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A ameaça ou uso de força contra criança ou O conceito de violência pode ser sintetizado
adolescente, em todas as fases do desenvolvi- como todas as formas de maus tratos físicos, cor-
mento cerebral-mental-emocional, provocará porais, emocionais, sexuais, negligência ou trata-
alterações e danos com repercussões negativas mento negligente, exploração comercial ou qual-
na saúde física e emocional e na integração so- quer tipo de exploração que resultem em prejuízos
cial, podendo ser permanentes. Respostas à dor, e danos reais ou potenciais em traumas presentes
ao medo, à ansiedade do abandono e ao estresse ou futuros à saúde, sobrevivência, desenvolvimen-
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Violência e saúde de adolescentes e jovens – Como o pediatra deve proceder?
to ou dignidade no contexto de uma relação de res- res. A vítima, Mary Ellen Wilson de oito anos de
ponsabilidade, confiança ou poder.3 idade, fora adotada por uma família na Nova York
em 1864, Estados Unidos. A garota vivia em pri-
Tais situações implicam transgressão do dever
são domiciliar, era espancada, acorrentada à cama
de proteção e coisificação, ou seja, a vítima é ma-
e violentada sexualmente pelo padrasto. Foi salva
nipulada ao bel prazer do agressor, como se fosse
por uma assistente social que conseguiu a inter-
um objeto, ficando esquecidos os seus Direitos
venção da Sociedade de Proteção aos Animais,
Humanos.4
alegando ser a criança membro do reino animal,
portanto seu caso estaria incluído nas leis que pu-
Por que os pediatras devem conhecer nem a crueldade contra esses seres vivos. O pai
este tema com mais propriedade? adotivo já havia falecido quando a mãe adotiva foi
julgada e sentenciada a um ano de confinamento.8
A violência afeta enormemente a saúde de
crianças e adolescentes causando lesões e trau- Apenas em 1961, a Academia Americana de
mas físicos, agravos psíquicos e morte; diminui a Pediatria reconheceu a Síndrome da Criança Es-
qualidade de vida individual e coletiva, e afeta a pancada, identificada por uma série de sinais de
dignidade humana. Isso exige readequação a no- violência.9
vos paradigmas no atendimento médico preventi-
Chegando ao Brasil, na época colonial a edu-
vo ou curativo, com atuação interdisciplinar, multi-
cação das crianças era frequentemente negligen-
profissional e intersetorial, inclusive do pediatra.2
ciada, sendo comum empregar crianças e adoles-
Além disso, os diversos elementos envolvidos centes – estes ainda não reconhecidos como tal
em atos agressivos precisam ser reconhecidos – em serviços de grumetes ou pajens, em con-
tanto para a abordagem quanto a elaboração de dições precárias e destino tenebroso. Porém, só
estratégias direcionadas a empoderar a resiliên- após os anos 1960, os maus-tratos contra crian-
cia de crianças e de adolescentes no enfrenta- ças e adolescentes passaram a ser reconhecidos
mento (coping) ou prevenção à violência.5 como problema de saúde pública.10
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Departamento Científico de Adolescência • Sociedade Brasileira de Pediatria
duais encontram-se o gênero da criança ou do maiores vítimas os jovens, negros, aqueles per-
agressor, síndromes genéticas, dificuldades es- tencentes às classes menos favorecidas e mora-
colares, atitudes antissociais, consumo de dro- dores da periferia, correlacionando-se à multi-
gas. E, entre os fatores adversos ambientais: a plicação de gangues, ao redimensionamento do
desagregação familiar e afetiva, alcoolismo e tráfico de drogas e dos comandos criminosos.17,18
violência parental; ausência de rede eficaz de
O Atlas da Violência de 2017, estudo realiza-
apoio social, ambiente com elevado índice de
do pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
violência ou abuso de drogas, pais desempre-
(Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Públi-
gados, perda de entes queridos.13,14
ca (FBSP), expõe um recorte racial e etário para os
• Fatores ou Mecanismos de proteção – elemen-
fatores de risco, especialmente por homicídios.
