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MULHERES E O TRÁFICO: MULTIPLAS PUNIÇÕES.

Joice Tesseroli Fadel 1


Ligiane Regina Poruczenyski2
Vanessa Elisabete Raue Rodrigues3

Resumo Compreendendo o crescente número de mulheres encarceradas no Brasil, esta pesquisa


buscou analisar as vivências das mulheres cumprindo pena no regime aberto e Semi-aberto do
Programa Incubadora de Direitos Sociais- Patronato Unicentro- Guarapuava, Paraná,
especificamente das que cumprem por delito relacionado ao tráfico e uso de drogas. O estudo
objetivou discutir a relação da inserção na criminalidade com os fenômenos socioculturais e
econômicos, as violências sofridas no período de reclusão bem como as dificuldades encontradas
por essas mulheres no retorno a sociedade. A partir do histórico das egressas, foi possível observar a
exclusão social que permanecem inseridas após sua soltura, com pouca escolarização, pouca
qualificação para o mercado de trabalho e, ainda, estigmatizadas pelo crime. Para discutir a temática
autores da área foram consultados, além da análise dos relatórios sobre o encarceramento de
mulheres no Brasil e das entrevistas realizadas no Programa, destacando o perfil dessas mulheres,
os fatores propulsores à criminalidade, as marcas deixadas pela prisão e o retorno a sociedade.
Palavras-chave: Mulheres. Criminalidade. Tráfico. Reinserção Social.

Introdução
A população carcerária feminina brasileira tem apresentado um crescimento alarmante de
acordo com os dados presentes no relatório do Levantamento Nacional de Informações
Penitenciárias- Infopen de 2014 referentes ao público feminino. Tal documento coloca o Brasil em
quinto lugar no ranking mundial de encarceramento de mulheres. Sabe-se ainda que o sistema
penitenciário tem sido falho na sua proposta de regeneração da pessoa presa, observando as
questões de superlotação, más condições de subsistência, morosidade nos encaminhamentos dos
processos penais, entre outras mazelas vividas pelo contingente carcerário.
Frente a estas condições, a qualidade nos serviços prestados durante a pena e a garantia de
progressão pelo lapso temporal da pessoa presa, atrelada a utilização do monitoramento eletrônico,
têm se mostrado como algumas possibilidades na redução dos danos causados pelo encarceramento.
Contudo, o estigma gerado pela prisão, ainda, representa uma das maiores dificuldades enfrentadas
pelas pessoas egressas do sistema carcerário ao sair do sistema prisional. As condições das
mulheres encarceradas é, deveras, pior, considerando o encarceramento em um sistema prisional

1
Pedagoga no Programa Incubadora de Direitos Sociais- PATRONATO, Universidade Estadual do Centro Oeste,
Guarapuava, Paraná, Brasil.
2
Graduada em Pedagogia pela Universidade Estadual do Centro Oeste, Guarapuava, Paraná, Brasil.
3
Professora colaboradora na Universidade Estadual do Centro Oeste, Guarapuava e doutoranda pela Universidade
Estadual de Ponta Grossa, Paraná, Brasil.

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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
pensado para homens que não considera as especificidades femininas e o estigma sofrido no retorno
a sociedade. Neste sentido, a investigação procurou discutir a relação da inserção na
criminalidade com os fenômenos socioculturais e econômicos, as violências sofridas no período de
reclusão, bem como as dificuldades encontradas pelas mulheres que cumprem pena no regime
aberto e semiaberto, vinculado ao Programa Incubadora de Direitos Sociais- Patronato Unicentro no
município de Guarapuava, Estado do Paraná4. A especificidade dos sujeitos refere-se às mulheres
que cumprem pena devido a delitos relacionados ao tráfico de drogas5. Compreende-se o cenário de
pesquisa o retorno a sociedade frente a progressão no regime de pena e como fundamentação
teórica autores que tratam do sistema prisional e sua progressão.
Foram utilizados para análise os relatórios sobre o encarceramento de mulheres no Brasil e
as entrevistas realizadas no Programa, destacando o perfil dessas mulheres, os fatores propulsores à
criminalidade e as marcas deixadas pela prisão no retorno à sociedade. A partir do histórico
apresentado por essas mulheres, constatou-se a exclusão social das egressas do sistema prisional,
diante da sua pouca escolarização, pouca qualificação laboral, identificadas pelo seu crime.

