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ABANDONO
ABANDONO
ABANDONO:
PIOR PENA PARA AS MULHERES EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE
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ABANDONO:
PIOR PENA PARA AS MULHERES EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE
RESUMO
Clarice Lispector
INTRODUÇÃO
O cárcere, que é por muitos, comparado a uma máquina de moer carne, tem o
condão de submeter, comprimir e misturar a massa heterogenia até transformá-la em um
corpo só, um corpo dócil (FOUCAULT, 1987). E assim, a “cada faceta deste molde,
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* Trabalho apresentado no V Seminário da Pós Graduação em Ciências Sociais: Cultura,
Desigualdade e Desenvolvimento - realizado entre os dias 02, 03 e 04 de dezembro de 2015, em
Cachoeira, BA, Brasil.
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designado para projetar dores, inflige diferentes violências ante a carcaça imunda dos
alvejados” (PIRES, 2015), vai “higienizando” e homogeneizando os corpos (agora
dóceis e) estigmatizados.
Com o exponencial crescimento das populações dentro do sistema capitalista,
cada vez mais selecionador, excludente e elitizado, foi crescendo também os meios de
“contenção” social dos indesejados. Assim, a força e a expansão dos tentáculos do
sistema de justiça criminal, contentor – não declarado – social, cresceu igual, quiçá
superior proporção ao crescimento das sociedades.
Nesse quadro contencioso a população carcerária no Brasil cresceu 74% em sete
anos. Em 2005, o número absoluto de presos no Brasil era de 296.919. Sete anos depois,
saltou para 515.482 presos. Nesse período a população prisional masculina cresceu
70%, enquanto isso, a população feminina cresceu 146% no mesmo período (BRASIL.
2012).
Recente levantamento realizado pelo Infopen (2014) mostra o crescimento do
número de mulheres presas no Brasil nos últimos 15 anos, em uma taxa de
encarceramento feminino por grupo de 100 mil habitantes.
Em dezembro de 2007, havia 24.052 mulheres nas prisões brasileiras,
cumprindo pena nos regimes fechado e semiaberto ou de medida
segurança nos hospitais de custódia. Cinco anos depois, havia 34.159
mulheres no sistema carcerário brasileiro, um acréscimo de 10.107
pessoas, de acordo com o InfoPen, banco de dados sobre o sistema
carcerário do Ministério da Justiça (DA SILVA, 2014).
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três filhos. Porém, com a separação decorrente do encarceramento, por vezes, leva a
fragmentação dos vínculos familiares e afetivos ¹.
“A maior parte das mulheres encarceradas é solteira (57%), o que pode ser em
parte explicado pela alta concentração de jovens no sistema prisional” (BRASIL, 2014).
O que por óbvio, não explica tudo acerca da problemática, entretanto nos traz muito do
que podemos entender sobre o abandono afetivo e familiar que passa a população
carcerária feminina.
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¹ Para fins deste trabalho, simplificadamente chamaremos o abandono dos namorados, cônjuges
e companheiros simplesmente de abandono afetivo.
é um dever estatal, e representa aspecto fundamental para a
implementação de políticas públicas específicas, voltadas a esse
segmento (BRASIL, 2014).
Muito embora essa seja uma das explicações do crescente aumento das mulheres
no crime e, consequentemente, do aumento das mulheres no cárcere, essa não é a única
explicação.
Uma outra explicação é a assunção da função de provimento da casa, seja ela por
conta do abandono sofrido pelos companheiros que saem de casa – 57% são solteiras,
(BRASIL, 2014) – e que, por vários motivos, simplesmente não ajudam no sustento dos
filhos, sejam por muitos destas mulheres já estarem com seus companheiros presos.
“Não é à toa que a maioria delas é acusada de crimes que serviriam como complemento
de renda: 6.697 são detidas por crimes contra o patrimônio e 17.178 por tráfico de
entorpecentes” (E SILVA, 2014).
Portanto, essas mulheres são levadas a assumir a chefia e provimento familiar,
muitas vezes, assumindo a atividade criminosa que o companheiro exercia antes de irem
para a prisão.