tos individuais ou coletivos que minimizam ou
Os resultados apontam que os maiores índices fa-
protegem as pessoas de agravos. Trata-se de
tais ocorreram em pessoas entre 15 e 29 anos, do
atributos individuais protetores, como o con-
gênero masculino e entre pardos e negros.19
trole dos impulsos, bom humor, empatia, com-
petência cognitiva, o uso de estratégias efi- O Índice de Vulnerabilidade à Violência des-
cientes de enfrentamento (coping) ao estresse se mesmo ano constatou que em quase todo o
e metas de projetos futuros. Quanto ao am- território nacional as negras entre 15 e 29 anos
biente social, oferecem proteção: segurança apresentaram maior risco de exposição à violên-
de afeto, o respeito à criança e ao adolescen- cia que as brancas na mesma faixa etária e que o
te, relação positiva com adultos que exerçam risco relativo de serem vítimas de homicídio foi
papel significativo e a rede de apoio psicos- 2,19 vezes maior do que uma garota branca. Entre
social.14 Entre as adversidades individuais ou jovens de 15 a 29 anos, a chance de um negro ser
do ambiente destacam-se a baixa autoestima, assassinado é quase três vezes superior à de um
consumo de álcool e outros psicoativos, famí- branco de mesma idade.20
lias monoparentais, conflitos com genitores,
baixa escolaridade materna e relacionamentos
Como se classificam as violências
esgarçados com colegas e professores.15
e quais suas principais características?
• Vulnerabilidade – suscetibilidade de indiví-
duos ou grupos populacionais, principalmen- Existem variadas classificações, porém aqui
te crianças e adolescentes, a qualquer agravo foi adotada a tipologia da OMS, que considera a
à saúde e suas consequências (sofrimento, violência interrelacional da ordem emocional, fí-
limitação e morte), o que envolve condições sica, sexual e a autoinfligida.21 As várias circuns-
pessoais, culturais e sociais, como também os tâncias desses tipos de agressão estão descritas
recursos, gerência e monitoramento dos cui- no Mapa Conceitual 2, cuja gerência de comentá-
dados integrais à saúde.6 No âmbito da aten- rios segue abaixo.
ção primária à saúde, fatores de risco, prote-
ção e vulnerabilidades estão relacionados
principalmente à deficiência de recursos para Violência emocional
realização do trabalho, à violência física e mo-
ral, e ao desgaste emocional decorrentes do
contexto sócio-econômico-cultural-político.16
• Negligência – violência mais diagnosticada no
Brasil. Na forma extrema, há abandono da víti-
ma sem capacidade de se prover os cuidados
Qual a situação da mortalidade necessários e sem a devida proteção.22
por violência interpessoal no Brasil?
• Síndrome de Münchausen por procuração –
A partir dos anos 1980, surgiu no Brasil o tipo de abuso em que um dos pais, geralmente
vertiginoso aumento de homicídios, tendo como a mãe, simula sinais e sintomas na vítima, com
3
Violência e saúde de adolescentes e jovens – Como o pediatra deve proceder?
a intenção de chamar atenção para os mesmos morragia retiniana, consequentes ao ato de sacu-
nos serviços de saúde. Em consequência, a víti- dir o lactente de forma violenta e intencional.22,25
ma é submetida a repetidas internações, expo-
• Maus tratos ou espancamento – os sinais apa-
sição a exames e tratamentos potencialmente
recem sobretudo na pele e mucosas com equi-
perigosos e desnecessários. Por exemplo, a au-
moses, arranhões ou ferimentos tipo laceração
tora afirma que o filho apresenta dores recor-
ou queimaduras, seguindo-se ossos (fraturas e
rentes ou febre, diarreia etc., nunca revelados
calos de cicatrização), sistema nervoso central
ao exame clínico ou por exames complemen-
(perda de consciência, hemorragias), genitália
tares; alterar a cor da urina ou fezes, simular
e por fim, estruturas torácicas e abdominais
hemorragia nos ouvidos, ou secretamente ofe-
(hemorragia nas vísceras). Podem ser realiza-
recer medicamentos. Uma vez identificada a si-
dos com os mais diversos objetos na agres-
tuação, que pode causar a morte, a vítima preci-
são, ficando a marca na região acometida: fios
sa de proteção (cuidados de outros parentes ou
elétricos, galhos de árvores, sapatos, dedos
em instituições), e a mãe é enviada para acom-
(tapas), ferro elétrico, moedas ferventes, quei-
panhamento com psiquiatra e psicoterapia.23,24
maduras, equimoses, cintos, mordeduras, alo-