Mulheres e o Sistema Prisional


O sistema prisional brasileiro é marcado por uma realidade de pessoas “amontoadas” em
péssimas condições devido à superlotação e má estrutura dos estabelecimentos penais, além de
todas as violações de direitos humanos em relação à dignidade da pessoa humana. No caso das
mulheres, ressalta-se uma dupla exclusão: na sociedade lutam por igualdade de direitos, de salários
e de participação ativa; nos estabelecimentos prisionais, a negação de suas especificidades e sua
invisibilidade no sistema de justiça criminal. Este aspecto demonstra que a exclusão permanece,
pois apenas 7% dos estabelecimentos são femininos e 17% são mistos de acordo com os dados do
INFOPEN 2014.
No município de Guarapuava-PR, as mulheres presas permanecem na Cadeia Pública de
Guarapuava até o julgamento e, em seguida, são transferidas para outras cidades com Unidades
Penais Femininas, onde permanecem até o fim do cumprimento da pena no regime fechado e

4
Projeto Financiado com recursos do FUNDO PARANÁ, Programa de Extensão "Universidade sem Fronteiras"
Subprograma Incubadora dos Direitos Sociais - PATRONATO, conforme TC Nº 007/16 - SETI/ USF/ UGF.
Coordenado pela Professora Me. Sttela Maris Nerone Lacerda.
5
Tráfico de Drogas segundo a Lei 11.343 no Art. 33 é caracterizado por Importar, exportar, remeter, preparar,
produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar,
prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em
desacordo com determinação legal ou regulamentar.

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progressão para o semiaberto, retornando somente no regime aberto. Longe de seus familiares,
impossibilitadas de criar seus filhos, e muitas vezes abandonadas pelos seus companheiros, as
mulheres presas enfrentam um redimensionamento da violência gerada pela prisão.
Diferente do prospecto feminino, para os homens, no município citado, após o julgamento a
cidade conta com duas unidades, a Penitenciária Industrial de Guarapuava- PIG que é destinada a
presos condenados do sexo masculino que cumprem pena no regime fechado e tem capacidade de
alojar 240 presos, oferecendo ao homem apenado a possibilidade de escolarização,
profissionalização e trabalho. E, ainda, o Centro de Regime Semiaberto de Guarapuava (CRAG)
que, na progressão de regime, pode abrigar 320 presos do sexo masculino em alojamentos. Esta
instituição tem parcerias com iniciativas privadas oferecendo aos presos a oportunidade de trabalho.
Também oferece escolarização na modalidade EJA e possibilidade de profissionalização.
Assim destaca-se a realidade de punição e segregação ampliada, no caso das mulheres
encarceradas, frente a suas especificidades totalmente ignoradas, despidas de suas identidades
passam a ser consideradas mais um número na massa carcerária. Para Pimentel (2017, p.67) “o
sistema punitivo, em todo o mundo, guardadas as contingências históricas e geográficas, foi erguido
sob a influência explícita de modelos patriarcais de organização da vida social que situam as
mulheres como objetos e não como sujeitos de direitos”. Ainda de acordo com França (2014, p.
213) a questão da criminalidade feminina ainda não foi suficientemente explorada no Brasil e,
apesar do crescimento do número de encarceramento feminino, a participação da mulher na
criminalidade geral ainda é praticamente invisível. Em relação a mulher como sujeito de estudos
científicos a autora aponta que:
Primeiro estuda-se o homem para depois decidir o que deve ser criado, desenvolvido e
implementado em relação às mulheres, principalmente aquelas oriundas de classes sociais
mais baixas, que têm, comumente, negada a diferença de padrões, de experiência, de
vivência e até mesmo a capacidade intelectual. Estas são provenientes de âmbitos de
silencio, de hierarquia, e sujeitas a várias formas de violência, que não respeitam a idade, a
condição física e emocional (FRANÇA, 2014, p. 2013) .

