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UNIDADE

3
O PAPEL DA FAMÍLIA, DA ESCOLA E DO
SERVIÇO DE SAÚDE NO ENFRENTAMENTO
À VIOLÊNCIA SEXUAL DE CRIANÇAS E
ADOLESCENTES

Objetivos:

• Conhecer os mecanismos preventivos na família e nos serviços públicos


mais relevantes, e que são identificadores, e “portas de entrada” de casos
de violência sexual.

3.1 Introdução

A violência sexual é um fenômeno social de múltiplos fatores sociais e


culturais que pressupõem uma relação de poder, dominação e de sobreposição
à vontade e/ou discernimento da pessoa violada. Tido como problema de saúde
pública, e reclama uma abordagem sob a perspectiva multisetorial e interdisciplinar.

Considerando que perpassa por três eixos de atuação no sistema de


garantia de direitos, quais sejam: atendimento, proteção e responsabilização, o
fenômeno tem tido neste último a maior ênfase de enfrentamento, sobretudo no
que diz respeito à judicialização das demandas. Embora seja de suma importância,
é necessário que seja dada igual prevalência a medidas e mecanismo sociais de
prevenção e combate, além de serviços aptos a garantir o atendimento e que visem
garantir a redução de danos.

123
A repressão ao agressor é tão importante quanto desenvolver mecanismos que
evitem a violação ou minimizem seus efeitos, o que reclama o envolvimento social,
das famílias, da sociedade e dos serviços mais relevantes, como saúde, assistência
e educação, para uma melhor identificação, acolhimento, acompanhamento,
notificação e encaminhamento, o que inclusive cria um ciclo virtuoso de proteção
social, que vai estimular a denúncia de casos e assim reduzir a subnotificação, e
portanto, satisfaz o interesse do “eixo de responsabilização”.

Nesta linha, resolvemos apresentar abordagens sobre a família, a escola e a


educação, com sugestões de instrumentalização de ações.

3.2 O papel da família no enfrentamento à violência sexual

A primeira rede de proteção que se pode conceber para o enfrentamento da


violência sexual é a “rede familiar”, que deveria ter total protagonismo na política
de combate. É nela que a criança pode ser estimulada a desenvolver as primeiras
habilidades de autodefesa. Neste sentido, “ensinar às crianças as habilidades de
segurança pessoal, tornou-se um importante aspecto da educação sexual e um fator
de proteção de alta magnitude”12, além de importante instrumento de prevenção.
Para tal, é necessário que se crie um ambiente entre pais e filhos propício e aberto
ao diálogo, de referencial e confiança mútua.

Além da comunicação, os genitores e demais familiares precisam “apurar a


percepção da identificação”, ou seja, ficar atento aos sinais físicos e comportamentais
que indiquem práticas abusivas. Rotinas de cuidados ao desenvolvimento da
sexualidade dos filhos, mas que também percebam fatores externos de risco, como
aproximações suspeitas e o uso da internet.

Pelo perfil da violência, a clandestina e as ocultas ocorrem contra


crianças e adolescentes que ficam sem supervisão, e o abusador, astuto,
procura identificar esta fragilidade, para então realizar a abordagem. Quando
__________________________

12
WILLIAMS, L. C. A.; ARAÚJO, E. A. C. (Orgs.). Prevenção do abuso sexual infantil: um enfoque interdisciplin-
ar. Curitiba: Juruá, 2009, 129p.

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não, as estatísticas indicam que a pessoa que supervisionava era a própria
agressora, alguém de confiança da família, ocasião em que o abusador apresenta
uma fachada social de cuidado. Nestes casos, ainda que não seja suficiente para
evitar, a percepção apurada da família pode interromper o ciclo, evitando a repetição
da violência e amenizando as consequências.

O único documento nacional de dados, o boletim epidemiológico 27/2018


consolida algumas características da violência sexual que a literatura e os estudos
já apontavam, como a repetição da violência em 33,7% dos casos, e de que o
autor violador é tido como alguém próximo da vítima, 64,6%, o que só confirma a
necessidade de reforço do ambiente familiar.

