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 Introdução 38

Um novo olhar, uma nova imagem 42

Vincent Carelli

Xavante 52

Ashaninka 70

Kuikuro 92

Huni Kuı̃ 110

Mbya-Guarani 136

Ensaios críticos 157

O documentário e a alteridade, de Jean-Claude Bernardet
No registro da cultura, de Carlos Fausto
Imagens potentes das aldeias, de Alfredo Manevy
Memória de uma travessia, de Henri Arraes Gervaiseau
Vídeo Parentesco, de Faye Ginsburg
A evolução do projeto Vídeo nas Aldeias, de Pat Aufderheide

Olhando do chão para cima, de Lucas Bessire
Enfia essa câmera no rabo, de Leandro Saraiva

Versão em inglês 196

47 48
O registro de um sonho
A parceria firmada com o projeto Vídeo nas Aldeias (VNA) reforça a ação perene do Itaú Unibanco, por
intermédio do Itaú Cultural, de atenção e valorização à criação audiovisual brasileira contemporânea.
Esta iniciativa abre espaço para que um maior número de pessoas tenha conhecimento do trabalho reali-
zado nas aldeias e para que os brasileiros possam fazer de sua origem o destino de novas reflexões e deba-
tes, mais bem fundamentados e com entendimentos mais completos sobre as inúmeras questões que
permeiam a realidade indígena nos dias atuais.
A linguagem audiovisual é um importante instrumento de mobilização das forças sociais e permite ao
espectador um contato direto com dinâmicas muitas vezes desconhecidas, no caso brasileiro, em razão
das dimensões continentais e assimetrias territoriais e culturais do país. Esta publicação celebra os 25
anos de história do Vídeo nas Aldeias e funciona como uma importante extensão, um complemento do rico
processo que vem sendo amadurecido, desde 1986, com o fortalecimento das identidades e dos patrimô-
nios territoriais e culturais dos índios.
Desenvolver ações coletivas em aldeias indígenas pelo compartilhamento de imagens e experiências,
promover encontros inéditos entre povos com culturas distintas e aguçar a curiosidade e o potencial
criativo, ao proporcionar aos índios um aprendizado totalmente novo e transformador, torna o VNA uma
iniciativa única e especial, que merece ser aclamada e difundida.
O apoio ao projeto também reafirma os esforços do Itaú Unibanco no sentido de recuperar e preservar
a memória artística brasileira. O Vídeo nas Aldeias cristaliza sua relevância ao dar visibilidade ao rico
universo cultural dos índios e conferir, pela arte, a possibilidade de minorias excluídas retratarem seu
cotidiano, seus rituais milenares, seus costumes e sua história de forma criativa, inédita e, mais impor-
tante, autônoma.
Vídeo nas Aldeias - 25 anos
Como empresa, a Natura sempre procurou estar identificada com a comunidade das pessoas que se
comprometem com a construção de um mundo melhor.
Por isso, estamos felizes e orgulhosos por participar da celebração dos 25 Anos do Vídeo nas Al-
deias. Esse projeto pioneiro é obra justamente deste tipo de pessoas – gente que ousa sonhar com
caminhos novos para nossa vida em comum neste planeta.
Nascido em 1986, inspirado pela paixão do indigenista Vincent Carelli, o projeto cria e produz filmes
que nos convidam a conhecer outros mundos, ao mesmo tempo próximos e distantes: o mundo das
comunidades indígenas espalhadas pelo Brasil.
Só que há uma diferença destes para outros filmes sobre o mesmo tema: nestes filmes, são os pró-
prios índios que, com a câmera nas mãos, nos levam a suas aldeias, nos convidam a suas festas, nos
introduzem a seus costumes e modos de vida.
Que ideia fundamental: oferecer aos povos indígenas de nosso país – muitas vezes tratados como
estrangeiros em sua própria terra – os meios para que eles possam se expressar, dizer sobre seu pen-
samento e suas relações com o mundo. Os filmes do Vídeo nas Aldeias são preciosas peças de diálogo
intercultural. Livram-nos de séculos de clichês e preconceitos. Enchem-nos de encanto e estranhamen-
to. Fazem bem para a alma.
Uma das crenças essenciais da Natura é o inestimável valor da diversidade: quanto maior a diversida-
de das partes, maior a riqueza e a vitalidade do todo. Os filmes dizem muito a respeito deste princípio.
Eles provocam em nós saudáveis choques culturais, convidando-nos a uma relação lúdica e criativa com
a diversidade. E também nos levam a um surpreendente redescobrimento de nosso país, incentivando
sobretudo a tolerância em relação às nossas diferenças culturais.
Esta experiência nos mostra que há tantos saberes e visões de mundo quanto indivíduos diferentes
– e que todos são fundamentais. Ela nos ensina que, mais do que nunca, precisamos nos conscientizar
que somos partes integrantes do mesmo todo, essencialmente ligadas e interdependentes.
Nesse momento em que o Vídeo nas Aldeias completa vinte e cinco anos de existência, queremos dese-
jar vida longa ao projeto. Que ele continue iluminando nossas veredas e nos ajudando a compreender
as riquezas de nosso vasto e diverso Brasil.
Vídeo nas Aldeias Por um cinema intercultural

Tão logo recebi a proposta para Ponto de Cultura do Vídeo nas Aldeias, pensei comigo mesmo: “É isso, eles já são um Ponto de Cultura; potencializados em rede, Este livro-vídeo comemora os 25 anos do Vídeo nas Aldeias e pretende ser uma memória inspiradora para aqueles interessados em produção audiovisual, espe-
vão espalhar este conceito abstrato com sua prática”. O índio na frente e atrás das câmeras; roteiro, direção, edição e atuação, feitos pelos próprios índios; o
cialmente no gênero documentário, mas também a todos que valorizam e fortalecem a diversidade cultural no Brasil e no mundo.
índio na visão do índio. A construção de uma nova narrativa do Brasil, feita de baixo para cima.
O clique que gerou Vídeo nas Aldeias se deu durante um ritual de iniciação numa aldeia Nambiquara, Mato Grosso, em 1986: o acesso imediato dos Mamaindê às
O Vídeo nas Aldeias foi selecionado logo no primeiro edital para Pontos de Cultura, ainda em 2004, quando o Cultura Viva era apenas uma ideia. Um Ponto
imagens gravadas durante a festa suscitaram entre os mais velhos o desejo de produzir as cenas seguintes, para que o resultado afirmasse sua autoimagem digna
apenas, na terra indígena dos Ashaninka, às margens do rio Amônia, município de Marechal Thaumaturgo, estado do Acre, na fronteira com o Peru. Chegamos lá.
e orgulhosa. Esse processo inesperado foi registrado por Vincent Carelli com uma câmera VHS, equipamento amador e portátil, que começava a ficar acessível.
Junto com este Ponto, mais duzentos e dez, espalhados pelos cantos mais esquecidos do Brasil. Uma ideia simples, nascida do firme propósito de inverter a ló-
Ancorada no acúmulo de um novo indigenismo da sociedade civil, que prosperou em tempos de ditadura militar dos anos 1970/1980, Vídeo nas Aldeias faz
gica nas políticas públicas, ao invés de olharmos a carência e a falta, buscamos a potência, a capacidade de agir e transformar que cada ser humano, cada grupo
parte de uma geração de iniciativas que contaram com apoio da cooperação internacional e construíram pontes com muitas etnias e aldeias, para gerar um novo
social, possui dentro de si e que, no entanto, são deprimidos ao longo de séculos de dominação e/ou assistencialismos e paternalismos.
paradigma, mais otimista, sobre o futuro dos 235 povos indígenas no Brasil.
Com o Ponto de Cultura mostramos um caminho diferente: não é o povo que depende do Estado, mas é o Estado que depende do povo e é a ele, ao povo, que
Nesse período, lideranças indígenas emblemáticas emergiram na cena política do país de forma consorciada com esse novo indigenismo para sinalizar a perma-
os governos devem servir. Mais uma ideia simples e clara que teve sua lógica invertida por quem governa, que, ao invés de servir, serve-se do povo; com o Ponto
nência “dos índios” e assombrar a tese do vazio demográfico da Amazônia. Conectaram-se aos movimentos sociais que resistiram à ditadura e lutaram por demo-
de Cultura buscamos retomar este princípio de bem servir ao povo. A um baixo custo por Ponto de Cultura (R$ 5 mil por mês) conseguimos fazer com que o Esta-
cracia, o que resultou, pela primeira vez na história do país, num capítulo especial de direitos coletivos indígenas na Constituição Federal aprovada em 1988.
do chegasse diretamente na ponta da sociedade, fazendo a diferença porque não se perdia nos meandros da burocracia do Sistema e porque se adaptava à reali-
Novo patamar de direitos e visibilidade, acúmulo de informações e relações interculturais de aproximação e convivência, apoio firme e constante da coope-
dade e necessidades de cada grupo social. Assim o Cultura Viva se fez.
ração internacional e crescente disponibilização de recursos públicos no Brasil e de equipamentos de captação e edição cada vez mais profissionais e portáteis,
Nada de receitas prontas em planilhas. Ao invés de impor, dispor, perguntar. Adaptar. Não foi exatamente assim que o Brasil se fez? Mesclando sua gente,
permitiram à iniciativa Vídeo nas Aldeias prosperar, com muita dedicação e baixos custos de produção.
adaptando-se aos trópicos? Se deu certo neste imenso país de civilização tropical e solar, teria que dar certo em uma política pública de cultura. Deu certo. Sete
Ao longo desses 25 anos, foram realizados registros audiovisuais com 37 povos, das várias regiões do Brasil, com a marca de sempre dar preferência à expres-
anos depois, quando já não estou no governo, posso acompanhar incontáveis histórias de sucesso, gente das favelas produzindo seus filmes, criando maquinaria
são direta nas línguas indígenas, com legendas em português, espanhol, inglês e francês.
de cinema, cidade cenográfica, contando suas histórias em sua própria voz; coreografias sofisticadas unindo dança contemporânea com dança de rua, formando
Esse esforço gerou um arquivo bruto de sete mil horas, 87 vídeos finalizados e muitos prêmios nacionais e internacionais.
um notável Balé de Rua, como vi em Uberlândia; orquestra de violinos em escolas de samba; montagem de Dom Quixote de La Mancha com grupos de teatro
Nos últimos anos está crescendo a produção assinada por jovens realizadores indígenas, que tiveram a oportunidade de acessar as novas tecnologias e de
comunitário de treze países da América Latina, cada país representando uma cena; e os filmes dos índios, documentários e ficção. Películas em Xavante, Huni
participar de 127 oficinas nas suas comunidades e na sede do Vídeo nas Aldeias, atualmente em Olinda (PE), interagindo com uma nova geração de cineastas não
Kuı̃, Kuikuro, Ikpeng... Filmes realizados no meio da floresta, por gente da floresta. Puro protagonismo dos esquecidos que se desescondem.
indígenas admiradores dessa iniciativa.
Isto é Vídeo nas Aldeias. Isto é Cultura Viva de um povo que se faz presente e que não aceita continuar governado por quem o despreza. Isto é Ponto de Cultura,
Os casos selecionados e narrativas publicadas na primeira parte do livro, precedidas por um ensaio fotográfico, são uma amostra desse universo e dessas
um ponto de potência em que o povo é a alavanca.
trajetórias.
Que os Pontos floresçam com todas as suas singularidades e façam brotar um país como nunca se viu! Na segunda parte, o livro reúne visões de alguns críticos de cinema, antropólogos e jornalistas sobre os filmes produzidos pelo Vídeo nas Aldeias. Finalmente,
aparecem encartados dois dvds com dez filmes de várias fases.
No ambiente globalizado da sociedade da informação, ávida por conteúdos em formatos digitais, Vídeo nas Aldeias abriu e consolidou uma janela intercultu-
CÉLIO TURINO ral de oportunidade para jovens realizadores, cujos filmes interessantes e surpreendentes contaram enormemente com a memória oral e a performance dos an-
Historiador, escritor e gestor de políticas públicas. Foi secretário da Cidadania Cultural no Ministério
ciãos de seus povos, fontes vigorosas cuja renovação poderá lançar mão do legado de Vídeo nas Aldeias, muito além da videoteca.
da Cultura (2004/2010) e idealizador e gestor dos Pontos de Cultura e do Programa Cultura Viva.
Autor de diversos livros, entre os quais “Na trilha de Macunaíma – ócio e trabalho na cidade”
(Ed. SENAC-2005) e “Ponto de Cultura – o Brasil de baixo para cima” (Ed. Anita Garibaldi-2009)
BETO RICARDO

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VINCENT CARELLI

Indigenista, documentarista e fundador do Vídeo nas Aldeias

As origens
O Vídeo nas Aldeias nasceu de uma paixão, a minha paixão de menino pelos
índios. Adolescente rebelde em crise existencial, resolvi ir ao encontro do
desconhecido, de um novo mundo, um recomeçar a vida. Quando, em 1969,
aos dezesseis anos de idade, aterrissei pela primeira vez na aldeia Xikrin, no
sul do Pará, compreendi que o mundo era muito mais fascinante do que eu ti-
nha suspeitado até aquele momento. Não ingressei numa aventura política, eu
me joguei numa aventura existencial.
Na aldeia, fui adotado, como é o jeito índio de acolher. Ser adotado signifi-
cava também participar em condições de igualdade em todos os trabalhos da
aldeia: carregar fardos de piçarra na construção da pista de pouso, partir para
longas jornadas de caçada com os homens, passar dias abrindo picadas na
mata para a passagem das mulheres e crianças nas expedições, tarefas duras
para o jovem franzino que eu era. Se meu “pai índio”, Akruantury, era severo
em cobrar minha participação em todos estes momentos, quando chegava à
noite eu me sentava perto dele no centro da aldeia onde os homens se reuniam
e ele, então, carinhosamente, defumava e tratava com a sua saliva as minhas
mãos e pés feridos.
Neste período, presenciei entre os Xikrin cerimoniais espetaculares. O sen-
timento que batia forte é que eu não podia ser um dos poucos privilegiados a
presenciar aquelas maravilhas. A fotografia se tornou então uma necessidade
para compartilhar o que poucos teriam a oportunidade de presenciar.
Vincent Carelli na sua primeira viagem aos Xikrin fotografado por
Bebnio (1969).
À direita, a minha tia Niok Kro sendo pintada na aldeia Xikrin do rio
Caetêté. Foto Vincent Carelli, 1969
Quarenta e dois anos mais tarde, em 2011, depois de uma ausência de mais
de 23 anos, revi meu pai Akruantury, ao ir para Marabá, no sul do Pará para dar
uma oficina de vídeo com os Parkatêjê. Cheguei na Casa de Saúde Indígena e
ele, já bem velhinho, dormia. Pedi que não o despertassem e me sentei para
esperar. Quando ele se levantou, tomou as minhas mãos em silêncio, baixou a
cabeça e começou a chorar, como um Kaiapó chora de saudades ao rever um
filho depois de uma longa ausência: um lamento, um canto que vai narrando a
dor sentida. E eu chorei de tristeza e de felicidade ao seu lado. Nesse dia en-
tendi com clareza algo que eu sabia intuitivamente: entrei para o indigenismo
como “filho”, e não como “pai dos índios”, como muitos.

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 À esquerda, meu padrinho Ken Poti fotografado por mim
na aldeia Xikrin, em 1969.

Acima, o meu reencontro com Ken Poti, 40 anos depois.

Foto Ernesto de Carvalho, 2011

Acima, Akruantury, meu pai Xikrin

À direita, no alto, o filho de

Bebdjare, e abaixo, retrato da minha
tia Kukreiti

Fotos Vincent Carelli, 1969

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Indigenismo de Estado
e indigenismo alternativo
A aventura política começou em 1973, quando entrei na Funai. Aí sim, foi um
choque de realidade política. Depois do curso de indigenismo em Brasília, voltei
ao Pará para retornar aos Xikrin, agora com os meios, achava eu, de contribuir
melhor com a aldeia. O coronel Nogueira, chefe da Funai no Pará e Amapá, man-
dou me chamar e me comunicou que eu não iria ser “chefe de posto” nos Xikrin.
Quando, estupefato, perguntei o porquê, ele me respondeu: “Porque você é
amigo dos índios”. Foi a minha primeira lição no funcionalismo público!
Depois de uma passagem pelos Assurini, povo de língua Tupi recém conta-
tados no médio Xingu, me integrei na equipe do Projeto Krahô, com Gilberto
Azanha e Maria Elisa Ladeira, meus colegas na minha rápida passagem pela
Universidade de São Paulo. Estava claro para nós o quanto o paternalismo
autoritário do governo, a famosa tutela do índio, era altamente pernicioso
para os índios, politicamente desmobilizador. Não seria o Estado que iria mu-
dar a situação dos índios, mas eles é que teriam que retomar o curso de suas
histórias. A nossa missão era desconstruir a autoridade do “chefe dos índios”,
gerar fartura para combater a fome e a dispersão, patrocinar festas para rea-
grupar as aldeias, e, assim, recompor o tecido social, os valores e a organiza-
ção da vida comunitária.
As relações de poder com a autoridade da Funai em Goiás, também coman-
dadas por um coronel corrupto, se deterioraram e acabamos pedindo demis-
são. Se a universidade não era meu lugar, tampouco a Funai. Pouco tempo
depois, uma comitiva de índios Krahô veio nos resgatar em São Paulo: queriam
o nosso retorno, não estavam suportando o retrocesso a uma relação autoritá-
ria. Do indigenismo de Estado, migramos para o indigenismo alternativo, ou
para a subversão, como se dizia naquele tempo de ditadura. Fundamos, com
mais alguns colegas, o Centro de Trabalho Indigenista (CTI), onde continua-
mos contestando o poder abusivo da tutela do Estado, apoiando lideranças de
oposição aos líderes empossados pelos funcionários, que compartilhavam a
ideologia de “assimilação” do governo brasileiro. Lutamos por direitos bási-
cos, como a possibilidade dos índios constituírem advogados independentes
nas disputas com o Estado, direitos que anos depois foram incorporados na
Constituição de 1988. Participávamos do movimento geral da sociedade civil
brasileira em busca de alternativas.
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Comecei a trabalhar a questão da memória dos povos indígenas através da
imagem no contexto de um trabalho de 10 anos que fiz no Centro Ecumênico
de Documentação e Informação (CEDI) para constituir um acervo fotográfico
para a publicação da enciclopédia dos Povos Indígenas no Brasil, quando
visitei os grandes acervos do Brasil. Fazer estas fotografias retornarem às
suas comunidades, devolver às novas gerações estes registros da sua histó-
ria, podia proporcionar aos índios que estavam sofrendo processos de trans-
formação tão violentos e tão rápidos uma visão retrospectiva do seu proces-
so de mudança.
Um primeiro movimento
Ainda na década de 1970, o cineasta Andrea Tonacci procurou o CTI, com a
proposta do “Inter Povos”, um projeto de comunicação intertribal através do
vídeo. Mas o vídeo ainda estava nos seus primórdios e a ideia não vingou.
Quando surgiu o VHS camcorder, já com uma bagagem de dezessete anos de
convivência com povos indígenas e de militância indigenista, resolvi retomar
a ideia, e assim começou o Vídeo nas Aldeias.
Fui então para os Nambiquara, no norte de Mato Grosso, acompanhado
pelo Beto Ricardo, hoje coordenador do Programa Rio Negro do ISA, impro-
visando como de técnico de som, onde realizamos a experiência da qual
resultou o meu primeiro documentário: A Festa da Moça. O que interessava
no vídeo era a possibilidade de mostrar imediatamente o que se filmava e
permitir a apropriação da imagem pelos índios. Não era chegar “com uma
câmera na mão e uma ideia na cabeça”, mas uma câmera na mão e uma ca- Na sequência, fui para os Gavião, que acabavam de retomar o controle da Projeção nos Nambiquara, durante a primeira experiência do Vídeo
beça aberta para o feedback da aldeia, e deixar-se conduzir pelos seu entu- comercialização da castanha de sua reserva sob a liderança do Krôhôkrenhũm, nas Aldeias entre os Negarotê, no norte de Mato Grosso.
Foto Beto Ricardo/ISA, 1986
siasmo e pelos seus desejos. Foi assim que o capitão Pedro Mãmåindê assu- assessorado pela antropóloga Iara Ferraz, sob o patrocínio da presidência da
miu a direção das minhas filmagens. Funai em Brasília. A conquista da autonomia econômica e o contato recente mava. Os registros daquela época são hoje documentos históricos, uma memó-
O meu estilo de filmagem, de iniciante autodidata, foi moldado por este de um novo grupo Gavião que veio se juntar à turma de Krôhôkrenhũm os levou ria preservada para as novas gerações destes povos.
dispositivo, o que me jogou de imediato no “vídeo-transe”, sem jamais ter a retomar a sua língua, a prática do jogo de flechas e seus rituais. O vídeo caiu O mesmo processo foi iniciado com os Xavante do Mato Grosso, em par-
ouvido falar em Jean Rouch ou no Cinema Verdade. O transe, é claro, era como uma luva para o projeto de retomada cultural dos Gavião. Krôhôkrenhũm ceria com a antropóloga Virginia Valadão, minha esposa, e em seguida com
nosso e deles, que ao cabo de várias performances para ajustar a sua ima- comprou uma câmera e, inspirados pelo filme Nambiquara, voltaram a praticar os Waiãpi, no Amapá, numa parceria muito especial com a antropóloga Do-
gem, resolveram realizar a cerimônia de furação de nariz e lábios, prática a furação de lábio dos meninos, filmada pelo jovem Raimundo Xontapti. minique Gallois, pelo seu domínio da língua Tupi e pelo seu relacionamento
abandonada há mais de vinte anos. Foi uma experiência catártica, muito Os meus registros daquela época eram extensos, procurando gravar a inte- de anos com este povo. Daí resultou uma série de filmes, entre os quais, O
além das expectativas iniciais, que nos demonstrou o poder da ferramenta gridade dos cantos, uma descrição etnográfica detalhada dos rituais, porque Espírito da TV, de certa maneira, a pedra fundamental do projeto. O inter-
e do dispositivo. essa era a expectativa dos índios que assistiam mil vezes a tudo o que eu fil- câmbio de imagens entre estes povos gerou o desejo de intercâmbio presen-
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cial entre povos afins, como os Waiãpi e os Zo’é de língua Tupi, e os Parkatêjê
e os Krahô, todos dois pertencentes aos Timbira do Maranhão, Goiás (agora
Tocantins) e sul do Pará. Produzimos estes intercâmbios, que resultaram em
dois filmes, Eu já fui seu Irmão e A Arca dos Zo’é, completando a trilogia que
havíamos iniciado com O Espírito da TV.
Vários grupos com os quais trabalhávamos, Gavião, Xavante, Waiãpi, já
tinham suas câmeras e produziam registros para consumo de suas próprias
comunidades e para o intercâmbio com outras. Começamos a reunir estes
materiais e trabalhar em pequenas oficinas de edição, em que eles narravam
o início de sua trajetória com o vídeo e comentavam suas filmagens. Nesse
contexto de produção, surgiram curtas como Jane Moraita, Nossas festas, do
Kasiripina Waiãpi; Tem que ser curioso, do Caimi Waiassé e Obrigado Irmão, do
Divino Tserewahú, ambos Xavante; e Furação de beiço do Raimundo Xontapti,
dos Gavião.
Um escola indígena de cinema
O projeto logo ganhou reconhecimento internacional nos meios que discutiam
trabalhos inovadores na área de comunicação, e conseguiu prosseguir graças
a bolsas americanas para artistas, da Guggenheim, Mc Arthur, Rockefeller, e a
apoios da cooperação internacional da Holanda e da Noruega. Convidado para
muitos festivais, fui descobrindo que no México e na Bolívia haviam sido ini-
ciados projetos similares ao nosso, no mesmo ano de 1986. Descobri também
que as minorias do primeiro mundo já tinham dado muitos passos na apropria-
ção dos meios audiovisuais, tanto na esfera das suas comunidades, como na
formação de jovens em cinema nas universidades e na conquista de canais de
televisão. Este era o movimento da história e resolvemos investir também num
processo de formação de jovens cineastas indígenas.
Na primeira oficina no Xingu, reunimos trinta índios de grupos diferentes
de várias partes do país, os que já trabalhavam conosco e outros sobre os
quais eu tinha informação que estavam começando a filmar por iniciativa
própria. Foi um grande encontro de jovens que não se conheciam, em que
buscávamos uma metodologia de formação, o que os bolivianos e os mexica-
nos já estavam fazendo. Neste encontro, o Divino Tserewahú, que já filmava
há mais tempo, convocou alguns colegas Xavante e Suyá para ajudá-lo a fil-
mar um grande cerimonial na sua aldeia, Sangradouro. Dessa oficina, que
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durou mais de dois meses, resultou o filme Wapté Mnhõnõ, Iniciação do jovem
Xavante em 1999.
Depois desse encontro nacional, resolvemos trabalhar regionalmente e es-
tabelecer parcerias com ONGs e associações indígenas. Procuramos a Comissão
Pró-Índio, que realizava um trabalho de vanguarda na área de formação de
professores indígenas no Acre, e com quem tínhamos uma ligação histórica. O
CTI apoiara Terry de Aquino e José Carlos Meirelles na formação das cooperati-
vas de borracha para romper a escravidão dos “barracões” dos patrões e dos
regatões da exploração da borracha no estado e, também, na conquista da de-
marcação das terras indígenas dos povos da região.
O conjunto de professores que a Comissão reunia era formado por um
grupo muito especial, já com uma consciência crítica formada. Foi aí que
convidei Mari Corrêa, formada nos Ateliers Varan, uma escola de Cinema Di-
reto para o terceiro mundo sediada em Paris, para compor a equipe do VNA e,
juntos, adaptamos o método desenvolvido por eles ao mundo das aldeias.
Depois de uma experiência de oficina multiétnica, entendemos que trabalhar
por etnia era o que dava mais certo, pelo conhecimento da língua e pela in-
timidade que os jovens de cada aldeia tinham com seus parentes.
De lá pra cá, nestes 15 anos de formação de realizadores, trabalhamos com
37 povos, 127 oficinas, das quais resultaram 87 filmes, dos quais 78 estão no
nosso catálogo.
Um certo jeito de fazer cinema
O VNA certamente tem um método de ensino, mas antes de mais nada os re-
sultados obtidos são fruto de um estilo de relacionamento, de convivência,
de escuta dos povos com os quais trabalhamos. O fato de atendermos a uma
demanda que parte deles já é meio caminho andado. Mas, de qualquer manei-
ra, é preciso entender as injunções, políticas internas da comunidade, saber
colocar sua presença, seu ponto de vista. Uma vez conquistado este lugar,
todo o processo flui, porque o desejo de aprender é enorme.
Sem roteiro pré-concebido, a captação do material dos cineastas indíge-
nas nas oficinas se dá de maneira intuitiva, empírica e livre, atenta ao impre-
visto, ao espontâneo, à livre expressão e criação dos seus personagens. Fil-
mes que brotam naturalmente da interação e cumplicidade dos cineastas
indígenas com seus personagens, que são tão autores dos filmes quanto seus
cinegrafistas. O desejo coletivo da realização do filme cria a sinergia que gera
a força das suas produções, e a intimidade do realizador com o seu meio pro-
duz a sua originalidade.
A filmagem numa aldeia cria um momento especial durante a oficina, rompe
o cotidiano, permite estabelecer novos canais de comunicação dentro da co-
munidade, valoriza temas esquecidos. Não há momento mais emocionante
para nós, participantes desse trabalho, do que ver um grupo de jovens entre-
vistando um velho – feliz este por estar sendo indagado – se espantarem com
histórias desconhecidas para eles, e chegar até a cobrar do velho: “por que
nunca nos contou essa história?”; e o velho responder: “porque vocês nunca
perguntaram.”
O espaço da oficina é um espaço aberto, pelo qual toda a aldeia circula.
Todas as noites são realizadas projeções a céu aberto, onde são exibidos filmes
de outras comunidades, documentários, ficções, e momentos especiais produ-
zidos pelos alunos ao longo da oficina. De maneira que, durante três semanas,
um mês, os alunos, os personagens e a comunidade como um todo se veem
imersos em cinema.
A nossa participação no processo de captação se dá na retaguarda, já que
raramente participamos presencialmente das filmagens, ao revisar com eles as
imagens. É isso que justamente permite que o seu olhar se expresse. É claro
que orientar uma oficina é também fazer junto, no sentido de que você está ali
dando sugestões, comentando, discutindo, dando o melhor de si. Já a forma-
ção de um editor toma mais tempo. Depois de dois a três filmes, se revelam
aqueles que têm talento e gosto pela coisa. A sucessão dos filmes nos quais
eles se reconhecem é também uma aprendizagem do conjunto da aldeia. Trata-
se de um processo coletivo e colaborativo entre índios e não índios, de apren-
dizagem progressiva e realização.
Para contar de uma maneira mais detalhada o processo de formação e produ-
ção colaborativa, de descoberta do cinema pelos realizadores indígenas, de
interação de seu trabalho com a comunidade e o amadurecimento de ambos,
selecionamos uma amostragem de cinco coletivos de cinema. Em cinco capítu-
los, os Xavante, os Ashaninka, os Kuikuro, os Huni Kuı̃ e Mbya-Guarani contam,
juntamente com membros de suas aldeias e aqueles que, da equipe do projeto,
ministraram as aulas, como se deram essas oficinas, o processo de gestação
dos filmes e suas repercussões ao longo do tempo.
A imagem do índio
Para o Brasil, o índio é parte do seu mito de origem, orgulho da originalidade
da nação frente ao mundo, mas é ao mesmo tempo símbolo de atraso, um en-
trave ao progresso, fadado ao desaparecimento e ao esquecimento. “Programa
de índio”, por exemplo, expressão depreciativa muito comum, expressa este
sentimento de desprezo de muitos em relação aos índios.
Com a descoberta das Américas, os filósofos do Iluminismo criaram a ficção do
“bom selvagem”. Ventríloquos do “novo homem”, eles o usaram para fazer uma
crítica da sua própria sociedade, projetando nele tudo o que eles gostariam de ser
e não eram mais. Pintaram então no “bom selvagem” a inocência, a pureza e a
harmonia do homem com a natureza, as maravilhas da sociedade igualitária.
Este conceito se cristalizou e se perpetuou de tal maneira que, até hoje, a
maioria das pessoas ainda enxerga os índios através desse prisma, e gostaria
que eles correspondessem à sua fantasia. Os filmes dos índios se confrontam
em permanência com essa visão. Toda e qualquer apropriação dos elementos
da nossa civilização pelos índios é visto por muitos como uma degradação,
uma perda da pureza. Todos eles gostariam que os índios mantivessem a “pu-
reza” da sua cultura original. É por causa desta idealização que os índios
muitas vezes são classificados em “aqueles que ainda são” e “os que não são
mais” índios.
Quando os filmes rompem o cerco de distribuição para “os amigos dos ín-
dios” e ganham reconhecimento e difusão num espaço mais amplo no cenário
audiovisual brasileiro, estes sentimentos conflitantes vem à tona com clareza.
Pela segunda vez tivemos, em 2011, um de nossos filmes selecionados no
festival de Gramado. O jornalista de O Estado de São Paulo, Luiz Carlos Merten,
que cobria o festival, comentava no seu blog a respeito dos seus colegas: ” Tem
gente que morre só de pensar em assistir a filmes de índios” ou, “Tem gente
que acha que o filme nem devia estar no festival. Mas como se, como cinema,
é o melhor brasileiro até agora?”
O crítico Marcelo Miranda (http://noextracampo.blogspot.com) comenta:
“(...) Neste sentido, a definição de ‘ficção’ e ‘documentário’ se esvai ao se as-
sistir ao “As Hiper Mulheres” – assim como a preconceituosa conotação de
‘filme de índio’, que inclusive circulou entre alguns jornalistas antes da sessão.
Há, acima de qualquer pré-impressão, um trabalho elaborado e impactante de
encenação, registro e criação de espaço.”
5:
 Enquanto uns elogiam, outros destilam seu racismo. Robledo Milani, pre-
sidente da Associação dos Críticos do Rio Grande do Sul, em seu blog, http://
www.cineronda.com.br/as-hiper-mulheres de 16/09/2011, escreve: “Este
documentário (ou seria ficção?) parte de um tema curioso (...) para a realiza-
ção de algo que soa tão distante e estranho a todos nós que nem chega a
gerar frustração, reduzindo-se à indiferença (...). A se temer apenas o fato de
que Gramado tem tradição em premiar documentários com temática indígena
– Raoni, Serras da Desordem e Corumbiara são apenas alguns dos exemplos.
Resta agora a torcida para que esse equívoco não se repita.”
O programa Cultura Viva
Depois de dezoito anos de trabalho financiado pela cooperação internacional
e muito pouca visibilidade nacional, no governo Lula, o ministro Gilberto Gil e
sua equipe realizaram uma verdadeira revolução nas políticas públicas da cul-
tura. Assumindo que “o Brasil não conhece o Brasil”, e que num “País de Todos”
todo cidadão deve ter não só o direito de consumir, como de produzir cultura
desde a sua perspectiva, se iniciou uma nova era de valorização da diversidade
cultural brasileira, e se democratizou o acesso aos subsídios da cultura.
Num diálogo com a sociedade civil, tanto as Secretarias da Cidadania Cul-
tural, como a da Diversidade e da Identidade, traçaram uma política inédita de
subsídio para as populações tradicionalmente excluídas de qualquer incentivo
na área da cultura – as populações das periferias dos grandes centros urbanos,
grupos da cultura popular, remanescentes de quilombos e os índios – raízes
das nossas culturas populares e contemporâneas.
Neste contexto, o Programa Cultura Viva, que subsidiou Pontos de Cultura
por todo o Brasil, deu um apoio considerável à rede de aldeias atendidas pelo
Vídeo nas Aldeias, possibilitando a compra de melhores câmeras e equipamen-
tos para edição dos filmes nas aldeias, dando-lhes maior autonomia de produ-
ção, a realização de inúmeras oficinas de formação e encontros e a publicação
da coleção de DVDs Cineastas Indígenas, com a compilação dos melhores fil-
mes de autoria indígena.
Muito conhecido no mundo indígena, o projeto recebe dezenas de pedidos
de povos que querem participar das oficinas. Infelizmente, por falta de recur-
sos, somos obrigados a recusar. Os programas culturais desenvolvidos na era
Lula caminhavam para a democratização dos meios de produção, e um número
61
cada vez maior de Pontos de Cultura Indígenas estavam sendo desenhados.
Tínhamos em vista iniciar um processo de formação de formadores, para que
um número maior de grupos de apoio dispersos pelo país pudesse atender pelo
menos uma parte dessa demanda reprimida. Sonhando alto, poderíamos ter, a
médio prazo, uma rede nacional de cineastas indígenas alimentando seu espa-
ço próprio na TV pública brasileira.
Num momento em que vários países da América Latina implantam progra-
mas e formulam leis inspiradas no modelo brasileiro do Cultura Viva, o Brasil
parece abandonar os avanços do governo Lula e voltar a uma política elitista
de subsídio cultural. No PAC do governo – Programa de Aceleração do Cresci-
mento – não devemos nos esquecer que o “PAC da Cultura e da Educação”,
talvez sejam os mais importante deles.
O índio na TV brasileira
Provavelmente, 90% da população brasileira só conhece os índios através da
televisão, nos noticiários quando há problemas e disputas, ou nas reportagens
e nos documentários feitos por não índios que, na maioria dos casos, lançam
um olhar exótico sobre a realidade indígena. Portanto, a TV é a quase única
janela para os índios se tornarem conhecidos pela população brasileira numa
escala nacional, e ao mesmo tempo, é na TV que são reproduzidos os clichês, os
estereótipos e os equívocos sobre os índios. Quando os autores de novela criam
personagens indígenas entramos para o terreno da caricatura. Daí a importân-
cia da existência de um espaço na televisão pública brasileira em que os índios
possam nos revelar sua realidade através do seu próprio olhar.
Vinte anos atrás, os filmes que a gente produzia eram recusados pela tele-
visão pública: não eram do formato adequado, não tinham a duração certa
para a grade, não possuíam a linguagem própria da televisão. Nos últimos três
anos, trazido pelos bons ventos da valorização da diversidade cultural, surgiu
o programa “A’Uwe” de documentários sobre a realidade indígena. Apresenta-
do pelo ator “global”, Marcos Palmeira, o programa da TV Cultura exibiu e re-
prisou 40 títulos do nosso catálogo.
Difundido em horário nobre, todo domingo, às 18 horas, os nossos alunos,
Brasil afora, nos davam testemunhos sentindo a repercussão dessa difusão.
Ser descoberto pelos seus vizinhos com os quais convivem há décadas, sem ter
jamais tido a oportunidade de se conhecerem realmente. Muitos telespectado-
res escreviam para o site do programa, comentando e parabenizando a inicia-
tiva. Imaginem então a emoção dos moradores das aldeias que tiveram seus
filmes exibidos em cadeia nacional! Infelizmente, com a mudança de direção,
a TV Cultura encerrou o programa “A’Uwe”, e assim, os índios se viram excluídos
da televisão brasileira, já que essa era a sua única janela.
O índio nas escolas
Em 2008, o governo brasileiro tomou uma decisão ousada, no sentido de ins-
tituir a obrigatoriedade do ensino de aspectos culturais dos afrodescendentes
e dos povos indígenas nas escolas públicas do ensino fundamental e médio.
Essa decisão, que levará alguns anos para ser implementada de fato, implica
num enorme investimento na formação dos nossos professores numa matéria
que eles nunca estudaram, e na geração de materiais didáticos atrativos e de
qualidade sobre estes temas.
Sabendo que os filmes dos índios permitirão um acesso mais direto à reali-
dade indígena contemporânea, o Vídeo nas Aldeias tem voltado grande parte
de suas energias para a produção de filmes e livros didáticos para escolas. Em
2010, o Vídeo nas Aldeias fez um projeto piloto, subsidiado pelo Petrobras
Cultural, distribuindo três mil kits pra três mil escolas no Brasil com uma cole-
tânea de vinte filmes da coleção “Cineastas Indígenas” e um guia para asses-
sorar o professor no uso e nas discussões dos filmes em sala de aula. Esperamos
agora trabalhar, com o apoio da UNESCO, numa compilação de filmes sobre
crianças indígenas para o jovem público escolar.
Imaginem quando nossos filhos e netos puderem, desde cedo nas escolas,
se familiarizar e se interessar pela diversidade das culturas indígenas deste
país, e estabelecer uma relação lúdica e criativa com a diversidade. Será um
privilégio para nós, um redescobrimento do Brasil. Ao conhecer estes povos,
teremos mais chances de respeitá-los, e aqueles que serão vistos, se sentirem
mais reconhecidos. É preciso criar no país um ambiente mais favorável em re-
lação aos índios, e permitir que eles, nos lugares mais distantes do Brasil,
deixem para trás a vergonha de ser quem são, a vergonha pela qual muitos ti-
veram de passar em gerações passadas, e passar ao orgulho de ser brasileiro,
pertencendo a um povo indígena específico!
Se todo adolescente pudesse ter a experiência de choque cultural que eu
tive o privilégio de ter, este mundo seria mais tolerante com relação às dife-
renças culturais. Precisamos de muito mais diálogo intercultural para o índio
deixar de ser um corpo estranho, um estrangeiro em sua própria terra. A ausên-
cia, até recentemente, da temática indígena no sistema educacional brasileiro
e a reprodução dos eternos clichês e preconceitos na mídia, perpetuam este
estranhamento, esta ignorância.
Os índios querem participar da modernidade, ser incluídos neste país e gozar
de cidadania plena, desde que sua identidade e diferença sejam respeitadas. É
preciso apoiar a produção indígena contemporânea. Por ser uma ínfima mino-
ria, o acesso aos meios de comunicação é estratégico para eles. A temática
indígena precisa estar nas nossas escolas, precisa estar na mídia, mas represen-
tada por eles mesmos, com este olhar próprio que faz toda a diferença. Q
62
 Ybwbouf
Os Xavante são um povo de língua Gê, com uma população total de cerca de 15 mil pessoas. Vivem em várias

Terras Indígenas demarcadas de forma fragmentada, parte do seu território de ocupação tradicional, na região

compreendida pela Serra do Roncador e pelos vales dos rios das Mortes, Kuluene, Couto de Magalhães, Batovi

e Garças, no leste de Mato Grosso. Essa região de transição entre o cerrado e a floresta amazônica vem sofren- Abaixo, à esquerda, velhos
sentados no centro da aldeia
do fortes impactos socioambientais desde a década de 1960, devido à sua incorporação pela agropecuária
de Sangradouro, em
extensiva, processo intensificado a partir da década de 1980 pela crescente implementação da produção de Nova Primavera, MT.

grãos para exportação, em especial, a soja. O trabalho do Vídeo nas Aldeias entre os Xavante se dá na aldeia Divino Tserewahú, cineasta
indígena da aldeia Sangradouro.
de Sangradouro, com Divino Tserewahú, onde há uma missão Salesiana e com dois realizadores da aldeia de

Pimentel Barbosa, Caimi Waiassé e Jorge Protodi. Fotos Tiago Tôrres, 2008

63 64

VINCENT CARELLI O projeto Vídeo nas Aldeias che-
gou até a aldeia de Sangradouro (MT) por inicia-
tiva e solicitação dos índios no ano de 1988, épo-
ca da realização do ritual Wai’á, o mais importante
rito de iniciação masculina Xavante, que prepara
os jovens para se relacionarem com as forças so-
brenaturais que lhes transmitem poder. O Lucas,
jovem Xavante que chefiava o seu grupo de idade
e que teria importante função no cerimonial da-
quele ano, procurava algum cinegrafista que pu-
desse registrar a festa, que só se realiza a cada
15/20 anos. A preocupação do Lucas era de que a
maioria dos anciãos que dirigiam o cerimonial
naquela época provavelmente não viveriam até a
realização do próximo (como de fato aconteceu,
a maioria deles já faleceu), comprometendo as-
sim a memória de todos os detalhes da realização
do ritual. Informado em Brasília pelo Sílbene de
Almeida da existência do projeto, Lucas bateu em
nossa porta, em São Paulo, acompanhado de
mais três xavantes para pedir a filmagem que de-
veria ser iniciada naqueles dias. Como eu já me
encontrava comprometido com os Gavião do
Pará, filmando o ritual do Pemp na mesma data,
Acima, ao alto, Paulo César e Virgínia Virgínia Valadão assumiu a direção do trabalho
Valadão filmam o Wai’á, na primeira
com o fotógrafo Paulo César Soares. Na época, a
parceria do Vídeo nas Aldeias com os
Xavante de Sangradouro. Virgínia me havia relatado que as filmagens, que
Foto Paula Stefani, 1986 duraram mais de vinte dias, haviam sido pontua-
das por uma série de discussões e disputas polí-
Abaixo, fotograma do Divino gravando ticas, que foram sendo solucionadas à medida
uma conversa para o seu primeiro curta,
que foram surgindo. Por trás de questões direta-
sobre a sua trajetória de “filmador”
da aldeia. (1997) mente relacionadas com o ritual, como registrar
ou não seus aspectos secretos, se travava tam-
bém, de um duelo entre lideranças de aldeias di-
versas. Por indicação do Lucas, dois xavantes, o
65
Bartolomeu e o Cornélio, foram escalados para
acompanhar a edição do vídeo que resultou das
filmagens: Wai’á, O Segredo dos Homens. Um fil-
me mais descritivo, quase um bruto do material,
sem explicações, sem entrevistas, feito, princi-
palmente, para o público Xavante. Bartolomeu e
Cornélio ficaram, depois, encarregados dos equi-
pamentos de projeção que doamos para a aldeia
e Jeremias, filho do então chefe de Sangradouro,
Alexandre, foi indicado para o “cargo” de cine-
grafista fazendo estágio no Centro de Trabalhos
Indigenistas (CTI). Quando, dois anos mais tar-
de, o Jeremias assumiu a função de chefe de Pos-
to da Funai, ele passou a câmera para o Divino
Tserewahú, seu irmão. Aqui começa a trajetória
do Divino como cineasta.
DIVINO TSEREWAHÚ, EM OBRIGADO IRMÃO Teve um dia
que o Jeremias pegou a câmera e me disse: “vou te
ensinar”. E depois ele me disse: “agora você vai assis-
tir ao que gravou”. Quando foi à noite, ele tirou a fita
da câmera e botou no vídeo. “Você vai ver o que você
gravou hoje. Aí você vai se assustar, mas não fique
assustado não”. Eu fiquei impressionado. Como a
câmera grava? Como a câmera vai tirar o corpo da
gente, a imagem da gente? Primeiro eu fiquei tímido
com a câmera e tinha medo da comunidade, porque
eu era muito novo. Só gravava de longe, de costas. E
eu pensava que eu queria ser ‘filmador’, a minha
ideia era sempre essa. Então meu irmão não aguen-
tou mais trabalhar com a câmera e deixou na minha
mão. Eu já falei para a minha mulher: eu nasci para
filmar, foi pra isso que eu nasci. Não para pegar na
enxada, pra fazer a roça. Com a câmera você vai lem-
brar daquilo que já aconteceu.
DIVINO Primeiro eu fazia assim: galinha correndo
eu filmo, passarinho voando eu filmo. Filmava
qualquer coisa, depois fui pegando o jeito, sozi-
nho mesmo. Quando minha câmera estava mais
firme, comecei a mostrar para a comunidade. Em
1990, eu já era meio o cinegrafista oficial da minha
aldeia, Sangradouro. Ainda não tinha nenhum pro-
jeto, porque o CTI entregou a câmera pra gente e
disse pra gente filmar o que quisesse com ela. Eu
ficava pensando: como será que a televisão faz
isso? Eu ficava pensando e filmava. Comecei a fil-
mar as festas, as reuniões, os encontros. Grande
parte desse material está no arquivo do Vídeo nas
Aldeias, muita coisa mesmo, as lembranças que a
gente vai ter no futuro.
VINCENT Nessa mesma época, a antropóloga Laura
Grahan nos apresentou o Caimi Waiassé, que já vi-
nha trabalhando de forma independente na aldeia
Xavante de Pimentel Barbosa, MT. Caimi passou a
trabalhar com a gente e a integrar a equipe do
Programa de Índio, junto com o Divino e outros
repórteres indígenas Bororo, Baikari, etc. O pro-
grama, realizado em parceria com a TV da Universi-
dade Federal do Mato Grosso, veiculou quatro pro-
gramas que atingiram rede nacional através da TVE
do Rio de Janeiro. Em 1996, o que era para ser o
quinto programa acabou não saindo, e encerramos
a série. Mas foi no interior dessa experiência que
nasceu a ideia de uma oficina de formação de vídeo
para os índios, para sair da linha telemagazine que
vinha sendo desenvolvida no Programa de Índio,
com matérias muito curtas e forçosamente um
pouco superficiais, onde de certa maneira do pou-
co que se tenha sempre se faz alguma coisa. A pro-
posta era entrar numa linha documental com um
tratamento mais aprofundado, especialmente
quando se desenvolve um trabalho na própria lín-
gua e sobre a sua própria cultura.
CAIMI WAIASSÉ Comecei meu trabalho em 1990,
quando a Laura Grahan chegou na minha aldeia
com uma câmera de vídeo. O cacique gostou da
nova ferramenta e pediu para ela doar. Passei dois
anos me virando sozinho, projetando as coisas que
eram filmadas, o cotidiano da aldeia. A gente as-
sistia até o motorzinho da câmera pifar. No começo
eu filmava de qualquer jeito, balançava bastante,
a câmera levou muita pancada, tomou muita poei-
ra, mas o pessoal gostava. Aos poucos, fomos des-
cobrindo a importância da imagem. E fomos gra-
vando pra gente mesmo. No começo eu gravava a
aldeia e o que as pessoas me pediam. Depois a
gente assistia junto e avaliava, pra então ficar na
nossa memória. Em 1992, a Laura teve contato
com o CTI e o projeto Vídeo nas Aldeias, e o Vincent
me convidou para um curso básico em São Paulo.
Foi o meu primeiro curso, como lidar com a câmera,
foco, cuidar bem do equipamento, coisas assim.
Abaixo, da esquerda para direita:
O jovem Caimi e seu colega Bororo visionam
as matérias do Programa de Índio, na TV da
Universidade Federal do Mato Grosso (1985).
Estevão Taukane, apresentador do Programa
de Índio, anuncia o lançamento de um DVD
Xavante da aldeia de Pimentel Barbosa.
Fotograma de vídeo (1995)
Caimi Waiassé e Laura Grahan, anos depois
no Festival dos Índios das Américas, em Nova
Iorque, EUA, 2009.
Foto Ernesto de Carvalho, 2009
66

Imagens do primeiro curta realizado por
Caimi, Tem que ser curioso (1997).
Ele nos falou um pouco, também, sobre estrutura e
como são finalizados os documentários. Nesse pe-
ríodo, eu assisti a vários documentários que foram
realizados junto com outras etnias, porque naque-
la época o CTI trabalhava muito com os Gavião e os
Waiãpi. Assisti bastante estes filmes, para enten-
der um pouco como funcionava a realização de
um documentário. Passei a integrar a equipe do
Programa de Índio, que foi uma experiência inte-
ressante, porque juntou cinegrafistas de algumas
etnias, como Bororo, Baikari, Xavante, e a gente
começou a estudar junto como é que seria essa
nossa apresentação, a mensagem que a gente que-
ria passar na TV, pois, pela primeira vez, apresen-
taríamos algo nosso. Em 1996, comecei a trabalhar
com o meu clip Tem que ser curioso, que relata a
minha experiência com o vídeo. Cheguei em São
Paulo com uma caixa com todas as coisas que eu
havia filmado entre 1990 e 1992, mais ou menos
umas trinta fitas. A equipe do projeto sentou comi-
go e disse: “agora vamos ver as coisas que você
filmou, a partir daí você escolhe um tema”. Tinha
filmagem do dia a dia, conflitos, visitas na al-
deia, tinha de tudo. Aí eu falei: “coloca um pou-
67
co de tudo”. E editamos o curta. Nessa caminhada,
já em 1997, o projeto recebeu o convite para man-
dar dois cinegrafistas para a Bolívia. Como a gente
está no Mato Grosso, na fronteira, fomos eu e um
Baikari. Participamos de uma oficina de vídeo e da
mostra. Era o V Festival Latinoamericano dos Povos
Indígenas, na Bolívia. As coisas foram caindo de
surpresa e a gente foi seguindo os caminhos que
estavam aparecendo. Nessa oficina na Bolívia, a
gente aprendeu como fazer telenovela, ficção, fa-
zer um pouco de roteiro, mas a gente tinha dificul-
dade por causa da língua. Lá, também, começamos
a entender melhor o movimento indígena na Amé-
rica Latina. Foi quando a gente percebeu que a
gente não estava sozinho. Estávamos ali compar-
tilhando experiências, era um movimento político.
Em seguida veio a primeira oficina de cineastas
Ao lado, Tutu e Caimi
editam Tem que ser
curioso, em 1996. Foto
Vincent Carelli (1997)
À direita, fotogramas
do filme Wapté, a
iniciação do jovem
Xavante, (1999).
indígenas, no Parque do Xingu. Um mega encon-
tro de várias etnias. As comunidades Kaiabi, Ju-
runa, Suyá aceitaram a gente de braços abertos.
Estavam todos dispostos a contar suas histórias,
não houve desentendimentos. Foi uma experiên-
cia muito marcante, porque foi a primeira vez que
fizemos uma oficina num lugar que a gente estava
habituado, a aldeia, trabalho em comunidade,
compartilhando ideias.
VINCENT Foi a partir deste grande encontro no Xin-
gu que o projeto Vídeo nas Aldeias começou a in-
vestir de modo mais organizado e sistemático na
capacitação dos índios. Foi o momento em que
começamos a colaborar mais estruturadamente
nos projetos de filmes das comunidades. A transi-
ção de uma produção mais descritiva, voltada para
um público interno, para a apropriação da lingua-
gem cinematográfica e a produção de filmes que
passariam a alcançar, também, o público não-in-
dígena. Em 1997, durante a oficina de vídeo no
Xingu, formou-se um time muito bom de alunos.
Foi neste encontro que o Divino idealizou a filma-
gem do Wapté, ritual de iniciação Xavante, que
aconteceria no ano seguinte em Sangradouro. A
ideia de uma oficina desenvolvida no contexto da
cobertura de um cerimonial da sua própria cultura
se revelava, metodologicamente, extremamente
produtiva e proveitosa para os alunos. Não está-
vamos mais diante de uma situação artificial na
qual se passa um exercício de câmera do tipo “me
faça um plano sequência de alguém entrando em
casa”. Era uma situação de grande desafio e moti-
vação porque havia toda uma expectativa da co-
munidade em relação aos resultados, além de
apresentar uma diversidade de situações a serem
filmadas. Enfim, era o contexto ideal porque per-
mitia trabalhar conjuntamente tanto o aprimora-
mento da técnica quanto a questão do conteúdo,
de maneira que imagem e conteúdo se relacionem,
um objetivando o outro. Em 1998, estávamos to-
dos em Sangradouro.
CASSIMIRO WETÉ, EM WAPTÉ, INICIAÇÃO DO JOVEM XA-
VANTE Quando nasce um menino, o avô fica feliz. Ele
prepara raízes para banhar o menino e fazer dele um
bom lutador. Se isso acontecer, ele conta para os pais
e os tios, que vão testar o menino no O’ió, a luta com
raízes. Se ele for bom mesmo, o avô vai continuar
banhando ele sem que os outros saibam.
DIVINO A ideia de filmar o Wapté surgiu na oficina do
Xingu. Eu já tinha bastante experiência com o ví-
deo, e o encontro foi uma oportunidade de me apri-
morar mais. Em uma semana eu avancei muito, e foi
então que pensei em convidar alguns dos meus co-
legas para as filmagens do ritual, no ano seguinte.
Convidei o Winty e o Nikramberi, suyás, o Caimi e o
Jorge, xavantes de Pimentel Barbosa. E eles aceita-
ram meu convite na hora. Era o primeiro trabalho
coletivo dos realizadores indígenas e uma forma da
gente treinar o que havia aprendido. Combinei com
eles sem falar com o meu povo. Quando terminou o
curso, Winty e Nikramberi foram comigo visitar mi-
nha aldeia. Apresentei os dois no centro da reunião
dos velhos: “estes são os meus colegas, fizemos o
curso de vídeo juntos. Como vai acontecer uma fes-
ta de iniciação no ano que vem, eu gostaria de trazer
os dois aqui para ajudar a fazer o trabalho sobre o
Wapté”. Os velhos não responderam na hora, disse-
ram que iam pensar: “ainda tem tempo, vamos ver
isso com calma, a gente não vai te prometer”. Voltei
mais uma vez para conversar com os velhos. Na hora
da decisão, eles me chamaram e perguntaram: “a
filmagem que vocês vão fazer é para quem?” Eu fa-
lei: “é para nós, nós vamos fazer um primeiro filme
sobre a iniciação Xavante. E isso vai servir para to-
dos nós, todos vocês da aldeia. Porque em Sangra-
douro a cultura está viva e ninguém registrou ainda,
eu estou começando a trabalhar agora, fui fazer
este curso, amadurecendo um pouco”. Depois que
eles resolveram esperei mais um pouco e liguei para
o Vincent, que me disse: “ok, vamos lá, vamos rea-
lizar este filme.” Chegou o dia. Chegou o Caimi, che-
gou o Jorge, chegou o Winty. Fomos para o centro da
reunião com os velhos novamente: “Todo mundo
está feliz, vamos fazer o primeiro trabalho, vamos
apoiar vocês, podem trabalhar”. E essa primeira ex-
periência, de convidar também os colegas de fora
deu uma grande lembrança para o meu povo. Eles
sempre relembram essa história. Mas tivemos, tam-
bém, muita disputa interna entres as facções políti-
cas da comunidade durante o processo.
68