• Alienação Parental – conceito preconizado pécia traumática.21,23
pelo psiquiatra e psicanalista Richard Gardner
nos anos 1950, não ganhou respaldo da comu-
nidade científica devido à falta de consistên-
Violência sexual
cia e de estudos que pudessem comprovar sua
existência. Contudo, foi criada no Brasil a Lei
12.318 em 2010, que considera Alienação Pa- Qualquer ato de intenção sexual propriamen-
rental a “interferência na formação psicológica te dito ou erótico de uma pessoa com mais ida-
da criança ou adolescente promovida ou indu- de do que a vítima, podendo a autoria ser de um
zida por um dos genitores, pelos avós ou pe- adulto ou mesmo outro adolescente, que se im-
los que tenham a criança ou adolescente sob põe ameaçando ou por sedução, para obter de sa-
sua autoridade, guarda ou vigilância, para que tisfação pessoal própria ou prazer de terceiros.24
repudie ou cause prejuízo ao estabelecimento Pela frequência e repercussões deletérias, deta-
ou à manutenção de vínculos com este”. É fun- lham-se algumas características desta ocorrência:
damental o domínio desse conceito pelos pro- – Atual definição legal de estupro: qualquer ato
fissionais que atuam com crianças/adolescen- libidinoso ou conjunção carnal mediante cons-
tes e famílias a fim de avaliarem esses casos trangimento, uso de violência, grave ameaça ou
com propriedade, sobretudo quando houver por sedução (vítima igual ou menor de 14 anos).
suspeita de abuso sexual por parte de um dos Incluem-se desde carícias e manipulação dos ór-
genitores, pois a intenção de proteger a vítima gãos genitais, a coito oral, anal ou vaginal. Com
pode ser confundida com alienação parental.24 exceção do estupro, a agressão explícita dessa
violação pode ficar mascarada pelo uso da sedu-
ção, principalmente nos atos incestuosos.26
Violência física – A violação sexual ocorre em todas as classes
sociais, envolve pessoas de todas as profissões,
perpassa pela questão de gênero, sendo, no
Quadro de mais fácil identificação, destacam-
Brasil, bem mais comum no feminino, incluindo
-se os espancamentos, a tortura e lesões infringi-
crianças e adolescentes transgêneras.21,27
das por castigos físicos. Cabe destacar que na in-
fância há a Síndrome do Bebê Sacudido – Shaken – A autoria também pode ser de adolescente
Baby Syndrome - composta pela tríade clássica de (20% dos casos), mas cabe distinguir dos jo-
encefalopatia aguda, hematoma subdural e he- gos sexuais próprios da idade – contatos entre
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Estupro – carícias,
Privação de higiene e saúde toques, relação sexual
Ausência de proteção a frio / calor Obtenção de prazer vaginal, anal, oral
Privação de afeto / atenção erótico por meio
Descaso com escola de coação, ameaça
ou sedução Voyeurismo - tocaiar
intimidade em
banheiro, quarto)
Ameaçar,
Omissão de humilhar,
isolar de Obscenidade -
Cuidados básicos gesticulação, palavras
familiares
ou amigos, SEXUAL de baixo calão
Vítima submetida a gritar
procedimentos de
investigação: consultas, Negligência Fotografias
exames, internações Pornografia (imagens
desnecessárias eróticas inadequadas)
Síndrome de
TIPOS DE Exploração sexual -
Simulação Münchausen
por EMOCIONAL comercialização
de doenças VIOLÊNCIAS
procuração
Tentativa
de impedir Alienação FÍSICA
FEMINICÍDIO
convívio parental
com filho
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Violência e saúde de adolescentes e jovens – Como o pediatra deve proceder?
Em geral, os algozes são pessoas muito pró- – Pesquisa demonstra que na maior parte dos
ximas, consanguíneas ou com algum laço afetivo casos a mãe desconhece o abuso, pois geral-
com a vítima ou sua família, sejam genitores ou mente ocorre em sua ausência e, ao tomar co-
outros cuidadores. Tais agressores são pessoas nhecimento, precisa procurar e receber alguma
que sofreram ou sofrem de algum transtorno ajuda, após um período variável de dúvida e
psíquico, mesmo que socialmente não aparen- desespero sobre o que fazer, como se condu-
tem, como sociopatia, transtornos de persona- zir.32
lidade, abuso de drogas, especialmente álcool
– Embora em bem menor proporção, mulheres
e crack, ou que sofreram abusos na sua própria
podem ser agressoras sexuais. Em geral, são
infância, marcando suas vidas e repetindo o ciclo
portadoras de transtornos psíquicos e desen-
da violência.