SAIBA MAIS!

Para aprofundar os conhecimentos sobre o tema, acesse: Boletim Epidemiológico n. 27/2018.


Ministério da Saúde – MS. 2010. Disponível em: https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/
pdf/2018/junho/25/2018-024.pdf


É da família também que parte o maior número de notificações, sendo as
mães, segundo estudos, “as principais responsáveis por notificar situações de
abuso sexual”13, daí a relevância da estratégia passar sempre pelo fortalecimento da
família. Entre os maiores entraves, está o desconhecimento de toda a ritualística e
encaminhamentos que se seguem para a apuração dos fatos, e acesso aos serviços
de atendimento. Outra questão é o acolhimento das famílias e a necessidade de
uma escuta diferenciada, para que não ocorram revitimizações.

3.3 O papel da escola

A literatura aponta os serviços de educação e saúde como os principais


identificadores de violência sexual. A saúde, pelo fato de ser um serviço identificador
_________________________

13
HABIGZANG, L. F.; WILLIAMS, L. C. A. (Orgs.). Crianças e Adolescentes Vítimas de Violência - Prevenção,
Avaliação e Intervenção. Curitiva: Juruá, 2014, pg 74.

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de vestígios corporais; enquanto que a educação se torna um referencial, pois é
na escola que a vítima, muitas vezes, encontra o vínculo que leva à revelação ou,
quando não parte da pessoa violada, são os educadores, por possuir maior tempo
de convivência, que estão aptos a identificar sinais corpóreos, mas sobretudo
comportamentais de indicação. É no professor que a criança pode identificar o
referencial de confiança, quando lhe faltar o de membros mais próximos.

Neste sentido, o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei n. 8069/1990, no


seu art. 56, inc. I, determina como obrigatória a comunicação ao Conselho Tutelar,
por parte de dirigentes de estabelecimentos de ensino fundamental, casos de maus-
tratos de seus alunos (o que engloba violência sexual).

Mas, muito mais que isso, a escola pode ter papel de fomento a práticas
preventivas, suscitando o diálogo com as famílias, promovendo o debate e a
sensibilização. A educação sexual, enquanto mecanismo de combate, de tática
preventiva e de autodefesa pode começar na escola, fomentando as crianças
a desenvolver repertório de habilidades. Segundo Wolf14, isso implica no
comportamento de:

i) Reconhecer a aproximação inapropriada do adulto;


ii) Discriminar o risco, resistir às investidas e dizer “não”;
iii) Reagir rapidamente para deixar a situação;
iv) Relatar aos pais o incidente;

Para que tal situação ocorra, se faz necessário discutir a real compreensão
da “educação sexual”. Ao contrário do que diz o senso comum, de que se trata de
ensinar a criança e o jovem a ‘prática sexual’. Em verdade, educar sexualmente
significa fazer que uma pessoa em desenvolvimento compreenda o seu corpo e
a importância da preservação dele. Em outras palavras, significa dizer que uma
criança, por exemplo, compreenda sua inviolabilidade com uma informação que
seja adequada ao seu estágio de percepção.
_________________________

14
Apud PADILHA, M. da G. S. (2007). Prevenção primária de abuso sexual: avaliação da eficácia de um pro-
grama com adolescentes e pré-adolescentes em ambiente escolar. Tese (Doutorado). Universidade Federal de
São Carlos

126
A escola tem muito a ajudar neste sentido, mas sempre em conjunto e com a
participação das famílias em todo o processo, inclusive para que os pais conheçam
a informação que será passada aos seus filhos e possam, efetivamente, participar
da elaboração de seu conteúdo. Em estudos com pais sobre o abuso sexual, foi
constatado que eles, em 96,8% das situações, aceitam e esperam que a escola
promova educação sexual (PADILHA, 2007)15.

O educador, por seu turno e por ter mais contato com seu aluno, se tiver o
devido treinamento, poderá aguçar sua capacidade de identificação de sinais de
violências, além de ser orientado a fazer uma abordagem que viabilize a revelação,
do contrário, poderá se transformar num fator a mais de inibição e de subnotificação
de casos.

