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2.

Violência na Infância

HILEY HYAN
Índice

● Capa
● Índice
● Dedicatória
● Introdução
● Violência na Infância
● Agradecimento
Dedicatória

A todos que decidiram dedicar


sua vida à assistência social.
Introdução

Não irei me estender por muitas páginas, não quero que


isso seja desnecessariamente grande e nem muito curto para
não ficar incompleto. O objetivo principal é trazer todas as
minhas experiências pessoais e técnicas, desde quando fui
resgatado pelo conselho tutelar para dentro de um serviço de
acolhimento institucional de crianças e adolescentes (SAICA)
até a minha participação em um dos projetos da UNICEF em
parceria com o Ministério Público e a ONG Serenas para
combater violências contra crianças e adolescentes.
Neste projeto, Passa a Visão, tive a oportunidade de
conhecer por dentro a grande maioria dos serviços de
assistência e auxilio a pessoas vítimas de violências e aos
funcionários que trabalham diretamente com isso.
Conheci desde o alto escalão das políticas públicas como
a secretária de direitos humanos da cidade de São Paulo,
Soninha Francine, e alguns vereadores, principalmente
Elaine do Psol, até conselheiras tutelares, psicólogos,
promotores, assistentes sociais, entre outros. De todas essas
pessoas, eu destaco a ONG Serenas que foi justamente a
responsável por coordenar o projeto da UNICEF e, em
primeiro, destaco as minhas conselheiras do SAICA que
foram estrategicamente responsáveis por moldar meu caráter
durante os anos finais da minha adolescência.
Acredito que boa parte deste conteúdo possa servir para
a sociedade em geral, e servir como base para futuras
políticas públicas ou complemento da formação de atuantes
das áreas sociais.
Claro que não se pode ignorar a materialidade textual
que foi escrita em um determinado momento e em uma
determinada época social. Deixo desde já a minha gratidão
por estarem adquirindo conhecimentos através do que
escrevo.
2. Violência na Infância