volvem comportamento sádico, não conse-
Nas situações de violência física, a autora mais guindo assumir a maternidade. As que violam
frequente é a mãe, embora os casos mais graves adolescentes romantizam o relacionamento,
sejam perpetrados pela figura paterna (pai ou podendo tornar-se amantes das vítimas, que
padrasto); nos abusos sexuais, os autores geral- geralmente têm metade de sua idade. Outras
mente são homens, sendo cerca de 90,0% o pai mulheres participam de abusos perpetrados
ou companheiro da mãe.22,28 pelo companheiro, de início para agradá-lo, de-
pois porque terminam por sentir prazer com a
Cabe ainda destacar sobre autor/a da vitimi-
infração.32
zação sexual:
– Trabalho nacional realizado em Feira de San-
– Conforme Furniss (2002), referendado estu-
tana, Bahia, demonstra a elevada participação
dioso desse tema, é frequente sempre negar
de adolescentes e jovens enquanto autores
a participação ou até acusar a vítima de sedu-
de agressão sexual: em 436 casos 18,8% dos
ção (culpabilização da vítima). Ainda que uma
agressores tinham ≤ 17 anos e 22% estavam
criança ou adolescente demonstre curiosidade,
entre 18 a 24 anos. Muitos desses molestado-
interesse ou aproximação do adulto, é respon-
res têm convivência com as vítimas, mantendo
sabilidade deste estabelecer a fronteira entre
o ciclo da transmissão intergeracional dessa-
afeto e sexo, impor limites e ter bons princípios
violação.33
morais e éticos.30
– O agressor sexual é extremamente dissimulado Não se pode esquecer a violência urbana, rea-
e sabe da importância da imagem que transmi- lidade que inclui atos perpetrados por adolescen-
te, utilizando-a inclusive para aproximar-se das tes em conflito com a lei, o que geralmente refle-
vítimas. Portanto, seu comportamento social, a te uma privação de vários dos seus direitos, cuja
profissão, a conduta pública exemplar não são abordagem não cabe neste documento.
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Cutting ou autoagressão
figurando-se como sintoma de alguns transtornos
Consiste em atitude consciente de se autoferir depressivos. Mais comum a partir dos 13 anos, ten-
ou lesões de automutilação, em geral praticada so- de a diminuir após os 20 anos, mas pode continuar
litariamente (80%) por sofrimento psíquico, con- ao longo da vida, se o indivíduo não for tratado.
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Violência e saúde de adolescentes e jovens – Como o pediatra deve proceder?
– Motivação: alívio de tensão por fuga da reali- Suicídio e comportamento ou ideação suicida:
dade, identificação com pares que praticam o
De acordo com a OMS, o suicídio é um ato
cutting, ou para interromper estados psíquicos
intencional de um indivíduo de qualquer idade
dissociativos. Ao contrário da tentativa de suicí-
para extinguir a própria vida. Constitui importan-
dio, essa prática objetiva aliviar a tensão emo-
te questão de saúde pública no mundo inteiro,
cional sem a intenção da finitude. No entanto,
estimando-se que mais de 1,5 milhão de pesso-
muitos sujeitos com essa prática são mais pro-
as cometerão suicídio até 2020. Destaque para o
pensos a ideação e tentativa suicida.34,35,36
alerta de que tentativas de suicídio não são uma
– Lesões: costumam ser repetitivas, superficiais maneira de se chamar atenção.43,44
ou leves, comum serem cortes, feridas punti-
Na sequência, encontram-se importantes in-
formes realizadas com objetos cortantes, per-
formações:
furantes, em partes do corpo escondidas sob a
roupa, mas também em qualquer região como – Fatores de risco: transtornos de personalidade,
braços, pulsos e pernas; adolescentes costu- especialmente a limítrofe (antiga borderline), e
mam usar mangas longas para esconder as le- esquizofrenia; associação de várias condições