Entre as orientações de abordagem que não se restringem ao educador, mas


a todos os componentes da rede que se deparem com uma revelação, podemos
citar:

i) Criar um ambiente favorável entre os interlocutores para que a vítima adqui-


ra coragem para comunicar;
ii) Ouvida individualmente, respeitando sua privacidade;
iii) Escutar atenta e exclusivamente e evite interrupções no relato;
iv) Nunca critique ou duvide, mostre atenção e interesse.
v) Cuidado para não pressionar com perguntas - “limitado o relato estritamente
ao necessário para o cumprimento de sua finalidade” (Escuta Especializada
- art. 7 da Lei 13.431/17);
vi) Mantenha a calma, seja acolhedor. Evite que a Criança e o Adolescente re-
pita por muitas vezes para outras pessoas;
vii) Evite perguntas como: o que você sentiu? Você gostava do que a pessoa
lhe fazia?

_________________________

15
Padilha, M. da G. S. (2007). Prevenção primária de abuso sexual: avaliação da eficácia de um programa com
adolescentes e pré-adolescentes em ambiente escolar. Tese (Doutorado). Universidade Federal de São Carlos.

127
SAIBA MAIS!

Para aprofundar os conhecimentos sobre o tema, acesse: Guia Escolar - Identificação de Sinais
de Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. Ministério da Educação – MEC. 2011.
Disponível em: http://portaldoprofessor.mec.gov.br/storage/materiais/0000016936.pdf

O guia escolar faz ainda importante menção sobre a necessidade de


formalizar documentalmente, em âmbito escolar (mas também se aplica a toda a
rede de proteção), os registros comportamentais e a linguagem corporal da vítima,
o que serve de referencial de reforço da revelação, podendo inclusive ser utilizado
como instrumento de prova, na medida em que, segundo especialistas (Habigzang
e Caminha – 2004)16:

i) Relato da criança tem evidência significativa, comprovada e sustentada na


literatura científica. É a principal fonte para a descoberta da violência sexual;
ii) Relato da criança associado uma ou duas alterações (comportamen-
tais) ou sintomas psicopatológicos (ex.: estresse pós-traumático), tem diag-
nóstico positivo conclusivo de violência;
iii) Relato da criança associado com três ou mais alterações, o diagnóstico
é definitivamente positivo.

3.4 Sinais comportamentais relevantes, características e


sinais da vítima

A verbalização direta e intencional da criança é apenas uma das modalidades


de revelação, embora seja a mais comum, pode se dar também de outras formas,
como por verbalização não intencional ou acidental, além daquelas em que são
detectadas por observações e comportamentos, inclusive o brincar de uma criança
pode revelar, por meio de uma linguagem não verbal, a ocorrência do abuso.
_________________________

16
WILLIAMS, L. C. A.; ARAÚJO, E. A. C. (Orgs.). Prevenção do abuso sexual infantil: um enfoque interdiscipli-
nar. Curitiba: Juruá, 2009, pg. 176.

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São alguns sinais de identificação das vítimas:

i) Curiosidade sexual excessiva;


ii) Interesse ou conhecimento súbito e não usual;
iii) Expressão de afeto sexualizada;
iv) Desenvolvimento de brincadeiras sexuais persistentes com amigos;
v) Masturbação compulsiva ou pública, manipulação constante dos órgãos ge-
nitais e introdução de objetos em partes íntimas;
vi) Mudanças comportamentais radicais, súbitas e incompreensíveis;
vii) Medo de determinada pessoa ou desagrado quando deixada em algum lugar;
viii) Mudança no rendimento e frequência escolar, isolamento social, rejeição de
contato físico;
ix) Desconforto nas partes íntimas e dificuldade ao caminhar e sentar;
x) Inchaço ou lesões nas partes íntimas, corrimento, roupas íntimas com ves-
tígios de sangue;
xi) Traumatismo físico ou lesões corporais por uso de violência física;
xii) Doenças sexualmente transmissíveis.