Ao alto, dança do Pahöri’wa, ou dança do
sol, momento solene da festa do Wapté.
Foto Divino Tserewahú, 2011
ALEXANDRE TSEREPTSÉ EM WAPTÉ, INICIAÇÃO DO JOVEM
XAVANTE A luta vai ser muito dura e eles vão sentir
muita dor. Seus pais vão lhe explicar que um bom
lutador deve lutar muito antes de desistir. Assim ele
mostra sua valentia para a comunidade.
VINCENT A vida política Xavante é marcada por di-
versas disputas internas entre facções e clãs. Ao
longo da trajetória da parceria entre o Vídeo nas
Aldeias e os Xavante, essas disputas muitas vezes
estiveram presentes. Nas filmagens do Wapté, a
participação de colegas de fora foi fundamental em
muitos aspectos. Em primeiro lugar, este ritual só se
realiza a cada cinco anos, e é de uma grande com-
plexidade. Em alguns momentos, as ações se desen-
volvem simultaneamente em vários locais. Só a
presença de mais de uma câmera poderia viabilizar
uma cobertura mais completa e sistemática. Acon-
tece também que o Divino, pertencendo ao grupo
cerimonial dos Tirowa, deveria desempenhar uma
série de funções no cerimonial deste ano, das quais
os velhos da aldeia dificilmente o dispensariam
apesar dele também estar filmando. E mais do que
isso, a condição de membro dos Tirowa também o
impossibilitaria de presenciar uma série de outros
eventos exclusivos de outros clãs cerimoniais. Ao
chegar na aldeia, no entanto, percebi que, fora es-
tes motivos objetivos, o Divino vinha enfrentando
de alguma facção política. Mas ao chegarem na al-
deia, o conselho dos anciãos, que coordena o ceri-
monial, discute caso a caso a questão da socializa-
ção dos bens ou benefícios que cada equipe de
convidados aporta, ou será cobrado. Este é um as-
sunto que merece uma discussão pública para que
esta compensação não se restrinja àquele que me-
diou o convite. Fui para Sangradouro para esta “co-
produção interétnica” com a mesma postura: de
não virar joguete de disputas internas e de não
aceitar cobranças indevidas para negociar a filma-
gem. Primeiro, porque não se tratava mais de filmar
para a facção responsável pelo convite, ou para
“ganhar dinheiro” com estas imagens, na versão
dos opositores, mas sim de dirigir uma oficina de
filmagem cuja proposta era justamente torná-los
autônomos neste aspecto. Estava disposto a marcar
a diferença do projeto na questão da compensação
da comunidade pela filmagem: eu não levaria nada
dali pois o fruto do trabalho seria integralmente
deles (para espanto de todos eu não estava filman-
do), além de estar contribuindo com a capacitação
de seus jovens e produzindo um material inteira-
mente apropriado por eles. Mas nossa postura de
firmeza e transparência durante o processo deu
muita credibilidade ao trabalho e aos poucos as de-
savenças foram sendo desfeitas, acertando ques-
tões de princípios e benefícios entre os opositores.
fazia uma crítica exaustiva dos enquadramentos,
dos movimentos, do conjunto de planos necessá-
rios a uma boa cobertura, de como se fixar em al-
guns personagens na cenas de multidão, etc. A ca-
racterística própria dos cerimoniais Xavante, em
que certas cenas se repetem ao longo de semanas,
foi excelente para a prática de exercícios, tornando
possível refazer até acertar certas sequências, após
visionar os erros cometidos. A partir destas imagens
se levantava uma pauta de questões relativa ao sig-
nificado daquele momento do ritual, da coreogra-
fia, da simbologia dos enfeites, etc. E eles partiam
então para pesquisar, sozinhos, esses conteúdos na
forma de entrevistas com os anciãos da aldeia. Vis-
to de fora, toda essa questão da inserção do vídeo
num jogo de disputas políticas internas pode pare-
cer marginal ao trabalho em si, mas de fato não é.
Porque não se trata de produzir um vídeo em si, mas
de ver como toda uma comunidade pode participar
e se beneficiar do processo como um todo.
ALDO TSEREWA’RÃ, EM WAPTÉ, INICIAÇÃO DO JOVEM XA-
VANTE Eu entendo a importância da imagem. Por
isso, aprendam a filmar, para que os Xavante pos-
sam filmar as suas festas.
DIVINO Depois que a gente realizou o trabalho so-
bre a iniciação, todos ficaram felizes com o resul-
três meses traduzindo e fizemos uma primeira
montagem. O Vincent me disse: “leva essa versão e
mostra para os velhos e pergunte o que eles acham
e se eles aprovam”. Levei uma primeira versão para
a aldeia. O pessoal estava ansioso, curioso de ver.
A aldeia parou, silenciou, eles apressaram a gente:
“nós temos que assistir logo para matar a sauda-
de!”. É sempre assim depois que um grande evento
acontece. Quando eles viram a primeira versão não
tinha telão, não tinha datashow, não tinha nada.
Era uma TV de 29 polegadas. Coloquei no alto, todo
mundo viu. Cada vez que os velhos falavam sobre
uma cena que aparecia, eu parava, perguntava e
anotava tudo o que eles diziam. “Para, para”, ele
falavam. “Volta um pouco. Isso tem que mudar!” E
eu anotando tudo. Dessa primeira reunião, veio a
orientação de mudança de dezoito sequências do
filme. Voltei de novo para a ilha de edição, mostrei
para o Tutu: “olha, vamos assistir. Os velhos fala- lhos cobraram: “você tem que aguentar, não foi
ram dessa imagem aqui, é para tirar. Essa imagem você que trouxe seus colegas? Agora tem que
a gente tem que arrumar a tradução”. Voltei para a aguentar, tem que finalizar!”. Então arrumei uma
aldeia de novo com a segunda versão e fizemos caixa de som e exibi o filme para eles. Quando ter-
tudo de novo. Mas aí eles falaram: “olha, o começo minou ninguém falou nada, depois de um tempo o
vocês tem que mudar, vocês tem que colocar o pro- líder levantou e disse: “Tá todo mundo de acordo
cesso dos meninos, como era antes”. Anotei de assim?”, e todo mundo concordou. “Está aprova-
novo. Foi um processo, uma experiência! Mudamos do, pode fazer assim. O Wapté está bem construí-
o começo do jeito que eles explicaram, colocamos do, as imagens, as traduções estão certinhas. Dei-
a luta, mudamos o final. E, mais uma vez, levei o xa assim agora, não mexe mais. Agora você tem

À direita, Divino Tserewahú filma
o cerimonial à caráter.
Foto Vincent Carelli, 1995
toda uma série de dificuldades ligadas a política
interna da aldeia, que o havia levado a pedir o auxí-
lio de seus colegas de fora. Como em todos os ceri-
moniais Xavante, sempre há um certo número de
cinegrafistas e fotógrafos, amadores ou profissio-
nais, vindos de fora ou ligados à missão. Cada um
vem por uma via, através do convite de algum índio
Resolvidos os impasses políticos, o trabalho pros-
seguiu de maneira tranquila, assumindo uma dinâ-
mica que foi progressivamente conquistando mais
pontos na confiança e na participação da comuni-
dade. O procedimento consistia em dirigir os alunos
durante os registros do cerimonial, e, durante 2 a 3
horas diárias visionar com eles os resultados. Ali se
tado. As pessoas falaram: “este filme vai se espa-
lhar para todo o mundo, isso é o que a gente tem
que mostrar para as outras etnias, como é a cultura
Xavante”. Mas demoramos meses para editar o ví-
deo. Fomos para São Paulo, eu, o Caimi, o Jorge, o
Bartolomeu, que também participou da oficina e o
Tutu Nunes, que era o editor. Passamos cerca de
filme para os velhos. Dessa vez, enquanto eu exi-
bia, liguei para o Tutu e deixamos a conversa rolar
para ele ouvir. E já fomos fazendo as mudanças.
Levamos três, quatro meses nessa edição do mate-
rial do Wapté. Na terceira viagem, fiquei lá, traba-
lhei e disse: “olha agora estou cansado de viajar,
eu tenho família para cuidar também.” Mas os ve-
que finalizar”. Depois que o velho falou todo mun-
do aplaudiu.
VINCENT Os velhos imaginavam este registro de
forma idealizada. Exigiam rigor nas pinturas e nos
adornos e se incomodavam com a bicicleta, a an-
tena parabólica ou a camionete que, vez por ou-

69 6:
tra, aparecia no fundo da cena. Um depoimento
emocionado de um velho, colhido no calor dos
acontecimentos, quase foi vetado, porque ele ves-
tia uma camisa. Argumentamos que um depoi-
mento refeito a frio não teria a mesma força e que
a camisa era um mero detalhe. Conseguimos man-
tê-lo na edição final. Os velhos queriam uma des-
crição geral do cerimonial, sem focar nenhum in-
divíduo em particular. Do nosso ponto de vista,
destacar alguns personagens ajudava a humanizar
convívio tão saboroso com a equipe e os mais pró-
ximos, o conselho de anciãos e inúmeros persona-
gens da aldeia, acabou de sedimentar uma relação
muito próxima e participativa na etapa da edição
do vídeo. Assim, o primeiro documentário foi um
aprendizado, não só para os cineastas, mas para
toda a comunidade. No segundo filme, eles já en-
tendiam onde chegaríamos.
ALEXANDRE TSEREPTSÉ EM WAI’A RINI, O PODER DO SONHO
espírito da natureza, uma pajelança muito forte,
uma cerimônia importante. A festa aconteceu em
2000. Mas dessa vez, decidi filmar sozinho. Eu esta-
va mais confiante, porque a realização do Wapté
mudou muito o relacionamento da comunidade co-
migo. Todos ficaram felizes com o resultado do pri-
meiro filme, todo mundo ganhou. Wai’á rini foi um
processo bem mais tranquilo, não teve nenhuma
dificuldade, não teve nenhuma política interna. Eu
tive um apoio total, eles sabiam que iria acontecer
mesmo tempo você filma”. Foi preciso que eu ficasse
muito atento nessa filmagem, para não perder as
coisas importantes. De tempo em tempo, eu procu-
rava os velhos e perguntava: “o que é que vai acon-
tecer amanhã?”. Eles me explicavam. “Eu posso não
participar então, posso filmar? Pode, você não pode
deixar de filmar isso ou aquilo”. Foi assim até o final
da cerimônia, que durou um mês.
ALEXANDRE TSEREPTSÉ EM WAI’A RINI, O PODER DO SONHO

o relato e criar empatia do público com o filme.
Cada elipse que ensaiávamos na ilha de edição
teve que ser negociada. Divino trazia consigo a
censura dos velhos, que o repreenderiam por ter
omitido detalhes considerados da maior impor-
tância para eles. Mas a participação da comunida-
de foi intensa. Para mim, Wapté foi, antes de mais
nada, uma prova de paciência, num primeiro mo-
mento, que se transformou num autêntico prazer
tentando entender e administrar a dinâmica do
processo, além do entusiasmo proporcionado por
cada sacada de câmera. Creio que a grande con-
quista da oficina foi tirar o vídeo do terreno das
disputas políticas, objeto de monopolização e
manipulação de alguns, e colocá-lo numa esfera
mais consensual que é o mundo do cerimonial. O
Os meninos da cabaça pulam muito para sofrerem
bem. Isso se chama Wai’á rini, o sofrimento do ho-
mem Xavante para conhecer as forças sobrenaturais.
Os meninos da madeira também ficam de pé o tempo
todo cantando e segurando a madeira no braço.
DIVINO EM WAI’A RINI, O PODER DO SONHO Eu sou o Di-
vino Tserewahú. Na minha iniciação fui um menino
da cabaça. Nessa nova cerimônia do Wai’a, eu sou
guarda. Estou batendo o chão para os meninos.
Além de guarda, eu sou cinegrafista. Filmo e parti-
cipo da festa ao mesmo tempo.
DIVINO Meu segundo projeto foi um filme sobre o
ritual Wai’á rini, que é o ritual de iniciação espiritu-
al masculino, quando encontramos uma espécie de
como aconteceu no Wapté. Ao mesmo tempo, o
Wai’á rini foi um filme que me deu muito trabalho
técnico. Eu usava uma super VHS. Filmei durante
uma semana e ela pifou. Por sorte, o Tokoda, um
amigo japonês, jornalista de uma TV no Japão, veio
a meu convite para o ritual e usamos a câmera dele.
Eu dizia a ele: “olha se acontecer alguma coisa você
vai lá e filma tudo, não desliga a câmera, porque
você não entende Xavante. Quando um velho, ou
uma pessoa falar, não corta, às vezes pode ser algu-
ma coisa importante, filma”. E ele cumpriu isso. De-
pois que minha câmera estragou, assumi a câmera
dele. Mas não havia como filmar tudo, porque era
também obrigado a participar do ritual. Era o que os
velhos me diziam: “você não pode apenas filmar,
tem que participar do ritual, sofrer um pouco. Ao
O sonho é muito importante para a vida do Xavante.
Através do sofrimento e do desmaio durante a cele-
bração ele pode ver o que vai acontecer no futuro.
Quando ele conta o que sonhou acontece mesmo.
Ele também pode encontrar os mortos através do
sonho. Por isso é importante sofrer e desmaiar mui-
to durante a celebração do Wai’a Rini. Quem sofre
mais, sonha mais e tem mais poder.
DIVINO A edição começou em São Paulo, com o
Waldir Afonso, que foi também o editor de A festa
da Moça (1987), primeiro filme do Vídeo nas Al- me perguntava: “será que ele está chateado com o Olinda e me pediu para filmar o que estava faltan-
deias. No começo eu não me relacionava bem com trabalho?” Até que um dia fomos juntos ao aniver- do, as conversas com os velhos. Eu anotei tudo, o
ele. Achava ele estranho, bravo, porque é muito sário de uma amigo dele e comecei a me soltar, a Waldir anotou tudo, aproveitei muito os velhos
quieto. Quando o Waldir começava a me perguntar: brincar, a me abrir com ele. No outro dia já era ou- falando do significado de tudo. Parti então para
“como que é isso?”, ele falava meio duro assim, eu tro Waldir. Aí ele começou a gostar do filme. E eu Olinda e finalizamos o vídeo. Quando termina-
me acostumei muito com ele. No começo, ele me mos, levei para a aldeia de novo e eles aprovaram
perguntava bastante e eu explicava tudo para ele. na hora. Depois da experiência desse filme, come-

À esquerda, fotogramas dos filmes
Daritidzé e Wai’a Rini, o ritual
da espiritualidade Xavante (2000).
Acima, à direita, César Tserenhi’Omo,
assistente do Divino na aldeia
Sangradouro.
Foto Divino Tserewahú, 2011
Assistimos a todo o material juntos e só então fize-
mos o primeiro corte. Na época, o Vídeo nas Al-
deias estava transferindo sua sede para Olinda.
Vincent me pediu para que eu levasse uma cópia da
primeira versão para a aldeia e que no ano seguin-
te a gente continuaria o trabalho. Em janeiro de
2001, Vincent me ligou para que eu fosse para
cei a pensar em vários projetos. Wai’á rini, inclu-
sive, gerou, o Daritzé, Aprendiz de curador, um
filme sobre o mesmo ritual, na Aldeia Nova, da
reserva São Marcos. Fui filmar uma reunião de ve-
lhos conselheiros indígenas e levei alguns filmes,
inclusive o Wai’á rini. Após a projeção o cacique
chegou perto de mim e disse: “sobrinho, queria

71 72
que você registrasse a nossa festa”. Eles queriam
um filme como fiz em Sangradouro. Todos concor-
daram e fiz o vídeo. Eu mesmo editei com o Leo
Sette, em Olinda. Terminamos o trabalho em
2003. Depois disso, busquei me concentrar na
realização de um filme sobre a nominação femi-
nina Xavante, a Festa da Onça. Já havia filmado
em 1995, a última vez em que a festa aconteceu,
mas sem a pretensão de um filme, apenas um re-
gistro. Este foi um projeto que não aconteceu
como eu esperava.
CASSIMIRO WETÉ, EM MULHERES XAVANTE SEM NOME Essa
cerimônia que vamos fazer, os velhos contavam
assim: há muito tempo, as mulheres foram pegar
mel de abelha preta. No caminho, foram beber
água porque estavam com sede. Elas deixavam
seus cestos perto da lagoa, se aproximaram e vi-
ram cabacinhas vermelhas boiando. Mergulharam
para pegar. Os U’u, que viviam na água, pegaram
as mulheres. Só a gestante fugiu, porque tinha fica-
do na margem. Elas ficaram dias na água, saíram
com a cara preta e morreram. Apareceu um homem
que tinha poder espiritual. Ele foi para a lagoa e
começou a bater o pé. Ele secou a água da lagoa e
os U’u saíram. Eles foram para outra lagoa. Todo
mundo viu e fazemos assim até hoje.
Tiago filma o trabalho de tradução
e edição do Divino com os velhos.
Foto Amandine Goisbault, 2008
Fotogramas do filme Mulheres
Xavante sem nome, 2009
73
DIVINO EM MULHERES XAVANTE SEM NOME A festa das
mulheres acontecia tradicionalmente de 7 em 7
anos e durava praticamente quatro meses. Há mui-
to tempo que a festa está extinta nas quase 165
aldeias Xavante, menos na nossa, Sangradouro. O
problema é que a última vez que conseguimos reali-
zá-la até o fim foi em 1995, e desde que resolvi fazer
um filme sobre a festa, ela sempre foi interrompida
nas fases preliminares. Cada vez que começamos a
festa algo importante a interrompe no começo. Em
2002, uma tora caiu no começo da festa. Um jovem
acabou morrendo. Em 2003, o responsável pela fes-
ta naquele ano, o Ramiro, faleceu de doença. Em
2007, eu me acidentei gravemente num acidente de
carro. E em 2008, o então cacique Patrício e mais
quatro pessoas faleceram também num acidente de
carro. Mas agora vejo que muita gente não está
mais querendo que a festa aconteça. A ideia de re-
fazer a festa para filmarmos não foi muito além da
reunião. O prazo para apresentar o filme chegava ao
fim e finalmente assumimos que se tratava de um
filme sobre uma festa que não acontece mais.
VINCENT Entre a realização de Wapté e Wai’á rini e
seu filme mais recente, Pi’õ nhitsi, Mulheres Xavan-
te sem nome (2009), Divino ganhou reconheci-
mento em Sangradouro e comunidades vizinhas,
tornou-se o cinegrafista das aldeias, professor em
oficinas de audiovisual em universidades e festi-
vais de cinema, correu mostras no mundo inteiro,
produziu filmes para outros grupos e comunidades.
Mas a história deste último filme atravessou toda a
sua trajetória como cineasta. O sonho do Divino
era fechar essa trilogia: a iniciação da furação de
orelha, a iniciação espiritual e a nominação das
mulheres. São os grandes rituais Xavante, e ele rei-
vindicava que Sangradouro era o único lugar onde
ainda se realizava a festa. Entramos com o projeto
em um edital e ganhamos. Na verdade, entramos
em vários editais e, por diversos acontecimentos
que impediram, ano após ano, a realização da fes-
ta, precisamos reverter essas verbas para outros
projetos do Vídeo nas Aldeias. Até que um dia ele
chegou e disse: “agora vai...”. Enviamos um proje-
to para o PDPI (Programa Demonstrativo dos Povos
Indígenas) e começamos a gastar. Já era o terceiro
edital que entrávamos para a realização do filme.
Eu sabia que não tinha mais retorno. Então, em
2008, entramos de sola neste assunto. Nesse meio
tempo aconteceu uma oficina de roteiro com os
realizadores indígenas na aldeia Ikpeng, no Xingu,
com o Leandro Saraiva, e quando o Divino contou
sobre a saga de seis anos de tentativas de realiza-
ção da festa, que ia filmar mas não filma, começa e
não começa, ficou claro pra gente que era muito
mais interessante a investigação do porquê da não
realização da festa do que a própria festa. Nessa
hora Divino reagiu super mal, e não mostrou inte-
resse nessa proposta. Se manteve irredutível e dis-
se que naquele ano de 2008 com certeza a festa
aconteceria. E pronto, mais uma vez não aconte-
ceu. A gente precisava fechar o DVD Xavante da
Coleção Cineastas Indígenas, o financiamento es-
tava vencendo. Então falei para o Divino: “olha,
estamos com o prazo vencendo, agora o filme tem
que acontecer, ou ficaremos numa situação com-
plicada”. Passei a pauta para o Tiago Tôrres e a
Amandine Goisbault. Eles precisavam ajudar o Di-
vino a descobrir como fazer este trabalho.
TIAGO TÔRRES O processo de realização deste filme foi
muito difícil. Eu e Amandine fomos para aldeia com
a missão de trabalhar num filme que ainda não tinha
sido abraçado completamente pelo Divino. Ele pare-
cia não aceitar de modo algum a nossa proposta.
Fechava os ouvidos. No início, tivemos muitas desa-
venças no nosso entendimento do processo, desde a
apresentação e negociação do filme com os velhos,
no primeiro dia, passando pelas censuras do que po-
deria ser ou não dito ou mostrado, o processo de
controle coletivo da imagem, até dificuldades nas
traduções do material que íamos produzindo, que
precisavam ser checadas e refeitas diversas vezes,
pois os tradutores ora tinham dificuldades com a
língua, ora traduziam da maneira que lhes era mais
conveniente, de acordo com as políticas internas da
aldeia – mesmo o Divino, que resistia muito em es-
clarecer o que estava acontecendo. A condição para
a realização a festa, segundo os velhos, era o dinhei-
ro na mesa. De acordo com o Divino, eles aceitaram
fazer o ritual. Ligamos para o Vincent que, um tanto
desconfiado, concordou. Começaram os preparati-
vos com um pouco do dinheiro que tínhamos levado.
Mas quando os anciãos compreenderam que a verba
disponível não seria o suficiente, pois grande parte
dos recursos já havia sido gasto no desenvolvimento
do projeto, decidiram suspender novamente as ati-
vidades. Foi quando o Divino realmente percebeu
que o projeto tinha furado. Eu brincava: “Divino,
nós somos um projeto que furou!”. Mas foi um mo-
mento de muito sofrimento pra ele.
DIVINO A gente, eu e Tiago e Vincent discutíamos
muito. Até doença me pegou nesse momento. Um
dia as coisas aconteciam de um jeito e no outro os
velhos já mudavam. Eu chorava muito. Quando o
Tiago chegou na aldeia, acho que aconteceu algum
tipo de feitiço na comunidade, porque a gente bri-
gava, não se entendia a respeito de como levar o
filme. O Tiago e a Amandine diziam para filmar uma
coisa, e eu dizia que já tinha imagem. O Vincent me
pedia entrevistas. Eu estava muito chateado, en-
tão, às vezes eu precisava sair, me ausentava al-
guns dias dos trabalhos, mas depois voltava. Aos
poucos isso foi passando.
74
 VINCENT Mas o ponto central, que está implícito
neste processo e que se reflete diretamente no fil-
me, é a mudança dos padrões morais dos Xavante em
função do processo de catequização no contato
com os salesianos e a censura decorrente da proxi-
midade dos fazendeiros e das comunidades não-in-
dígenas. A questão era que a comunidade não queria
fazer a festa, pois envolvia o que eles denominavam
a “coisa”. Apesar de toda a resistência, o Divino de-
cidiu conversar com as mulheres mais velhas que
revelaram, afinal, qual era o nó da questão, o porquê
da festa não acontecer mais. Ao contrário dos ho-
mens, as velhas falaram abertamente sobre o proble-
ma. A festa envolve a troca de mulheres. A “coisa”
era o sexo com os cunhados. E elas explicam que as
mulheres mais jovens tinham medo, mas que não
havia nada de extraordinário, que não precisavam se
relacionar com todos os cunhados, apenas com o
que era preferido. Com seus depoimentos, elas des-
mitificaram a “coisa”. As cartas estavam na mesa e o
Ao alto, Divino trabalha na sua ilha de
edição no Museu dos Salesianos na aldeia
de Sangradouro. Foto Tiago Tôrres, 2008
Acima, Divino consulta a velha Pierena
sobre a festa de nominação das mulheres.
Foto Amandine Goisbault, 2008
Ao lado, Divino interroga os velhos
mostrando as imagens da festa.
Foto Amandine Goisbault, 2008
Ao lado, à direita, os velhos voltam ao
local de chegada em Sangradouro, para
recontar os primeiros contatos com
os padres Salesianos. Foto Amandine
Goisbault, 2008
75
Divino, finalmente, embarcou na pesquisa do tema e
mergulhou na problemática do filme.
ALEXANDRE TSEREPTSÉ, EM MULHERES XAVANTE SEM NOME
Pi’õ nhitsi junto com U’u significa que as mulheres
recebem um nome.
TIAGO A montagem de Mulheres Xavante sem nome
foi uma das mais longas que já vivenciei no Vídeo
nas Aldeias. A cronologia dos eventos era confusa,
trabalhamos muito com arquivo e o making of, que
incorporamos também ao filme. Um processo bem
complexo. Mas o foco narrativo era este, a busca do
Divino pelo seu filme. Quando fomos editar ainda
faltava uma costura que desse mais clareza ao fil-
me. Foi quando Vincent sugeriu a sequência onde
estamos eu e Divino na ilha de edição, conversan-
do sobre a festa, explicando o processo. E é neste
momento também que o Divino dá seu depoimento
revelador, de que ele próprio era filho do ritual.
Este foi, para mim, o mais bonito dessa história. A
descoberta do Divino de que seu pai não era seu pai
biológico, foi doloroso, mas um processo muito
bonito pra ele também.
DIVINO O processo da montagem foi mais tranqui-
lo. A gente foi construindo a ideia devagarzinho,
fizemos um roteiro. Foram dois meses e meio de
trabalho. O título quem sugeriu foi o Vincent. Tia-
guinho e eu conversamos sobre o nome escolhido.
Eu tinha uma defesa muito boa para as críticas que
receberia na aldeia. Distribuí o DVD sem falar
nada. E depois de assistirem ao filme, os velhos
ficaram muito bravos. Então perguntei: “Vocês
querem saber porque que a gente colocou Mulhe-
res Xavante sem nome? Alguém já pensou nisso?
Em 2002 começamos a festa. Vejam aquelas mu-
lheres sentadas ali, elas receberam um nome?
Não. E aquela outra recebeu? Não. E aquela outra
recebeu? Não. Então pronto. Em 2003 tiveram ou-
tras meninas que iriam participar da festa. Elas
receberam um nome? Não. E em 2007, receberam?
Não. Essas mulheres que tiveram vontade de par-
ticipar e ganhar um nome hoje em dia já tem fi-
lhos, já se casaram, já são mães, e não receberam
um nome. O título desse filme é uma homenagem
a elas”. Todos começaram a rir e a falar e depois de
quase 6 horas de discussão, concordaram. Um an-
cião se levantou e disse: “está certo, vamos deixar
assim. Mas vamos realizar essa festa para que elas
ganhem um nome, e o filme vai poder se chamar
Mulheres Xavante com nome.
DIVINO, EM SANGRADOURO Em 1957, depois de sécu-
los de resistência e de fuga, um grupo Xavante se
refugiou na missão salesiana de Sangradouro,
Mato Grosso. Hoje rodeados de soja. Com a terra e
os recursos depauperados, eles mostram neste fil-
me suas preocupações atuais em meio a todas as
mudanças que vêm vivenciando.
VINCENT Durante as filmagens de Mulheres Xavante
sem nome, realizamos também a produção de San-
gradouro, filme que apresentaria o histórico do
contato dos Xavante com as missões salesianas,
nos anos de 1950. O nosso desafio era conseguir
mostrar as transformações e contradições geradas
na comunidade a partir do contato. Uma coisa é o
segredo ritual, outra é o segredo do mundo cotidia-
no, da realidade contemporânea. Por que existe um
conflito entre aquilo que se vive e o que se deseja
mostrar nos filmes. Embora isso ocorra também em
outras comunidades, nos Xavante isso é latente. A
câmera é vista como um instrumento de registro da
“cultura”, capaz de trazer de volta o mundo ideali-
zado da tradição. Desde o início, o interesse dos
Xavante voltou-se para a documentação de suas
festas de iniciação, rituais estruturantes de sua so-
ciedade. Com Mulheres Xavante sem nome e Sangra-
douro rompemos com essa estrutura.
TIAGO Segundo o Bartolomeu, Xavante que acompa-
nhou todo o processo da filmagem, entre os Xavante
tem-se a “mentira de todo mundo” e o que eu, brin-
cando, chamava de “segredo maçom”, porque nada
do que vai contra o que consideram como tradicio-
nal pode ser mostrado. O Divino compartilha dessa
esquizofrenia entre os mundos, conhece todos os
códigos. Ele tem uma postura perante a gente, outra
perante os padres, outra diante da comunidade,
precisa se movimentar nesse jogo de relações, do
que se espera dele, tem que pesar muito o que pensa
e a forma como vai se expressar nos seus filmes. Em
Sangradouro, ao contrário do que imaginávamos,
foi possível transitar por várias questões, a religião,
a escola, os conflitos entre as gerações.
76

DININO EM SANGRADOURO Fugindo do litoral até o
Brasil Central, o meu povo Ay’we, que vocês cha-
mam de Xavante, resistiu durante séculos ao con-
tato com os brancos. Mas em 1943, Getúlio Vargas
lançou a Marcha para o Oeste, para ocupar defini-
tivamente o Brasil Central. As expedições puniti-
vas, os fazendeiros, as frentes de contato do Servi-
ço de Proteção aos Índios e dos missionários
Quando o padre veio, meu pai o reconheceu: Ӄ ele,
foi com ele mesmo que eu sonhei!”.
TIAGO TÔRRES Foi tudo muito tenso durante as fil-
magens de Sangradouro. Vivíamos tudo ao mesmo
tempo, as filmagens de Mulheres Xavante sem nome
e o histórico. Quando eu revejo a cena da entrevis-
ta com o padre Luís, o Divino com o rosto fechado,
uma tremedeira interna. Eu com a câmera ainda
sem entender o que estava acontecendo, tomado
por essa mesma sensação. A gente ensaiou muito
essa entrevista. Eu, Amandine e Divino íamos para
um lugar afastado e ensaiávamos as perguntas,
porque o Divino estava bastante apreensivo. O pa-
dre Luís também com uma postura resistente em
relação à gente, buscando justificar a catequiza-
ção e, ao mesmo tempo, reivindicando um espaço
para o ponto de vista dos salesianos.
DIVINO Trabalhamos muito com as imagens histó-
as partes. O Xavante é um povo muito estratégi-
co. Quando vieram para as missões, estavam
morrendo como grupo. E eles não queriam mor-
rer, queriam viver. Eles tinham que ser submis-
sos, porque precisavam. Nossa preocupação foi
catequizar e evangelizar os Xavante. E ao mesmo
tempo, alfabetizar. Importante era o Xavante
aprender a ler, a escrever e a trabalhar. Por que
no começo eles passavam fome.
DININO EM SANGRADOURO Depois do internato, nos
deram o serviço braçal. Trabalhamos a vida toda,
antes e depois de casar. Papai Pedro achou o lugar
com progresso para todos: a missão, os estudos, a
saúde. Foi o fruto do sonho dele. Se não tivéssemos
chegado aqui na missão teríamos morrido ou nos
matado a nós mesmos. Aqui aprendemos a falar o
português, mas não perdemos nossa tradição. Ne-
nhum ritual foi perdido. Tudo isso sempre viverá.
Minha casa é de alvenaria, mas eu falo a minha lín-
gua.(...) Hoje a soja está nos cercando e os fazen-
deiros acham que vão acabar com a nossa tradição.
Mas estamos aqui dançando, nossa tradição nunca
vai acabar. Quando chegamos éramos poucos e hoje
temos muitas crianças. Isso nos emociona muito.
VINCENT Divino se empenhou nessa história. O de-
poimento dos velhos, a história do pé de jatobá
onde havia sido o contato, e também a entrada das
coreografias dos índios americanos, uma febre en-
tre os mais jovens, a mudança dos padrões alimen-
tares. Eles queriam e ao mesmo tempo não queriam
que fosse filmado. Mas foi um filme cheio de sur-
presas, de embates, que apresentava as contradi-
ções. Tive receio de que a montagem proposta pela
Amandine e as escolhas que fizemos não fossem
aceitas na comunidade, porque o filme não corres-
ponde à imagem que se espera dos Xavante. Me
parecia problemático, no filme, o fato de termos
conseguido balancear a posição dos velhos, dos
jovens, um duelo muito equilibrado, todo mundo
foi contemplado. A impressão que tenho é que os

Primeiros contatos da frente do SPI com os
Xavante de Pimental Barbosa, em 1951.
Foto Lamônica / Museu do índio / Funai
Missão Salesiana de São Marcos no Mato
Grosso. Foto Missões Salesianas (1958)
salesianos, nos forçaram ao contato.
DININO EM SANGRADOURO Viemos de longe. Em 1953,
meu tio Toroibu falou em mudar de lugar. Os Xavan-
te de Pimentel não nos aceitaram, porque já tinham
feito contato. Formamos então a aldeia Parabubu-
re. Outros chegaram lá para morar, mas trouxeram
doenças. Começamos a sentir muita coceira, e a fi-
car fedidos, doentes. Então começamos a nos espa-
lhar. Morreram muitos Xavante no caminho. Quando
acampamos na aldeia Ete’rãirebere, o padre Salva-
dor Papa sobrevoou, procurando os Xavante disper-
sos. Meu tio Papai Pedro começou a sonhar com um
lugar e nós viemos seguindo o sonho dele. Chegando
aqui Papai Pedro sentou-se debaixo do pé de jatobá.
ricas produzidas pelos padres. Fizemos uma reu-
nião com o Tiago e a Amandine e decidimos tocar
o filme com o material que já existia. Chamamos
o padre, sentamos com ele, conversamos. Ele fala
a nossa língua, nos emprestou todo o material
que tinha, fizemos cópia. Para mim, este traba-
lho foi uma experiência muito avançada. Um
amadurecimento, porque envolveu roteiro, pes-
quisa, não era apenas chegar e filmar. Divino entrevista o Padre Luís, superior da
Missão Salesiana de Sangradouro, em 2008.
PADRE LUÍS EM SANGRADOURO Os salesianos optaram
Na missão, os velhos relembram
por ficar com os Xavante. Mas acontecia que os
o que aprenderam com os padres,
missionários salesianos não conheciam nem a
no filme Sangradouro (2009).
língua nem a cultura Xavante. Então houve mui-
tos desentendimentos e atos violentos de ambas Fotos Amandine Goisbault, 2008

77 78

velhos sentiram que seu discurso foi reafirmado
perante a discordância dos jovens, o que para nós
foi uma surpresa.
TIAGO A gente ficou na expectativa, ligava todos
os dias para saber como tinha sido a recepção do
filme na aldeia. Quando o Divino nos disse que os
velhos ficaram alucinados com Sangradouro, nem
acreditamos. Segundo o Divino o filme repercutiu
muito na comunidade, as pessoas perguntam como
ele teve coragem de mostrar o que mostrou, ficam
impressionadas como ele dialoga francamente
tanto com os jovens, quanto com os velhos, os pa-
79
dres. É exatamente disso que as pessoas gostaram.
A partir destes dois filmes houve uma mudança na
postura do Divino, uma predisposição para uma
nova forma de filmar e para se tornar um realizador
num sentido mais amplo, sem aquela imagem do
cineasta guerreiro Xavante.
DIVINO O vídeo permite que as coisas fiquem na
memória longa dos Xavante, através das imagens,
recordamos. Hoje em dia, temos a memória muito
curta. Em Sangradouro vivemos ainda nossas tra-
dições, mas agora gostaria de fazer um filme sobre
a nossa luta contra os fazendeiros, os conflitos. Os
velhos sempre me pedem para continuar a filmar,
pois os jovens não se interessam mais pela nossa
cultura. Eles acreditam que com o vídeo, os mais
novos vão poder se lembrar do que falaram, mesmo
quando não estiverem mais vivos. O vídeo vem aju-
dar, um dia tudo isso vai estar diferente.
CAIMI Os velhos sempre falam que o uso da tecno-
logia veio para complementar como contar a histó-
ria, porque os Xavante, eles são oradores, todo o
dia a dia é relatado no Wara, na reunião que acon-
tece de madrugada, às quatro horas da manhã, e à
partir das seis horas da tarde. E essas ferramentas
tecnológicas que chegaram nas aldeias, os velhos
já sacaram a importância, eles sabem que os jovens
são atraídos pela nova ferramenta estranha. Eles
querem deixar a mensagem não só para preservar a
tradição mas, também, para que possam estudar as
mudanças que vem acontecendo tanto na parte fí-
sica quanto cultural das aldeias. Eles sabem que a
cultura é dinâmica, e sempre falam que a nova ge-
ração vai ter que lidar não só com as coisas que
chegam mas também com aquilo que nos limita,
porque estamos cercados por fazendas agora. No
Mato Grosso, são 9 terras Xavante, e quase 15 mil
xavantes espalhados por essas 9 terras, cada comu-
nidade com um contato diferenciado. Umas tive-
ram contato com os Salesianos, outras com protes-
tantes, outras foram pelo governo. Assim, cada
área tem o seu jeito de fazer o seu trabalho, e o
audiovisual chamou muito nossa atenção. Já na
época do Mário Juruna, com seu gravador, ele dei-
xou bem claro que a máquina chegou para servir de
aliada, pra não desviar os relatos. No início, a acei-
tação foi complicada, pois quando uma pessoa
morre, todos os seus pertences vão junto, não há
rastros. Foram muitos anos de questionamento.
Mas depois que começamos a fazer o intercâmbio
entre as etnias e entre os próprios Xavante, a comu-
nidade foi percebendo como é importante ver o
outro e ser visto. No Brasil, as pessoas falam num
índio genérico. Com o vídeo, as pessoas veem com
mais respeito, distinguem o Xavante, que é aquele
que usa pauzinho, que a gente vê na televisão, já
reconhecem. Antigamente no Xingu, o próprio Xa-
vante pensava que era um pessoal só, mas lá tem 14
etnias diferentes. Então o próprio índio mesmo vai
se conscientizando, valorizando o outro. Porque
antigamente a gente ficava muito no dia a dia mes-
mo e as coisas aconteciam ao redor. E nesses dez
anos que o Divino esteve fazendo o trabalho na re-
gião dele, e eu na minha área, a gente vem tentan-
do divulgar quem somos e também onde nós esta-
mos. Os municípios de entorno estão nos lugares
onde os nosso avós passaram, por isso é preciso
relembrar a memória da região, do cerrado que hoje
não existe mais. Os velhos têm essa memória. E a
destruição do cerrado para eles é muito chocante.
Então a gente vem trabalhando também, para além
do ritual, a questão das transformações que esta-
mos vivendo. Revendo as imagens de arquivo, as
imagens históricas do contato e colocando essas
imagens em contato com as imagens que produzi-
mos agora, podemos perceber as transformações
muito claramente. Meu trabalho nas escolas tem
sido muito este, desde que me tornei professor in-
dígena, nos anos de 1990. Criamos um Centro de
Cultura, estruturamos com equipamento, software
livre, estamos tentando estabelecer parcerias com
as escolas, pois a maioria dos nossos alunos são
À esquerda, depois da publicação
estudantes. A gente vem usando a ferramenta do
do DVD Xavante da coleção Cineastas
vídeo como forma de protesto mesmo. E nossa in- Indígenas, Divino viaja exibindo
tenção é produzir cada vez mais, não só para o não- e distribuindo o DVD em várias
indígena como para os parentes. A inserção nas aldeias Xavante.
Foto Caimi Waiassé, 2009
escolas dos municípios de entorno é muito impor-
tante. São nossas áreas de conflito. Quando apre-
Ao alto, Tutu Nunes e Caimi em oficina
sentamos um trabalho, as crianças perguntam mui- na aldeia da reserva Pimentel Barbosa.
to se esses índios existem mesmo. Os livros Foto Jorge Protodi, 2005
didáticos nos mostram como a gente era antiga-
Acima, Caimi aproveita a mostra do Vídeo
mente, ou seja, nesses livros nós não existimos
nas Aldeias na Biblioteca da Floresta em
mais. O vídeo vem acabar com essa distorção. Nós
Rio Branco para conhecer mais sobre a
existimos, estamos aqui, nossa terra existe e nós saga dos seringueiros no Acre.
nunca vamos ser brancos. Q Foto Vincent Carelli, 2009
7:
 Btibojolb

Os Ashaninka são o povo indígena mais numeroso na Amazônia, com uma população total de aproximadamente 100 mil,

dos quais apenas mil em território brasileiro e os demais no Peru. Sua área de ocupação estende-se por um vasto território,

desde a região do Alto Juruá e na margem direita do rio Envira, no Brasil, até as vertentes da cordilheira andina peruana.
À esquerda, Wewito Piãko filmando Os Ashaninka que vivem atualmente no Brasil foram deslocados sob pressão dos caucheiros peruanos no final do século
a festa comemorativa da demarcação
em 2010. XIX. São um povo guerreiro, com uma longa história de luta, repelindo os invasores desde a época do Império Incaico até

Na página à direita, a aldeia Apiwtxa

a economia extrativista da borracha do século XIX e, mais recentemente, os movimentos guerrilheiros e os madeireiros.
no tempo das chuvas. Todo o trabalho do Vídeo nas Aldeias entre os Ashaninka se dá na aldeia Apiwtxa, no rio Amônia, afuente do rio Juruá, no

Fotos Vincent Carelli 2008 estado do Acre, sob a liderança de Isaac e Wewito Piãko.

81 82

VINCENT CARELLI Foi no tempos das chuvas. Estáva- ISAAC PIÃKO Este primeiro vídeo (No Tempo das Chu-

mos em 1999, na segunda oficina de vídeo com vas) foi uma coisinha nossa ali, bem pequenini- Vincent Carelli com Wewito Piãko.
professores indígenas do Acre. Era ainda um mode- nha, esse dia a dia do nosso povo na chuva, as Foto Ernesto de Carvalho, 2010

De cima para baixo, fotogramas do filme
No tempo das Chuvas (2000):
Antônio e Shomõtsi narram as atividades dos
habitantes da aldeia na estação das chuvas.
Isaac na primeira oficina de vídeo
na aldeia Ashaninka (1999).
Kowiri foi o personagem mais divertido
dos filmes No tempo das Chuvas (2000)
e Dançando com cachorro (2001).
lo de oficinas regional, com alunos de diferentes
grupos trabalhando juntos. A oficina anterior, em
1998, reuniu em Rio Branco cinco professores indí-
genas formados pela Comissão Pró-Índio do Acre
(CPI-AC), e trabalhávamos num projeto de preven-
ção de Doenças Sexualmente Transmissíveis. Desse
trabalho resultou um primeiro vídeo coletivo: Pega,
não pega. Foi uma experiência inicial, para dar um
gostinho. Estávamos no princípio da formação dos
cineastas indígenas. Tateávamos abordagens. No
ano seguinte, eu e Mari decidimos fazer essa segun-
da oficina, ainda multiétnica, mas agora na aldeia
Ashaninka Apiwtxa. Era inverno. Chovia. A comuni-
dade estava envolvida na produção de côco de mur-
muru e outras atividades mais cotidianas daquele
momento.
SHOMÕTSI EM NO TEMPO DAS CHUVAS Nós vamos contar
agora como é o trabalho aqui no inverno. Vamos
contar nossas histórias e nossos sonhos. No inver-
no chove muito, fica tudo molhado, muita lama.
O rio fica muito cheio para irmos ao roçado distan-
te. A gente tem que criar galinha porque às vezes
cai chuva grossa e não pode caçar. A gente mata
uma galinha, come o ovo dela.
ANTÔNIO EM NO TEMPO DAS CHUVAS Não somos nós que
vamos mandar na chuva. Quem manda na chuva é
Pawa. Ele manda a chuva molhar a terra, para dar
água para nós. Nós não sabemos fazê-la parar. Do
jeito que Pawa manda, nós temos que aceitar. Por
isso temos que nos organizar. Nós na terra.
pessoas brincando, contando histórias. A gente
não tinha se organizado para filmar os trabalhos de
manejo, as nossas festas. O vídeo foi feito por mim
e mais sete alunos que vieram participar da ofici-
na. Três eram daqui da aldeia e cinco de fora, das
aldeias Kaxinawá, Karamari, Kulina, Katukina e
Machineri. Maru, André, Nelson, Fernando, Jaime
Llullu, Tsrotsi, Wewito e eu. Havíamos trabalhado
juntos no ano anterior, em Rio Branco, quando fo-
mos apresentados ao Vídeo nas Aldeias. Antes a
gente trabalhava apenas com a escrita, fazendo
nossos materiais didáticos, trabalhando na educa-
ção bilíngue. Eu ainda não acreditava no vídeo,
não como víamos as coisas apresentadas na TV.
Neste encontro em Rio Branco a gente se alternava
entre a formação de professor e a de vídeo. Foi tudo
muito rápido. No ano seguinte eu já havia esqueci- discutir a nossa cultura, organizar nossa escola, Silenciosamente. Assistia a tudo de longe. Até que os acontecimentos tomando corpo, tomando for-
do o manejo da câmera, como fazer o foco, bater o pensar nosso sistema de vida. E, também, enten- um dia nós nos mancamos e dissemos: pôxa, vamos ma. O filme nascendo.
branco, essas coisas. Muitas imagens não foram der o uso dessa tecnologia, e o que vem de fora, chamar o cara. E toma parte no filme. Mas foi em
aproveitadas. Mas o que mais me chamou a aten- que não é nosso, mas que nos serve. O vídeo traz a Shomõtsi que Wewito realmente se revelou. Um fil- WEWITO PIÃKO Quando conheci o Vídeo nas Aldeias
ção foi quando começamos a assistir às gravações imagem das pessoas falando na sua própria língua, me maravilhoso. Nessa oficina seguimos o mesmo eu tinha cerca de dezoito anos e era professor na
que fazíamos. Isso de olhar para a imagem e desco- com a sua própria palavra. Estão todos ali discutin- ritmo de quando fizemos No tempo das chuvas. A aldeia. Na primeira oficina, em Rio Branco, eu
brir coisas e situações do seu povo, que estão ali do e se entendendo. É muito rico. gente percebeu que o que estava funcionando era não participei diretamente, mas assistia ao ma-
no seu dia a dia e você não vê. A comunidade tam- a história de acompanhar um personagem. Cada terial dos alunos. Na oficina seguinte, realizada
bém. A aldeia inteira vinha assistir à sua imagem, VINCENT Marcamos, então, uma segunda oficina, aluno buscando um rosto, um espaço. Cada qual na aldeia, vieram alunos de fora e o Isaac deu
às coisas que eles mesmos tinham falado. Ficavam também na Apiwtxa. Repetimos o mesmo grupo. É buscando seu rumo e sua forma de filmar e de orga- continuidade ao trabalho. Eu acompanhava as
discutindo o que viam, o que tinham feito. Foi neste momento que o Wewito desponta como cine- nizar seu filme. Aquilo de pegar o ritmo, de envol- discussões no final da tarde, quando os alunos e
quando entendi a importância desse trabalho. Ter- asta. Ele já havia participado do primeiro encontro ver seu personagem na filmagem, a conversa no professores discutiam o material produzido no
minamos o filme em São Paulo. Quando voltamos, em Rio Branco, mas na oficina de animação, onde fim do dia, o que vai fazer no dia seguinte. Nossa dia. Eu ficava assistindo, observando, prestava
passei para o pessoal na aldeia. E discutíamos as já tinha mostrado um senso de composição incrí- tentativa nas oficinas é justamente essa: instigar atenção aos comentários dos professores. E co-
cenas, a questão das festas, das músicas, os can- vel, um grande desenhista. Durante a realização de uma postura diante do mundo, a proximidade dos mecei a pegar a câmera escondido. Quando os
tos. Percebi, então, que o vídeo poderia servir para No tempo das chuvas ele reivindicou seu espaço. personagens, a observação que dura. E as ideias e alunos saíam para filmar eu ia junto e pedia para