Não são poucos os estigmas que recaem sobre aqueles que comentem atos tidos
como criminosos. Esses estigmas nas mulheres são duplamente reforçados. Muito em
face da nossa cultura patriarcal, o estigma de “criminosa”, bem como os estereótipos de
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“inconsequente” e “irresponsável” grudam nas mulheres apenadas. Sendo assim, o
abandono, já que na maioria dos casos as detentas não contam com a presença dos
companheiros. De todo modo, as mulheres acabam por ter uma punição sobrestimada
pelos preconceitos da sociedade.
Para a socióloga Julita Lemgruber (2015), autoria do clássico livro, Cemitério de
vivos: análise sociológica de uma prisão de mulheres (1999), que trata sobre o tema do
abandono carcerário, boa parte da sociedade vê a mulher transgressora como indigna e,
por isso, não merecedora de respeito e atenção. “A expectativa de uma sociedade
machista e patriarcal é que a mulher seja dócil e respeite as normas da família. Ao
cometer um crime, ela rompe com a sociedade duas vezes e é abandonada. É castigada
duplamente” (LEMGRUBER, 2015).
Quanto aos fatores que predispõe o abandono familiar, destacam-se os
rígidos preceitos morais que envolvem o feminino, uma vez que a
mulher ainda é vista como uma representação de moralidade e
religiosidade presentes no percurso histórico das prisões femininas
brasileiras (DE JESUS., et al, 2015).
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O fato é que no Brasil, o cárcere é marcado pela superlotação, pela evidente falta
de acesso à saúde (pior ainda, saúde especializada), ausência de atividades, além de um
abandono afetivo e, estatal ensurdecedor. O que muitas vezes leva a uma rotina de
revoltas e violência.
Sendo assim, as prisões por si só, são ambientes que favorecem a violação de
direitos. “O cárcere é uma instituição totalizante e despersonalizadora” (ESPINOZA,
2004, p. 78), por isso, aqueles que nele estão inseridos, apresenta uma quebra nos
diversos níveis dos vínculos sociais. Não é apenas uma questão de perda da liberdade,
mas sim, da completa privação da capacidade de autodeterminação.
Em recente estudo, os pesquisadores Larissa Urruth Pereira e Gustavo Noronha
de Ávila (2013), em cadeia do Paraná, verificaram que, no geral, a maioria das detentas
não tem visita da família e muito menos dos companheiros. “Ao se analisar a situação
do contato com a família, verificamos que cinco das entrevistadas não recebe nenhum
tipo de visita, vivenciando uma situação de isolamento e desamparo” (PEREIRA e
ÁVILA, 2013).
Recentemente uma presa grávida deu a luz sozinha, sem nenhum tipo de
assistência, nem mesmo a do estado, em uma sela de uma cadeia do Rio de Janeiro.
“Consta que a presa teve o bebê no isolamento e, mesmo com os gritos de outras
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detentas pedindo ajuda, ela só saiu com o bebê já no colo, com o cordão umbilical
pendurado. Isso é de uma indignidade humana inaceitável”, criticou o juiz Eduardo
Oberg, titular da Vara de Execuções Penais (BRASIL, 2015).
Um quadro desolador e de total descumprimento de leis vigentes e de violações
de Direitos Humanos.
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A tudo isso, parece-nos que as mulheres são mais sensíveis no tocante a
preservar as famílias e, se sacrificarem.
CONSIDERAÇÕES
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
CHRISTIE, Nils. Los Límites del Dolor. México: Fondo de Cultura Económica, 1984.
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PEREIRA, Larissa Urruth; ÁVILA, Gustavo Noronha de. Aprisionamento Femino e
Maternidade no Cárcere – uma análise da rotina institucional na penitenciária
feminina madre pelletier. E-boock. PUC-Anais Disponível em:
<http://ebooks.pucrs.br/edipucrs/anais/cienciascriminais/III/13.pdf>Acesso em 13 de
novembro de 2015.
NOTAS
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