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AS DIMENSÕES DA

SEXUALIDADE
André Gonçalves Fernandes

O exercício da sexualidade carrega um forte vetor ético


ao implicar um ato de correlação humana, mediante o
qual duas pessoas põem em contato não somente seus
corpos, mas sua intimidade mais profunda, estando em
jogo sentimentos, confiança, compromissos, afetividade
e, inclusive, disponibilidade para assumir tudo que supõe
engendrar uma nova vida.

Pelo contrário, quando predomina uma vivência contrária Ver outros artigos da
à ética, o ato sexual pode ser também expressão de coluna
egoísmos, de utilização de outra pessoa em benefício
próprio, de instrumentalização da pessoa alheia e de
deslealdades de natureza vária.

Assim, supor uma linha pedagógica de educação sexual


unicamente como mera aprendizagem de medidas de
proteção para não se contagiar de possíveis infecções ou
evitar a gravidez parece uma visão demasiado simplista e
reducionista da sexualidade. Quando este enfoque se
volve para a juventude, a resultante esperada é uma
educação superficial, incapaz de resolver os problemas
típicos desta fase da vida e de enfoque mecanicista.

De fato, ao contrário da postura predominante, o sexo


não é uma prática estritamente privada. Sua repercussão
social é enorme, com claras implicações sobre a
demografia dos países e a necessidade de um amplo
consumo de recursos econômicos quando afloram
problemas sociais decorrentes do desvirtuamento de sua
finalidade.

As gravidezes precoces, por exemplo, provocam,


estatisticamente, um grande número de rupturas na
trajetória biográfica destas pessoas, com déficits
posteriores em seu nível escolar e inexoráveis
dificuldades em seu entorno social, laboral e familiar,
demandando, em muitos casos, a ajuda de agentes
sociais e de políticas públicas para a amenização dos
problemas daí decorrentes, já que, muitas vezes, são
insolúveis.

As autoridades sanitárias, em geral, acreditam que, no


exercício da função de desenhar estratégias de prevenção
em saúde sexual, devem manter uma postura
axiologicamente neutra, sob pena de ser tachada de
moralista, religiosa ou clerical. Mas, é possível ser neutro
nesse assunto?

Pode se afirmar que existem duas posturas antagônicas a


respeito do modo de compreender a sexualidade. Num
extremo, estaria o sentimento de que a sexualidade deve
ser exercida de modo livre, sem ataduras ou
compromissos. Noutro lado do espectro, se situaria a
idéia de que os atos sexuais deveriam ser realizados num
contexto de amor, o que, implica, logicamente, em um
compromisso mútuo.

Por isso, é difícil assumir que se possa efetivamente


manter uma postura estritamente neutra ao se promover
estilos de conduta sexual. Ou se aceita promover a
estabilidade nas relações sexuais de nossos jovens ou se
estará, involuntariamente, gerando condutas de sexo
entendido somente como um ato lúdico, divorciado do
compromisso e do amor.

É chegada a hora de eliminar o denominador ideológico


do debate de políticas de prevenção e incluir, em uma
política sanitária realista de prevenção de doenças
sexualmente transmissíveis, a opção (frise-se) da
abstinência sexual entre os jovens solteiros e da
fidelidade nas relações estáveis e constituídas, sem
prejuízo da promoção do preservativo para aqueles que
tiverem optado decididamente pela promiscuidade sexual.

A par disso, é imprescindível o apoio da mídia na


promoção daquelas atitudes saudáveis. Assim,
diminuiriam o risco de epidemia e, simultaneamente, de
possíveis contatos capazes de propagar o agente
infeccioso. Estes postulados não são lastreados em
nenhuma postura ideológica ou religiosa preconcebida,
mas são baseados exclusivamente na melhor (porque
eficaz) e mais barata (aos cofres públicos) forma de
prevenção em saúde pública.

Para se maximizar as possibilidades de êxito na


prevenção de atitudes de risco, promovendo-se um
exercício responsável da sexualidade, devem ser
intentadas ações em um duplo nível: a formação
educativa, com a participação de pais e professores, e a
criação de um clima social favorável (cooperação da
mídia, agentes sociais e apoio político institucional).
Simples slogans atrativos em cartazes publicitários não
surtiriam o efeito almejado.

Somente uma educação integral nos valores universais do


homem pode apontar um marco apropriado para que se
compreendam conceitos como a lealdade nas relações a
dois, o respeito à dignidade da outra pessoa, o equilíbrio
no controle da afetividade, a aceitação do compromisso
como um valor positivo e a abertura à entrega que supõe
aceitar uma gestação.

Esta visão integradora da sexualidade deve ser


respaldada pela sociedade para não criar um clima de
esquizofrenia intelectual entre os ensinamentos recebidos
pela pessoa e aquilo que se recebe por meio de outras
fontes de informação. Daí deriva uma grande
responsabilidade para os poderes públicos, que podem
propiciar um clima favorável a um exercício responsável
da sexualidade ou favorecer que se considere como uma
simples atividade lúdica a mais. Neste assunto, a
resultante verificada não é uma questão de acaso: é uma
questão de escolha.

ANDRE GONÇALVES FERNANDES, Post-Ph.D. Juiz de


Direito e Professor-Pesquisador. Graduado pela
Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP).
Mestre, Doutor e Pós-Doutorando em Filosofia e História
da Educação pela UNICAMP. Juiz de direito, titular de
entrância final em matéria cível e familiar, com ingresso
na carreira aos 23 anos de idade. Pesquisador do grupo
PAIDEIA-UNICAMP (linha: ética, política e educação).
Professor-coordenador de metodologia jurídica do CEU
Escola de Direito. Coordenador Acadêmico do Instituto de
Formação e Educação (IFE). Juiz instrutor/formador da
Escola Paulista da Magistratura (EPM). Colunista do
Correio Popular de Campinas. Consultor da Comissão
Especial de Ensino Jurídico da OAB. Coordenador Estadual
(São Paulo - Interior) da Associação de Direito de Família
e das Sucessões (ADFAS). Membro do Comitê Científico
do CCFT Working Group, da União dos Juristas Católicos
de São Paulo (UJUCASP), da Comissão de Bioética da
Arquidiocese de Campinas e da Academia Iberoamericana
de Derecho de la Familia y de las Personas. Detentor de
prêmios em concursos de monografias jurídicas e de
crônicas literárias. Conferencista e autor de livros
publicados no Brasil e no Exterior e de artigos científicos
em revistas especializadas. Membro Honorário da
Academia de Letras da Faculdade de Direito do Largo de
São Francisco. Titular da cadeira nº30 da Academia
Campinense de Letras.

E-mail: agfernandes@tjsp.jus.br

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