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Caso 01:

Uma família, composta por: uma mãe M (39 anos) e seus filhos A (15 anos), B (11 anos)
e C (6 anos). M rompeu seu último relacionamento com o pai de C (P) há seis meses,
após ter sofrido violência doméstica. Com o ocorrido, não tem conseguido levar os
filhos para a escola, nem aos acompanhamentos médicos agendados. A tem feito a
comida para a mãe e os irmãos, além de também levá-los à escola. A escola,
percebendo que adolescente e crianças estão chegando às aulas com roupas sujas e
com muita fome, acionou o Conselho Tutelar da região, que comunicou a Vara da
Infância e Juventude, considerando que a mãe tem sido negligente nos cuidados dos
filhos. A mãe, com as faltas no trabalho, perdeu seu emprego formal e não conseguiu
pagar o aluguel naquele mês. Para contribuir com a renda da família, B e C passaram a
realizar trabalho infantil, cuidando de carros quando não estão na escola. Há suspeitas
que os filhos tenham presenciado as brigas do casal nos últimos anos. M está
arrependida da separação, pois mesmo sofrendo violência, P provia as necessidades
dela e dos filhos. Como deve ser conduzido o estudo social dessa família?

Um caminho de resposta pode ser:

Inicialmente, devemos considerar que o estudo social, de acordo com Fávero é um


processo metodológico específico do Serviço Social, que tem por finalidade conhecer
com profundidade, e de forma crítica, determinada situação ou expressão da questão
social, objeto da intervenção profissional. Neste caso específico, devemos considerar o
que está por trás do conceito de negligência, indicado pelo Conselho Tutelar, como
também todo o contexto de violência doméstica que viveu essa mulher.
A autora Acquaviva pontua alguns dos marcadores de cronificação da violência de
gênero nos relacionamentos íntimos, e seus impactos na saúde das mulheres,
provocando ainda solidão/isolamento; desgaste emocional, confusão mental, além do
impacto da violência na produção da passividade, expressa via depressão e ansiedade.
Suas atitudes para com os filhos não seriam resultado de todo processo vivido por
anos?
Berberian pondera sobre os juízos negativos de valor já imbricados no uso do conceito
de negligência, permeado de conteúdo moral, nos remetendo a desatenção, tendo
como sinônimos desleixo e preguiça, por exemplo, trazendo inevitavelmente consigo
conteúdos valorativos negativos, reforçando um perfil estereotipado e preconceituoso
sobre o outro.
Nesse sentido, o assistente social deve atuar de acordo com os princípios éticos que
deverão nortear o que é pertinente ser colocado no relatório, não sendo mais um
violador de direitos, julgando e rotulando essa mãe como “negligente”, mas sim como
uma pessoa que tem manifestado a ausência de políticas públicas que garantissem a
proteção social dos membros dessa família, não podendo ser (mais uma vez)
culpabilizada pela situação vivida.
Finalmente, o assistente social judiciário deverá intervir na articulação da rede de
proteção, para que as situações como o trabalho infantil sejam encaminhadas e essa
mãe fortalecida.

Caso 02:
Uma família composta por pai, mãe e três filhos, fruto da união, conviveram juntos por
dez anos. O pai, alega ter descoberto traição da esposa, a impede de entrar em casa
pegar suas coisas e cria empecilhos para ver os filhos. Abre processo de guarda
unilateral e solicita que as visitas sejam feitas exclusivamente com sua presença e na
antiga moradia do casal. Foi determinado estudo social em caráter de urgência,
requisitando ao assistente social, dentre outros quesitos, a existência ou não de
alienação parental. A mulher nega a traição e acusa o ex-marido de ter abusado
sexualmente da filha mais velha do casal e diz ter saído de casa para buscar ajuda e
que voltaria para pegar os filhos, sendo impedida de vê-los ou entrar novamente na
casa. De acordo com as especificidades do estudo social em Varas de Família, como
deve ser direcionada a atuação do assistente social?
Alguns caminhos:
Conceito de parentalidade: A parentalidade designa o conjunto de modos de ser e de viver
o fato parental: de ser pai e de ser mãe.