sões.37,38 Essas lesões podem ser moderadas - depressão e alcoolismo; coexistência de de-
ou graves, com extirpação de órgãos, podem pressão, ansiedade; tentativas anteriores de
acontecer em transtorno psicótico, compulsivo suicídio, ausência de apoio social, histórico de
obsessivo em intensa fase crítica; quando de suicídio na família, forte ideação suicida, defi-
forma estereotipada, repetitiva, costuma acon- ciente base social com desemprego e baixo ní-
tecer em pessoas com transtorno do espectro vel educacional.45
do autismo ou na síndrome de Tourette.39
– As regiões Sul e Centro-Oeste apresentam as
– Frequência: é mais comum o cutting ser reali- maiores taxas de suicídios registradas, sen-
zado a sós (80%), mas pode acontecer em con- do que a ideação suicida é mais prevalente
junto, por identificação com colegas ou como (17,1%) seguida da estruturação de planos
repetição de imagens postadas em redes so- (4,8%) e tentativas de suicídio (2,8%). As ten-
ciais ou em vídeos.40 Quando de forma compul- tativas de suicídio são mais significativas entre
siva, com fixação, decorre da repentina ânsia de mulheres e jovens sendo a intoxicação por me-
se machucar e promover alívio da ansiedade, dicamentos o método mais utilizado.46
como na tricotilomania - arrancar cabelos da – Local e formas de êxito: o lar é o cenário mais
cabeça, sobrancelha ou pelos pubianos.41,42 frequente de suicídios (51%), seguido por hos-
– Intervenções: avaliação criteriosa para tratamen- pitais (26%). Os principais meios utilizados por
to multidisciplinar pois quanto mais cedo for ini- homens são enforcamento (58%), arma de fogo
ciado, maiores as chances de interromper essa (17%) e envenenamento por pesticidas (5%).
prática. Conjugam-se medicamentos com psico- Entre as mulheres, enforcamento (49%), segui-
terapia de preferência psicodinâmica (analítica), do de fumaça/fogo (9%), precipitação de altura
mas também do tipo cognitivo-comportamental; (6%), arma de fogo (6%) e envenenamento por
a patologia de base deve ser tratada – transtor- pesticidas (5%).47
nos de ansiedade e do estresse, transtornos do – Prevenção: por identificação precoce dos sinais
humor bipolar, episódio depressivo, uso de álco- de alerta (ver Mapa Conceitual 2) e correto en-
ol e outras drogas, psicoses – e também as co- caminhamento a profissionais de saúde mental.
morbidades, condição simultâneas e frequentes A tentativa prévia é o fator de risco mais impor-
em saúde mental.40,41 Nos casos severos pode tante na população geral. Acompanhamento
ser indicada internação hospitalizar, objetivan- correto de transtornos psíquicos; psicoterapia
do ambiente seguro e tratamento mais intensivo psicodinâmica. Investigar essa possibilidade
até ultrapassar a fase aguda do quadro.40 em casos de intoxicação e acidentes, especial-
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mente com histórico de repetição ou casos de História não compatível com as lesões exis-
suicídio em familiares. Encaminhar o adoles- tentes, relatos discordantes entre os responsá-
cente para atendimento especializado, ou so- veis ou depoimento espontâneo da vítima de-
licitar desde então a presença de psiquiatra ou vem sempre merecer credibilidade. Raramente a
psicoterapeuta.47 vítima simula ou inventa sobre o acontecimento,
especialmente nos casos de abuso sexual.22,49 No
Mapa Conceitual 3 estão listados os indícios que
Como acontece a violência
norteiam a suspeita de casos de violência contra
no namoro de adolescentes?
pacientes pediátricos.
Embora muitas vezes passe despercebida, a
injúria no namoro entre adolescentes desempe-
Que repercussões podem acontecer com
nha enorme papel de gênero na violência. Impor-
crianças e adolescentes vitimizados?
