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A entrada da mulher que é mãe no sistema carcerário brasileiro abrange

uma mudança angustiante na rotina, não só na vida dessas mulheres, mas também
na da família, especialmente na organização do cotidiano dos filhos. A
problematização do aprisionamento feminino é necessária, pois as perdas destas
mulheres não ultrapassam somente a restrição de liberdade, mas também, ocorre
uma violação à dignidade da pessoa humana, direito constitucional que deve ser
garantido a todos, sem distinção de cor, sexo ou condenação criminal. Em um
país como o Brasil, em que a realidade é marcada por diversas desigualdades, a
vida no cárcere não seria diferente. Nesse contexto, é notório afirmar que um dos
maiores e mais graves problemas das unidades prisionais brasileiras se trata de
sua própria estrutura: instalações superlotadas, terríveis condições de iluminação,
higiene, alimentação, dentre tantos outros, ou seja, uma estrutura totalmente
precária. Ao não gerar programas de educação, ressocialização e trabalho, obtém-
se um ciclo vicioso: a desigualdade resulta em violência e a ausência de
ressocialização faz com que o indivíduo retorne ao convívio social ainda mais
marginalizado.
Quando se trata das detentas femininas, é importante ressaltar que elas são
acauteladas em um sistema prisional elaborado sob a perspectiva masculina,
mesmo tendo necessidades específicas, e dessa forma, têm inúmeros direitos
violados. Logo, encaram incontáveis dificuldades para conseguirem conviver
com seus filhos e para conseguirem acessar à justiça e à saúde. Levando em
consideração que a população carcerária brasileira é de maioria masculina, é
inevitável que a grande parte dos presídios não estejam preparados para as
necessidades específicas das mulheres. As políticas penitenciárias foram
pensadas pelos homens e para os homens. As mulheres são situadas na
invisibilidade, suas necessidades na grande parte das vezes não são atendidas e
sua dignidade é constantemente violada. Consequentemente, os presídios
exclusivamente femininos existentes são insuficientes, o que resulta em mulheres
sendo presas em presídios mistos, nos quais ficam em uma cela ou, no máximo,
uma ala para abrigá-las.
Nesse contexto, com relação a maternidade no cárcere, as mulheres, por si
só, apresentam a necessidade de uma atenção especial. Seja em relação à sua
saúde, principalmente durante o pré-natal e o pós-parto, seja em relação à
convivência familiar, especialmente no que tange a convivência com seu filho
recém-nascido, até que este complete seis meses de vida sendo dever do Estado
garantir ambiente adequado para que isso ocorra. Diante do exposto, a Fundação
Oswaldo Cruz (Fiocruz) analisou a situação de mulheres encarceradas que vivem
com seus filhos em prisões femininas do Brasil, entrevistando ao menos 241 mães
e percebeu que 36% delas não tiveram acesso adequado à assistência pré-natal;
15% alegaram ter sofrido algum tipo de violência; 32% das grávidas presas não
realizaram o teste de sífilis e 4,6% das crianças nasceram com a forma congênita
da doença. Dessa forma, percebe-se que a realidade delas é fria, dura e
desmascara a negligência do Estado.
Somente em 2009, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei
11.942, que concedeu às presidiárias o direito de um período de amamentação de
no mínimo seis meses e cuidados médicos aos bebês e a elas. Entretanto, a lei não
foi acompanhada de meios para seu cumprimento. De acordo com o
Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias de 2018, 42.355 mulheres
estão presas no país e somente 27.029 vagas para a população feminina em
estabelecimentos prisionais. Existem apenas cerca de sessenta berçários e creches
em todo o sistema carcerário feminino brasileiro. Portanto, quando não há vagas,
o procedimento é enviar as mães para berçários improvisados nas penitenciárias,
onde elas podem ficar com o filho e amamentá-lo, entretanto, elas não têm acesso
a cuidados médicos específicos. O benefício também não é para todas as
mulheres, assim sendo, às que cumprem pena em locais impróprios precisam
submeter os recém-nascidos às mesmas condições subumanas em que vivem.