Conceito de conjugalidade: A conjugalidade diz respeito à construção de uma vinculação entre


dois indivíduos independentes e que resulta na construção de um terceiro elemento, a relação ou o
“nós” do casal.

1- Compreender os aspectos pertinentes a conjugalidade e o quanto isso tem


prejudicado o exercício da parentalidade.
2- A traição é uma questão da conjugalidade e o AS deve se concentrar em
aspectos da parentalidade para sugerir algo em relação a guarda.
3- A acusação de abuso sexual em relação a filha mais velha deve ser estudada
com cautela, é comum em VF acusações de abuso sexual que não se
consubstanciam.
4- A categoria de alienação parental é questionável, a própria realidade social no
período de ajustes pós-separação e o borrar das fronteiras da conjugalidade e
da parentalidade podem propiciar que naquela momento de dor e frustração
os adultos instrumentalizem os filhos a partir de seus interesses, usando-os
para ferir o outro genitor.
5- Entrevistas sociais devem ser realizadas com todos os membros da família, e se
necessário algum parente ou pessoa que componha a rede de apoio.
6- A violência e suas particularizações – doméstica, intrafamiliar, sexual, emergem
da própria realidade social analisada.
7- A manutenção do vínculo socioafetivo entre a mãe e os filhos é de extrema
importância devendo ser garantidas visitações, sem supervisão,
imediatamente.
8- Visitas supervisionadas somente em casos de risco para a criança, não se aplica
ao caso.
9- Itens sugeridos para compor o estudo:
9.1 História pregressa das figuras parentais;
9.2 História do relacionamento;
9.3 Condições do rompimento conjugal;
9.4 Ajustes pós-separação (impactos para a família em totalidade);
9.5 Rotina das crianças –
9.6 Rede de socialização – escola, amigos, vínculo com a rede familiar extensa
materna e paterna;
9.7 Comunicação – entre os genitores / apoio coparental financeiro e
emocional, capacidade de tomada em decisão em conjunto sobre o melhor
interesse dos filhos.
9.8 Rede de apoio – materna e paterna
9.9 Estabelecimento de limites pelas figuras parentais. Ex: disciplina,
organização, regras que podem ser flexibilizadas ou não, diálogo, combinações,
o quanto cada figura parental tem conhecimento sobre a vida dos filhos. Ou
seja, a capacidade de exercício parental através de uma prática educativa
saudável.
10. Motivação para ficar com a guarda.
11. Se necessário realizar encaminhamento para a rede socioassistencial;
12. Se necessário realizar abordagem institucional – contato com escola, UBS,
psicoterapeutas que atendam algum membro familiar, etc.
Dica: o CEARAS – Centro de Estudos Relativos ao Abuso Sexual Intrafamiliar presta
atendimento psicológico para famílias que tenham processos judiciais nos quais haja
denúncia de abuso sexual (consubstanciado ou não). Atendimento gratuito por até 1 a
no e meio para toda a família.

O Serviço Social não considera a alienação parental como objeto profissional, mas sim
a convivência familiar e comunitária que é fundamental para a socialização de crianças
e de adolescentes.

Sugestão:
Gois e Oliveira (2019), em publicação que aborda as particularidades do exercício profissional
na Justiça de Família, ponderam que, nesse espaço, o conflito judicial se dá majoritariamente
entre pessoas, embora por vezes seja possível identificar que a ausência do Estado possa ter
sido determinante para a sua emergência. Por estarem veladas pela subjetividade decorrente
do conflito relacional-legal, as expressões da questão social nessa área não se revelam no
imediato. O desafio inicial da/o profissional na elaboração dos estudos/perícias sociais nesse
espaço é justamente o desvelamento dessas expressões e das dimensões sociais, de classe,
raça/etnia, gênero, que cabem à/ao assistente social trazer à tona.

A luz da bibliografia do edital deste concurso, o Serviço Social não considera a


alienação parental como objeto profissional e sim a necessidade de convivência
familiar e comunitária. Dessa maneira, os filhos possuem direito à convivência materna
e paterna. Quanto a denúncia de abuso sexual, precisa ser encaminhada com cautela,
pois entre os litígios de família, é comum a troca de acusações, como exemplificado
neste exemplo.