Com efeito, a mudança no rendimento escolar, por exemplo, pode ter causas
diversas não afeitas a condutas abusivas, contudo, merece ser acompanhada de
perto, para saber o fator provocador. Assim:

Lisboa e Koller (2002) chamam a atenção para indicadores de baixa e


alta especificidade para o diagnóstico das formas de violência contra a
criança. Traços de ansiedade, depressão, baixa autoestima e desajuste
social são indicadores de baixa especificidade que apontam a necessidade
de maiores investigações. Indicadores de clara e alta especificidade
de ocorrência de abuso sexual, como comportamento sexualizado,
desconforto anal e genital, exigem o comprometimento com a
denúncia e encaminhamentos17.

_________________________

17
WILLIAMS, L. C. A.; ARAÚJO, E. A. C. (Orgs.). Prevenção do abuso sexual infantil: um enfoque interdisciplin-
ar. Curitiba: Juruá, 2009, pg. 100.

129
ATENÇÃO!

Importante se ter a noção que a identificação isolada de qualquer um dos sinais não significa a
confirmação da vítima, mas servem para chamar a atenção para cuidados e averiguações.

3.4.1 Características e sinais de um abusador

O abusador tem toda uma técnica de aproximação: dessensibiliza a criança


lentamente, conversando sobre sexo; apresenta abuso como um jogo ou brincadeira,
quando não usa persuasão. Ameaça culpar a vítima com perda do relacionamento,
impõe a lei do silêncio, não raro por meio da ameaça e da força. Se aproveita de
vulnerabilidades da vítima, como: infelicidade, timidez, baixa autoestima, ausência
de supervisão adequada e apresenta uma fachada social de cuidado.

São alguns sinais de identificação de abusadores18:

I) Extremamente protetor e zeloso;


II) Possessivo, proibindo que a vítima tenha contatos sociais normais;
III) Sedutor e insinuante com menores;
IV) Foi vítima de abuso.

_________________________

18
BRASIL, MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Guia Escolar - Identificação de Sinais de Abuso e Exploração Sexual
de Crianças e Adolescentes. Ministério da Educação. Brasília, DF, 2011. Disponível em: http://portaldoprofes-
sor.mec.gov.br/storage/materiais/0000016936.pdf

130
ATENÇÃO!

Não significa dizer que a identificação de qualquer um dos itens já leve, de pronto, à conclusão
prematura de que se trata de “violador” com pré-julgamentos. “Descontextualizado, o comportamento
indicado nessas listas poderia servir à fabricação de identificadores falso-positivos”19. É o contexto
que vai dizer se existe característica compatível com o episódio narrado.

3.5 O Papel do serviço de saúde

Segundo a literatura especializada, “os serviços médico-hospitalar tornam-


se, de um modo geral, as principais portas de entrada para casos de violência
intrafamiliar”, muito embora o “panorama do serviço de saúde no Brasil demonstra
problemas na capacitação de profissionais no atendimento à violência sexual [...]
Além do desconhecimento ou despreparo, os profissionais apresentariam medo
ou se sentiriam intimidados ao ter de se confrontarem com o possível abusador e,
ainda, desconforto com as implicações legais relativas a esse tipo de alegação”20.

O temor dos profissionais em realizar a notificação também atinge o ambiente


escolar, o que precisa ser superado com estratégias de preservação, inclusive,
se for o caso, da identidade ao tempo que assegure a notificação. Estratégias de
fluxo e de encaminhamento da demanda junto às secretarias de educação e saúde
podem “institucionalizar” e “impessoalizar” a denúncia. O suporte multiprofissional
de profissionais de psicologia e serviço social nos serviços também é de fundamental
importância.

