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ESCOLA BRASILEIRA DE MEDICINA CHINESA – EBRAMEC

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO
LATO SENSU EM TAI JI QUAN

MOIZES TORQUATO

ESTUDO SOBRE A SEGUNDA DAS OITO VERDADES DO


TAI JI MENCIONADAS POR WAYSUN LIAO:
“TEU CORPO INTEIRO DEVE SER TRANSPARENTE E
VAZIO. DEIXA QUE O INTERIOR E O EXTERIOR SE
FUNDAM E TORNEM-SE UM SÓ”.

SÃO PAULO
ANO 2010
MOIZES TORQUATO

ESTUDO SOBRE A SEGUNDA DAS OITO VERDADES DO


TAI JI MENCIONADAS POR WAYSUN LIAO:
“TEU CORPO INTEIRO DEVE SER TRANSPARENTE E
VAZIO. DEIXA QUE O INTERIOR E O EXTERIOR SE
FUNDAM E TORNEM-SE UM SÓ”.

Monografia apresentada como requisito para


avaliação do Curso de Pós-Graduação Lato Sensu
(Especialização), em Tai Ji Quan, da Escola
Brasileira de Medicina Chinesa.
Orientador: Prof. Dr. Reginaldo de Carvalho Silva
Filho, Fisioterapeuta e Acupunturista, Doutorando
em Medicina Interna pela UNIFESP.
Co-Orientador: Prof. Especialista e Jornalista Levis
Litz.

SÃO PAULO
ANO 2010
ESCOLA BRASILEIRA DE MEDICINA CHINESA - EBRAMEC
AGRADECIMENTOS

Inicialmente agradeço aos Profs. Levis Litz, co-orientador, e


Roseli Paciórnik, por terem-me prestado dedicada atenção e
constante encorajamento no transcurso deste trabalho.

Ao Prof. Alberto Garcia Bertoli, por sua


paciência e dedicação na revisão desta monografia.

À minha esposa Maria de Lourdes C. Torquato, por seu


incansável apoio e versão do resumo deste trabalho para o
Inglês.
SUMÁRIO

AGRADECIMENTOS
RESUMO EM LÍNGUA PORTUGUESA
ABSTRACT
SUMÁRIO

I – INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 7

II – DAO (TAO) ...................................................................................................................... 10

III – UNIDADE ....................................................................................................................... 12


III.1 – Vazio (Wu Ji).................................................................................................................. 12
III.2 – Qi .................................................................................................................................... 13
III.3 – Dualidade (Yin e Yang) .................................................................................................. 16
III.4 – Tai Ji (T’ai Chi) .............................................................................................................. 19

IV – TAI JI QUAN (T’AI CHI CH’UAN) ........................................................................... 23


IV.1 – A Estrutura Interior ....................................................................................................... 25
IV.2 – A Forma Externa ........................................................................................................... 28

V – TEU CORPO INTEIRO DEVE SER TRANSPARENTE E VAZIO.


DEIXA QUE O INTERIOR E O EXTERIOR SE FUNDAM E TOR-
NEM-SE UM SÓ............................................................................................................ 34
V.1 – Teu Corpo Inteiro Deve Ser Transparente e Vazio ......................................................... 34
V.2 – A Fusão do Interior com o Exterior, Tornando-se Um Só .............................................. 39

VI – CONCLUSÕES .............................................................................................................. 44

VII– CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 46

VIII–REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 48
VIII.1 – Endereços Eletrônicos ................................................................................................. 49
RESUMO

Um dos significados da palavra chinesa Tai Ji é: a junção de todas as coisas manifestadas, o


universo em unidade. A expressão corporal e arte marcial denominada Tai Ji Quan almeja fazer com
que o homem (microcosmo) vivencie sua unidade com o macrocosmo. Tendo em vista a escassez de
material bibliográfico específico no sentido de como alcançar essa meta, este trabalho teve como
tema: Estudo Sobre a Segunda das Oito Verdades do Tai Ji, mencionadas por Waysun Liao: “Teu
corpo inteiro deve ser transparente e vazio. Deixa que o interior e o exterior se fundam e tornem-se
um só”. Teve por finalidade apresentar pesquisa bibliográfica fornecendo informações aplicáveis à
referida expressão corporal e arte marcial. Partiu-se de uma reflexão em relação ao Dao e de
menções de cunho científico a respeito da unidade do cosmo e, sendo a expressão corporal e arte
marcial do Tai Ji Quan enraizada na Filosofia Taoísta e na cultura chinesa, seguiu-se pelo estudo de
alguns conceitos a estas inerentes, perscrutando-se sobre os significados das palavras: “unidade”,
“vazio (wu ji)”, “qi”, “dualidade (yin/yang)”, “Tai Ji” e “Tai Ji Quan”, culminando-se, com o estudo
específico a respeito da segunda das “Oito Verdades do Tai Ji”, em que foi evidenciada a
importância do relaxamento, da quietude, da meditação, da coordenação corpo-mente, e da
compreensão e encontro do “eixo” e do “espaço”. Por fim, o trabalho chegou à conclusão no sentido
da validação sobre a possibilidade de se vivenciar essa segunda das Oito Verdades do Tai Ji nas
práticas do Tai Ji Quan.

Palavras-Chave: Taijiquan. Eixo. Meditação. Unidade.


ABSTRACT

One of the meanings of the word Tai Ji is “the coming together of all manifested things, the universe
in unity”. The martial art and form of body expression known as Tai Ji Quan seeks to enable man
(the microcosm) to experience his unity with the macrocosm. In view of the dearth of literature
about how such a goal can be achieved, this study took as its subject the second of the Eight Truths
of Tai Ji mentioned by Waysun Liao, which states that “Your entire body should be transparent and
empty. Let inside and outside fuse together and become one”. The aim of the study was to present
the results of a review of the literature and to provide information related to this form of body
expression and martial art. The study used a reflection on the “Dao” and references of a scientific
nature to the unity of the cosmos as its starting point. As the body expression and martial art that
constitute Tai Ji Quan are rooted in Taoist Philosophy and Chinese culture, several concepts
inherent to these were then studied, and a detailed examination of the meaning of the words “unity”,
“emptiness (wu ji)”, “qi”, duality (yin/yang)”, “Tai Ji” and “Tai Ji Quan”, culminating in a specific
study of the second of the Eight Truths of Tai Ji, in which the importance of relaxation, quiet,
meditation and body-mind coordination as well as understanding and finding the “axis” and “space”
was shown. Lastly, the study concludes by confirming that the second of the Eigth Truths of Tai Ji
can be experienced to the practices of Tai Ji Quan.

Keywords: Taijiquan. Axis. Meditation. Unity.


7

I – INTRODUÇÃO

No final do século passado, disse Rohden (1990), que os maiores médicos e psiquiatras do
mundo haviam confessado que grande parte da humanidade se encontrava neurótica, frustrada ou
esquizofrênica, mencionando que “o Dr. Victor Frankl, diretor da POLICLÍNICA NEUROLÓGICA
da Universidade de Viena, em diversos livros, traz estatísticas pavorosas sobre essa calamidade do
homem civilizado dos nossos dias. E dá também o diagnóstico do mal: a falta de uma consciência
de unidade” (p. 29).
Diante dessa questão, percebe-se que também o governo tem demonstrado preocupação com
a qualidade de vida da população, estabelecendo diretrizes no sentido de incrementar a saúde, seja
física ou mental. Para tanto, o Ministério da Saúde, considerando o inciso II do art. 198 da
Constituição Federal, que dispõe sobre a integralidade da atenção à saúde como diretriz do Sistema
Único de Saúde – SUS e considerando o parágrafo único do art. 3º da Lei nº 8.080, de 1990, que
dispõe sobre as ações de saúde destinadas a garantir às pessoas e à coletividade condições de bem-
estar físico, mental e social; no Anexo I da Portaria nº 687/GM, de 30 de março de 2006, registra
que a Política Nacional de Promoção da Saúde compreende que as Práticas Corporais são
expressões individuais e coletivas do movimento corporal advindo do conhecimento e da
experiência em torno do esporte, da luta, da ginástica, do jogo e da dança. São possibilidades de
organização, escolhas nos modos de relacionar-se com o corpo e de movimentar-se, que sejam
compreendidas como benéficas à saúde de sujeitos e coletividades incluindo as práticas de
caminhadas e orientação para a realização de exercícios, e as práticas terapêuticas, esportivas e
lúdicas, como o Tai Ji Quan (T’ai Chi Ch’uan), entre outros.
As práticas da expressão corporal e arte marcial chinesa Tai Ji Quan baseiam-se na natureza –
da observação de animais. Suas raízes encontrarem-se na antiga China, entretanto se tratam de
práticas bastante indicadas para os ocidentais como um expoente da MTC (Medicina Tradicional
Chinesa). São compostas de movimentos circulares sem impacto corporal, concomitantes e
respiratórios, que vão relaxando o corpo à medida que são efetuados, sem utilização de força física.
As seqüências apreendidas dos movimentos são contínuas, delicadas e circulares, desenvolvendo o
alongamento do corpo e ativando a circulação sangüínea e energética do praticante, além de relaxar
os músculos e promover uma melhora na oxigenação do sangue. Alguns dos benefícios do Tai Ji
Quan são: o relaxamento da mente e do corpo, também auxilia a digestão, acalma o sistema nervoso,
é benéfico para o coração e a circulação sanguínea, além de tornar flexíveis as articulações.
O Tai Ji Quan é uma expressão corporal e uma arte marcial derivada do pensamento taoísta,
tendo seu trabalho interior e energético baseado nos conceitos e técnicas da alquimia interior taoísta.
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Como conseqüência suas práticas são disciplinadas por certos princípios, verdades e virtudes, que
foram vivenciadas e transmitidas por valorosos mestres no transcorrer dos séculos.
Entre elas encontramos “As Oito Verdades do T’ai Chi” (Tai Ji) mencionadas por Liao
(2003, p. 129), que são:

1. Não te preocupes com a forma. Não te preocupes com os modos pelos quais a forma se manifesta. O
melhor é esquecer a tua própria existência.
2. Teu corpo inteiro deve ser transparente e vazio. Deixa que o interior e o exterior se fundam e tornem-
se um só.
3. Aprende a ignorar os objetos externos. Segue o caminho natural. Deixa-te guiar pela tua mente e age
espontaneamente, de acordo com o momento.
4. O Sol se põe na montanha ocidental. O penhasco se projeta para a frente, suspenso no espaço.
Contempla o oceano em sua vastidão e o céu em sua grandeza.
5. O rugido do tigre é grave e poderoso. O grito do macaco é agudo e estridente. Assim deves refinar o
teu espírito, cultivando o positivo e o negativo.
6. A água da fonte é clara como o mais fino cristal. A água do lago é plácida e imóvel. Tua mente deve
ser como a água, e teu espírito, como a fonte.
7. Rugem as águas do rio; fervilha o tempestuoso oceano. Faz com que o teu ch’i se assemelhe a essas
maravilhas da natureza.
8. Busca sinceramente a perfeição. Dá um fundamento à tua vida. Quando tiveres estabelecido o espírito,
poderás cultivar o ch’i.

Este trabalho versa sobre o estudo a respeito da segunda dessas “Oito Verdades do Tai Ji
(T’ai Chi)”, cujo enunciado, então, é: “Teu corpo inteiro deve ser transparente e vazio. Deixa que o
interior e o exterior se fundam e tornem-se um só”.
Contudo é difícil para o leigo imaginar um corpo humano inteiro transparente e vazio assim
como uma fundição do interior com o exterior, tornando-se um só, parecendo sugerir alguma
espécie de meditação.
As poucas e esparsas referências bibliográficas sobre o assunto por si só justificariam a
escolha deste tema para investigação. Além disso, por ter trilhado pelos fundamentos filosóficos do
Tai Ji Quan, esta pesquisa pode ajudar a compreender mais facilmente o significado do enunciado
objeto do estudo. Nesse sentido é possível inferir-se que ela seja de fundamental importância para o
Curso de Pós-Graduação em Tai Ji Quan, e também a pesquisadores da área, assim como a
professores e praticantes dessa arte milenar, e para a sociedade como um todo.
Portanto, como objetivo geral, espera-se evidenciar detalhes das informações pertinentes ao
tema para que melhor atendam ao processo eficiente e mais embasado de pesquisa a pesquisadores
da área, bem como possibilitar melhor compreensão de como praticar o Tai Ji Quan, e também
auxiliar professores, alunos, e demais praticantes dessa arte milenar com mais este embasamento
teórico em relação ao enunciado contido no tema. E, através desse objetivo, o específico foi o de
fornecer informações que possam possibilitar a aplicação e/ou vivência da segunda das oito
verdades do Tai Ji” nas práticas do Tai Ji Quan.
Diante disso, este estudo teve como questão norteadora o seguinte ponto: – É possível
vivenciar a segunda das oito verdades do Tai Ji nas práticas do Tai Ji Quan?
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E a hipótese levantada frente a esta pergunta foi:

 A prática de meditação, em separado, é necessária para que se consiga vivenciar essa


verdade do Tai Ji.

Sendo a expressão corporal e arte marcial do Tai Ji Quan enraizada na Filosofia Taoísta e na
cultura chinesa, tornou-se necessário estudar alguns conceitos a estas inerentes para que se pudesse
obter uma melhor compreensão do enunciado objeto do tema. Para tanto houve necessidade de, pelo
menos, refletir-se em relação ao “Dao” e perscrutar-se sobre os significados das palavras:
“unidade”, “vazio (wu ji)”, “qi”, “dualidade (yin/yang)”, “Tai Ji” e “Tai Ji Quan”.
Desta forma, o próximo capítulo (capítulo II) trata de reflexões sobre o Dao; o capítulo III
caminha no sentido de abordar o mecanismo pelo qual é desenvolvido o conceito de unidade no
taoísmo, abarcando os conceitos de “vazio (wu ji)”, “qi”, “dualidade (yin/yang)” e “Tai Ji”; o
capítulo IV discorre a respeito do Tai Ji Quan; no capítulo V realiza-se uma análise específica sobre
o enunciado constante do tema: “Teu corpo inteiro deve ser transparente e vazio. Deixa que o
interior e o exterior se fundam e tornem-se um só”; o capítulo VI tira conclusões a respeito deste
estudo. E, no capítulo VII, as Considerações Finais. As referências estão contidas no capítulo VIII.
Assim este trabalho teve como método a pesquisa bibliográfica.
Para diferenciar algumas palavras de seu sentido comum, optou-se por grafá-las com
maiúsculas, a fim de representá-las metaforicamente, quando apropriado.
E, com exceção das citações e das palavras taoísmo e taoista, estas últimas mantidas
com essas grafias mais conhecidas por serem amplamente difundidas com esses formatos,
procurou-se grafar a tradução das demais palavras chinesas pelo sistema ortográfico Pin Yin.
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II – DAO (TAO)

O texto mais representativo da filosofia taoista é o Daodejing (Tao Te Ching), o livro de vida
taoista, de Lao Zi, que, segundo Lin (1994, p.16), seria o mais traduzido no mundo, depois da
Bíblia. O mesmo mestre afirmou que esse livro, composto por cinco mil ideogramas e na forma de
oitenta e um poemas, tem o seu sentido original taoista muito desvirtuado pelas inúmeras traduções
indiretas de várias línguas e pela falta de compreensão do Dao (Tao) por parte dos próprios
tradutores. Entendedor do coração taoista de Lao Zi, brindou-nos com sua tradução direta do chinês
para o português, com relação ao primeiro poema, do que se extrai que o Dao seria inominável,
indefinível:

O Tao revelado como o Tao


Não é o verdadeiro Tao.
O inominável
Nenhum nome pode nomear.
Vazio:
Início de céu e terra.
Existência
A mãe da infinidade de seres.
A permanência no vazio eterno
Leva ao vislumbre do centro.
Na dualidade a mesma raiz:
Uma origem com dois nomes.
Mistério do vazio e da existência:
Mistério do mistério.
Porta que leva à origem dos mistérios.