Levando em conta os apontamentos das autoras, a realidade do sistema carcerário de


Guarapuava e do perfil apresentados no Relatório do Infopen, o qual indica que 50% das mulheres
aprisionadas não concluíram o ensino fundamental, 50% tem idade entre dezoito (18) e vinte e
nove (29) anos, 68% são negras, 57% são solteiras e 58% cumprem pena por tráfico, é possível
compreender a realidade das mulheres no cumprimento da pena. Destaca-se que, grande parte, é
coadjuvante nesse tipo de delito, entendendo que as mulheres encarceradas encontram-se excluídas

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e invisíveis antes de envolver-se no mundo da criminalidade, durante o período de cumprimento da
pena e ainda após sua soltura. Para Barros et al (2011):
No que diz respeito à mulher criminosa, predominantemente são mães, oriundas de famílias
pobres, com baixo nível de escolarização, a maior parte delas são réus primárias,
encontram-se com o Estado no Sistema Penitenciário, em suas trajetórias de vida foram
vitimizadas pela pobreza e pela desigualdade social (BARROS et al, 2011, p.10).

Diante dessa realidade feminina num sistema judiciário criminal de homogeneização e


hierarquia, é preciso considerar que, ao sair deste ambiente, as mulheres, já com histórico de
exclusão e discriminação, são ainda mais estigmatizadas pelo crime. Muitas vezes, abandonadas
pelos parceiros e pela família, encontram grande dificuldade de reinserir-se na sociedade e
desenvolver sua autonomia.

A violência e o abandono no sistema prisional


No que tange a violência gerada no sistema prisional e a violência gerada pela exclusão e
abandono social, seja de familiares ou mesmo de pessoas próximas das mulheres encarceradas, é
possível destacar que há uma vasta quantidade de significados que envolvem a história destas na
prisão. É pertinente apresentar algumas delas neste trabalho, considerando a sua importância no
aspecto impulsionador para o crime e na sua limitação ao retorno a liberdade.
Uma das especificidades apresentadas pela relação crime e gênero feminino é o vínculo do
crime praticado, especificamente o tráfico, com a parceria do companheiro. Ou, em muitos casos,
na opção de assumir o crime pelos seus maridos, namorados ou amásios. Grande parte das mulheres
possuem uma co-dependência afetiva vinculada ao crime, a qual, pelo ápice da escolha, se
encarrega, espontaneamente, de romper com outras relações familiares como pais, irmãos e filhos.
Outras mulheres, contudo, mesmo não relacionando o crime ao afastamento de seus familiares
primários, se distanciam pelos efeitos produzidos pelo encarceramento. Deste modo,
A instituição penal, pelo seu caráter de confinamento, naturalmente estabelece barreiras e
rompimentos entre o mundo do trabalho, da família e das relações afetivas que dificultam e
perturbam o cotidiano prisional. Em função do abandono dos familiares, amigos e,
sobretudo, da separação dos filhos, as experiências de “existência-sofrimento” são
recorrentes e expressas por sentimentos de tristeza, dor, desesperança e solidão (LIMA et
al, 2013, p. 452).

Outro aspecto, acrescido a condição de vínculo familiar e importante na condição do cárcere


feminino está nas relações intramuros, entre presas e entre funcionários. O ambiente adverso
carrega uma condição de agressividade permanente, o qual leva a um aspecto de desconfiança

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contínua. As relações, fragilizadas por estes apontamentos, faz com que as mulheres presas se
sintam cada vez mais despidas de sua dignidade e não tenham segurança para construção de um
projeto extramuros, visto que seus possíveis alicerces entre seus pares familiares, seus pares de
cumprimento de pena ou seus, considerados algozes, funcionários de tutela carcerária, são motivos
de medo e vergonha.
O desdobramento destes significados, que rege a observação nesta análise, se transforma em
danos físicos e psicológicos produzidos pela condição afetiva aflorada, pela ausência de pessoas
queridas, pelo sofrimento no afastamento da maternidade, pelo estranhamento do ambiente de
clausura, pela insegurança, pela tristeza, pelo desconforto de um ambiente insalubre e,
principalmente, por não visualizar um futuro promissor depois da prisão.