No atendimento ou exame médico, se faz necessário que episódios de


acidente, traumas hematomas, equimoses e doenças sexualmente transmissíveis
sejam avaliadas para a suspeita de violência e maus tratos. Ao discorrer sobre os
cuidados do médico, Evelyn Eisenstein destaca:

_________________________

AMENDOLA, Marcia Ferreira. Crianças no Labirinto das Acusações: Falsas Alegações de Abuso Sexual,
19

Curitiba: Juruá, 2013, pg. 64

AMENDOLA, Marcia Ferreira. Crianças no Labirinto das Acusações: Falsas Alegações de Abuso Sexual,
20

Curitiba: Juruá, 2013, pg.79.

131
[...] entrevistar, conversar e ouvir a criança, suas revelações e marcas,
averiguar o que ela sente emocional e comportalmente, avaliar suas
ações e rotinas. Isso se faz avaliando a história clínica e estabelecendo
o diagnóstico .Temos uma rotina de avaliação baseada em sinais [...] A
importância da entrevista e do relato da história do evento traumático requer
que as informações sejam obtidas com cuidado e após o estabelecimento
de uma relação de confiança [...] A rotina de avaliação dos casos de maus
tratos deve ser realizada em todos os Hospitais de emergência e Unidades
de Saúde que lidam com crianças e adolescentes e suas famílias”21.

Havendo suspeita de abuso sexual, estes são alguns dos procedimentos a


serem adotados:

i) Investigação da história clínica;


ii) Obtenção do relato da criança e do adolescente;
iii) Relato da família e/ou responsável e/ou amigo;
iv) Sinais suspeitos no exame físico ou no exame clínico, genital ou ginecológi-
co.

Identificado o abuso, o “diagnóstico tem que ser feito no devido tempo,


obtendo-se a documentação do tempo decorrido ou relatado do abuso. Pois se
torna fundamental a profilaxia de infecções sexualmente transmissíveis, incluindo
o HIV, além da contracepção de emergência nos casos necessários, ou seja, nas
primeiras setenta e duas horas. Chamamos a atenção para o fato de que 10 a
15% das adolescentes que engravidam no país, o fazem em decorrência de abuso
sexual”22.

_________________________
21
WILLIAMS, L. C. A.; ARAÚJO, E. A. C. (Orgs.). Prevenção do abuso sexual infantil: um enfoque interdisciplin-
ar. Curitiba: Juruá, 2009, pg.59.
22
WILLIAMS, L. C. A.; ARAÚJO, E. A. C. (Orgs.). Prevenção do abuso sexual infantil: um enfoque interdisciplin-
ar. Curitiba: Juruá, 2009, pg.62.

132
ATENÇÃO!

A interrupção da gravidez em decorrência de violência sexual é permitida por lei com o


consentimento da adolescente e do responsável legal, devendo ser assegurado atendimento
humanizado.

SAIBA MAIS!

Para aprofundar os conhecimentos sobre o tema, acesse: Diretrizes Nacionais para a Atenção
Integral à Saúde de Adolescentes e Jovens na Promoção, Proteção e Recuperação da Saúde.
Ministério da Saúde – MS. 2010. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/
diretrizes_nacionais_atencao_saude_adolescentes_jovens_promocao_saude.pdf

O papel da equipe de saúde multiprofissional, em especial da enfermagem,


é fundamental, sendo de sua competência23:

i) Estar atento para os sinais de violência durante a realização das visitas


domiciliares de rotina;
ii) Capacitar/sensibilizar os componentes da equipe da Unidade de Saúde para
o reconhecimento de sinais de violência em crianças, adolescentes e suas
famílias;
iii) Manter a equipe alerta para os sinais de violência;
iv) Auxiliar o agente comunitário de saúde e os demais profissionais na
avaliação de suspeita de violência, na classificação da gravidade e nos
encaminhamentos e procedimentos necessários;
v) Garantir os encaminhamentos/procedimentos necessários para o
atendimento;

23
PADILHA, M G S e PEDROSO, V. B. (2013). Abuso Sexual Infantil: conhecimento do enfermeiro sobre o seu
papel no acolhimento das vítimas e na notificação de casos, Curitiba. Tese (Mestrado). Universidade Tuiuti do
Paraná.