Caso 03:
Uma família, composta por uma mãe F (30 anos), uma avó materna (55 anos), duas
crianças (4 e 3 anos) e dois adolescentes (12 e 13 anos), vivem em situação de
vulnerabilidade social.
Foi localizado um processo na Vara da Infância e Juventude arquivado, ocasião em que
a avó materna perdeu o poder familiar de todos os seus filhos. F foi a única filha que,
mesmo destituída, evadiu-se do serviço de acolhimento e continuou vivendo com a
mãe até a fase adulta, quando passou a ficar algumas vezes em situação de rua, em
razão do uso de drogas. F acaba de dar a luz em uma maternidade da região e a VIJ foi
acionada pelo Serviço Social do hospital em razão dela não ter feito o pré-natal.
No estudo social, o parecer técnico foi pelo acolhimento institucional da criança
recém-nascida em razão da história da família e em razão da avó materna já ter a
guarda dos 4 filhos de F e estar sobrecarregada. Você teria dado o mesmo parecer?
Caminhos:
Avaliar as condições que esta mãe, que acabou de dar à luz, tem para exercício da
parentalidade articuladas à rede de apoio socioassistencial, ou seja, o amparo que esta
mãe ou esta avó recebem do Estado e da sociedade para dar conta de seus membros.
A avaliação não pode ser somente individual – mãe ou avó que está sobrecarga – mas
articulada a rede social mais ampla – rede de apoio (família extensa ou instituições),
condições de trabalho e renda, acesso a política pública, etc. O acolhimento
institucional é medida excepcional quando esgotadas todas as outras possibilidades.

Caso 4:
Um adolescente de 15 anos foi abordado por policiais enquanto realizava grafite em
um muro de um prédio municipal. O adolescente esclareceu que aquilo era sua “arte”
e não uma pichação. O adolescente foi levado para a delegacia e lavrado boletim de
ocorrência de crime contra o patrimônio público (vandalismo). Sua família foi chamada
para que fosse liberado e sua mãe se negou a comparecer alegando achar ótimo que o
filho fique por lá uns dias para aprender a obedecê-la. No dia seguinte, foi apresentado
a Vara para estudo social solicitado para subsidiar a oitiva. Como iniciar esse estudo
social? O que deve ser garantido ao adolescente?
O adolescente deve ser ouvido e deve ser garantido seu protagonismo em todos
processo, ou seja, ele tem o direito de saber todo o trâmite processual, mais que isso,
de participar ativamente dos assuntos de seu interesse (ECA). Deve ser garantida a sua
defesa. As figuras parentais precisam ser ouvidas e orientadas. Se necessário realizar
abordagem institucional junto a escola e outras instituições que componham a rede de
apoio da família.

Caso 5:
Um hospital encaminha relatório para a Vara da Infância e Juventude, após uma
criança de 1 ano e meio ter dado entrada na emergência com 60% do corpo queimado.
Na ocasião, estava em seu berço que pegou fogo na moradia em que estavam
presentes: genitores, avó paterna, tio e primos. Em entrevista social, a avó materna,
convocada para estudo social, conta que a filha lhe disse que sentiram um cheiro de
carne queimada e foram até o fogão ver se o jantar estaria queimando. A criança
perdeu os movimentos dos dedos da mão direita e precisou fazer vários enxertos, pois
engatinhava no berço para fugir das chamas. Não há previsão de alta, mas não há risco
de morte. O assistente social, curioso, foi atrás do laudo policial que determinou a
natureza criminosa do incêndio e não acidental. Para onde a criança deverá ser
encaminhada após a alta hospitalar?
De antemão não cabe curiosidade ao assistente social que cumpre os preceitos éticos
da profissão. Somos profissionais do acesso à bens e serviços públicos, nossa atuação
deve se pautar na dimensão socioeducativa, no sentido de identificar as fragilidades
desta família para o cuidado parental protetivo. Nosso trabalho deve ser focado no
melhor interesse da criança, na compreensão do que é necessário para que a casa seja
um ambiente protetivo, ou se essas pessoas realmente não têm condições de cuidar
desta criança, esgotadas as possibilidades dela permanecer na família. Nós atuamos da
perspectiva da proteção e não da criminalização.