Programa Patronato e o atendimento pós-cárcere


Após o cumprimento da pena no regime fechado no município de Guarapuava-Pr os
egressos do sistema prisional são atendidos por uma equipe multidisciplinar das áreas de Direito,
Pedagogia, Serviço Social e Psicologia do Projeto de Extensão Programa Incubadora de Direitos
Sociais- Patronato UNICENTRO que é desenvolvido a partir do convênio entre a Universidade
Estadual do Centro Oeste – UNICENTRO, Secretaria da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior –
SETI e, Secretaria da Segurança Pública e Administração Penitenciária- SESP.
O Programa é destinado ao atendimento de pessoas egressas do sistema prisional e demais
beneficiário no curso da execução da pena. As ações da equipe têm como objetivo oportunizar
condições favoráveis de inclusão e reinserção social, bem como o acompanhamento do
cumprimento das Alternativas Penais. São atendidos atualmente em média 1000 assistidos6, dentre
esses cerca de 8% são mulheres, grande parte delas cumprindo pena por delitos relacionados à
violência, ao uso e tráfico de drogas.
Com vista a delimitar quem são as mulheres assistidas pelo Programa Patronato no pós-
cárcere, os fatores de exclusão e as dificuldades na reinserção social, a presente pesquisa foi
realizada a partir da análise documental das triagens7 realizadas pelas equipes de Pedagogia e
Serviço Social, no período de janeiro de 2016 a maio de 2017, especificamente com mulheres
cumprindo pena por tráfico. A análise tratou dos dados referentes a idade, escolaridade, capacitação

6
São denominados assistidos tanto os egressos do sistema penal quanto os autores de crimes de menor potencial
ofensivo (beneficiados com penas ou medidas alternativas à prisão).
7
Entrevista realizada pela equipe multidisciplinar com os assistidos com o objetivo de traçar o perfil e investigar os
interesses para intervenções, atendimentos, encaminhamentos para a rede e participação nos projetos.

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profissional, situação empregatícia, perfil socioeconômico e maternidade, além das entrevistas de
relato com cinco (05) dessas mulheres.
A análise dos resultados reafirma os dados apresentados no Relatório do Infopen 2014,
sobre o crescente número de mulheres cumprindo pena por tráfico no Brasil e vem de encontro com
a afirmação de Dutra (2012, p.08) o qual aponta que, “o aumento da população carcerária feminina
é significativamente preocupante, pela incrementada quantidade de condenações por tráfico de
drogas, delito que tem colocado cada vez mais as mulheres atrás das grades”. Das oitenta e quatro
(84) triagens realizadas pelas equipes de Pedagogia e Serviço Social, quarenta e uma (41) triagens
são de mulheres cumprindo pena por tráfico, as outras quarenta e três (43) entrevistadas se dividem
entre os delitos relacionados ao furto, lesão corporal, crimes de trânsito, porte de arma dentre
outros.
Das entrevistadas 74% das mulheres tem idade entre dezenove (19) e quarenta (40) anos.
Na esfera educacional, a investigação contribui para compreender os motivos dos altos índices de
evasão escolar como fator de exclusão social. Dentre os motivos relatados à equipe de Pedagogia,
pelas mulheres, estão a necessidade de trabalhar para ajudar no sustento da família, a violência
intrafamiliar, os casamentos e a maternidade ainda na adolescência, o envolvimento com drogas e o
desinteresse pelos estudos, dentre outros. Dessa forma 65% das mulheres que passaram pela
triagem relataram que desistiram dos estudos ainda no ensino fundamental, sendo que a maioria
parou nas séries iniciais, 5% concluíram o ensino fundamental, 15% delas tem o ensino médio
incompleto e somente 12% finalizaram essa etapa. Os dados coletados, ainda, indicam que 3% são
analfabetas e 27% apenas tinham realizado algum curso antes de ser atendida pelo programa.
A vulnerabilidade econômica e social se acentua ao analisar os resultados em relação a
inserção no mercado de trabalho e o perfil socioeconômico das famílias. É certo que a taxa de
desemprego no Brasil vem tomando uma proporção significativa. No entanto, no caso das pessoas
egressas do sistema prisional e, em especial, das mulheres egressas com pouca escolaridade e
qualificação profissional, o estigma como ex-presas revela um resultado alarmante, pois 95% das
mulheres atendidas cumprindo pena por tráfico estão desempregadas. Estas buscam alternativas no
mercado informal do trabalho, mal remuneradas e em situações de precariedade, o que contribui
para a manutenção do perfil baixa renda que todas estão inseridas. É importante ressaltar, que 78%
dessas mulheres são mães e que cabe a elas contribui com parte do sustento da família ou até
mesmo a única responsável por essa tarefa, pois em muitos casos seus companheiros, também,
foram presos por envolvimento com o crime.