tante estudo nacional com 3.200 escolares entre
15 a 19 anos do Ensino Médio na rede pública e Qualquer maltrato, principalmente quando
particular em dez capitais brasileiras revelou: ele- repetitivo, causa baixa autoestima, dificuldades
vada prevalência (87,0%); a violência verbal foi a nos relacionamentos sociais, transtornos psíqui-
mais comum, especialmente entre as garotas, se- cos como depressão ou ideação suicida, quadros
guindo-se provocar ciúmes e raiva, humilhar, usar psicossomáticos como cefaleias, tonteiras, dores
tom hostil, ameaçar terminar o namoro, depreciar, abdominais, parada ou desaceleração do cresci-
vigiar, culpar pelas coisas ruins, provocar medo no mento, baixo rendimento escolar; provoca ain-
outro, ameaçar machucar, bater na pessoa ou des- da redução do desenvolvimento do hipocampo,
truir algo de valor eram formas de agredir emocio- região do cérebro relacionada às emoções, fato
nalmente; quase 50% dos rapazes mencionaram comprovado por ressonância magnética.25
forçar a beijar e tocar sexualmente a outra pessoa
No caso de agressão sexual, as repercussões
sem permissão; infidelidade e ciúme terminavam
em muito se relacionam à duração do abuso – os
em brigas, refletindo normas de gênero tradicio-
incestuosos costumam ocorrer durante anos e
nais e legitimadoras da violência. Apesar disso,
são extremamente danosos - e ao grau de proxi-
apenas 3,5% dos jovens afirmaram já ter solici-
midade com o abusador, havendo maior impacto
tado apoio profissional ou ajuda em situações de
quando este é pai ou padrasto, tio, avô, padrinho;
violência no namoro ou “ficar”, independente de
presença de danos físicos, infecções urinárias de
estrato social e de região do país, demonstrando
repetição, feridas genitais, surgimento de infec-
a necessidade da desconstrução de estereótipos
ções sexualmente transmissíveis (IST) ou gravi-
de gênero e de romper a banalização da violência
dez. A reação da família é importante durante a
entre parceiros adolescentes.48
revelação do abuso pela criança e adolescente e
será norteadora da busca pelos cuidados médi-
Quando se deve suspeitar de que um/a cos, psicológicos e providências jurídicas.50
paciente está em situação de violência?
A violação sexual induz a isolamento, agressi-
O profissional bem treinado e sensível pode vidade, medos, ansiedade, depressão, sentimentos
suspeitar da agressão no decorrer da anamnese de raiva, vergonha e culpa; transtorno do pânico
e do exame físico. Ressalte-se que muitos dos ou de estresse pós-traumático; alterações do sono;
sinais e sintomas indicativos são inespecíficos, enurese noturna; tendência à revitimização (inclu-
como choros frequentes, dificuldades de dormir, sive sexual); comportamento sexual desajustado
queda no rendimento escolar, inclusive outras durante a vida adulta, aversão sexual, dispareunia;
mudanças de comportamento, e podem ocorrer homossexualidade feminina; condutas automuti-
em outras situações sem violência. Portanto, é ex- ladoras (ferir-se) e auto aniquiladoras como abuso
tremamente necessário contextualizar cada caso. de drogas, fuga do lar, tentativa e risco suicida.51
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Violência e saúde de adolescentes e jovens – Como o pediatra deve proceder?
Atraso na busca de
cuidados à saúde sem causa
justificável; indiferença Relato de acidentes repetidos,
física ou afetiva; vestes quedas ou ferimentos inexplicáveis;
descuidadas, higiene e equimoses em braços, faces internas
nutrição precárias; abandono e posteriores das coxas, mãos,
mesmo que apenas por orelhas, pescoço, genitália e glúteos;
horas; falta de adequada equimoses extensas ou dispersas,
supervisão escolar e com diferentes fases de resolução
de outras atividades do (coloração variada); fraturas ou
adolescente; doença crônica hematoma subperiostal em diferentes
Sintomas não se encaixam sem tratamento, saúde bucal fases de cicatrização; ferimentos
em doença ou agravo precária bilaterais ou várias partes do corpo;
relatado; melhora ao queimaduras extensas, bilaterais
chegar ao hospital e piora (forma de luva em mãos, em nádegas);
em casa; genitor/a muito coma sem sinais de infecções, ruptura
solícito/a, exame físico e de vísceras
exames complementares
sem alterações
Negligência
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Violência e saúde de adolescentes e jovens – Como o pediatra deve proceder?
Ao tornar público fenômenos que acontecem identificar a criança e/ou adolescente em situ-
no privado, torna-se possível perceber que são ação de violência e a caracterização do abuso
mais comuns do que se imagina, mas nem por sexual, caracterização da família, da institui-
isso devem ser banalizados ou normalizados.57 ção, do agressor e da violência sofrida.60-62
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Figura 1. Ficha de Notificação de Violência Doméstica, Sexual e/ou Outras Violências Interpessoais. Brasil, 2011.