83 84

Acima, fotograma do Wewito Piãko na
sua terceira oficina, na aldeia Yawanawá,
no rio Gregório, AC, em 2003.
Abaixo, à esquerda, Mari Corrêa visiona o
material dos alunos cercada de crianças.
À direita, plateia Ashaninka na sala
de edição da aldeia.
Fotos Tiago Tôrres, 2008
85
pegar a câmera e ver se eu tinha entendido o que
havia sido explicado. Quando voltávamos, os alu-
nos diziam: “quem fez essas imagens foi ele!”.
Então Vincent e Mari me convidaram para tomar
parte na oficina. Foi como tudo começou. A ideia
de filmar No Tempo das Chuvas surgiu durante o
processo. Começamos a discutir quais atividades
estavam acontecendo na aldeia, no que estáva-
mos trabalhando na comunidade naquele mo-
mento. Mas foi tudo muito difícil, porque chovia
bastante, íamos para a floresta filmar cobertos
com plástico, armávamos um acampamento e fa-
zíamos as imagens. Havia, ainda, a questão dos
alunos de fora, que não falavam a língua. Para
eles era difícil saber onde cortar uma cena, o que
estava acontecendo, se era importante ou não
para o filme. Então decidimos que um Ashaninka
acompanharia cada uma das duplas. Assim con-
seguimos fazer um trabalho mais completo.
Quando fizemos a pré-edição na aldeia, houve
uma participação muito grande da comunidade e
dos alunos de fora. Todos assistiam, e fomos en-
tendendo juntos como se montava um filme, uma
história com várias horas de gravação num espa-
ço de 40 minutos ou 1 hora. Todos participavam e
voltávamos para fazer cenas que estavam faltan-
do. Fizemos quase tudo na aldeia. Depois fui para
São Paulo terminar as traduções e finalizar o filme
com a Mari e o Tutu. O filme já estava bastante
avançado, mas mesmo assim fiquei preocupado,
pois a responsabilidade era grande. Mas deu tudo
certo e o trabalho foi bem recebido pela comuni-
dade. Participar da realização deste filme foi im-
portante na minha formação e ajudou no meu
trabalho como professor. Filmar, acompanhar um
personagem ou uma família, é como uma pesqui-
sa. Você vai se aproximando daquela pessoa cada
vez mais, conhecendo sua vida cada vez mais, e
com isso conhecendo histórias que antes você
não conhecia. Discutir como a gente vai se apre-
sentar no vídeo e o que vamos ou não apresentar,
através do vídeo, para a comunidade e para aque-
les que não nos conhecem, o que nos diferencia
de outros povos. Me lembro que tinha uma família
que não queria ser filmada porque não sabia para
onde levaríamos sua imagem. Convidamos para
que assistissem aos vídeos produzidos por outros
povos, e isso fez com que as coisas ficassem mais
claras. Que o trabalho com o vídeo passava pelo
intercâmbio entre os povos indígenas e também
com outras culturas, que uma pessoa, ou uma fa-
mília, poderia chegar a outros povos através da
imagem. Foi aí que começaram a entender e a se
envolver no trabalho.
ISAAC Depois de No tempo das Chuvas a comunida-
de já estava mais preparada, mais acostumada com
as pessoas andando com a câmera para cima e para
baixo. Estávamos já na segunda oficina na aldeia e
acompanhamos os mesmos narradores do primeiro
filme: o Kowiri, o Bandeirão e o Mato, que é filho
do Bandeirão. Cada um de nós, um personagem.
Desses encontros, resultou o filme coletivo Dan-
çando com Cachorro. Já o Wewito filmou o Shomõt-
si. E foi mais longe no seu filme, porque o Shomõt-
si é uma pessoa muito tranquila. Um personagem
bom de seguir. Nosso desejo e nosso desafio era
acompanhar o cotidiano de um personagem como
os pés caminham na mata.
Bandeirão, personagem cheio de humor
nos primeiros filmes. Fotograma do filme
Dançando com Cachorro (2001)
WEWITO A partir dessa primeira experiência come-
cei a pensar em vários projetos. Queria fazer um
filme sobre o cotidiano na comunidade no tempo
do verão, mas sequer comecei a filmar. Depois
acompanhei um Machineri numa pesquisa no
Peru, fiz o registro. Este material voltou com a
gente, mas não sei onde está. Eu estava muito
envolvido nas minhas atividades como professor,
não podia me envolver em várias coisas ao mesmo
tempo, então fazíamos filmes apenas quando ha-
via uma oficina, ou registrávamos acontecimentos
importantes na aldeia. Tínhamos uma camerazi-
nha VHS, treinávamos com ela. Quando aconteceu
a segunda oficina na Apiwtxa, a ideia inicial era de
um filme coletivo. Cada um dos alunos acompa-
nhando um personagem. Escolhi filmar o Shomõt-
si. No decorrer da oficina, quando começamos a
assistir ao material, a gente percebeu que o que
eu produzia dava um filme independente. Mari e
Vincent me diziam que dava para fazer um filme, e
isso significava que eu estava trabalhando bem.
Procurava acompanhar tudo de maneira bem fir-
me, para ter o material completo. Mas eu vacilava.
Tinha momentos em que pensava em desistir. Mas
Vincent e Mari me incentivaram a continuar. Me
disseram: “só falta filmar a volta dele para a al-
deia, você precisa voltar para Marechal Thauma-
turgo e ficar com ele”. Voltei e fiquei mais um dia
com Shomõtsi, esperando a aposentadoria. Foi
um momento especialmente difícil. Uma coisa é
você filmar na aldeia, a outra, na cidade, onde há
uma tensão em função da nossa história, a ques-
tão da demarcação de nossas terras, a expulsão
dos patrões. Eu tinha um pouco de medo de filmar
Shomõtsi no comércio, de acompanhar seu traje-
to na cidade. Mas aos poucos fui vencendo isso. E
filmei como achava que deveria filmar. Eu tinha
cerca de 20 horas de fita, mas filmei apenas 7 ho-
ras. Filmei pouco, mas era o necessário. Quando
fomos montar o filme eu percebi que tinha feito as
escolhas certas. Quando começo a trabalhar em um
filme, quando tenho um tema para registrar, eu já
entro no processo pensando na minha postura,
como vai ser o começo, o meio e o fim do filme. Me
concentro naquilo que acho que realmente faz sen-
tido e que vai ser usado. Os alunos na oficina me
perguntavam: “como você faz o manejo das fitas e
das baterias? Você não gasta muito”. É a minha
maneira de fazer. Cada um encontra a sua. Eu só
saio para registrar aquilo que vou usar, o que não é
86
 importante eu não filmo. Não sei exatamente como
funciona, posso estar errado, mas é a maneira
como faço.
VINCENT Em Shomõtsi você assiste a uma situação
cotidiana e se revela toda uma realidade. O filme é
de uma poesia incrível, de muita sensibilidade. E
Shomõtsi é turrão, divertido, engraçado, como são
os Ashaninka. Essa é uma característica que fomos
percebendo ao longo do trabalho com os Asha-
ninka e que se reflete nos filmes. A alegria, o hu-
mor, a brincadeira. Wewito conta que escolheu o
Shomõtsi porque era vizinho dele. Começou a fil-
mar e, numa noite, chega pra gente e fala: olha,
acho que não vai dar, preciso escolher outro perso-
nagem, Shomõtsi está de partida para o municí-
pio, pra receber sua aposentadoria. Na verdade, ele
ainda não havia percebido a riqueza da situação.
Naquela mesma noite preparamos o material, fita,
câmera, microfone, etc. para ele sair na manhã se-
guinte para a cidade. No final do dia lá está Wewito
novamente na aldeia: “ah, o dinheiro da aposenta-
doria não chegou e eu voltei”. Daí dissemos: “não!
Tem que ficar lá com ele até a grana sair”. O dinhei-
ro deles tinha acabado. Entregamos uma grana a
ele, mais fitas e baterias. E temos, assim, o acon-
tecimento do filme. A espera, o dinheiro que não
chega, o acampamento, a cidade. Nosso desafio
era, e ainda é, criar essa atitude, essa abertura
para o real, para o imprevisto. Wewito montou o
filme com a Mari no escritório em Olinda. Na sua
primeira versão, não tinha ainda a narração em off.
Era um filme todo estruturado numa narrativa visu-
al. Um dia antes da partida dele de volta para a
aldeia fizemos uma pequena sessão em casa, e sen-
87
timos que faltava algo. Eu tinha trazido um filme
Inuit, resultado de uma oficina do National Film
Board, o Mon Village au Nunavut, sobre as questões
contemporâneas dos Inuit. O filme tem uma narra-
ção memorável, irônica, bem-humorada. Lembrei-
me deste filme e passamos para o Wewito, fazendo
uma tradução simultânea para que ele pudesse
perceber o tom e inspirar seu texto. Assistimos no-
vamente ao Shomõtsi para sentirmos onde havia a
necessidade do comentário. Ele quis ligar para o
Antônio, seu pai, para saber o significado de
Shomõtsi, que quer dizer beija-flor. E Wewito criou
Acima, Shomõtsi, tio do Wewito,
o seu texto, que é lindo. Gravamos o off poucas
se tornou personagem de um clássico
horas antes dele embarcar, com os ruídos das má- do Vídeo nas Aldeias.
quinas, dos VTs. Mas é incrível. Recentemente, em Fotograma do filme Shomõtsi (2001)
função do lançamento da coleção de DVDs Cineas-
tas Indígenas, refizemos a gravação, agora com um À esquerda, Wewito Piãko, professor,
cineasta e “prefeito” da aldeia Apiwtxa.
ambiente mais adequado ao filme.
Foto Vincent Carelli, 2010
WEWITO Minha relação com Shomõtsi é anterior ao
filme. Eu vivia perto da casinha dele, conversáva-
mos muito. Ele era um professor para mim, me en-
sinava sobre nossa cultura. Foi com ele que apren-
di a cantar. Na oficina, quando conversamos sobre
quem acompanharia qual personagem eu já sabia
que iria filmá-lo. Mas antes fui conversar com ele,
pedir permissão e explicar o que iria fazer. E ele me
respondeu: “tudo bem, pode me filmar, eu vou sair
na televisão e vou ser importante. Tenho uma his-
tória muito bonita”. Mas ele se preocupava, por-
que mora sozinho, não tem mulher. Mas eu disse a
ele que isso não era problema e começamos a tra-
balhar. A edição do filme, como No tempo das chu-
vas, foi feita em duas etapas. Primeiro, fizemos
uma pré-montagem na aldeia, depois fui para Olin-
88

Shomõtsi narra sua vida para o
da. Mas diferentemente do primeiro filme, neste eu
filme histórico ainda em produção.
realmente assumi a edição. Eu havia realizado o
Foto Tiago Tôrres, 2009
filme e precisava organizar e decidir o que ficava
ou não na versão final. Depois voltei para a aldeia.
Fizemos uma sessão e Shomõtsi estava presente.
Ele ficava impressionado e dizia: “caramba, fiz isso
mesmo, foi?” e ria. Comentava: “rapaz, não era pra
ter deixado essa fala não. Mas tudo bem, já está no
89
filme, fazer o quê não é?”. Mas ele aprovou o traba-
lho e disse que se eu quisesse podíamos fazer
Shomõtsi 2, que este filme ficaria para seus filhos
depois que ele morresse. Para ele foi importante.
De lá para cá o filme circulou muito. Foi premiado.
Viajei pelo país e para fora do Brasil. Era uma res-
ponsabilidade muito grande, porque eu não estava
apenas representando o filme, mas o meu povo. A
cada exibição eu compreendia mais o que era o
trabalho com vídeo. Não é apenas o registro, é
também saber apresentá-lo, saber dizer do seu tra-
balho e da sua gente, do filme e da comunidade a
qual o filme pertence.
ARICEME EM SHOMÕTSI O dinheiro é feito de um mate-
rial bem forte. Você pode molhar que ele não rasga.
Não é como o papel de escrever e a bolacha, que
quando molham desmancham logo. Como o açúcar
também. O comerciante não dá nada de graça. Só se
você comprar. Até parece que vai levar o dinheiro
com ele quando for para o céu. Já a gente não. Te-
mos a nossa cusma para vestir. Se a gente tiver dois
ou três calções já basta para passar a vida. Foi assim
que Pawa nos deixou.
ISAAC No Shomõtsi deu pra gente ver uma coisa
importante dentro da comunidade que é a questão
da aposentadoria. Ele faz aquele movimento, vai
na cidade, volta, todo o envolvimento no municí-
pio. E assistindo ao filme na comunidade surgiu
essa discussão: porquê aposentar, será que é bom
aposentar os velhos, como funciona... As pessoas
começaram a discutir e uma outra preocupação
surgiu, a das relações com o município (de Mare-
chal Thaumaturgo), o comércio, o dinheiro. Foram
discussões grandes. Em função dessas conversas,
decidi levar os filmes para o secretário de educa-
ção de Marechal Thaumaturgo. Eu já tinha uma
relação com o município. Passei quatro anos tra-
balhando na política do estado e nacional, com o
projeto de educação indígena no Acre. Articulava
essa política também dentro do MEC e era profes-
sor na comunidade. Ele gostou e pediu novas có-
pias para passar nas escolas. Expliquei a ele um
pouco do conteúdo, o que queria dizer aquilo, o
que a gente fazia. Ele organizou grupos e mostrou
os filmes nas salas de aula. Foi importante traba-
lhar ali perto da nossa aldeia, com pessoas que
discriminavam e ainda discriminam a gente. As
pessoas começaram a ver que a gente está se orga-
nizando, se planejando. Quando encontro profes-
sores não indígenas, ficam comentando os filmes,
querendo saber. Por mais que estejam próximos da
aldeia, não conhecem os Ashaninka. Quando esta-
mos na cidade, nos olham com desprezo: “Ah, esse
Ashaninka fede. Essa roupa velha”. Então, quando
viram a imagem ali, vários professores pergunta-
ram: “o que quer dizer isso?”. Assim tenho a opor-
tunidade de explicar, porque sei que ele quer ouvir
e entender. O mesmo acontece entre o nosso povo
e outros povos. As pessoas da aldeia gostam de
assistir aos vídeos de outros povos. O trabalho dos
Ikpeng (Das crianças Ikpeng para o mundo) as pes-
soas não queriam assistir, por causa da nudez.
Algumas pessoas saíam, porque meu povo sempre
usou roupa tradicional. Depois, a gente foi enten-
dendo, porque vimos mais de quinze povos dife-
rentes nos vídeos e cada um tinha uma maneira
dentro da sua cultura. Os Ikpeng têm uma cultura
muito forte. Outros grupos já perderam muito da
sua cultura. Então, começamos a analisar também
isso: aqueles que já não têm mais nada, aqueles
que têm um pouco. E nós? Dentro da aldeia a gen-
Ariceme, pajé e filósofo da aldeia.
À esquerda, Marechal Thaumaturgo,
sede do município no rio Amônia, AC.
Fotos Vincent Carelli, 2009
8:

Ao lado, Bandeirão, com suas tiradas
de humor, na festa da demarcação.
Foto Ernesto de Carvalho, 2010
te tem trabalhado muito com a questão das ou-
tras culturas, pra gente depois olhar para a nossa.
Eu tenho usado o vídeo para toda a comunidade.
Não é um sistema formal. As crianças, os jovens,
todo mundo assiste e devolve a sua visão, o seu
ponto de vista. Você vê o mundo do outro e olha
para o seu.
BANDEIRÃO Eu não sabia que um dia seria preciso
registrar isso, a nossa história. Se eu soubesse, teria
perguntado tudo ao meu pai.
SHOMÕTSI Se eu fosse contar tudo o que sei, levaria
o dia todo, até o escurecer. Eu ficaria aqui e vocês
ficariam com fome. E eu não terminaria a minha
história. Vocês têm que me perguntar o que querem
saber como eu perguntava para o meu avô.
ISAAC Quando afirmo que as pessoas não conhecem
os Ashaninka, me refiro à nossa história. Temos cin-
co séculos de contato com a sociedade branca.
Existem vários projetos, várias frentes de atuação.
91
Já enfrentamos guerras, a guerra do sal, a guerra
contra as missões, Sendero, e agora contra o narco-
tráfico e os madeireiros. Queremos conhecer e en-
tender essa história. Nos organizar. E para isso é
preciso entender a história das nossas famílias. O
que está além das nossas festas e brincadeiras.
Nossos projetos, nossa organização. Ainda estamos
discutindo a melhor maneira de fazermos isso.
VINCENT As áreas de entorno nas aldeias são as
maiores zonas de conflito. Os Ashaninka enfren-
tam um estrangulamento. De um lado, o Peru e a
construção de estradas, de outro, o assentamento
do INCRA, ainda, a vizinhança com a reserva ex-
trativista do Alto Juruá e a proximidade de Mare-
chal Thaumaturgo. Mas a Apiwtxa nasceu de uma
história muito especial. Essa história é o motivo
de nosso próximo filme junto aos Ashaninka. A
história dos pais e avós de todos eles. Pensamos,
inclusive, em ir para o Peru, para buscar material
para o filme. A origem da história dos Ashaninka
está lá. Mas enfrentamos alguns problemas de fi-
nanciamento, e a ideia foi temporariamente abor-
tada. Além disso, a fronteira é a área dos altos
rios, de acesso complicado e uma zona deflagra-
da, do Sendero Luminoso, as brigadas. Um pro-
cesso bem delicado. Desde o princípio de sua fun-
dação, a Apiwtxa apresenta um projeto claro de
resistência e sustentabilidade. Há muito, os filhos
e netos das primeiras gerações estão envolvidos
nos grandes projetos que mobilizaram e mobili-
zam a comunidade do rio Amônia. Tudo começou
com o velho Samuel Piãko, ainda no tempo da
exploração madeireira, quando os Ashaninka tra-
balhavam para os patrões.
WEWITO Do meu avô não me lembro de muitas coi-
sas, mas guardo uma cena dele, fazendo tarrafo.
Ao alto, Samuel Piãko, pai de
Antônio e avô de Wewito e Isaac,
fundador da aldeia Apiwtxa.
Foto Arno Vogel, 1978.
Abaixo, Antônio, filho de Samuel,
lider do povo Ashaninka da aldeia
Apiwtxa. Foto Vincent Carelli, 2009
Índios Ashaninka no Acre.
Foto Hübner/Göteborgs Etnografiska
Museum, 1958
Lembro ele bem velhinho sentado e fazendo rede.
Começava cedinho a trabalhar. E de tarde abria a
esteira para se sentar, ajeitava seu cantinho, pegava
uma garrafa de cipó e deixava lá ao lado dele. E quan-
do anoitecia, nos convidava para beber com ele.
ANTÔNIO PIÃKO O nome do meu pai era Samoyri
Piãko. Foi o pai dele que deu este nome. Os brancos
o chamavam de Samuel. Ele veio do Alto Eneki, de
uma aldeia chamada Opokiyariki. Veio para o Brasil
trabalhar com seu patrão peruano. Várias famílias
vieram com ele. Trabalhavam no algodão. O patrão
explorava demais. Um dia, os Ashaninka se cansa-
ram e decidiram subir o rio em busca de outros tra-
balhos. Nesse tempo ouviu falar do (rio) Amônia.
Diziam que aqui era melhor para trabalhar. Ele veio
varando pelo rio Shesheya, no Alto Juruá, passando
pelo Envira, onde trabalhou primeiro tirando pele
de animais, depois na borracha. E chegou, enfim, à
foz do Amônia. Conheceu o patrão Odom, que com-
prava dele carne, pele, borracha. Disse a Samuel
92
que compraria dele o que produzisse. E meu avô
buscou os parentes que ficaram no Shesheya e se
assentou com a família no Amônia. Era terra de far-
tura. Tinha tracajá, caça. Nasci e cresci aqui, no
Igarapé Cachoeira. Acompanhava meu pai no tra-
balho. Nos mudamos mais para cima do rio. Meu pai
queria ficar mais afastado. Lá trabalhávamos com
madeira. Tiramos muita madeira para o patrão. Seu
nome era Chico Mariano. Trabalhamos muito tempo
pra ele, caçando e tirando madeira. Até a morte do
meu avô. Depois disso, nos mudamos para a foz do
Amoninha. Meu pai fez todo o roçado, as casas.
Plantávamos de tudo. Trabalhávamos, saíamos para
vender a produção e retornávamos para a aldeia.
Conhecemos Marechal Thaumaturgo. Minha avó di-
zia que era um bom patrão. Fizemos sua casa e seu
roçado. Foi o primeiro branco a viver perto de nós.
Trabalhava com madeira e meu pai o levou para
conhecer o rio Tamaya, onde havia bastante madei-
ra. Thaumaturgo decidiu ficar no Tamaya e voltou
para buscar sua mulher. Ficamos no Amônia. Seu
roçado ficou com Chico Coló, ex-soldado da borra-
cha, e que depois veio a ser meu sogro. Em troca
produzia farinha e levava para Thaumaturgo, no
Peru. Fui crescendo. Caçava, pescava, comecei a
trabalhar na madeira também. E trabalhávamos to-
dos juntos, eu, meu irmão e os irmãos de Piti, filha
de Chico Coló. Sempre trabalhamos juntos. Depois
de muito tempo trabalhando conheci Piti. E quis
ficar com ela. Ela aceitou ficar comigo. “Vamos ver
o que os seus pais acham disso”. Ela disse para con-
versarmos logo e que mesmo que seus pais não
aceitassem, que ela ficaria comigo. Fui conversar
com o pai dela. Ele estava chegando do roçado. Me
perguntou se eu realmente gostaria de ficar com
93
ela. A mãe dela não gostou. Essa foi a reação dela.
Chico Coló foi até a nossa casa, cumprimentou meu
pai e conversaram sobre nossa união. Meu pai disse
que a decisão era nossa. E para Coló: “Se você acha
que sua filha pode se casar com meu filho, para mim
não tem problema. Por sua filha eu não decido, mas
meu filho pode se casar. Se eles querem vamos aju-
dá-los”. Me perguntaram e eu falei que queria ficar
com ela. Queria muito ficar com ela. Mas a mãe de
Piti não gostou e perguntava à filha como ela podia
se casar com um índio. Mas Piti disse que não vol-
taria atrás. Estava resolvido. Nos casamos em ja-
neiro. Minha mulher nos ajudou muito. Sabia ler e
escrever. Não permitia que fôssemos enganados.
Ela nos ensinava o preço da carne e de outros pro-
dutos. Quando chegava alguém, já sabíamos nego-
ciar. Sabiam que estávamos sendo orientados. Os
patrões sentiam muita raiva dela. Mas ela não tinha
medo. Dizia que estava protegendo a sua família.
FRANCISCO PIÃKO O pai de minha mãe veio com a
turma dos nordestinos. Na época, vinham para cá e
ficavam em pontos estratégicos de ocupação. Era
como se fosse um sorteio, ou ia para a guerra ou
vinha cortar borracha. Era uma política de estado.
A borracha ficava de Thaumaturgo pra baixo. Aqui,
a madeira. A minha família nasceu do encontro en-
tre os Ashaninka que vinham do Peru, se refugiando
em lugares mais tranquilos, e os brasileiros que
chegavam aqui. Chico, meu avô materno, começou
com a borracha, e depois com a madeira, por isso
foi morar perto dos Ashaninka. Havia competições
entre os patrões, então eles definiam espaços, or-
denamentos pelos seringais, as zonas da madeira.
Os Ashaninka conseguiram obter pontos que eram
comuns entre os Ashaninka e não-Ashaninka. Sa-
muel, meu avô paterno, tinha uma família muito
grande. Os pais dele escolheram esse rio como lugar
seguro para morar, e ele deu continuidade. Nunca
mais saiu dali. Amônia, o rio é dele. Aqui já mora-
vam outras famílias também, que se uniram à famí-
lia de Samuel: a do Tenente, do Paulinho. Daí veio o
casamento dos meus pais. A família de Piti passou
a ser uma aliada. Minha mãe teria o papel de nego-
ciar com os patrões. Língua, matemática, preços.
Aí teriam filhos com facilidade de negociar com o
mundo de fora. Piti e Antônio faziam respeitar Sa-
muel. Minha mãe ajudou a defender sua liderança,
mapear aliados e não-aliados. E passou a ser uma
referência para o nosso povo. Samuel queria uma
pessoa assim, que ensinasse a ele as coisas dos Francisco Piãko, filho
brancos. Minha mãe foi perseguida pelos patrões, de Antônio e Piti, com
mas confiava na justiça da luta Ashaninka. O exér- seus sobrinhos e netos.
cito externo do nosso povo era a família de minha Francisco foi secretário
para Assuntos Indígenas
mãe. Filhos desse casamento, a gente passou tam-
do Estado do Acre,
bém a transitar nestes dois mundos, a enxergar de 2003 a 2010.
suas diferenças. E crescemos a serviço do projeto Foto Vincent Carelli, 2010
de nossos pais. Conseguimos fazer uma comunida-
de muito forte.
mos a trabalhar com eles. Um dia chegaram e nos nos deixaram e foram para Sawawo em busca de talentos e força. Criados entre duas culturas, com
ANTÔNIO Nos anos de 1990, a Funai começou a disseram que aquela terra era nossa e que precisá- outros trabalhos. Alguns foram e depois voltaram. um acesso e conhecimento do mundo Ashaninka e
aparecer por aqui. Foram até a casa de meu pai e vamos pensar numa nova forma de trabalhar. Tudo E começamos a nos estruturar aqui. Durante este do mundo dos brancos. O projeto de vida dos Asha-
começaram a falar sobre um território, que tínha- aconteceu de maneira muito rápida, porque já es- processo meu pai morreu e assumi a continuidade ninka do rio Amônia é muito claro. Todos os seus
mos possibilidade de conseguir uma terra, que so- távamos organizados. O Samuel já tinha um proje- do seu projeto. esforços, iniciativas e movimento estão voltados
fríamos muito e que seria melhor termos uma terra to. Não houve patrão nem desmando que conse- para a geração de sua sustentabilidade, o repovo-
apenas nossa. Começamos a pensar nessa possibi- guisse desestruturar sua família. Os brancos VINCENT Do casamento entre Piti e Antônio nasce- amento da flora e fauna nativas de seu território, o
lidade. Apareceu também o Macedo e nos explicou achavam que não éramos capazes de cuidar das ram esses filhos muito especiais: Francisco, Moi- fortalecimento de sua identidade e cultura, de so-
muita coisa, e que deveríamos parar o trabalho nossas terras, que não produziríamos nada e por sés, Isaac, Benki, Dora, Alexandrina e Wewito. To- brevivência através do manejo de seus recursos. E
com a madeira e iniciar um novo processo. A Funai isso não precisávamos da nossa terra. Fomos ame- dos envolvidos política e afetivamente com os este projeto se reflete nos filmes que fazem, suas
nos ajudaria na demarcação das terras, e começa- açados. Foi difícil tirá-los daqui. Alguns parentes projetos da comunidade. Uma geração de grandes abordagens, escolhas, o uso do vídeo em função de
94

Piti e sua filha Dora no colo,
velho Samuel, seu filho Antônio,
e sua irmã Julieta.
Foto Arno Vogel, 1978
Dona Piti e sua filha Dora.
Foto Ernesto de Carvalho, 2010
95
suas temáticas mais caras. Os Ashaninka têm um
grande senso de marketing, da mídia, da internet,
dos jogos de alianças nacional e internacional. E
usam isso a favor de suas lutas, reivindicações e
como instrumentos de resistência. Quando chega-
mos para a segunda oficina na aldeia, em 1999, os
Ashaninka já estavam, desde a demarcação de suas
terras, em 1992, levando em frente seus projetos
de manejo, a criação da cooperativa e da sua asso-
ciação. Começamos a discutir um projeto de vídeo
que estivesse de acordo com suas aspirações. O ma-
nejo florestal e, também, algumas atividades de
apicultura, a criação dos tracajás, o plantio das
frutíferas e madeiras de lei, a transmissão do co-
nhecimento para as crianças. E, assim, ao longo de
alguns anos, foi-se constituindo o material que
mais tarde daria corpo ao filme A gente luta mas
come fruta, antes dividido em curtas: Caminho para
a vida, sobre o manejo dos quelônios; Aprendizes
do futuro, a respeito do plano de manejo agroflo-
restal; e Floresta Viva, sobre o plantio das frutífe-
ras, realizados pelo Benki.
BENKI PIÃKO, EM A GENTE LUTA MAS COME FRUTA Nós,
Ashaninka, andávamos muito para cima e para
baixo, mas agora estamos firmes num só local. Te-
mos nossos meios de comunicação, telefone, inter-
net, e fazemos nossos próprios vídeos para mos-
trarmos aos parentes e mandarmos para outras
pessoas de longe assistirem. Desde que reconquis-
tamos nossa terra, trabalhamos para recuperar
seus recursos naturais e proteger a floresta. Nosso
trabalho envolve a comunidade e a escola. Ensina-
mos às nossas crianças para que no futuro elas
cuidem bem da nossa terra.
ISAAC Hoje a gente tem um trabalho de sistema
agroflorestal, de repovoamento dos pequenos ani-
mais. Eu considero o vídeo, também, como uma for-
ma de pesquisa para você organizar a questão dos
trabalhos. É uma porta de incentivos, onde você
pode ver experiências novas e querer fazer também,
organizar sua produção, reflorestar, enriquecer sua
alimentação, seus recursos naturais. O importante
não é só conhecer os Ashaninka, mas também a ma-
neira como estamos defendendo nosso povo e nossa
terra. O vídeo vai ajudar a gente a planejar nossa
caminhada, no mesmo instante pesquisando, apro-
fundando conhecimentos. O nosso sistema de orga-
nização pode servir de exemplo para outros, como o
sistema de organização deles pode servir para nós. É
uma troca através do vídeo, porque muitas vezes a
gente não pode sair da aldeia, mas o vídeo pode.
HEINE WENKY EM A GENTE LUTA MAS COME FRUTA Este é
o pomar que plantei quando era criança. Agora vai
dar frutos e nós já vamos comer.
MOISÉS PIÃKO, EM A GENTE LUTA MAS COME FRUTA Quan-
do começar a dar muita fruta, os pássaros vão vir
aqui comer. O abacateiro que plantei deu tanta
fruta que os animais vieram comer. Todos esses
animais que gostam de frutas começaram a se
aproximar. Isso também facilita as nossas caça-
das, porque encontramos a caça por perto. Os bi-
chos comem nossas frutas. E nós comemos os bi-
chos com macaxeira.
WEWITO A gente luta mas come fruta foi resultado
de cerca de seis anos de filmagem. Durante este
período fomos filmando os trabalhos desenvolvidos
na aldeia. O Benki era o responsável, mas todos
filmamos. Ele foi para Olinda editar os curtas. Ainda
não tínhamos material para um longa. Queríamos
fazer um filme que mostrasse os projetos desenvol-
vidos na comunidade. Depois dessa primeira edição
fomos vendo o que faltava e filmamos. Juntamos
tudo para a segunda montagem e o filme saiu, com
vários tempos diferentes, contando sobre nosso
trabalho de proteção das fronteiras, as invasões
dos madeireiros, os planos de manejo. Tiago e Mari
fizeram a pré-edição na aldeia. E Isaac foi para Olin-
da fechar mais uma parte do filme. Depois eu fui,
terminei a edição e finalizei com Tiago.
Acima, da esquerda para direita:
Isaac, um dos filhos de Piti e Antônio, é
professor e cineasta. Foi membro do conselho
da TV Brasil e secretário de cultura e turismo
do município de Marechal Thaumaturgo, AC.
Benki Piãko é o executor do projeto de manejo
de recursos naturais dos Ashaninka. Nas mãos,
dois tracajás do criatório da aldeia.
Moisés Piãko, pajé e pintor, foi com seu
irmão Francisco e seu pai Antônio, um dos
articuladores da demarcação de sua terra.
Fotos Vincent Carelli, 2009
TIAGO TÔRRES A primeira vez que estive na Apiwtxa
foi para montar o A gente luta mas come fruta. Em
paralelo, a Mari deu início a uma oficina com dois
novos alunos, o Hatã, filho do Ariceme, e o Enison,
que hoje é professor na aldeia. No segundo dia na
aldeia, começamos a montar o equipamento. Mari
iniciou o processo e depois eu assumi a ilha. Era o
segundo filme que eu montava. Começamos tradu-
zindo e minutando o material. Todos os dias, nos
96
reuníamos, eu, Isaac, Wewito e Mari, para discutir-
mos o que tínhamos assistido. O material bruto era
enorme, resultado de mais ou menos seis anos de
filmagem. A câmera como uma arma, geradora de
imagens para serem tanto apresentadas como pro-
va ao exército, à justiça, etc., como para compor
um filme. Mari e Isaac conheciam mais o material,
então me diziam por onde começar a procurar as
coisas, discutiam sobre o que mostrar e como fa-
zer. À medida em que as coisas foram avançando,
Isaac foi se afastando, para cuidar de outras coi-
sas, assim como Mari, que estava envolvida na ofi-
cina. Assim, eu e Wewito ficamos mais à vontade
na edição e começamos a ter mais liberdade para
fazer escolhas e participar do processo criativo do
roteiro de montagem. A ideia inicial era me dividir
entre montar o filme e ensinar o Wewito a editar,
97
tal como eu havia feito anteriormente com o Divi-
no (Xavante), no entanto, não tínhamos muito
tempo e era preciso garantir que todo o material
fosse ao menos traduzido. Pelo meu entendimento
do trabalho no Vídeo nas Aldeias, sinto que cada
processo é único. Na produção de cada filme existe
uma imersão profunda no material e na experiência
do filme. Quando partimos para uma oficina, rara-
mente temos um roteiro em mente. O roteiro surge
à medida em que o filme vai acontecendo. Os alu-
nos se envolvem com os personagens e eventos
que filmam, às vezes precisam participar dos even-
tos que filmam, às vezes se desentendem com seus
personagens, e experimentam algo completamen-
te novo mediado pela câmera. Na edição, quando
vamos descobrir os possíveis elos entre as situa-
ções filmadas, percebemos o que é importante ou
não para a comunidade através da reação das pes-
soas enquanto trabalhamos. Alguém assiste a um
corte de uma sequência e faz correr a notícia pela
aldeia. As pessoas chegam, assistem, deixam suas
impressões e assim o filme vai se construindo na
pré-edição. No caso do A gente luta mas come fruta
aconteceu de termos que produzir mais algumas
cenas e levarmos adiante algumas ideias para o
filme, como o que Mari propôs. Ela queria muito
que entrasse no filme uma cena dos antigos alunos
da escola, que foram filmados pequenininhos na
época, assistindo às imagens do manejo e partindo
para uma visita aos lugares onde cada um plantou
sua árvore. Isso está no filme. É muito comum a
gente propor situações de filmagens e construções
narrativas. Os alunos gostam quando apresenta-
mos ideias de como contar a história do filme. De-
Wewito filma as crianças no trabalho do
manejo florestal para o filme A gente luta, mas
come fruta (2006) Foto Tiago Tôrres, 2008
Tiago Tôrres dando oficina na aldeia Apiwtxa.
À direita, o tanque criatório de tracajá da
aldeia. Foto Amandine Goisbault, 2008
pois a gente discute e vê se vamos levar adiante
uma proposta ou não. O que acaba acontecendo é
uma apropriação muito livre e uma nova interpre-
tação daquilo que foi sugerido.
VINCENT No momento atual, os Ashaninka estão
vivendo um processo de incentivo à revitalização
da cerâmica, oficinas, reuniões, etc. Depois de al-
guns anos, desde a finalização de A gente luta mas
come fruta (2006) voltamos para a aldeia para mais
uma oficina com os Ashaninka. No entanto, os re-
alizadores mais antigos estão envolvidos em ou-
tras atividades, embora participem dos processos
das filmagens de outras maneiras, na tradução, nas
discussões, nas visionagens. Wewito é “prefeito”
da Apiwtxa e professor indígena, com uma agenda
lotada. Há tempos adia a realização de seu próxi-
mo filme, sobre o tempo do verão, um contraponto
ao No tempo das chuvas, onde pretende retratar a
aldeia e seus personagens no verão, quando ativi-
dades e situações importantes acontecem na co-
munidade, quando os pais testam os conhecimen-
tos dos filhos, a pescaria, a caça, a observação da
natureza. Mas está bastante envolvido com as fil-
magens do vídeo sobre a história Ashaninka. Nós
dirigíamos o processo, mas a conversa era entre
ele e seus irmãos, os pais, os mais velhos. Nos pe-
diu todo o material bruto para que possa trabalhar
num material específico para a escola Ashaninka.
Isaac, também realizador, é hoje secretário do Tu-
rismo e do Meio Ambiente de Marechal Thaumatur-
go e está envolvido num projeto de revitalização
do município e do manejo do lixo produzido na ci-
dade. Dessa maneira, eles optaram por formar uma
nova geração de cineastas Ashaninka. O Tsirotsi,
que participou da primeira oficina e depois tornou-
se agente de saúde, retornou para o vídeo. Temos
ainda o Hatã, Moisés, Eyrish, Shãpi e Enison, que
formam o Coletivo Ashaninka de Cinema. Enfim,
estamos entrando nessa nova safra de oficinas,
que começou com Tiago, Camila e Amandine. Uma
aldeia chamada Apiwtxa (2010) foi todo realizado
por essa nova geração. Um retrato da aldeia hoje,
sua forma de organização, os projetos que conti-
À esquerda, Tsirotsi filma a
assembleia da Apiwtxa.
Foto Vincent Carelli, 2010
Ao lado, Jacu, ou Ronko, contador
de causos e personagem de humor
no novo filme Uma aldeia chamada
Apiwtxa (2010). Foto Ernesto
de Carvalho, 2010
nuam a mobilizar a comunidade, os conflitos, as
crianças, as histórias, as festas. São novos cineas-
tas, alguns novos personagens, mas o espírito dos
Ashaninka está ali: a alegria, a brincadeira, o hu-
mor. O trabalho nos Ashaninka costuma sempre ser
muito fácil, no sentido em que já estão familiariza-
dos com o vídeo, são participativos. Todos muito
apegados ao projeto do VNA.
JACU, EM UMA ALDEIA CHAMADA APIWTXA Como eu tra-
balho de dia, tenho caçado à noite. Um dia, um ca-
lango topou aqui e achei que era uma assombração.
Tinha um tronco grosso assim e eu me sentei nele
para relaxar. Preparei um pouco de tabaco, acendi...
você sabe como é. Quando você anda só à noite, pa-
rece que a floresta vai te pegar. Se você for homem
mesmo ela não faz nada com você, mas se você tiver
medo, como eu, ela pode até te matar. Fumei meu
cachimbo, masquei coca... Não sei por onde ele veio.
A dor do pé foi subindo pra barriga. Não sei se era
feitiço ou se era fome. Acho que era feitiço, estava
muito estranho mesmo. Naquela noite, eu tinha so-
98

A nova geração de cineastas Ashaninka:
Tsirotsi, Ênio, Moisés e Eirishi.
Foto Tiago Tôrres, 2008
nhado com meu pai, ele vinha trazendo muita comi-
da... Quando eu vi, uma coisa cutucava as minhas
costas. Cutucava com um bico, uma coisa assim. Pe-
guei minha lanterna e iluminei. Eu vi ele bem perti-
nho. Ele virou assim... peguei o meu terçado, mas ele
correu para o igarapé fazendo barulho. Era um ta-
manduá. Peguei a espingarda com medo. Meu corpo
foi ficando gelado. Eu passava a mão na orelha para
ver se a coragem saía e quando ela estava para sair,
sumia de novo. Quando olhei, o tamanduá já tinha
virado paca. Atirei, e ele caiu. Quando cheguei em
casa já eram 8 horas. Estava escuro. A mulher estava
preocupada e minha filha chorava. Eu disse: “mu-
lher, um calango pegou o meu pé, um bicho cutucou
minha bunda, e a dor subiu do pé para a barriga”. Ela
me disse que naquela noite a assombração tinha vi-
sitado a aldeia. Mas acho que era só um animal mes-
mo. Mas pode ter sido mesmo o satanás.
99
TIAGO Em 2009 voltei para a Apiwtxa para um novo
trabalho. Tínhamos três frentes: o registro de uma
oficina de cerâmica tradicional, realizada pelas
mulheres, com financiamento do PDPI, o filme so-
bre a histórias dos Ashaninka do rio Amônia e a
família do fundador da aldeia, Samuel Piãko, e a
oficina de formação da nova geração de realizado-
res Ashaninka, que estava estacionada desde 2006.
Estávamos eu, Camila e Vincent. A oficina de cerâ-
mica serviu como um start para a oficina de vídeo,
já que tínhamos a obrigação de sair com um filme
sobre a cerâmica. Associamos os projetos e come-
çamos o trabalho.
CAMILA MACHADO Já de início, duas coisas me cha-
maram a atenção na aldeia. Primeiro, a valoriza-
ção das crianças como protagonistas nos projetos
da Apiwtxa. Isso já estava presente em A gente
luta mas come fruta, mas durante a oficina percebi
como isso era forte. O Hayne Wenki, filho do Benki,
acompanhou toda a oficina a pedido do pai e as
outras crianças estavam sempre presentes e aten-
tas. Hayne fez uma segunda oficina comigo, no
processo de implantação dos Pontos de Cultura
Indígenas, em 2010, e já participava ativamente
das discussões. A segunda coisa que me chamou
atenção foi a abertura da comunidade para rece-
ber pessoas que são de fora. Entendo que isso tem
a ver com a própria história da Apiwtxa, que man-
tém e cultiva, desde a sua fundação, um diálogo
muito diferenciado com os não-índios. O Moisés,
um dos alunos, é sobrinho de D. Piti, mora em
Marechal Thaumaturgo, não fala a língua e no en-
tanto fez um trabalho maravilhoso na oficina. Ele
e o Hatã decidiram filmar o Ariceme que é um dos
pajés da aldeia e responsável pela merenda da es-
cola. Mas houve um acidente com o filho do Hatã
e ele precisou deixar a oficina para acompanhar o
filho no hospital. E Moisés assumiu as filmagens
sozinho. Fazia as entrevistas em português e Ari-
ceme respondia em Ashaninka. Voltava com o ma-
terial produzido para as visionagens e com a ajuda
dos colegas com a tradução, descobria o que tinha
em mãos e voltava no dia seguinte para continuar
seu trabalho. Era um trabalho muito inspirado no
Shomõtsi e isso se tornou uma questão para mim e
para o Tiago, como abordar esse personagem de
forma que não ficasse tão colado ao filme do Wewi-
to. Mas era ainda um exercício, não sabíamos aon-
de este material nos levaria. Trabalhamos com
mais três grupos. Eyrish, uma das alunas, assumiu
a filmagem sobre a oficina de revitalização da ce-
râmica. Este filme era um imperativo. A oficina foi
realizada com recursos do PDPI e tinha-se a exi-
gência do vídeo como produto. Dora, filha de D.
Piti, era a responsável pelo projeto e naturalmen-
te tornou-se personagem do filme. Os dois alunos
mais jovens, Enison e Shãpy foram um caso à par-
te. Acordavam tarde, queriam se divertir, não sa-
biam o quê ou quem filmar. Acabamos por deixá-
los mais livres e um dia nos aparecem com um
personagem completamente carismático, o Jacu.
A cada visionagem a aldeia vibrava. Jacu rendeu
momentos incríveis para o filme. O Tsirotsi, que já
havia trabalhado com vídeo, retomou sua forma-
ção nessa oficina. Como tinha mais experiência,
transitou entre os grupos como cinegrafista e aju-
dando na orientação do projeto de cada grupo. A
estrutura final do filme foi discutida na oficina de
edição, da qual não participei. Amandine ficou
responsável por editar o vídeo do PDPI e Tiago
montou Uma aldeia chamada Apiwtxa. Durante a
oficina de realização algumas possibilidades de
estrutura já despontavam, pela forma como as fil-
magens se desenvolveram. Os personagens dialo-
gavam entre si. Havia um cruzamento de situações
e personagens que era recorrente durante o pro-
cesso. Ariceme vai pagar sua dívida na cooperati-
va, que é gerida pela Dora, que por sua vez foi a
responsável pela oficina de cerâmica, onde uma de
suas alunas promove a minga, para a qual o Jacu é
convidado. Fomos percebendo isso aos poucos.
Mas inicialmente não existia a prerrogativa de um
filme apenas. Pensávamos em projetos distintos.
A estrutura veio depois. Para mim, essa confluên-
cia de personagens e situações revelam mais a
própria organização da Apiwtxa e refletem a com-
plexidade dos personagens e relações que se esta-
belecem ali.
AMANDINE GOISBAULT Fiquei responsável pela edi-
ção do filme sobre a oficina de revitalização da ce-
râmica. O processo foi quase inteiramente realizado
na aldeia. Era incrível ver, através da imagens, a
capacidade de reinvenção das tradições e o envol- Ao alto, Camila Machado, alunos e
vimento da aldeia. Foi este entusiasmo que nos plateia visionam as imagens dos alunos
pareceu o principal aspecto a ser ressaltado no fil- produzidas durante o dia.
me. É um vídeo que se passa num universo quase
Acima, Amandine na edição do
que exclusivamente feminino, permeado de ques-
vídeo sobre oficina de cerâmica.
tões sobre a transmissão do conhecimento entre
gerações, e também sobre a revitalização de uma Fotos Tiago Tôrres, 2008
tradição num contexto mais “moderno”, onde a es-
cola e a cooperativa, que antes não existiam, têm
um papel fundamental. E, como em outros filmes
Ashaninka, há este elemento mais cotidiano, o que
permeia a vida na aldeia e que faz sua riqueza.
9:
ISAAC Essa é a nossa história com o Vídeo nas Al-
deias. O projeto chegou aqui em 1998, num curso
da Comissão Pró-Índio, em Rio Branco. Depois, fi-
zeram uma oficina na aldeia em 1999, e fizemos No
Tempo das Chuvas. Logo que a gente se encontrou,
em 98, eu pensei muito no uso que podíamos fazer
do vídeo na educação. Mostrar a cultura, nosso
povo. Na segunda oficina, outras coisas aparece-
ram. Me clareou a ideia de que deveríamos usar o
vídeo a favor dos nossos projetos, mostrar aquilo
com que já estávamos envolvidos, os projetos da
comunidade. E, também, mostrar o dia a dia das
nossas famílias na aldeia. Essa era a nossa segunda
proposta. E eu nunca pensei que esses filmes tives-
sem tanta força para mostrar quem era o povo
Ashaninka, tanto para o mundo de fora, quanto
para nós mesmos. Eu nem imaginava a força que
uma imagem podia assumir depois de um trabalho
pronto, depois de um trabalho organizado. Só al-
guns anos depois, por volta de 2005 ou 2006 que
isso ficou mais claro pra mim. A importância que
tem um trabalho, um documentário, que mostra
sobre nossa história. O nosso conhecimento não
está apenas na totalidade do povo, ele está nas
famílias também. Há famílias que detêm um conhe-
cimento, outras, uma história. Se conseguirmos
juntar esses conhecimentos, talvez a gente consiga
mostrar, pelo menos um pouco, o que é o povo
Ashaninka, dos anos 1930 para cá. O vídeo sempre
me deu muito. Por exemplo, Marechal Thaumaturgo
é um lugar que ainda não deu conta da sua história.
Eles ficam só recebendo coisas de fora: conteúdo,
tecnologia. Quando na verdade, está tudo aqui.
Você pode contar a história do município a partir de
dois ou três personagens que vivem aqui, sua tradi-
ção. Daqui a poucos anos, essas pessoas terão par-
tido. E essa memória viva terá se perdido. Daí se vê
um pouco a importância da imagem na construção
dessa memória. Às vezes, no entanto, nem mesmo
eu sei como trabalhar a questão da imagem, do re-
gistro. Hoje existe um silêncio. Alguma coisa do
mundo de hoje que faz com que as pessoas não Isaac entrevista ancião da aldeia
queiram se manifestar. Mas quando você entra na enquanto Wewito os filma.
casa de alguém, de uma família, e começa a convi- Foto Vincent Carelli, 2009

uma pessoa, o dia a dia de uma comunidade que
pertence a uma cultura, a um projeto de povo, a um
projeto de mundo. Eu sempre tive muito cuidado
com as coisas que entravam na comunidade: a tele-
visão, um gravador... mas foi ficando cada vez mais
claro para mim que os instrumentos você pode usar
a seu favor, para o seu bem, para a sua sobrevivên-
cia, sobretudo. O povo Ashaninka não mostrou,
ainda, quem realmente é. Por mais que a gente faça
o nosso trabalho, muita coisa continua sem ser vis-
ta. Eu não sei como retratar isso. Talvez a gente
tenha conseguido um pouco com o Shomõtsi, tal-
vez a gente consiga mais um pouco com o filme
ver com essas pessoas, você participa e conhece
um outro mundo. Você vive o mundo da comunida-
de, o mundo das praias, o mundo da floresta e das
frutas. Cada momento e espaço desses, são conhe-
cimentos e histórias diferentes. Quando eu penso
que minha vida também pertence à construção de
um projeto, o projeto de sobrevivência do meu
povo, eu vejo a importância do vídeo. Como um
instrumento de reflexão para a comunidade, para o
próprio cineasta. Eu cheguei num momento em que
não posso mais acompanhar o projeto do Vídeo nas
Aldeias, porque preciso cuidar de outras ativida-
des. Mas isso não significa que abandonei o vídeo.
Projeção no sítio do Jacu.
Foto Ernesto de Carvalho, 2010
Pelo contrário, hoje eu tenho um outro olhar, e
começamos a formar novos cineastas, para dar
continuidade ao projeto. Eu hoje olho o vídeo de
um outro lugar. Meu desejo é que cada vez mais
pessoas estejam envolvidas nesse trabalho. E não
é começar do nada. Já temos projetos muito defi-
nidos, o reflorestamento, os tracajás. É buscar, na
comunidade, alguns temas que se relacionam
com a nossa trajetória. Hoje você vê que as crian-
ças já compreendem nossos projetos, o manejo.
Elas participam, falam sobre isso com conheci-
mento. Você vê a importância disso dentro da co-
munidade. Imagine também fora, compartilhar
nossa experiência através do vídeo. Fazer conhecer
de que maneira nós estamos defendendo o nosso
povo e a nossa terra. Até hoje, quando eu assisto
aos filmes que fizemos, eu me emociono. Quando eu
assisto sozinho, estou assistindo para entender
mais, para analisar, para estudar. Mas quando assis-
to com o público, eu me emociono. Eu vejo o olhar
das pessoas dirigido para o filme. E eu observo as
pessoas discutindo o que se passa nos filmes. Cada
vez que assisto com um público novo, eu aprendo
mais coisas a partir do olhar de cada uma das pes-
soas. Passo a ver coisas que eu não percebia antes.
Me emociono muito. As pessoas não veem, mas
muitas vezes a gente chora. Na comunidade, nas
festas de fim de ano, a gente escolhe dois ou três
filmes e roda. Não fica ninguém de fora. Aquelas
criancinhas que vemos nos filmes hoje estão todas
casadas, adultas, com filhos. É uma alegria ter es-
ses filmes e exibi-los na aldeia para as pessoas que
participaram dessa história. Imagina assistir a este
filmes novamente daqui a cinco ou dez anos? Um
filme é mais bonito quando a gente deixa ele guar-
dado por um tempo. Vira história. Q

:1 :2
 Lvjlvsp

Os Kuikuro vivem no Parque do Xingu (MT) e somam uma população de cerca de 500 pessoas. Fazem parte de um sub-sistema

carib Alto Xinguano, com os outros povos vizinhos que falam variantes dialetais da mesma língua (Kalapalo, Matipu e Nahukuá)

Takumã Kuikuro, cineasta indígena. e participam do sistema multilíngüe conhecido como Alto Xingu, na porção sul do Parque. Os Kuikuro estão organizados em três

À direita, uma casa em construção, aldeias: Ipatse, aldeia principal um pouco distante da margem esquerda do médio Culuene; a aldeia de Ahukugi, na margem
na aldeia Ipatse, no Parque do Xingu.
direita do Culuene, rio acima de Ipatse; e uma terceira aldeia no local da antiga Lahatuá. Liderados por Takumã Kuikuro, todos

Fotos Vincent Carelli, 2008 os membros do Coletivo Kuikuro de Cinema, com os quais Vídeo nas Aldeias trabalha, são moradores da aldeia Ipatse.