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Os resultados do perfil das mulheres egressas cumprindo pena por tráfico no Programa
Patronato de Guarapuava atenta para o estudo de Argüello e Muraro, (2015, p.05) onde indicam que
o “sistema de justiça criminal atua de forma profundamente seletiva, com base na posição social de
vulnerabilidade de pessoa criminalizada, ou seja, de indicadores sociais negativos”. O perfil dessas
mulheres, onde a maioria tem menos de quarenta (40) anos, são mães, com pouca escolaridade,
desempregadas, sem renda fixa, em situação de vulnerabilidade, contribui para o entendimento do
ciclo de discriminação da mulher na sociedade, reproduzida no cárcere e no pós-cárcere no retorno
a sociedade.

Relatos pós-cárcere.
A proximidade do trabalho nas atividades desenvolvidas com mulheres no pós-cárcere, em
especial com projeto de leitura8 desenvolvido desde março de 2016, permitiu conhecer um pouco de
suas histórias. Nos relatos é possível compreender as relações sociais e o meio como maior
propulsor da criminalidade, na maioria das situações trata-se de mulheres envolvidas com vínculos
afetivos e familiares que também cumprem pena, fator que, contribui para a continuidade do ciclo
da criminalidade.
A pesquisa realizada envolveu 05 mulheres que estão participando de um Projeto de
Capacitação profissional9 desenvolvido pelo Programa Patronato na Unicentro. Ficou evidenciado
nos relatos das mulheres aspectos relacionado à punição, em relação à segregação, violência e
principalmente a dificuldade no retorno a sociedade.
As mulheres investigadas apresentam idade entre dezenove (19) e quarenta e seis (46) anos,
quatro (04) são de cor branca e uma (01) de cor parda, todas são mães com filhos dependentes,
possuem escolaridade entre ensino fundamental incompleto e médio incompleto e permanecem
desempregadas. As mesmas permaneceram presas por um período no regime fechado na Cadeia
pública de Guarapuava, ficando encarceradas por tempo entre seis (06) meses a três (03) anos e
um (01) mês, todas saíram de progressão de regime para prisão domiciliar e semi-aberto com
tornozeleira eletrônica. Duas das mulheres relataram gravidez no período do encarceramento.

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O Grupo “Encontro de Leitoras” é desenvolvido pela equipe de Pedagogia com as mulheres assistidas pelo Programa
Patronato em Guarapuava. Tem como objetivo, a partir de leituras, estimular o protagonismo das mulheres no seu
contexto social, suscitar a reflexão crítica da realidade e oportunizar a integração entre a equipe e as participantes. Cada
ciclo tem duração de 8 encontros com temas significativos, onde todas participam na escolha dos temas e nas
discussões.
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Curso de Capacitação em Panificação para qualificação profissional de mulheres egressas do sistema prisional
atendidas pelo Programa Patronato. O Projeto é desenvolvido com recurso adquirido em edital pela Justiça Federal do
Paraná. Portaria nº 2.148/2014, com as alterações da Portaria nº 2.053/2016.

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Em se tratando dos motivos que levaram as mulheres pesquisadas sobre ao envolvimento
com o tráfico elas apontam fatores relacionados à necessidade financeira e a facilidade em ganhar
dinheiro, o envolvimento com pessoas que já estavam no mundo do crime, a prisão de filhos e
outros parentes e a necessidade de seu sustento dentro da prisão e até mesmo como o único meio
para adquirir uma arma para vingar a morte do filho. Ressalta-se que todas assumem a sua
participação e responsabilidade sobre o crime e que as relações sociais contribuíram para a inserção
na criminalidade, duas delas, estão com familiares do sexo masculino que continuam presos pelo
mesmo delito.
O maior sofrimento durante o período do encarceramento destacado pelas mulheres
entrevistadas está na separação do convívio com os filhos, com visitas esporádicas o momento da
despedida era o mais doloroso. França (2014, p. 224) apresenta em sua pesquisa que:
No caso específicos das mães encarceradas, estas são duplamente discriminadas, pois
romperam com dois modelos construídos em torno do conceito de gênero, e ainda presentes
nas sociedades contemporâneas. O primeiro afirma que as mulheres são mais frágeis e
menos perigosas do que os homens; o segundo, que as mães boas cuidam dos filhos durante
anos e jamais os abandonam (FRANÇA, 2014, p.224).