Lembro-me nitidamente quando criança, em uma


igreja católica em Maúa, de um garotinho branco e muito
magro acompanhado da avó. Ele sempre estava repleto
de hematomas, sempre com muitas feridas, arranhões e
com os olhos machucados. A avó, em todas as vezes que
alguém questionava, dizia que ele era muito agitado.
Durante o projeto da UNICEF nos deparamos com
três a quatro divisões das violências contra crianças e
adolescentes, mas aqui eu preferi usar outra forma
dessas divisões que foram elaboradas também pela
própria UNICEF em 2011 com o intuito de fornecer as
informações mais completas possíveis.
Essas divisões são: práticas prejudiciais, negligência,
emocional, sexual e física. Realmente acho difícil alguém
não ter vivido ou presenciado alguma dessas violências.
Eu mesmo tanto presenciei quanto vivi e ouvi relatos
pessoais sobre quase todas.
Acredito que a primeira divisão dessas violências
que qualquer um pode ter contato é com as práticas
prejudiciais. Essa divisão é bem ampla então aconselho a
leitura em conjunto ao documento produzido pela
UNICEF.
Atos de represália é o ato prejudicial mais comum e
que qualquer pessoa comete automaticamente sem
pensar. Quando alguém grita com você, você
programadamente vai sentir a necessidade de devolver o
grito. Igual quando alguém te xinga ou te dá um tapa e
existe a necessidade de devolver da mesma forma.
Crianças são crianças e elas ainda não têm a
compreensão sobre a realidade para entender suas
atitudes. Quando a criança comete alguma ação que
acabe sendo vítima de uma represália temos três
alternativas para justificar a ação que a criança cometeu.
A primeira é o começo do aprendizado sobre a própria
coordenação motora, a segunda é ainda estar em fase de
compreender sobre seus sentimentos e a terceira é
replicar as ações que aprendeu.
Sempre é bom lembrar que quase toda atitude da
criança é imitação das ações que ocorrem ao seu redor,
assim como é na vida dos adultos. Geralmente imitamos
as atitudes do nosso ambiente e nos enquadramos quase
que perfeitamente ao que é orientado sobre os modos de
se comportar em certos locais.
Tendo isso, é importante pensar ao cogitar a
represália ou qualquer tipo de violência contra crianças.
Qual tipo de pessoa eu quero criar? Essa é uma pergunta
que poucos responsáveis fazem e, se fizessem mais essa
pergunta, não precisaríamos ter que repetir isso várias e
várias vezes.
É de necessidade deixarmos a criança ter a vivência
da infância como dizem pesquisadores e adeptos da
educação positiva. Começamos a cobrar as crianças cedo
de mais, partindo logo do seu primeiro erro até a
necessidade de querermos que tudo seja perfeito e feito
da melhor forma. Desde encher um copo com suco até
tirar as notas máximas podem existir as altas e as
absurdas pressões impregnadas pelo capitalismo.
Claramente perdura uma grande diferença em falar
sobre educação positiva com uma mãe classe média da
Suécia e uma mãe pobre da América Latina que vê como
última esperança para seus filhos os estudos. A educação
e a vida do filho da mãe sueca está garantido de qualquer
forma, ele se esforçando muito ou não. Já o filho da mãe
latina nem sabe se conseguirá emprego mesmo
graduado.
Ainda sobre os atos prejudiciais, algo muito comum
em muitas famílias da América do sul e América central é
a alimentação forçada que é quando a criança pede mais
que o suficiente e não come. Esse conceito de castigo vem
de muitos anos atrás de quando existia a ausência de
comida e as famílias do campo faziam de tudo para não
desperdiçar. Ainda hoje essa cultura se perpetua em
famílias de renda baixa e só será possível mudar essa
cultura por meio da conscientização e acesso a rendas
maiores das famílias que levará a modificação cultural.
Mais atos prejudiciais, os que se enquadram, são
distribuição de vídeos íntimos chamados de pornografia
infatil. É o que toda a sociedade civil tenta combater, mas
para combater diretamente precisamos regulamentar as
mídias sociais. Todos podemos ser contra a pornografia
infantil, no entanto, se não formos à favor da
regulamentação das mídias sociais não estamos
realmente sendo eficientes. Além disso, expor crianças a
pornografia ou praticar relações sexuais próximo é ato
prejudicial e que poderá afetar psicologicamente a
crianças ainda na infância.
Somente o consumo frequente e exagerado da
pornografia pode causar danos a longo prazo em homens
adultos. Atrapalhando suas relações afetivas, familiares e
até profissionais. Então, uma criança ser exposta a isso
logo quando não tem o cérebro completamente
desenvolvido é tão prejudicial quanto.
Provas de virgindade atualmente no Brasil e em boa
parte da América Latina não ocorrem com tanta
frequência devido a mudança cultural e ao sistema de
ginecologia que preza pelo sigilo. Entretanto, existem
exceções no Brasil em caso de abuso sexual que devem
ser informado aos responsavéis.
Na maioria das vezes, hoje em dia, o discurso da
prova de virgindade é ainda incentivado por algumas
religiões e igrejas presentes na América Latina. Essas
religiões são tanto cristãs quanto de origem muçulmana,
e são as grandes motivadoras para essa violência se
perpetuar com meninas e mulheres.
ONGs como o Movimento Olga Benário ou a ONG
Serenas que combatem violências contra mulheres e
meninas estão arduamente fazendo trabalhos de
conscientização na sociedade e possuem um papel
essencial para a mudança não só cultural como também
estrutural para a realidade de meninas e mulheres.
Exposição a drogas ou incentivo ao consumo é o