133
vi) Gerenciar o preenchimento e garantir o encaminhamento das 1ª e 2ª vias
da ficha de notificação e o arquivamento e registro da 3ª via na Unidade de
Saúde, em todos os casos identificados, incluindo-se aqueles considerados
leves; garantir a comunicação dos casos moderados e graves ao Conselho
Tutelar e/ou à rede de proteção via fax ou telefone;
vii) Receber as solicitações do Conselho Tutelar, escolas, creches de apoio na
avaliação de sinais de violência.

Não raro, em atendimento hospitalar, a criança é apresentada com sinais de


violência física, não sendo revelados os motivos da violência, ou quando o faz, na
entrevista da família pode haver divergência entre o relato e o achado clínico. Para
tal, se faz necessário o treinamento para que o olhar identificador seja aguçado,
bem como para um acolhimento adequado, evitando assim um dano secundário,
que decorre de um mau atendimento.

3.6 Ficha de notificação individual - SINAN

Partindo da premissa de que para o enfrentamento de um fenômeno é


necessário conhecê-lo, o fenômeno da violência sexual, por ser complexo e de causas
múltiplas, ainda pende de melhor compreensão e definição de suas características.
Para além de percepção de combate ao crime de violação à dignidade, a melhor
compreensão é de uma perspectiva de questão de saúde pública.

Neste sentido, a Ficha de Notificação Individual, do Sistema de Informação


de Agravo de Notificação – SINAN, do Ministério da Saúde, é instrumento de
extrema relevância, não só para o cumprimento da exigência legal de notificação
obrigatória de violência contra crianças e adolescentes, mas também para revelar
sua magnitude, gravidade, perfil da violência (da vítima e do agressor), tipologia,
localização e outros conjuntos de variáveis e categorias, criando assim a definição
mínima de uma característica dos eventos violentos e então possibilitando o
planejamento e a execução de ações e políticas para prevenção, enfrentamento, e
melhorar o fluxo e a integração entre os componentes da rede de proteção.

134
ATENÇÃO!

A ficha de notificação, embora seja do Ministério da Saúde, deve ser utilizada por toda a rede de
proteção.

SAIBA MAIS!

Para aprofundar os conhecimentos sobre como preencher a ficha de notificação, acesse: Instrutivo
Notificação de Violência Interpessoal e autoprovocada. Ministério da Saúde – MS. 2015. Disponível
em: https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2016/fevereiro/16/instrutivo-ficha-sinan-5-1--
vers--o-final-15-01-2016.pdf
Outro importante material de aprofundamento é o vídeo: Ficha de notificação de Violência Interpessoal/
Autoprovocada, do Telessaúde Maranhão, disponível no Youtube, ou no site: telessaude.huufma.br

O instrutivo24 acima indicado orienta que:

A ficha do SINAN possibilita que outras unidades façam a notificação, tais


como: estabelecimento de ensino, conselho tutelar, unidade da assistência
social, centro especializado de atendimento à mulher e unidades de saúde
indígena. Desse modo, quando essas unidades identificarem um caso de
violência, é possível fazer a notificação de violência utilizando a ficha de
notificação. Em seguida, a ficha deve ser encaminhada para uma unidade
de saúde que seja referência no território para fins de digitação da ficha.A
ficha de notificação possui campos de preenchimento obrigatório e faz a
identificação do equipamento acionado, ou seja, se é proveniente de rede
de saúde, de assistência, de educação, Conselho Tutelar, entre outros.
O documento também orienta sobre a notificação feita por unidade de
saúde, além de indicar os encaminhamentos.