:3 :4

Takumã revisando as filmagens
do filme Cheiro de Pequi.
Foto Vincent Carelli, 2004
Carlos Fausto, antropólogo do
Museu Nacional, de aluno a
realizador, coordenador do trabalho
de vídeo entre os Kuikuro.
Foto Vincent Carelli, 2008
:5
AFUKAKÁ, EM CHEIRO DE PEQUI Vou lhe chamar pelo seu
nome, hiper-jacaré. Por você ser o que é estou lhe
chamando. Vou lhe chamar pelo seu nome, Kangi-
sakagu. Por você ter sido a namorada do jacaré. Vou
lhe chamar pelo seu nome, Mariká, por você ter ma-
tado o jacaré.
VINCENT CARELLI A primeira oficina com os Kuikuro
foi em 2002, numa parceria com a Associação Kui-
kuro do Alto Xingu, Carlos Fausto e a Bruna Fran-
chetto, do projeto Documenta Kuikuro, do Museu
Nacional. Se não me engano, era a estação do pe-
qui, e já entramos de cara num filme temático, que
por princípio é mais difícil. Um filme de cotidiano,
de personagem é um filme no qual você não inter-
fere tanto, ou pelo menos não tão drasticamente
como num filme temático, que pressupõe uma pos-
tura mais cerebral e menos intuitiva. Era o momen-
to da colheita do pequi. Já no primeiro depoimento
que saiu para gravar, Takumã voltou com a história
da origem do pequi e tomamos essa direção.
CARLOS FAUSTO Cheiro de Pequi se tornou rapidamente
um filme temático, mas também tiveram circunstân-
cias do funcionamento da oficina que foram um tanto
aleatórias, como por exemplo a escolha, na comunida-
de, de quem participaria da oficina. Foram escolhidos
um série de jovens. Dentre eles, apenas o Mariká falava
português. Tanto ele como o Takumã mostraram,
imediatamente, um grande talento com a câmera.
TAKUMÃ KUIKURO Conheci o Vídeo nas Aldeias quando
eu era ainda muito jovem. Foi através do Carlos Faus-
to. Quando chegaram na aldeia eu nem imaginava
como se fazia um filme, o que fazer, o que filmar pri-
meiro ou depois. Eles chegaram e fui falar com o Vin-
cent. Mas eu não falava bem o português e não en-
tendia nada do que ele falava, ficava meio perdido.
Éramos cinco pessoas ao todo participando da ofici-
na. Eles explicavam como funcionavam as filmagens,
mas eu não entendia nada. E tinha, também, um ou-
tro problema que era como se aproximar dos mais
velhos. No início, filmamos apenas as crianças. Quan-
do chegávamos para filmar os mais velhos, eles nos
mandavam embora, diziam que os brancos filmavam
melhor do que nós e que não seríamos profissionais.
A gente logo se assustava e não filmava mais.
CARLOS Logo na primeira semana, foi pedido aos alu-
nos que acompanhassem um personagem. E houve
uma grande resistência, as pessoas não queriam ser
filmadas. Me lembro de um trabalho coletivo para
qual os meninos foram chamados e no momento da
gravação levaram uma descompostura, porque su-
postamente num trabalho coletivo, na roça, todos
têm que trabalhar. E os mais velhos disseram : “O que
vocês acham que estão fazendo aí com essa câmera?
Vocês são jovens, têm que trabalhar. Tá todo mundo
trabalhando!” Então, no começo, eles foram cons-
truindo um espaço com dificuldade, mas lançaram
mão de um recurso interessante, voltaram-se para as
famílias. Tenho umas amigas feministas que falam:
“Poxa, eu acho tão importante vocês terem colocado
narradoras mulheres!”. Claro que eu não desminto
nada, mas a grande razão de as mulheres serem as
narradoras dos filmes é que só elas respondiam aos
filhos; os outros diziam de cara: “não me encham a
paciência, o que você quer com esse negócio?” Então
o material que a gente tinha era um material funda-
mentalmente calcado no depoimento das mães.
Leo Sette, depois das experiências com os
Makuxi e Waimiri Atroari, chegando para
iniciar o trabalho com os Kuikuro.
Foto Vincent Carelli, 2002
Leo e Vincent revisam o material na câmera
com os velhos no centro da aldeia.
Foto Carlos Fausto, 2002
LEO SETTE Antes da oficina que deu origem ao Cheiro
de Pequi, eu já havia estado nos Waimiri Atroari, já
tinha trabalhado com o Divino Xavante e com os
Macuxi. Tinha feito o filme Um dia na aldeia. Era o
meu primeiro ano no Vídeo nas Aldeias. O VNA es-
tava firmando uma rotina de trabalho, começáva-
mos a compreender para onde as coisas caminha-
vam, a intimidade da câmera, a proximidade. Com
os Waimiri Atroari, a oficina partiu de exercícios de
busca por personagens, tudo era novidade, o que
permitiu um clima de muita intimidade. Já nos
Kuikuro não era bem assim. Eles já tinham muito
claro o que era para ser filmado. Os Kuikuro são
provavelmente um dos povos mais filmados do
país, pela sua exuberância e mesmo como produto.
Conheciam, pelo menos, uma certa maneira de ser
filmado. Nos Kuikuro era aquela história de quere-
rem tirar o relógio, a sandália. A comunidade não
curtia tanto a visionagem do material bruto, como
em outros grupos. Isso se tornou um assunto cons-
tante nas nossas conversas. O desafio inicial era
romper com uma certa dureza e ideias preconcebi-
das sobre o que deveria ser filmado ou não.
CARLOS Neste sentido, tivemos que fazer um traba-
lho longo. Essa era uma conversa que a gente já
tinha tido mesmo antes da oficina. A Bruna certa
vez comentou: “Olha, acho que vocês vão ter difi-
culdade no Xingu para filmar o cotidiano, o que se
encontra fora da cena pública, porque o doméstico
não tem lugar no espetáculo. O que está na intimi-
dade, dentro das casas, não deve ser revelado.” A
casa xinguana é feita de modo a que você tenha
zonas de obscuridade completa, que é onde as pes-
soas guardam suas coisas, seus segredos, onde são
feita as conversinhas. Isso não é para filmar por
definição. Nos depoimentos eles se colocavam to-
dos bem vestidos, decorados, mas muito estáticos.
Havia uma coisa meio solene, meio formal, mesmo
quando tinha graça. Além disso, os Kuikuro – os
xinguanos, em geral – são muito conscientes da
imagem que eles têm fora da aldeia. Fazem uso
dessa imagem em várias circunstâncias. São há-
beis em utilizar isso, em saber se apresentar. Acho
que é uma habilidade que tem a ver com as circuns-
tâncias históricas e com o papel dos Villas-Boas na
criação do Parque, mas tem a ver, também, com a
própria história indígena xinguana. Ali encontram-
se povos de origens linguísticas e culturais distin-
tas, que sempre tiveram que se confrontar com a
visão do outro. Isso gera uma consciência da visão
que o outro pode ter de você. Foi um grande desa-
fio desconstruirmos essas premissas nas oficinas.
Mas atravessamos a fronteira.
:6
 TAPUALU, EM CHEIRO DE PEQUI A cigarra está cantan-
do para o pequi ficar cheiroso. Quando plantamos
pequi, se o pé não der fruto, a gente arranha o
tronco com dente de jacaré. Porque na origem, o
pequi era um jacaré.
CARLOS Cheiro de Pequi foi um filme circunstancial,
era o acontecimento que regia a aldeia naquele
momento, com seus mil desdobramentos. Durante
o trabalho a coisa cresceu mais do que a gente ima-
ginava e percebemos que não daria para terminar o
filme apenas naquela oficina. Foi então que fize-
mos o primeiro projeto pela Associação Kuikuro,
num edital do PDPI (Programa Demonstrativo dos
Povos Indígenas), propondo um filme sobre o pe-
qui. Em 2003, ainda sem financiamento, voltamos
para completar o filme. Usamos recursos do VNA,
do CNPq e da Fundação Volkswagen. Com o dinhei-
ro da Fundação, Bruna comprou uma câmera, a pri-
meira câmera da aldeia, e começamos a filmar.
:7
VINCENT Cheiro de Pequi foi um projeto que foi se des-
dobrando, um processo de descobertas, como por
exemplo, a transmissão da propriedade dos pés de
pequi, a personagem que adoeceu, a narrativa do
mito de origem propriamente dito. Filmar um mito é
um processo doloroso, porque você tem que ficar
desconstruindo a narrativa, suas ramificações. A his-
tória da cotia, do tatu. Explicar quem era o sol e a lua.
Era preciso traduzir várias versões integralmente. Fa-
zer escolhas, criar atalhos. Eram narrativas comple-
xas que precisavam ser simplificadas.
CARLOS Na edição de Cheiro de Pequi fiquei perdi-
do com as várias etapas da narrativa. Eu achava
que não estava dando certo. E quis sustentar mi-
nha posição em relação à construção do mito no
filme. Vincent não gostou nada, mas me disse:
“certo, mostra pra mim como você quer fazer”. A
questão era justamente se optaríamos por orde-
nar linearmente o mito ou se daríamos voltas.
Ninguém iria entender, porque narrativa indígena
de mito tem uma característica básica, como toda
literatura oral. É repetitiva e construída com pa-
ralelismos, um recurso estilístico, e também é
mnemotécnico. Se você pegar e analisar as rezas,
os cantos, as narrativas, você vai perceber que
são sequências de ações que se repetem, que tem
um buraquinho, um slot, para colocar uma infor-
mação que, na verdade, é uma lista. Então tem o
fulano de tal, o sicrano, o beltrano, diferentes
ações. E isso, transformado em filme, pelo menos
para nós, não funciona. Então, a gente tinha que
Momentos da encenação do mito da origem
do pequi, no filme Cheiro de Pequi.
Fotos Vincent Carelli, 2007
mudar totalmente a estrutura da narrativa, supri-
mir repetições, descomplexificar. E ouvimos di-
versas vezes reclamações dos índios de que corta-
mos as coisas pela metade. Quer dizer, quando a
gente transforma o mito na linguagem do vídeo,
a gente corta justamente aquilo que eles acham
mais bonito: o canto inteiro, a história bem con-
tada, a gama de personagens e acontecimentos.
A gente, às vezes, tem um preconceito contra a
tradução. O que eu penso é o seguinte: o equiva-
lente da poética oral indígena não pode ser a gra-
vação do cara contando um mito inteiro, assim
como ver ópera cantada à distância é uma coisa
insuportável. Não pode ser isso. Assim, fazer o
equivalente à antropologia, ou à etnografia, em
filme, não é fazer uma etnografia feita em filme, é
outra coisa. De toda forma, os índios se apropriam
da linguagem audiovisual de uma maneira surpre-
endente. Eles têm uma capacidade de apropriação
das coisas e de dar um sentido novo, de inverter,
de pensar possibilidades.
JAUAPÁ, EM CHEIRO DE PEQUI A história de origem do
pequi é assim. Foram as mulheres do Mariká que
namoraram com ele. Elas se pintavam para ir para a
roça. Elas chamavam o jacaré e ele saía das raízes de
tihigu e vinha vindo em direção a elas. Ele era tão
bonito. Primeiro ele transava com a irmã mais velha.
Depois com a mais nova. Elas, então, arrancavam a
mandioca e voltavam para casa. O Mariká não perce-
bia nada. Um dia, ao sair para caçar encontrou uma
cotia que disse: Espere, meu neto, você sabe das
suas mulheres? Elas não estão se comportando mui-
to bem, estão namorando com outro. Estão namo-
rando com o jacaré. Se você quiser, vamos até lá ver.
Eles foram e a cotia disse: É aqui que elas namoram.
Veja, é ele, mas fique calmo, não o mate ainda.
Quando ele estava transando com a mais nova, a
cotia disse: mate-o agora! Ele flechou bem na hora
que o jacaré ia gozar. As mulheres não viram, porque
ele usou a flecha da cotia, que era invisível. Se fosse
uma flecha comum teriam visto. Elas choraram mui-
to. Aí Mariká apareceu e disse: Ah! É isso o que vocês
andam fazendo? Ele bateu muito nelas. Elas enter-
raram o jacaré e arrebentaram seus cintos. depois
tiraram a rede de Mariká de casa. Elas estavam com
muitas saudades do jacaré. Mariká foi para a casa
dos homens e ficou lá sozinho. E as mulheres ficaram
viúvas. Cinco dias depois, elas foram ver a sepultura.
O jacaré já estava brotando. O pequi estava nascen-
do bem vermelho. Ele cresceu rápido.
Tapualu, mãe de Takumã e uma das
narradoras do filme No dia em que a lua
menstruou. Fotograma do filme No dia em que
a lua menstruou
Jauapá, mãe de Amuneri, aluno da oficina,
outra narradora dos filmes Cheiro de Pequi
e No dia em que a lua menstruou.
Foto Vincent Carelli, 2008
Amenri, aluno da oficina, Mutuá, professor
e pesquisador da aldeia e Carlos entrevistam
Tsana, cantor da aldeia.
Foto Vincent Carelli, 2007

VINCENT Há uma marca diferencial dos Kuikuro em
relação a outros povos que é a participação do
Carlos Fausto nas entrevistas. Em geral isso não
acontece. E não acontece justamente porque, na
presença de um não-índio, o foco da interlocução
tende a se voltar diretamente para ele. Por outro
lado, sua presença catalisa inúmeras situações e
proporciona uma abertura muito grande. A filma-
gem em si, a abordagem propriamente dita, po-
rém, se dá entre os realizadores e seus persona-
gens. É outra história. Claro que em filmes mais
temáticos, como em Cheiro de pequi, nossa inter-
ferência é maior, a pesquisa, o projeto. Em filmes
do cotidiano é diferente, as coisas acontecem, o
cineasta reage, faz ou não faz. Em Cheiro de pequi
:9
havia um projeto formatado, a pesquisa de trans-
missão de conhecimento. O mote do filme é do
Carlos e da Bruna, mas o fazer é uma apropriação
dos realizadores. Há todo um debate da organiza-
ção do filme, mas as escolhas, a realização, isso
acontece na feitura mesmo do filme, no momento
das filmagens.
LEO Em relação à intervenção no processo, não acre-
dito que seja maior do que em outros grupos que
trabalhamos, mas com certeza é de outra natureza.
O fato do Carlos Fausto falar a língua e ser extrover-
tido, o faz tomar iniciativas, como chegar e fazer
uma entrevista. E, às vezes, as pessoas se abrem
mais com ele do que com os meninos que chegam lá
para filmar. E o Carlos adora participar do processo.
É uma pessoa querida, as pessoas gostam dele e de
falar para ele. Ele se encanta, reage, responde, su-
gere planos e cenas. Isso só não seria ótimo se ele
impusesse restrições. Mas é justamente o contrário,
ele participa, ajuda, incentiva, está lá.
TAKUMÃ A gente conversava muito com o Carlos. Ele
fala a língua. Na oficina, acompanhava as aulas, ten-
tava explicar o que estava acontecendo pra gente, pra
comunidade, pro cacique.
CARLOS Em função dessa dificuldade de comuni-
cação, eu acabei participando da oficina. Apren-
di muito, mas nunca peguei na câmera. Às vezes
penso que, ao contrário dos outros grupos que
trabalham com o VNA, no caso dos Kuikuro, eu
funciono muito como um mediador. E muitas ve-
zes tenho a impressão que minha interferência é
grande demais, chegando mesmo a comprometer
o crescimento dos cineastas. Por outro lado,
aprendi muitas coisas com eles e eles comigo.
Mesmo hoje, depois de quase uma década, mui-
tas das entrevistas e roteiros são feitos por mim,
embora o Takumã tenha aprendido muito e se
desenvolvido muito neste aspecto. No começo
entrei com muita força, não só porque os meni-
nos estavam inseguros, mas porque os velhos
não falavam com eles. Eles eram muito jovens,
tinham apenas dezessete, dezoito anos. A gente
tinha os temas e sabia que não existia uma sime-
tria absoluta na construção da história. Agora,
basta ver a câmera deles e a maneira como che-
gam nas casas para saber que muita coisa ultra-
passa a nossa interferência. Daí emerge uma coi-
sa nova, porque fazer esses filmes depende da
relação que estabelecemos, a gente com eles e
eles com as pessoas que estão sendo filmadas.
Daí resulta o filme. Eu não poderia sozinho con-
ceber o filme. Se fosse eu a filmar, ficaria ruim,
porque seria algo externo, não teria densidade,
não teria a mesma textura.
KALUSI, EM CHEIRO DE PEQUI O beija-flor é muito po-
deroso. Ele é o dono do pequi. É ele quem nos
mata. Ele atira sua flecha no nosso ouvido, no nos-
so peito, na barriga, no corpo todo. Ele é assim.
Quem fez o beija-flor ser dono do pequi? Foi o sol.
Foi assim que aconteceu: ele pintava seus pássa-
ros e os fazia donos do pequi.
VINCENT Há uma característica entre os Kuikuro
muito marcada. É que tudo vira ficção. Tudo é
combinado. Isso fica muito claro no Cheiro de
pequi, na cena da morte do jacaré. Isso aconte-
ceu porque faltava um elemento que desse uma
animada ao mito, ao texto da história. Até que
chegamos na encenação. E todo mundo aderiu à
ideia. Mas para concretizá-la foi um problema.
Fomos adiando, adiando, e faltando três dias
para o fim da oficina, ainda não havíamos desen-
volvido as cenas. O ponto era quem cederia a
menina para transar com o jacaré e a coisa não
acontecia. Para evitar conflitos, a solução en-
contrada foi chamar a Kanu, que era irmã do ja-
caré, mas encontrar um atriz mais nova para re-
presentar a outra amante do jacaré foi mais
complicado. Foi tudo bastante improvisado, em-
bora bastante divertido. Foi um exercício no qual
interferimos bastante. Mas o interessante é que
ficaram algumas cenas por filmar. E o Takumã fi-
cou de fazer essas cenas. E ele fez brilhantemen-
te, inclusive mobilizando o principal pajé Kuiku-
ro para uma das cenas. Da ficção, o que ficou por
fazer foi completamente assimilado por ele. O
fazer ficção, dirigir, pensar a continuidade. A fic-
ção entre os Kuikuro não é uma questão. É um
procedimento, um método de trabalho.
PERSONAGEM EM O DIA EM QUE A LUA MENSTRUOU Olha a
lua! Passem polvilho no rosto! Está havendo um
eclipse!
CARLOS Quando voltamos, em 2003, para comple-
tar as filmagens de Cheiro de pequi, aconteceu um
eclipse. Foi totalmente por acaso. A gente estava
assistindo A guerra do fogo e bem na cena em que
a brasa está se apagando e aqueles homens pelu-
dos todos amontoados... (um parêntesis: como
sou muito peludo, os índios sempre falam que sou
descendente de macaco, teoria darwinista bási-
ca) ... pois eu estava conversando com um Kuiku-
ro, amigo meu, e disse: “Está vendo, não falei
A esquerda, Carlos, Asusu, Leo e Takumã
para você que os brancos vêm mesmo dos maca-
trabalhando na edição do Cheiro de Pequi.
cos!?” Nesse momento, o irmão da Kanu sai cor- Foto Vincent Carelli, 2008
rendo da casa dele gritando: “O eclipse! O eclipse!
O eclipse!” Naquela época ainda não havia muitos Acima, Kalusi, pajé da aldeia e
aparelhos de TV, apenas na casa do chefe. A notí- personagem do filme Cheiro de Pequi.
Fotograma do filme, 2004
cia tinha aparecido no Jornal Nacional, mas não
tínhamos visto. Então o Jakalu, muito cortês, vi- Vincent trabalha no roteiro de
rou para a gente e disse: “Vincent, pode desligar. Cheiro de Pequi durante a oficina
A gente estava vendo o filme, mas agora vamos de edição na aldeia.
tocar flauta.” E aí começaram as atividades ritu- Foto Leo Sette, 2008
ais que parte documentamos e parte reconstituí-
mos no filme.
::

Terruko, pajé da aldeia, conta o seu transe no
momento do eclipse. Fotograma do filme No
dia em que a lua menstruou
À direita. Takumã, Carlos e Mutuá,
na filmagem de Cheiro de Pequi.
Foto Vincent Carelli, 2008
VINCENT Foi tudo muito rápido. Na mesma noite co-
meçaram os rituais. Foi dando até um certo nervo-
so, a gente ali e as coisas já acontecendo. Quando
eles se levantaram e foram tocar flauta, decidimos
mudar o rumo do trabalho. Sabíamos que tínhamos
um filme ali.
TAPUALU, EM O DIA EM QUE A LUA MENSTRUOU Ele viu o
sangue pingando. Todos se transformam, todos os
animais se transformam. O tatu vira arraia. E a co-
bra vira peixe. Se você for para a roça durante o
eclipse, verá as mandiocas dançando. E se for para
a cidade, poderá ser atropelado por um carro. Por
isso não andamos por aí durante o eclipse.
TAKUMÃ Estávamos assistindo à projeção quando
tudo começou. Eu costumava chegar todos os dias
até o Vincent e perguntar qual filme seria exibido
211
naquele dia. Eu gostava. Chegava antes e montava
os equipamentos para todo mundo assistir. Assis-
tíamos a filmes todos os dias. De repente, aconte-
ceu o eclipse. Uma pessoa que fica sabendo do
eclipse, deve informar aos outros. Na mesma hora,
paramos o que estamos fazendo e vamos tocar as
flautas sagradas. Na hora do eclipse todo mundo
saiu da projeção, então o Carlos pegou logo um
gravador para gravar o canto, mas não filmamos.
Era de noite, desmontei o equipamento e fui para
casa, porque estava ainda concentrado no Cheiro
de pequi. No dia seguinte, Vincent disse que acha-
va que seria bom acompanhar as coisas do eclipse.
As pessoas ainda não confiavam na gente, não ti-
nha ainda nenhum resultado das oficinas, nenhum
filme pronto. Mas a gente explicava que estávamos
aprendendo e falávamos da importância dessa do-
cumentação. Depois do eclipse, acontecem várias
festas, os jovens vão pegar remédio para fortalecer
o corpo deles. Pra a gente, quando a lua menstrua,
como a gente fala, cai sangue em cima das pessoas
e todos devem ficar acordados. E ficou claro pra
gente que tínhamos que acompanhar as pessoas,
as mulheres, os pajés.
TEHUKO, EM O DIA EM QUE A LUA MENSTRUOU Fumei no
eclipse até entrar em transe. Aí escutei o morto.
Ele então me carregou e me levou embora des-
maiado. O eclipse estava começando. “Veja!”, o
morto disse, “é a filha dele que está menstruan-
do”. Todos os bichos-espíritos estavam reunidos.
Eu escutei o dono da raíz pilando o remédio dele,
quando o eclipse estava começando. Todos os bi-
chos-espíritos estavam dançando. Assim é a festa
deles: cada um com sua dança, todas as festas
juntas. Eles são os mortos. Os mortos festejam.
“Vamos lá!”, os mortos dizem. Eles ficam todos em
fila. A primeira festa que os mortos dançam é o
Hugagü. Os mortos têm corpo, como nós. Mas não
é este corpo aqui não. O deles é muito bonito. Lá
no mundo dos mortos nós voltamos a ser bonitos
como quando éramos jovens. Todos dançavam e
cantavam. Eu escutava a festa dos bichos-espíri-
tos. Eles dançavam todas as festas. Quando eu
estava desmaiado, eles estavam acordando as
flautas kagutu. Quando aqui é dia, lá é noite.
CARLOS Reconstituímos a cena do acordar os obje-
tos que estavam “dormindo”. É engraçado e óbvio
que já é dia, um fake total. Muitas pessoas vieram
comentar comigo que acharam incrível que tivés-
semos filmado justo no momento em que aconte-
ceu o eclipse. Ao que eu respondia: “Reparou
como entra sol pela fresta da casa?”. Nos diverti-
mos muito inventando aquela gag da televisão.
Uma outra coisa que muita gente não percebe e
que é óbvio, é que tínhamos um controle remoto
e ligamos a TV na hora em que o personagem bate
nela. Em O dia em que a lua menstruou a reconsti-
tuição foi um processo muito legal, que eu penso
que é uma coisa muito etnográfica também. Acho
que é por isso que gosto tanto. Tínhamos o mate-
rial, tínhamos o acontecimento do eclipse, tínha-
mos a festa, as pessoas dançando, mas toda per-
gunta que fazíamos para os realizadores a respeito
dos acontecimentos eles não sabiam responder,
não tinham a menor ideia, não sabiam a razão das
coisas serem como eram. Então, começamos a
pensar para quem perguntar. O primeiro foi o pajé,
o Tehuko, que faleceu três anos depois. Na noite
do eclipse, ele tinha fumado e tinha visto tudo
aquilo que ele relata no filme. Mas para os realiza-
dores serem recebidos por esses personagens foi
preciso que eu fosse junto. Então essa mediação
que frisamos sempre ao nos referirmos aos Kuiku-
ro foi sendo construída. Mas, ainda assim, uma
vez dado o start, a relação entre eles é que permi-
te dar densidade, questões que você não coloca-
ria mas que eles colocam. Em O dia em que a lua
menstruou a gente fazia uma pergunta atrás da
outra. O pajé nos explicou que o eclipse era a
menstruação da lua, mas ora, na mitologia, a lua
é homem, então como ele menstruou? Saímos
para perguntar para as pessoas e quando a gente
recebeu aquelas respostas ficou claro, para mim,
que tinhamos um final: “Bom, se a gente quer
fazer um filme que tenha um final interessante do
ponto de vista antropológico, ele tem que acabar
com a dúvida e não com a certeza ou com a apo-
teose do ritual”. Isso era o produto de uma certa
reflexão, havia outras possibilidades. Uma ques-
tão interessante deste filme é que o eclipse, ao
contrário de um ritual determinado que se impõe
como cena pública, não se impôs como ciclo ritual.
Foi um filme realizado muito mais pela facilidade
de ser executado, pois era preciso, apenas, acom-
panhar a cronologia de dois dias de eclipse: o co-
meço do eclipse, o final das atividades referentes
ao eclipse, e pronto.
TAKUMÃ Aprendi muito nesse processo, acompa-
nhava as gravações, filmava. Tudo aconteceu num
só dia: as conversas com os pajés, o arranhar dos
corpos dos jovens, a luta, as mulheres, as curas. No
dia seguinte, fizemos apenas alguns depoimentos
e o filme estava pronto. Fizemos a primeira edição
na aldeia, mas eu ainda não entendia direito, não
alcançava o que resultaria daquilo. Depois do pri-
meiro DVD pronto é que entendi que o filme estava
pronto para ser exibido, que passaria em festivais.
Comecei a entender só depois que saiu o DVD.
Quando eu projetei o filme na aldeia, algumas pes-
soas também não entenderam. Ainda hoje algumas
pessoas ficam na dúvida e temos que explicar. Os
mais jovens entendem mais do que os mais velhos.
Então temos que explicar tudo. Depois deste filme,
editamos enfim o Cheiro de pequi. Quando projeta-
mos o filme na aldeia houve muita discussão, por-
que minha mãe fala Kalapalo e foi muito criticada
porque fala outra língua e contou a história do
pequi de um modo um pouco diferente dos outros.
Todos ficaram dizendo que não poderia ser assim e
alguns reclamaram que não estavam presentes no
filme. Explicamos que era assim mesmo e que al-
guns nem sequer queriam conversar com a gente
212

Equipe de filmagem de Cheiro de Pequi
e atores posando no estúdio deixado por
Sebastião Salgado na aldeia.
Foto Carlos Fausto, 2008
Takumã e Mutuá, na Casa de Cultura
Kuikuro, na aldeia Ipatse.
Foto Vincent Carelli, 2010
À direita, projeção de material histórico
do Parque do Xingu na casa das flautas
para o curta Os Kuikuro se apresentam.
Foto Vincent Carelli, 2008
213
durante as filmagens. Mas explicamos que todo
aquele trabalho era para nós mesmo, e aos poucos
foram entendendo.
MUTUÁ KUIKURO, EM O MANEJO DA CÂMERA Hoje em dia,
novas tecnologias estão entrando dentro da al-
deia, e isso preocupa muito as pessoas mais ve-
lhas. E as mais novas querem aprender mais. Por
isso a gente tenta documentar nossas músicas,
cantos, mitos, para que a gente possa usar para as
novas gerações que virão.
TAKUMÃ EM O MANEJO DA CÂMERA Quando eu era crian-
ça, quando eu tinta uns cinco anos, os brancos che-
gavam aqui, fotógrafos e cinegrafistas, aí eu via as
coisas deles, câmeras grandes, como a Rede Globo,
que veio aqui faz tempo. Eu ficava espiando, andan-
do atrás deles, e pensava: que máquinas são essas?
Eu ainda era criança, eu não sabia.
TAKUMÃ No início eu praticava muito, mas apenas um lugar para ele no mundo e na sociedade Kuiku- te se espelha no tipo de filme que é feito. Por de agora é em termos do crescimento dele como
durante as oficinas, porque depois a câmera ia em- ro. Deu-lhe também um modo de ganhar a vida, termos um processo de colaboração muito definido cineasta. Ele foi eleito quase que por unanimidade
bora. Ainda não tínhamos câmera. E a gente ficava porque eles recebem recursos do projeto. Isso faz dentro do projeto Kuikuro de cinema, acabei me vice-presidente da Associação, uma coisa muito
lá, sem filmar, esperando a próxima oficina. Eu sa- alguma diferença também em termos de motiva- envolvendo muito nos filmes, na gestão de proje- improvável se você entender a política Kuikuro.
bia que queria fazer vídeo. Quando chegou a câme- ção, que é diferente do Isaac Piãko ou do Zezinho tos, na Associação Kuikuro, mas penso que é preci- Mas como ele virou um craque em computação,
ra na aldeia, começamos a filmar tudo, o dia a dia Yube. No caso deles, eles partem de uma reflexão so dar um salto. O Takumã, quando se defronta com acabou responsável pelo cadastro dos idosos para
na aldeia, as festas, as lutas. E começamos a ser política sobre o lugar do vídeo como uma ferra- o desafio de ter que fazer um trabalho sozinho, ele receber a aposentadoria rural e as pessoas reco-
chamados para filmar também em outras aldeias. menta para afirmação de um povo, de uma situa- faz, e faz bem; por outro lado, ainda se retrai um nheceram isso. Quer dizer, ele foi um cara que se
Documentamos cantos, as histórias dos mais ve- ção, de um contexto específico. Isso provavelmen- pouco quando estamos presentes. Minha inquietu- apropriou também de toda essa tecnologia para se
lhos. Com o tempo eu me tornei coordenador do
Coletivo Kuikuro de Cinema. O que filmar é decidi-
do pelo cacique em conjunto com a comunidade.
Não podemos simplesmente chegar e gravar, o ca-
cique tem que estar presente. Então, comecei,
também, a fazer oficinas em outras aldeias, treina-
mentos. Virei cinegrafista. No Xingu e na minha
aldeia sou reconhecido como cineasta. Fora da al-
deia também, já fui contratado como editor pelo
Museu do Índio, dei aulas com o Divino em Cuiabá.
E um trabalho vai gerando outro.
CARLOS Os Kuikuro estão num meio de transição
muito grande, o mundo ocidental chegou na aldeia
definitivamente, o que significa que chegou por
várias vias: TV, internet, todos os meio de comuni-
cação e circulação. Eles estão sempre viajando, e
todos os jovens estão procurando entrada em algu-
ma coisa. O Takumã e o Jairão, por exemplo, não
são filhos de chefe, eles não tinham muita oportu-
nidade, e quando abriram esse espaço, eles entra-
ram de cabeça. Takumã é o mais velho, o primogê-
nito. Faz muita diferença no Xingu ser primogênito,
então ele agarrou o vídeo com muita concentra-
ção, num desejo de encontrar um caminho para
ele. Além dele gostar de fazer cinema, aquilo deu
214

Afukaká, chefe Kuikuro da aldeia de
Ipatse e a cantora Kanu, ao fundo.
Foto Vincent Carelli, 2008
em ação. Chegamos para as filmagens com uma
ideia na cabeça. Não se tratava exatamente de uma
oficina, tínhamos um projeto de filme definido:
personagens, abordagem, procedimentos e o pa-
gamento. A questão do pagamento é muito séria
no Xingu. Ali, tudo é pago, não tem papo, ninguém
tão, toda a feitura deste filme já começa de um
jeito diferente, o que faz do filme uma outra coisa.
Já na primeira filmagem em março de 2010, tinha
uma coisa muito tranquila, bem cotidiana, porque
a relação estabelecida era outra e, também, porque
na medida que você paga os personagens, e isso
casa, cenas antológicas de um dos personagens
cantando sozinho. Mas, neste meio tempo, as mu-
lheres começaram a se animar. A Kanu, uma canto-
ra importante e personagem do filme estava doen-
te. E a comunidade estava mobilizada para a grande
festa, a festa final, de encerramento, com convida-

colocar dentro do mundo xinguano, e hoje ele é
uma pessoa muito respeitada. Mas acredito que
ainda falta dar um salto, como percebemos em al-
guns outros realizadores, uma certa reflexão sobre
o próprio trabalho, algo que se ganha com o ama-
durecimento e a experiência.
AFUKAKÁ, EM O MANEJO DA CÂMERA Veja, muitos povos
já perderam os seus cantos. Nós, os Kuikuro, ainda
temos todos os nossos cantos verdadeiros. Foi por
isso que eu pensei em criar a Associação para guar-
dar os nossos cantos. Hoje a comunidade já gosta
das filmagens. A câmera é de todo mundo. Não é
coisa minha, nem sua. Eu me preocupo muito, as
crianças ficam vendo televisão na aldeia. Todos as-
concordaram. Depois, quando foram formadas as
novas gerações nas oficinas, encontramos a saída
de assinar o filme como sendo do Coletivo Kuikuro
de Cinema para marcar que ali existia um grupo de
realizadores. A questão dos créditos nestes filmes
é sempre complicada. É difícil dizer quem, afinal
de contas, fez o filme, porque foi um tanto de
gente. Quando trabalhei com o Leo na edição de
O dia em que lua menstruou, ele operando a ilha e
tomando decisões de corte, isso ficou muito cla-
ro. No caso dos Kuikuro, o Coletivo de Cinema não
é uma solução perfeita, mas sempre se pode colo-
car a realização como do Coletivo e especificar as
Carlos na filmagem de As Hiper Mulheres. vai trabalhar se não for pago. Isso é tradicional também é uma característica xinguana, eles se dos de outras tribos, uma festa que não era realiza-
Foto Vincent Carelli, 2010 entre eles. Nos primeiros filmes, conseguimos ver- sentem obrigados a retribuir, precisam agradecer da há cerca de trinta anos. Kanu nunca tinha can-
ba para pagarmos os cinegrafistas, mas neste filme por aquilo de uma maneira ou outra. Então aconte-
as personagens reivindicaram seu pagamento. Kanu ceu uma coisa muito linda, uma coisa que eu nunca
Kamankgagu e suas duas filhas, Aulá e Kehesu,
KAMANKGAGU, EM AS HIPER MULHERES Veja filha, é isso nos disse: “Bom, se os meninos ganham para filmar tinha visto acontecer lá, um tom introspectivo, as personagens do filme As Hiper Mulheres.
aqui que estou te ensinando. Olha quanta música. e nós somos personagens, queremos receber”. En- relações pequenas, as conversinhas de dentro de Foto Vincent Carelli, 2010
É essa linha que estou te ensinando, os cantos de
Etinkgakugoho. Essa outra aqui são os cantos Tolo.
Este aqui é Titalo. Esse aqui é Atsagalü. Eu já te
ensinei. Esta outra linha é dos cantos de Sogoko.
Esses aqui aprendi com seu tio. Esta outra é de Ti-
kankginhü. Esses ainda são muito difíceis pra você.
Cada nó desse é um canto Tüakanetinhü. São muito
difíceis. Você não consegue ainda... Vai lembrando.
Outro dia eu te ensino mais. Não dá pra aprender
tudo de uma vez. São muitos cantos pra aprender.
Tem muito ainda pra eu te ensinar.
CARLOS A questão da autoria se recolocou de outra

sistem, não só os Kuikuro. Eu mesmo gosto de assis-
tir ao jornal, futebol. Eu gosto que vocês estejam
ensinando os jovens, meu genro, meu neto.
CARLOS Há, ainda, entre os Kuikuro, a questão da
autoria. Quando Takumã e Mariká tomaram a fren-
te das oficinas, porque demonstraram um talento
para este trabalho, os filmes saíram como sendo
dos dois. Na época fizemos questão, porque acre-
ditávamos que era uma coisa legal, e os meninos
funções nos créditos. No Xingu, uma coisa que foi
muito clara desde o início do trabalho, que foi
colocada pelos caciques, é que os cineastas esta-
vam trabalhando para a comunidade a partir das
decisões da comunidade. Mas talvez isso possa
ter brechas, Takumã está mais maduro, já é reco-
nhecido, talvez possa apresentar projetos mais
pessoais e assumir uma autoria mais clara, ou de
colaborações. Mas essa é uma questão a ser dis-
cutida de filme para filme.
forma quando fizemos em 2010 e 2011 As Hiper
Mulheres, pois havíamos refletido muito sobre o
significado da nossa parceria com os cineastas in-
dígenas. O filme nasceu originalmente de uma ideia
de Bruna e Mutuá. Por diversas razões, eles não
apresentaram o projeto ao IPHAN, e eu acabei as-
sumindo o trabalho. Para mim, é um projeto muito
querido, porque vai ao encontro do que estudo, que
é a transmissão dos cantos. O filme representa tudo
aquilo que aprendi nesses anos no Xingu colocado

215 216

Kanu canta, sob orientação da sua mãe e
professora de canto.
Jairão e seu avô olham as imagens
da festa.
À direita, a dança das mulheres.
Fotos Vincent Carelli, 2010
217
tado todos os cantos, principalmente os cantos
sagrados e perigosos. Quando você faz as festas,
essas pequenas festas ao longo dos anos, você
dança só alguns conjuntos musicais, porque é tudo
muito extenso. Naquela ocasião, no entanto, as
coisas estavam acontecendo. As mulheres chega-
ram a brigar com a gente, nos chamaram de pregui-
çosos, porque não filmávamos tudo. Mesmo assim,
finalizamos as filmagens com cerca de cem horas de
material bruto. Muitas vezes não era para dormir e
a gente dormia. Foi então que a gente percebeu
que o que estava acontecendo era que as pessoas
estavam mobilizadas para forçar o dono dessa festa
a fazer a festa. Ele era dono da festa já há dez anos
e não realizava a festa de encerramento. Ele tem
família pequena, tem poucos irmãos. Então era
complicado para ele fazer uma festa. Como mobili-
zar trabalho para alimentar setecentas, oitocentas
pessoas, mais a festa em si? Conversamos com ele
e ficou claro que um dos problemas era arrumar
gasolina para o transporte dos convidados. No
caso do Jamugikumalo, que é uma festa feminina,
tem também que ter linha cléa e miçanga. Decidi-
mos, então, bancar essa história para viabilizar a
festa. Compramos sacos de polvilho de mandioca
para poder alimentar mais gente, e o negócio rolou
e foi uma festa maravilhosa, incrível. Eles e as mu-
lheres ficaram maravilhados e a Kanu teve a opor-
tunidade de cantar a sequência toda que ela apren-
deu com a mãe, que foi a cantora há trinta anos
atrás. Foi uma coisa muito linda, não esperávamos
isso, ajudamos a realizar a festa e coisas maravi-
lhosas aconteceram. É, sem dúvida, um filme que
só poderia ter sido feito agora, depois de todos
esses anos de trabalho.
DIÁLOGO DE KANU E SUA MÃE, AJAHI, EM AS HIPER MU-
LHERES
— Como você está, filha?
— Mais ou menos. Ainda estou aqui deitada.
— Por isso, tô te perguntando. A gente podia estar
cantando juntas. Eu queria que você ficasse boa
logo. Não sei por que você tá assim. Será que al-
gum espírito está de olho em você? Estou muito
preocupada contigo. Isso não podia ter acontecido
agora. A gente podia estar cantando. Eu ainda
quero cantar uma última vez. Eu podia te acompa-
nhar, de mãos dadas. Isso não podia acontecer...
Podíamos estar cantando para seu avô. Vamos ver
se você melhora.
TAKUMÃ Para realizar este filme, fizemos diversas
reuniões entre a gente e com a comunidade,
principalmente as mulheres. Explicamos para
elas como seria a questão do pagamento, para
que ninguém faltasse às filmagens, explicamos
como deveriam se portar nas filmagens. Fizemos
um roteiro de cenas que deveriam entrar no filme
e nos dividimos em grupos. Tinha um quadro ne-
gro onde escrevíamos tudo o que precisávamos
filmar e o que íamos filmando, o nome das pesso-
as, o que estavam fazendo. Por exemplo, o mes-
tre dos cantos, ele lembra dos cantos durante os
trabalhos dele, durante as caminhadas, quando
sai para pescar, então Jairão (Mahajugi) e Munai
combinaram com ele de acompanhá-lo nesses
momentos. Mas nem parece que foi combinado,
porque ele age dessa maneira mesmo. A gente
buscou deixar tudo o mais natural possível, dei-
xamos que as pessoas se esquecessem da câme-
ra, eles conversavam entre eles e eu ficava ali,
218

Kanu narra o mito da transformação das
mulheres. Foto Vincent Carelli, 2010
219
quieto, filmando. Era uma tentativa diferente do
que tínhamos feito nos filmes anteriores, com as
pessoas falando para a câmera. Tudo isso foi
combinado com os personagens. Combinamos
também entre a gente, porque usamos duas câ-
meras, uma faria planos mais abertos, e a outra
se concentraria nos detalhes. Quando uma cena
não funcionava, pedíamos para repetir.
CARLOS No caso do Hiper Mulheres, a escolha pela
ficção partiu deles. Havia um entusiasmo e uma li-
berdade de invenção. Eles fizeram da aldeia um
grande estúdio. O que os realizadores pediam, a
comunidade fazia. Todos bastante envolvidos e à
vontade. Principalmente o Jairão, que assumia
com muita facilidade a direção, a repetição de ce-
nas, as negociações das encenações. O Jairão é
super ativo, enquanto o Takumã é concentrado.
Durante as primeiras oficinas o Jairão era super
alegre, mas às vezes dava um pouco de trabalho.
Mas nessa oficina ele amadureceu muito, começou
a dirigir as cenas, ele chegava e dizia: “Ah! É isso
que é para fazer!” ou “Tá bom, pode deixar comigo”.
Aí ele saía sozinho e dirigia todas as cenas. Todas
as cenas de Kamnkgagü foram dirigidas por ele, e a
gente chegava com o material pronto decupado
com tudo o que eles tinham que falar. Enquanto
Takumã faz o Cinema Verdade, com uma câmera que
é pura fluidez e improviso, uma câmera impressio-
nante, chega e faz uma pergunta e mostra que fez a
pergunta, já o Jairão não, ele claramente dirigia a
cena e só dava o “ação!” depois que ele tinha fala-
do alguma coisa. Foi um grande trabalho em equi-
pe, com determinação de funções e procedimen-
tos. Um trabalho maravilhoso.
Takumã, Carlos e Jairão
na premiação do filme
Kuikuro As Hiper Mulheres
no festival de Gramado,
no Rio Grande do Sul.
Foto Itamar Aguiar/
PressPhoto
KANU, EM AS HIPER MULHERES “Vamos pescar”, disse-
ram. Enquanto isso, as mulheres ficaram cantando
e dançando na aldeia. Os homens não voltaram no
dia combinado. Elas estavam esperando mas eles
não chegaram.
— “O que houve? Será que não conseguiram pei-
xe?” Elas ficaram preocupadas.
— “Filho”, disse a mãe do menino, “Vai lá ver o que
está acontecendo com seu pai”.
— “Filho, você encontrou seus pais?” Ele não res-
pondeu. “Filho, você encontrou seus pais?”
— “Eles já eram, mãe. Aconteceu algo muito estra-
nho. Meu pai e meus tios se transformaram em bi-
chos monstruosos. Estavam todos transformados.
Os olhos estavam nascendo aqui na cabeça. Os den-
tes saíam aqui de trás. Aqui assim, estavam nascen-
do pelos. Aqui também. Eles viraram bicho.”
— “Então vamos fazer o mesmo que eles!”
Foi aí que as mulheres deram o troco. Foram buscar
resina de árvore, pra misturar com a pintura delas.
Pintaram o rosto de um jeito diferente, com uma
pintura de bicho. E então elas começaram a se
transformar.
VINCENT De estética e realização primorosa, o filme
As Hiper Mulheres é fruto de anos de trabalho de
formação, de produção, e é acolhido para a sua
estreia em dois festivais importantes, Gramado e
Brasília, saindo da esfera do público cativo dos ci-
neastas indígenas, para alcançar um universo mais
amplo de espectadores. Esta notícia provocou sur-
presa no meio dos cineastas, e imediatamente
trouxe à tona a manifestação do público anti-in-
dígena. O crítico do jornal “O Estado de São Pau-
lo”, Luís Carlos Merten, assinala em diversas oca-
siões o estranhamento de alguns dos seus colegas
jornalistas: “Tem gente que acha que o filme nem
devia estar no festival. Mas como se, como cine-
ma, é o melhor brasileiro até agora?”, ou “Tem
gente que morre só de pensar em assistir a filmes
de índios”. É assim que, pouco a pouco, a gente vai
inserindo a presença indígena no cenário audiovi-
sual brasileiro. Q
21:
 Ivoj!Lvøö
Os Huni Kuı̃, também conhecidos como Kaxinawá, somam 10 mil

indivíduos e habitam a fronteira brasileira-peruana na Amazônia

ocidental. Suas aldeias no Peru se encontram nos rios Purus e Curan-

ja e no Brasil se espalham pelos rios Tarauacá, Jordão, Breu, Muru,

Envira, Humaitá e Purus, no Acre, em 12 terras indígenas. Persegui-

dos e escravizados pelos caucheiros peruanos, os Huni Kuı̃ começa-

ram a conquistar seus direitos e a demarcação de suas terras na

década de 1980, processo acompanhado de um forte movimento de

revitalização cultural. O Vídeo nas Aldeias tem trabalhado com as

comunidades da Terra Indígena Praia do Carapãnã, no rio Tarauacá,

com Zezinho Yube e seus assistentes, e com aldeias do rio e da Vila

Jordão, com Tadeu Siã, Josias Maná e Vanessa Ayari.

À esquerda, Zezinho filmado o Katxa Nawa.

À direita, aldeia São Joaquim, do rio Jordão, no inverno.
Fotos Vincent Carelli, 2008

221 222
Ao lado, Zezinho Yube na escola do
seu pai Joaquim Maná.
À direita, o professor Joaquim Maná
na sua escola da floresta.
Frames Vincent Carelli, 1999
Na outra página, Agostinho Muru,
pajé e líder da aldeia São Joaquim
no rio Jordão, recebendo a primeira
oficina de vídeo na sua comunidade.
Foto Vincent Carelli, 2006
VINCENT CARELLI A relação do Vídeo nas Aldeias
com os Huni Kuı̃ teve início em 1998, na oficina de
vídeo que oferecemos para os professores indíge-
nas do Acre, em parceria com a Comissão Pró-Índio
(CPI-AC). Este grupo de professores formados pela
CPI era bastante seleto, com uma experiência im-
portante no campo da autoria indígena. Participa-
ram da oficina professores de diferentes grupos,
entre eles os Ashaninka, Manchineri, Karamari,
Kulina, Katuquina e Huni Kuı̃. Como representante
dos Huni Kuı̃, tivemos a participação do Adalberto
Domingos Kaxinawá, o Muru, que também partici-
pou das oficinas que deram origem aos filmes No
tempo das chuvas e Dançando com cachorro. Neste
período, o Zezinho Yube, que mais tarde veio a se
tornar o realizador que é, era ainda um garoto. Não
tomou parte na oficina. Sua história com o VNA, ou
pelo menos nosso primeiro contato, acontece um
pouco mais tarde, em 2000, durante a produção da
série Índios no Brasil, em parceria com a TV Escola
e o Ministério da Educação. O Joaquim Maná, pai
de Zezinho, liderança e professor indígena com
uma trajetória importante na luta pela nova escola
223
indígena e pesquisador da cultura Huni Kuı̃, foi um
dos nove personagens da série Índios no Brasil.
Para a produção do segundo episódio da série, Nos-
sas Línguas, fomos até a aldeia do Carapanã para
filmar Joaquim Maná dando aula numa escolinha
da floresta. Na hora que foquei o Zezinho, na época
seu aluno, ele começou a cantar um solo lindo, que
me pegou de surpresa. Foi quando o conheci. Anos
mais tarde, em uma de nossas conversas, em meio
a uma gargalhada incontida, soube pelo próprio
Zezinho que aquela cena havia sido ensaiada a pe-
dido de seu pai. Em 2002, nos reencontramos. Na
época, eu fazia um filme sobre a formação de agen-
tes agroflorestais, um projeto que foi uma espécie
de revolução no Acre. E o Zezinho estava novamen-
te lá, mas agora como secretário da Associação do
Movimento dos Agentes Agroflorestais Indígenas
do Acre (AMAIAC). O trabalho do Vídeo nas Aldeias
já havia avançado bastante na região, e nossos
filmes eram amplamente usados nas formações de
professores e agentes agroflorestais indígenas.
Então, em 2003, os Yawanawá nos pediram uma
oficina de vídeo e fizemos, eu e Mari Corrêa, uma
breve iniciação, da qual participaram, também, o
Wewito Piãko, o Nilson Sabóia Huni Kuı̃ e, final-
mente, o Zezinho Yube.
ZEZINHO YUBE Fui conhecer realmente o trabalho do
Vídeo nas Aldeias quando eu estava me formando
como agente agroflorestal indígena, em 2002. As-
sistíamos aos filmes já produzidos por outros povos,
os Ikpeng e os Ashaninka, sobretudo. E eu pensava
que gostaria também de fazer um trabalho assim
com o meu povo. Mas minha paixão pelo vídeo co-
meçou muito antes, quando eu ainda era um garoto.
Era uma vontade que eu tinha desde pequeno, quan-
do via o Siã filmando. Me lembro de uma festa no
Jordão, quando ainda morávamos lá, o Siã com a
câmera e o tripé nas mãos e todas aquelas pessoas
em volta. Eu via aquilo e me encantava. Então, em
2003, fomos convidados, eu e o Nilson Sabóia, para
a oficina do VNA na Terra Indígena do Gregório, do
povo Yawanawá. Estávamos naquela expectativa. E,
enfim, chegou o grande dia de pegarmos na câmera,
receber as instruções, aquela velha história das ofi-
cinas do VNA, pega a câmera, ensina a ligar e sai
para filmar. Recebi uma câmera VHS e saí filmando.
Filmava aqui, filmava ali. O que eu achava mais bo-
nito era o zoom, poder ver as coisas mais próximas
do que a gente vê com os próprios olhos. Eu realmen-
te achava incrível. Vincent já havia me alertado para
não usar o zoom, porque balançava muito, que qual-
quer movimento de câmera se tornava muito brusco
com o uso da tele, etc. Mas não dei ouvidos e a pri-
meira coisa que fiz, claro, foi usar o zoom. Voltei com
as imagens do dia e quando Vincent e Mari assistiram
ao material me deram uma bronca. Daí, parei de fil-
mar com o zoom, passei a usá-lo apenas com a câme-
ra desligada. Ah, como eu me deliciava usando o
zoom! Mas as coisas foram acontecendo, a oficina
foi avançando e, num dado momento, assistimos ao
Shomõtsi. Wewito também estava lá, conversáva-
mos com ele, perguntávamos tudo sobre como tinha
feito o filme, como tinha chegado até o persona-
gem. Assim, muito inspirado em Shomõtsi, comecei
a filmar um pajé Yawanawá. Mas eu ainda não tinha
a consciência de um filme, o pensamento. Acredita-
va que me bastariam vários ângulos para a realiza-
ção de um bom filme. Para mim, o bonito eram os
enquadramentos diferentes, como a gente via nas
edições da TV: plano geral, corta, plano fechado,
corta. Eu fazia o máximo possível de planos. Minha
expectativa era, de cara, fazer um filme como o
Shomõtsi. Mas, claro, não funcionou. Porque eu não
pensava no conteúdo, na história que queria contar,
me detinha apenas nas imagens. Nessa oficina, des-
cobri apenas a câmera. Fui realmente compreender
o que era um filme, como pensar um filme, na oficina
de 2005, na aldeia São Joaquim, no rio Jordão. Uma
oficina já nos moldes atuais, apenas com os Huni
Kuı̃ , na língua, em nossa própria aldeia. Participa-
ram da oficina Tadeu Siã, Zé Mateus Itsairu, Josias
Maná, Vanessa Ayani, Fernando Siã e eu.
AGOSTINHO MURU Soubemos que a oficina seria
aqui. Eles vieram nos ensinar a filmar. Trouxeram
cinco câmeras para os alunos filmarem. Isso é cha-
mado oficina. Eles vão registrar o nosso dia a dia e
não uma representação. A nossa vida do jeito que
ela é, com cada personagem que foi escolhido.
(...) O Zezinho me escolheu como personagem.
Falei pra ele que a gente vai trabalhar do nosso
jeito, sem representar. Por isso você tem que tra-
balhar direito. Você sai daqui, dá a explicação,
trabalha e volta. Assim fica bonito. Sem represen-
tação. Se você ficar dando pulinhos não fica bom.
Tem que mostrar as coisas verdadeiras. Por isso
temos que pensar direito. o sangue. Escolheu o personagem, um grande per-
sonagem, que é o Agostinho Muru, pajé da aldeia,
VINCENT CARELLI Em São Joaquim a gente enfren- e o acompanhou durante 20 dias, 24 horas por dia.
tou a questão da performance para a câmera, no Colou no personagem. E o Agostinho deu corda,
sentido dos personagens estarem sempre enfeita- participando ativamente de todo o processo de
dos, caracterizados, fazendo cena. Foi preciso criação do trabalho.
deixar a poeira baixar, a encenação cessar para
que pudéssemos entrar, afinal, na vida. Tivemos ZEZINHO No começo da oficina eu continuava ainda
que desconsiderar uma parte grande do material muito empolgado em fazer o máximo de tomadas
produzido no início da oficina. Tudo nos parecia diferentes, pouco preocupado com o conteúdo,
excessivamente encenado e burocrático. O plano com as conversas. Quando começamos a assistir ao
da oficina que os alunos fizeram, que seria o retra- material que eu produzia, fui percebendo que eu
to da aldeia, eram as funções desempenhadas por cortava falas no meio, não esperava a conclusão de
cada um: agente de saúde, professor, agente agro- um pensamento. E, também, fui entendendo os
florestal. Era quase um quadro funcional da aldeia. desdobramentos possíveis do filme a partir das fa-
Aos poucos fomos rompendo com isso, incenti- las do personagem. Fomos percebendo que tería-
vando os alunos a buscarem os homens e as mu- mos um filme. A partir de então, eu chegava até o
lheres da aldeia, não as categorias que criaram. Agostinho, posicionava a câmera, fazia uma per-
Foi nessa oficina que o Zezinho se descobriu, deu gunta e deixava que ele seguisse com suas histó-
224