Os chineses não escrevem com letras como nós, mas usam ideogramas, que exprimem idéias.
Assim, cada palavra chinesa permite inúmeras possibilidades de sentido, devendo ser interpretada de
acordo com o contexto.
Diante disso dizem os estudiosos que o ideograma originário da palavra que para os chineses
soa como “Dao” para nós significaria “estrada”, “trilha”, “caminho” (Cherng, 2000, p.12);
“caminho, o fluxo, a corrente ou o processo da natureza” ou “o Caminho da Água” (Watts, 2003, p.
72); “sentido” (Jung et Willhelm, 2007, p. 36), dentre outros.
Se o Dao é inominável, indefinível, não se pode expressa-lo, mas apenas senti-lo. Assim, não
se pode desvirtuar o Dao com tentativas de definições, porém extrai-se que ele conteria em si a
essência, a potencialidade, a fonte, a trilha de ida e de retorno, o princípio e o fim de todas as coisas,
embora ele próprio não tenha princípio nem fim. Não existe. Simplesmente É.
Do texto do Hua Hu Ching, versão de Ni (1997, p.102), consta que:

O desenvolvimento do universo é a sua própria lei, a sua própria razão e o seu próprio mundo como a
totalidade da vida única. Portanto à mente narrativa ele é inominável e está além de toda descrição. Por
outras palavras, observando o universo físico exterior e seus movimentos, podemos descobrir o universo
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físico e seus mecanismos. Com aguçada visão, os seres espiritualmente desenvolvidos podem perceber a
lei, a verdade, a razão e o percurso da essência que nasce de si mesma, funciona por si mesma, gera-se e
regenera-se a si mesma, essência que pertence ao mundo multinatural, e esses seres usam a linguagem
simples para chama-la de Tao.

O Dao em estado latente seria como um vazio (wu ji), um espaço, um silêncio, a ausência que
permite a presença de todas as coisas. O espaço permite a presença dos objetos. O silêncio permite o
surgimento do som.
O Dao em estado manifestado estaria presente em todas as coisas, o tempo todo. Estaria na
essência de todas as coisas e não na sua forma diversificada (Cherng, 2000, p. 31-32).
A soma de tudo o que existe dá um. Tudo o que está além do que se pode imaginar é o zero.
O Dao seria exatamente o zero mais um! (Cherng, 2000, p. 53).
De acordo com o pensamento taoísta, do Dao, que em estado latente seria como um vazio,
teria surgido a unidade (sem forma); da unidade gerou-se a dualidade, os opostos, yin e yang, que se
atraem e se complementam; do movimento harmonioso de atração e complementação dos opostos
entre si, acontece a integração de ambos, formando o Tai Ji, que, por sua vez, dá vida, existência, a
todas as coisas, incluindo o homem. Desta forma o Tai Ji conteria todas as coisas reunidas. Seria a
unidade de todas as coisas. Esta, por seu turno, possui na sua essência a energia ou o sopro qi, que
permeia o vazio, interpenetrando todas as coisas, formando a unidade.
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III – UNIDADE

No que concerne à ciência, pode-se mencionar que a Física quântica tem dado importantes
sinais indicando pistas de transparência, do vazio e da unidade.
Conforme Capra (2004), se um átomo tivesse o tamanho da maior abóbada do mundo – a
abóbada da Catedral de São Pedro, em Roma –, o seu núcleo seria do tamanho de um grão de sal.
“Um grão de sal no centro da abóbada da Catedral de São Pedro e poeira girando em torno dele: eis
uma imagem do núcleo e dos elétrons de um átomo” (p. 56). Portanto, o restante do átomo seria um
imenso vazio.
O mesmo Capra (2004, p. 57) menciona que “as unidades subatômicas da matéria são
entidades extremamente abstratas e dotadas de um aspecto dual. Dependendo da forma pela qual as
abordam, aparecem às vezes como partículas e às vezes como ondas”, natureza dual essa que é
igualmente exibida pela luz.
E, na seqüência (p. 58), explica:

No nível subatômico os objetos materiais sólidos da Física clássica dissolvem-se em padrões de


probabilidade semelhantes a ondas; esses padrões, em última instância, não representam probabilidades
de coisas mas, sim, probabilidades de interconexões. Uma análise cuidadosa do processo de observação
na Física atômica tem demonstrado que as partículas subatômicas não possuem significado enquanto
entidades isoladas, somente podendo ser compreendidas como interconexões entre a preparação de um
experimento e sua posterior medição. A teoria quântica revela, assim, uma unidade básica no universo.
Mostra-nos que não podemos decompor o mundo em unidades menores dotadas de existência
independente. À medida que penetramos na matéria, a natureza não nos mostra quaisquer “blocos de
construção” isolados. Ao contrário, surge perante nós como uma complicada teia de relações entre as
diversas partes do todo. Essas relações sempre incluem o observador, de maneira essencial. O observador
humano constitui o elo final na cadeia de processos de observação, e as propriedades de qualquer objeto
atômico só podem ser compreendidas em termos de interação do objeto com o observador. Em outras
palavras, o ideal clássico de uma descrição objetiva da natureza perde sua validade. A partição cartesiana
entre o eu e o mundo, entre o observador e o observado, não pode ser efetuada quando lidamos com a
matéria atômica. Na Física atômica, jamais podemos falar sobre a natureza sem falar, ao mesmo tempo,
sobre nós mesmos.

Embora a idéia de unidade esteja presente, também, em outras filosofias, para este estudo é
necessário verificar-se como ela se forma no taoísmo, cuja filosofia nos ensina que todos os
acontecimentos do universo se realizam como se fossem espetáculos que ocorrem dentro de um
palco, de um vazio.

III.1 - Vazio (Wu Ji)

Wu Ji (Wu Chi) é a palavra chinesa que denomina o vazio. É o Dao em estado latente,
anterior a toda manifestação (Cherng, 2008, p. 54, nota 34). Refere-se à predisposição para que
13

todas as coisas possam ser manifestadas (Cherng 2000, p. 53). Não é a ausência de algo. É um
estado de pura consciência. É o que permite que tudo se manifeste, está em tudo o que se manifesta;
existe antes da manifestação e permanece depois dela (Cherng, 1998 , p. 17).
No ensinamento de Lin (1994, p. 16), o vazio, o Wu Ji “não é a não-existência, mas é a
existência misteriosa que gera a existência”, isto é, possui o potencial capaz de gerar a existência.
Chia (2005, p. 32-33), ensina que:

Segundo a cosmologia taoísta, antes do início do universo manifesto, existia um estado de total
vacuidade. Nesse estado primordial, nada se movia. O conceito relativo de tempo não vale para o estado
primordial, pois não havia nada que servisse de referencial para o tempo. Tudo era um vazio.
Os antigos taoístas lhe deram um nome. Chamava-se wu chi. Wu significa ausência, negação, vacuidade.
O chi de wu chi, embora seja grafado nas línguas ocidentais do mesmo modo que a palavra que significa
força vital, é em chinês uma palavra totalmente diferente. O chi de wu chi significa “mais alto” ou
“sublime”. Wu chi, então, significa “estado sublime de vacuidade”.

No dizer de Otsu (2006, p. 98), o vazio é “o ‘espaço potencial’ onde tudo pode surgir e
desaparecer. Vazio nesse sentido significa ‘Potencial’, ‘Potência’, ‘Poder’, ‘Berço’, ‘Útero’,
‘Grande Mãe’, ‘Origem’”.
Então o vazio, o espaço, é o princípio, o palco que permite o acontecimento de tudo o que
ocorre no mundo fenomênico.
No início só havia o Wu Ji, o vazio, inerte, porém permeado por uma substância sutil, um
sopro ou energia primordial denominada qi.
Assim, parece sensato dizer-se que Wu Ji, ou o vazio, seria o campo de atuação da energia
primordial ou sopro qi.

III.2 - Qi (Ch’i)

O mestre Liu Pai Lin, em suas palestras, mencionava que (o significado da palavra chinesa qi
mais se identifica com “sopro”). Segundo Liao (2003, p. 27) significaria “ar”, “poder”,
“movimento”, “energia” ou “vida”. Diz, ainda, que segundo a teoria do Tai Ji, o significado correto
de qi seria “energia intrínseca”, “energia interna” ou “energia original, eterna e suprema”.
Cheng (2008, p. 283) afirma que o caractere em uso atualmente, o qual designa a palavra qi
parece simbolizar vapor elevando-se acima do arroz que está sendo cozido. E assinala que a palavra
qi é empregada, fundamentalmente, como o sopro da vida.
De acordo com Liao (2003, p. 36):

O ch’i não é um elemento entre outros, mas a origem de todas as coisas. Nem sequer cria a si mesmo,
pois, sendo imune às leis da criação e da destruição, existe perpetuamente. Por isso, os que negam a
14

existência do ch’i percebem que, por mais numerosos que sejam os seus argumentos, a compreensão que
têm desse conceito está muito distante da realidade.
(...)
A idéia de que há uma formação energética última que escapa às interpretações convencionais da
existência e, logo, foge também às limitações do espaço e do tempo, parece contraditória consigo mesma
e inaceitável para a razão humana. Não obstante, essa idéia é o fundamento do T’ai Chi, o princípio
básico do Taoísmo e o alicerce sobre o qual se ergue toda a cultura chinesa.

E, de acordo com a concepção chinesa, tudo o que existe no universo estaria permeado por
esse sopro ou energia primordial qi, que preenchia e preenche o vazio do Dao. Num impulso, qi se
dividiu em duas polaridades: yin e yang. Da interação dessas duas polaridades ou sopros, que se
atraem e se complementam, ocorreu novamente sua integração ou reunião num todo harmônico,
formando o Tai Ji, gerador de todas as coisas, que são, assim, interpenetradas e reunidas por esse
sopro ou energia primordial, formando a unidade, o todo único.
Jahnke (2005, pp. 23-24), cita ensinamento que recebeu da Dra. Chang Yi Hsiang na Tai
Hsuan School of Chinese Medicine, em Honolulu, Havaí:

Antes do mundo existir, antes da infinidade de coisas existirem, o universo primordial era um vasto
oceano indistinto de possibilidades... um ‘nada’ ilimitado conhecido como Wuji. Esse cosmo eterno, a
origem de todos os acontecimentos, seres e coisas, é permeado por um recurso sutil, penetrante, invisível:
o Qi. Profundamente entranhado nessa piscina infinita e contínua de nenhuma realidade e possibilidades
infinitas, movimentava-se um impulso que acabou por excitar o ‘nada’ até que este se diferenciasse e se
tornasse ‘algo’. De repente, a luz surgiu em contraste com a escuridão. O vácuo e a matéria nasceram e
foram permeados pelo onipresente Qi. Originalmente, no seu surgimento avolumavam-se gases
cósmicos, estrelas, planetas. Muito, muito tempo depois vieram os seres vivos.
(...)
Até hoje as estrelas, os planetas, os elementos, as plantas, os seres vivos e nós mesmos; tudo o que existe
se movimenta dentro daquele campo original de Qi e é penetrado e influenciado por ele. O Qi é que faz
com que os planetas mantenham as suas órbitas ao redor do sol, É o Qi que faz com que cada floco de
neve seja diferente e o Qi é que produz as fases da lua e as marés. O Qi mantém a nossa saúde e o Qi é a
força que está por trás da inteligência e das emoções. O Qi é a vitalidade que causa a evolução de um
embrião minúsculo de células divididas para amadurecer na forma de um ser humano em tamanho
natural. O desejo do Qi da terra de se elevar e se fundir com o Qi do céu é o que leva um pequeno broto a
sair da semente... para cima, apesar da força da gravidade... e se tornar uma árvore gigantesca. O Qi é
conhecido pela expressão que encarna: o processo de cura, a criatividade que produz poesia e arte, a
transformação dos girinos em rãs e das lagartas em borboletas. O Qi é a força vital, energia e
consciência... é a essência por trás de todos os efeitos e influências e acontecimentos, assim como de
todos os elementos, materiais e objetos”.

No ensinamento de Rochat de la Valée et Larre (2007, p. 69), qi, o sopro, seria a forma sem
forma determinada, que aceita se tornar todas as formas:

A concepção chinesa fala do Céu e da Terra somente numa relação de oposição, de contraste, de
complemento e para uma compenetração. Uma vez estabelecido que o Céu em mim é virtude e determina
o nível Um, a Terra em mim é aquilo que recebe e carrega esta virtude, dando-lhe formas que sempre
evoluem docilmente.
Porém – e isto pode surpreender – a forma não é a única maneira de representar a Terra acolhendo a
vertedura do influxo celeste. A Terra é uma grande provedora de formas onde se alojam os dons do Céu;
porém, antes de falar em formas específicas, é preciso introduzir a forma sem forma determinada, aquela
que aceita tornar-se todas as formas: os sopros.
15

Detenhamo-nos, por um momento, neste fato notável: a única forma que pode ser verdadeiramente
oposta, contrastada, complementar e compenetrada para e pela imensa virtude do Céu é a forma de todas
as coisas: o Sopro.
Usamos o singular: o Sopro, para apagar as peculiaridades através do efeito abstrativo de toda
generalização. Mas fazemos uso do plural: os sopros, para compreender que se trata, no ser concreto, dos
responsáveis tanto pela constituição quanto pela animação do vivente. Quer digamos o Sopro, ou os
sopros, trata-se sempre de uma compenetração e de uma troca yin/yang.

Então, todas as coisas, todos os seres vivos, todos os planetas, se encontram permeados e
unificados por essa energia ou sopro qi, essência interpenetrante que a tudo dá vida. Assim não
existe delimitação entre os seres humanos e o resto do mundo.
No dizer de Cheng (2008, p. 283-284), citando Isabelle Robinet:

O universo se autocria perpetuamente numa evolução constante (uma de suas denominações é ‘as dez mil
transformações’), em perpétua gênese e perpétuo devir, a partir de um material único, o Sopro (ou
energia) primordial, que não é nem matéria nem espírito”. Cada coisa nada mais é do que um aspecto ou
um estado de maior ou menor condensação.