último tópico que retratarei sobre práticas prejudiciais.
Mesmo sabendo que a geração Z não consome tanto
álcool ou drogas como a geração passada é ainda
importante encararmos com preocupação o consumo por
crianças e adolescentes, principalmente dos que vivem
em negligência extrema causada pelos vícios dos pais.
Nosso maior exemplo desse problema está na
Cracolândia, onde as crianças crescem e vivem com
bebidas e drogas o tempo todo, claramente não tem
como não acabar reproduzindo os vícios dos seus pais.
A negligência é um grande fator que pode acarretar
na vivência das outras violências. Porém, é importante
ressaltar que a maioria das violências contra crianças e
adolescentes ocorrem no âmbito familiar ou lugares que
são frequentes na vivência dessas crianças ou
adolescentes. Esses lugares podem ser na escola, igrejas
ou até mesmo em instituições públicas.
A negligência normalmente se manifesta pela
necessidade dos pais trabalharem para manter a casa ou
por mães que acabaram engravidando ainda na
adolescência e não possuem preparação para cuidar de
uma criança (algo que não posso deixar passar é que em
ambos os casos o papel de criar é sempre dado às
mulheres. A sociedade é estruturada para que a
responsabilidade de criação das crianças e adolescentes
seja do sexo feminino em todas as hipoteses possíveis).
“Ninguém perde a guarda por ser pobre” essa foi
uma frase que me marcou muito quando ouvi de uma
conselheira tutelar, e sim, eu concordo totalmente. Um
dos aspectos da negligência envolve não dar roupa,
moradia, alimentação entre outras coisas que só é
possível com dinheiro. O que ocorre é que se você ganha
3.960 mil reais, no ano de 2023, você ganha mais que a
média de 70% da população brasileira.
Mais um ponto da negligência é o abandono, que
pode envolver um responsável com deficiência
intelectual, ou não possui condições físicas ou,
simplesmente, não possui condições financeiras.
Normalmente esses são os principais motivos do
abandono, mas como disse a conselheira “ninguém
perde a guarda por ser pobre”. Entretanto, a pessoa pode
de livre e espontânea vontade dar a guarda.
Ao serem negligenciados tanto as crianças quanto
adolescentes estão expostos a todos os tipos de
violências que podem envolver desde acidentes
domésticos até abusos, pois não têm representantes a
quem possam pedir orientação e, geralmente, ainda não
possuem maturidade suficiente para lidar com as
violências.
O trabalho doméstico praticado por crianças e
adolescentes também pode se tornar uma negligência
dependendo da forma que é executado pelos
responsáveis. Deixar crianças menores de catorze anos
como únicos responsáveis por crianças menores por
bastante tempo é considerado negligência, pois crianças
nesta idade além de não terem maturidade ainda podem
acabar comprometendo o próprio desenvolvimento e até
prejudicando a outra criança. Ademais, incentivar a
criança a fazer atividades domésticas simples, que não
apresentam riscos como arrumar o próprio quarto ou os
próprios brinquedos não existe problema se a criança ou
adolescente não tiver nenhum impedimento. (Um
adendo importante sobre o trabalho doméstico infantil é
que a grande maioria das crianças e adolescentes
afetados são meninas, e no Brasil são
predominantemente meninas negras e pardas de renda
baixa).
Presenciei relatos de crianças e adolescentes que
“preferiram” estar negligenciados porque em casa
sofriam mais violência do que sofriam na rua. Na rua
alguém raramente tocava neles ou mexia com eles, mas
em casa era tão ruim que se sentiam mais confortáveis
dormindo na calçada do que no próprio quarto.
A violência psicológica eu acredito que seja a que
está presente em todas as classes e se manifesta em
qualquer tipo de pessoa. No entanto, a primeira vez que
qualquer pessoa terá contato com a violência psicológica
será na infância. É muito fácil os responsáveis afirmarem
que as crianças nascem “sem caráter” ou “ruins” ao
invés de admitirem que a criação proporcionada deve ser
o verdadeiro motivo das consideradas “más atitudes”.
Gritos e xingamentos são muito normalizados na
forma de criação das famílias latinas. Durante minhas
consultas no SPVV (Serviço de Proteção Social à Criança
e ao Adolescente), que tenho só elogios para dar,
trabalhamos bastante os conceitos de violências
psicológicas. Foi durante essas consultas que as duas
psicólogas me ajudaram a ver que crianças e
adolescentes também sofrem violências morais e podem
demorar anos para as identificar, assim como as
psicológicas.
Além de gritos e xingamentos, as violências
psicológicas e morais se apresentam em forma de
controle excessivo sobre a criança e adolescente. Por
exemplo, comparações e diminuição tanto físicas quanto
intelectualmente. Críticas e humilhações constantes na
presença de outras pessoas ou não. Também vale agregar
que tanto um relacionamento amoroso abusivo quanto
um relacionamento familiar abusivo podem ter as
mesmas características. Tal como questionar
constantemente o estado mental da vítima para tirar sua
razão ou, em casos mais específicos, dizer que crianças
inventam coisas ou mentem com intuito de deslegitimar
o que é relatado.
Partindo da violência psicológica e moral
adentramos as violências visíveis ou não tão visíveis que
são as físicas e as sexuais. Nem toda violência física deixa
marcas, assim como nem toda a violência sexual deixa
marcas que é o caso de assédio. Para uma visão melhor
do que estou trazendo é importante se perguntar se