Festa na aldeia São Joaquim.
Foto Vincent Carelli, 2006
225
rias. A gente construiu o filme juntos. Toda tarde,
ao final das filmagens, a gente assistia ao material
e conversava, discutia o material produzido e o que
ainda faltava para completar o filme. Foram nessas
conversas que surgiram algumas cenas pensadas
pelo próprio Agostinho ou então provocadas por
conversas com o Vincent e o Pedro Portella, que
coordenaram a oficina.
VINCENT CARELLI Tínhamos um personagem criando
situações altamente simbólicas. A gente provoca-
va um pouco as questões, principalmente relativas
à história dos seringais, para que estivessem pre-
sentes no filme, mas sempre a partir das conversas
com o personagem. Algumas cenas foram inteira-
mente imaginadas por Agostinho. Foi ele quem
sugeriu a cena da seringa e do abecedário. Uma
cena completa. Que é justamente a história dos
escravos e daqueles que dominavam os livros de
conta, os índios e os seringalistas, respectivamen-
te. Quem conseguisse adquirir a escrita provavel-
mente seria liberto. É este o diálogo de Agostinho
com a seringueira. E a cena dos seringueiros sain-
do de madrugada lendo o abecedário – a escrita,
que era entendida como o grande instrumento de
poder e dominação.
AGOSTINHO MURU A, B, C, D, E, F, G, H, I, J, H, L, M,
N, O, P, Q, R, S, T, U, V, X, Z. Há muito tempo que eu
te corto, que eu te judio. Me ajude a aprender a ler
e escrever. Quando aprender vou te deixar em paz e
você vai viver com a pele macia. (...) A vida do se-
ringueiro é uma vida aperreada, se deita pouco à
noite, levanta de madrugada. Pega o balde e a faca
e sai o seringueiro, cortando aquelas árvores para
sair leite o dia inteiro. O trovão ronca no centro e é
até perigoso. Lá vem a chuva tomar o leite, você vai
ter o dia perdido.
PEDRO PORTELLA Os outros alunos acompanharam
personagens que mais tarde foram incorporados
ao filme. Vanessa filmou a tia, Dani, mulher do
pajé, e o trabalho das mulheres. Fernando e Josias
filmaram o sogro e a sogra de Agostinho, e Tadeu
e Itsairu não renderam um personagem, mas nos
deram momentos de boas gargalhadas, acompa-
nhando tudo muito atentamente e rindo muito dos
próprios erros. A visionagem me parecia o mais im-
portante de todo o processo. Vincent criticava,
buscava corrigir falhas recorrentes, em geral ques-
tões de contra-luz, de posicionamento, o corte
abrupto de um diálogo. Procurava dar ênfase às
situações que envolviam a banalidade cotidiana,
como o “descansar” e o “falar a esmo”, momentos
onde todos pareciam se abrir à espontaneidade. As
sessões de cinema à noite também suscitavam a
curiosidade de todos na aldeia, em especial dos
alunos, que se mostraram particularmente motiva-
dos pelos filmes dos parentes. Os filmes do VNA
permitiam que eles refletissem sobre a própria re-
alidade, sobre os ângulos e, principalmente, sobre
a adoção de certos focos narrativos.
ZEZINHO A partir deste processo de visionagem, co-
mecei a compreender o que era fazer um filme, e
passei a filmar tendo em mente, também, as pesso-
as que assistiriam àquela história. Eu precisava me
esforçar para que alguém que não estivesse presen-
te pudesse entender o que estava acontecendo ali.
Ir atrás dos detalhes. É como uma história falada,
mas narrada com imagens. Mas a prova final foi mes-
mo a edição. Foi um processo muito duro. É quando
você realmente olha para o seu material e percebe o
que faltou, o que deveria ter sido feito e como deve-
ria ter sido feito. Penso que a edição é um processo
de reflexão tanto do seu trabalho como da própria
história que se está contando. Neste sentido, a edi-
ção foi uma segunda descoberta. Sentar em frente
ao computador e traduzir o que a gente gravou, o
que as pessoas falaram. Ficamos um mês em Rio
Branco e depois mais um mês em Olinda. Eu sequer
conseguia dormir. Fechava os olhos e via Agostinho
falando, falando. Foi realmente quando caiu a ficha.
Fazer um filme não era apenas fazer tomadas boni-
tas, era preciso conteúdo, a ligação de uma fala à
outra. Foi quando entendi o que era o tal do conte-
údo que o Vincent e o Pedro tanto falavam. Foi um Ao alto, Tadeu e Zezinho conversam
com seu personagem Agostinho Muru.
processo difícil, mas gostoso de fazer. Me sinto feliz
Foto Vincent Carelli, 2006
por poder contar essa história para outras pessoas
Acima, Pedro Portella ajuda o Tadeu Siã a
da minha comunidade, para pessoas de outros esta-
“bater o branco”. Foto Vincent Carelli, 2006
dos e de outros países.
PEDRO PORTELLA O filme Xinã Bena nasceu de um realizados dentro do projeto do Vídeo nas Aldeias
parto sofrido, consumiu aproximadamente dois onde escancaramos o processo de realização do
meses de árduo trabalho. A primeira etapa da edi- mesmo, ou melhor: a oficina em si. As infindáveis
ção ocorreu num clima ótimo, pois o material visionagens do material recém gravado, os comen-
oriundo do período de realização era bem interes- tários dos professores e dos alunos, tudo estava
sante. Creio que esse foi um dos primeiros filmes ali, para mostrar o processo de feitura por trás das
226

imagens. Para mim, tudo era novidade, o convívio
com o Zezinho Yube, com Vincent, que me ensinou
muito nesse processo, com a equipe da CPI, que
sempre nos ajudou e com outros indígenas que pas-
saram pelo sítio naquele período em Rio Branco, os
Ashaninka e os Yawanawá em especial. A inspira-
ção vinha das nossas conversas, das viagens provo-
cadas pelo rapé dumedeske, do macarrão à bolo-
nhesa que preparei algumas vezes, do vinho que
raramente buscávamos nos confins da capital
acreana, do frango com cheiro de gasolina que
Vincent comprava em suas constantes caminha-
das matutinas; tudo era motivo para madrugar-
mos risonhos na frente dos computadores, preocu-
pados com a tradução e com a narrativa particular
dos Huni Kuı̃, que começava a aparecer. Nossa imer-
são era total, a coletividade era a maior de nossas
conquistas, o filme, se saísse, seria fruto dessa in-
227
tegração. Isso não quer dizer que não tínhamos
problemas. Claro, toda edição tem suas diversas
problemáticas. A pior delas era dar conta de sinte-
tizar cerca de 50 horas de material em menos de
uma hora. Com quase todo material do filme tradu-
À esquerda, alunos e aldeia no
visionamento coletivo diário
do material filmado.
Foto Vincent Carelli, 2006
Ao lado, Zezinho em Olinda, editando
o Xinã Bena com Pedro Portella.
Foto Vincent Carelli, 2007
zido, e muitas sequências prontas, rumamos para
Olinda pouco tempo depois, para finalizá-lo. Em
Olinda o trabalho foi ainda mais intenso. Não eram
raros os dias em que o Zezinho acordava antes de
todos, umas quatro e meia da manhã, para traduzir
no Final Cut algumas cenas que faltavam. A primei-
ra versão completa do Xinã Bena foi exibida numa
sessão coletiva noturna, na sede do Vídeo nas Al-
deias, onde pudemos receber e assimilar as críticas,
para posteriormente melhorar ainda mais esse tra-
balho. Dessa forma extremamente participativa o
filme saiu do forno para o mundo, literalmente.
VINCENT Entre este filme e a segunda produção do
Zezinho, fizemos uma outra oficina em São Joa-
quim, em 2006, com os mesmo alunos que partici-
param da realização de Xinã Bena. Tratava-se de um
projeto da Comissão Pró-Índio, em parceria com o
IPHAN, para o registro dos cantos tradicionais Huni
Kuı̃ ligados ao uso da ayahuasca. O projeto previa a
gravação de um CD e a publicação de um livro. Na
verdade, não chegamos a fazer a oficina de produ-
ção, apenas a de edição. Desse processo, nasceu o
Huni Meka, os cantos do cipó, que teve uma contri-
buição muito grande do Leo Sette, que coordenou a
oficina de edição na aldeia, na construção de novas
cenas que deram corpo ao filme.
CARTELA, EM HUNI MEKA Os professores Huni Kuı̃, no
Acre, têm trabalhado com os seus anciãos para que
seus conhecimentos não se percam. Isaias Sales
Ibã pesquisou seus cantos tradicionais e convidou
uma equipe para gravar um CD e publicar um livro
para suas escolas.
BIXKU HUNI KUĨ, EM HUNI MEKA Esse é o cipó da flo-
resta e do macaco de cheiro. Primeiro você sente a
força do macaco. Você vê uma luz amarelada.
Quando você bebe, você ouve todos os sons da na-
tureza. Você escuta bem. E teu corpo fica levinho,
levinho. Você vai sentindo. Esse cipó é levinho. Aí
começa a cantar e a floresta balança.
CANTO EM HUNI MEKA A floresta está balançando,
balançando. O cipó é leve e está balançando. Estou
vendo a miração e o cipó balançando.
LEO SETTE No projeto estavam envolvidos o Gustavo
Pacheco, etnomusicólogo, Dedê Maia, coordenadora
do projeto, Siã Tadeu e Josias Maná, cineastas indí-
genas, além dos professores e pesquisadores Huni
Kuı̃. Neste primeiro momento, do registro dos cantos
para a produção do CD, nós não estávamos na aldeia.
Posteriormente, num encontro meu com Mari Corrêa,
ela me contou do projeto e perguntou se eu não
gostaria de fazer a oficina de edição do material com
os alunos. Eu nunca havia estado no Acre, conhecia
pouco a cultura Huni Kuı̃. Do projeto, sabia apenas
que se tratava do registro da gravação de um CD, e
que Tadeu e Josias, já iniciados no vídeo na oficina
anterior em São Joaquim, haviam filmado sem nin-
guém do Vídeo nas Aldeias acompanhando. Então,
fui para o Acre, sozinho, num tempo muito curto,
apenas 20 dias. Ficamos na aldeia do Josias Maná,
Boa Esperança. Tadeu também foi para lá. O mate-
rial havia sido todo filmado com zoom, de longe, o
que prejudicou, sobretudo, o som, além de algu-
mas imagens tremidas e instáveis. Mas, ao mesmo
tempo, o assunto era incrível, fascinante. A gente
deu um duro danado, comecei a ficar muito empol-
gado com o material e vi que dava pra gente fazer
um filme ali. E foi aquele processo, o pessoal assis-
Da esquerda para direita:
Bixku, mestre do canto e do cipó,
conduz as filmagens de Huni Meka.
Cipó para fazer ayahuasca.
Dois velhos mestres dos cantos
do cipó cantando para gravação
do CD de música Huni Kuı̃.
Leo Sette.
Frames Huni Meka
228

Ao alto, Joaquim Maná sendo
diplomado em Cuiabá pelo
ex-governador Dante de Oliveira.
Acima, Zezinho edita o filme
Manã Bai com Tiago Tôrres.
Foto Vincent Carelli, 2008
229
tindo, se entusiasmando. Daí começaram a surgir
novas cenas feitas para o filme. O Bixku, pai do Jo-
sias Maná, também cantor, estava presente. Assistia
ao material e pensava novas cenas. Durante a edição
isso foi acontecendo naturalmente. Sentíamos falta
de algumas situações e saíamos para produzi-las,
como a coleta do cipó, o preparo da bebida, e o ritu-
al que encerra o filme. A gente trabalhou com uma
PD-150, que já era um ganho enorme em relação às
oficinas anteriores, em termos de captação de luz. E
conseguimos filmar o ritual à noite. O Bixku produ-
ziu a cena, as vestimentas, fizemos um plano de luz.
Foi muito bonito. Quer dizer, o material inicial, mes-
mo com imperfeições, cortes bruscos, zoom, etc.,
era muito fascinante, o que nos deu grande estímulo
para continuar o trabalho na edição, mesmo com o
ritmo puxado e num processo bastante intenso. Ao
final da oficina, tínhamos o filme pronto. Em Olinda,
fizemos apenas alguns ajustes finais. Foi um filme
rápido, contagiante e muito fácil nas relações que
estabelecemos na aldeia. É um filme simples tam-
bém, mas que diz bem daquilo que se propõe a ser,
um registro da transmissão dos cantos e o uso da
ayahuasca entre os Huni Kuı̃.
BIXKU HUNI KUĨ, EM HUNI MEKA O jovem vai beber
você. Não o leve muito longe. Ajudeo-o a afinar a
voz. Coloque-o no caminho certo dos cantos.
VINCENT Em seguida, também em 2006, o Zezinho
apresentou um projeto de curta-metragem para o
Prêmio Revelando os Brasis, que foi aprovado. O mais
importante aqui é o choque de métodos ao qual o
Zezinho foi submetido. Nitidamente, os professores/
orientadores do prêmio não compreendiam em que
mundo, em que contexto, os filmes do Zezinho acon-
teciam. Havia um plano de produção que ditava o
fechamento do roteiro, o tempo de realização do fil-
me. Ele se opunha dizendo que iria filmar quando as
coisas acontecessem. Em Filmando Manã Bai, um fil-
me dirigido por mim que revela o processo de feitura
do curta de Zezinho, Manã Bai – a história de meu pai,
ele diz que no Vídeo nas Aldeias se aprende quebran-
do a cara, se aprende fazendo. E, ao mesmo tempo,
acredita que se tivesse feito um pré-roteiro para as
filmagens de Xinã Bena não teria filmado tanto. Con-
versamos sobre isso. Explicamos a ele que numa ini-
ciação empírica desenvolve-se outros talentos, ou-
tras abordagens, a capacidade de olhar, a capacidade
de permitir que o improviso se manifeste, a possibi-
lidade da criação coletiva e da participação do perso-
nagem nas escolhas do filme, que no contexto das
produções do VNA é importante deixar-se levar.
JOAQUIM MANÁ EM MANÃ BAI No tempo dos patrões,
tinha um programa chamado Mobral. Eu só estudei
duas semanas, ainda tinha medo dos brancos. Eles
ensinavam nos livros e eu não aprendia nada. As li-
deranças diziam: “professor branco não é bom, que-
remos professores índios”. Em 1983, escolheram
alunos para um curso de professores. Me candidatei
e me deixaram ir. Eu fui, estudei, e desde então sou
professor. (...) Passei no vestibular e, segundo a
tradição dos brancos, vim para a formatura receber
meu diploma. Durante cinco anos pesquisei a nossa
cultura. Só os brancos escreviam sobre a gente. Se
eu escrevo em português, escrevo para os brancos.
Por isso escrevi na nossa língua. Para que os nossos
jovens aprendam e possam fazer novas pesquisas.
Para guardar nossa memória.
ZEZINHO YUBE O desejo de fazer um filme sobre
meu pai era algo antigo. Sempre admirei muito o
trabalho dele como professor. É um grande pes-
quisador, alfabetizou muita gente. Eu mesmo fui
alfabetizado por ele. Ele me convidou para filmar
sua formatura. Então pensei em fazer algo para
além do registro, contar um pouco a história dele
e, ao mesmo tempo, a história do nosso povo, dos
meus avós, a vida no tempo dos seringalistas, o
processo de libertação e demarcação de nossas
terras até chegar na educação diferenciada, os
próprios índios ensinando aos seus alunos, não
apenas a escrita, mas nosso modo de viver. Foi um
filme difícil pra mim, porque precisei romper uma
barreira para chegar até meu pai. Na nossa cultu-
ra não temos essa proximidade e liberdade com os
nossos pais. Mas eu precisava fazer o filme, então
fui rompendo essa distância aos poucos. Uma ou-
tra aprendizagem neste filme foi ser colocado
frente a uma maneira completamente diferente
de fazer cinema. Depois de selecionado para o
Ao lado, Zezinho dá seu
depoimento para o filme
Fimando Manã Bai, falando
da dificuldade para enfrentar
e filmar o próprio pai.
À direita, Joaquim Maná
na festa do Katxa Nawa.
Fotos Vincent Carelli, 2008
prêmio, participei, durante onze dias, de um cur-
so de formação. Eram discussões mais técnicas de
roteiro e produção. Uma abordagem mais teórica,
bem diferente do aprender fazendo das oficinas
do Vídeo nas Aldeias. Muitas coisas não batiam
com o que eu havia aprendido até então, e mesmo
com a realidade de filmagem na comunidade. Per-
cebi, neste curso, que as pessoas não tinham a
menor ideia do que era ser índio, algumas nunca
tinham sequer visto um índio. Além disso, havia
a questão dos prazos. Como fazer o filme no prazo
que me pediram? Todas essas questões me fizeram
pensar bastante, amadurecer as possibilidades
que eu tinha com essa ferramenta nas mãos, com
a câmera nas mãos, a comunidade ali e as ideias
que eu poderia ter para novos filmes. Como fazer
novos documentários que falassem da nossa cul-
tura, da nossa história a partir de diferentes abor-
dagens? Meu desejo era, e ainda é, filmar o nosso
conhecimento, pensar o filme tanto como uma
obra quanto uma forma de registro. Porque já per-
demos muito da nossa história, da nossa cultura,
das nossas festas, das nossas músicas. Dessa ma-
neira, o vídeo é também uma forma de incentivo
ao aprendizado, ao ensino, à transmissão do co-
nhecimento para os mais jovens.
JOAQUIM MANÁ EM MANÃ BAI Agora a gente trabalha
com o vídeo, mas a gente já fazia livros. Eu pensava:
“se eu escrever para o meu povo, eles vão poder ler
e continuar praticando nossa cultura. Com o vídeo,
todos vão poder aprender, não só os alunos que sa-
bem ler e escrever, mas também as crianças, os ve-
lhos, todos vão acompanhar. (...) Se a gente tivesse
o vídeo antigamente, a gente veria os rituais que
nosso povo fazia, e os sábios que já se foram.
ZEZINHO A partir de Xinã Bena e Manã Bai, comecei
a pensar sobre a nossa cultura e a relação com os
filmes. O que é cultura para os Huni Kuı̃ e como,
através dos filmes, podemos reanimar nossa gen-
te a retomar nossas festas? A partir destes dois
22:

Festa Nixpu Pima na área do Carapanã.
Foto Tiago Tôrres, 2009
231
documentários comecei a sentir essa necessidade
de voltar a viver a nossa cultura, a nossa tradição.
Comecei, através do vídeo, a pensar um pouco em
como reaproximar as pessoas e, a partir daí, pen-
sar um documentário de “revivência”. Para isso,
comecei a fazer projeções do material bruto da
viagem para o Jordão, da época das filmagens do
Xinã Bena, e também de algumas filmagens que eu
havia feito sobre o processo de revitalização no
Jordão, que nessa época vivia uma retomada mui-
to grande das nossas tradições, em função do tra-
balho da Comissão Pró-Índio junto aos professo-
res indígenas e agentes agroflorestais da região.
Eu me encantei com esse trabalho e tentei levar
isso para a minha aldeia. Minha ideia era, a partir
dessas exibições, criar um processo de retomada
das nossas tradições e de reaproximação do nosso
povo através do vídeo, mas sem o compromisso
de realização de um filme. Assim, o começo do
trabalho foi o de apenas filmar a comunidade e
depois projetar o material filmado, para que eles
pudessem se ver na tela e sentir. Para mim, na-
quele momento, o importante era a gente se ver,
o que é bastante diferente de você ver os outros.
A partir do momento em que você filma uma festa
e projeta, as pessoas começam a sentir, começam
a perceber como estão dançando, como se ves-
tem, como se pintam. Envolvemos mais algumas
comunidades neste processo. E isso surtiu um
efeito muito grande. As pessoas começaram a dis-
cutir, os velhos e os jovens começaram a se enten-
der. No início foi um movimento tímido, mas de-
pois as pessoas começaram a participar. Fomos
rompendo antigas desavenças entre as aldeias,
entre as pessoas, entre as gerações. A partir desse
momento, percebi que a luta não era mais apenas
minha, mas de toda a comunidade.
VINCENT É neste contexto que surge a ideia de
filmar a festa do Katxa Nawa, que havia sido
abandonada na região desde os tempos dos se-
ringais. Estamos em 2007, e Joaquim Maná apro-
va um projeto no Prêmio Culturas Indígenas para
a realização da festa. Formaram-se duas frentes,
a produção da festa, com o roçado, vestimentas,
cantos, etc., e a produção do filme. A proposta
deles era levar para a aldeia pessoas que pode-
riam lhes ensinar a festa. Mas não era apenas uma
demonstração. Era preciso que a festa aconteces-
se. Vieram mestres de outras aldeias. Eu, Mari
Corrêa e Ernesto de Carvalho acompanhamos o
processo. Foi relativamente simples. O roteiro
estava pré-determinado, tínhamos que acompa-
nhar a festa. O filme estava completamente na
mão deles.
ZEZINHO Depois de aprovado o projeto para a festa
do Katxa Nawa começamos a discutir o que fazer.
Eu pensei numa festa grande, que envolvesse todo
mundo. Com o projeto teríamos verba para ali-
Ao alto, projeções na aldeia do Zezinho.
mentação, combustível para as pessoas chegarem Fotos Ernesto de Carvalho, 2007
até a nossa aldeia. Era possível a realização de
uma festa grande. Mas, ao contrário, a ideia de
meu pai era fazer uma festa apenas para o filme,
juntar algumas pessoas, deixar outros de fora, e
filmar apenas aquelas pessoas que estavam boni-
tinhas, com pintura, com roupa. Uma ficção. Mi-
nha posição era radicalmente contrária. Disse a
ele que se quiséssemos chamar nosso povo para
reviver nossa cultura, teríamos que deixar a festa
232
aberta à participação de todo mundo, quem qui-
sesse estava dentro. “Vamos deixar a câmera liga-
da e filmar a realidade que acontecer aqui, porque
se a gente quiser controlar tudo, a gente não vai
trazer as pessoas para sentirem a festa, sentirem o
gosto da festa. Desse jeito a gente vai fazer a fil-
magem de uma festa que não existe!”. Entramos
em acordo e trouxemos velhos de outras aldeias,
conhecedores da nossa cultura. A partir desse mo-
mento, comecei a sentir a força de verdade, a in-
teração de verdade do meu povo. Era o que eu es-
perava, desde muito longe. Naquele momento a
gente conseguiu, eu consegui, sentir, respirar
fundo, e pensar que era exatamente isso o que eu
desejava. Então as pessoas se esqueceram da câ-
mera, se esqueceram que a gente estava filmando
e conduziram a festa. Fiquei super animado, era
este o objetivo do trabalho. A interação dos ve-
lhos, das pessoas que não participavam mais, que
não acreditavam mais, que achavam que aquilo
Da esquerda para direita:
Ernesto e Zé editam a primeira versão
do filme Katxa Nawa na aldeia.
Foto Jarlene Kaxinawá, 2007
Vincent na festa do Katxa Nawa.
Foto Ernesto de Carvalho, 2007
Mari Corrêa, Zezinho Yube e
Tade Siã filmando o interprograma
Uma escola Huni Kuı̃.
Foto Vincent Carelli, 2007
233
era uma invenção dos mais jovens. Assistimos de-
pois ao material bruto e todos comentavam e dis-
cutiam: “olha, isso está errado, da próxima vez
precisamos fazer melhor”. E neste momento me
senti uma pessoa realizada, com o meu trabalho,
com o vídeo, com essa ideia antiga de retomar a
cultura através do vídeo. Essa festa foi a maior
realização da história da nossa terra indígena, em
termos de cultura, de convívio, de viver uma festa
de verdade, trazer as pessoas, sentir a emoção do
tamanho da festa.
ERNESTO Chegamos na aldeia onde ia acontecer a
festa, a “Carapanã de Cima” (agora essa aldeia
tem o interessante nome de “Aldeia Povo Junto
no Futuro”!). Poucas horas depois o Zezinho che-
gou, junto com os barcos que vinham de aldeias
vizinhas. Foi impactante vê-lo entrar, a mil por
hora; ele e o Tadeu Siã. Senti algo forte ali, não só
de dois documentaristas perseguindo uma situa-
ção, na crista da onda da cena, mas também de
que eram dois membros da comunidade, comple-
tamente pintados e vestidos para a festa, partici-
pando plenamente, com a câmera na mão. Fazen-
do a festa e fazendo o filme. Eu acho que se ele
decidiu subverter a lógica do pai, de que a festa
seria um teatrinho, ele conseguiu não só gerar a
participação de todos, mas conseguiu fazer a câ-
mera ser mais do que um simples substituto da
plateia daquele teatro que ia acontecer. A câmera
se enxertou no evento como um todo, e todo
mundo foi lançado para o meio daquela alucina-
ção pulante, dançante, cantante e gritante. Não
era simples registro, nem simples documentário,
nem simples encenação, era a câmera como parte
da festa. Pra um mim um momento emblemático
disso foi presenciar o Tadeu, que tinha vindo do
Jordão com o pai, Agostinho Muru, filmando e ao
mesmo dando explicações pros mais jovens sobre
como deveriam dançar numa próxima etapa das
atividades, enquanto os jovens se vestiam num
gramadão. Eu pensei comigo mesmo: “Claro, o Ta-
deu é um realizador indígena, mas também é o
professor na aldeia dele, é óbvio que ele não vai
ficar simplesmente filmando o pessoal, ele vai dar
aula enquanto filma também!”. Outro momento
marcante foi a própria edição do Katxa Nawa. De-
pois da festa, Vincent e Mari me largaram na al-
deia do Zé. Algo que não estava planejado. Lá eu
tive minha primeira experiência de editar um fil-
me inteiramente numa aldeia indígena. Isso eu
acho que é parte fundamental do processo. E a
parte mais intensa para o oficineiro: editar com
uma comunidade inteira ao teu redor. Crianças,
velhos, gente passando, chegando, curiosa, opi-
nando, sentando do teu lado, fazendo perguntas,
comentando... Cada ação sua na frente do compu-
tador ganha um peso. Você pode se isolar, ou
pode fazer daquilo um espaço convidativo pros
que visitam, envolver as pessoas no trabalho.
Esse é o sentido real da colaboração. Aí realmente
o filme não é só do realizador indígena, mas da
comunidade como um todo, que ajudou a tradu-
zir, que viu o material bruto sendo processado,
que se apropriou do processo. Você vira um cata-
lizador disso tudo. E naquele momento havia um
outro elemento, que é que haveria um primeiro
corte do Katxa Nawa que seria somente para circu-
lação interna entre os Huni Kuı̃. Achei genial, fa-
zer um filme sem legendas ao português, uma
espécie de manifesto cultural dos Huni Kuı̃ do
Tarauacá para os Huni Kuı̃ em geral. E nesse senti-
do, era muito mais eles que iam ser capazes de
dizer o que era importante constar nesse filme, do
que eu, como editor.
VINCENT Foi também durante a realização da festa
do Katxa Nawa, que produzimos as entrevistas para
o filme histórico do DVD Huni Kuı̃ da Coleção Cine-
astas Indígenas, com os narradores e os cineastas
Huni Kuı̃. Agostinho Muru e Tadeu Siã, Bixku e Jo-
sias Maná, Joaquim Maná e Zezinho Yube. A pro-
posta era coletarmos o material tanto para a pro-
dução do filme histórico que compõe o DVD quanto Ernesto filmando o making of da
sobre o uso do vídeo pelos Huni Kuı̃ . O filme foi entrevista com Agostinho Muru.
Foto Vincent Carelli, 2008
inteiramente montado em Olinda, pelo Ernesto e
Zezinho, dando origem ao Já me transformei em
Imagem.
AGOSTINHO MURU, EM JÁ ME TRANSFORMEI EM IMAGEM.
Mesmo que eu morra, vocês vão me assistir, os meus
netos e as novas gerações. (...) Não temos mais
como nos esconder, já temos nossa imagem expos-
ta. Daqui pra frente, temos que pensar na nossa
tradição, e fazer novos filmes.
234

ERNESTO Sobre o processo de construção do Já me
transformei em imagem, há aspectos importan-
tes que gostaria de colocar. Estávamos no carna-
val de 2008, em Olinda. Era uma sensação estra-
nha, porque o mundo lá fora estava pegando
fogo, e a gente ali, enfurnado na ilha que hoje é
o estúdio de som. Era, também, um momento
muito interessante no Vídeo nas Aldeias, porque
muitas pessoas estavam ali, envolvidas em dife-
rentes frentes de trabalho, sobretudo na produ-
ção e finalização dos DVDs Huni Kuı̃ e Panará,
para a Coleção Cineastas Indígenas. A Ana Carva-
lho estava negociando a cessão de direitos de
imagens de arquivo para o filme, fazendo a pes-
quisa e redação dos textos para o histórico Huni
Kuı̃. O Daniel Castelo Branco traduzindo o mate-
rial produzido pelos Panará com o Paturi, o Mar-
celo Pedroso editando o filme histórico Panará De
volta à terra boa. O Zezinho e eu editando Já me
235
transformei em imagem. Além da equipe toda do
VNA, Olívia, Mariana, a Mari e Vincent. Era um
momento de grande esforço. Àquela altura, já ha-
víamos terminado a tradução do material e come-
çávamos a pensar qual seria o formato deste fil-
me. E tinha uma questão que permeava a nossa
discussão que era a dúvida sobre se faríamos um
só filme, passando pelo histórico Huni Kuı̃ e o uso
do audiovisual pela comunidade, ou se dividiría-
mos essas questões em dois filmes distintos. Ao
mesmo tempo gravávamos as narrações para o
Katxa Nawa e para o Já me transformei em ima-
gem. O Zezinho procurando sua voz como narra-
dor. O Zé é um realizador, está sempre atrás da
câmera, e, de repente, ele tem que encontrar um
tom de voz certo para narrar o filme e, neste caso,
um filme que vai contar a história do seu povo.
Essa é uma questão que eu penso ser dos realiza-
dores indígenas de modo geral, que é como achar
a sua voz pública como narrador, uma voz que vai
representar muita gente. Afinal, é a língua dele
que vai ecoar pelas salas de cinema. Soma-se a
isso esse outro desafio do vídeo. Por ser uma sín-
tese, muito mais do que a escrita, era preciso
encontrar um texto justo, condensado, que desse
conta da história Huni Kuı̃, dos cinco tempos pro-
postos pelo Joaquim Maná na sua pesquisa. A
gente encontrou a medida deste texto a seis
mãos, eu, a Ana e o Zezinho. Era este o esforço,
como traduzir uma narrativa histórica complexa
numa série de frases curtas e condensadas.
NILO BIXKU, EM JÁ ME TRANSFORMEI EM IMAGEM Pres-
tem atenção e olhem bem para mim, sem mexer os
olhos para os cantos, como seu estivesse falando
besteira. Prestem atenção ao que vou falar e en-
tendam bem. No início, morávamos todos juntos,
numa grande casa, o Shubuã, cada família numa
parte da casa. (…) Perto havia outros Shubuã.
Vivíamos alegres antes do contato. A gente tinha
nossos materiais de trabalho, usava o nosso terça-
do de pupunha, derrubava com machado de pedra.
A gente enfrentava dificuldades, mas vivia bem.
NARRADOR, EM JÁ ME TRANSFORMEI EM IMAGEM Nós, os
Huni Kuı̃, contamos a nossa história em cinco tem-
pos. No início, era o “tempo das malocas”, em que
vivíamos juntos e não sabíamos dos nawá, aqueles
que não são índios. Para saber sobre este tempo é
preciso conversar com os mais velhos. Porque a
Bixku conta a historia dos Huni Kuı̃.
Foto Vincent Carelli, 2007
Foto dos Huni Kuı̃ no
“tempo das correrias”.
Foto autor desconhecido
Agostinho Muru, Tadei Siã e
Joaquim Maná recontam a história
do povo Huni Kuı̃.
forma como vivíamos se transformou depois do
Foto Vincent Carelli, 2007
contato com os nawá.
Agostinho Muru, pajé da aldeia São
AGOSTINHO MURU, EM JÁ ME TRANSFORMEI EM IMAGEM Joaquim e personagem de diversos
O que eu posso te contar hoje é que antes do con- filmes Huni Kuı̃.
Foto Vincent Carelli, 2007
tato vivíamos tranquilos. Nós nos chamávamos
de Huni Kuı̃. Mas aí os brancos chegaram, e inventa-
ram um novo nome pra gente. Uma tarde, uns meni-
nos matavam morcego, quando chegaram os nawá
e perguntaram o que estavam fazendo. Como não
sabiam falar português, responderam: “matando
taxi”. Aí os brancos escreveram “Kaxinawá”.
236

À direita, Huni Kuı̃ no “tempo das malocas”.
Foto Harald Schultz, 1951
Na página ao lado:
Acima, Zezinho Yube e Ernesto de Carvalho
editam o filme Kene Yuxı̃ em Olinda.
Foto Vincent Carelli, 2009.
Abaixo, Zezinho enfrenta as filmagens de
Kene Yuxı̃, apesar de todas as adversidades.
Foto Vincent Carelli, 2008
NARRADOR, EM JÁ ME TRANSFORMEI EM IMAGEM Depois
do tempo das malocas, nossas florestas foram inva-
didas pelos nawá que vinham à procura de borracha.
Éramos tratados como uma ameaça à abertura dos
seringais. Caucheiros peruanos e seringueiros nor-
destinos nos caçavam à bala para “limpar” a área.
(...) Muitos grupos desapareceram nessa época.
AGOSTINHO MURU, EM JÁ ME TRANSFORMEI EM IMAGEM
Passamos a nos dividir. Alguns foram para o Purus,
uns desceram este rio. E os que ficaram acabaram
nas cabeceiras dos rios.
NARRADOR, EM JÁ ME TRANSFORMEI EM IMAGEM Depois
das correrias, os seringalistas nos impuseram o tem-
po do cativeiro. Por décadas fomos utilizados como
mãos de obra semiescrava nos seringais. Passamos a
viver nas colocações, centros de produção de borra-
cha dentro da mata. Os patrões montavam barracões
237
perar nossos recursos naturais e nossas formas da nossa terra, os parentes formaram aldeias nas bei-
tradicionais de sobrevivência. Decidimos aprender a ras dos rios e pudemos voltar a praticar nossos rituais.
escrita e a matemática, que foram os instrumentos
da nossa exploração. Criamos cooperativas. Assim, NARRADOR, EM JÁ ME TRANSFORMEI EM IMAGEM No tem-
a extração da seringa passou a ser gerenciada por po presente voltamos a ser muitos. No Acre, somos
nós mesmos e pelos pequenos seringueiros. Os se- mais de seis mil pessoas, espalhadas entre cinco
ringueiros que tomaram as nossas terras foram in- municípios, nos rios Jordão, Envira, Purus, Taraua-
denizados pelo governo para sair delas. Os que fica- cá e Breu. Nosso povo também está no Kuranja, no
ram na região, com a desvalorização da borracha, Peru. Agora trabalhamos pela nossa autonomia.
viraram comerciantes ou transformaram seus serin-
gais em fazendas de gado. ERNESTO O Zezinho sempre pensa a importância que
o filme vai ter para os Huni Kuı̃ e, ao mesmo tempo,
AGOSTINHO MURU, EM JÁ ME TRANSFORMEI EM IMAGEM ele é a pessoa que circula fora da comunidade.
Quando todos os patrões seringalistas foram embora Dessa maneira ele também percebe a importância
que o filme tem fora. No caso do Já me transformei
em imagem, uma questão para o Zé, e também para
dos quais dependíamos para comprar materiais de a gente, era como este filme iria consolidar uma
trabalho e alimentos. Sem entender a matemática outra versão da história dos Huni Kuı̃ . E como a
dos brancos, éramos enganados no peso da borracha versão de uma comunidade específica poderia re-
e subordinados a um esquema de endividamento. presentar a história de um povo. Um processo im-
portante neste sentido. A edição foi, ainda, um
AGOSTINHO MURU, EM JÁ ME TRANSFORMEI EM IMAGEM momento não só de olhar para a história dos Huni
Ouvia falar que tínhamos direito à nossa terra. Outros Kuı̃ , mas também um momento para o Zezinho
povos já tinha reconquistado suas terras, mas eles não olhar para seu próprio trabalho como um todo.
sabiam da nossa existência. Aí vieram e nos descobri- Utilizamos trechos de outros filmes já realizados
ram. Falaram pra gente: “agora vocês não vão mais por ele, o que fez com que o filme fosse também
trabalhar para os brancos, e vão reviver a sua cultura, uma síntese do trabalho desenvolvido por ele até
se vocês ainda a têm. Vão ensinar para os seus filhos”. então. Uma outra questão colocada era a natureza
No começo juntamos apenas 150 Huni Kuı̃ . Quando do material. O Zezinho nunca havia trabalhado
veio nosso amigo Terri, nós fomos nos juntando cada com tanta entrevista. Visto por este ângulo, o fil-
vez mais. Daí começamos a reivindicar a nossa terra. me é uma verdadeira edição de texto, a criação de
um texto a partir de outros, os depoimentos de
NARRADOR, EM JÁ ME TRANSFORMEI EM IMAGEM A par- Agostinho, Bixku e Joaquim Maná. Houve a ques-
tir da década de 1970, vivemos o tempo dos direi- tão se eu deveria assinar com o Zé este trabalho.
tos. Começamos a lutar pela nossa terra e para recu- Acredito que estávamos, e ainda estamos, num
processo de consolidar este espaço para a produção
indígena, este conceito de cineasta indígena. Mas,
na verdade, o que precisamos de encarar com fran-
queza, é que o Vídeo nas Aldeias é um espaço de
colaboração. Vejo esses vídeos como objetos híbri-
dos, feitos e circulando entre mundos. Porque exis-
te uma expectativa, e neste caso, uma expectativa
negativa, de um purismo dessas produções. Há
sempre uma expectativa de que ele vão inventar
uma outra linguagem, quando na verdade o Vídeo
nas Aldeias é um espaço de interlocução, de produ-
ção colaborativa. E, neste trabalho com o Zezinho,
a colaboração é muito clara.
VINCENT Em 2009, Zezinho partiu para seu próxi-
mo projeto, um filme realizado a partir da pesqui-
sa desenvolvida por Joaquim Maná sobre os Kene,
os grafismos Huni Kuı̃ . O desejo deste filme se
manifestou já na época da realização de Manã
Bai, e já discutíamos quais eram as questões que
atravessavam esse projeto. Inicialmente, a ideia
era que o Joaquim Maná fosse mais uma vez o
personagem central, na figura do professor pes-
quisador, e que ele iria seguir numa grande via-
gem, revisitando os personagens da sua pesquisa,
em busca das origens do Kene, para a realização
do filme. Fizemos uma pesquisa inicial e aprova-
mos um projeto no IPHAN. Mas as coisas não
aconteceram como esperávamos.
ZEZINHO YUBE A ideia inicial era fazer uma oficina
de Kene no rio Jordão, devido à minha ligação
com o lugar, a família do Agostinho Muru. Primei-
ramente, faríamos uma viagem para conversar
com os velhos sobre nossa cultura e também para
238
exibirmos os filmes que já havíamos produzidos.
Vários deles haviam sido produzidos no Jordão,
em parceria com realizadores de lá. Mas ao che-
garmos na Vila Jordão fomos barrados pela asso-
ciação indígena local.
REPRESENTANTE DA ASSOCIAÇÃO INDÍGENA EM KENE
YUX Ĩ Nosso conhecimento não é brincadeira.
ZEZINHO YUBE EM KENE YUX Ĩ Queremos mostrar os
filmes que já fizemos, e também fazer um registro
dessa mostra (...) mas se vocês não quiserem, não
vamos insistir.
REPRESENTANTE DA ASSOCIAÇÃO Não estamos cobran-
do dinheiro de ninguém, mas se vocês puderem pa-
gar, melhor. A realidade é essa.
JOSIAS MANÁ Se deixarmos a câmera aqui pode-
mos ir?
REPRESENTANTE DA ASSOCIAÇÃO Podem entrar com a
câmera, mas têm que deixar um agrado.
ZEZINHO YUBE Vocês se dizem autoridade. Eu não
vou desrespeitar. Vim para fortalecer o nosso traba-
lho, fazer o registro, divulgar o material, mas desse
jeito não dá.
ZEZINHO YUBE Depois desse acontecimento eu pen-
sei que estava tudo acabado, que não haveria con-
dições de fazer o filme, meu próprio povo, essa
desavença. Então voltei para minha terra indígena
e liguei para o Vincent. Disse a ele que o filme já
era, que a ideia de envolver outras comunidades
239
Joaquim Maná, autor do livro sobre
grafismos Huni Kuı̃, e sua esposa e mãe
do Zezinho, Maria, mestre de tecelagem.
Foto Vincent Carelli, 2008
Tecelagem Huni Kuı̃ do rio Purus, um
estilo próprio. Foto Zezinho Yube, 2009
Maria, mãe do Zezinho, discute os Kene
com mulher do rio Purus.
Foto Zezinho Yube, 2009
não funcionaria, que pegássemos os recursos do
projeto e fizéssemos o filme na minha aldeia mes-
mo. Mas Vincent se opôs e me incentivou a voltar
ao Jordão e negociar nossa entrada, conversar com
as lideranças. Decidi voltar, e fomos mais uma vez
barrados. Mas dessa vez eu estava mais confiante e
disse que faria o filme mesmo que houvesse essa
oposição. Nos reunimos durante alguns dias na
Vila Jordão, eu, minha mãe, Agostinho Muru e sua
família e decidimos convidar as mestras do Jordão
para uma oficina na minha aldeia, dessa maneira
estaríamos também fortalecendo política e cultu-
ralmente a minha comunidade.
VINCENT Passaram-se cerca de três meses desde a
proibição da entrada no Jordão até que o Zezinho
decidisse retomar o filme. Decidiram, então, levar
mestras e jovens para a sua própria aldeia, no Ca-
rapanã, para a oficina dos Kene. Foi maravilhoso.
Vieram mulheres do Jordão, do Purus, mulheres
incríveis. Um encontro feliz. Mas essas dificulda-
des suscitaram questões para além do filme. Trata-
se de um projeto que diz respeito a um povo, é um
projeto político. É preciso negociar, debater com
outras lideranças. Um projeto como este é passí-
vel de se tornar objeto de disputa e interesses
conflitantes, como realmente aconteceu. Então
foi preciso retomar as relações, conversas, nego-
ciações, apresentação do plano de trabalho, do
orçamento. Apenas assim o filme tornou-se possí-
vel. Já me transformei em imagem foi muito im-
portante no contexto de realização deste projeto.
Rever a sua história, com imagens de arquivo, o
movimento da demarcação das terras Huni Kuı̃ ,
tudo isso contribuiu para a mobilização da comu-
nidade em prol do projeto.
ZEZINHO YUBE A realização deste filme era de uma
importância fundamental para nós, não se tratava
apenas do conhecimento sobre os Kene, mas da nossa
cultura. O Kene é muito importante para o nosso
povo, e um conhecimento que só as mulheres têm.
Com o desenvolvimento do filme, algumas questões
apareceram para mim: quantos Kene existiam? Como
são feitos? Qual a situação real da transmissão deste
conhecimento para as mais jovens? Os nomes de hoje
são os mesmos de antigamente? Eram coisas que eu
desconhecia completamente até começar a fazer o
filme. Motivado por essas questões e pelos aconteci-
mentos no Jordão eu criei mais forças para lutar por
uma maior integração do meu povo e pela retomada
de nossa cultura. Fazia reuniões na comunidade, con-
vidava todos a participar e a colaborar, incentivava as
mulheres, que não têm muita força política, a assumi-
rem o projeto, a se sentirem parte do processo e ensi-
narem às mais novas o seu conhecimento. E a comu-
nidade se mobilizou inteiramente, se organizou.
Juntamos as mulheres, as mestras e as mais jovens
que queriam aprender os Kene, e fizemos a oficina.
Depois dessa oficina, comecei a vislumbrar o filme.
MAZENILDA, EM KENE YUXI Eu perguntei à minha mãe o
que era Txere Beru”. É o pássaro que faz “txe, txe,
txe...” Txere Beru é o olho de curica. Foi isso o que
aprendi.
AGOSTINHO MURU, EM KENE YUXI O Txere Beru é como a
letra A para os brancos. É o começo de todos os Kene.
VINCENT Depois da oficina, decidiram fazer uma ex-
pedição para o alto Purus. Dessa vez tudo correu
com menos obstáculos. A descoberta no Purus foi
de outra ordem. Lá havia velhos fantásticos, co-
nhecedores das tradições e, também, uma juventu-
23:

de que não queria saber de nada. E do Carapanã
veio uma juventude louca para saber das coisas e
sem os velhos para contar. A expedição ao Purus foi
este casamento perfeito. No entanto, como se tra-
tava de um projeto de patrimônio para o IPHAN,
enfrentamos aquela velha questão de prazos e
abordagens. Fizemos uma primeira montagem para
o IPHAN, focada na técnica e nas narrativas sobre
o Kene. Mas o filme que achávamos que deveria ser
feito era sobre a busca do Zezinho, a saga do proje-
to. Era isso que precisávamos revelar. E os Kene no
interior dessa busca. Havia uma provocação. O Zé
buscava a origem dos Kene. E, no fundo, o projeto
tinha também uma busca de patente dos grafismos.
E a discussão que se colocou foi a seguinte: os Kene
são universais. Estão presentes em outros povos no
Brasil, estão presentes na Indonésia. O que é dos
Huni Kuı̃ ? São as histórias associadas aos Kene.
Este é o patrimônio, não o desenho em si. Mas o
discurso dos velhos e o próprio discurso do Zezinho
241
passava por aí, pela questão da cópia e do uso dos
grafismos por outros povos e pelos não-índios. Foi
todo um trabalho para desconstruirmos isso. É uma
questão antiga, arraigada, cheia de meandros. Na
montagem outras questões apareceram, como in-
serir ou não a questão religiosa. Alguns dos monta-
dores, este filme foi montado a várias mãos, ques-
tionaram se este não seria um outro filme. Não é
outro filme, a questão dos crentes atravessa a ques-
tões fundamentais das quais o Kene faz parte. A
questão abre para problemas maiores enfrentados
pelos Huni Kuı̃, que é a desunião apresentada ali, a
questão da transmissão do conhecimento, etc.
ALUNO HUNI KUĨ, EM KENE YUXI A nossa cultura vai
acabar porque Deus não a mencionou.
ZEZINHO YUBE O maior problema que enfrentamos
é o que está ao nosso redor. A chegada de novas
tecnologias, a chegada de novas culturas nas nos-
sas terras, a religião. Para qualquer lugar que a
gente olhe, a situação é essa. As pessoas estão
começando a traduzir a bíblia. Qual será o próximo
passo depois da tradução? Tentar falar sobre isso
com as pessoas é complicado. É uma discussão ain-
da muito nova, a questão da religião. Enfim, eu
acho que a gente tem que começar a pensar nessas
estratégias. Os evangélicos conseguiram fazer com
que muitos de nós acreditássemos que a nossa cul-
tura não serve para a gente. Então qual a estratégia
para reverter essa situação? Para fazer com que os
jovens se voltem para a nossa realidade, que se
entusiasmem novamente com o que é nosso? Para
mim, fazer este filme, o Kene Yuxi, permitiu todas
essas descobertas.
WEWITO PIÃKO, EM TROCA DE OLHARES O que estamos
querendo fazer aqui como vocês é seguir o cotidiano
de uma família, de um personagem. Achar este per-
sonagem e seguir o dia a dia dele na comunidade, o
trabalho dele. (…) A gente veio aqui conhecer, visi-
tar a comunidade de vocês. A gente também mora
numa comunidade, só que indígena. E a gente veio
fazer essa troca de olhares.
VINCENT Partimos, então, para um segundo desa-
fio, a realização do Troca de olhares (2010). Exis-
tia uma certa expectativa, uma certa demanda, de
maneira geral, do nosso público, por filmes que
explicitassem o que os índios pensam sobre nós.
Da parte do Isaac Piãko, já havia o desejo de fazer
um filme numa favela, mas com finalidades didá-
ticas, e no sentido de reforçar o projeto ambiental
Ashaninka, colocando em perspectiva a degrada-
ção do meio ambiente no espaço urbano. Quando
aprovamos o projeto de intercâmbio aldeia-cida-
de no Pontão de Cultura VNA, nos vimos num im-
passe, pois não havíamos pensado de antemão
quem participaria da oficina, tampouco sabíamos
quais dos realizadores tinham disponibilidade e
Da esquerda para direita:
Jarlene, Zezinho e Wewito no Morrinho,
para o projeto Troca de Olhares,
no Rio de Janeiro.
Foto Vincent Carelli, 2009
Jarlene, esposa de Zezinho Yube,
participou do projeto fazendo pinturas
corporais e fotografando.
Foto Ernesto de Carvalho, 2009
Ernesto, oficineiro e autor
em Troca de Olhares.
Foto Zezinho Yube, 2009
vontade de participar. Chamamos o Zezinho, que
topou prontamente, e o Wewito, que tinha uma
agenda cheia, mas que aceitou também o desafio.
Uma crítica recorrente ao filme é a de que arma-
mos uma arapuca, e os realizadores caíram ino-
centemente na armadilha, no sentido de que não
era um projeto, uma demanda pessoal deles, e sim
nossa, do nosso público. E mais, não era, inicial-
mente, nem um projeto que havia partido deles,
tampouco dos meninos que foram escolhidos da
TV Morrinho, no morro Pereira da Silva, no Rio de
Janeiro. E ficamos pensando a medida disso. Os
caminhos e soluções encontradas a partir dessa
situação. Além disso, havia, no projeto, a deman-
da do intercâmbio, de troca, num primeiro mo-
mento, os índios na cidade, e depois, os meninos
da comunidade na aldeia. Mas a ida dos jovens
para a aldeia não rendeu um filme, e ficamos ape-
nas com o olhar do Zezinho, Jarlene e Wewito so-
bre uma comunidade do Rio de Janeiro.
JARLENE HUNI KU Ĩ, EM TROCA DE OLHARES Estou sen-
tindo frio desde que cheguei aqui. As casas são to-
das umas em cima das outras. Eles moram em um
lugar muito perigoso, na descida. Eles moram num
barranco. Não sei como não têm medo. Nunca mo-
raria num lugar assim. Tem que morar numa terra
plana. Não pode ser como aqui.
ERNESTO Quando fomos para o Rio, eu, Zezinho, Jar-
lene e Wewito, não fazíamos muitas idealizações.
Eu sabia que seria um processo difícil. Tínhamos
uma proposta que, ou as partes envolvidas topa-
riam, ou o projeto seria inviabilizado. A ideia era de
uma imersão na comunidade. Dessa forma, eu ima-
ginava que poderíamos alcançar algo muito profun-
do. Chegar na comunidade, se apresentar, descobrir
os personagens, as questões do lugar. Nesse senti-
do, eu acreditava que seria possível fazer algo bas-
tante radical ali, naquele tempo. A diferença é que
estamos, nós e os realizadores, muito acostumados
a fazer filmes em comunidades, mas dentro de um
contexto de parceria no qual os realizadores estão
na sua comunidade, já existe a confiança, já existe
uma estrada trilhada. No Rio, eram pessoas que a
gente não conhecia, era preciso, primeiro, conquis-
tar um mundo para que depois pudéssemos fazer
algo interessante. E, claro, havia, também, um cer-
to exotismo, a cidade, a favela. Então, eu esperava
que o processo fosse este, uma entrada gradual num
universo completamente diferente que permitisse a
feitura do filme. Mas, o que aconteceu foi que, ini-
cialmente a proposta era trabalhar no Vidigal, com
o pessoal do Nós do Morro, ou seja, seria um espaço
onde seriam travadas grandes discussões entre lide-
ranças jovens de periferia urbana e lideranças indí-
242
genas vindas de outro mundo, uma espécie de fó-
rum, um pessoal que faz filme, que estava a fim do
projeto. Duas comunidades com olhares amadureci-
dos iam se encontrar e aí sim poderia haver uma
troca de olhares. Mas por problemas de agenda,
etc., não foi possível. Então o Sérgio Bloch, que ti-
nha um contato com a comunidade do Pereirão, su-
geriu que fizéssemos o intercâmbio lá mesmo. O
trabalho desenvolvido ali era ainda muito novo, no
sentido de amadurecimento e reflexão sobre as pró-
prias ações e produções. O que se tem ali é um pro-
jeto artístico muito bom, mas voltado sobre a refle-
xão de si mesmo, uma grande catarse sobre o seu
próprio processo e história. Além disso, os meninos
do Morrinho não tinham uma grande entrada na co-
munidade, não foram capazes de apontar persona-
gens interessantes, de montar um circuito entre
eles mesmos e a comunidade de forma que a gente
pudesse circular e alcançar algumas pessoas e tam-
bém não abriram o espaço de suas próprias famílias.
243
Toda a ferramenta que temos quando trabalhando
nas comunidades indígenas, de se debruçar sobre o
cotidiano de uma família, de um personagem, tudo
isso se fechou ali. Não conseguíamos sequer entrar
na casa das pessoas. Frente a essas questões, passa-
da uma semana na comunidade, sentamos para con-
versar eu, o Zezinho, Jarlene e Wewito. Discutimos
todas essas questões e um segundo enfrentamento
que apareceu, que era a questão de estarem sofren-
do preconceito dentro da comunidade. Nessa con-
versa, que foi inteiramente gravada, nos colocamos
duas opções, ou a gente desistia ou a gente compra-
va o desafio. Não teríamos a oportunidade de viver
essa experiência novamente. E fomos para a bata-
lha, tentando estabelecer pontes e relações possí-
veis, buscando personagens que despontavam, en-
frentando com muita elegância as asperezas do
lugar, o imaginário que a comunidade fazia deles: os
índios, estes outros “selvagens”. Se o morro é peri-
férico, o índio é mais periférico ainda.
GAROTO I Lá na aldeia de vocês tem um líder?
ZEZINHO YUBE Geralmente são os mais velhos.
NICOLAS Você é o que lá?
ZEZINHO YUBE Sou agente agroflorestal indígena e
também sou realizador, eu faço filmes.
NICOLAS Quais animais vocês já encontraram lá?
ZEZINHO YUBE Vários tipos de animais. Cobra, onça…
GAROTO I Caramba, vocês não têm medo não? Já
estão acostumados? Eu já vi aquele bagulho que o
cara sopra assim, tá ligado? Eu fui num lugar que
vendia arco e flecha. Um passeio da escola.
NICOLAS O que tu fez quando viu a onça? Mas leão tu
nunca viu não, né?
ZEZINHO YUBE Leão não existe no Brasil, rapaz! Na
mata eu só tenho medo da cobra. Se você for mor-
dido longe da aldeia, você pode morrer lá mesmo.
GAROTO I O que vocês fumam lá?
ZEZINHO YUBE Tabaco. E também fazemos o rapé.
NICOLAS Maneiro esse bagulho aí!
GAROTO I Parece chá isso, cara!
NICOLAS Tem que dar isso é para mulher aqui no
morro! Cobra na sua língua é como?
ZEZINHO YUBE Yube.
ERNESTO Depois que encontramos a Sandra, perso-
nagem do filme, começamos a acessar mais a co-
munidade, participar de algumas conversas, o es-
Wewito filma o Nicolas, um dos
personagens do projeto Morrinho.
Wewito e Zezinho, na sede do projeto
Morrinho, no Rio de Janeiro.
Fotos Ernesto de Carvalho, 2009
paço do beco, as relações entre o Morrinho e a
comunidade como um todo, sua memória, sua his-
tória. Mas a grande lição do Troca de olhares foi,
pra mim, o seguinte ponto: a gente é colocado
sempre diante da pergunta sobre a especificidade
do olhar indígena, sobre uma diferença funda-
mental de se ver o mundo que estaria refletida nas
suas escolhas de enquadramento, etc. A experiên-
cia do Troca de olhares de certa forma desloca essa
pergunta e mobiliza outra: qual a especificidade
do olhar que é devolvido para a câmera quando é
um índio que está atrás da câmera. Essa é a verda-
deira troca de olhares.
WEWITO PIÃKO, EM TROCA DE OLHARES A comunidade
nunca participou de uma filmagem assim, com al-
guém acompanhando seu cotidiano. É muito difícil
para eles também. Tem a TV, o vídeo, o que passa na
televisão sobre a comunidade. Eles se sentem opri-
midos com isso.
ZEZINHO Uma coisa é fazer com que a comunidade
se sinta parte disso. A gente não está fazendo
isso, pelo menos com as imagens que a gente está
produzindo, para que eles possam se aproximar
mais. Na comunidade da gente rola isso. A pessoa,
depois assistir, acaba tendo vontade de ser filma-
da também.
VINCENT Eu tinha uma clara ideia sobre isso quando
redigi o projeto. Era a ideia de pares, um com a câ-
mera e outro interagindo. Era evidente que pelo
fato de serem índios que a temática do índio seria a
mais óbvia como resposta das pessoas, até mesmo
se sobrepondo às perguntas dos índios sobre a vida
dos personagens da comunidade. Essa era a cena
que surgiria e, provavelmente, a questão mais im-
portante para este trabalho. E de fato, o que ficou
no filme, é essa devolução do olhar e o próprio pro-
cesso de realização do vídeo, o embate dos índios
com o lugar e com os procedimentos do VNA, que
não funcionavam ali, por diversas questões. O Zezi-
nho reflete sobre isso: por que este procedimento
funciona na aldeia? Porque devolvemos a imagem,
mostramos para a aldeia o que filmamos e a partir
daí a comunidade se envolve. E não conseguimos
fazer isso aqui, de modo que as pessoas não se en-
volvem e não compreendem o que estamos fazendo.
Isso rompia com todo um procedimento com o qual
os cineastas estavam acostumados. O próprio pro-
cedimento do Ernesto, como oficineiro, se distan-
ciou completamente do que normalmente adotamos
nas aldeias. Nas aldeias nos mantemos mais distan-
tes, não filmamos com eles ou independentemente
deles. Nessa experiência, pelas circunstâncias en-
frentadas, Ernesto assumiu uma postura escancara-
da de colaboração, trabalhando junto, às vezes so-
zinho, filmando, abrindo passagem em busca do
filme. Um trabalho realizado pelo Zezinho, Wewito,
Jarlene e, também, pelo Ernesto. Apesar do aparen-
te fracasso do filme, no sentido de que não coincidia
com o que inicialmente esperávamos, a experiência
foi muito positiva, por nos colocar frente a uma
série de questões, de procedimentos, de escolhas,
de abordagens.
JARLENE HUNI KUĨ, EM TROCA DE OLHARES Eu gostei do
Rio. Vi muita coisa diferente e por isso fiquei com
um pouco de medo. Mas estou muito contente, por-
que já sei que estou voltando para a minha aldeia.
244
VINCENT O Zezinho é, provavelmente, o cineasta
mais importante do Acre. Acumulou prêmios, via-
jou para mostras e festivais. Seu amadurecimento
como diretor e para as questões relativas ao seu
povo é incrível. E ele é um sujeito que não pára,
que tem esse desejo de diálogo e trânsito entre o
mundo indígena e o mundo branco. Faz isso com
muita clareza. Vive na cidade, está antenado no
mundo, na internet, na política indigenista. Acre-
dito que muito em função disso deu-se o convite
para que assumisse, em 2011, a Secretaria de As-
suntos Indígenas do governo do Acre. Um convite
ao qual ele não poderia declinar. Soubemos da pro-
posta durante o encontro dos Realizadores Indíge-
nas, em Olinda, nos fins de 2010. Várias questões
se colocam para ele a partir de agora. Mas, como você é tomado mais uma vez pelo acontecimento.
ele mesmo apontou, uma tradição já foi criada, E tem uma coisa que considero muito boa no pro-
agora é formar novos cineastas, para que o projeto cesso com o vídeo que é as pessoas se valorizarem,
de cinema e, principalmente, de retomada cultural que é você se ver e perguntar, quem sou eu, quem para formar os novos cantores. E passar esse co- que está ao nosso redor, porque senão será muito Acima e à direita, projeções dos filmes
dos Huni Kuı̃ continue. somos nós? Mas é importante a gente não se aco- nhecimento da forma como era passado antes, tarde para tentarmos reverter a situação. Eu vejo dos cineastas indígenas na favela
do Pereirão, Rio de Janeiro.
modar a essa ferramenta. Não podemos fazer o re- através de resguardo, ficar isolado um bom tempo que a cultura é um instrumento crucial, precioso,
Foto Ernesto de Carvalho, 2009
ZEZINHO YUBE Filmar para o mundo da aldeia e para gistro de uma festa e parar por aí. Não se acomodar na floresta, sem contato com doce, com mulher, para a gente viver como um povo, pra gente ser um
o mundo do lado de fora. Hoje eu vejo dois traba- é incentivar que as pessoas continuem fazendo com outras questões que prejudicam o seu apren- povo. Sem a nossa língua, as nossas festas, as nos-
lhos, um em que você envolve a comunidade para essa festa, independentemente do filme que a gen- dizado, e daí tentar criar uma nova história. A nos- sas raízes, a nossa espiritualidade, vamos deixar de de fora. Os outros são importantes para a gente
fazer um trabalho de audiovisual e, ao mesmo tem- te já fez. Formar, por exemplo, novos cantores, sa história cultural está se perdendo, os velhos ser um povo. E quando deixarmos de ser um povo, aprender, para somar. Como o Isaac falou uma vez,
po, um trabalho para o público que não conhece a porque a gente precisa dos cantores. Agora, como estão morrendo, os jovens já não se interessam seremos apenas uma dúvida e nos perderemos nes- não estamos aqui por acaso, algumas pessoas nos
nossa terra, que não conhece a nossa realidade. E a gente faz isso? Não é com fone de ouvido que mais. Daí, nosso projeto é reativar esse interesse, se desenvolvimento esmagador que vivemos atu- ajudaram, parceiros que trabalharam com a gente
também o filme como expressão artística. Com o você aprende as nossas músicas, aprende cantan- e formar novos pajés, novos cantores. Acredito que almente. E essa não é uma discussão pessoal, é um para chegar onde chegamos. É este o sentido da
vídeo foi possível desenvolver, acima de tudo, um do ali, junto com os velhos, fazendo resguardos, não podemos nos acomodar a nenhum tipo de mí- debate que tem que ser coletivo. A cultura tem que troca, da parceria. Talvez tudo isso tenha me leva-
trabalho cultural, e de memória. Isso acontece o isso é o mais importante, fazendo alguns resguar- dia. O vídeo é apenas mais um instrumento que ser vivida cotidianamente, tem que fazer parte da do ao convite que recebi do governo do Acre para
tempo todo, uma aldeia que já não existe mais, os dos para ter uma boa memória. Porque os cantos permite este incentivo, porque o filme sozinho não comunidade, uma festa tem que ser realizada não assumir o cargo de secretário de assuntos indíge-
jovens que hoje já se casaram, já têm uma família. não se inventam, os cantos estão lá e a gente tem garante nada. Então é preciso este outro trabalho. por obrigação mas por necessidade. Por exemplo, nas do estado. Agora não tenho muita saída, fazer
O tempo muda e os filmes ficam. Quando você as- que ir atrás destes cantos para que possamos É o que tenho dito para algumas pessoas da minha uma festa relacionada com a espiritualidade das filmes novamente só daqui a quatro anos! (risos)

