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No Brasil, a violência é apontada, desde a década de 1970, como uma das cada vez mais, a atenção de pesquisadores e autoridades

ridades na área. É
principais causas de morbi-mortalidade, despertando, no setor saú- de, grande o número de crianças seviciadas pelos pais, espancadas e mesmo
uma grande preocupação com essa temática que, progressivamente, assassinadas.
deixa de ser considerada um problema exclusivo da área social e jurídica
para ser também incluída no universo da saúde pública Esse fenômeno perpassa todas as classes sociais, não está apenas
circunscrito à pobreza. Muitos de nós mesmos podemos já ter sido
Embora possamos observar hoje profundas transformações na estrutura e vítimas de situações semelhantes em nossa própria casa. E dificilmente
dinâmica da família, há ainda a prevalência, em nossa sociedade, de um isso, em suas formas mais amenas, é entendido como violência, como se
modelo de família que se caracteriza pela autoridade paterna e, portanto, os pais tivessem por direito essas práticas.
pela submissão dos filhos e da mulher a essa autoridade, e pela repressão
da sexualidade, principalmente feminina. As principais causas da violência são: O desrespeito — A prepotência —
Crises de raiva causadas por fracassos e frustrações — Crises mentais
Essa autoridade e repressão aparecem como protetoras dos membros da (loucura conseqüente de anomalias patológicas que, em geral, são casos
família. Poderíamos perguntar se essa imagem falseada que se tenta raros). Outro problema atrelado à violência familiar é a bebida alcoólica,
passar realmente cumpre a função de proteção, ou se encobre práticas de que está presente em 95% dos casos. Exceto nos casos de loucura e
violência sobre o uso do corpo da mulher, bem como acaba justificando alcoolismo, a violência pode ser interpretada como uma tentativa de
os castigos físicos na educação dos filhos, perpetrados tanto pelo homem corrigir o que o diálogo não foi capaz de resolver.
como pela mulher – o pai ou a mãe.
A violência funciona como um último recurso que tenta restabelecer o
No interior da família, lugar mitificado em sua função de cuidado e que é justo segundo a ótica do agressor. Em geral, a violência tem uma
proteção, existem muitas outras formas de violência além da física e motivação corretiva que tenta consertar o que o diálogo não foi capaz de
sexual: ou seja, há o abandono, a negligência, a violência psicológica, isto solucionar. Portanto, sempre que houver violência é porque, alguma
é, condições que comprometem o desenvolvimento saudável da criança e coisa, já estava errada. É essa “coisa errada” a real causa que precisa ser
do jovem. corrigida para diminuirmos os tipos de violências.

A primeira violência seria a negação do afeto para a criança, que depende UNICEF - Por Maria Amélia Azevedo, coordenadora do Laboratório de
disso para sua sobrevivência psíquica, assim como depende de cuidados e Estudos da Criança (LACRI/IPUSP), e Viviane N. de Azevedo Guerra,
de alimentação para sua sobrevivência física. pesquisadora do LACRI/IPUSP. Colaboraram: Cristiano da Silveira Longo,
bolsista CNPq junto ao LACRI, Simone Gonçalves de Assis, do CLAVES,
A violência crescente no interior da família-tanto em relação à mulher Antonio Augusto Pinto Jr., do CRIA/UNISAL, e Dalka Ferrari, do CNRVV, do
como em relação às crianças e adolescentes – é um dado que chama, Instituto Sedes Sapientiae
Atualmente, 40,16% da população brasileira tem de 0 a 19 anos. Apesar Violência física:
da grandeza desse dado, o país integra o triste contingente das nações
que não possuem estatísticas confiáveis relacionadas ao fenômeno da toda ação que causa dor física numa criança, desde um simples tapa até o
violência doméstica contra os jovens, ao lado de países como Equador, espancamento fatal.
Bangladesh, Paquistão e Tunísia. Os dados são esparsos, fragmentários, Violência sexual:
quase episódicos. Dizem respeito mais à incidência e quase nunca à
prevalência. Cobrem a realidade de algumas modalidades do fenômeno configura-se como todo ato ou jogo sexual, relação hétero ou
(violência física e sexual), enquanto outras continuam maquiavelicamente homossexual, entre um ou mais adultos (parentes de sangue ou afinidade
ocultas (violência psicológica e negligência). Mesmo a violência doméstica e/ou responsáveis) e uma criança ou adolescente, tendo por finalidade
fatal, aquela que leva a criança ou o jovem à morte, recebe outras estimular sexualmente uma criança ou adolescente ou utilizá-los para
denominações e acaba encoberta. Diante desse quadro, a construção do obter uma estimulação sexual sobre sua pessoa ou outra pessoa.
perfil contemporâneo da violência doméstica contra crianças e Ressaltese que em ocorrências desse tipo a criança é sempre vítima e não
adolescentes no país tem de se apoiar em dados de pesquisa, assim como poderá ser transformada em ré.
em relatos de casos, depoimentos e outras fontes. O retrato emergente Violência fatal:
revela um fenômeno extenso, grave, desigual e endêmico.
atos e/ou omissões praticados por pais, parentes ou responsáveis em
Um fenômeno de grande extensão Considerando que o Brasil não relação à criança e/ou adolescente que, sendo capazes de causar-lhes
mantém estatísticas oficiais sobre casos notificados de violência dano físico, sexual e/ou psicológico podem ser considerados
doméstica contra crianças e adolescentes, assim como não realiza estudos condicionantes (únicos ou não) de sua morte
sistemáticos sobre incidência e prevalência do fenômeno e que o
tradicional complô de silêncio sempre cercou essa modalidade de Negligência:
violência, o Laboratório de Estudos da Criança (LACRI), ligado ao Instituto
representa uma omissão em termos de prover as necessidades físicas e
de Psicologia da Universidade de São Paulo, começou, a partir de 1996, a
emocionais de uma criança ou adolescente. Configura-se quando os pais
investigá-la de modo mais sistemático. Por ser um país de grande
(ou responsáveis) falham em termos de alimentar, de vestir
territorialidade, torna-se muito difícil realizar levantamentos baseados em
adequadamente seus filhos etc. e quando tal falha não é o resultado de
probabilidades. Por isso, a entidade optou por executar estudos
condições de vida além do seu controle. A negligência pode se apresentar
possibilísticos com a participação anual de equipes que vêm realizando o
como moderada ou severa. Nas residências em que os pais negligenciam
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severamente os filhos observa-se, de modo geral, que os alimentos nunca
TIPOS: são providenciados, não há rotinas na habitação e, para as crianças, não
há roupas limpas, o ambiente físico é muito sujo, com lixo espalhado por
todos os lados. As crianças são, muitas vezes, deixadas sozinhas por
diversos dias, chegando a falecer em conseqüência de acidentes capacitação para profissionais da área da saúde e da educação lidarem
domésticos, de inanição. A literatura registra, entre esses pais, um com o problema e participar das estratégias de prevenção.
consumo elevado de drogas ilícitas e de álcool e uma presença
significativa de desordens severas de personalidade. Conexão Médica: programa no ar