Em seguida cita Zhuang Zi, que diz: “O homem deve a vida a uma condensação de qi.
Enquanto ele se condensa, é a vida; mas, logo que se dispersa, é a morte”, ou seja, o retorno ao
estado de potencialidade indefinida.
A respeito do qi, Chia (2005, p. 33), menciona que:

Chi, ou força vital, é o fundamento de todas as práticas taoístas, assim como a eletricidade é o
fundamento da civilização moderna. Sem eletricidade, praticamente todo aspecto do nosso moderno
estilo de vida paralisa. Do mesmo modo, sem chi, a vida da pessoa chega a um fim abrupto.
Chi pode ser definido como bioeletricidade, força vital, vitalidade ou simplesmente energia. Chi é tudo
isso, mas não é exclusivamente nenhum desses itens. Assim como a eletricidade é ainda incompreensível
para os cientistas em todos os seus aspectos, o chi está além da compreensão intelectual.
Segundo os antigos taoístas, o chi se encontra no ar que respiramos, embora não seja somente oxigêncio
nem nenhum dos outros componentes gasosos da atmosfera. O chi também se encontra nos alimentos que
comemos, embora não seja simplesmente uma vitamina, um mineral ou um carboidrato que podemos
isolar quimicamente. O chi é absorvido pelo alimento que ingerimos por meio do processo da
fotossíntese, embora não seja a luz do sol nem nenhum outro tipo de raio detectável pelos modernos
aparelho de medição.
Chi é a essência do alimento que comemos e do ar que respiramos, o verdadeiro nutriente do corpo.
Quando respiramos ou comemos, introduzimos o chi no organismo. Sem o chi, não existe vida.

E, “na Medicina e na Terapia Chinesa, o estudo sobre a parte energética é chamado de ‘a


Ciência do CHI-MAI’. CHI significa, literalmente, ‘sopro’, que tem sentido, simultaneamente, de ar
e bio-energia; MAI significa ‘canais’, por onde circula essa energia” (Cherng, 1998. p. 24).
Sendo assim, essa energia ou sopro qi circula no corpo humano por diversos canais. Por
estudiosos e praticantes da Medicina Tradicional Chinesa do ocidente esses canais são comumente
denominados “meridianos”. Estes, por sua vez, podem ter a qualidade yin ou yang. Se houver
equilíbrio na circulação dessas energias ou sopros (yin e yang), há saúde. O seu desequilíbrio causa
enfermidade.
16

III.3 - Dualidade (Yin e Yang)

O qi primordial é que proporciona a profunda unidade que impregna o universo. Essa


substância primordial é única, porém a sua manifestação no mundo fenomênico se dá pela interação
e movimento de suas duas qualidades ou polaridades: yin e yang.
Como ensinam Faubert et Crepon (1990, pp. 23-24):

Se nos reportarmos ao versículo cosmológico do Tao Te King, ( ...) , “O Tao deu nascimento ao Um, Um
deu nascimento a Dois”, nós temos, a partir de uma energia primeira única, uma diferenciação que
conduz à distinção em duas energias: Yin e Yang. Esta distinção é o pivô das transformações, a raiz das
diferenças, pois Yin e Yang não aparecem como dois aspectos separados, mas, ao contrário, como dois
termos ao mesmo tempo opostos e complementares. Eles se geram mutuamente e é por isso que há
sempre Yin no Yang e Yang no Yin.

Da mesma forma, menciona Cheng (2008, p. 285), que: “No famoso capítulo 42 do Laozi,
onde se diz que ‘o Tao gera o Um, o Um gera o Dois, o Dois gera o Três, o Três gera as dez mil
coisas’, o Dois nascido da unidade do Tao é compreendido como a dualidade dos sopros Yin e
Yang, saídos da unidade do sopro original”.
Então, yin e yang seriam duas qualidades do sopro original qi.
A explicação da dualidade tem sua raíz no Yi Jing (I Ching), o Livro das Mutações, que deu
origem ao conceito de yin e yang (Cherng, 1998, p. 43).
Conta a tradição chinesa que, há aproximadamente 7500 anos, aquela civilização foi
administrada por Fu Ji, um dos três imperadores que foram seus alicerces. Conta, ainda, que, após o
degelo do Rio Amarelo, Fu Ji descobriu um aparelho chamado Ho-Tu (Mapa do Rio), que era
esférico e apresentava marcações de latitude e longitude, com números de referência, acreditando-se
que se tratava de um instrumento matemático-físico-astronômico. Esse aparelho teria sido destruído
por um grande incêndio ocorrido no Depósito Real da Dinastia Chin Oeste (317-430 d. C).
Com base em observações do céu, da terra, do homem e dos seres, e valendo-se das
indicações do Ho-Tu (Mapa do Rio), Fu Ji criou o Yi Jing, o Livro das Mutações por volta do ano
5577 a.C, tendo sido aperfeiçoado por Wen Wang, Zhou Gong e Kong Zi (Confúcio) entre aquela
data e o ano 479 a.C. Essa obra manifesta e sintetiza em si tudo o que tem se desenvolvido no
pensamento, filosofia e cultura da China (Cherng, 2001, pp. 14-16).
Esse livro é composto de oito trigramas, que deram origem a sessenta e quatro hexagramas.
As linhas interrompidas dos respectivos diagramas representam yin e as linhas contínuas
representam yang.
Esses sessenta e quatro hexagramas representam todas as possibilidades de variação da
interação entre yin e yang:
17

Figura 1 – Seqüência taoísta dos hexagramas


Imagem disponível em:
<http://www.taoismo.org.br/stb/modules/dokuwiki/doku.php?id=hexagramas> Sociedade Taoísta
do Brasil. Acesso em 25 jun. 2010.

Esses hexagramas foram formados pela combinação dos oito trigramas iniciais que
estruturam o Yi Jing e que correspondem a oito possibilidades de combinação entre yin e yang em
três linhas.

Figura 2 – Os Trigramas do Yi Jing

Yin é traduzido como sombra e yang como raio de luz. Pertencem ao mundo fenomênico.
Não são utilizados para designar o Princípio, ou o Absoluto, mas sim para designar suas
manifestações (Cherng, 1998, p. 47).
Tudo o que apresenta características de leve, transparente, ascendente, ativo, é yang. Tudo o
que apresenta características de pesado, turvo, descendente, passivo, receptivo, é yin.
18

Essas duas manifestações opostas do Dao, chamadas yin e yang, são de nível universal e
aplicam-se aos fenômenos do cosmos, bem como às atividades do corpo humano (microcosmo).
Numa escala mais ampla o céu é yang, enquanto a terra é yin; o dia yang, a noite yin; o tempo claro
e luminoso yang, o tempo escuro e tempestuoso, yin. No âmbito dos seres vivos, o macho é yang e a
fêmea é yin; o espírito yang, o corpo yin. Esses opostos têm aplicação também às partes do corpo e
também às suas funções: no sistema circulatório as artérias são yang, as veias yin; na respiração, a
expiração é yang e a inspiração é yin. Quanto às atividades humanas, o movimento é yang e o
repouso é yin (Liu, 2004, p. 13).
Yin e yang possuem a mesma importância, um não é melhor que o outro. Ambos são
necessários. A água é yang em relação ao gelo, mas é yin em relação ao vapor. O equilíbrio entre o
yin e o yang gera o bem, a saúde, o conforto; o desequilíbrio gera o mal, a doença, o desconforto.
Então, é o equilíbrio entre os dois que é o mais importante.
Sendo opostos, antagônicos, que se atraem e se complementam, contendo, cada um, dentro de
si, a essência ou o princípio de geração do outro, a união, a integração de yin/yang cria movimento e
gera força formando ciclos e provocando transformações, tudo em harmonia, seguindo o curso da
natureza, o Dao.
Pode-se observar, no transcorrer de um dia, a energia yang nascendo à meia-noite, se
expandindo, crescendo, até atingir o seu ápice ao meio dia, quando, começa declinar indo atingir o
seu ponto mais fraco à meia noite, quando começa novamente a crescer. Do lado oposto, temos a
energia yin, que nasce ao meio dia, vai crescendo, atingindo seu ponto culminante à meia noite,
quando, então, entra em declínio, indo atingir o seu ponto menor ao meio dia, quando renasce
novamente. E, assim, perpetuamente. Observe-se que em qualquer momento do dia ele é constituído
por essas duas qualidades de energia, porém a cada momento, em maior ou menor grau, uma delas
está predominando, e ambas vão se alternando mutuamente em perpétuo equilíbrio.
Da mesma forma podemos observar no transcorrer de um ano, em que a energia yang começa
a florescer na primavera, expandindo-se até o final do verão, quando, então, entra em declínio,
surgindo a atividade da energia yin, que vai crescendo até o final do inverno e, assim,
sucessivamente.
Pode-se também observar essas manifestações nas fases da lua: crescente, cheia, minguante,
nova. E assim os ciclos vão ocorrendo em todas as manifestações da natureza.
Expansão e recolhimento é o processo da natureza. Isso ocorre com a respiração, com as
batidas do coração, com as ondas do mar... . É o processo natural da terra, para manter vivos os seus
filhos. Na expansão, há o predomínio da energia yang. No recolhimento há o predomínio da energia
yin. De manhã surge a aurora, a claridade, o despertar da natureza, o cantar dos pássaros. À
19

tardezinha, lentamente vai escurecendo, as atividades vão cessando, tudo vai se acomodando na
quietude, os pássaros vão para seus ninhos. A natureza nos chama ao repouso, ao recolhimento.
Da mesma forma, na primavera tudo na natureza nasce ou renasce, a vegetação cresce,
floresce, e no verão dá seus frutos. No outono a natureza entra na fase de recolhimento, de repouso,
até o final do inverno.
Como se pode observar há perene movimento, ora predominando yin, ora yang, em constante
mutação, ciclo (ida/retorno) e renovação, não num círculo fechado, mas sempre em espiral, em
ascensão, em evolução (Otsu, 2006, p. 26).
Citando Isabelle Robinet, Cheng (2008, p. 285-286) menciona que: “Yin e yang representam,
portanto, ‘o princípio da diferença que cria atração, bem como do devir e da multiplicidade que eles
produzem por suas combinações, mas também, pela correlação estreita que os une, são as
testemunhas da unidade de fundo subjacente ao mundo’”.
E assim se forma o Tai Ji.

III.4 - Tai Ji (T’ai Chi)

Volva-se ao poema nº 42 do Daodejing (Tao Te Ching), em que se enuncia que o Dao gerou
o Um, o Um gerou o Dois, o Dois gerou o Três, e o Três gerou todas as coisas.
Do texto do Hua Hu Ching, versão de Ni (1997, p.102-103), consta que o Dao:

(...) não existe em alguma época nem em algum lugar, mas é agora toda parte e todos os instantes. A
partir da percepção que a visão desenvolvida tem do todo, as primeiras divisões da manifestação do Uno
Sutil foram chamadas yin e yang, yin sendo a manifestação simbolizada por uma linha interrompida, ao
passo que a manifestação da energia sutil, ou yang, é simbolizada por uma linha contínua. A integração
de ambos denomina-se Tai Chi.
O ser humano é um modelo de integração de yin e de yang com a energia física manifestando-se como
corpo e a energia sutil manifestando-se como a mente e o espírito. Além disso os antigos referiam-se a
esses três aspectos do universo como Céu (simbolizado por três linhas contínuas paralelas), que é yang,
Terra (simbolizada por três linhas descontínuas paralelamente), que é yin, e Homem (simbolizado pelo
símbolo do t’ai chi), que é a integração do yin e do yang.
Os antigos sábios também expressavam o desenvolvimento do universo numericamente. O número um
representava a Origem Sutil, ao passo que o dois representava a dualidade do yin e do yang, e o três a
trindade do yin, do yang e de sua integração com o Tai Chi, que dá origem à vida. Eles são considerados
as três principais categorias do universo.

O pensamento taoísta mostra que o Dao, em estado latente, seria como um vazio porém cheio
de potencialidades.
Essas potencialidades estariam implícitas na energia ou sopro qi, que permeava e permeia o
vazio. Num impulso, esse sopro dividiu-se em duas polaridades (yin e yang), que se atraem e se
complementam; do movimento harmonioso de atração e complementação dos opostos entre si,
acontece a integração de ambos, formando o Tai Ji, que, por sua vez, dá origem a todas as coisas
20

manifestadas, incluindo o homem. É a unidade suprema que, por sua vez, é concretizada pela
energia ou o sopro qi, a qual impregna e interliga todas as coisas e o vazio.
Teríamos, então, o Dao em estado manifestado, pois ele está na essência de todas as coisas.
Está em tudo o que se pode imaginar: numa galáxia, numa estrela, numa montanha, num rio, numa
barata, numa pessoa... Porque tudo isso é manifestação do Dao. E a junção de todas essas coisas
manifestadas, se chama Tai Ji, o universo em unidade.
No Yi Jing, o Livro das Mutações, o termo “Yi” (mutações) contém em si os significados de:
imutável, mutável, transmutável e sintetizável.
Imutável seria o princípio, o vazio, o qual possui a potencialidade que pode gerar todas as
coisas e também seria a lei que revela a impermanência das formas; o mutável contemplaria as
mudanças e transformações que ocorrem em todas as formas do universo; transmutável seria o que
surge da compreensão do mutável e do imutável; e o sintetizável seria a chave em que se encontraria
a essência, o comum entre o homem e o cosmos.
No princípio de geração do Yi encontra-se o estado de perfeita harmonia, o Tai Ji, no qual
Tai quer dizer “supremo” e Ji quer dizer “polar”, ou seja, o estado que supera as polaridades. É a
unidade que contém dentro de si as duas polaridades. É a união, a não-separação dos opostos,
trazendo a mensagem da aceitação, da cooperação e da unidade indivisível dos diferentes que são
um só.
De acordo com Cherng (1998, p. 47), “o Universo do I é o universo do ciclo. Da harmonia do
TAI-CHI surge a separação dos opostos, daí o Yin e o Yang e, neles, a re-união e o casamento para o
retorno”. Ensina também que o conceito de Tai Ji traduzir-se-ia em todas as coisas manifestadas, a
unidade. Já o wu ji se referiria à predisposição para que possa haver o Tai Ji. É o vazio (2000, p. 53).
Menciona, ainda, que: “O Tai Ji é a Consciência Universal, a força vital gerada pela união do ‘yin e
yáng’. Seu símbolo é conhecido no ocidente como o ‘yin e yáng’ e sugere a imagem do yin gerando
yáng e yáng gerando yin, permanentemente, dentro de um círculo. Representa, na teologia taoísta, a
dimensão manifestada do Wu Ji” (2008, p. 54, nota 34).
Eis o diagrama representativo do símbolo do Tai Ji:

Figura 3 – Símbolo do Tai Ji


Imagem disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Ying_e_yang>. Acesso em: 20 jul. 2010.
21

A respeito desse diagrama ensina Liu (2004, p. 15), que na China ele é:

Conhecido como T’ai Chi T’u (Diagrama do Cume Supremo) que consiste em duas figuras em forma de
peixe, uma branca e outra preta, dentro de um círculo. O peixe preto, representando o repouso, chama-se
“yin maior” e o peixe branco, representando o movimento, chama-se “yang maior”. No interior de cada
figura há um pequeno círculo da cor oposta, que pode ser considerado o olho do peixe. O círculo preto no
interior da figura branca é chamado “yin menor” e o círculo branco no interior da figura preta chama-se
“yang menor”. Os círculos internos representam a maneira pela qual cada uma das forças opostas, yin e
yang, contém seu contrário e gera-se continuamente de seu oposto, num ciclo uniforme e infinito.