A nova geração de cineastas Huni Kuı̃. siste a um filme feito há anos, você não pode mais aprendê-los. O nosso projeto futuro é este, buscar aldeia. Nós temos que atuar neste mundo em que plantas. Sem ela a agricultura não será boa. Mas é Enquanto isso, outros cineastas serão formados e
Foto Tiago Tôrres, 2009 voltar atrás, fisicamente, mas emocionalmente o velho que está lá no Purus, trazer para o Tarauacá estamos hoje, a partir dessa cultura esmagadora importante também não ignorar o outro que vem nossos filmes continuarão a ser produzidos. Q

245 246
 Nczb.Hvbsboj
Com a chegada dos conquistadores europeus no século

XVI, o território dos Guarani tornou-se palco de disputas

entre portugueses e espanhóis. Nos séculos XVIII e XIX,

os Guarani que não se submeteram aos espanhóis nem às

missões jesuíticas, refugiaram-se na região do Guaíra

paraguaio e dos Sete Povos. A população Mbya-Guarani

no Brasil era estimada em 7 mil (2008), no Paraguai em

14.887 (2002), e na Argentina em 5.500 (2008). No

Brasil, suas aldeias situam-se no interior e no litoral dos

estados do Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul,

São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo. O Vídeo nas

Aldeias tem trabalhado com duas aldeias no Rio Grande

do Sul, Anhentenguá, na periferia de Porto Alegre, e Ko-

enju, no município de São Miguel das Missões.

Acima, Patrícia Ferreira, da aldeia

Koenju, co-autora dos filmes Bicicletas
de Nhanderú e Desterro Guarani.
Foto Ernesto de Carvalho, 2011

À esquerda, Morada do Solano,

na aldeia Koenju.

247 248
ARIEL ORTEGA EM BICICLETAS DE NHANDERÚ De manhã
cedo, existe um momento quando Niamandu vem.
Quando o sol ou quando Niamandu vai. Quando a
noite vem chegando, ficar ao redor do fogo. Existe
aquele momento que é aquele momento pra aconte-
cer a coisa. Não é qualquer hora, não é qualquer lu-
gar. Não adianta inventar.
ERNESTO DE CARVALHO Quando chegamos, eu e Tia-
go, ao Rio Grande do Sul, em novembro de 2007,
para a primeira oficina Guarani, Ariel já estava no
carro esperando a gente. Foi muito marcante este
encontro. O Marcus Benedetti, do IPHAN, e nosso
interlocutor inicial com os Guarani, nos falou que
o Ariel tirava fotos e filmava com seu celular, e nos
deu a impressão de que toda ferramenta que dispu-
nha e colocava nas mãos ele começava a usar. Era
nossa primeira oficina sozinhos, a gente estava
com aquela vontade, uma expectativa muito gran-
249
de, uma ansiedade, projetando tudo, porque querí-
amos fazer um bom trabalho. Saber do Ariel nos
deixou bem animados.
ARIEL Eu sempre me interessei pelo vídeo, mas nun-
ca tinha tido a oportunidade de fazer um filme. No
início, eu não queria participar, não queria fazer a
oficina, mas fui mesmo assim, sem ter a menor ideia
do que seria. Estávamos na Lomba do Pinheiro. Era
a primeira vez que eu ia até essa aldeia. Pegamos
Tiago e Ernesto no aeroporto e seguimos para lá.
ERNESTO Nossa chegada na aldeia foi explosiva.
Nos encontramos com o Cirilo Morinoco, cacique
Guarani da aldeia Lomba do Pinheiro, nos arredo-
res de Porto Alegre. Estávamos a 1000 por hora e
ele a 1. Se os Guarani são meditativos, contem-
plativos, filosóficos, o Cirilo nem se fala. Nos en-
contramos com ele e começamos a falar. Minha
Tiago Tôrres Ernesto
de Carvalho em frente à
sede do Vídeo nas Aldeias,
prontos para partirem
para a oficina junto aos
Mbya-Guarani, em 2007
percepção de como este momento deveria ser
conduzido era de explicar tudo, de conversar, dei-
xar tudo o mais claro possível. Mas estávamos
exaustos, fora de centro, elétricos e aquela foi a
primeira experiência de colisão do jeito de ser Gua-
rani e do jeito de ser branco. A maneira que se re-
lacionam com o tempo e com a comunicação, com
a conversa, com o silêncio, apesar de estarem in-
crustados no meio da cidade, é radical. Explicamos
tudo ao Cirilo, da produção à edição, a importância
do filme pronto, da nossa disposição para fazer o
trabalho. Depois do Cirilo escutar essa explicação,
esse desabafo afobado, ele nos disse de maneira
simpática: “pois é, vocês brancos são muito dife-
rentes da gente, vocês vão falando logo tudo. A
gente não, somos diferentes, esperamos um pou-
co.” Só então percebi o que estava acontecendo. E
disse ao Cirilo: “vamos começar de novo”. Voltamos
para o carro, chegamos e começamos a conversar
sobre se acomodar, montar as redes, dormir. No dia
seguinte, começamos a organização do trabalho.
Ali não tinha de fato um grupo de alunos para fa-
zer a oficina, era algo do tipo “vai acontecer uma
oficina e quem quiser participar, e tal”. Existe uma
resistência, uma desconfiança muito grande. Os
Guarani estão acostumados com relações que não
dão em nada. E naquele momento não entendía-
mos nada. Existe tanto ruído na comunicação en-
tre os brancos e os Guarani, uma relação tão tu-
multuada, que a postura inicial das pessoas nas
aldeias é não embarcar nesses processos. Me lem-
bro que tivemos uma conversa logo no início do
trabalho que se tivéssemos apenas um aluno, ain-
da assim daríamos a oficina. Mas havia outros
além do Ariel. Estavam lá, também, o Jorge Mori-
noco, filho do Cirilo, Germano Beñites, Alexandre
Patchá e Diego Ferreira.
ARIEL Chegamos na Lomba sem saber o que fazer.
Foi difícil. Numa aldeia Guarani as pessoas são
muito reservadas. Durante uma semana foi tudo
bastante difícil, não conseguíamos filmar, não sa-
bíamos o que fazer, o que tínhamos que mostrar.
Conversava com as pessoas, mas elas não enten-
diam muito. Estávamos numa aldeia que tinha 10
hectares, onde as pessoas vivem quase na periferia
de Porto Alegre, é uma situação muito difícil. En-
tão comecei a sentir o trabalho que tínhamos que
fazer. Na verdade, as coisas já estavam acontecen-
do, mas eu ainda não havia me dado conta. Havia
as pessoas no seu dia a dia, a mãe do Cirilo, que é
uma mulher importante na aldeia, uma mulher de
idade. Fomos visitá-la e ela começou a falar para a
câmera de como se sentia diante daquele lugar pe-
queno, que era triste ter que comprar tudo, que ali
não se planta mais, que queria ir para outro lugar,
mas que não podia. Foi aí que surgiu a ideia do
filme, de fazermos alguma coisa sobre a situação
daquele lugar. Ficamos acompanhando o dia a dia
das pessoas. Então as coisas começaram a clarear.
Toda noite fazíamos um roteiro. No dia seguinte,
Tiago e Ernesto montavam a câmera e diziam para
filmarmos. Saíamos para filmar, cada um seguia um
personagem com quem tinha mais identificação.
Cada um tem um personagem com quem tem mais
ou menos intimidade. Mas foi muito difícil come-
Da esquerda para direita:
Ariel Ortega, um dos alunos da primeira
oficina Mbya-Guarani no Rio Grande do Sul,
em 2007. Foto Ernesto de Carvalho, 2007
Diego, que só participou da primeira
oficina. Foto Tiago Tôrres, 2007.
Germano Benites, silencioso, é um
dos cinegrafistas mais aplicados do
Coletivo Guarani de Cinema.
Foto Tiago Tôrres, 2007.
Jorge, filho de Cirilo Morinico, morador
da aldeia Agnetenguá, na Lomba do
Pinheiro, na periferia de Porto Alegre,
com o seu primeiro filho e esposa.
Foto Ernesto de Carvalho, 2008.
çar, encontrar uma direção, o personagem. Eu que-
ria fazer algo diferente do que já havia sido feito.
Nasci na Argentina, na aldeia do meu avô, muitas
pessoas vinham, filmavam, vinham antropólogos,
mas sempre faziam de uma forma que não era cor-
reta. Parece que obrigavam os Guarani a falar. En-
24:

Acima, alunos da oficinas
entrevistam moradores da aldeia
da Lomba do Pinheiro, espremida
em 10 hectares de terra.
Fotos Tiago Tôrres, 2007
251
tão, nessa oficina eu percebi que podia fazer dife-
rente, que éramos nós mesmos que estávamos
fazendo.
ARIEL, EM DUAS ALDEIAS, UMA CAMINHADA Este filme
que estamos fazendo vai ficar legal. Eu não sei
quanto tempo vai ter, mas todos os Guarani vão
poder ver. A gente tem que mostrar o que é impor-
tante, por isso tem que ter personagem. Por exem-
plo, num filme você tem que saber onde vai termi-
nar. Pode mostrar a aldeia, a cidade, mas tem que
ter uma ideia principal para terminar bem.
ARIEL Durante a oficina na Lomba, fizemos uma
reunião com a comunidade. Falamos de como era
importante fazer o documentário, que poderíamos
ter voz, que a comunidade ficasse à vontade, que
poderiam falar o que quisessem falar, mostrar o
que quisessem mostrar. Mas havia uma desconfian-
ça, porque já passamos por muitas situações com-
plicadas. Mas então percebemos, todos percebe-
mos, que ali havia mesmo o problema da terra. A
partir daí começaram a surgir outras questões, de
sobrevivência, a venda do artesanato. Então co-
meçaram a falar, todo mundo começou a falar. De-
pois da reunião, quando entenderam o que fazía-
mos ali, e depois que começamos a mostrar para a
comunidade, à noite, o que tínhamos filmado du-
rante o dia, todos assistiam e ficavam felizes. Foi
aí que o filme começou mesmo. As pessoas se viam,
entendiam o que estava acontecendo, e começa-
ram a ficar mais à vontade. Viam sua própria ima-
gem e já pensavam no que falar, no que fazer. Mas
além da desconfiança, existe algo que é próprio
dos Guarani, da nossa cultura. Quando uma pessoa
chega numa aldeia, mesmo sem a câmera, funciona
da mesma forma. Por exemplo, eu costumo visitar
o meu avô para falar sobre coisas importantes. Eu
imagino, porque sempre imagino, que ele vai falar
tudo. Então chego até ele, ele me cumprimenta e
durante um dia inteiro ele não fala nada. Aí vou
novamente no dia seguinte, fico uma, duas horas,
e ele continua sem falar nada. No terceiro dia eu
chego novamente, e somente então ele começa a
falar. Porque para nós a palavra é muito importan-
te. A conversa, tudo tem o momento certo, o tem-
po certo, então não adianta forçar a barra e falar
coisas que não têm sentido. Tem que realmente ter
seu momento ali, inspirado. Para nós existe essa
coisa do tempo, o tempo certo, o momento da pa-
lavra. Só assim a conversa realmente serve. De tar-
Ernesto assiste à produção da oficina com os
alunos e a comunidade. Foto Tiago Tôrres, 2007
Ariel com seu avô, o velho Duarte, na aldeia
Tamanduá, em Misiones, na Argentina.
Foto Ernesto Ignacio de Carvalho
Ariel se perguntando:
“O que é que eu filmo agora?”
Foto Ernesto de Carvalho, 2010
252

Projeção na Lomba do Pinheiro.
Foto Ernesto de Carvalho, 2011
dezinha, por exemplo, ou então bem cedo. Esses
são os momentos de se conversar, aí as palavras são
boas. Por isso existem todas as “belas palavras”.
Por isso também é difícil, porque sentimos quando
alguma situação é forçada. Assim, se aquele não é
o momento certo, então não é o momento de se
filmar. Fui descobrindo isso durante o trabalho.
ERNESTO Nos primeiros dias, Ariel estava visivel-
mente angustiado, não sabia por onde as coisas
253
estavam caminhando, se ia dar certo. Depois de
alguns dias, o próprio Cirilo começou a ficar preo-
cupado e a questionar se a gente daria conta, por-
que à noite projetávamos os filmes do VNA e ele via
aquela explosão de vida que eram os filmes Ikpeng,
Xavante, e quando exibíamos o material produzido
na aldeia era um choque muito grande. Quando exi-
bimos Das crianças Ikpeng para o mundo, o Cirilo
disse: “ah, então eles mesmos filmaram”. A gente
já havia explicado pra eles como seria a dinâmica
da oficina, mas foi apenas quando assistiu ao filme
que compreendeu que aquilo ali era feito do ponto
de vista dos índios. Foi nesse momento que o Cirilo
entendeu de fato o que estávamos fazendo ali e viu
o potencial daquilo. Foi quando ele aderiu ao pro-
cesso, confiou na gente e a comunidade começou
realmente a participar da oficina. A projeção é um
momento fundamental, todo mundo se conecta
com o trabalho, porque depois da projeção o traba-
lho se torna da aldeia inteira.
DIEGO FERREIRA, EM DUAS ALDEIA, UMA CAMINHADA
Aquela é a aldeia. Ela só tem 10 hectares, por isso
as roças são pequenas. Aqui estamos no meio dos
brancos, no meio da cidade. A aldeia não é grande.
Eles vendem bichinhos de madeira, só assim eles
comem. Se não a comida não vem. A cidade cresce
cada vez mais. Estão nos cercando. (Segurando
uma colméia): isso também dá mel. Só que agora as
abelhas deixaram suas casas. Você sabe porque dei-
xaram suas casas? Porque algo estava incomodan-
do elas. E elas não gostam disso, por isso se muda-
ram. São que nem os Mbya-Guarani. Elas não foram
embora porque queriam ir. Às vezes, os Mbya se mu-
dam porque tem alguém incomodando. Por isso,
elas foram tentar viver melhor em outro lugar. Os
Mbya- Guarani também são assim.
VINCENT CARELLI A questão que já aparece em Duas
aldeias, uma caminhada, e que é a questão de todas
as gerações que estão ali envolvidas, de todas as
aldeias, é a problemática da terra, da falta de espa-
ço. É uma questão introjetada, a metáfora da col-
méia, de que as abelhas foram embora porque foram
molestadas. Assim também o é com os Guarani. Se
são incomodados, vão embora. E o filme é tomado
por todos eles como uma forma de dar esse recado.
ERNESTO Duas aldeias, uma caminhada começou na
Lomba, marcado pelas questões da aldeia, foi ali
que definimos o que seria o filme. Tivemos inúmeras
conversas com o Ariel e com a comunidade de como
seria o desenho do filme, os temas já estavam todos
colocados. Mas ainda assim o Ariel se angustiava
muito. A sensação que tínhamos era que nada acon-
tecia na aldeia. Havia uma sensação muito forte de
que os dias passavam e de que nada era gerado, de
que não chegava ninguém, ninguém falava nada.
Isso gerava uma inquietação tanto em nós quanto
nos alunos. Principalmente no Ariel. Foi terrível,
porque a gente estava procurando um tema e a me-
lhor maneira de você procurar um tema é testar as
coisas, sair para filmar. Depois dos exercícios bási-
cos, de ensinar a ligar e desligar a câmera, a se mo-
vimentar, começamos a busca pelos personagens.
Mas era tão pouco, tão pouca coisa acontecia. E,
naquele momento específico, a Lomba era uma al-
deia deprimida. Não podia ser de outra maneira,
uma aldeia com pouquíssima terra, a impossibilida-
de de movimento da comunidade. Daí surgiu a ideia
de sairmos da Lomba, buscarmos outros espaços.
São Miguel das Missões. Iríamos para São Miguel.
Mas, e a Lomba? E a semana que passamos ali? Per-
deríamos tudo e recomeçaríamos em São Miguel?
Tínhamos esse problema. Era preciso aproveitar
algo daquele tempo ali. Conversamos muito com a
comunidade e os alunos pensando em quais assun-
tos realmente poderíamos tratar na Lomba e que
poderiam se conectar com São Miguel e que poderí-
amos fazer um filme que fosse uma espécie de intro-
dução ao panorama da situação dos Guarani naque-
le momento. Um filme que seria um tipo de filme que
eu chamaria de “esses somos nós”, e a questão da
terra era, sem dúvida, a questão que sustentava o
filme na Lomba.
Ariel entrevista Cirilo Morinico, cacique
da aldeia Anhentenguá, e personagem
do filme Duas Aldeias, uma caminhada.
Foto Ernesto de Carvalho, 2007
CIRILO MORINICO, EM DUAS ALDEIAS, UMA CAMINHADA
Os brancos sempre nos olham mal, mas eles mesmos
nos colocaram num chiqueiro. Estamos como bichi-
nhos ali cercados que alguém vai e coloca um peda-
ço de pão. E se ninguém der nada a gente não come.
Mas porque isso? Porque eles mesmos tiraram tudo.
Eles mesmos, com a Funai, demarcaram nosso terri-
tório. Colocaram limites. Colocaram essa cerca pra
gente respeitar.
ERNESTO Decidimos partir para Koenju, aldeia de
Ariel, no município de São Miguel das Missões.
Precisávamos, no entanto, de qualquer elemento
que pudéssemos usar para ligar as duas partes do
filme, é quando Ariel entra como personagem,
como elemento de diálogo entre estes dois espa-
ços. Um outro elemento que funcionava como
costura era o artesanato. Dessa maneira, a ques-
tão de associação do filme era: não tem terra, faz
artesanato para viver.
254
TIAGO TÔRRES É a questão da subsistência. É a
questão da terra, mas não tem terra, é o artesana-
to e a madeira, mas não tem madeira, então vai
roubar madeira.
CÉLIA, EM DUAS ALDEIAS, UMA CAMINHADA Os deuses já
sabiam que a gente ia precisar vender artesanato, que
as matas iriam acabar. Então por isso os deuses nos
deram essa habilidade de seduzir os brancos com bichi-
nhos de madeira, pra vender e não morrer de fome.
ARIEL, EM DUAS ALDEIAS, UMA CAMINHADA Você acha
que os índios estão ali vendendo a sua imagem?
Jorge Morinico filma menina Guarani
pedindo esmolas no centro de Porto
Alegre. Foto Ernesto de Carvalho, 2007
255
PROFESSOR, EM DUAS ALDEIAS, UMA CAMINHADA Sim, es-
tão se aproveitando para vender a sua imagem.
ARIEL, EM DUAS ALDEIAS, UMA CAMINHADA É que mui-
tas pessoas vêm até aqui fotografam os índios Gua-
rani, até filmam. Levam essas fotografias para ou-
tros lugares, para usarem nos seus trabalhos e até
ganharem dinheiro em cima disso. Acho que é isso
que acontece. Muitas pessoas pensam que os Guara-
ni são bobos.
ERNESTO Nessa altura da oficina, eu e Tiago nos
dividimos. Tiago foi com o coral da aldeia para uma

filmar e contestar quem está na frente da câmera
apresentação em Florianópolis e eu fui para Koen-
ju. No caminho para a aldeia, passamos pelo sítio
histórico de São Miguel, todo mundo cansado, e o
Ariel já chega filmando. É quando acontece a cena
de confronto com o professor que entrou na edição
final do filme e nessa hora percebemos que tería-
mos que voltar ali, que a resolução da questão da
venda do artesanato seria a venda em São Miguel.
Na verdade, essa para mim tem sido uma imagem
muito forte, ligada ao desenvolvimento dos traba-
lhos com os realizadores indígenas, essa coisa dos
momentos que você não filma, o momento em que
o realizador está entre filmar e participar. Entre
ou no momento da colaboração. Saber que nós
somos colaboradores e que a gente filma. De São
Miguel seguimos para Koenju. Quando chegamos,
sentamos, eu e Ariel, para conversar. Ele sentia
que era mesmo possível, que ele estava construin-
do uma coisa, que já começava a sonhar com o
filme e a fantasiar que daria certo. Discutimos a
necessidade de definirmos personagens. Uma noi-
te ele chega e me diz: “meu personagem é o Maria-
no, alguém que respeito muito”. Mariano iria no
dia seguinte para São Miguel para comprar comida
para os animais e material para artesanato. Eram
cerca de 11 horas da noite. Mariano iria para o
município às seis da manhã. Ariel foi junto. Havia
assumido o filme. Foi quando senti: pronto, agora
vai. Mas novamente enfrentamos problemas. Des-
sa vez de ordem mais política, de política interna
da aldeia, em função da desconfiança que o traba-
lho gerava. Instalou-se um clima insustentável,
até que Tiago chegou na aldeia e falamos para o
Ariel que não dava para continuar, que era preciso
conversar abertamente sobre a situação e saber se
poderíamos continuar. Para o Ariel escutar isso foi
um baque. E as coisas ficaram realmente tensas.
Procuramos as lideranças para conversar, mas não
conseguíamos avançar na conversa. Vivemos um
silêncio constrangedor, até que a coisa explodiu e
o confronto se instalou. Queriam suspender as ofi-
cinas. A aldeia passava por um momento crítico de
desacordos e isso refletiu diretamente no traba-
lho. Depois de muita conversa entre eles, Ariel
chegou até a gente e falou que a comunidade ha-
via decidido que a oficina iria continuar. Penso
Reunião do conselho da
que essa oficina e as outras que se seguiram colo-
aldeia de Koenju.
caram Ariel no centro da discussão e como ator
político, reconfigurou alianças, casamentos se fi- Sítio histórico das ruínas
de São Miguel das Missões.
zeram e se desfizeram. O vídeo ali se inseriu na
comunidade e na vida das pessoas, catalisando Fotos Tiago Tôrres, 2009
situações. Ao final da oficina, havíamos fechado
256
um ciclo, mostramos uma comunidade que tem
problema por falta de terra e, logo, ela tem que
vender o artesanato, mostramos a relação com os
brancos em São Miguel, mostramos o pessoal fa-
zendo artesanato nas aldeias. Mas no final da ofi-
cina de realização voltamos para filmar no centro
de Porto Alegre e aquele também foi um momento
muito tocante quando filmamos aquela menina
pedindo dinheiro na rua, a menina vendendo na
rua. Um ciclo se fechou ali no grupo de realizado-
res. É como se eles estivessem se colocado na
posição de realmente dar um passo para trás e
observar o seu povo, observar sua sociedade, sua
comunidade, observar a situação na qual se en-
contram. Eles puderam dar um panorama geral de
tudo que envolve os Guarani hoje, acho que tive-
mos o cuidado de abordar diversas coisas. Ir para
Porto Alegre era essa postura de dar um passo para
trás e se olhar. É uma marca dessa primeira oficina
Guarani. O que o Ariel fala na sequencia final do
filme, que o vídeo ali se torna esse grande momen-
to de você perceber algo que estava na sua frente,
mas você não estava olhando.
ARIEL, EM DUAS ALDEIAS, UMA CAMINHADA Hoje eu per-
cebi o que acontece aqui. É chocante mesmo. Expe-
rimente vir sem vender e ficar só observando. Aí você
vai ver como o rosto dos Mbya muda. A gente não
fica triste só porque não vende, é porque parece que
a gente depende do dinheiro deles, que se eles não
compram a gente morre de fome.
ARIEL Eu acho que as pessoas em Koenju começa-
ram a perceber a importância do vídeo quando as-
sistiram às sequencias das ruínas de São Miguel
257
das Missões e da Lomba do Pinheiro, na periferia
de Porto Alegre. Logo no começo, o pessoal rou-
bando madeira, por exemplo, foi algo marcante.
São coisas que os Guarani não gostam muito de
falar, uma coisa triste, mas eu sinto... Eu sou Gua-
rani, e eu sei quando as pessoas sentem e não que-
rem falar. Algumas vezes eu acho que eu sou um
pouco... não digo pessimista, mas realista mesmo.
As pessoas sabem que é triste e preferem ficar
quietas ao invés de ficar falando ou lembrando,
porque vão se sentir mal. Na Lomba ficaram um
pouco tristes assistindo às imagens. Lá, a terra só
tem 10 hectares, e aqui, cerca de 200 hectares.
Senti isso quando projetamos as imagens lá. Viram
mesmo a importância do trabalho. Eu percebi mui-
to isso. Até hoje, muitas pessoas ainda assistem, e
vão entendendo cada vez mais. As pessoas, quando
viram ali no centro de Porto Alegre, uma situação
bem diferente daqui, se chocaram muito. E ficaram
muito tristes.
VINCENT Em março de 2008 fizemos uma oficina de
roteiro na aldeia Ikpeng com Leandro Saraiva. Du-
rante a oficina, quando chegou a hora do Ariel, ele
fez uma exposição de todos os tópicos abordados
nas 130 horas filmadas, e conseguiu transmitir
para todo mundo a angústia de como é que tanta
coisa iria caber num só filme.
ERNESTO Voltei para a oficina de edição em junho
de 2008. Foi em Koenju. A principal mudança era
que o Mariano, personagem de Duas aldeias, uma
caminhada, era o cacique agora. Se a oficina de
realização tinha sido marcada por uma série de di-
ficuldades políticas internas, a oficina de edição
foi marcada por uma fluidez. Todo mundo partici-
pava. A edição Guarani foi isso, editar com vinte
pessoas... de cinco a vinte pessoas o tempo todo
ao redor da ilha. As pessoas chegavam e a gente
passava horas traduzindo dentro da escola. O ma-
terial aparecendo, aquela enxurrada, aquele dilú-
vio de coisas e de repente começamos a pensar se
não tínhamos dois filmes diferentes. Essa foi a
grande dúvida durante a edição de Duas aldeias,
uma caminhada, um centrado na aldeia Lomba do
Pinheiro e um centrando na aldeia Koenju. Essa
dúvida permaneceu até o final, oscilamos nessa
postura porque, na verdade, eu já saí da aldeia com
o nome do filme. Esse nome foi definido ali, na
penúltima semana de edição, num momento mara-
vilhoso com o Jorge.
ARIEL Fazia muito frio. Era o ano mais frio nos úl-
timos trinta anos. E tínhamos 130 horas de mate-
rial bruto. Era um processo novo em que estávamos
entrando. Foi quando começamos a entender o
sentido de tudo aquilo que a gente tinha filmado.
Mais uma vez eu via aquelas filmagens e ouvia as
palavras dos velhos. De novo era um aprendizado
para mim. Eu estava chegando muito próximo do
que sempre gostei, da espiritualidade, de aprender
coisas, como Guarani e como cineasta. Por um
lado, eu estava aprendendo a montagem, a tradu-
ção, o roteiro. Mas o mais importante de tudo isso
era a tradução. É quando aprendemos muitas coi-
sas que os velhos falam e que os jovens já não
sabem mais. É porque os velhos falam uma outra
língua diferente, são palavras mais poéticas. Isso
eu gosto muito. E na tradução os velhos também
participam. Eles vão dizendo: essa palavra é isso,
essa outra significa aquilo. As belas palavras a
gente vai aprendendo durante a tradução. Quan-
do filmo nem percebo se alguém falou alguma
coisa que eu entendo ou não. Algumas vezes não
entendemos, mas filmamos. Daí a importância da
tradução. Estava vendo o outro lado mesmo. O
outro lado do processo, e vendo já de outra forma
a comunidade, a realidade mesma. Nunca me en-
volvi tão fortemente, tão emocionalmente com
nada. Nada foi tão forte como fazer Duas aldeias,
uma caminhada. Foi uma coisa intensa, que eu
não queria perder de jeito nenhum. Eu não sabia
o quanto ia sofrer. Eu acho que é porque ia signi-
ficar muito realmente.
ERNESTO Um outro grande momento da edição foi
quando as pessoas assistiram àqueles guias turís-
ticos repetindo a história da colonização, das re-
duções e tal. É difícil assistir àquele material, por-
que por mais que estejam bem intencionadas e por
mais que os Guarani já tenham escutado aquilo
repetidas vezes, na edição, a cena revela o momen-
to de encontro de um discurso sobre eles que é de
uma simplificação histórica extremamente violen-
ta. Acho que é doloroso para as pessoas ficarem
escutando e reescutando aquela versão reduzida
da história deles. Eles ficavam agoniados. Eu ficava
ali transcrevendo, escutando para ver como iría-
mos resumir os vários guias que tínhamos filmado
e como faríamos um pequeno apanhado do ponto
de vista branco sobre aquela história.
Ernesto, Patrícia e Ariel, prontos para
enfrentar a tradução e edição de
130 horas de material que resultaram
no filme Duas Aldeias, uma caminhada.
Foto Jorge Morinico, 2008
Mariano Aguirre, morador da aldeia Koenju,
em São Miguel das Missões e personagem
de todos os filmes. Foto Tiago Tôrres, 2007
Solano, velho Karai, personagem
central de Bicicletas de Nhanderú.
Foto Vincent Carelli, 2011
MARIANO, EM BICICLETAS DE NHANDERÚ Por aqui (ruí-
nas de São Miguel das Missões) andaram nossos pa-
rentes, mas os brancos tiraram tudo da gente, e se
apropriaram dessas ruínas que nossos parentes fize-
ram. Agora eles não querem dar pra gente o que é
nosso. Eles têm ciúmes desse espaço. Nossos parentes
construíram isso forçados pelos brancos, os padres
jesuítas. Eles forçaram os índios a trabalhar nisso.
VINCENT Premiado no forumdoc.bh, exibido nacio-
nalmente no Programa A’Uwe da TV Cultura e assis-
tido na aldeia, o Duas Aldeias, uma caminhada tam-
bém correu as aldeias Guarani do sul com apoio do
IPHAN. No Encontro dos Realizadores Indígenas,
em Olinda, em 2010, Patrícia Ferreira, cineasta e
companheira de Ariel, fez um relato emocionante
da aldeia reunida para assistir ao seu programa na
TV. Se fosse só por estes momentos, já valeria a
pena fazer o que a gente faz, pensei comigo!
SOLANO, EM BICICLETAS DE NHANDERÚ Os Tupã são as-
sim. Eles não vêm só para trazer chuva, vêm tam-
258
 bém para nos proteger. Eles não caminham em vão.
Pois nós não vemos os seres que nos fazem mal.
Somente eles podem nos ver.
TIAGO Em novembro de 2009, eu e Amandine Gois-
bault voltamos a Koenju para uma segunda oficina
com os Guarani. Quando acabamos o Duas aldeias,
uma caminhada, não havia perspectiva nem recur-
so para uma nova oficina. Mas a gente já sabia que
o trabalho com os Guarani tinha muita potência e
Vincent reformou uma das planilhas e conseguiu
viabilizar a oficina. Filmar a espiritualidade Guara-
ni já era um projeto antigo do Ariel.
ARIEL Meu primeiro passo como cineasta foi em
Mokoi Tekoá Petei Jeguatá (Duas aldeias, uma cami-
nhada). Este foi um primeiro passo, mas não conse-
guimos falar quase nada sobre a espiritualidade.
Mas, desde o começo, meu objetivo ao trabalhar com
audiovisual, o meu sonho, era tentar mostrar toda a
espiritualidade Guarani; qual a nossa visão sobre o
universo, o sentido de nossa relação com o universo.
TIAGO Diferente da primeira oficina, este era um
filme de autor. Era um projeto do Ariel. Não estru-
turamos a oficina como uma busca de assunto, per-
sonagem, etc. O Ariel tinha uma ideia e tinha o
apoio da comunidade para realizá-la. Estávamos lá
para dar um suporte. Expliquei isso ao Jorge quan-
do ele foi nos buscar na rodoviária. Já no ônibus ele
mostrou uma certa inquietude. Mas o Ariel assumiu
o filme. Já havia conversado com o Solano, perso-
nagem principal de Bicicletas, e estava disposto a
levar o projeto adiante. Havia um certo burburi-
nho, alguns comentários de que outras aldeias não
iriam aceitar a proposta. Por um tempo, isso criou
uma certa tensão, mas tocamos o barco.
ERNESTO A ideia do Ariel era uma investida espiri-
tual, o que ele considera um filme mais verdadeiro.
Mas existe muito tabu em relação à espiritualidade
Guarani e fazer um filme sobre esse assunto já é por
princípio um problema.
AMANDINE GOISBAULT No começo da oficina, nin-
nós e os alunos, por falta de compreensão mútua,
diferença de ritmo, etc. A Patrícia foi um vínculo
essencial e conseguiu conversar tanto com os me-
ninos quanto com a gente, para resolver as dificul-
dades de comunicação.
ARIEL Para alcançar este invisível no filme, torná-
lo visível, é preciso ficar em silêncio. Para os Gua-
rani o silêncio é sagrado. Isso eu não entendia
quando era criança. Eu ia com o meu avô numa
outra aldeia longe, onde estava também um líder
espiritual muito importante. Meu avô foi visitar.
Chegando na aldeia, não cumprimentou, não deu
a mão. Sentou-se num banquinho pequeno. Eu
também me sentei. Nem foi o Karaí quem ofereceu
o banco, foi a filha dele. A moça entrou para casa
e não saiu mais. Depois de alguns minutos, saiu
novamente com um cachimbo, entregou ao meu
avô e entrou novamente. O Karaí estava lá, mas TEÓFILO, EM BICICLETAS DE NHANDERÚ Uma casa de
não saiu. Ficaram em silêncio mais ou menos uma reza boa tem que ser direcionada para onde o sol
hora. Meu avô sabia, é claro. Depois o Karaí saiu nasce. Tem que ficar olhando para a morada de
com outro cachimbo e ficou mais um tempo. Não Tupã, onde o sol sai.

Ariel, diretor de Bicicletas de Nhanderú,
num diálogo com seu personagem Solano,
velho sábio da aldeia Koenju.
Foto Ernesto de Cravalho, 2010
Amandine Goisbault na oficina
Mbya-Guarani. Foto Tiago Tôrres, 2010
Estou conseguindo isso devagar. Desde 2007, venho
amadurecendo, me fortalecendo espiritualmente.
Eu escuto muito o meu avô também. Acho importan-
te não somente entender a técnica, gravar, filmar.
Porque não adianta você entender essas coisas e não
entender quem é você. Não adianta você entender
de toda aquela coisa e se esquecer do que você é e
não saber conversar com um Karaí, com um líder
guém queria mostrar o lado “festinhas” (música
dos brancos, bebida, jogo), porque é uma coisa
difícil, que ninguém gosta que aconteça, mas ao
mesmo tempo envolve todo mundo, mesmo o Ariel
não queria mostrar porque era uma coisa contra a
qual queria lutar enquanto cacique. Mas como ele
diz, afinal, ele achou que foi bom mostrar e falar
no assunto. A casa de reza também não foi fácil,
ficaram olhando um para o outro, ficaram assim
como o Solano fica, fumando cachimbo, apenas
depois viraram um para o outro. Primeiro, o dono
da casa perguntou com aquelas belas palavras
sem pontuação, parece uma canção, é uma sauda-
ção que pergunta por tudo, todas aquelas coisas
que aconteceram nos últimos tempos, mas bem rá-
pido. Ele como que entra em êxtase, vai pronun-
TIAGO A oficina envolvia, inicialmente, a comida
tradicional de elevação do espírito, a larva Ixó e
a construção da Opy, a casa de reza, em Koenju,
que já era uma discussão desde a primeira ofici-
Comemorando o barreamento da nova casa
na. Mas a produção da larva Ixó não funcionou. de reza, Opy, da aldeia Koenju, que fez parte
Já não havia muitos coqueiros na aldeia, por da produção do filme Bicicletas de Nhanderú.
causa da derrubada das matas e os Guarani já Fotos Ernesto de Carvalho, 2010

espiritual. Porque aí você vai entender toda aquela
coisa, mas não vai saber sentar na fogueira conver-
sar com os mais velhos e as crianças. Não é apenas
por mim. Sei da importância deste trabalho para o
meu povo, para as crianças.
no começo alguns velhos não queriam que os me-
ninos filmassem a casa de reza, eles tiveram que
argumentar para conseguir. A Patrícia teve um
papel fundamental de “mediação” na oficina, por-
que como sempre, houve momentos difíceis entre
ciando as palavras, todas as belas palavras poéti-
cas, e eu acho que ali que eu entendi a importância
do silêncio. Sempre que se chega num lugar, deve-
se ficar em silêncio. Ouvir o barulho do silêncio. No
filme este silêncio também é importante.
não preparavam mais o alimento. O filme seria
uma espécie de retomada, de mostrar como era
feito. Mas o bichinho não apareceu. Chovia mui-
to, caiu um raio na aldeia. Uma ventania. Tínha-
mos a impressão de que a casa seria derrubada.