Para especificar a ocorrência de violência sexual na ficha (uma vez que o


documento não se restringe a ela), são necessários os seguintes esclarecimentos25:

_________________________

24
https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2016/fevereiro/16/instrutivo-ficha-sinan-
-5-1--vers--o-final-15-01-2016.pdf
25
Op. cit.
135
Se ocorreu violência sexual, qual o tipo? Preencher o(s) quadrículo(s)
de acordo com o código correspondente: 1-Sim, 2-Não, 8-Não se aplica,
9-Ignorado. Pode haver mais de um tipo de violência sexual. CAMPO
ESSENCIAL. Atenção! Caso o quadrículo “Sexual” do item 56 (Tipo
de violência) seja preenchido com os códigos “2-Não” ou “9-Ignorado”,
preencher todos os quadrículos dos itens 58 e 59 com o código “8-Não se
aplica”. Considerar os seguintes conceitos e exemplos:
Estupro: “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter
conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro
ato libidinoso” (Art. 213, Lei nº 12.015/2009). Dentro desse conceito está
incluída a conjunção carnal (penetração peniana ou de outro objeto no
ânus, vagina ou boca), independente da orientação sexual ou do sexo da
pessoa/vítima.

RESUMO

Nesta Unidade, aprendemos sobre a importância do envolvimento das


famílias na prevenção da violência sexual, do protagonismo da escola e do serviço
de saúde como identificadores de sinais que norteiam a correta identificação do
abusador e da vítima, além de mecanismos de notificação e sua relevância para a
definição de políticas públicas de enfrentamento.

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REFERÊNCIAS

AMENDOLA, Marcia Ferreira. Crianças no Labirinto das Acusações: Falsas


Alegações de Abuso Sexual, Curitiba: Juruá, 2013.

BRASIL, MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Guia Escolar - Identificação de Sinais de


Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. Ministério da Educação.
Brasília, DF, 2011. Disponível em: http://portaldoprofessor.mec.gov.br/storage/
materiais/0000016936.pdf. Acesso em: 25 set. 2020.

BRASIL, MINISTÉRIO DA SAÚDE. Diretrizes Nacionais para a Atenção Integral


à Saúde de Adolescentes e Jovens na Promoção, Proteção e Recuperação da
Saúde. Ministério da Saúde – MS. 2010. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.
br/bvs/publicacoes/diretrizes_nacionais_atencao_saude_adolescentes_jovens_
promocao_saude.pdf. Acesso em: 25 set. 2020.

BRASIL, MINISTÉRIO DA SAÚDE. Boletim Epidemiológico n. 27/2018. Ministério


da Saúde – MS. 2010. Disponível em: https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/
pdf/2018/junho/25/2018-024.pdf. Acesso em: 25 set. 2020.

BRASIL, MINISTÉRIO DA SAÚDE. Instrutivo Notificação de Violência Interpessoal


e autoprovocada. Ministério da Saúde – MS. 2015. Disponível em: https://
portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2016/fevereiro/16/instrutivo-ficha-sinan-
5-1--vers--o-final-15-01-2016.pdf. Acesso em: 25 set. 2020.

HABIGZANG, L. F.;WILLIAMS, L. C. A. (Orgs.). Crianças e Adolescentes Vítimas


de Violência - Prevenção, Avaliação e Intervenção. Curitiba: Juruá, 2014, pg. 74.

PADILHA, Maria da Graça Saldanha. Prevenção primária de abuso sexual: avaliação


da eficácia de um programa com adolescentes e pré-adolescentes em ambiente
escolar. 2007. 183 f. Tese (Doutorado em Ciências Humanas) - Universidade
Federal de São Carlos, São Carlos, 2007. Disponível em: https://repositorio.ufscar.
br/handle/ufscar/2835. Acesso em: 25 set. 2020.

137
PADILHA, M G S e PEDROSO, V. B. (2013). Abuso Sexual Infantil: conhecimento do
enfermeiro sobre o seu papel no acolhimento das vítimas e na notificação de casos.
2013. 44 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia). Universidade Tuiuti do Paraná,
Curitiba, 2013. Disponível em: https://tede.utp.br/jspui/bitstream/tede/1320/2/
ABUSO%20SEXUAL%20INFANTIL.pdf. Acesso em: 25 set. 2020.

WILLIAMS, L. C. A.; ARAÚJO, E. A. C. (Orgs.). Prevenção do abuso sexual


infantil: um enfoque interdisciplinar. Curitiba: Juruá, 2009, pg. 129.

138

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