Ainda Segundo Colares e Chies (2010, p.409), “a prisão é um espaço de múltiplas


segregações, a mais evidente é aquela que separa os encarcerados do restante da sociedade”, dessa
forma o único contato que as presas mantém com seus familiares, principalmente com os filhos são
limitados ao momento da visita. A violação dos direitos destas mulheres pode ser percebida desde
o momento da prisão, ao serem vítimas de agressões físicas e verbais, da desconsideração de suas
especificidades como mulheres durante o período encarceradas e da escassez de políticas públicas
que facilitem no retorno a sociedade.
Desta forma é evidente que liberdade tão sonhada e esperada está permanentemente atrelada
a experiência vivida no cárcere, pois se deparam com todos os tipos de preconceito na sociedade,
são vítimas da desconfiança que sempre vão reincidir no crime o que limita suas possibilidades de
reintegração social efetiva. Permanecem no mercado informal do trabalho, quando mesmo com
cursos e escolaridade exigidos para o trabalho não são aceitas ou até mesmo demitidas sabendo que
a causa é o estigma de ex-encarcerada.
A discriminação é constante segundo seus relatos, seja na escola dos filhos, por familiares
que se afastaram, na falta de oportunidade de trabalho e assim afirmam que, ninguém as percebe
como pessoas que estão tentando mudar de vida e sempre como uma criminosa, mesmo saindo da
prisão permanecem cumprindo uma dolorosa pena pelas marcas deixadas pelo cárcere.

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Considerações finais
Analisar a questão da mulher cumprindo pena no Brasil por tráfico de drogas, é sobretudo
analisar a seletividade do sistema de justiça criminal em punir. O perfil e a história destas mulheres
contribui para compreender quem são as mulheres criminalizadas; mães, com pouca escolaridade,
pouca qualificação para o trabalho, inseridas em contextos de criminalidade e violência. Carvalho
(2016 p.59) aponta que, com a política de aprisionamento de mulheres por tráfico de drogas, foram
“presas em atacado mulheres que endolovam e/ou vendiam drogas no varejo, sendo as frágeis ponta
de um real esquema de tráfico que permanece estruturado e atuante, mesmo quando elas são
capturas pela polícia”.
O retorno à sociedade destas mulheres egressas do sistema prisional é marcado pela
continuidade da punição do cárcere, o estigma de ex-presa e o preconceito são barreiras que
oferecem dificuldades em retomar suas vidas. Os fatores de exclusão social em que são estavam
inseridas mesmo antes de cometerem o delito e a falta de acesso a políticas públicas parecem se
agravar.
Dessa forma as ações da equipe multidisciplinar no Programa Patronato buscam atender as
diferentes necessidades e especificidades das assistidas pelo programa, a partir dos atendimentos,
dos encaminhamentos para a rede educacional, sócio assistencial e de saúde. A equipe de Pedagogia
busca através dos projetos de capacitação profissional ofertar a possibilidade de reinserção social e
diminuir os índices de reincidência criminal.
As dificuldades encontradas pelas mulheres no retorno a sociedade são percebidas nas ações
da equipe, na falta de recursos próprios para desenvolver as ações, na dificuldade em firmar
parcerias para encaminhar para cursos e para o mercado de trabalho, desta forma, o retorno a
sociedade é marcado pela exclusão social, as mulheres permanecem na informalidade do trabalho
com trabalhos mal remunerados em situações muitas vezes precárias, por períodos curtos e de
pouca rentabilidade para o sustento das famílias, permanecendo esquecidas e invisíveis na
sociedade.

Referências

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Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
Women and trafficking: multiple punishments.

Astract: Understanding the increasing number of incarcerated women in Brazil, this research
sought to analyze the experiences of women serving sentences in the open and semi-open system of
the Incubadora dos Direitos Sociais Program – Patronage: UNICENTRO - Guarapuava, State of
Paraná, specially of those who committed a crime related to trafficking and drug addiction. The
study aimed to discuss the relationship between the insertion in crime with socio-cultural and
economic phenomena, the violence suffered during the period of confinement and the difficulties
encountered by those women in returning to society. From the history of the women who left the
prison system, it was possible to observe the social exclusion that remain inserted after their release,
with little schooling, little qualification for the job market and, they still stigmatized by the crime.
In order to discuss the theme, authors were consulted, as well as the analysis of the reports on the
imprisonment of women in Brazil and the interviews made in the Program, highlighting the profile
of these women, the factors driving crime, the marks left by the prison and the return to society.
Keywords: Women. Crime. Traffic.Social Reintegration.

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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

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