Ministério da Saúde: notificação obrigatória Criada em 2001, essa empresa promove a conexão entre centros médicos
e universitários de todo o país e até fora dele, promovendo uma interação
O órgão governamental instituiu a Portaria GM/MS 1968/2001, que nunca antes vista no país. Ela possui um canal que fica 24 horas no ar e,
dispõe sobre a notificação obrigatória de suspeita ou confirmação de por meio dele, foi exibido o programa Crescer sem Palmada – pela
maus-tratos contra crian- ças e adolescentes aos Conselhos Tutelares. É Abolição da Punição Corporal Doméstica de Crianças e Adolescentes.
um compromisso do setor de saúde para com a população brasileira de Contou com a participação de médicos, estudiosos do tema da violência
não ser omisso diante da violência. Recentemente, destaca-se a contra crianças, jovens vitimizados por esse problema e adultos que já
implantação do Plano Nacional de Prevenção da Violência e Promoção da vivenciaram essa terrível experiência.
Saúde e o iní- cio dos preparativos para implantação e implementa- ção
de Núcleos de Prevenção à Violência em Estados e Municípios (Portaria LACRI: capacitação de profissionais e mudança na lei
MS/GM 936, 19/05/04). O Laboratório de Estudos da Criança (LACRI) tem realizado a capacitação
CNRVV: pólos de prevenção de profissionais por meio do Telelacri, um curso de educação continuada
ministrado à distância. Iniciado em 1994, ele já formou 4.853 profissionais
A implantação de pólos de prevenção é uma das principais ações do no Brasil, Peru e Argentina. A entidade também realizou em 2003 um
Centro de Referência às Vítimas de Violência (CNRVV), do Instituto Sedes concurso de desenho infantil Crescer sem Palmada, do qual participaram
Sapientiae, em São Paulo. Está voltada para a sensibilização, a mobilização 8.640 crianças e adolescentes de 9 a 12 anos. Também vem
e a instrumentalização da população contra a violência doméstica. Os desenvolvendo, desde 1994, uma campanha nacional com o objetivo de
núcleos realizam oficinas de prevenção com crianças e adolescentes e aprovar o Projeto de Lei nº 2.654, de 2003, que propõe uma reforma legal
com pais e responsáveis. Entre agosto de 2004 e julho de 2005, os 20 no Brasil para abolir a punição corporal doméstica de crianças e
pólos atenderam 7.513 pessoas. Atualmente, o CNRVV está formando adolescentes. Em 2004 foram colhidas 17.405 assinaturas à moção de
uma rede de serviços articulados para que atuem na proteção da infância apoio ao projeto, às quais vieram somarse a 182.674 pessoas que de 1994
e da juventude. Participam da rede diversas secretarias municipais e a 2003 já assinaram a petição por uma pedagogia não violenta, outra
conselheiros tutelares. iniciativa do LACRI. A luta mundial pela abolição de castigos imoderados e
moderados (inclusive o famigerado tapinha no bumbum) já é vitoriosa em
Sociedade de Pediatria: capacitação de médicos 11 países: Sué- cia/1979; Finlândia/1983; Dinamarca/1983;
O Núcleo de Estudos da Violência contra Crianças e Adolescentes da Noruega/1987; Áustria/1989; Chipre/1994; Letônia/1998; Croácia/1999;
Sociedade de Pediatria de São Paulo tem promovido cursos de Alemanha/2000; Israel/2000 e Islândia/2003).
CRIA: pesquisas e diagnóstico
Sediado em Guaratinguetá (SP), desde 1999 o Centro de Referência à
Infância e Adolescência (CRIA) desenvolve projetos de intervenção clínica,
pesquisa e preven- ção da violência doméstica contra a criança e o
adolescente. Sempre a partir de um referencial psicanalítico, trabalha por
meio de atendimento individualizado e oficinas terapêuticas com as
vítimas e os agressores, encaminhados à entidade pelo Conselho Tutelar.
Na área de pesquisa, desenvolve, em parceria com o LACRI e com o
Laboratório de Saúde e Psicologia Clínica Social da Universidade de São
Paulo, um instrumento de diagnóstico de crianças e adolescentes vítimas
de violência doméstica. Também iniciou pesquisa sobre a representa- ção
do Conselho Tutelar pelas crianças e adolescentes vítimas de violência
doméstica atendidas pelo CRIA.

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