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5 Data da Ocorrência do Evento 6 Hora da ocorrência (0 - 24 horas)
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7 Nome 8 Data de Nascimento
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1 - Hora
9 Idade 2 - Dia 10 Sexo 1 - Masculino 11 Gestante
3 - Mês
2 - Feminino 1) 1ºTrimestre 2) 2ºTrimestre 3) 3ºTrimestre
| | 4 - Ano 9 - Ignorado 4) Idade gestacional Ignorada 5) Não 6) Não se aplica 9) Ignorado
12 Cor 13 Escolaridade 06) Ensino médio incompleto
01) Analfabeto
Dados da Pessoa Atendida
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Dados de Residência
1 - Urbana 2 - Rural
3 - Periurbana 9 - Ignorado 1 - Sim 2 - Não 9 - Ignorado 1 - Sim 2 - Não 9 - Ignorado
continua...
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Violência e saúde de adolescentes e jovens – Como o pediatra deve proceder?
... continuação
43 Se ocorreu violência sexual, qual o tipo? 1- Sim 2 - Não 3 - Não se aplica 9- Ignorado 44 Se ocorreu penetração, qual o tipo?
Violência
45 Número de 46 Relação com a pessoa atendida 1- Sim 2 - Não 9- Ignorado 47 Sexo do provável 48 Supeita de uso
envolvidos de alcool
Dados do provável
autor da agressão
autor da agressão
Centro de Referência da
Conselho tutelar (criança/adolescente) Delegacia Especializada da Mulher
Assistência Social/CRAS
Vara da infância / juventude Delegacia de Prot. da Criança e do Adolescente
Casa de proteção / abrigo Outras delegacias IML
TELEFONES ÚTEIS
Disque-Denúncia - Exploração
Disque-Saúde Central de Atendimento à Mulher sexual a crianças e adolescentes
0800 61 1997 180 100
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Nome Função Assinatura
Fonte: Brasil.64
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Estabelecimento Unidade de
ESCOLAR Serviço de Saúde
CONSELHO
TUTELAR
Promotoria
Perícia Polícia
da Infância e
Técnica Civil
Juventude
Juizado da
Infância e
Juventude
Fonte: Fundação Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e Programa Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual de Crianças e
Adolescentes, 2011.65
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Violência e saúde de adolescentes e jovens – Como o pediatra deve proceder?
Quadro 1. Prevenção e combate à violência interpessoal e à autoagressão na infância e adolescência para o setor
saúde conforme o nível de atenção, objetivos e estratégias.
Nível de
Objetivos Estratégias
Atenção
Primordial Promover conhecimentos Psicodinâmica positiva; Educação parental, visitação domiciliar;
sobre os maus-tratos Desenvolvimento de habilidades para a vida; Empoderamento
Promover a cultura da Paz de gênero e Prevenção da violência desde o namoro; Inclusão e
Promoção da igualdade de respeito às pessoas com limitação física, neurológica e psíquica;
gênero Respeito a pessoas LGBTQI*
Triagem para fatores de risco psicossociais
Debates em grupos - família, instituições, comunidade, mídia
Primária Enfrentamento das Prevenção de sequelas físicas e psicossociais
discriminações e à Escolas adequadas, prática de esportes e de artes. Prevenção à
intolerância violência em comunidade escolar e universitária com palestras e
Conhecimentos de campanhas de prevenção
sexualidade humana Campanhas contra uso de psicoativos e de armas
Conhecimentos sobre Prevenção aos transtornos alimentares e às autoagressões
violência e impacto na Políticas de saúde, de Justiça e dos Direitos Humanos
saúde Ensinamentos do tema Violências em cursos em saúde
Secundária Tratamento precoce e Atendimento especializado às vítimas e familiares
eficaz Prevenção de IST** e de gravidez inoportuna.
Redução da morbidade e Equipes de atendimento pré-hospitalar e hospitalar
mortalidade Acompanhamento em saúde mental
Prevenção de sequelas Articulação com outros setores: Educação, Serviço Social, Justiça
psicobiológicas
Terciária Atendimento em Centros de recuperação neurológica e motora
serviços hospitalares e Abrigos e centros de reinserção social
institucionais de maior Acompanhamento com equipe de saúde mental
complexidade Grupos de apoio especializados
Retorno à escola, ao
trabalho,
Reinserção familiar e social
*Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transgêneros, Queer, Intersexo. ** Infecções sexualmente transmissíveis.
Fonte: compilado de United Nations66 e Centro de Informação das Nações Unidas para o Brasil (UNIC Rio).67
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Violência e saúde de adolescentes e jovens – Como o pediatra deve proceder?
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