algum dia já esteve trancado ou colocado em um
ambiente de risco que se sentisse em perigo?
Todas essas situações são violências físicas mesmo
que não contenham, necessariamente, a agressão visível.
São considerados atos prejudiciais e esse tipo de
violência também se categoriza como psicológica ou até
negligente, passando por ambas as divisões da violência.
A tortura já foi um metódo muito usado antigamente
para corrigir os comportamentos, mesmo que
atualmente seja usado com menos frequência graças a
nova legislação e aos serviços de proteção. No entanto,
esse método se encontra presente em boa parte dos casos
denunciados. Um exemplo de como é práticado a tortura,
pode-se envolver machucar fisicamente, não dar
alimentos, remédios essências ou roupas, mesmo tendo
condições, e privar a criança ou adolescente de
convivência com outras pessoas, entre outros. E a tortura
geralmente está acompanhada de alguma exigência ou,
na maioria das vezes, o agressor possui caracteristicas
sádicas.
Concluindo este texto, finalizamos com violência sexual.
O aspecto da violência sexual é um pouco diferente das
outras, pois é uma violência muito específica e cometida
predominantemente por homens.
Este texto está sendo finalizado no dia 29 de janeiro de
2024, às 20 horas e 22 minutos. Até este exato momento, de
acordo com o Google, foram presos um professor de ensino
fundamental com mais de 1.800 mídias de abuso sexual
infantil em seu computador, um policial militar preso por
exploração sexual e armazenamento de fotos e videos de
abusos, e outros dois homens também presos por exploração
sexual de adolescente e crianças.
Tirando o professor, os dois últimos foram presos por
exploração sexual. Então já se é compreensivo que o
problema no Brasil não é unicamente de abuso sexual
infantil, mas também de exploração sexual infantil. A
violência da cultura masculina continua funcionando
terrivelmente.
18 de maio é o dia do combate à exploração e escravidão
sexual infantil. Quando gerenciava as redes sociais do Projeto
Passa a Visão nem tinha ideia sobre a existência dessa data,
mas bem no dia uma das coordenadoras do projeto da
#agendaunicef me falou sobre a data e sugeriu que a gente
postasse algo sobre. A partir daí comecei a me aprofundar
sobre este assunto que eu não tinha tanto conhecimento
quanto essa violência poderia ocorrer com frequência no
Brasil, na América Latina e no mundo.
A maioria das pessoas em trabalho sexual são mulheres
pobres, sem estudo e que são ou foram vítimas de violências.
Não, a prostituição em si pode ter sido gourmetizada pelas
redes sociais, mas a realidade física e material é essa. Tanto
mulheres trans como mulheres cis estão em níveis
semelhantes de características sociais.
Geralmente a exploração e a escravização sexual
ocorrem com crianças e adolescentes, não com mulheres
adultas. Assim como são as estatísticas de violência sexual
que ocorrem em grande maioria com meninas abaixo de 18
anos. E isso não é tão diferente com exploração sexual.
Desigualdade. O próprio pai vender a filha sexualmente
com fins lucrativos é uma marca tão violenta da nossa
sociedade que até mesmo profissionais da assistência social e
segurança pública têm dificuldade de lidar com casos assim.
Pare por um instante e observe o parágrafo anterior.
Pense sobre uma realidade que você passaria por isso e como
lidaria após ser resgatado ou resgatada. Bem, não lidaria.
Este é o ponto, é uma violação tão absurda que até para o
melhor psicólogo é uma tarefa complexa. Somente a própria
pessoa conseguiria entender a sua realidade e para chegar a
sua libertação de um mundo de culpa e destruição, precisaria
entender as violências sociais e a desigualdade. Partindo
disso, encontrará um certo conforto com intuito de conseguir
liberdade das violências sofridas.
O abuso sexual infantil pela America Latina não ocorre
somente com crianças até certa idade estipulada pela
legislação, ela também está inserida em homens mais velhos
em frente de escolas aguardando adolescentes. Seduzem essas
garotas com a intenção de manipulá-las, controlá-las e não
darem oportunidade delas questionarem as violências que
eles podem vim a praticar.
Se até mesmo mulheres adultas podem sofrer tais
violências dentro de um relacionamento, uma adolescente
pode acabar sofrendo ainda mais até conseguir identificar o
que está ocorrendo. Infelizmente muitas acabam não
reconhecendo.
Não são homens doentes que cometem essas coisas, são
homens completamente saudáveis que, às vezes, têm até
ajuda para conseguirem manter seus abusos. Você, seu pai,
seu irmão, seu amigo, seu colega de trabalho ou seu chefe
podem ser violadores. É impossível continuarmos
acreditando que a polícia (construída por homens e integrada
em grande parte por homens) possa realmente resolver algum
problema que eles mesmo criaram e até praticam.
Como já tinha dito no primeiro capítulo, só através da
educação podemos diminuir as violências sociais na América
Latina. Digo isso não somente direcionado às escolas de
educação primárias ou secundárias, mas também direcionado
juntamente às formações das pessoas em cargos superiores
da administração estatal.
Agradecimentos

A maioria da população brasileira é composta de


mulheres e a minha vida também. Obrigado a minha mãe,
Silvia, a minha tia e madrinha, Maria, a minha avó, Lourdes,
a minha tia, Márcia, as incríveis mulheres da ONG Serenas, as
coordenadoras do SAICA e as minhas queridas amigas do dia
a dia.

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