Nessa perspectiva, a situação é ainda mais complexa porque é comum que as
crianças sejam destinadas aos cuidados de responsáveis que já possuem outros
menores sob sua guarda. Logo, por vezes, os cuidados e orientações recebidos
por elas não são como o desejo de suas mães. Após a separação mãe-filho no
momento da prisão, a criança experimenta um processo de luto e precisa
compreender a situação familiar real. Os reflexos dessa experiência sofrida
podem vir a se manifestar no processo de aprendizagem da criança que, em
decorrência dos seus conflitos internos, passa a apresentar dificuldades no âmbito
escolar. Apesar do ambiente prisional não ser o ideal e mais adequado para o
crescimento de uma criança, é muito importante a convivência materna nos
primeiros meses de vida da criança para assegurar o período mínimo necessário
para a amamentação e para fortalecer os vínculos afetivos entre mãe e o a criança,
por isso que o Estado reconheceu a importância de crianças ficarem com suas
mães em celas, mesmo que por um período curto.
No Brasil, existe uma visão problemática no que tange a importância dos
direitos humanos para o desenvolvimento de uma conduta civilizatória. Logo,
quando se trata dos direitos da população carcerária, tal visão é ainda mais
dificultada. Com isso, o que se entende é que apesar da proteção da Constituição,
de nada adianta a existência de direitos se não é do interesse público e nem
tampouco do Estado, a efetivação destes. Consequentemente, a população
prisional, na perspectiva da maior parte população brasileira, não detém de
nenhum direito, devendo apenas perdurar, sem nenhuma dignidade, durante o
cumprimento de sua pena. Sob essa ótica, o governo reflete o que a sociedade
pensa sobre políticas públicas e, infelizmente, a população não prioriza esse setor.
A sociedade precisa entender que recuperar os presos e dar condições e estruturas
adequadas a seus filhos é algo feito para diminuir a violência no futuro, e assim,
evoluir a comunidade como um todo. As leis e tratados são feitos para buscar
solução. Mas, a realidade é a de que, enquanto isto, crianças continuam presas,
sem possibilidade de desenvolvimento integral, sem estrutura para o seu
desenvolvimento e com seu futuro ameaçado. Portanto, nascidas de mães
acusadas, estas crianças já entram na vida pagando pelos crimes que não
cometeram, ingressando ao mundo com seus direitos fundamentais violados,
como a negação do direito à uma vida digna, de cuidados com a saúde, de
ambiente propício para sua idade e marcado pela falta de socialização com seus
familiares. Todos esses fatores limitam seu desenvolvimento integral. Cicatrizes
como essas, tornarão a vida deles muito mais complicada, uma vez que já crescem
marcados pelos preconceitos. Com isso, são recebidos pela sociedade com
preconceitos e não aceitação.
Destarte, o crime ainda é tratado como se fosse algo exclusivamente
masculino e, por tal, é visto com mais naturalidade. No caso feminino, a boa
conduta, a fidelidade e um bom exemplo no meio social. Uma mulher que comete
um crime sente mais o peso da condenação social. A partir dessa análise, a mulher
presa é, no geral, abandonada, enquanto o homem preso na maioria dos casos
conta com apoio de seus familiares, esposa e amigos. A invisibilidade da mulher
carcerária é uma realidade. Muitas pessoas imaginam que ao ser preso, todos os
direitos daquele indivíduo são perdidos, mas este é um enorme equívoco. O único
direito fundamental perdido é o direito a “liberdade de ir e vir”, ou seja, ele perde,
enquanto durar a sua pena em regime fechado, sendo proibido somente de
liberdade e não de todos os seus direitos fundamentais. Portanto, o ideal seria que
a encarcerada continuasse exercendo a maioria de seus deveres e direitos
fundamentais garantidos pela constituição assim como qualquer outro ser humano
em liberdade. Porém, através do exposto, compreende-se que na prática isso não
ocorre e quando o assunto são mães em cárcere as consequências são
extremamente nocivas tanto para a mulher quanto para seu filho.

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