259 25:
 cês viram das filmagens de São Miguel das Missões?
O que está certo e o que está errado? Essa filmagem
vai ser mostrada em outros lugares, por isso se esti-
ver errado, nós é que seremos os culpados. A câmera
é uma ferramenta perigosa, mas também pode ser
usada em nosso favor pra derrubar os brancos. De-
vemos usar essa câmera com cuidado. O que vocês
querem que seja mostrado para os brancos? Na mi-
nha opinião, eu não acho correto mostrar o povo
bebendo. Tinha que começar com a Casa de Reza,
mostrar a plantação, e não mostrar o povo bebendo.
Neneco foi, junto com seu irmão Palermo,
personagem performático de Bicicletas
de Nhanderú.
Foto Ernesto de Carvalho, 2010
Eu não quero posar de santo, eu bebo, eu jogo, eu
danço, mas pra mim, tá errado. O nome já diz: Bici-
cletas de Nhanderú. Já o nome está errado. Porque se
o filme circular assim, vão dar risada da gente.
ARIEL A gente fez esse trabalho com a gurizada,
Germano, Jorge e eu. A gente filmou o que real-
mente acontece na aldeia. A gente mostra a visão
real do que as pessoas veem na aldeia. E nós sabe-
mos que realmente acontecem alguns problemas
na nossa aldeia. E por isso que a gente filmou a
nossa situação real. Se vocês prestarem atenção,
vocês vão entender melhor e depois podem comen-
tar. É importante pra nós vocês falarem o que vocês
acharam, e mostraremos em outras aldeias tam-
bém. Pra mim o filme tá perfeito mas, muitos não
acharam bom. Só vendo esse filme é que vamos
perceber o que esta acontecendo e aí vocês vão
perceber realmente a nossa situação.
VINCENT A gente achou a proposta do IPHAN de re-
conhecer a versão Guarani da história das missões

Jorge filma o seu pai, Cirilo Morinico, que

faz críticas públicas ao filme Bicicletas de
Nhanderú. Foto Vincent Carelli, 2011

Mas era incrível. Não dormíamos, passamos noi-
tes filmando os relâmpagos.
ARIEL Em novembro, na aldeia, chove muito. É Tupã
que chega para purificar as primeiras frutas, a guari-
roba, o florescimento das árvores. Nós não sabíamos
exatamente que caminho seguir. E chovia muito,
quase não dava pra sairmos para filmar. Tudo come-
çou quando um raio caiu numa árvore, perto da casa
de uma senhora. E aquilo virou o assunto da aldeia:
por que será que caiu um raio? Tupã está vindo? E o
próprio Solano já havia falado que uma tempestade
se aproximava. Todos na aldeia sabiam que era preci-
so uma grande tempestade para purificar as guariro-
bas. Foi a partir dessas conversas que decidimos por
onde começar o filme: Tupã, as tempestades. Para
nós, quando vem Tupã, quando chove assim, não po-
demos fazer quase nada. Por algum motivo Tupã veio.
E por algum motivo caiu um raio. O espírito do raio na
árvore veio nos proteger? Assim começamos o filme.
SOLANO, EM BICICLETAS DE NHANDERÚ Quando os deu-
ses falam, você não vê nem escuta. O que Tupã fala…
o que acontece na meditação é inexplicável. Sem per-
ceber, as palavras chegam e são ditas por você. Nós
somos uma bicicleta dos deuses.
VINCENT Essa metáfora do Solano levou o Ernesto
em pensar nas Bicicletas de Belle Ville, e ele sugeriu
o título de Bicicletas de Nhanderú. Todos gostaram
e ficou sendo o título provisório. Os trabalhos pro-
duzidos em oficinas tem esse caráter híbrido, com
aportes dos dois lados. O título, dito por Solano,
sinaliza para o nosso público mas gerou, assim
como o filme, muita polêmica entre os Guarani. O
raio virou personagem. E assim como o raio, outros
incidentes do cotidiano também são permeados de
significado religioso, as crianças cortando lenha e
falando do espírito das árvores. Aliás, a dupla de
jovens irmãos, Palermo e Nenenco, disputa o estre-
lato do filme com o sábio Solano. A sobreposição da
trilha original do Michael Jackson potencializa a
performance dos meninos. A força da performance
dos meninos é potencializada pela sobreposição da
gravação original do Michael Jackson.
CIRILO Vimos as imagens do filme e temos que en-
tender o que isso vai nos trazer mais pra frente. Vo-

261 262

como patrimônio imaterial brasileiro, de uma im-
portância simbólica enorme, principalmente por
que o caso da exclusão dos Guarani é muito fruto de
um desentendimento total. É a ausência de diálogo,
incompreensão de dois mundos que não conseguem
dialogar, porque não falam a mesma língua, não
conseguem nem se perceber. Então a gente achou
fascinante essa proposta do IPHAN por isso, do país
reconhecer a versão dos índios. As ruínas jesuíticas,
as Tavas para os Guarani, já tinham aparecido como
um elemento simbólico e histórico muito forte no
primeiro filme. Foi assim que, em agosto de 2010,
Ernesto e eu partimos ao encontro do Tiago, Ariel e
Patrícia em Koenju, para iniciar esta nova emprei-
tada, um filme sobre o significado das Tavas para os
Guarani. Tiago e a equipe estavam finalizando o pri-
meiro corte do Bicicletas de Nhanderú. Com a con-
sistência desses dois filmes, já tinhamos como pre-
parar um novo DVD da coleção Cineastas Indígenas,
o Mbya-Guarani, uma outra face da realidade indí-
gena brasileira. Tínhamos então que trabalhar num
filme sobre a história contemporânea. Como para
263
entender os dias de hoje é preciso entender a histó-
ria como um todo, partimos para esta dupla pesqui-
sa/filmagem, em parceria com Ariel e Patrícia, que
resultou no Desterro Guarani, e o filme histórico da
Tava, que serão finalizados em 2012.
ERNESTO O trabalho de vídeo com os Guarani se de-
senvolveu de uma maneira bastante rápida. Em qua-
tro anos, da primeira oficina até o novo número da
série Cineastas Indígenas. Isso é representativo de
um desejo de visibilidade, da necessidade de ser ou-
vido, acumulado. Todos esses propósitos que o Ariel
está externando durantes essas entrevistas, um pou-
co como Ariel vê o filme. Esse é um trabalho de par-
ceria por excelência. É só por ele e Patrícia terem
comprado a ideia que o filme se torna viável, porque
os Guarani não falam em português, nem menos pra
desconhecidos, sobre esses assuntos.
ARIEL, EM DESTERRO GUARANI Os brancos chegaram
há muito tempo. E essas Tavas já são ruínas que se
confundem com a nossa história. Hoje a gente vem
até essa ruína para vender artesanato, já que não
temos terra para plantar e praticamente não exis-
tem matas. (…) O que quero entender nesse filme
é porque não temos terra se nós andávamos e habi-
távamos esse território antes dos brancos chegarem
e já que fomos nós que construímos essa Tava.
AUGUSTO, EM DESTERRO GUARANI Isso eu vou contar
bem para você. Os nossos antepassados sagrados vie-
ram do Paraguai, passando pela Argentina e pelo Bra-
sil. Eles eram iluminados. Eles alcançaram a terra sem
males, para isso vieram do Paraguai. Vieram cons-
truindo a ruína, a Tava. Eles esperaram meditando,
para alcançar a terra sem males. E continuam passan-
do nessa terra, e continuam construindo tavas.
ADOLFO, EM DESTERRO GUARANI Os que moravam nas
Tavas eram nossos avôs, os Mbya mesmo. Quem
construiu a Tava foram os nossos e os que nos
acompanhavam. Até os brancos ajudaram. Por isso
dizem que foi feito por eles (os jesuítas). Nossos
antepassados não se enganaram em nada. Os que
não queriam abandonar aquele lugar tinham medo
de ser perseguidos, então permaneceram lá e pare-
ciam estar rendidos. Mas não era assim. É nisso que
os brancos acreditaram, caíram nessa. Os índios
sabiam que estavam sendo enganados, era só para
dizer que eram aprendizes, como vocês na escola,
fingindo que prestam atenção.
ARIEL, EMDESTERRO GUARANI Uma igreja cheia de crian-
ças Guarani vestidas de branco cantando em louvor ao
Deus cristão. É isso que aparece nos livros de História.
Quando espanhóis e portugueses redividiram os seus
territórios, os Guarani resistiram à expulsão de suas
terras. Depois do Tratado de Madri, em 1750, milhares
de Guarani morreram no Rio Grande do Sul.
SANTIAGO, EM DESTERRO GUARANI Os brancos dizem:
matamos todos os Guarani. Foi para enganar a eles
que fingimos morrer todos. Mas, na verdade, eles só
mataram alguns a facada, a rifle. Porque só mata-
ram o corpo. E o corpo era pra ficar mesmo, por isso
se deixaram matar. Mesmo depois deles terem sido
mortos, os Nhanderú levaram os ossos. Porque a
alma deles era pura (…) Nhanderú, nosso pai, nos
fez com ossos sagrados.
ADOLFO, EM DESTERRO GUARANI Então os brancos ma-
taram nosso grande guerreiro Sepé Tiaraju e come-
moraram. Os espanhóis ficaram muito felizes, por-
que acharam que a terra não tinha mais dono.
Levaram toda a riqueza que tinha. Foi pela riqueza
que mataram. Mas o líder, nosso guia espiritual, foi
para a terra sem males.
ARIEL, EM DESTERRO GUARANI Depois da guerra, os
Guarani continuaram caminhando pela região, en-
quanto as fazendas foram se estabelecendo. E, de
repente, tudo estava tomado. Não havia mais lugar
para nós.
MARIANO, EM DESTERRO GUARANI Depois dos brancos
é que começamos a falar em “Brasil”. Nossos avós
não chamavam de Paraguai, Argentina, nem Brasil.
Só se referiam às terras entre os rios. Essa era a re-
Tiago mostra o rascunho de
Bicicletas, em processo de edição.
Foto Ernesto de Carvalho, 2010
Ariel, Ernesto, Patrícia e Germano,
visionam as filmagens de Desterro
Guarani. Foto Vincent Carelli, 2011
Augusto, Karaí da aldeia Canta Galo,
fala da sua trajetória.
Foto Vincent Carelli, 2011
O velho Adolfo, da aldeia Varginha, RS
ferência. Nós somos vistos como nômades. Mas só
estamos seguindo o jeito dos nossos avós.
IGNACIO KUNKEL, EM DESTERRO GUARANI Os Guarani
foram derrotados na guerra guaranítica e nunca
mais foram reconhecidos oficialmente como povo.
Inclusive a Funai considerava os Guarani extin-
tos, porque estavam dispersos (…) Era comum
atendermos uma aldeia em um determinado lugar
e no outro dia chegar lá e não tinha mais nin-
guém. E quando íamos verificar depois na sequên-
cia, a gente constatava que haviam represálias às
vezes por parte dos moradores próximos e era o
que bastava para que eles fugissem, amedronta-
dos. Era a resistência pela retirada.
ARIEL, EM DESTERRO GUARANI Passamos a ficar em
deslocamento constante pelos poucos espaços li-
vres nesse território. Além de invisíveis, nos tor-
namos estrangeiros numa terra que sempre habi-
tamos. Nós, Guarani, nunca dizemos que a terra é
nossa. Por isso que sempre caminhávamos e em
264

Santiago Franco, Karaia Yapuéa, presidente
da Comissão de Terras Guarani.
Mariano Aguirre, com uma réplica
das ruínas de São Miguel.
Fotos Vincent Carelli, 2011
265
alguns lugares ficávamos cinco, seis anos, depois
íamos para outro lugar. O lugar deixado continua
sendo uma aldeia e por isso acabamos voltando lá
algum dia. Para nossos avós, todo esse território
é uma grande aldeia. Hoje temos que usar docu-
mento para atravessar fronteiras que nós nunca
aceitamos.
ADOLFO, EM DESTERRO GUARANI Eu faço essa cami-
nhada. Tento ver alguma coisa, um sinal de Nhan-
derú. Eu quero ouvir as palavras dele.
ARIEL, EM DESTERRO GUARANI A imagem dos Guarani
na beira da estrada tornou-se uma coisa comum.
Crianças atropeladas, fome. Foi por isso que co-
meçamos a lutar pela demarcação das terras que
habitamos no passado. Mesmo sabendo que essa
terra pertence a Nhanderú. Um grupo de Mbya-
Guarani começou a procurar as áreas boas para
fazer aldeias no estado. Começamos a ocupar al-
guns espaços com a intenção de reivindicá-los
como nossos. Já que não podemos andar livre-
mente por todo o território, podemos pelo menos
andar entre as aldeias demarcadas.
ADOLFO, EM DESTERRO GUARANI Devemos seguir em
frente, mesmo nas piores condições, porque nós
temos Nhanderú a nosso favor.
VINCENT O desafio do filme Desterro Guarani é jun-
tar a questão da espiritualidade com a coisa mais
objetiva, que é a terra... E mais política. A exclu-
são dos Guarani se dá a partir de um desenten-
dimento total, onde não há diálogo possível
entre dois mundos que falam línguas diversas.
ERNESTO Desde o Duas aldeias, uma caminhada eu
sinto esse fosso de incompreensão, e penso no filme
como peça de entendimento.
ARIEL O trabalho com o vídeo vai se aprofundando.
Eu estou sabendo que isso vai ser muito importan-
te pro meu povo. Hoje eu me assustei quando eu vi
as crianças ali, brincando. “Caramba, quantas
crianças!” Tudo é pra eles. Não é pra mim. Cada vez
mais a gente vai descobrindo coisas, e a importân-
cia delas.
ERNESTO Quando você fala “Não é pra mim”, você está
traduzindo aquela expressão Guarani que as pessoas
falam quando vocês vão agradecer de modo especial
alguma coisa não é?
ARIEL Isso. Korupi Guara˜i ko (não é pra mim), Hae-
veté (obrigado)- Korupi Guaraiko. É isso. Esse traba-
lho Kovaeté Mbya Po Korupi Guaraiko. Não é pra mim,
não é para esse plano.
ERNESTO Você acha então que o trabalho com vídeo
não é pra esse plano?
ARIEL Porque existe outro plano. Existe um plano que
não tem nome. Nem plano geral, nem plano fechado.
É um plano sem plano.
ERNESTO Nem contra-plano!
ARIEL Nem contra-plano. Lá nesse plano nem existe
contra-luz... Q
Projeção de Bicicletas na aldeia
da Lomba do Pinheiro.
Foto Ernesto de Carvalho, 2011
266
 Fotbjpt!Ds“ujdpt

“Prezado senhor, o DVD que você me emprestou (O amendoim da cutia, de Komoi

e Paturi Panará, 2006) é de longe o melhor filme que eu tenha visto sobre os índios
da América do Sul. Tudo é um sucesso: a escolha dos temas, dos lugares,
dos enquadramentos; e a qualidade das imagens é sensacional.
Temos constantemente a sensação de sermos autorizados a ver a vida indígena
por dentro. Os autores têm de ser felicitados, e o senhor também pela sua
participação nesta realização. A cura chamânica é um trecho antológico.”

Paris, 20 de Novembro de 2006

CLAUDE LÉVI-STRAUSS

267 268
Vídeo nas aldeias, o documentário e a alteridade
JEAN-CLAUDE BERNARDET
Crítico de cinema e roteirista, Abril 2004
Em “Um dia na aldeia”, um homem pesca uma traíra. A câmera mostra o peixe
dentro da água, a lança o atinge, a câmera segue o movimento do pescador que
traz a presa para a margem.
Num outro plano, um menino caça um gafanhoto. Ele está num barco, a
câmera também. Delicadamente ele aproxima o barco da margem, deposita o
remo, estica o braço em direção ao inseto, o pega, volta à sua posição inicial
e mostra a presa. A câmera acompanha os movimentos do menino, corrige em
direção ao gafanhoto e volta à sua posição.
Vistos no quadro do seminário Formação do Olhar de 2003 em São Paulo,
estes planos me encantaram. O que eles têm de tão especial? Há uma relação
íntima entre a câmera e a pessoa filmada. A câmera tem que seguir os movimen-
tos do menino, ela também tem que se movimentar delicadamente para não
afugentar o gafanhoto, tem que seguir o movimento do pescador que retira a
traíra do igarapé. Essa observação atenciosa dos gestos das pessoas, esse res-
peito à situação em que elas se encontram é algo que me parece ter sumido
totalmente, ou quase, do cinema documentário brasileiro. Este, grandemente
dominado pelo método de entrevista, tende a se limitar a colocar a câmera
diante da pessoa que fala em resposta a perguntas feitas por um entrevistador.
Dessa forma privilegia-se a fala motivada pela filmagem e descartam- se quase
que automaticamente as situações que não se enquadram no sistema de entre-
vista, ou seja, as pessoas no seu cotidiano. E a câmera, posicionada diante do
falante, não tem que ficar atenta aos seus gestos, já que o que importa é sua
fala. Ao contrário, uma observação afetuosa e cuidadosa marca todos os filmes
produzidos por Vídeo nas Aldeias. Temos muito que aprender com eles.
Essa observação atenta das pessoas em suas situações corriqueiras não ex-
clui a fala. Um registro de fala, que quase sumiu do nosso documentário atual,
é aquele em que as pessoas filmadas falam entre si. Mas estes filmes não ex-
cluem a fala dirigida à câmera, ao contrário. Frequentemente as pessoas co-
269
mentam o que estão fazendo, um menino explica como costuma matar os pei-
xes pescados, uma mulher, como e por que trança uma determinada esteira.
Qual é o interlocutor dessa fala dirigida à câmera? Os filmes produzidos por Ví-
deo nas Aldeias circulam entre as aldeias e os interlocutores são moradores de
outras aldeias. O viajante que chega a um lugar que não aquele onde mora e
toma conhecimento de como é a vida neste lugar, e que ao mesmo tempo conta
como é a vida na sua aldeia, agora, além da sua fala, pode se valer do vídeo, que
funciona como um canal de troca de informações e também de sentimentos.
Num filme, um Xavante recebe cinegrafistas de outra aldeia: “Sabíamos que
vocês viriam filmar, por isso ficamos felizes, sejam bem-vindos”. O vídeo como
carta. Esse caráter missivista do vídeo é assumido claramente em “Das crianças
Ikpeng para o mundo”, sendo que o mundo começa nas outras aldeias: as crian-
ças se deixam filmar para mostrar a outras crianças como vivem. Carta pede
resposta. As crianças deste filme pedem explicitamente que as crianças que
virem este vídeo lhes respondam informando-as sobre sua vida.
A fala, mesmo quando dirigida à câmera, nunca é explicativa ou analítica, ela
é sobretudo descritiva. Mesmo em filmes que apresentam rituais, como “Inicia-
ção do jovem Xavante” ou “O poder do sonho”, os índios descrevem as práticas
e as várias fases das cerimônias, e quando explicam será conforme o seu imagi-
nário. Nestes filmes o discurso antropológico ou etnográfico não tem lugar.
As imagens, os enquadramentos, os movimentos de câmera indicam que os
jovens que participam das oficinas estão sendo treinados para aprender e
utilizar uma linguagem. Não basta ligar a câmera diante de alguma coisa.
Importa o tamanho do plano mais aberto ou mais fechado, importa o ângulo.
Uma questão que sempre se coloca nas oficinas que iniciam jovens à lingua-
gem audiovisual é a montagem. De fato, passar da gravação das imagens à sua
edição, implica passar para um equipamento mais sofisticado, de manejo mais
complexo. Nunca se sabe muito bem qual é a participação dos monitores na
edição. Vídeo nas Aldeias tem uma posição clara a este respeito. A edição de
alguns vídeos é explicitamente assinada por um monitor, em outros casos, o
nome do monitor é associado ao de participantes das oficinas. Neste sentido
um plano de “No tempo das chuvas” é importante, por mostrar uma sessão de
edição em que um jovem está aprendendo a usar o teclado de um computador
sob a orientação de uma monitora, que lhe diz que foi escolhido o início de
determinado plano, mas que agora ele tem que decidir em que ponto termina-
rá este plano. Os monitores de Vídeo nas Aldeias não assumem uma posição
ingênua, conforme a qual bastaria colocar uma câmera nas mãos de alguém
para que consiga retratar a sua vida, é necessário aprender a usar o equipamen-
to e conhecer a linguagem. “Iniciação do jovem Xavante” explicita a postura
assumida quando fala de “formação de documentaristas indígenas”.
Esses filmes se inscrevem na temática do “outro”. O “outro” é uma preocupa-
ção recorrente no cinema documentário das últimas décadas, desde o cinema
direto e o cinema verdade. O “outro” filmado, o “outro” se filmando. Sempre tive
a convicção de que este “outro” no documentário e em geral nas filosofias da
alteridade não passava da falsa solução de um problema mal equacionado. O
“outro” é sempre designado por um sujeito, que, para fazer uso desse pronome,
tem que se afirmar como sujeito, como lugar da fala, como lugar de onde parte a
visão. Ora, a afirmação desse sujeito como centro é a própria negação do “outro”,
do reconhecimento da sua existência, porque o nega como lugar de onde possam
partir a fala e a visão. Acredito que a filosofia da alteridade só começa quando o
sujeito que emprega a palavra “outro” aceita ser ele mesmo um “outro” se o
centro se deslocar, aceita ser um “outro” para o “outro”. Como sabemos, o traba-
lho das oficinas do Vídeo nas Aldeias prevê que os vídeos circulem em diversas
aldeias e que membros de uma aldeia filmem em outras. “Iniciação do jovem
Xavante” descreve a festa da furação de orelha na aldeia Sangradouro, filmada
por cinegrafistas desta aldeia bem como por cinegrafistas convidados da aldeia
Pimentel Barbosa. Um cinegrafista de Sangradouro explica a necessidade dessa
filmagem com a seguinte frase dita em português: “Tem que mostrar a cultura de
outro para outro, para ele reconhecer como que é a festa dele, como que é a cul-
tura, a língua... né?”. Uma tal afirmação – mostrar a cultura de outro para outro
– implica que o cinegrafista Winti Suyá não só vê Pimentel Barbosa a partir do
centro que é Sangradouro, onde se realiza a festa e será feita a filmagem, como,
simultaneamente, vê a si mesmo e à sua aldeia como “outro” a partir do centro
que é Pimentel Barbosa. Isso é realmente uma filosofia da alteridade. Q
Corumbiara
Publicado em jcbernardet.blog.uol.com.br, em 18/01/2010
Corumbiara de Vincent Carelli é um filme militante. Hoje em dia, até parece
palavrão. Ele foi feito para denunciar um massacre de índios ocorrido em me-
ados dos anos 1980. Ele apresenta indícios, vestígios que possam comprovar
o massacre. Ele se compõe de materiais filmados no decorrer de vinte anos, é
um projeto que Carelli perseguiu durante 20 anos, é um projeto de vida. Du-
rante essas duas décadas foram flagradas situações e momentos extraordiná-
rios. Cito alguns: o encontro com dois sobreviventes, a busca dos sobreviven-
tes por outros sobreviventes, o confronto com fazendeiros (câmera oculta),
intervenções da Polícia Federal, a descoberta dos “buracos” cavados na terra
servindo de esconderijo, a descoberta do índio solitário traumatizado que não
suporta a aproximação de brancos. Estes não são fatos relatados, mas momen-
tos preciosos e únicos que a câmera conseguiu captar.
Embora com preocupações alheias às que motivaram grandes filmes brasi-
leiros recentes (como Serras da Desordem, Santiago, Jogo de Cena, Pan-Cine-
ma Permanente), ele entra no coro das obras que discutem o relato de vida, a
palavra, a história, a representação, a narração etc. Só que ele entra por uma
via inesperada no quadro da filmografia citada.
Já que não se conseguiu reunir provas que atestem o massacre, pois as provas
foram destruídas, já que não há como incriminar os culpados e levá-los aos tri-
bunais, o que se impõe é contar a história. Contar a história e torná-la pública
com veemência substitui uma ação concreta e necessária mas impossível nas
atuais condições sociais e políticas. “Combiara” não testemunha, mas age. Con-
tar a história é uma ação que denuncia o massacre à sociedade. Contar é agir.
A questão da imagem, do narrar a história está visceralmente integrada a
este filme militante. Basta relatar o seguinte episódio:
A aproximação do índio solitário refratário a qualquer contato com brancos
é feita por duas pessoas: um indigenista conhecido como Alemão, e o próprio
cineasta Vincent Carelli. O índio flecha. Isto a câmera flagrou. Carelli Q
26:
No registro da cultura
CARLOS FAUSTO
Rondon distribui brindes a índios xinguanos durante sua visita
ao Posto Indígena Simões Lopes em agosto de 1930.
Acervo Museu do Índios, Funai – Brasil
1. Nesse mesmo momento, Bruna Franchetto começava a dis-
cutir o projeto de documentação linguística que se iniciaria no
ano seguinte como parte do Programa Dobes, Max-Plank Insti-
tute, para línguas em perigo.
271
Há pouco mais de dez anos, fui convidado a visitar a aldeia Kuikuro no Parque
Indígena do Xingu. Em uma breve viagem de duas semanas, na companhia de
Bruna Franchetto, tive a oportunidade de assistir a um ritual “tradicional” de
clarinetas e a um kwaryp mediático, na aldeia Kamayurá, em homenagem a
Claudio Villas-Boas, com direito a TVs, jornalistas, políticos, funcionários de
governo e convidados diversos. Aeronaves subiam e desciam, enquanto o
grande búfalo da força aérea brasileira aguardava o final da festa para retornar
a sua base. Para quem, como eu, havia trabalhado antes em uma área isolada
da floresta amazônica, onde o único transporte era um barco da Funai que re-
alizava uma viagem mensal, a impressão era a de estar em um movimentado
aeroporto internacional. Aproveitei a carona. Subi no búfalo e parti.
Dois anos depois, em julho de 2000, já com recursos de pesquisa, desem-
barquei na aldeia Kuikuro de Ipatse, com um projeto próprio na cabeça. Neste
meio tempo, contudo, os Kuikuro, já tinham elaborado um outro projeto para
mim: queriam que eu documentasse todos os seus rituais para, como me dis-
seram na ocasião, “guardar nossa cultura” (tisügühütu ongitelü)1. O foco re-
caía especialmente sobre os cantos. Há, no Alto Xingu, uma quinzena de ritu-
ais, cuja execução depende do conhecimento de músicas vocais e instrumentais.
Alguns conjuntos musicais são tão extensos, que se levam décadas para apren-
dê-los. Este saber musical é prerrogativa dos “mestres de canto” (eginhoto) e
sua transmissão se faz mediante pagamentos substantivos em bens de luxo
nativos e, hoje, também em mercadorias.
A percepção dos mais velhos era, então, a de que os jovens não tinham mais
interesse em aprender os cantos e, caso estes não fossem gravados, estariam
fadados ao esquecimento. De fato, dois rituais já haviam desaparecido e, hoje,
alguns povos xinguanos já não mais possuem, como dizem os Kuikuro, “todos
os seus cantos verdadeiros”. A imagem da perda, àquela altura, cristalizara-se
na figura dos Bakairi. Os Bakairi são um povo de língua karib que fez parte do
sistema xinguano até ser atraído para fora do complexo regional pelo Serviço
de Proteção aos Índios (SPI), no início do século XX.
Até a chegada dos Villas Boas, na década de 1940, os Xinguanos empreendiam
longas viagens para conseguir ferramentas no Posto Simões Lopes do SPI, que
servira à atração dos Bakairi. Contudo, o fato de eles viverem com os kagaiha, os
não-indígenas, não parece ter excitado a imaginação xinguana. Os Bakairi não
chegaram a representar uma imagem reguladora do futuro. Embora alguns pou-
cos indivíduos tenham lá vivido por certo tempo, virar “índio do SPI” não parece
ter sido uma possibilidade seriamente vislumbrada pelos Xinguanos. Ademais,
nos anos 1940, com chegada da expedição Roncador-Xingu, o Posto dos Bakairi
deixou de ter importância estratégica, pois uma fonte mais direta de mercadorias
logo se instalaria na região com a presença dos irmãos Villas Boas.
Cinquenta anos depois, os Kuikuro decidiram visitar os Bakairi novamente,
refazendo a viagem por terra e de ônibus. A visita ocorreu uns bons dez anos
antes de minha primeira viagem de pesquisa, mas ela ainda produzia efeitos
contundentes na autopercepção Kuikuro quando lá cheguei. Lembro-me do
chefe Afukaká fazendo discursos na praça, referindo-se ao que, jocosamente,
chamei de processo de “bakairização” que se abatia sobre eles (vivíamos então
a “balkanização” da Europa). Os adultos admoestavam os jovens dizendo-lhes
que o seu destino era tornarem-se “Bakairi”. Naquela época, a culpa sempre
recaía sobre os jovens “que têm vergonha de ficar pelado”, “que não querem
mais dançar”, “que só pensam em namorar” e assim por diante. Da viagem, a
lembrança mais vívida que guardavam era a de uma velha senhora bakairi, que
teria caído em prantos ao ouvi-los dançar Tauarauanã, um ritual que ainda
hoje é realizado no Xingu, exatamente como descrito por von den Steinen em
1887, mas esquecido pelo Bakairi.
Nos anos 1990, portanto, os Bakairi haviam passado a representar um des-
tino indesejado para os Kuikuro, que se diziam particularmente inconformados
com o fato de eles terem perdidos os seus cantos. “Virar Bakairi” significava
não apenas perder algo, como também estar aprisionado em um limbo: nem
ser verdadeiramente kagaiha (pois continuavam pobres), nem ser inteiramen-
te índios (pois não tinham mais “cultura”). Aos olhos Kuikuro, os Bakairi ha-
viam perdido seus cantos e suas festas, sem que passassem a dominar a tecno-
logia e o dinheiro. Em suma, para usar uma expressão corrente no português
falado na aldeia, tinham virado “peão”.
Carlos Fausto, Aritana Yawalapiti e Afukaká Kuikuro tomam café em
Nova Iorque. Foto Sandra Wellington, 2000
No ano 2000, tomei café da manhã com o chefe Afukaká em um local impro-
vável: Nova Iorque. Eu estava a caminho de uma conferência e ele retornava
de uma série de visitas a reservas indígenas no Canadá e nos Estados Unidos.
Como resultado dessa viagem, uma nova imagem de futuro ganhou proemi-
nência: o imenso e luxuoso cassino dos Pequot, um povo indígena da Nova
Inglaterra. O imponente resort – com cassino, museu, spa, campo de golfe e
empregados não-indígenas – era a imagem de uma verdadeira transformação
sociocósmica: os Pequot tinham adquirido domínio sobre uma tecnologia da
qual os índios haviam sido privados, conforme a mitologia, na origem dos
tempos. O cassino expressava também o controle sobre o dinheiro, cuja prin-
cipal característica – a de converter-se em qualquer objeto ou serviço – os
Kuikuro logo compreenderam por homologia ao sistema nativo, que prevê
pagamentos por bens e serviços utilizando, inclusive, certos padrões de medi-
da, como colares e cintos de caramujo.
A imagem pequot do domínio do dinheiro e da tecnologia, contudo, vinha
acompanhada, assim como no caso Bakairi, do espectro da “perda da cultura”. O
chefe Afukaká retornou da viagem com a sensação de que deveria fazer uma esco-
lha. Criado em um mundo no qual os cantos eram de vital importância, Afukaká
angustiava-se com a possibilidade de eles deixarem de existir. Mas se a perda era
inevitável, não seria melhor tornar-se “branco” de vez? Ele convocou, então, uma
reunião na praça e decretou o fim da educação bilíngue, pois deveriam aprender
272

Afukaká e Aritana observam o símbolo Pequot, the fox
people. Acervo Afukaká Kuikuro, 2000
português para valer, deveriam estudar em universidades, deveriam buscar acesso
àquilo que é o segredo dos brancos e, assim, quem sabe, “virar Pequot”.
Os professores indígenas, formados no modelo da “educação escolar dife-
renciada, específica, intercultural e bilíngue”, conforme as Diretrizes do Mi-
nistério da Educação (1994), contrapuseram-se a essa ideia, argumentando
em favor de uma via intermédia. Afinal, se os Pequot não tinham mais “cultu-
ra”, eles, Kuikuro, ainda estavam “segurando” (ihetagü) a deles. Se os Pequot,
depois de terem perdido língua e cultura, haviam construído um museu moder-
no e um centro de pesquisa, quem sabe eles não poderiam fazer o mesmo,
antes mesmo de perder a cultura.
O museu e as transformações que poderiam levar a inversão da assimetria
brancos e índios ficaram associados na visão do chefe Afukaká. E eu como su-
jeito (no duplo sentido, de agente e de vassalo), vi-me assim enredado no ato
de “guardar a cultura” Kuikuro. De início, a expressão tinha significado literal:
eu deveria gravar e guardar tudo em minha casa, pois quem sabe um dia, disse-
me Afukaká, “meu neto – ou meu bisneto – vai se interessar novamente e
buscará as fitas com você”. Logo respondi que isto não daria certo, pois, pri-
meiro, me acusariam de ter “roubado a cultura” Kuikuro (uma acusação tão
simplista quanto eficiente nos dias atuais), segundo porque, tendo família e
emprego, não poderia passar tanto tempo na aldeia, e, finalmente, porque era
273
preciso envolver os jovens nesse trabalho. Dessa conversa nasceria, em 2002,
a Associação Kuikuro do Alto Xingu, responsável legal pela execução dos pro-
jetos de documentação cultural, assim como o Coletivo Kuikuro de Cinema
responsável pela gravação dos cantos e das festas – e, é claro, pela realização
dos filmes O dia em que a lua menstruou (2004) e Cheiro de pequi (2006), em
parceria com o Vídeo nas Aldeias, que são a face mais conhecida do projeto.
O cheiro dos brancos
A relação reflexiva com a própria “tradição” é normalmente vista como um
sinal de ruptura: ela só apareceria ali onde as convenções deixam de ser taken
for granted e escolhas passam a se colocar diante dos indivíduos e coletivida-
des. Como dizia Eric Weil, “pelo simples fato de decidirmos seguir as tradições
de nossos pais, estamos sendo inféis a elas” (1971:13). É preciso ocorrer, pois,
uma fratura prévia, que faz com que a tradição seja vista de fora e, assim,
“representada como ‘cultura’ e esteticizada” (Babadzan 2000:135).
Como essa fratura vem se dando entre os Kuikuro? E o que eles estão dizen-
do quando falam em “cultura”? Vimos que, no início dos anos 2000, os mais
velhos costumavam atribuir aos jovens a responsabilidade pela perda da “cul-
tura”. As mudanças que vinham ocorrendo eram então estabilizadas na forma
de um conflito geracional: os jovens não queriam mais saber daquilo que fize-
ra a grandeza e o prestígio de seus pais. E eram admoestados por isso. Suspei-
to, contudo, que isto sempre tenha sido assim: um passado idealizado sempre
serviu aos Kuikuro como método pedagógico para criar uma imagem de futuro
aos jovens.
Este modelo de conflito intergeracional, contudo, logo deixaria de ser he-
gemônico na compreensão do que estava acontecendo. A agência dos jovens
deixou o primeiro plano, substituída pelo poder de sedução do mundo dos
brancos. Uma das razões que explicam essa mudança é o início do contrato com
um centro de lazer no estado de São Paulo, a cerca de 70 km da capital, onde
os Kuikuro passaram a realizar espetáculos durante todo o mês de abril a partir
do ano 2000. O contrato ampliou o leque de pessoas com acesso ao mundo fora
do Parque Indígena, com efeitos significativos sobre o aprendizado do portu-
guês e dos “costumes dos brancos” (kagaihá ügühütu). Velhos, mulheres e
crianças que conheciam muito pouco do mundo fora dos limites do Parque,
passaram a ter experiências efetivas daquilo que os homens adultos lhes nar-
ravam ao retornar de suas viagens. Além disso, todos os que viajavam, passa-
ram a poder ganhar seu próprio dinheiro e comprar mercadorias.
Como isso, assistiu-se a uma proliferação de objetos não-indígenas, antes
concentrados em algumas poucas casas. Em 1998, havia uma única TV, hoje há
cerca de dez; os sistemas de som, que estiveram em moda há alguns anos, já
foram substituídos por DVDs e tocadores de MP3; de algumas poucas bicicletas
passou-se a uma centena, além de motos. Veículos coletivos também foram
adquiridos: um trator, um caminhão, uma pickup, barcos de alumínio, meia
dúzia de motores de popa. Isso sem falar de objetos de uso mais pessoal como
roupas e miçangas. A entrada massiva de TVs teve um forte impacto, pois trouxe
um novo universo de imagens diretamente para dentro das casas. De início, elas
eram monopolizadas pelos chefes e via-se quase exclusivamente notíciários e
jogos de futebol, mas ao se generalizarem, o público e a programação ampliou-
se, não sendo incomum hoje ver uma casa lotada de crianças assistindo a “ses-
são da tarde” ou algum desenho animado. A internet debutou na aldeia em
2007, junto com a inauguração do centro de documentação que lá construímos.
Hoje, alguns jovens já têm seus notebooks pessoais e muitos deles utilizam
quase diariamente Facebook, Messenger, Webmail, Skype. Desde a fundação da
Associação Indígena Kuikuro do Alto Xingu, vários projetos culturais foram
aprovados sob minha coordenação, sendo que a “lógica do projeto” passou a
reger a vida de parte dos jovens e informar aquela dos mais velhos.
Na última década, multiplicou-se o número de assalariados: professores,
agentes de saúde, agentes de saúde bucal, agentes ambientais, auxiliares de
serviços gerais e assim por diante. Assalariar-se tornou-se um dos objetivos
perseguidos por muitos jovens, que se dedicam diariamente, na escola da al-
deia, ao aprendizado da leitura e da escrita, restando-lhes pouco tempo para
atividades que antes lhes conferiam respeitabilidade. A própria reclusão mas-
culina cai pouco a pouco em desuso: sua duração e rigor diminuíram e, hoje,
frequentar a escola é parte das atividades do recluso. As mudanças são menos
visíveis entre as mulheres, que continuam a respeitar a longa reclusão pós-
menarca. Mas elas também participam ativamente das mudanças e, por vezes,
forçam a aceitação de novas práticas.
Hoje é comum dizer de alguém que não conhece o “costume dos brancos”
(kagaiha ügühütu) que ele é um ngiholo, um antepassado. O comentário não é
necessariamente negativo. Em certos contextos, é um elogio, indicando que a
pessoa mantém um corpo forte e resistente, não sente frio, acorda cedo. Em
outros contextos, é um comentário crítico ou jocoso para indicar que a pessoa
nada entende dos novos tempos: não gosta de roupa, não compreende o por-
tuguês, não sabe andar na cidade e assim por diante. O ngiholo representa um
tempo passado em dessincronia com o presente. Ele é valorizado quando se
trata de afirmar a importância do “costume Kuikuro”, mas é também um índice
da inadaptação desse mesmo costume aos novos tempos.
A percepção dessa dessincronia vem se generalizando. Hoje, os jovens apa-
recem menos como agentes da mudança e mais como presas felizes do poder
de sedução dos objetos e da tecnologia não-indígena, que a todos afeta. A
frase que melhor expressa esse sentimento foi dita por Jakalu ao entregar, para
o chefe Afukaká, as gravações que fizemos do conjunto de músicas de flautas
sagradas – cena presente no documentário O manejo da câmera (2007). Após
o discurso do chefe, direcionado para os mais jovens, em que dizia que “aquilo
eram as nossas coisas”, que ele as estava “guardando” (ongitelü) para as futu-
ras gerações, Jakalu respondeu utilizando a oratória autoderrogatória típica
dos chefes e cantores: “aqui está o pouco que nosso pai me ensinou e que eu
gravei”. E então questionou: “será que os nossos irmãos irão, em troca, apren-
der? Não sei, vamos ver. Deste modo (nas fitas gravadas), as nossas coisas irão
permanecer. O cheiro dos brancos é muito forte. Os nossos irmãos, os nossos
filhos nada aprendem, eles já viraram brancos”.
Jakalu mobiliza uma lógica nativa das sensações: se seus filhos viraram
brancos é porque “o cheiro do branco é muito forte” (kagaihá gikegü inhahe-
tungui). Na Amazônia indígena, o odor é mais do que uma qualidade física
apreendida pelo olfato: ele é um veículo de qualidades de outrem que penetra
e transforma o corpo de alguém. Essa noção de uma agência difusa, eficaz à
distância e independente da intenção dos agentes, é hoje mobilizada pelos
Kuikuro para falar das transformações por que passam. O “grande cerco da paz”
rondoniano finalmente fechou-se sobre eles na forma do encantamento pela
imagem e pela tecnologia.
Os “brancos” são usualmente designados kagaiha, corruptela do termo tupi
karaíba. Porém, no passado (e por vezes ainda hoje), empregava-se o termo
itseke, que poderíamos traduzir por “espíritos”. Os não-indígenas foram equa-
cionados aos seres poderosos, elusivos e agressivos que povoam o universo
Kuikuro, pois surgiam de surpresa, causando grandes estragos com suas espa-
274
das afiadas e espingardas ruidosas. Até hoje, a tecnologia é um índice impor-
tante dessa itseke-idade dos brancos. Diante de um aparato cujo princípio de
produção é inapreensível, os Kuikuro costumam afirmar itseke engü higei, ‘isto
é coisa de itseke’ – e nada se encaixa tão claramente nesta categoria como as
câmeras e os computadores que captam imagens em sequência e as transfor-
mam continuamente.
Entende-se por que o casino pequot apareceu a Afukaká como uma imagem
reguladora de um futuro desejável: ainda que não sejam os índios que estejam
produzindo os objetos, eles passaram a extraí-los, por meio do dinheiro, daque-
les que o produzem e, desta forma, passaram a controlar a sua magia. Mas o
preço a pagar por este controle seria, necessariamente, a perda da “cultura”?
A cultura em movimento
Não é incomum ouvir um Xinguano dizer, em bom português, que, no Brasil, só
eles estão “segurando a cultura”, pois os outros índios, “coitadinhos”, já per-
deram a deles. Esta imagem de índios verdadeiramente autênticos dotados de
uma “supercultura” foi vastamente veiculada no processo de criação do Parque
Indígena do Xingu e povoou desde então o imaginário nacional. É este o espe-
lho que, ainda hoje, as pessoas lhes oferecem em suas viagens e espetáculos
pelo Brasil. Mas esta é também a imagem que eles próprios construíram para
si mesmos na relação com outros povos indígenas, tanto dentro do Parque
(com os chamados povos do “baixo”), quanto fora dele (nas inúmeras ocasiões
em que participam de reuniões políticas ou jogos esportivos interíndigenas).
Os Xinguanos têm, definitivamente, um olhar altivo e orgulhoso sobre sua
própria tradição.
Mas o que eles identificam como sendo esta tradição ou a que se referem
quando empregam, em português, a palavra “cultura”? Todas essas noções
que utilizei até aqui – “costume”, “tradição”, “cultura” – são traduções de
um único termo Kuikuro: ügühütu. Trata-se de um vocábulo extremamente
produtivo, que se ouve recorrentemente, designando “modos de ser” nos
mais diversos contextos. Assim, por exemplo, kagaiha ügühütu é “o costume
dos brancos”, assim como o dos Xinguanos é kuge ügühütu ou tisügühütu. O
termo pode ser usado para se referir aos hábitos de um animal, mas também
ao modo de utilizar-se um objeto, como na expressão kahehijü ügühütu, “o
costume da câmera” (i.e., o modo de operá-la) – expressão, aliás, que deu
275
origem ao título do documentário O manejo da câmera. Tudo tem seu “modo
de ser” e boa parte do conhecimento que se pode adquirir sobre o mundo
consiste em saber o ügühütu dos entes que nos rodeiam: pessoas, animais,
espíritos, objetos.
O que me interessa aqui é a hiperprodutividade da categoria ügühütu, que
os Kuikuro tendem, hoje, a traduzir por “cultura”. Ele não é um termo pidgin
como ocorre com o kastom, corruptela do inglês costum, tão utilizado pelos
povos da Oceania; tampouco é um termo indígena retirado de seu contexto
original e deslocado para significar, em uma nova situação interétnica, uma
relação objetivada com a própria tradição. Para muitos autores, as circuns-
tâncias nas quais um povo indígena assume um ponto de vista externo sobre
si mesmo, de modo a ver a sua própria cultura como “uma coisa” à qual podem
aderir ou rejeitar, são essencialmente aquelas da “invasão colonial”. A reifi-
cação da tradição seria um modo de elaboração da diferença interétnica,
funcionando como instrumento ora de resistência, ora de aceitação da situa-
ção colonial. No caso xinguano, contudo, não creio que a demarcação cons-
tante de “modos de ser” seja recente. Antes, ela evocaria a própria história
indígena xinguana, implicada secularmente com a produção de uma cultura
comum, a partir de um conjunto diverso de povos, línguas e costumes. A
produtividade da categoria ügühütu seria, assim, fruto da objetivação de
Agauá e Jamaluí trabalham em transcrição e tradução de narrativas no
Centro de Documentação da aldeia Kuikuro. Foto Vincent Carelli, 2010
“diferenças culturais” em um contexto de longa negociação interindígena
(e portanto apenas marginalmente colonial).
O que chamamos de sistema ou constelação xinguana é o resultado de um
amálgama de povos e culturas diversas, que se reuniram, ao longo do último
milênio, na região dos formadores do rio Xingu. De uma perspectiva de longo
prazo, estamos diante de mil anos de transformação: a questão é saber, pois,
em que medida o que ocorre hoje é diverso do que ocorreu no passado. Afinal,
não estaríamos frente ao mesmo processo pelo qual a cultura dos ancestrais
dos Kuikuro se transformou há 400 ou 500 anos atrás ou a dos Kamayurá, há
200? Qual a diferença entre a negociação interíndigena que ocorreu na região
nos últimos séculos e aquela que ocorre hoje entre dois sistemas tão distintos
como o “nosso” e o “deles”? Estaríamos frente a um turning point irreversível
no qual os fundamentos da modernidade – mercantilização e racionalismo –
estariam por solapar “the old ways” para usar a expressão de Hobsbawn
(1983:8)?
Da perspectiva Kuikuro, contudo, o problema não é propriamente o do
abandono de “crenças” (como o seria de uma perspectiva modernista), nem
tampouco o da mercantilização das relações interpessoais (algo que ainda
parece distante no horizonte). Aos olhos dos mais velhos, trata-se de saber o
que devem reter para garantir a permanência daquilo que identificam como o
núcleo da reprodução social xinguana, sem o quê, eles, definitivamente, per-
deriam a possibilidade de recriar um modo de vida xinguano. Quanta continui-
dade é possível no novo contexto de transformação? Como mudar de modo a
garantir maior acesso aos bens e serviços não-indígenas e, ao mesmo tempo,
assegurar a maior permanência possível do ügühütu Kuikuro? A pergunta é,
pois, seletiva: o que, em última instância, representa seu ügühütu? O que não
pode ser esquecido?
Aos olhos dos mais jovens, a questão me parece se tornar cada vez mais
radical, pois implica não apenas perguntar como devemos ou queremos viver,
se podemos ou não viver de outro modo, mas também como eu quero viver. Os
caminhos individuais no interior do processo de transformação tornam-se um
componente importante na equação, levando ao surgimento de novos perso-
nagens: não apenas novos líderes políticos e mediadores, mas pessoas – cine-
astas e universitários – que começam a se perguntar se é àquele mundo que
querem pertencer e em que medida.
Virando branco, virando índio
Se o mundo xinguano é uma mistura secular de continuidade e transformação,
qual a especificidade das transformações contemporâneas? De uma perspecti-
va de longa duração, não deveríamos ver essas transformações como resultado
de uma mesma lógica indígena de apropriação do exterior, apenas que, agora,
os outros somos nós mesmos? Já há algumas décadas, uma literatura de inspi-
ração estruturalista tem enfatizado o caráter constitutivo da alteridade na
produção da socialidade ameríndia, uma ideia que ficou consagrada no célebre
mote lévi-straussiano da “abertura ao outro” (Lévi-Strauss 1991). Desta pers-
pectiva, os não-indígenas seriam mais uma figura da alteridade em meio a
tantas outras que a precederam cronologicamente. Vários autores mostraram,
com sucesso, que os estudos das “relações interétnicas” poderiam ganhar em
densidade e sofisticação se contemplassem uma lógica indígena para pensar e
relacionar-se com a alteridade. Compreender as mudanças socioculturais con-
temporâneas seria, assim, antes uma questão de investigar as formas indíge-
nas de produzir a transformação, do que de estudar a historicidade específica
da situação de contato ou a estrutura do processo sociopolítico mais amplo em
que as sociedades indígenas estão inseridas.
Mudanças na tradição não costumam ser pensadas pelos índios sob a forma
da inovação, mas sim da apropriação exógena, resultado da interação criativa
com estrangeiros (humanos ou não-humanos) por meio do sonho, do transe,
da guerra ou da troca. Se a inovação da tradição é o resultado de uma apropria-
ção do exterior, o mecanismo de apropriação é mimético: no ato mesmo de
apropriar-se da alteridade, acaba-se por mimetizar o outro. Isto só nos resta
evidente quando o outro somos nós, pois vemo-nos invadidos por uma sensa-
ção de inautenticidade. É o que ocorre, por exemplo, quando presenciamos
rituais como uma festa kayapó do 7 de setembro, um culto protestante wari’
ou ritos escolares bakairi.
Assim, se adotarmos como premissas da análise que a transformação é parte
estrutural da reprodução social, que a “abertura ao outro” implica constante
apropriação da alteridade e que a inovação é concebida como alopoiética, so-
mos obrigados a constatar que a atitude mais tradicional que se poderia esperar
dos Kuikuro hoje é... que continuem a “virar brancos” (Kelly 2005). Deste modo
estariam agindo em acordo com a lógica anti-identitária e alterante que, para
muito antropólogos, caracteriza a camada mais profunda da vida indígena.
276