E, dentro desse círculo, yin e yang interagindo e integrando-se harmoniosamente, em perfeito


casamento e equilíbrio, formam o Tai Ji, que contém, dentro de si, todas as coisas e todos os seres
manifestados.
Eis a unidade.
A propósito, em relação à unidade, Cherng (2001), ensinou também que (pp. 32-33):

No estudo numerológico do I Ching, a relação entre Vazio e Existência é representada pelos números 0 e
1.
A existência de todas as coisas constitui, na realidade, um único ser; é como se fosse uma ameba
flutuando no espaço, ou seja, sua forma modifica-se o tempo todo, por isso traz em si a qualidade da
mudança. Se a ameba representa o Um e a mutabilidade, então o Espaço que acomoda a ameba seria o
Zero e a Imutabilidade.
Segundo o I Ching, todos os números derivam do 1, e esse Um nasce do Zero.
Qualquer número, através do processo de redução, chegará ao 1, que, através do processo de expansão,
pode estender-se infinitamente.
O Tudo é Um, e o Zero é a mãe do Um. O grande desafio é transformar o Um em Zero; para isso é
necessário que se mergulhe no imenso mar do Absoluto, quando o Um deixará de ser ele próprio e
passará a ser o Zero que abraça esse Um.
O Zero é o Absoluto; o Vazio é a mãe da Onipotência. Antes de tudo, o Zero já estava presente; depois de
tudo, o Zero continuará presente.
O Um é a Onipotência, o pai de todas as coisas. Na existência humana, muitos buscam o encontro com
esse pai do poder. Durante a existência de todas as coisas, o Zero e o Um coexistem, não se chocando,
mas se completando.
O I Ching demonstra que a existência da Onipotência (1) depende do espaço do Absoluto (0), não
enfatizando a concepção Patriarcal nem a Matriarcal.
Nas práticas místicas do Taoísmo, podemos encontrar os exercícios que desenvolvem a concepção da
convivência do Zero-Um; na prática do Tai Ji Quan (Tai Chi Chuan), por exemplo, o praticante busca
uma união do seu corpo mantendo a integração corporal, gestual e respiratória, enquanto a mente se
esvazia até alcançar o ponto na Consciência Sem Pensamento. Durante o exercício, os movimentos
corporais são lentos e contínuos. A respiração é profunda, correspondendo exatamente ao simbolismo de
Mutabilidade do Um; A Consciência sem Pensamento corresponde exatamente à Imutabilidade do Zero.

E Jahnke (2005, pp.73-74), escreveu a seguinte história contada pelo mestre Zhu Hui,
enfatizando a importância dos três tesouros (Dan Tian da Terra – região interna pouco abaixo do
umbigo; Dan Tian do Coração-Mente – região interna na altura da glândula timo; e Dan Tian do
Céu – região situada no centro da cabeça na altura das sobrancelhas):

“Um monge achou que estava preparado para aprofundar a sua prática do cultivo, e o seu mestre lhe deu
uma tarefa para cultivar a quietude interior e descobrir o segredo da origem da vida e da preservação da
saúde e da vitalidade. Assim, deu ao discípulo a sugestão de se concentrar no Dan Tian da Terra. Depois
de alguns meses de prática, o jovem monge informou ao mestre que achava com certeza que o segredo da
fonte da vida era a nutrição, o repouso e a conservação do Qi e dos recursos internos. O mestre encorajou
o jovem monge, mas o fez saber que a sua busca não terminara.
22

‘Você achou o segredo para preservar o Jing e conservar o corpo, mas não achou a fonte da vida’.
“O mestre perguntou ao jovem monge se ele ainda estava interessado em pesquisar o segredo mais a
fundo. O jovem monge inclinou a cabeça concordando e o velho monge lhe deu a sugestão de se
concentrar no Dan Tian do Coração-Mente.
“Dessa vez, passou-se um tempo consideravelmente muito maior antes que o monge mais jovem visitasse
o mais velho. Quando retornou, agora mais velho, ele respondeu que o segredo da fonte da vida e da
preservação era aceitar o que surge naturalmente e difundir amor e compaixão pelo mundo. O mestre
concordou e encorajou o monge a continuar o seu bom trabalho de serviço solidário. O monge disse ao
mestre:
‘Sei que penetrei o segredo das interações altamente refinadas entre o Qi e a abertura do Coração-Mente.
Isso me inspirou para servir aos meus companheiros humanos. Está claro que isso mantém a vida – a
minha própria e a dos outros. Mas não localizei o segredo da fonte da vida’.
“O mestre sugeriu:
‘Agora, concentre-se no Dan Tian do Céu’.
“Alguns anos se passaram. Quando o monge mais jovem retornou estava muito mais velho. O monge
mais velho disse:
‘Conte-me em uma palavra’.
“O monge mais jovem disse:
‘Unidade’.
“Ambos sorriram em silêncio. Depois, os dois se despediram sabendo que, embora não fossem mais se
encontrar, estariam sempre juntos na origem”.

E a expressão corporal e arte marcial do Tai Ji Quan é praticada em consonância com todos
esses princípios do pensamento taoísta.
23

IV – TAI JI QUAN (T’AI CHI CH’UAN)

A expressão corporal e arte marcial do Tai Ji Quan nasceu na China, sendo profundamente
enraizada na cultura do referido País, em que as lendas misturam-se com a história e confundem-se
com ela. É uma arte muito antiga, não se podendo afirmar ao certo quando começou. Há muitas
lendas acerca de sua origem. Alguns acreditam que essa arte foi criada por Zhang San Feng, figura
lendária que teria vivido durante a dinastia Song (961 a 1279), o que tem sido aceito por vários
estudiosos. Outros, porém, discordam e atribuem a sua criação a outros mestres.
Conta a tradição chinesa que há aproximadamente 1700 anos o famoso médico chinês Hua-
Tuo recomendava exercícios físicos e mentais como meios para melhorar a saúde. Confiava que se
os seres humanos se exercitassem imitando os movimentos de certos animais, como pássaros, tigres,
serpentes e ursos, recuperariam certas capacidades vitais originais que haviam perdido. Assim,
organizou as artes marciais populares num sistema marcial chamado “Jogos dos Cinco Animais”,
sendo a primeira arte marcial sistematizada na China. Desde então esses jogos são muito populares
entre os chineses, que os praticam para ter saúde e exercitar-se (Liao, 2003, pp. 17-18).
Por volta do ano 475 da era cristã, Ta-Mo (Bodhidharma), vindo da Índia, chegou à China
para divulgar o budismo, instalando-se no Templo Shaolin, na região de Tang Fung, no norte da
China. Além da meditação e dos serviços religiosos, ele incluiu exercícios físicos na rotina diária do
templo, utilizando-se dos Jogos dos Cinco Animais para desenvolver uma disciplina mental e física
equilibrada, alcançando um alto grau de realização como arte marcial.
Somente para exemplificar, embora outras formas animais sejam praticadas entre os chineses,
as cinco que constituem a base do sistema Shaolin são: o dragão, o tigre, o leopardo, a serpente e o
grou (DeMasco, 2007, pp. 205-206).
Segundo Liao (2003, pp. 20-21) quando os monges de Shaolin espalharam-se pela China para
pregar o budismo, levaram consigo o seu conhecimento de artes marciais, que dava ênfase não só ao
desenvolvimento espiritual, como também ao fortalecimento do corpo e à resistência física. Assim
começou o desenvolvimento sistemático das artes marciais externas na China. Porém, para aqueles
chineses que conheciam profundamente o taoísmo e a sofisticada filosofia do yin e do yang, o
aspecto de disciplina mental do sistema de Shaolin era, e ainda é, considerado um simples sistema
marcial físico. Por volta do ano 1200 de nossa era o sábio taoísta Zhang San Feng fundou um
templo na Montanha de Wudang para a prática do taoísmo com o objetivo de desenvolver as
potencialidades mais elevadas da vida humana, propondo a harmonia do yin e do yang como meio
para o progresso das capacidades mentais e físicas. Ensinava uma meditação natural e uma técnica
de movimentos naturais do corpo gerados por uma energia interna que se desenvolvia depois de
certo grau de realização da prática. No templo da Montanha de Wudang deu-se ênfase: à doutrina do
24

Tai Ji com sua filosofia do yin e do yang; ao poder interno; e ao desenvolvimento da sabedoria.
Então se acostumaram a chamar o sistema do Tai Ji de sistema interno (desenvolvimento da energia
interior), para distingui-lo do sistema de Shaolin, que seria o sistema externo (nível físico).
Em tempos mais recentes ocorreu a sistematização do Tai Ji Quan como a temos atualmente.
O mestre Chen Wang Ting (1600-1680) foi quem deu origem à sistematização nos moldes
como a temos hoje, criando o estilo Chen de Tai Ji Quan, que é considerado a raiz principal da arte e
é caracterizado por movimentos rápidos e lentos, saltos e explosões de energia. Mais tarde o mestre
Yang Lu Chan (1799-1872) aprendeu a arte com membros da família Chen e criou uma nova forma,
ou seja, o estilo Yang de Tai Ji Quan, em que na sua forma antiga os movimentos são lentos com
explosões de energia e altura alternada de movimentos. Na sua forma tradicional os movimentos são
lentos e constantes, focados na saúde do praticante. A altura das posturas também é sempre mantida.
O mestre Wu Yu Xiang (1813-1880) aprendeu a arte com o mestre Yang Lu Chan, criando o estilo
Wu de Tai Ji Quan, que é uma combinação dos estilos Yang e Chen, composto de movimentos
lentos e uma aparente inclinação (Kit, 2003, pp. 39-45; Sasso, 2010, pp. 136-137). Esses são os
estilos de Tai Ji Quan mais difundidos.
Há, contudo, outras formas como a Wudang, criada por Cheng Wan Ting em Hong Kong, a
partir do estilo Wu; a Sun, que é uma combinação do estilo Wu com outras artes marciais, como o
Ba-Gua; Wu Hao, caracterizada por movimentos lentos e constantes com alteração na altura das
posturas; Cheng Man Ching, estilo simplificado para a vida moderna e foi inspirado a partir do
estilo Yang.
Há, também, o estilo de Tai Ji Pai Lin, introduzido no Brasil pelo mestre Liu Pai Lin.
Formado a partir dos estilos Yang e Wu, seus movimentos são lentos e constantes (Sasso, 2010, pp.
136-137).
Segundo Litz (2005, p. 31), o Tai Ji Quan é uma arte marcial interna chinesa, categoria essa
que, em chinês, leva o nome “nei jia”.
A palavra chinesa Tai tem sido traduzida com o significado de maior, mais alto, a parte mais
alta do telhado, ou seja, a cumeeira; a palavra Ji, como polaridade; e a palavra Quan como punho,
aqui significando soco, luta a mãos livres (desarmadas), boxe.
Em outras palavras, o Tai Ji Quan se revelaria como a prática de um boxe de alto nível, ou,
no ensinamento de Lin (1994, p. 18), ele se traduziria como “Movimentos da Suprema Unidade”.
Menciona Litz (2005, p. 38) que a aplicação do Tai Ji Quan como arte marcial se realiza por
meio do uso de movimentos circulares e contínuos, os quais acompanham e complementam os do
adversário, de um modo similar ao ilustrado pelo símbolo do Tai Ji (yin/yang).
Como revela o próprio nome que lhe dá o título, o Tai Ji Quan é uma arte marcial de
elevadíssimo nível. Para tanto, as suas práticas não se revestem somente da forma externa a qual
25

comumente se presencia. São também compostas por uma estrutura interior, invisível aos olhos do
expectador, sem a qual simplesmente se desqualificariam.

IV.1 - A Estrutura Interior

Afirma Cherng (1998, p. 52), que o Tai Ji Quan é uma expressão corporal e uma arte marcial
derivada do pensamento do Dao, que tem seu trabalho interior e energético baseado nos conceitos e
técnicas da alquimia interior taoísta. No mesmo sentido, Chia (2005, p. 25), e Lin (1994. p. 16) que
denomina as práticas do Tai Ji Quan como sendo “Daogongquan (formas de treinamento do Tao)”.
Chia (2005, p. 36), menciona que: os taoístas realizam um programa global de
desenvolvimento do corpo físico, do corpo energético e do corpo espiritual; esse conjunto é
denominado “Três Tesouros”; e todas as disciplinas taoístas são concentradas no fortalecimento
desses três aspectos. Entre essas disciplinas se inclui o Tai Ji Quan, que ainda é, como foi no
passado, praticado como parte do referido programa.
Embora em outras palavras, Cherng (1998, pp. 23 e 25) partilha o mesmo entendimento:

De acordo com a visão tradicional taoísta, a totalidade de um ser humano é constituída por três
elementos: a) a capacidade físico-orgânica; b) a manifestação energética; c) a estrutura psicológica.
Desse modo, além da relação psico-física, a visão taoísta enfatiza principalmente a questão energética,
considerando-a como intermediária. Esta faz o lado psicológico influir diretamente no nível físico,
trazendo também a mensagem da experiência física para a estrutura psicológica.
(...)
Desse modo, as estruturas psicológica, energética e física atuam entre si, interpenetrando-se, interferindo
uma na outra e, na verdade, sendo uma só estrutura.

Crescemos, modificamo-nos e morremos. Liao (2003, p. 25), menciona que “os antigos
chineses explicavam esse ciclo como um processo de crescimento e diminuição do ch’i. É o ch’i que
determina as condições mentais e físicas do ser humano”. E acrescenta (pp. 27-28) que aquilo que
faz da arte marcial do Tai Ji Quan um sistema tão especial de disciplina da mente e do corpo é o
desenvolvimento do qi no corpo humano, de acordo com a teoria dos poderes opostos, yin e yang.
Aduz que sem uma compreensão clara e completa do conceito de qi e sem um treinamento correto, o
Tai Ji Quan perde o seu verdadeiro significado. E, para que se possa entender mais facilmente,
explica isso utilizando uma analogia simples: “O ch’i está para o T’ai Chi assim como a gasolina
está para o motor a explosão. Do mesmo modo que, sem gasolina, o motor jamais teria sido
inventado, assim também, se não houvesse o conceito de desenvolvimento do ch’i, a arte do T’ai
Chi simplesmente não existiria”.
E continua seu ensinamento dizendo que o Tai Ji Quan baseia-se no princípio dos três níveis
de energia: no nível básico, seria a essência vital, inerente ao organismo vivo; no nível médio, seria
26

o qi, uma manifestação supranormal da energia vital; no nível superior, seria shen, espírito,
resultado do qi purificado, que se elevou.
O mesmo Liao (2003, pp. 28-29) revela que só se pode conseguir cultivar o qi dentro do
corpo pela meditação e pelo movimento. A meditação é necessária porque seria o único meio para
tomar-se consciência do qi. Já os movimentos meditativos do Tai Ji Quan permitem que o qi flua de
acordo com a mente e o corpo do praticante. Aduz que, com a prática, a sensação do qi vai aos
poucos aumentando, a forma vai melhorando, graciosa e harmoniosamente, até que alcança um
estágio de naturalidade que jamais se atinge pela simples imitação de movimentos de um instrutor.
Acrescenta que, nesse estágio, a mente já é capaz de guiar o qi e ele fluirá livremente, dirigindo com
facilidade o corpo e seus movimentos.
Lembra, contudo (2003, p. 30), que, além de fazer circular o qi pelo corpo, para que se possa
melhor utiliza-lo é necessário praticar uma técnica meditativa mais avançada, a que chama de
“Respiração Condensadora”, para que a energia interna seja convertida em poder substancial, o que
favorece o praticante em muitos setores da vida.
Diz, ainda (2003, p.34), que o que torna a prática do Tai Ji Quan a “suprema” dentre as artes
é o trabalho interno que ela exige. Esses exercícios interiores trazem controle, harmonia e
consciência totais à mente e ao corpo. Após despertar-se a consciência do qi dentro do corpo,
através da respiração condensadora se fará a transformação dessa energia em poder substancial. Esse
poder substancial, quando não está sendo utilizado ou transmitido, pode ser reciclado, direcionando-
se as suas vibrações para fazer com que o qi se mova com mais vigor dentro do corpo, de modo a
fortalecer o qi, a energia da vida. Por outro prisma, quanto mais forte o fluxo de qi, mais quantidade
de poder substancial pode ser produzida.
Aduz, também (2003, p. 35), que “os médicos chineses sempre tiveram a forte convicção de
que o cultivo e fortalecimento do fluxo de ch’i podem curar e corrigir todas as espécies de doenças e
disfunções”.
No mesmo sentido, Kit (2003, p. 79-80) menciona que “Tai Ji Quan sem Qi Gong não é Tai
Ji Quan”. Explica que Qi Gong significa literalmente “a arte da energia”, a qual abrange vários
sistemas de treinamento destinados a desenvolver a energia cósmica para inúmeras finalidades,
principalmente no que se refere à saúde, eficiência em combate, expansão da mente e
aprimoramento espiritual. Esclarece que para obter-se boa saúde e para aplicação do Tai Ji Quan em
combate, há necessidade de desenvolvimento da força interior. Sem isso o Tai Ji Quan simplesmente
se degeneraria para uma dança. Essa força interior é desenvolvida principalmente através do Qi
Gong. Acrescenta que o principal resultado do Tai Ji Quan é o desenvolvimento espiritual, o qual
eleva a arte do Tai Ji Quan muito além daquelas de combate comum. Explica que o
desenvolvimento da espiritualidade taoista compreende três estágios: cultivar a essência para tornar-
27

se qi; cultivar o qi para tornar-se shen (espírito); e cultivar o shen para retornar ao cosmo. Assim, o
Qi Gong seria a ponte de ligação entre o nível físico e o espiritual. E finaliza dizendo que se apenas
a forma física do Tai Ji Quan for praticada, sem o Qi Gong, o praticante não estará equipado com a
resistência, a força e a perseverança que se fazem necessárias para o combate eficiente e, ainda,
aqueles que estão objetivando o desenvolvimento espiritual, se não praticarem o Qi Gong perderão o
elo entre o físico e o espiritual. Em outra passagem (2003, p. 306), menciona que:

Os mestres clássicos afirmavam que existem três níveis de realização no Tai Chi Chuan. No primeiro, os
praticantes podem executar graciosamente uma série de Tai Chi; assim obtém-se boa saúde. No nível
intermediário, desenvolve-se a força interior e pode-se aplicar impecavelmente os movimentos do Tai
Chi Chuan para lutar; eles proporcionam a eficiência no combate. No nível mais elevado, os mestres
estão no caminho da imortalidade; eles alcançam a plenitude espiritual, independentemente de sua
religião, ou da falta dela. No primeiro nível, a ênfase do treinamento está no jing, ou forma; no segundo,
está no chi, ou energia; no nível mais elevado, está no shen, ou mente.

Da mesma forma Liu (2005) ensina que sem respiração não há vida. Na prática de Tai Ji
Quan ela deve ser regulada em harmonia com os movimentos, para se obter saúde e coordenação,
necessárias para a autodefesa. A respiração envolve a circulação da força vital interior, ou seja, o qi.
Menciona que da união da mente, respiração e energia sexual, produz-se o qi. Para realizar a
respiração interior profunda, o praticante de Tai Ji Quan deve concentrar o qi no dan tian, centro
psíquico que se situa internamente pouco abaixo do umbigo. E aduz que: “O tan tien pode ser
comparado à caldeira de uma máquina a vapor. Quando a mente se concentra nele, desenvolve-se
calor. O excesso de energia, como o excesso de água evaporada na caldeira, é então distribuído para
o resto do corpo, impulsionando os membros do praticante de T’ai Chi”.
Na seqüência acrescenta que (p. 28):

O processo de concentração e circulação do chi, por sua vez, produz uma outra substância que podemos
chamar de espírito, ou na terminologia taoísta, shen. A conversão de uma essência interior em outra pode
ser comparada a um processo alquímico. A energia sexual, à qual os textos taoístas com freqüência se
referem literalmente como esperma, converte-se em chi pela concentração da mente. Em seguida o chi é
refinado e converte-se em espírito (ou shen). O shen é ainda mais refinado para tornar-se vazio (shu).
Dessa maneira, a força vital interior muda de um estado a outro, exatamente da mesma maneira que a
matéria da experiência comum passa por várias fases, do sólido, ao líquido e ao gasoso. De acordo com a
lenda, o mestre que atingiu o vazio interior desenvolveu um corpo indestrutível e alcançou a
imortalidade.

Então, pode-se dizer que a essência interior do Tai Ji Quan se traduz na descoberta, cultivo,
circulação e transmutação do qi, produzindo um poder substancial, ou força interior que pode ser
utilizada em combate, transmitida a outrem, ou, ainda, redirecionada para fortalecer o fluxo de qi do
próprio praticante, podendo, ao final, transmutar-se numa energia muito mais sutil, que em chinês é
denominada shen (espírito) e, a partir daí, o praticante poderá alcançar a unidade com o Dao.
28

A propósito, Jahnke ( 2005, p. 7) enfatiza que “o Qi não é só energia, mas também princípio
fundamental do universo” e que “o Tai Chi é muito mais que uma arte marcial; com certeza ele pode
ser definido como um método de acessar e conservar a harmonia do universo”.

IV.2 - A Forma Externa

Consta da lenda de Zhang San Feng, que, certa feita, nas montanhas de Wudang em Hupei,
observou o combate entre um pássaro (grou) e uma serpente. O pássaro subia em um galho, descia
batendo as asas abertas e atacava uma serpente enrodilhada no chão. A serpente fitava o pássaro e os
dois começavam a lutar. A serpente se enrodilhava no chão e saltava cada vez mais alto, na tentativa
de se livrar das asas que o pássaro não parava de bater. O pássaro pousou num alto galho e dali
observava a serpente frustrado e desconcertado. Novamente ele descia batendo suas asas abertas e
outra vez a serpente se enrodilhava como um carretel e, impulsionando-se, o atacava cada vez mais
alto. Isso durou um longo tempo e culminou com a vitória da serpente.
Teria sido de observar a serpente se enrodilhando que Zhang San Feng tivera o “insight” do
Tai Ji Quan. A forma enrodilhada da serpente tem o princípio do fraco vencendo o forte, da
transformação da inércia em movimento e do contrair e expandir (Sasso, 2010, pp. 135-136). E, teria
compreendido também Zhang San Feng, a supremacia da agilidade sobre a rigidez, a importância da
alternação do yin e do yang, e outras concepções que constituem a base do Tai Ji Quan e, assim,
teria elaborado essa arte com base nos princípios do Tai Ji (Despeux, 1981, p. 14).
Do ensinamento de Liao (2003, p. 22) se observa que:

As teorias do T’ai Chi aplicam-se com facilidade às artes marciais. A harmonia da mente e do corpo,
sempre aliada à ordem natural das coisas, é um aspecto fundamental do T’ai Chi. Isso fez com que a arte
marcial do T’ai Chi se desenvolvesse segundo um caminho completamente diferente do de outras
técnicas de luta. Gerava também resultados impressionantes no que dizia respeito às capacidades
humanas que nascem do poder da mente. Foi assim que o T’ai Chi Ch’uan tornou-se a mais poderosa arte
marcial já conhecida.

No dizer de Litz (2005, p. 39) o próprio símbolo do yin/yang, denominado como Tai Ji, seria
a melhor metáfora para refletir-se sobre quaisquer posturas que apareçam como pólos opostos numa
relação. E acrescenta:

Este símbolo mostra a interação dos opostos e como um interage, define e amplia o significado do outro.
A prática do Tai Chi Chuan focada na questão marcial e a prática focada na questão da saúde podem ser
vistas como estes pólos extremos, para que o treinamento seja efetivo é necessária a presença destes dois
aspectos.
29

O ser humano, como todas as coisas e todos os seres, faz parte do universo e é movido pela
mesma fonte de energia: o qi.
Entre o céu e a terra é onde se encontra permanentemente o homem. O corpo humano, que já
possui o qi ancestral doado pelo pai e pela mãe no ato da concepção, recebe o qi do céu e o Qi da
terra, que se encontram e se fundem dentro do organismo. Capta-se o qi dos alimentos pela
alimentação e o qi do ar pela respiração, tudo de forma natural.
Contudo pode-se ampliar a quantidade e a qualidade do qi pessoal pela captação do qi das
árvores, de gramados, de campos floridos, de grandes massas de água e de montanhas, de multidões
entusiásticas, etc (Jahnke, 2005, p. 28). Isso se torna possível pelas práticas do Tai Ji Quan que
atraem essa substância vital ao praticante.
É que os movimentos do Tai Ji Quan são integrados aos movimentos da natureza, à harmonia
e serenidade do universo. Esses movimentos, que devem ser serenos, com o corpo relaxado e a
mente tranqüila, impulsionados pela energia interior, vão desobstruindo os canais energéticos do
corpo, para que a energia ou sopro qi possa circular livremente e com equilíbrio, não se dispersando,
mas concentrando-se, trazendo saúde, vitalidade, longevidade.
No ensinamento do mestre Liu Pai Lin, o Tai Ji Quan:

É uma prática de longevidade e do sentimento de amor. Tai-Chi- Chuan é uma reunião dessas duas
práticas, o que o torna uma prática do Tao. E Tao é “Chi”, ou energia vital.
Existe na natureza uma energia criativa. Dois sopros distintos: o Yin e o Yang, que num movimento
pulsante se unem fazendo surgir todas as coisas na natureza, inclusive o ser humano.
Todo ser vivo, inclusive o homem, possui nos seus centros de energia, sistemas orgânicos, tendões e
células, a energia original da vida, doada pelo céu e pela terra. Este sopro de energia vital constitui-se
no que possuímos de verdadeiro e original. Esta energia no nosso corpo, quando concentrada e plena,
pode prolongar a nossa vida. Dispersá-la rapidamente o bonito se torna feio, o jovem fica velho, vem a
doença e a morte, ou seja, a vida do homem depende da concentração ou dispersão dessa energia. Não
dar atenção a essa energia é não dar importância à vida.
No macrocosmo as energias do céu e da terra se unem diariamente. O sol, a lua e as estrelas do céu se
unem com a água, o fogo e o vento da terra, mantendo e fazendo surgir todas as coisas existentes na
terra.
O homem é um microcosmo: o céu fica na nossa cabeça e o baixo ventre é a nossa terra. Isto é a união
do Yin e do Yang no homem. Essa união gera no nosso corpo nova energia, novo sangue, novas
células, suprindo desta forma o nosso cérebro, nossa energia espiritual e a saúde de nosso corpo físico.
O Tai-Chi-Chuan é uma prática do sentimento de amor, pois segue os princípios da natureza.
Encontramos no I Ching a descrição destes princípios: “o universo em revolução perpétua edifica”. ...
“O sábio exercita a sua natureza, cultivando-a sem cessar”.
Observe o movimento de rotação da terra: ele constrói diariamente o frescor da vida nova. Nesta
observação o homem aprende o caminho da espontaneidade. É como se a terra estivesse praticando o
Tai-Chi-Chuan, renovando o ar, impregnando novo frescor a todas as coisas, pois a maior virtude da
natureza é fazer nascer vida nova. O ser humano pertence à natureza. Obtendo o ar puro o sangue se
renova e o espírito fica límpido. E desta forma obtemos esse sentimento de amor da natureza.
Se praticarmos o Tai-Chi-Chuan diariamente, cultivamos a nossa natureza criadora ligando-nos à
natureza. Conservamos com naturalidade o amor no coração e retornamos à pureza do ser. Por isso
que o Tai-Chi-Chuan é uma prática para o sentimento de amor.

(Disponível em <http://www.antoniomoreira.pro.br/palestra_mestre.htm> Acesso em


10 jun. 2010).
30

Lee, Lee et Johnstone (2004, p.69) mencionam que na época do combate corpo a corpo:

Um lutador treinado em T’ai Chi Ch’uan conhecia o “modo globalmente perfeito da suprema cumeeira
de lutar sem arma”. O filósofo, entretanto, dava valor ao T’ai Chi por uma razão mais elevada: seu poder
de conduzir o aluno a uma harmonia perfeita com os grandes modelos da natureza, de reduzir a
desarmonia ou atrito entre o indivíduo e o cosmo e assim promover a cura, a saúde, e uma longa vida.

Porém, como lembra Kit (2003, p. 55), é preciso não se olvidar que o Tai Ji Quan é, antes de
tudo, uma arte marcial. Desde que praticada com observância de todos os princípios que lhe são
inerentes, ela traz benefícios à saúde, vitalidade e longevidade.
O processo da vida humana baseia-se na interação das forças yin e yang. Assim também é nas
práticas do Tai Ji Quan, conforme Cherng (1998, p. 39):

Na prática do TAI-CHI-CHUAN, é através dos opostos que surge a força de atração. Os opostos se
atraem e se opõem, simultaneamente, e, deste modo, o movimento surge. Toda vez que forças opostas se
unem, geram uma terceira força. A união dos opostos mantém a continuidade. Se não houver calor e frio,
não haverá evaporação e, em conseqüência, a chuva. E a natureza não teria movimento nem força.

Nas formas do Tai Ji Quan os movimentos yang representam atividade, expansão, e os


movimentos yin a passividade, a receptividade, o recolhimento. Quando um movimento de atividade
está chegando ao seu auge, automaticamente vai dando início, gerando, o movimento de
passividade. Da mesma forma, quando o movimento de passividade vai chegando ao ápice, começa
a gerar e a dar força ao movimento de atividade. É como ocorre com a respiração natural ou com as
ondas do mar. Na respiração natural tanto a inspiração (yin) como a expiração (yang), quando uma
vai chegando ao seu final, há um estímulo automático ao início da outra. Da mesma forma, no
momento em que a onda do mar vai atingindo a praia, vai perdendo sua força e dando início à volta
das águas que a envolviam ao oceano. E quando a força desse retorno vai se esvaindo, dá lugar a
uma nova onda.
E isso tudo ocorre em perfeita harmonia e sereno equilíbrio. Daí porque no Tai Ji Quan os
movimentos devem ser realizados com a necessária suavidade e quietude.
O mestre Yang Deng Fu, que viveu entre os anos de 1883 e 1936, escreveu o que entendia
como os dez pontos mais importantes do Tai Ji Quan, traduzidos por Kit (2003, p. 54), em que o
décimo ponto é referente à quietude no movimento:

As artes marciais exteriores enfatizam a capacidade de correr e pular rapidamente; gasta-se muita energia
nessas atividades, o que leva os praticantes à estafa depois do treinamento. No Tai Chi Chun é a quietude
que governa os movimentos. Quando um praticante se move, é como se ele estivesse parado. É por isso
que no Tai Chi Chuan, quanto mais lento for o movimento, melhor. Quando eles são vagarosos, a
respiração fica profunda e longa, o chi está submerso no dan tian (campo energético abdominal), e
naturalmente não existe o problema de o sangue e o chi estarem “inchados”, ou seja, bloqueados. Os
discípulos devem prestar a atenção a esse conselho e sentir os seus efeitos; só então poderão compreender
o objetivo do Tai Chi Chuan.
31

Liao (2003, pp. 129-130), por seu turno, menciona os seguintes pontos fundamentais a serem
observados nas práticas dos movimentos meditativos de Tai Ji Quan:

1. Relaxe o pescoço e deixe a cabeça como que pendurada pelo seu ponto mais alto.
2. O olhar deve focar-se e concentrar-se na direção para a qual flui o ch’i.
3. Relaxe o peito e arredonde as costas.
4. Relaxe os ombros e deixe-os cair; relaxe e deixe cair os cotovelos.
5. Os pulsos devem assumir uma posição confortável e os dedos devem projetar-se para a frente.
6. O corpo inteiro deve estar vertical e equilibrado.
7. Com a mente, o cóccix deve ser trazido para a frente e para cima.
8. Relaxe a cintura e a articulação dos fêmures com a pelve.
9. Os joelhos devem permanecer num estado intermediário entre o relaxamento e o não-relaxamento.
10. As solas dos pés devem plantar-se firmemente e ligar-se confortavelmente ao chão.
11. Distinga claramente o substancial do insubstancial.
12. Cada uma das partes do corpo deve estar ligada a todas as outras partes.
13. O interno e o externo devem combinar entre si; a respiração deve ser natural.
14. Use a mente, não a força física.
15. O ch’i se liga à coluna vertebral e afunda no tan t’ien, ao mesmo tempo em que circula por todo o
corpo.
16. A mente e o poder interno devem ligar-se um ao outro.
17. Cada uma das formas deve ser suave, regular e contínua, sem desigualdade, aspereza ou interrupção, e
o corpo inteiro deve permanecer confortável.
18. A forma não deve ser nem muito rápida nem muito lenta.
19. A postura sempre deve ser bem proporcionada.
20. A aplicação verdadeira da forma não deve ser evidente, mas oculta.
21. Descubra a calma na atividade e a atividade na calma.
22. Primeiro, o corpo deve ser leve; depois, tornar-se-á ágil. Quando for ágil, mover-se-á livremente;
quando se mover livremente, você será capaz de mudar a situação conforme for necessário.

