbnww>.

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UNIDADE 3
Finalizamos, assim, esta aula e esta unidade destacando a necessidade do reconhecimento
das legislações inerentes a população privada de liberdade, seja homem, mulher ou criança.
Na próxima unidade, abordaremos a saúde mental desses indivíduos, trazendo reflexões
acerca da atuação da equipe de saúde. Vamos seguir os estudos?

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