Caso 6:
Um processo em Vara de Família, foi aberto pelo genitor requerendo a guarda
compartilhada da filha de 11 anos. No momento, a criança vive com a mãe, após a
separação dos pais. Em entrevista com assistente social, a criança diz ter vergonha de
estar com o pai, pois está em processo transexualizador, inclusive requisitando que a
filha faça coisas que antes realizava com a mãe, como pintar as unhas e arrumar os
cabelos. Como conduzir o estudo social considerando o melhor interesse da criança e o
processo transexualizador do genitor?

Gois e Oliveira (2019), em publicação que aborda as particularidades do exercício profissional


na Justiça de Família, ponderam que, nesse espaço, o conflito judicial se dá majoritariamente
entre pessoas, embora por vezes seja possível identificar que a ausência do Estado possa ter
sido determinante para a sua emergência. Por estarem veladas pela subjetividade decorrente
do conflito relacional-legal, as expressões da questão social nessa área não se revelam no
imediato. O desafio inicial da/o profissional na elaboração dos estudos/perícias sociais nesse
espaço é justamente o desvelamento dessas expressões e das dimensões sociais, de classe,
raça/etnia, gênero, que cabem à/ao assistente social trazer à tona. Estas autoras colocam
ainda que os profissionais que têm, entre suas atribuições, identificação e análise de situações
familiares, inclusive litigiosas, têm o compromisso ético de abordar o assunto
contextualizando-o historicamente, de modo que a defesa e proteção de direitos sejam
asseguradas.

O estudo deve considerar o melhor interesse da criança/adolescente. O processo


transexualizador do pai deve ser respeitado conforme os preceitos dos Direitos
Humanos, da diversidade sexual e de gênero. A guarda compartilhada se refere a
compartilhar decisões e comumente é confundida com guarda alternada. É preciso
que haja respeito também ao processo de desenvolvimento da criança, suas
dificuldades em lidar com o processo transexualizador do genitor, respeitando seus
limites, seus anseios e desejos. A pergunta é: cabe guarda alternada? Talvez este seja o
caso, já que a guarda compartilhada não se refere ao tempo de convivência. Esse pai
está atento as necessidades da filha? A comunicação entre os dois tem ocorrido de
maneira satisfatória? A orientação social é fundamental neste caso, e talvez, seja uma
questão de aumento da convivência com o pai, caso esse seja o desejo da filha.

Caso 7:
Em um processo de Vara de Família, foi determinado o estudo social de um homem,
empresário, 35 anos, após seu pai pedir sua interdição por dizer que o filho não
responde por si, em razão do uso abusivo de drogas. Existe a preocupação do pai, que
o filho acabe com o patrimônio da família, além da alegação dele usar seu
apartamento em bairro nobre de São Paulo, para consumo e venda de drogas. Quais
implicações desse estudo social?
A interdição é um processo no qual a pessoa perde seus direitos civis e políticos, não
podendo responder por si mesma, e a tomada de decisão é delegada integralmente ao
curador. Tal processo no Brasil é de dificílima reversão, ao contrário de alguns países
da Europa. O uso abusivo de substâncias psicoativas e álcool não se configura como
um motivo plausível para a interdição, exceto se tenha causado danos neurológicos.
Há instrumentos para o controle do patrimônio familiar, sem a necessidade da
interdição. Há instrumentos para que este senhor, caso seja do interesse dele, receber
ajuda profissional. Este estudo deve estar pautado por bibliografia de interdição
(MEDEIROS, 2013), literatura que discuta os direitos das pessoas com transtorno
mental (ainda que pelo uso de substâncias psicoativas/álcool), e os impactos para os
familiares. A questão central é: o cuidado deste familiar é para proteção do irmão ou
centrado no patrimônio? A prioridade de interesses faz toda diferença neste caso.

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