E Liu (2005, p. 31) recomenda que os movimentos exteriores das formas de Tai Ji Quan
sejam realizados lenta e cuidadosamente, alcançando-se máxima quietude. Com isso, afirma, se
obterá progressos na concentração, energia, controle da respiração e paciência.
Ao falar sobre “Peso e Leveza”, menciona que no Tai Ji Quan a distribuição do peso nos pés
acontece o tempo todo, sem cessar. Somente nas posturas inicial e final é que o peso repousa
igualmente sobre os dois pés. Nos demais movimentos, sempre o peso estará mais sobre um dos pés.
Recomenda, ainda, que os movimentos sejam realizados com ausência de esforço, dizendo
que todo esforço desnecessário deve ser evitado. Aduz que os exercícios comuns, por utilizarem
força, redundam em cansaço e tensão. No Tai Ji Quan, ao contrário, baseando-se na ausência de
esforço, o praticante, ao mover-se suave e graciosamente, alcança a sua arte naturalmente, da mesma
maneira como brinca uma criança. Utiliza-se menos força para gerar mais força, como se usa uma
alavanca para mover corpos mais pesados.
Segundo o mesmo Liu (2005, pp. 29-30), os movimentos exteriores das formas de Tai Ji
Quan também devem obedecer a certos princípios os quais são parte integrante da referida arte
marcial, tais como: suavidade, equilíbrio, centralização, relaxamento, continuidade e coordenação.
Em virtude da suavidade não poderá haver movimento súbito ou abrupto, e a forma deve ser
praticada no mesmo ritmo, de começo a fim.
32

O praticante não deve inclinar-se para frente, para trás ou para os lados para não perder o
equilíbrio, pois do contrário sentirá desconforto ou até mesmo cairá.
Centralização quer dizer que o tronco do corpo deve ficar ereto, numa posição central,
devendo manter-se uma linha reta desde o cóccix até o topo da cabeça e outra linha reta desde o
topo da cabeça até o baixo ventre. É necessário que a parte inferior do corpo também esteja
centrada, posicionando-se as pernas e os pés de forma tal que funcionam como um eixo, permitindo
movimentação livre e suportando grandes pesos sem dano. É no meio dos pés que deve repousar o
peso do corpo, nunca nos calcanhares ou artelhos. Assim fazendo o corpo fica inteiramente apoiado
e sem cansaço.
O relaxamento do corpo e da mente é necessário para atingir-se o domínio do Tai Ji Quan.
Estando todo o corpo relaxado, a respiração pode alcançar diretamente o abdome. Então, o oxigênio
misturado com o sangue pode penetrar os músculos, como a água penetra o solo. Relaxando-se as
coxas e a cintura, o movimento ocorrerá livremente e sem tensão. As pernas estando relaxadas, o
corpo permanece estável, podendo mover-se com leveza.
No Tai Ji Quan cada forma é praticada a partir da anterior, em continuidade, e assim até final,
como um rio comprido que vai fluindo livre e pacificamente.
É essencial que haja coordenação entre corpo, mente e respiração. É a mente que dirige a
respiração, a qual deve seguir paralelamente à direção da forma. Sendo a forma para frente ou
aberta, o praticante inala. Sendo a forma recuada ou fechada, o praticante expira. Os braços devem
estar coordenados com as pernas, a cabeça com o tronco, de forma tal que o ritmo de movimento de
todas as partes seja o mesmo.
Liao (2003, pp. 48-49) diz que “a coordenação significa o uso da mente inteira e do corpo
inteiro, funcionando segundo uma ordem apropriada” e cita que nos Clássicos do Tai Ji, Zhang San
Feng diz: “Dos pés às pernas e aos quadris, o corpo inteiro deve mover-se como uma unidade e
coordenar-se com um único ch’i”.
Conforme Chia (2005, p. 198), tanto no sistema taoísta como no Tai Ji Quan a meta final é
alcançar a unidade com o Dao, com a natureza. No Tai Ji Quan espelha-se isso no corpo e na mente.
Quando há o movimento, o praticante se move como uma unidade. Com tudo se movendo ao
mesmo tempo, as pernas o empurrarão e todo seu corpo se movimentará simultaneamente em
unidade, crescendo gradualmente a consciência de unidade corporal. A mente e o propósito também
devem estar integrados nessa unidade, concentrados nos movimentos, permanecendo no presente.
Quando se mover para frente o propósito mental deve ser de mover todo o conjunto para frente.
Quando estender a mão é de se estender também a mente. E enfatiza: “‘A mente dita e o chi
obedece; o chi dita e o corpo obedece’. Assim, no tai chi praticamos a unidade de corpo, chi e
33

mente. Quando, fundados nessa unidade, nos ligamos aos mundos em torno de nós, abaixo de nós e
acima de nós, nos sentimos intimamente ligados ao universo”.
Contudo, para que isso possa acontecer, é necessário que o corpo inteiro – do praticante –
esteja transparente e vazio, deixando que o interior e o exterior se fundam e tornem-se um só.
34

V – TEU CORPO INTEIRO DEVE SER TRANSPARENTE E VAZIO. DEIXA


QUE O INTERIOR E O EXTERIOR SE FUNDAM E TORNEM-SE UM
SÓ.

Sendo uma prática que tem como suporte a alquimia interior taoísta, o Tai Ji Quan foi
denominado por Cherng (1998) como sendo “A Alquimia do Movimento”. Vem sendo praticado
com o objetivo de se obter saúde e longevidade e de promover aptidão para a prática da arte marcial
que possui o mesmo nome, ou seja, Tai Ji Quan.
No poema nº 42 do Dao De Jing, está escrito que o Dao gerou o Um, o Um gerou o Dois, o
Dois gerou o Três, e o Três gerou todas as coisas. E, entre todas as coisas geradas está o homem, o
praticante de Tai Ji Quan.
Percebeu-se que a unidade é representada pelo Tai Ji, ou seja: o qi (Um), emanado do Dao,
manifestou-se em yin/yang (Dois) que, reunidos, em perfeito casamento e equilíbrio, representam o
Tai Ji (Três), o qual, dentro de si, gerou e contém todas as coisas, o mundo material, o universo em
unidade.
O enunciado objeto do tema em estudo – “Teu corpo inteiro deve ser transparente e vazio.
Deixa que o interior e o exterior se fundam e tornem-se um só” – parece sugerir que o praticante de
Tai Ji Quan realize o caminho de retorno, ou seja: que, estando no mundo material de todas as
coisas, viaje interiormente para o Tai Ji (Três), daí aos sopros yin/yang primordiais (Dois) e, por
fim, ao sopro (qi) primordial (Um), em que reside a essência da unidade, até alcançar o vazio.

V.1 - Teu Corpo Inteiro Deve Ser Transparente e Vazio

A ciência moderna, mais especificamente a Física Quântica demonstra que a matéria


praticamente inexiste. Como informa Capra (2004, p. 58): “No nível subatômico os objetos
materiais sólidos da Física clássica dissolvem-se em padrões de probabilidade semelhantes a ondas”.
E, em outro tópico (p. 62), menciona que:

Um núcleo atômico é aproximadamente cem mil vezes menor do que o átomo todo e, entretanto, contém
quase toda a massa deste. Isso significa que a matéria dentro do núcleo deve ser extremamente densa se
comparada com as formas de matérias com as quais estamos familiarizados. Na verdade, se todo o corpo
humano fosse comprimido à densidade nuclear, não ocuparia mais espaço que a cabeça de um alfinete”.

Com isso pode-se imaginar que as coisas materiais, dentre elas o corpo humano, contém em
si um imenso vazio, passível de transparência. No caso do corpo humano, essa transparência pode
ser vivenciada por meio da entrega (Wu Wei), com o auxílio de relaxamento e de meditação.
35

E essa viagem interior, rumo à essência da unidade, pressupõe um estado meditativo.


Segundo Litz (2005, p. 55), a meditação se consubstancia numa prática de focar a atenção,
sendo frequentemente formulada em uma rotina específica. Menciona que ela é tão antiga quanto a
humanidade, tendo se desenvolvido em várias culturas diferentes, recebendo inúmeros nomes. Aduz
que embora ela seja quase sempre associada ao aspecto religioso, à espiritualidade, pode ser
utilizada também como instrumento para o desenvolvimento pessoal fora da religião. Acrescenta
que a palavra meditação tem sua origem no Latim, “meditare”, significando “voltar-se para o
centro”, ou seja, desligar-se do mundo exterior, voltando-se a atenção para dentro de si.
Assim, o estado meditativo pressupõe quietude, recolhimento.
Então, para treinar essa atitude de recolhimento, de quietude, se faz necessário o auxílio da
prática de meditação.
Desta forma o Tai Ji Quan e a meditação são duas práticas que se complementam e se
integram, como a reunião do yang e do yin que forma o Tai Ji.
Liu (2004, p. 16), salienta que o Tai Ji Quan é atividade, movimento. É yang. A meditação é
repouso, recolhimento. É yin. E menciona que (2004, p. 17-18):

Esta teoria da alternância do yin e yang está ajustada aos princípios do T’ai Chi Ch’uan e da meditação.
Após praticar T’ai Chi Ch’uan por longo tempo, deve-se descansar e praticar a meditação. Então, depois
da quietude gerada pela meditação, deve-se voltar aos movimentos do T’ai Chi Ch’uan para estimular a
circulação sangüínea, libertar-se da estagnação física e relaxar a mente.

Por seu turno, para que se consiga alcançar um estado meditativo, é indispensável que se
esteja com o corpo e a mente completamente relaxados.
Aliás, os mestres de Tai Ji Quan, de modo geral, sempre recomendam que se façam as
práticas com o corpo relaxado, como se vê em Liao (2003, p. 129-130); Sasso (2010, p. 14); Kit
(2003, p. 198); Cherng (1998, p. 21); Chia (2005, p. 66).
Assim como a meditação, os procedimentos de relaxamento têm origem antiga. Nos murais
da Babilônia encontram-se evidências do uso do relaxamento e há notícias de que os assírios
realizavam notáveis tratamentos baseados em “passes” ou induções médicas. Os caldeus conheciam
a astrologia e dedicavam-se ao estudo do ocultismo. Pesquisavam as forças internas do ser humano
com fins medicinais e entre esses estudos preponderava o relaxamento e o hipnotismo. Como os
caldeus, os egípcios, astecas, mayas, quíchuas e incas (civilizações antigas) já praticavam o
relaxamento. No campo do Yoga hindu, que tem origem muito antiga, o penúltimo de seus oito
passos é a meditação (Dhyana), cuja fase o praticante somente alcança se estiver completamente
relaxado.
Outras técnicas orientais atinentes ao relaxamento, como a do Tai Chi Chuan e do Ai Ki Do,
também provém de tempos antigos.
36

Auriol (1995) afirma que relaxar significa, liberar a desnecessária tensão muscular do corpo,
opondo-se ao stress o que reforça a homeostase, diminuindo a angústia e a emotividade,
proporcionando a unificação dos elementos do organismo. No plano metabólico é um estado de
repouso mais profundo do que o sono profundo. Ele vai se acentuando desde o estado autógeno até o
transcendental (consciência da consciência, sem conteúdo de consciência). Este estado de super-
repouso-vigília é chamado de “quarto estado” por alguns neurofisiologistas. Então, no plano
psicológico, o praticante se encontrará num estado feito de paz, serenidade, absorção, luz, presença,
inefabilidade.
Jacobson (1995, pp. 107-108), menciona que:

Quando falamos em relaxamento num músculo qualquer, estamos nos referindo à ausência completa de
contrações. Estando frouxo e imóvel, o músculo não oferece resistência ao estiramento. Por exemplo: se
seu braço está completamente relaxado, uma outra pessoa pode dobrá-lo ou estirá-lo pelo cotovelo com
um esforço pouco maior que o necessário para sustentar o peso de seu antebraço; como se você fosse
uma boneca de trapos, essa pessoa não encontraria nem resistência nem ajuda quando movimentasse sua
mão. Num indivíduo que esteja deitado completamente relaxado, no sentido presente, todos os músculos
presos aos ossos permanecem frouxos. São os chamados “músculos esqueletais”. Sempre que efetua um
movimento voluntário, você o faz contraindo algum músculo esqueletal ou algum grupo de músculos
esqueletais. Relaxamento geral significa ausência completa de todos esses movimentos. Essa expressão
significa igualmente ausência total de rigidez em qualquer parte do corpo.
Quando os músculos estão completamente relaxados, os nervos que vão para os mesmos e que deles
partem não transmitem mensagens: os nervos ficam completamente inativos. (...) relaxamento completo
em qualquer conjunto de nervos significa pura e simplesmente atividade nula nesses nervos. (...) É
fisicamente impossível estar nervoso numa parte qualquer de seu corpo, se nessa mesma parte você está
COMPLETAMENTE relaxado.
(...)
Durante o relaxamento geral, estão ausentes até mesmo certos movimentos involuntários; por exemplo:
quando ocorre um ruído repentino, a pessoa relaxada não tem nenhum sobressalto.

Então o relaxamento compreende a liberação de todas as tensões, tenham elas origem física
ou muscular, emocional, ou, ainda, mental ou psíquica.
Satyananda (1995), por seu turno, enfatiza que para se chegar à meditação precisa-se
submeter-se ao processo de relaxamento, o qual só é alcançado totalmente por meio do
desligamento completo do ambiente exterior, mergulhando-se, então, profundamente dentro de si
mesmo. E arremata: “Então aos poucos a consciência da existência de um mundo exterior
desaparece. (...) Em Yoga se diz que quando se perde a consciência de tudo isso atingiu-se um
relaxamento completo e tem início a verdadeira meditação” (p. 73).
Também Jahnke (2005) por várias vezes menciona que tanto a meditação imóvel como os
exercícios de Qi Gong e de Tai Ji Quan devem ser realizados com o corpo relaxado, acrescentando
que (pp. 113-114):

Outro método para fazer o Qi circular é usar uma série de métodos menos sutis, mais ativos. Esses
métodos apressam a circulação do Qi ou causam uma dissolução temporária ou permanente das barreiras
ao fluxo interior. O objetivo básico, como sempre, é relaxar. Além disso, são usadas certas posturas
corporais, movimentos, respiração moderada ou vigorosa e técnicas de automassagem.
37

A intenção concentrada e o relaxamento profundo – o estado de Qi Gong – podem transformar


exercícios calistênicos, natação e até mesmo caminhadas em métodos dinâmicos do Cultivo do Qi. (...).
Os milhares de rituais do Qigong e as dezenas de variações do Tai Chi são todos eles métodos
dinâmicos. São todos desenvolvidos em função de maximizar a coleta e circulação do Qi. Alguns são
suaves, outros vigorosos, mas todos são dinâmicos. Podem ser muito simples como no Qigong
Espontâneo, ou bastante complexos, como nos 108 movimentos do Tai Chi ou nos 64 movimentos do
Qigong do Ganso Bravo.

Por tudo isso se verifica que a recomendação dos mestres de Tai Ji Quan para que se realizem
as práticas com o corpo relaxado não é em vão, pois, para que se consiga fazer circular o Qi
livremente e mergulhar num estado de transparência e vacuidade, é indispensável que se esteja com
o corpo e a mente relaxados.
Como ensina Liao (2003, pp. 37), “Shung significa ‘relaxar’, ‘soltar’, ‘desprender’,
‘entregar’”. E acrescenta (fls. 38-39):

Na prática do movimento meditativo do T’ai Chi, “relaxamento” significa soltar-se completamente, tanto
mental quanto fisicamente. Significa entregar-se: entregar-se totalmente ao universo inteiro, entregar-se
ao infinito. Quando você for capaz de entregar-se totalmente ao infinito, será capaz de relaxar e fundir-se
na unidade que a filosofia taoista chama de integração do céu e do homem.
Em outras palavras, se você continuar sendo você mesmo, será excluído da totalidade do universo. Se,
porém, for capaz de entregar-se, tornar-se-á verdadeiramente uma parte do universo.
Quando se coloca um copo com água sobre a superfície de um lago, a água do copo não é a água do lago,
pois fica separada do corpo maior do líquido pelas paredes rígidas do recipiente que a contém; não é,
assim, capaz de entregar-se à força maior. Por isso, usando a imaginação, sinta-se moldável como a água,
totalmente flexível, passiva em relação à forma do seu recipiente. Quando a água que é você for
derramada ao lago, você será o lago.

Sasso (2010, p. 14), narra o que teria dito um discípulo sobre o ensinamento de seu mestre
(Tsuru Li), a respeito do relaxamento nas práticas do Tai Ji Quan:

Também explicou a importância de estar relaxado e de permitir que as juntas do corpo se abram. Este
procedimento favorece o alargamento dos canais por onde correm as correntes bioelétricas do nosso
corpo. Quando eu atingisse um grau de relaxamento avançado e sentisse meu corpo vazio, leve e
transparente, haveria grande progresso no meu Tai Chi. A cintura deve ficar solta, o abdome relaxado e
os cotovelos e as nádegas pendendo sob o efeito da gravidade.

Chia (2005, p. 66), por sua vez, ensina que:

Às vezes as pessoas confundem relaxamento com um completo colapso das estruturas físicas e mentais.
Isso é um erro. O tai chi é o equilíbrio entre o yin e o yang. Portanto a pessoa procura soltar qualquer
tensão física e mental desnecessária, ao mesmo tempo permanecendo mentalmente alerta e com a postura
física correta. Relaxar significa abandonar qualquer preocupação física e mental, para que a pessoa entre
num estado elevado de receptividade e sensibilidade.

A respeito desse assunto, Cherng (1998, p. 29) menciona que:

SHUN significa relaxado ou desprendido, como, por exemplo, quando se amarra um objeto de maneira
meio frouxa, ficando meio solto, ou como um parafuso que não está bem apertado. É algo flexível, não-
preso.
Dito isto, no TAI-CHI-CHUAN, o corpo permanece solto e isso faz com que as energias e a circulação
sangüínea tornem-se mais naturais, sem bloqueios.
38

Além do estado de relaxamento do corpo físico, necessário se torna também esvaziar as


emoções e serenar a mente. No dizer de Cherng, (1998, p. 22), estarmos esvaziados emocionalmente
não quer dizer que sejamos frios, mas que tenhamos uma estabilidade, uma transparência emocional
durante a prática. A mente deve estar com plena atenção, perceber tudo sem julgar coisa alguma,
sem sonolência nem fixação de idéias, sem palavras interiores nem concentração repressiva. É a
transparência.
O mesmo Cherng (1998, p. 27), acrescenta que:

KUN é uma palavra que é utilizada em referência à dimensão da consciência.


Na prática taoísta, uma pessoa pode chegar ao estado de pura consciência, não havendo, neste estado,
pensamento nem alheamento. Apenas se sabe, e não é o saber de algo, esse puro saber é a pura
consciência, sem nenhuma palavra ou julgamento. A esse puro estado de saber chamamos de KUN. É
como se, em um momento, parássemos de pensar em tudo, sem, todavia, estarmos dormindo. Estaríamos
lúcidos, claros e transparentes, para percebermos tudo sem estarmos apegados a coisa alguma. Esse
estado de consciência é KUN, sendo que, no momento em que passamos a pensar, não estamos mais no
estado de KUN.

Sasso (2010, p. 16), nos dá uma idéia de como fazer isso, transcrevendo ensinamento do
mesmo mestre (Tsuru Li) a seu discípulo, acerca da meditação em pé:

(...).me ensinou a abandonar os pensamentos antes de praticar os movimentos do Tai Chi e esperar até
que a mente se apresente límpida e tranqüila. A meditação é um esvaziamento dos pensamentos e uma
preparação para que possamos nos concentrar no momento presente. Meditar é semelhante a um homem
que sentado à beira do rio observa a paisagem e as águas passando sem parar. Se ele se levantar para
seguir uma folha ou um galho que passa arrastado pela correnteza, ele perde a contemplação da paisagem
como um todo. Assim, quando meditamos, observamos os pensamentos surgindo e desaparecendo sem
parar e não nos apegamos a nenhum deles, por mais atrativos e interessantes que sejam. Somente
observamos sua passagem. Se algum pensamento quebrar nossa concentração, devemos retornar para o
nosso foco inicial. O foco, neste caso, pode ser o ato de respirar (encher e esvaziar o abdome) e o centro
do corpo (baixo-abdome).

Chia (2005, p. 66), por seu turno, ensina que o praticante de Tai Ji Quan pode ser comparado
a um tigre que, mesmo caminhando tranqüilamente num campo, é visivelmente forte. Menciona que
o estado íntimo de tranqüilidade e força pode ser ampliado por meditações, tanto sentadas como em
pé, e que tanto umas como as outras exigem que a estrutura física esteja equilibrada para não haver
nenhuma tensão, pois a postura incorreta, gerando tensão, pode dificultar o relaxamento.
O Mesmo Chia (2005, p. 69) enfatiza que: “Sem a ajuda da meditação, a pessoa pode levar
muitos anos de prática de tai chi para alcançar o estado de equilíbrio mental e emocional que resulta
em integridade física”.
Para se obter esses efeitos, uma das mais importantes meditações taoístas associadas ao Tai Ji
chama-se “Sentar e Esquecer”, também conhecida como “Meditação Dao Yin”, a respeito da qual
foi escrito o Zùo Wàng Lùn (Tratado sobre Sentar e Esquecer) pelo patriarca Si Ma Cheng Zhen
(Dinastia Tang), no século VIII de nossa era (Cherng, 2008, pp. 45-318).
39

A sua prática, basicamente, consiste em sentar-se em postura meditativa, fixando a atenção


no dan tian inferior (região do umbigo), serenar-se a mente com o abandono dos pensamentos, e, por
fim, entregar-se ao universo (Wu Wei).
“Conservar-se no eixo do vazio é muito importante no misticismo chinês. Na Meditação
Taoísta, a consciência do praticante deve estar mergulhada dentro desse eixo invisível” (Cherng,
2001, p. 30).
Assim, treinando-se essa atitude de recolhimento, de quietude, pela meditação, poder-se-á
mais facilmente emprega-la durante os movimentos meditativos do Tai Ji Quan.
Cherng (1998, pp. 53-58) menciona trecho do Tratado do Mistério da Compreensão Interior
(Yu-Huan Shin-Inn Miao Ching), dizendo ser a obra fundamental da alquimia taoísta, em que se
menciona o estado de entorpecido. Comentando acerca desse estado, “entorpecido”, diz que se
refere ao estado intermediário entre o acordado e o adormecido, em que teremos a possibilidade de
abrirmos o portal da libertação para o universo real, chamado na alquimia de “Portal Negro”. Refere
sobre a importância de encontrarmos esse Portal do Meio, mencionando que:

Na prática do TAI-CHI-CHUAN, deveríamos tentar trazer a atuação para o estado de “entorpecido” para
podermos penetrar no universo do silêncio (sem diálogos interiores nem exteriores). Quando
conseguirmos alcançar o silêncio, as vibrações se tornarão impossíveis de serem captadas, e tornar-nos-
emos, então, invisível, ou seja, estaremos presentes fisicamente no mundo mas incapazes de sermos
distinguidos pelos outros. Isto é a transparência do ser.

Seria também como encontrar o eixo abstrato, ou seja, a transparência no sentimento, na


consciência, sem palavras ou diálogo interior. No eixo não há consciente e subconsciente, não existe
racional e irracional. O eixo é uma estrutura transparente (Cherng, 1998, p. 20 e 22). É um vazio.

V.2 - A Fusão do Interior com o Exterior, Tornando-se Um Só

A cultura chinesa é assente no sentido de que em todas as coisas existe uma área principal,
um centro, que atrai todas as energias e dirige todas as atividades. Esse centro é chamado
simbolicamente de eixo.
A esse respeito Cherng (1998, pp. 12-15) explicou que a questão do eixo, tanto no trabalho
do Tai Ji Quan como na tradição chinesa, é a essência de todas as coisas. E para poder observar,
analisar e chegar próximo do que isso significa, analisou o eixo através do espaço, da consistência
da matéria e através do tempo. Com relação ao espaço, disse que o eixo não está do lado direito,
nem do lado esquerdo; nem na frente, nem atrás. Em ralação à consistência da matéria, não é o que
pode ser sentido, nem o que não pode ser sentido. E a nível de tempo, não está no passado nem no
futuro. Assim, mencionou que o eixo está e também não está entre a direita e a esquerda e entre a
40

frente e atrás. Também está e não está no centro. Aludiu a que o eixo está e ao mesmo tempo não
está entre o mais leve e o mais pesado, assim como não é muito pesado nem muito leve. Ele está e
ao mesmo tempo não está entre o peso e a leveza. Referiu que o eixo não está no passado ou futuro,
nem no presente, explicando que ele está no tempo e também no não-tempo, o que também não seria
uma ausência de tempo. Destacou que as formas são transitórias e o espaço, o vazio, é permanente e
que o eixo é o centro onde se encontram as formas e o vazio do espaço, sendo “o princípio que
atravessa as fronteiras das formas com o vazio. É o ponto de equilíbrio”. E assinalou: “Nesta
condição de existência, encontramos o EIXO e também o encontramos na ausência dela. Os dois se
unificam e, no entanto, a partir deste momento, o EIXO não é mais EIXO da forma nem do Vazio,
mas é algo da forma e do Vazio. Este é o ponto básico do TAI-CHI-CHUAN”.
E continuou explicando que nas práticas do Tai Ji Quan não se pode ignorar este eixo e ficar
com aquele, não se podendo desligar da natureza, das coisas materiais e ficar somente no vazio,
como também não se pode utilizar uma unidade de medida para localizar, com exatidão, o eixo no
corpo, sendo necessário que se encontre esse ponto de equilíbrio, o Dao do meio, pela intuição e
com o sentimento de transparência.
Explicitando, disse que o Dao do meio é o ponto básico em que se funda a construção de toda
atividade do Tai Ji Quan, sendo o que permite que aflorem todas as características e práticas.
Acrescentou que é na junção dos eixos físico com o não físico onde se encontra o eixo do absoluto
de que se está tratando. Asseverou que se ficarmos somente no vazio perdemos o eixo, e que se
somente nos apegarmos às formas também perdemos o eixo, pois este é a consciência única, que
atua nos níveis físico e não-físico ao mesmo tempo. Daí porque, nas práticas do Tai Ji Quan,
devemos sensivelmente manter a atenção sobre ele.
Para se fazer entender mais facilmente sobre o que estava detalhando, comparou o vazio e as
formas com um espetáculo teatral, dizendo que se houver um espetáculo mas não um local onde
apresenta-lo, ou, ao contrário, se houver um palco, mas não o espetáculo, este não acontecerá e que
apesar de comumente nossa consciência se ligar mais ao espetáculo do que ao palco, ao vazio, um
não pode faltar ao outro para que o espetáculo ocorra. E, então, arrematou:

Já que o EIXO não é algo da existência e, ao mesmo tampo, não é algo da inexistência, e também é algo
da existência e da não-existência, podemos perceber que ele é o estado de pura consciência. E se atuamos
neste estado de pura consciência, o EIXO aparece, ele será sentido, vivido no sentido absoluto.
O estado de pura consciência não é conceito, nem determinação ou palavra, é a vivência. Quando vivido,
o EIXO se torna um meio de não-manifestar e de manifestar, ao mesmo tempo.
Então, na atuação deste estado, o HOMEM atinge o estado do TODO.
Quem vive nesta condição de EIXO, se torna UM. Desta forma, ele não se divide entre o que existe e o
que não existe. Não se divide em algo invisível e algo visível. Não há dualidade. E este estado se chama,
então, Estado TAI-CHI (TAI = supremo, CHI = polar: o estado supremo, acima das polaridades).

Em outra passagem (pp. 18 e 19) aprofundou ainda mais sua explicação dizendo que:
41

O praticante de TAI-CHI-CHUAN tem seus pés pisando na Terra e sua cabeça suportando o Céu e, nesse
momento, podemos encontrar o EIXO FÍSICO. Nesse instante, porém, as duas extremidades dele se
estendem, uma para cima e outra para baixo, atirando-se para o infinito, fazendo com que a energia do
Homem se una com a energia da Terra e com a energia do Céu e tornando as energias do Homem, do
Céu e da Terra uma única energia. Através desse EIXO, projetamos para o infinito e para as duas
polaridades, e somos aquele que liga essas duas polaridades.
(...)
Essa união entre o Céu e a Terra faz com que o Homem se manifeste simultaneamente em todos os seres.
Por isso, o TAI-CHI-CHUAN é a arte da integração universal. É a união do Céu, da Terra e do Homem
através do EIXO, fazendo o Homem romper a fronteira do ego humano e tornar o Homem Universal.
Através da consciência do EIXO, o TAI-CHI-CHUAN faz com que as energias vitais atravessem toda a
existência e não-existência, formando a energia única. Isto vai, conseqüentemente, causar um efeito
psicológico no comportamento da pessoa, em seu reflexo. A pessoa que pratica o TAI-CHI-CHUAN com
essa consciência do EIXO certamente poderá se tornar uma pessoa menos apegada, menos egoísta,
alguém que sabe relacionar o eu e o outro como um só.
No momento em que o ser humano chegar à conclusão de que o eu e o todo são uma coisa única, terá a
visão (KUAN) da TOTALIDADE. Quando um praticante atinge o KUN, torna-se TAO. Esse seria o
último estágio do TAI-CHI-CHUAN.

O mesmo Cherng (1998, p.19), frisou que o eixo é considerado a mãe de todas as posturas,
pois deve estar presente em todas. Então passou a discorrer a respeito do espaço, dizendo que este
“não é apenas algo que permite a existência das formas mas é também, um estado de espírito” (p.
23). E acrescentou (pp. 27-28):

SHÜ significa não-concreto. É algo que não pode ser determinado. Tem visão do Abstrato.
SHU é aquilo que não pode ser determinado, é algo que existe sem ser concreto. É o estado que unifica e
funde o físico com o não físico. É a forma da abstração, sendo, por isso, comum encontrarmos os grandes
mestres de TAI-CHI-CHUAN bastante abstraídos na execução dos movimentos.
(...)
Sendo assim, o ESPAÇO ao nível da consciência é KUN, ao nível da fusão entre corpo e consciência é o
SHU e ao nível do corpo é o SHUN.

Em outra passagem (1998, p. 25), disse que o espaço é fundamental para o corpo, que precisa
dele para se movimentar; para a energia, que precisa dele para liberar a fluidez; e para a psique, que
precisa dele para obter a liberdade interior. Disse também que uma pessoa somente será
integralmente harmônica se mantiver o espaço em cada um desses três níveis, aceitando os outros
dois como parte de si mesma, da mesma forma como é de capital importância ter consciência do
espaço para poder conviver em harmonia com todos os seres e consigo mesma.
Verifica-se, daí, quão importante se torna permitir que esse espaço ocorra e penetrar
intuitivamente no ponto de equilíbrio, Dao do meio, estado de pura consciência, que é o eixo.
Ainda Cherng (2008, pp. 180-181), destaca:

Quem transcende mente e corpo passa a habitar o nível da Consciência Universal. ... É como a água de
uma jarra lançada na correnteza: antes era uma quantidade de água separada num recipiente, dentro da
sua individualidade. Mas quando se funde com a correnteza deixa de ser a água isolada para fazer parte
da totalidade. O mesmo ocorre com o ego que se integra ao Universo quando a energia interior de uma
pessoa sintoniza-se com a energia exterior, os choques desaparecem porque as energias se fundem.
42

Já o mestre Yang Deng Fu escreveu o que entendia como os dez pontos mais importantes do
Tai Ji Quan, traduzidos por Kit (2003, p. 54), em que o oitavo ponto se refere à unidade interior e
exterior:

O treinamento do Tai Chi Chuan está na mente; portanto “a mente é o comandante e o corpo é o agente”.
Quando a mente está treinada, os movimentos e as ações ficam naturalmente leves e ágeis. Os padrões do
Tai Chi Chuan nada mais são do que movimentos alternados de “aparente” e “real”, abertura e
fechamento. “Abrir” não quer dizer simplesmente que as mãos e as pernas estão estendidas, mas também
que a mente e a vontade estão estendidas; “fechado” não significa apenas que as mãos e as pernas estão
recolhidas, mas que a mente e a vontade também estão recolhidas (ou seja, concentradas). Se o interior e
o exterior estão unificados em um único chi (ou corpo de energia), isso significa que não há separação no
cosmo.

Liao (2003, p. 39) ensina que o praticante de Tai Ji Quan necessita meditar muito para relaxar
o corpo e a mente, pois só assim será capaz de unir-se ao universo. E quando alcançar esse nível,
fluirá como flui o universo. Menciona que se deve relaxar cada articulação, abrir-se e soltar-se cada
parte do corpo. Aduz que somente alcançando-se um estado de total relaxamento físico e mental
(shung), é que se poderá sentir o fluxo de qi, daí porque o praticante de Tai Ji Quan terá que meditar
por muito tempo com a finalidade de adquirir a consciência do qi. Por fim enfatiza:

O relaxamento mental é muito mais importante do que o relaxamento físico, pois a tensão mental
invariavelmente causa a rigidez física. Os principiantes devem começar com uma mente tranqüila,
progredir até adquirir um corpo totalmente relaxado e depois meditar com o universo. Isso permitirá que
o praticante sinta o ritmo das ondas de poder do universo e, ao fim e ao cabo, aumente a consciência que
tem da circulação do ch’i dentro do corpo, sentindo-o como se circulasse no universo inteiro.

Borel (1996, p.31 e 33), por seu turno, cita o ensinamento obtido de um diálogo que teria
travado com um sábio chinês, no mosteiro de Shien Shan localizado numa ilhota do Mar da China,
respondendo-lhe o sábio que: o Dao é a origem de tudo; as árvores, as flores, os pássaros provêm do
Dao; o oceano, o deserto, os montes devem a ele a existência; o dia, a noite, as estações, a vida, a
morte e a própria existência, nele tem sua origem; os universos perecem, os oceanos evaporam-se na
eternidade; um homem surge das trevas, sorri por um instante ao clarão da existência que o envolve,
e logo desaparece; o Dao está presente em todas essas mudanças; a alma humana, em essência, é o
Dao.
Perguntou-lhe, então, o sábio: “Vês o mundo que se estende sob teus olhos?”. E, mostrando-
lhe à sua volta, continuou ensinando:

(...). Admira a paisagem a teus pés. As árvores, os montes, o mar, são todos teus irmãos, assim como o ar
e a luz. Observa as ondas que avançam de forma tão natural, movidas por uma lei cuja força invencível
reconhecem. Olha esse arbusto, teu doce irmão, e vê o princípio que rege a trama sutil de sua folhagem.
Agora ouve o que te vou dizer sobre o Wu Wei, o ‘não agir’, o ‘entregar-se’ àquele ritmo que nasce no
Tao. Os homens poderiam tornar-se verdadeiramente homens se, assim como as ondas do mar e as
árvores que florescem, se entregassem á beleza e simplicidade do Tao. Em todo homem pulsa o
movimento que procede do Tao e tende a leva-lo de volta a ele. (...).
43

E, Kit (2003, p. 178), ao comentar sobre a prática do Tai Ji Quan Wudang, ensina que:

Assim, ao praticar essa série de Tai Chi Chuan Wudang, não se deveria usar a força mecânica, nem
realizar cada figura ou seqüência em staccato. Num estágio muito avançado, os movimentos corporais
não são provocados pelos músculos, mas pelo fluxo de energia, que por sua vez é governado pela mente.
Esse é o nível transcendental ou espiritual do Tai Chi Chuan. Num nível ainda mais alto, quando
subitamente acordarmos para a grande verdade cósmica de que não temos um corpo físico, mas somos
um fluxo ilimitado de energia, em união com a energia do cosmo, teremos alcançado o objetivo mais
elevado do Tai Chi Chuan.
44

VI – CONCLUSÕES

Então, do estudo realizado nos capítulos anteriores, verifica-se que nas práticas do Tai Ji
Quan, além dos demais princípios a serem observados: a) o eixo é considerado a mãe de todas as
posturas, pois deve estar presente em todas; b) o corpo do praticante deve permanecer relaxado,
esvaziando-se as emoções; c) a mente deve permanecer límpida, sem qualquer perturbação, em paz;
d) a atitude deve ser de “wu wei” (não agir), entregar-se à beleza e à simplicidade do Dao, como o
fazem as ondas do mar, as árvores que florescem, o curso d’água de um rio, tudo ao ritmo do Dao,
deixando que o qi, governado pela mente, conduza os movimentos. Com isso o corpo do praticante
estará inteiramente transparente e vazio.
Com base nesses ensinamentos transmitidos por grandes mestres, pode-se verificar que é
possível conseguir-se realizar as práticas de Tai Ji Quan com esses requisitos e atitude. E, com eles,
pode-se mergulhar em estado de “shu”, que é aquilo que não pode ser determinado, algo que existe
sem ser concreto, o estado que unifica e funde o físico com o não físico. Então, penetrando nesse
espaço, nesse estado de espírito, pode-se deixar que o interior e o exterior se fundam e tornem-se um
só.
Contudo, também com fulcro nesses mesmos ensinamentos, verifica-se que o Tai Ji é
composto pela interação e reunião de yin e yang. A meditação, por ser realizada em quietude, em
recolhimento, é yin. Os movimentos do Tai Ji Quan, sendo atividade, movimentos, yang.
Os movimentos do Tai Ji Quan proporcionam a circulação da energia ou sopro qi pelos
canais energéticos ou psíquicos do corpo do praticante. A meditação, por seu turno, ajuda a
desobstruir esses canais para que a energia possa circular livremente, sem obstáculos. A meditação
também seria o único meio pelo qual o praticante pode tomar consciência do qi. Assim, sem a
meditação, em separado, seria impossível ao praticante de Tai Ji Quan, tomar consciência da energia
qi e faze-la circular durante a prática da forma, dos movimentos. Sem isso, sem uma consciência
clara e completa do sopro ou energia qi e sem um treinamento correto, os movimentos realizados
não consistiriam no verdadeiro Tai Ji Quan.
Com o auxílio da meditação, realizada em separado, pode-se tomar consciência dessa energia
ou sopro qi, e realizar o seu cultivo, transmutação e sublimação. Trazendo-se e incorporando-se tudo
isso na prática dos movimentos do Tai Ji Quan, realiza-se o Tai Ji, reunião do yin/yang, o verdadeiro
Tai Ji Quan.
Então, a meditação, realizada em separado, complementa a forma do Tai Ji Quan, e a forma
complementa a meditação, que, reunidas, formam o Tai Ji, a unidade.
A prática de meditação, realizada em separado, serve também como treinamento de
relaxamento e interiorização para que, durante a prática da forma, dos movimentos do Tai Ji Quan,
45

facilite ao praticante a aplicação, em conjunto, da meditação com os movimentos, tornando-os


movimentos meditativos e, desta forma, possibilitando alcançar o estado de unidade na prática do
Tai Ji Quan.
Assim, da investigação minuciosa realizada a respeito da meditação em relação ao Tai Ji
Quan, é lícito concluir que, além de necessária a prática da meditação em separado, ela é
considerada imprescindível para que se possam alcançar as metas da prática da forma ou
movimentos do Tai Ji Quan, que incluem o objetivo de alcançar-se o contido na segunda das Oito
Verdades do Tai Ji: “Teu corpo inteiro deve ser inteiramente transparente e vazio. Deixa que o
interior e o exterior se fundam e tornem-se um só”.
46

VII – CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quando se mergulha nas profundezas do estudo do Tai Ji Quan e sua filosofia, as descobertas
realizadas a cada passo demonstram quão grande sabedoria permeou as antigas civilizações do
oriente que, em tempos remotos, já possuíam conhecimento de incontáveis fenômenos, muitos dos
quais hoje, depois de milhares de anos, são comprovados pela ciência. Esse conhecimento, segundo
consta em lendas e registros históricos, era adquirido pelos sábios, por meio de uma incursão em seu
mundo interior. Isso demonstra como a nossa ciência, do “ver para crer”, apesar de grandes
conquistas, ainda se encontra no princípio da caminhada em comparação à sabedoria do “crer para
ver”, dos antigos sábios orientais.
Essas descobertas, proporcionadas por nosso Curso de Pós-Graduação em Tai Ji Quan,
trouxeram-me imensa alegria interior. Ao estudar e desenvolver este trabalho, muito me comoveu o
contato direto com as ferramentas do Tai Ji Quan aqui apresentadas, tão profundas, tão antigas e tão
atuais. Pude constatar um encontro das dimensões ocultas e invisíveis entre corpo e mente, não
obstante sempre estivessem inegavelmente unidas.
Além de ter promovido essa grande oportunidade de estudar e pesquisar a respeito da
sabedoria oriental e vivenciar o aprendizado do Tai Ji Quan, o Curso de Pós-Graduação
proporcionou-me a convivência com bondosos e inteligentes colegas e com professores de elevada
sabedoria e dedicação.
Por tudo isso, desejo parabenizar a direção da EBRAMEC bem como a Coordenação do
Curso de Pós-Graduação em Tai Ji Quan por essa iniciativa e pelo sucesso de seu desfecho, ao
mesmo tempo em que também desejo demonstrar-lhes minha gratidão por terem-me proporcionado
esta oportunidade ímpar de estudar, conviver com pessoas tão proeminentes, aprender e evoluir.
É com essa alegria interior, entusiasmo, contentamento, porém com a necessária quietude,
que, no desfecho deste trabalho, convido o caríssimo leitor a recitar com Laszlo (2008 p.13-14):

Venha,
veleje comigo numa lagoa tranqüila.
As margens estão encobertas,
a superfície lisa.
Somos barcos na lagoa
e somos um só com a lagoa.

Uma bela esteira se abre em leque atrás de nós,


varrendo toda a superfície das águas enevoadas.
Suas ondas sutis registram nossa passagem.
47

Sua esteira e a minha se fundem


formando um padrão que espelha
o seu movimento, e também o meu.
Quando outros barcos, que também são nós,
velejam pela lagoa que também é nós,
suas ondas interceptam as de nós dois.
A superfície da lagoa ganha vida
com onda que se sobrepõe a onda, ondulação a ondulação.
Elas são a memória do nosso movimento;
os vestígios do nosso ser.
As águas sussurram de você para mim e de mim para você,
e de nós dois para todos os outros que velejam pela lagoa.

Nossa separação é uma ilusão;


somos partes interconectadas do todo –
somos uma lagoa com movimento e memória.
Nossa realidade é maior do que você e eu,
e do que todos os barcos que velejam nas águas,
e do que todas as águas por onde velejam.
48

VIII – REFERÊNCIAS

Auriol B. Stress e Relaxamento. In: Claret M (ed).O Poder do Relaxamento. São Paulo: Editora
Martin Claret Ltda, 1995, p. 27-40.

Borel H. Wu Wei: A Sabedoria do Não Agir. São Paulo: Attar, 1996, 86p.

Capra F. O Tao da Física, 22. ed. São Paulo: Pensamento/Cultrix, 2004, 274p.

Cheng A. História do Pensamento Chinês. Petrópolis-RJ: Vozes, 2008, 816p

Cherng WJ. Tai Chi Chuan – A Alquimia do Movimento, 4. ed. Rio de Janeiro: Mauad, 1998,
109p.

_________. Iniciação ao Taoísmo, vol. I. Rio de Janeiro: Mauad, 2000, 104p.

_________. I Ching – A Alquimia dos Números. Rio de Janeiro: Mauad, 2001, 159p.

_________. Meditação Taoísta. Rio de Janeiro: Mauad X, 2008, 325p.

_________. Tratado sobre a União Oculta. Rio de Janeiro: Mauad X, 2008, 141p

Chia M. A Estrutura Interior do Tai Chi – Tai Chi Chi Kung I. 3. ed. São Paulo: Pensamento-
Cultrix, 2005, 224p.

DeMasco S. O Sucesso de Um Mestre Shaolin – Dicas para Você Viver Feliz. São Paulo: Cultrix,
2007, 216p

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