Da perspectiva Kuikuro, contudo, ser “tradicional” neste sentido envolve
dilemas e angústias igualmente profundas. Afinal, quais as consequências de
mimetizar-capturar um outro não-indígena? O receio dos Kuikuro é o de que,
no ato de apropriação do universo não-indígena, eles se tornem inteiramente
outros, invertendo a perspectiva e a direcionalidade do processo de apropria-
ção: começaram apropriando-se e acabarão apropriados, deixando de lado o
que lhes era próprio. Este risco, como sabemos, é o mesmo que vários povos da
região correram no momento de sua inclusão no (e produção do) complexo
multiétnico xinguano. Só que, agora, temem justamente transformar-se em
vão: em vez de “virar branco”, virar apenas “peão”.
Os Kuikuro, ademais, raramente pensam-se como um povo que ingressou
no sistema xinguano. Ao contrário, na maior parte do tempo, veem-se como
277
O neto filma o avô Afukaká, cacique principal dos Kuikuro.
Foto Carlos Fausto, 2007
autóctones, portadores de uma tradição milenar à qual outros povos vieram
a aderir. Uma das diferenças entre os processos contemporâneos de mudan-
ça em relação àqueles do passado é que, se neste último caso o mecanismo
de apropriação e digestão da diferença foi em grande medida o ritual, hoje
as transformações colocam em risco a própria continuidade desse disposi-
tivo e com ele o fundamento mesmo da produção da vida social xinguana.
Não há um frame ritual capaz de conferir um contexto específico e finito
para “virar-se branco”. Ao contrário, está-se virando branco o tempo todo e
em todo lugar.
O que distingue uma transformação ritual de uma doença é o fato de que,
nesta última, a metamorfose é indesejada, ocorrendo, justamente, “o tempo
todo e em todo lugar”. Ao extravasar todos os limites, não sendo encerrado em
um quadro ritual ou em uma interação social delimitada, o “cheiro dos bran-
cos” provoca uma doença que leva a um sentimento crônico de perda. O tema
tantas vezes repetido da “perda da cultura”, que ressoa nos quatro cantos da
Amazônia, parece ser, assim, comparável ao sentimento de orfandade e aban-
dono que caracteriza o doente, que está prestes a perder o seu mundo por
transformar-se em outro tipo de gente: espírito, animal, morto.
A maioria dos rituais Kuikuro está associada a uma doença causada por
entidades não-humanas designadas itseke, entidades que têm o mal costume
de roubar as almas dos humanos para transformá-las em seus próprios paren-
tes. Ao se recuperar, o doente torna-se o dono do ritual associado ao agente
patogênico, devendo, ao longo de anos, alimentá-lo através da realização de
sua festa. O ritual xinguano é, assim, um dispositivo de transformação coleti-
va e transitória em itseke que contrarresta uma transformação individual e
definitiva que adiviria caso o paciente morresse.
Hoje, o ritual também serve para evitar outra transformação definitiva, por
ser o único lugar em que os índios não estão “virando branco”. Talvez por isso
tenha-se convertido em uma atividade na qual podem “virar índio” novamen-
te. O ritual é uma terapia para a doença crônica causada pelo “cheiro dos
brancos” e, ao mesmo tempo, o lugar de afirmação de uma tradição objetivada.
Não é à toa que sempre que estamos dançando em um ritual Kuikuro, o cantor
Kamankgagü – um ngiholo orgulhoso de seu saber tradicional –afirma entu-
siasmado para mim: “veja meu amigo, este é o nosso costume, esta é a nossa
palavra”. (Aliás, sim, “quando estamos dançando”, pois o ritual também é o
lugar ideal para o antropólogo “virar índio” – afinal, aí tudo está “virando”
alguma coisa outra).
A objetivação da tradição via ritual é de dupla-face: se o ritual é um modo de
virar índio para os índios, ele é também um modo de virar índio para os brancos.
No Xingu, a conversão dos rituais em espetáculos é um fenômeno que remonta
à década de 1950 e os Kuikuro têm uma percepção clara do caráter espetacular
de suas festas e de seu impacto sobre os “brancos”. Os irmãos Villas Boas soube-
ram bem utilizar esses ingrediantes na produção da fama internacional dos
Xinguanos, elemento essencial na luta pela criação do Parque Indígena do Xin-
gu. Todos os anos dezenas, quando não centenas, de não-índios são aguardados
para assistirem as grandes festas intertribais que ocorrem durante a estação
seca. Formam um público apreciado, do qual se espera que, mesmerizados pela
força do ügühütu xinguano, sejam generosos com seus anfitriões.
Na última década, o ritual converteu-se também em um espetáculo fora do
Parque. Como vimos, no caso dos Kuikuro, todo mês de abril, em virtude das
comemorações do dia do Índio no Brasil, uma centena de pessoas deixa as al-
deias a fim de se apresentar em centros de lazer, escolas e em festas munici-
pais. Em função dessa atividade surgiu uma espécie de pot-pourri ritual, feito
de sequências de sketches sumários, cuja ordem é anotada em um caderno
escolar. A escolha dos cantos respeita a dois critérios: de um lado, a beleza e
a animação; de outro, a pouca importância ritual. Nesses espetáculos, não se
cantam músicas, como dizem em português, “sagradas”. A espetacularização
é concebida de modo a não contaminar o ritual. Os Kuikuro reconhecem o ar-
tifício, cujo objetivo é seduzir os não-índios com uma imagem tradicional e
esteticamente autêntica que serve para “vender artesanato”. No filme As Hiper-
mulheres (2011), Jakalu conta como, durante visita ao Pará e na ausência de
uma cantora, improvisaram um canto feminino, enrolando os brancos do mes-
mo modo “que eles sempre nos enganam”.
A produção desses espetáculos ainda não reverberaram sobre os rituais, que
continuam a ser movidos por motivos tradicionais e realizados em sua comple-
tude e sistematicidade. O universo das músicas e das ações rituais é regido por
uma ordem complexa e precisa, que é uma condição necessária de sua efetivi-
dade (Fausto, Franchetto & Montagnani 2011). Ao encomendar-me o registro
de todos os cantos e de todas as rotinas rituais em sua precisa ordem, o chefe
Afukaká temia que, na próxima geração, não restassem senão os escombros
desse conhecimento, de tal modo que eles só pudessem “virar índios” para os
brancos e já não pudessem mais “virar índios” para si mesmos.
Um certo cinema índio
Foi neste contexto de mudança – no qual os Kuikuro se veem virando brancos
o tempo todo sem jamais virá-lo completamente – que nasceu o projeto de
documentação e, com ele, a experiência de fazer filmes. Como sujeito implica-
do em “guardar a cultura” Kuikuro, o contra-ataque que encontramos foi o de
usar a própria magia dos brancos, ensinando como produzir mais e mais ima-
278
gens, colocando a tecnologia a serviço da memória, na esperança de que isso
sirva tanto ao passado como ao futuro.
Foi-se uma década e as questões e percepções relativas à imagem gravada
foram se transformando. Lembro-me bem da reação inicial da comunidade à
primeira montagem de O dia em que a lua menstruou, que mostramos na TV da
casa do chefe em uma dessas noites frias de junho, ainda em 2004. A reação
lembrava a dos Nambikwara em A festa da moça. Bicicletas, relógios, isqueiro,
xamã com a camisa estampando a frase digital revolution. O chefe mandou
parar a projeção – era preciso fazer tudo novamente, desta vez sem as “coisas
do branco”, de modo a devolver-lhes uma imagem bem “tradicional”. Mariká,
um dos cineastas de então, tomou a palavra e, usando de sua maior intimidade
com o mundo dos brancos, argumentou que aquilo era um “documentário” e
não uma “ficção”, empregando os termos em português. Seguiu-se uma longa
explicação para tornar os termos compreensíveis. Explicação dada, explicação
recebida. Seguimos com a projeção.
Quando, no ano seguinte, voltamos à aldeia para finalizar Cheiro de pequi,
a ideia de ficcionalizar uma parte da narrativa mítica já estava tomada e trata-
va-se, então, de produzir um cenário bem tradicional e trabalhar com atores a
caráter. A relação com a câmera havia mudado radicalmente: de início as pes-
soas não gostavam de ser filmadas e os mais velhos julgavam, como conta
Takumã em O manejo da câmera, que aquele aparato todo era coisa de branco
e que eles, não sendo brancos, só fariam filmes sem valor (talokito). Melhor,
então, deixar a câmera nas mãos do professor Vincent, pois ele saberia sim
guardar a cultura Kuikuro.
Em 2005, os jovens oficineiros escolhiam, com a ajuda do chefe Afukaká,
atores e atrizes, e a comunidade discutia ativamente qual das versões do mito
seria encenada. Os rapazes tinham ganho prestígio, a fama crescendo à medi-
da que recebiam prêmios, viajavam para outras cidades brasileiras e mesmo
279
para o exterior. Uma nova via de renome havia sido aberta, ao lado daquelas
tradicionais de lutador, chefe ou cantor, somando-se a outras, também novas,
como a de professor, agente de saúde ou líder de associação. Vieram, assim, os
convites para filmar as festas e para dar oficina em outros aldeias – convites
que foram acompanhados de acusações de roubo da cultura e enriquecimento
ilícito pela venda de imagens. As dinâmicas da inveja-ciúme (kinhulu) e da
fofoca (augene), tão tradicionais no Xingu, foram logo ativadas para limitar o
renome, pois ali tornar-se conhecido, “falado” (tikaginhü), implica sempre
uma face clara e outra obscura.
Seja como for, os Kuikuro apropriaram-se do vídeo e alguns dos jovens ofi-
cineiros ganharam o status de “cineastas”. Mas ao se apropriarem da câmera e
do Final Cut, em que medida não foram eles também apropriados? Canibaliza-
ram uma linguagem para regurgitar uma coisa nova ou foram domesticados por
nossa linguagem? Os três temas clássicos de nosso universo de valor – o novo,
o autêntico e o autoral – continuam a rondar como fantasmas as leituras que
se faz desse tipo de produção cinematográfica. Mas seriam estas as melhores
chaves de leitura? Seriam estas as questões que eles, os Kuikuro, se colocam a
si mesmos? Será que desejam fazer um certo cinema-índio ou preferem apro-
priar-se o melhor possível de uma linguagem-outra, assim como, no passado,
se apropriaram de cantos e ritos de outros povos? Enfim, um autêntico cinema-
índio não seria necessariamente inautêntico aos nossos olhos?
Os dilemas da tradição e da inovação colocam-se inelutavelmente à nossa
frente sem resposta única, nem definitiva. Nós não estamos mais “virando
brancos”, pois acreditamos já ter virado o suficiente. Esta condição nos parece
alcançada enfim – hoje, não precisamos mais fazer cinema-europeu, cinema-
de-hollywood, cinema-brasileiro ou algum cinema-novo. Não seria mais gene-
roso, assim, apenas querer que os índios virem índios à maneira deles, mesmo
quando isso significa... “virar branco” mais uma última vez? Q de muitas etnias.
Imagens potentes
das aldeias
ALFREDO MANEVY
Doutor pela Universidade de São Paulo, prof. da Universidade Federal de Santa
Catarina, foi secretário-executivo do MinC no governo Lula (2008-2010)
Em seus vinte e cinco anos de história o projeto Vídeo nas Aldeias produziu
imagens, sons e signos inteiramente novos das populações indígenas. Houve,
sem dúvida, uma transformação profunda na paisagem do audiovisual brasilei-
ro, a partir da emergência muitos grupos e cineastas oriundos das comunida-
des que participaram do projeto. Entre os brasileiros não-índios, disseminou
uma imagem nova e potente de povos tradicionalmente representados por
meio de estigmas – na abordagem ora romântica, ora genérica, ora superficial,
sem capacidade de sequer sinalizar a enorme diferenciação característica dos
ameríndios em solo nacional. Ou, como alternativa, a representação indiferen-
te e perversa que tradicionalmente aponta as comunidades como foco da “au-
sência de desenvolvimento” ou exotismo. Além de garantir o protagonismo
aos cineastas das comunidades, vale ressaltar que a forma como Vídeo nas
Aldeias construiu sua abordagem permitiu que esses estigmas (traços de re-
presentação) fossem deslocados para abrir espaço a roteiros, histórias, falas,
depoimentos, imagens que emergem hoje afirmando o campo simbólico das
comunidades, não raro com os inúmeros conflitos reais que ali se estabelecem.
Revelou e lançou também uma nova geração de documentaristas e cineastas
O fim da tutela, garantida na constituição da 88, vem sendo na prática um
processo inconcluso : lento e frágil do ponto de vista das instituições e das
políticas reais. Do ponto de vista simbólico, no campo do audiovisual, esse
processo sequer tinha iniciado. Até pouco tempo – e esta visão ainda se
impõe hoje – as questões indígenas eram circunscritas aos graves problemas
de saúde e homologação de terras, estes ainda uma pauta constante e neces-
sária. As questões educacionas chegaram a ganhar algum tratamento, mas
especialmente as culturais eram excluídas da pauta. O Ministério da Cultura,
até 2003, não tinha diálogo nem financiava projetos próprios oriundos das
comunidades indígenas. Essa foi uma mudança profunda na gestão cultural
do governo Lula. Seja do ponto de vista da preservação, seja do ponto de
vista da valorização e apoio às demandas artísticas, sejam as múltiplas for-
mas de articulação do tradicional com a modernidade, os projetos ganharam
apoio inédito.
Os “índios” agora se revelam como uma vasta pluralidade de sistemas so-
ciais e simbólicos que, por sua vez, desvelam a rica e singular ocupação dessa
imensa parcela do território sul-americano. O desenvolvimento do projeto, o
amadurecimento da metodologia e dos diálogos estabelecidos nas diferentes
comunidades, produziu outra forma de representação, inserindo as questões
de linguagem a um notável primeiro plano. Emerge finalmente, com toda for-
ça, o ponto de vista de quem vê a vida por um fio e suas fronteiras cada dia mais
diminuídas ou ameaçadas e violadas. A diferença é que os filmes resultados do
projeto revelam um “outro tempo” e um “outro lugar”, a paisagem interior
desses povos expressam sua enorme sensibilidade, solidariedade, conheci-
mento tecnológico, aguda construção estética. Vídeo nas Aldeias repercute
assim as narrativas oriundas de povos que – tragicamente – ainda não são
percebidos como riqueza essencial do País, passaporte para um futuro diferen-
te do atual em termos sociais e ambientais. Q
27:
Memória de uma travessia
H E N R I A R R A E S G E R VA I S E A U
Ensaista, cineasta, e professor
Quando o conheci, Vincent Carelli tinha acabado de concluir o documentário
A festa da moça (1987). Vídeo nas Aldeias dava os seus primeiros passos, ainda
como um projeto do Centro de Trabalho Indigenista.
Jovem cientista social, formado no clima ainda fervilhante do pós maio de
68, na França, filho de militantes de esquerda e apaixonado por cinema, imbu-
ído das ideias rouchianas de antropologia compartilhada, instigado, como
muitas pessoas da minha geração, pela busca de meios de expressão da visão
do que então denominou-se a dos vencidos da história, me entusiasmei de
imediato pela proposta do projeto.
A pioneira experiência da Festa da moça apontava para usos inovadores
potenciais da tecnologia do vídeo, como o de mostrar imediatamente aos ín-
dios o que se filmava, favorecendo o estranhamento dos Nambiquara frente a
inédita reprodução imagética do rito de iniciação que tinham acabado de rea-
lizar. Ao redescobrirem-se a si mesmos como outros do que se imaginavam,
através do inesperado espelho oferecido pelo registro documental, retomaram
então a encenação do rito, integrando novamente ao desenrolar do mesmo a
tradicional cerimônia de furação de nariz e beiço, abandonada há mais de
vinte anos.
Iniciando naquele momento minha trajetória como documentarista, e in-
quieto quanto ao encontro de modalidades de montagem que permitissem
instigantes expressões de pontos de vistas dos sujeitos documentados me
lembro dos primeiros intensos diálogos então travados com Vincent a respei-
to, entre outros, de modalidades diferenciadas de uso do texto em off, bem
como do lugar a ser dado às expressões verbais dos grupos.
Ao assistir, em 1990, ao Espirito da TV, tive a imediata sensação de que
Vincent tinha iniciado frutífera travessia documentária, abrindo caminho para
uma antropologia da comunicação audiovisual, ao centrar a narrativa do vídeo
no encadeamento das reflexões, fabulações e declarações verbais dos índios
281
Waiãpi frente a exibição, num aparelho de televisão instalado na aldeia pela
equipe, de sua própria imagem e sobretudo de imagens registradas por tercei-
ros, não índios, sobre outros grupos indígenas.
Era particularmente notável a virulência afirmativa das declarações de vá-
rios índios Waiãpi, frente a imagens que descobriam, naquele ambíguo mo-
mento histórico em que vivíamos, misto de desalento com os rumos do país,
no final do governo Sarney e o inicio do governo Collor, e das esperanças de
mudança que tinham sido propiciadas pela intensa mobilização social em
torno da elaboração da Constituinte de 88. Entremeando as falas, destacavam-
se elípticas cenas do dia a dia da aldeia e de momentos de rituais.
Outro forte impacto foi para mim, poucos anos depois, o documentário A
Arca dos Zo’é (1993), co-dirigido pela antropóloga Dominique Gallois, cuja
preciosa colaboração tinha, de certo modo, viabilizado o projeto anterior, já
que convivia com o grupo Waiãpi há anos, e tinha sedimentado uma íntima
relação de confiança com os seus integrantes. No novo vídeo, Dominique e
Vincent não apenas promoveram, de fato, um contato inter étnico, mas ainda
construíram uma instigante narrativa, em que imagens e diálogos da visita dos
Waiãpi aos Zo’é alternam, sutilmente, com imagens do cacique Waiãpi, de
volta à sua aldeia, comentando para aqueles lá ficaram, a viagem. A frutífera
escolha deste procedimento de montagem do material potencializa os efeitos
do encontro propiciado pelos realizadores entre os dois grupos, em que a des-
coberta reciproca se efetua, e relatos de experiências trágicas de contato com
o mundo dos brancos são compartilhados.
Desde então, o documentário do Vincent que mais densamente me envol-
veu foi Corumbiara de 2009. Planos do vídeo A festa da moça, abrem o filme e
dão o engate para o inicio da rememoração, em voz off, pelo Vincent, de sua
travessia de busca, desde 1986, dos sobreviventes de um massacre de índios
isolados, por fazendeiros paulistas, numa frente de expansão agrária, na Gleba
Corumbiara, em Rondônia, e da tentativa de condenação, que acaba não ocor-
rendo, dos responsáveis pela chacina. Voz sóbria que episodicamente relata
instantes decisivos desta trajetória e costura a apresentação de registros de
situações ocorridas no curso destes vinte e cinco anos. A comunicação desta
experiência circunscreve os limites dos avanços legais no enfrentamento das
recorrentes tragédias sociais em regiões de fronteira agrícola no Brasil, e si-
multaneamente aponta para a importância primordial do acontecimento ético
que representa a ruptura da indiferença, a preocupação pelo outro1. Preocupa-
ção que, evidentemente, tem de se tornar tangível, em gestos concretos,
mesmo que não possamos possuir nenhuma certeza sobre a sua eficácia.
É o que nos mostra o filme, sobretudo na sua parte final, após acompanhar-
mos a busca pelo Vincent (e pelo seu companheiro de travessia, o indigenista
Marcelo Santos), do contato com um índio isolado, sobrevivente de um novo
massacre ocorrido na região, assistimos a uma cena em que este último, teme-
roso do contato e estranhando a presença da câmera, arremessa uma flecha em
direção ao Vincent. Através da sua voz, então, compreendemos que o olhar
mecânico da câmera permitiu o reconhecimento do índio isolado e a sua defe-
sa: “durante as seis horas que a gente cercou o índio, ele tentou me flechar por
causa da câmera, entretanto foi esta imagem que fez ele existir perante a justi-
ça” e interditar a área para protegê-lo, pelo menos por um tempo.
É forte em mim a lembrança de Virgínia Valadão, figura fundamental no pro-
cesso de investigação que Corumbiara documenta, e na própria fundação e de-
senvolvimento do Vídeo nas Aldeias, até o seu precoce falecimento em 1998, e
que, entre outros trabalhos, dirigiu Yãkwa, o banquete dos espíritos (1995), pre-
ciosa apresentação condensada do importante ritual dos índios Enawenê Nawê.
Para além da minha simpatia entusiasta pelo projeto, e da minha apreciação
critica positiva de muitas de suas realizações, o meu envolvimento com o projeto
ultrapassou, a partir do final dos anos 90, a divulgação informal das suas obras.
Em função da minha experiência como documentarista e também em programas
de televisão educativos, elaborei junto com Vincent e Tutu Nunes argumentos e
roteiros da série Índios no Brasil (2000), produzida para a TV Escola do Ministério
de Educação. Fui sócio-fundador da Associação Vídeo nas Aldeias quando o pro-
jeto se institucionalizou, tornando-se independente do Centro de Trabalho Indi-
genista. Mais recentemente, fui eleito presidente da entidade.
No final dos anos 90, iniciam-se as primeiras oficinas de formação de reali-
zadores indígenas, a oficina pioneira tendo acontecido no Xingu, em 1997. Foi
nesta ocasião que Divino Tserewahú idealizou a filmagem de Wapté Mnhõnõ,
iniciação do jovem Xavante (1999), seminal realização de um dos primeiros
cineastas indígenas formados pelo projeto. Cabe lembrar a decisiva participa-
ção, na sistematização progressiva do formato destas oficinas, no curso dos
anos 2000, de Mari Corrêa, que junto com Vincent adaptou métodos pedagó-
gicos desenvolvidos pelos Ateliers Varan ao mundo das aldeias, e a colabora-
ção posterior, como formadores, de profissionais tais como Leonardo Sette,
Ernesto Ignacio de Carvalho, Sergio Bloch e Tiago Campos Tôrres.
A mais importante contribuição da Associação Vídeo nas Aldeias, no curso
desta primeira década do novo milênio foi sem duvida a formação de toda uma
geração de cineastas indígenas que produziram, no curso do período, obras
que, de diversos modos, expressam a riqueza dos universos simbólicos das
comunidades às quais pertencem. Obras que apresentam, segundo perspecti-
vas inéditas, instigantes tramas do cotidiano das aldeias ou constituem nar-
rativas que desvelam, de forma sutil, contradições internas aos grupos subse-
quentes, frequentemente, a contatos de natureza conflituosa com grupos e
forças sociais externas às aldeias.
Penso aqui, entre outras muitas obras, em No tempo das chuvas (2000), de
Valdete e Isaac Piãko, Shomõtsi (2001) de Valdete Piãko; Imbé Gikegü, Cheiro
de pequi (2006), de Takumã e Maricá Kuikuro; Pi’õnhitsi, mulheres Xavante sem
nome (2009), de Divino Tserewahú; Kene Yuxi, As voltas do Kene (2010) de
Zezinho Yube; Bicicletas de Nhanderú (2011), de Patrícia Ferreira e Ariel Duar-
te Ortega e As hiper mulheres (2011), cuja direção Takumã Kuikuro comparti-
lha com Carlos Fausto e Leonardo Sette.
Um dos principais desafios da nossa entidade, nos próximos anos, além de
continuar garantindo a todas as etnias o livre acesso às suas próprias imagens, é
de viabilizar a digitalização do precioso acervo audiovisual que o Vídeo nas Al-
deias constituiu ao longo dos últimos vinte e cinco anos, em conjunto com todas
as etnias com as quais trabalhou. Considero a preservação deste acervo etapa
essencial no dinâmico processo de transmissão da memória destes povos, sempre
suscetível de ser reativada na perspectiva do futuro das novas gerações.
No presente, não tenho dúvida em afirmar que a produção dos realizadores
indígenas brasileiros, desde do inicio dos anos 2000, e com cada vez mais
força, ao longo do decênio, está dando decisiva contribuição para a constitui-
ção de novos pontos de vistas sobre a dinâmica sócio-cultural da sociedade
brasileira contemporânea. Q
1. Para Lévinas, a preocupação pelo outro, a responsabilidade por outrem (até a possibilidade de
morrer por ele), esta ruptura da indiferença, que pode ser estatisticamente dominante, é o acon-
tecimento ético. Ver Lévinas, Emmanuel: Entre nós. Ensaios sobre a alteridade. Petrópolis: Edito-
ra Vozes, p.18.
282
Vídeo Parentesco: de longa confiança e colaboração entre Carelli e os sujeitos filmados (os Waiã-
pi, Zo’é, Krahô e Gavião/Parakateje) que, como podemos ver no vídeo, também
(assim como para iniciados), traz os processos sociais gerados por um efeito
catalítico que a presença do vídeo tem feito dentro de um contexto de defesa

um ensaio sobre A Arca dos Zo’é e Eu já fui seu irmão estão fazendo suas próprias documentações em vídeo dos mesmos eventos, política e cultural (2). Como Pat Aufderheide explica em seu artigo sobre o
para eles mesmos. trabalho de Vincent Carelli e do CTI,
Em seu uso popular corrente, a palavra mídia evoca grandes conglomerados

F AY E G I N S B U R G multinacionais, a modificação da vida cotidiana na última fase da cultura ca- Vídeo nas Aldeias responde a necessidades expressas de grupos indígenas

Antropologa da Unviserdade de Nova Iorque. Publicado nos Cadernos de Antropologia e Imagem, v. 6, nº 1, Rio de Janeiro, UERJ, 1998, pp 93-106
Eu nunca imaginei que pudesse existir, mesmo atualmente, uma aldeia celebrando como meus ancestrais
COMENTÁRIO TRADUZIDO DE KRÔHÔKRENH M, CHEFE GAVIÃO AO ASSISTIR IMAGENS DA CERIMÔNIA KRAHÔ EM 1991. CITADO EM CARELLI 1995: 5
Agora, nós vamos ver nossas imagens juntos. No passado, nós índios não sabíamos a respeito disso...
na língua do homem branco, se chama televisão. E na nossa língua? Eu não sei.
A ARCA DOS ZO’É, 1993
É índio com índio. Nós acabamos de ficar amigos. Mas daqui pra frente, o vídeo que eles estão fazendo, eles vão levar
para eles assistirem e depois mandarão uma cópia pra gente assistir. Uma estrada foi aberta entre nós.
EU JÁ FUI SEU IRMÃO, 1993
pitalista atual e uma crescente globalização de imagens e informações, fazen-
do com que pessoas e culturas pareçam ainda mais desenraizadas e desconec-
tadas. Porém, no significado original da língua inglesa, mídia é definida como
uma substância interveniente através da qual uma força atua ou um efeito é
produzido; é algo que media, atuando entre grupos para resultar em um enten-
dimento, compromisso ou reconciliação. Estas noções de mídia e mediação,
são o que A Arca dos Zo’é e Eu Já Fui Seu Irmão – e de fato, todos os trabalhos
em vídeo do projeto Vídeo nas Aldeias – representam. Eles se situam em algum
lugar entre “mídia indígena” feita por e para comunidades nativas e filmes
etnográficos que tradicionalmente têm sido compostos por categorias de in-
teresse antropológico. Ao invés disso, a narrativa desses vídeos para leigos
Fotogramas do filme Eu já fui seu irmão (1993).
dentro do contexto de organização enfocado pelo CTI nos direitos indígenas.
Não é uma estação de produção de filmes; de fato, a grandeza deste trabalho
é facilitar o uso de vídeo pelos índios. Os índios produzem vídeos concebidos
juntamente com o Centro, prescrevendo assim a temática e as opções de
composição. O projeto também faz circular outros vídeos, organiza trocas
entre diferentes grupos e promove encontros entre outros que já se “conhe-
ciam” pelo vídeo. Isso ajuda na construção de arquivos e videotecas, substi-
tuindo fitas mofadas ou danificadas. As opções pelo trabalho em vídeo, tem-
se dirigido por caminhos os quais estes trabalhos podem fomentar um
projeto maior de integridade cultural e reconstrução (...)
(...) Esses vídeos possuem um formato ativista, de lógica política e de
documentário didático. Eles estão intencionados a explicar a uma plateia,
muitas vezes de não-índios, porque o vídeo é uma ferramenta útil para a so-
brevivência da cultura indígena. (1995:84)

A Arca dos Zo’é e Eu Já Fui Seu Irmão, são dois vídeos extraordinários, que nos
convidam a repensar as possibilidades da “pequena mídia” no fim do século 20
como tecnologias que facilitam as relações de parentesco, a autoconsciência
cultural e informação política, invertendo o que as pessoas presumem ser as
relações casuais entre mídia e alienação. Dirigido e fotografado por Vincent
Carelli, ambos os filmes fazem parte do projeto Vídeo nas Aldeias dirigido por
ele em associação com o Centro de Trabalho Indigenista (CTI) (1), um grupo
de defesa que vem trabalhando com e para índios brasileiros desde 1979, situ-
ado em São Paulo. Dos 13 ou mais vídeos produzidos pelo projeto até hoje,
estes estão entre os mais interessantes, porque dramatizam claramente como
novas relações culturais, sociais e políticas tem sido constituídas entre os
índios da Amazônia e de outros lugares e como tecnologias tais como o vídeo,
podem ser uma parte produtiva deste processo. Sob qualquer padrão cultural,
os dois vídeos são belamente filmados e editados e demonstram um rico senso

283 284
 Como Carelli deixa claro em seu trabalho, Vídeo nas Aldeias tem desenvol-
vido duas diferentes dimensões do uso do vídeo. Ele (e outros como o antro-
pólogo americano Terry Turner com quem Carelli trabalhou no Projeto de Vídeo
Kayapo) tem fornecido equipamento e treinamento de vídeo para membros das
comunidades indígenas interessados no uso do vídeo para seus próprios pro-
pósitos (Turner 1992; Feitosa 1991, 1993). Além disso, Carelli produz filmes
sobre o processo de introdução ao vídeo e seus efeitos, tanto para estas comu-
nidades quanto para pessoas de fora que estão dispostas a financiar projetos,
o que tem sido crucial para ajudar a sustentar as possibilidades de apoio – in-
terna e externa – para os índios brasileiros que tem sofrido uma longa história
de colonialismo. Os filmes que Carelli produz (diferentemente daqueles feitos
por e para os próprios índios) não são apenas de grande interesse dos nativos
preocupados em registrar e reviver sua vida ritual e trocar fitas com outros
grupos, eles são, muitas vezes, mais bem sucedidos que documentos escritos
no que se refere a conseguir apoio de ONG’s e outras fontes de apoio a grupos
indígenas. Este trabalho é de crescente importância na medida em que esses
grupos têm de encarar novas ameaças a suas vidas e territórios. Recentemen-
te, como é evidente nas discussões que ouvimos nas fitas, os índios têm sen-
tido o impacto da incursão de garimpeiros, da poluição de suas águas, de fa-
zendeiros e madeireiras que vêm destruindo suas terras de floresta.
Esse tipo de processo, é claro, não é simplesmente um produto de trabalho
com vídeo, mas é parte de um processo mais amplo que está ocorrendo com os
índios nas Américas e no mundo, o que alguns tem chamado “etnogênese”
(Whitten 1996). Em um recente ensaio introduzindo uma coleção editada so-
bre “etnogênese” nas Américas, John Hill descreve este processo como:
não meramente um rótulo para a emergência histórica de povos cultural-
mente distintos, mas um conceito englobando as lutas simultaneamente cul-
turais e políticas dos povos para criar uma identidade permanente no contex-
to geral de mudança radical e descontinuidade... uma adaptação criativa
para uma história geral de mudanças violentas – incluindo colapso demográ-
fico, deslocamentos forçados e genocídio – impostos durante a expansão
histórica de colônias e Estados-Nação nas Américas. (Hill 1996:1)
Ou, colocando em termos de outros debates teóricos, pode-se olhar estes
projetos como demonstrativo de caminhos os quais eles “indigenizam a mo-
dernidade” (Sahlins 1993).
285
Os trabalhos do Vídeo nas Aldeias são quase únicos enquanto documentos
sobre o que acontece quando o vídeo é posto nas mãos de comunidades indíge-
nas e como isso é tomado como uma tecnologia de mediação. Tudo isso faz
parte de um momento particular quando os povos da Amazônia estão se tornan-
do cônscios deles próprios, da fragilidade de suas práticas culturais sob pressão
vinda do contato e da importância em se fazer conexões com outros grupos
indígenas e estabelecer contatos recíprocos como um caminho para fortalecer
sua posição no local e em relação às incursões de pessoas de fora e agentes
governamentais.
Melhor que seguir atalhos etnográficos (ethnographic tropes), como se os
filmes proporcionassem descrições visuais transparentes “sobre os Waiapi” ou
“os Zo’é” ou “os Krahô” como sendo culturas estáticas e congeladas, esses
trabalhos representam e são parte crucial de um processo social, catalisado e
sustentado em parte por solidários ativistas brancos do CTI e de outros luga-
res, juntamente com o interesse de um conjunto de dinâmicos líderes indíge-
nas da Amazônia e de suas comunidades, que tem reconhecido o poder que a
pequena mídia como o vídeo pode oferecer-lhes em diferentes níveis. Que-
brando velhos paradigmas de representação, permanentemente, os filmes do
Vídeo nas Aldeias (junto com aqueles feitos com e por outros grupos indígenas
em todo o mundo) são parte de um projeto de ativismo cultural, em lutas que
vão desde direitos da terra até a proteção da propriedade cultural.
Carelli deu início ao Vídeo nas Aldeias como um projeto experimental com
os Nambiquara em 1987, que demonstrou de maneira dramática seu potencial
produtivo. Como com outros grupos, um dos primeiros interesses que eles ti-
veram com vídeo, foi para refletir sobre suas próprias práticas culturais (e de
suas possíveis perdas) e para registrá-los como um caminho tanto para reviver
quanto para preservar estas práticas culturais para futuras gerações, assim
como os primeiros cineastas etnográficos registraram aspectos do ritual e da
cultura material como um projeto de salvamento etnográfico. No caso dos
Nambiquara assistindo imagens de sua própria representação num ritual de
puberdade feminina (Festa da Moca, 1987, 18min.) provocaram um resurgi-
mento de um ritual de iniciação masculino de perfuração do nariz (e outras
práticas tradicionais) que tem diminuído desde os primeiros contatos (Carelli
1988, Auderhiede 1995:85). Um vídeo mais recente, O Espírito da TV (1990,
18min.), resultou de uma colaboração com os Waiapi – especialmente do che-
fe Wai Wai – que vive no Estado do Amapá e tem sido muito ativo na luta contra
as ameaças de comércio e do Estado contra sua terra e autonomia. A antropó-
loga Dominique Gallois, (que trabalhou neste projeto) e Carelli acham que
estas pessoas – que tiveram experiências negativas com cineastas de fora –
queriam controlar a construção de sua própria imagem e documentar o proces-
so de entrar em contato com outras comunidades. A fita mostra as reações e
reflexões dos índios ao verem suas próprias imagens e a de outros através do
vídeo pela primeira vez, demonstrando como este veículo é rapidamente assi-
milado ao projeto de diplomacia intertribal.
Tais esforços para interligar vários grupos indígenas através do vídeo e as re-
lações sociais que estão sendo produzidas neste processo, são o tema central de
diferentes maneiras em A Arca dos Zo’é e Eu Já Fui Seu Irmão. No caso do último
filme Carelli explica:
Um dos resultados mais significativos deste projeto ocorreu quando um
grupo, tendo descoberto através do vídeo que tinha vários aspectos em co-
mum com outro, acabou por fazer contato na vida real. Esse foi o caso dos
Parakateje (Gavião), dos Krahô e dos Canela, três grupos que vem da mesma
origem de cultura Timbira, falam a mesma língua e têm a mesma base cultu-
ral. Entretanto, suas diferenças eram enormes, resultando de diferentes ex-
periências históricas de contato.
Os Gavião, que moram no sul do Pará, foram contatados em menos de 30
anos atrás, mas perderam todos os seus mais velhos e com eles, uma grande
parte da memória tribal. Os jovens não falam mais a língua nativa. Os Krahô
e os Canela que vivem nos estados do Tocantins e do Maranhão, foram conta-
tados há mais de 300 anos atrás, mas continuam isolados. Diferentemente
dos Gavião, eles são extremamente pobres e tem uma vida ritual intensa.
Neste contexto, os Krahô representam para os Gavião o que eles perderam.
O filme tem suas raízes em 1991, quando o Vídeo nas Aldeias gravou uma
cerimônia Krahô no Tocantins e enviou o vídeo para os Parakateje (Gavião) no
Pará. O chefe Gavião, Krôhôkrenhũm, ficou impressionado pelo que viu e, em
setembro de 1992, com a assistência do projeto do CTI (parcialmente finan-
ciado pela Fundação Rockefeller), trouxe 50 homens de caminhão para o To-
cantins para participar de uma cerimônia de iniciação Krahô por convite do
chefe Diniz Tibiet. O vídeo sobre o evento – o qual inclui cantos, danças,
pinturas corporais e preparações para árduas competições, onde imensos
troncos são passados entre jovens de ombros em ombros enquanto atraves-
sam correndo a savana – foi exibido à noite na aldeia dos Gavião depois que
eles retornaram. A intensidade da experiência ajudou a galvanizar uma nova
visita no ano seguinte quando um contingente de Krahô veio visitar os Gavião
durante um festival de colheita de milho o qual também inclui a competição
de revezamento de toras. Essa troca e seu óbvio impacto em ambos os grupos
é o tema de Eu Já Fui Seu Irmão. Como explica o chefe Krôhôkrenhũm:
Esses jovens estão sempre querendo fazer o que os brancos fazem...
Então eu acho que a gente deveria levar os jovens para ver as danças dos
Krahô, como eles fazem suas festividades. Porque eles mantêm suas tradi-
ções. É por isso que todos os jovens e adolescentes foram levados para que
com seus próprios olhos assistissem às atividades dos Krahô. Para ver se as
crianças acreditam no que digo, para que comecem a pensar daquela forma
novamente, certo?
(...) Eu pensei que eles não falavam português, mas eles realmente
falam bem, melhor que nós aqui. Eles falam mais corretamente. Mas eles
estão sempre usando sua língua também... até as crianças falam em sua
própria língua.
Esse senso de diferença histórica e cultural entre grupos está refletido nas
imagens visuais do filme, mostrando uma tendência ao uso de roupas do oci-
dente entre os Gavião por exemplo. Isto é também percebido numa fascinante
e esclarecedora conversa entre os dois chefes quando comentam sobre os
costumes de cada um (o que ocasionalmente parece uma paródia involuntária
e suave do estilo de narrativa do filme etnográfico). Além de seus comentários,
existem outras dimensões de reflexividade através do filme. Na verdade, o ví-
deo é estruturado tanto pelas observações e trocas em metalinguagem, como
na maneira elegante que ele passa de cenas de cerimônias com convidados e
anfitriões para cenas em que os Gavião (e depois Krahô) assistem os vídeos das
visitas a outras aldeias em seu próprio local (via geradores montados em es-
truturas no meio das aldeias), comentando sobre eles. Em outro movimento
reflexivo vemos suas próprias gravações dos acontecimentos, deixando claro
286
como o vídeo que estamos assistindo foi produzido sobre o evento para estran-
geiros culturais (assim como para os nativos).
De um modo geral, plateias potenciais são também concebidas através do
tempo. Na cena final do vídeo filmado na aldeia Gavião, os chefes anunciam
para a câmera e para os que estavam ali reunidos:
Nós estamos fazendo isso para nossos jovens, não para nós. É por isso que
eu quero saber o nome de todo mundo. Assim podemos visitar cada um e fazer
coisas juntos. Está certo, nós vamos fazer isso.
E assim, devagar e sistematicamente, numa comovente e dramática repre-
sentação daquele desejo de criar parentesco através das divisões de história e
espaço, uma criança seguida da outra é trazida à frente e seu nome enunciado
e repetido em consideração ao outro grupo:
Este é Hok Hi, Hok Hi.
E daí por diante.
Krôhôkrenhũm continua:
Quando estas crianças crescerem, elas vão pensar, “Antigamente ninguém
conhecia ninguém. Nós apenas ouvimos os nomes dos Krahô e apenas ouvi-
mos os nomes dos Parakateje (Gavião). Mas nunca nos encontramos, nunca
287
conversamos. Mas aqueles dois velhos foram espertos e abriram o caminho”.
Você chegou em minha aldeia e não tinha tempo de conhecer todo mundo e
tivemos esta reunião para nos conhecer. Na minha próxima festa, eu vou
apresentar o resto, porque nem todo mundo veio. Eu também quero que você
conheça aqueles que ficaram pra trás. Se a sua gente vai pra casa e deixa uma
semente que faz pessoas ficarem mais fortes, eu acho isso bom. Eu quero ver
minha gente crescer. Na próxima festa, eu vou juntar todo mundo, então se-
remos uma grande família.
Como Carelli chama atenção, este vídeo não é apenas sobre relações sociais
emergentes entre estes grupos, mas é também um perfil de Krôhôkrenhũm,
cujo carisma, percepção e estratégias políticas tem sido essenciais para a so-
brevivência dos Waiãpi (CTI 1994).
Em A Arca dos Zo’é que também foi motivado pelas relações surgidas entre
diferentes grupos indígenas intensificadas pelas trocas de vídeos, os Waiãpi
que tem uma longa história com os brancos, começaram a se comunicar com
os Zo’é que só foram contatados por volta de 1989 no norte do Pará. Ambos
fazem parte da cultura Tupi mas falam diferentes dialetos, que passaram a ser
mutuamente inteligíveis depois de passarem alguns dias juntos. Para esses
grupos, seu desejo de se conhecerem, arquivou histórias de contato, perda e
saudade. De acordo com Vincent Carelli:
Uma das expectativas dos Waiãpi para este encontro, era reencontrar
modos de vida, técnicas e artefatos de seus ancestrais, os quais eles queriam
filmar e resgatar para os jovens de sua tribo. Por outro lado, o estímulo para
o encontro resultou do modo de vida dos Zo’é em um dos momentos mais
delicados de sua história – confrontando o risco de contágio, a fascinação
que eles sentiram para com o homem branco, etc. Os Waiãpi, que já tinham
passado por tudo isso, queriam trazer à tona e comentar sobre vídeos que
mostrassem o mundo do branco que o grupo mais isolado estava somente
agora vivenciando.
Para os Zo’é, o resultado mais importante foi dar início a um inédito pro-
cesso de autoreflexão, e descobrir que o mundo de fora é mais diferenciado
do que eles imaginavam. Além de brancos, existem outros índios, “outros
como nós”. (1995: 6)
Como parte do trabalho vigente do Vídeo nas Aldeias, Carelli e a antropóloga
Dominique Gallois, que tem trabalhado com os Waiãpi por muitos anos, ajudaram
a organizar e documentar o primeiro encontro real de Wai Wai com outros Waiãpi
que viajaram com os Zo’é com os quais tinham primeiro encontrado em vídeo.
Este encontro (e as percepções de cada grupo sobre o outro conforme eles refle-
tiam sobre isto) é a estrutura narrativa de A Arca dos Zo’é com o chefe Wai Wai
sendo o interlocutor chave da estória e o evidente catalisador para o evento.
Nas imagens de abertura do vídeo, Kasiripina, um cameraman Waiãpi filma
cenas do dia a dia dos Zo’é que são acompanhadas pelos comentários do che-
fe Wai Wai (legendas traduzidas):
Nós conhecíamos estas pessoas pelas imagens da televisão. Foi aí que
decidi visitar a aldeia deles... eles são diferentes porque andam nus... mas a
cor da pele deles é igual a da gente. Não tem problema. É assim que eles re-
almente são. No meio dos homens eu não senti vergonha, mas perto das
mulheres sim, porque aqui é diferente. Porque é o costume deles e acabei me
acostumando a isso.
O imaginário visual é apropriadamente edênico ao comentário; mulheres
Zo’é, nuas exceto para os macacos pendurados em seus ombros, com longos
botoques nos lábios e elaborados penteados de penas parecidos com chapéus
do século XVIII, parecem inteiramente autoconscientes e profundamente
curiosas sobre a roupa e instrumentos de seus convidados Waiãpi.
A cena então muda para Wai Wai de volta em casa, contando a seu povo
sobre a viagem enquanto eles assistem ao vídeo da jornada. Os comentários de
Wai Wai repetidamente enfocam sua impressão destas pessoas “como seus
Fotogramas do filme “A arca dos Zo’é” (1993).
288
ancestrais”. No momento em que assistimos a uma mulher retirar um macaco
da panela e preparar para comer, ele observa:
Eles não usam pratos, só cuia, como nossos antepassados. Nós é que mu-
damos depois de conhecer o homem branco. Eles são iguais àqueles do tempo
do criador.
Em uma misteriosa semelhança com os primeiros encontros com antropó-
logos, o vídeo narra a cultura material dos Zo’é, desde a feitura de flechas até
técnicas de preparação de alimentos, o uso das árvores de castanha e córtex,
a magia para a caça das antas, a divisão de carne entre a comunidade e o ritu-
al de iniciação de jovens rapazes que tem de colocar as mãos dentro de um pote
cheio de formigas que mordem. Numa reprise similar dos primeiros encontros,
as mulheres Zo’é reparam nos tecidos usados pelos homens Waiãpi como para
tangas e pedem para que eles tragam mais quando voltarem.
Ao mesmo tempo em que Wai Wai se comove pelo conhecimento de suas
formas ancestrais, ele também se preocupa com a inocência dos Zo’é, e tenta
preveni-los sobre o perigo dos garimpeiros, a maneira como eles podem des-
truir as florestas e poluir os rios. Para dar ênfase à potencial gravidade do
contato com os brancos, seu comentário de despedida ao entrar no avião para
voltar pra casa é:
Nos vemos. Se eu morrer de doença de homem branco, não vou voltar. Se
eu morrer, não nos veremos de novo.
Estes filmes são significativos em vários níveis. Primeiramente, eles são
deliciosos para se assistir, não apenas pela facilidade técnica de Carelli com
vídeo, mas também pelo seu longo conhecimento e intimidade com diferentes
grupos e as condições que eles enfrentam. O nível de confiança e afinidade nos
filmes é palpável em múltiplas maneiras, no humor suave de várias interações,
até na facilidade com que cenas do cotidiano foram filmadas, nas reflexões
filosóficas das condições que as circunstâncias dos encontros provocaram em
cada grupo. Como tal, podemos perceber o notável senso de intimidade do dia
a dia, assim como dos pensamentos de intelectuais e líderes indígenas, ten-
tando conduzir seu povo a um futuro com algum sentido de integridade de sua
289
cultura, língua e autonomia política. Estas são representações do “ponto de
vista nativo” raramente obtidas em filmes etnográficos.
Em outro nível, estes filmes são documentos de extraordinário valor histó-
rico no que diz respeito a adoção de novas técnicas – o vídeo nesse caso – por
pessoas para quem, estas são insólitas, e ver como eles usam o vídeo para
mediar suas relações com os companheiros índios. Considerando a quantidade
de tinta gasta por intelectuais ocidentais sobre o presumido efeito nocivo das
câmeras nos povos indígenas (cf. Weiner et al, 1996), é muito mais útil reco-
mendar para tais intelectuais assistirem a esses vídeos ao invés de discutir
com eles abstratamente. Nas duas produções, os nativos podem contar e mos-
trar diretamente porque esses instrumentos são profundamente úteis para
eles, e como têm sido usados a serviço do fortalecimento de tradições culturais
e organizações políticas.
Finalmente, A Arca dos Zo’é e Eu Já Fui Seu Irmão, são indicativos de um
momento histórico chave no processo de etnogênese discutido anteriormente
e de formação de uma consciência nacional pan-indígena que é crucial para o
futuro desses grupos (3), como foi evidente na inspiração de resurgimento
cultural demonstrado pelos Gavião e pelos Waiãpi, e sua preocupação em pro-
teger os recém-contatados Zo’é de tragédias que eles encontraram no contato
com a cultura dominante. Tais trabalhos engendram um saudável contraponto
para as imagens estereotipadas na imprensa, cinema e escritos populares so-
bre os povos da Amazônia, dando um claro retrato destes povos como auto-
conscientes e ativos agentes históricos, aptos para usar uma variedade de
tecnologias para dirigir-se não somente a públicos diferenciados mas também
para seus próprios interesses culturais e futuro político. Q Sahlins, Marshall
Referências Citadas/ Bibliografia Notas
1. Para uma ideia geral do projeto como um todo e sua relação com o trabalho desenvolvido
Aufderheide, Patrícia e Vincent Carelli
pelo CTI, eu recomendo o artigo de Patricia Aufderheide, The Video in the Villages Project:
1995 The Video in the Villages Project: Videomaking with and By Brazilian Indians. In Visual
Videomaking With and By Brazilian Indians. In Visual Anthropology Review, Fall 1995, 11
Anthopology Review, Fall 1995, 11 (2) : 82 – 93
(2): 83 – 93
Carelli, Vincent
2. Como Vincent Carelli explica a distinção entre os diferentes usos do vídeo:
1995 Video in the Villages: Bringing the Indians Together witheir Own Image. Tradução e
(...) nós deixamos claro que o vídeo feito pelos índios é quase exclusivamente para consumo
Introdução por Patricia Aufderheide. Entrevista não publicada. Arquivo do Centro
interno nas aldeias, dessa maneira o distinguimos da série Vídeo nas Aldeias do projeto.
de Mídia, Cultura e História, New York University.
Mas os índios estão dando seus primeiros passos, e seu trabalho, como qualquer outro vídeo
caseiro, não pode ser julgado segundo padrões estéticos. Não importa se as imagens
Centro de Trabalho Indigenista
tremem ou se as cenas são muito longas. O importante é a dinâmica social e cultural
1994 Catálogo do Vídeo nas Aldeias
associados a esta imagem. (1995: 10)
Feitosa, Mônica
3. Vincent Carelli explica:
1991 The Other Vision: From the Ivory Tower to the Barricade. Visual Anthropology Review
De significado particular foi o crescimento de uma consciência nacional pan-indígena
Volume 7 (2), Fall 1991: 48 - 49
enraizada em um processo histórico similar experimentado por cada grupo desde o primeiro
contato e nos seus problemas comuns. (1995: 3)
1993 Taking Aim, 41 min., Cor. Vídeo feito por Mônica Frota. Rua Visconde de Ouro Preto,
611/201, Rio de Janeiro, Brasil
Resumo
Gallois, Dominique e Vincent Carelli
1995 Video in the Villages: The Wiapi Experience. In Advocacy and Indigenous Film-making
A Arca dos Zo’é e Eu Já Fui Seu Irmão, são dois vídeos extraordinários, que nos convidam a
Intervention – Nordic Papers in Critical Anthropology, No. 1: 23 – 38
repensar as possibilidades da “pequena mídia” no fim do século 20 como tecnologias que
facilitam as relações de parentesco, a autoconsciência cultural e informação política,
Hill, Jonathan
invertendo o que as pessoas presumem ser as relações casuais entre mídia e alienação. Dirigidos
1995 Introduction: Ethnogenesis in the Americas, 1492 – 1992. In History, Power and
e fotografados por Vincent Carelli, ambos os filmes fazem parte do projeto Vídeo nas Aldeias
Identity: Ethnogenesis in the Americas, 1492 – 1992, ed. Jonathan Hill, University
dirigido por ele em associação com o Centro de Trabalho Indigenista (CTI), um grupo de defesa
of Iowa Press.
que vem trabalhando com e para índios brasileiros desde 1979, situado em São Paulo. Esses
vídeos são indicativos de um momento histórico chave no processo de formação de uma
consciência nacional pan-indígena, que é crucial para o futuro desses grupos.
1993 Goodbye to Tristes Tropiques: Ethnography in the Context of Moden World History.
In Journal of Modern History 65 (1): 1 – 25
Turner, Terry
1992 Defiant Images. In Anthopology Today 8 (6): 5 – 16
Weiner, James
1994 Televisualist Anthropology. Cultural Anthropology, Spring 1996
Whitten, Norman
1997 “Ethnogenesis”. In Encyclopedia of Cultural Anthropology, ed. D. Levinson and
M. Ember. New York: Henry Holt
28:

“Vendo o mundo do outro, você olha para o seu”:
a evolução do Projeto Vídeo nas Aldeias
PAT A U F D E R H E I D E
Journal of Film and Video, Volume 60, Número 2, Verão 2008, pp. 26-34 | Publicado pela University of Illinois Press DOI: 10.1353/jfv.0.0001
Qual o propósito do filme etnográfico? A quem ele serve? Aos cientistas, ao
1
público televisivo, aos sujeitos? Pode haver sobreposições ou objetivos em
comum? Essas difíceis questões acompanham grande parte da produção de fil-
mes etnográficos. Elas costumam ser abordadas mais na prática que na teoria,
em parte devido aos constrangimentos econômicos envolvidos na produção ci-
nematográfica. Os antropólogos não têm conseguido financimento nem para
embutir a produção de filmes no trabalho de campo, nem para estabelecer um
conjunto rigoroso de padrões profissionais – um ponto em que têm insistido
antropólogos como Jay Ruby. Ao mesmo tempo, a prática do documentário tem
evoluído divorciada de preocupações teóricas com o rigor científico, ainda que
alguns documentaristas tenham se capitalizado através de reivindicações de
cientificidade (Winston).
O filme etnográfico e a antropologia visual se sobrepõem parcialmente, mas
também ocupam domínios diferentes. Os antropólogos visuais, preocupados
com a política da representação bem como com o desafio de comunicar a ex-
periência vivida de culturas diferentes, têm desde sua primeira geração busca-
do delimitar uma arena própria dentro da prática antropológica. Eles têm le-
vantado questões sobre a ética e as implicações de escolhas formais na
fotografia, filme e vídeo. Eles têm se engajado com questões referentes à na-
tureza das alegações feitas a partir da ótica das ciências sociais, e às suas
obrigações morais para com seus sujeitos. Alguns destes também eram cine-
astas. Ao mesmo tempo, muitos cineastas sem treinamento formal algum rei-
vindicam o termo “filme etnográfico”; basta que haja no seu tema algum as-
pecto trans-cultural. Alguns destes refletem sobre suas escolhas formais, suas
291
relações com os sujeitos, e seu papel público. Muitos trabalham sem refletir
sobre a natureza das relações estabelecidas entre cineasta e sujeito, e entre
cineasta e público. Mesmo quando sujeitos tradicionais tornam-se cineastas,
como no programa Vozes Nativas da Universidade de Washington, isto não
necessariamente se liga à antropologia; o Vozes Nativas é um projeto do depar-
tamento de comunicação.
A maioria dos cineastas que trabalha fora do ambiente puramente aca-
dêmico costuma se ligar a modos de produção responsivos aos mercados
televisivos. Assim, eles adotam estratégias formais dentro daquilo que é
aceitável para veiculação. Grande parte do trabalho produzido para o mer-
cado educacional observa essas mesmas convenções. Os professores normal-
mente utilizam trabalhos que foram pensados tendo em mente os imperativos
dos mercados televisivos comerciais ou semicomerciais.Inevitavelmente, tan-
to antropólogos (formados ou não em antropologia visual) como cineastas
profissionais têm utilizado o termo “filme etnográfico” para descrever seu
trabalho. A linha entre o trabalho dos cientistas sociais e dos cineastas
profissionais é tênue aos olhos do grande público. Um exemplo é o filme The
Story of the Weeping Camel (2003). Passado na Mongólia, ele foi produzido
a partir de um roteiro ficcional concebido por coprodutores mongóis e
italianos, estrelado por não-atores a quem foram designados papéis, e
representava uma comunidade nômade como muito mais isolada do que o
permitido pelo comércio de sal do qual ela participa. Não obstante, ele foi
amplamente divulgado como uma versão autêntica da vida quotidiana na
Mongólia.
Qualquer forma documentária lida com o problema vital da veracidade
– não apenas se certos fatos estão corretos, não apenas se uma represen-
tação faz justiça e está bem contextualizada; também para quem, e por
quê, ela é relevante. O filme etnográfico levanta essa questões de modo
central porque o termo em si implica alteridade – implica que o filme etno-
gráfico é um olhar de fora sobre uma determinada cultura, e como tal per-
mitiria ao público uma espiadela para dentro dela. Essa reivindicação de
um olhar privilegiado intensifica as questões éticas que perpassam o cine-
ma documentário. Tais questões éticas e epistemológicas tornam-se ainda
mais agudas nos casos, um tanto comuns, em que os sujeitos do filme et-
nográfico são membros de grupos culturais com menos poder na sociedade
e na mídia que o cineasta.
A questão da função do filme etnográfico – a quem ele diz suas verdades,
dentro de qual contexto, servindo a qual propósito – é encarada com ousadia
quando os projetos engajam diretamente os sujeitos do filme como coproduto-
res e cocineastas. Isto aparece de modo incisivo numa conhecida estória conta-
da pelo antropólogo-cineasta Sol Worth sobre Sam Yazzie. Juntamente com
John Adair, Worth conduziu na década de 1970 o Navajo Film Project. O projeto
buscava ensinar ao povo Navajo técnicas de produção cinematográfica sem a
imposição de filtros estéticos ou ideológicos. Quando o projeto foi apresentado,
o velho Sam Yazzie perguntou, “Fazer filmes fará algum mal às ovelhas?”. Após
ser tranquilizado pelo cineasta, Yazzie continuou, “Fazer filmes fará bem às
ovelhas?”. Bom, também não, responderam eles. “Então por que fazer filmes?”
Worth escreveu: “A questão de Sam Yazzie continua nos assombrando” (Worth e
Adair, apud Ruby).
Essa questão não chegou a assombrar o projeto brasileiro Vídeo nas Al-
deias2, porque ela foi desde o início colocada em primeiro plano. A resposta a
ela, todavia, flutuou ao longo do tempo, ao passo de variações políticas, so-
ciais e pessoais. O projeto começou em 1986 e tem, ao longo dos anos, facili-
tado a produção de dezenas de filmes por ou com grupos indígenas das terras
baixas do Brasil. Os diretores da organização – brasileiros não-indígenas –
também fizeram filmes explicando o projeto para financiadores e para o públi-
co em geral. O projeto, que sobrevive do apoio de uma fundação privada inter-
nacional e da venda de seus produtos, experimentou uma evolução de sua
auto-definição que é bastante ilustrativa.
Ativistas falando por...
O projeto Vídeo nas Aldeias nasceu do envolvimento de seu fundador, Vincent
Carelli, com a causa indígena a partir de 1969. Tratava-se do início de um pe-
ríodo de intensa politização da questão dos direitos dos índios no Brasil. Após
um golpe de direita, o governo militar criou no final dos anos 60 uma nova
agência indigenista, a Fundação Nacional do Índio (Funai), para proteger os
direitos dos indígenas, que tinham legalmente o status de crianças. A Funai,
que sempre foi uma agência altamente politizada, tinha a dupla função de
supervisor oficial da aculturação dos índios na sociedade brasileira (tipica-
mente, no sentido de se tornarem camponeses sem terra); como um facilitador
do desenvolvimento na Amazônia, ao retirar os índios do caminho através da
criação de reservas protegidas; e como uma polícia de fronteira na definição
de quem poderia ser considerado índio. A Funai e os generais queriam que o
menor número possível de pessoas se enquadrasse nessa definição, e busca-
vam usar a “aculturação” (i.e., vestimentas, uso da língua portuguesa, intera-
ção com brasileiros) como indicador de exclusão.
Desastres amplamente divulgados envolvendo o “primeiro contato” a par-
tir da abertura de novas estradas na Amazônia deram aos povos indígenas
visibilidade nacional; mas, em larga medida, as questões culturais indígenas
escaparam à censura e à repressão militar. Alguns antropólogos e ativistas
se ligaram ou trabalharam com a Funai para proteger grupos indígenas; al-
guns trabalhavam de modo independente. Grupos conhecidos como “comis-
sões pró-índio” de defesa dos direitos indígenas se multiplicaram a partir de
1978, após a Funai anunciar um plano de “emancipação” (i.e., redução dos
direitos) dos chamados índios aculturados. As questões em pauta incluíam o
direito de se autoidentificar como índio, o direito à terra e o acesso a servi-
ços governamentais. A identidade indígena – um conceito novo para muitos
grupos amazônicos das terras baixas que tinham contato mínimo mesmo
com outros povos fora de seu grupo linguístico, quanto menos com brasilei-
ros – tornou-se uma arma política chave, facilidada por grupos pró-índio
(Stephan Schwartzman, Environmental Defense Fund, comunicação pessoal,
19 de março de 2007).
Além disso, o projeto Vídeo nas Aldeias teve lugar num momento em que,
internacionalmente, os indígenas (ou povos do Quarto Mundo) começavam a
exigir acesso à mídia e a reconhecer a importância da mídia numa luta para a
292
qual buscavam aliados, indígenas ou não. O crescimento da produção indígena
foi visível no mundo inteiro: no Canadá, onde os Inuit chegaram a estabelecer
uma rede de televisão inteira para uma nova area autônoma (Ginsburg, Abu-
Lughod e Larkin 41–44; Roth); na Austrália e na Nova Zelândia (Michaels); na
Escandinávia; nos Estados Unidos (Worth e Adair), entre outros lugares. O
significado dessa nova produção midiática foi amplamente debatido: tratar-
se-ia de uma barganha faustiana ou de uma nova ferramenta de engajamento
político e social? (Ginsburg; Turner)
Vincent Carelli, um brasileiro de primeira geração, começou a trabalhar
com os índios enquanto adolescente, em 1969. Aos vinte anos, ele mudou-se
para uma aldeia indígena, e se apaixonou romanticamente pela cultura. “Eu
simplesmente queria ser índio”, ele recordou tempos depois, “mas os índios
queriam um amigo que lhes desse a chave para entender o que acontecia em
volta deles, que lhes ajudasse a se defender das doenças que afligiam a al-
deia” (Corrêa, Bloch e Carelli, 21). Após um breve período de trabalho com a
Funai que lhe abriu os olhos, ele se uniu a organizações ativistas. Fotógrafo,
começou a coletar fotografias históricas para um arquivo que os índios pu-
dessem consultar – e eles o fizeram, especialmente na busca por parentes
que haviam morrido no inevitável contágio do contato. Ele era movido pelo
objetivo político de sobrevivência cultural dos grupos indígenas (Aufderhei-
de 274–88).
Em 1986, Carelli iniciou o projeto Vídeo nas Aldeias, sob os auspícios de um
grupo de defesa dos direitos indígenas que o projeto acabou ultrapassando.
Originalmente, Carelli entendia seu trabalho como um modo de colocar suas
habilidades profissionais de fotógrafo e videógrafo à disposição das causas
indígenas. “Eu nunca teria imaginado, naquela época, que chegaria a treinar
cineastas indígenas”, escreveu ele (Corrêa et al., 23). O objetivo do projeto era
“tornar acessíveis aos índios a visão, a produção e a manipulação da sua pró-
pria imagem, e ao mesmo tempo permitir que essas comunidades extremamen-
te isoladas pudessem conhecer outros grupos, incitando comparações entre
suas respectivas tradições e experiências de contato com a sociedade nacio-
nal” (Centro de Trabalho Indigenista).
293
Ativistas falando com...
Embora Carelli houvesse decidido dedicar suas habilidades às causas indí-
genas, já no seu primeiro filme ficou evidente que os índios exigiriam al-
gum controle sobre o processo. Mesmo os índios sem familiaridade alguma
com a produção cinematográfica reconheciam que a representação tinha
poder, e queriam fazer valer seu direito a parte desse poder. A Festa da Moça
(1987), que mostra como os índios Nambiquara reintroduziram elementos
mais tradicionais num ritual após terem assistido sua própria performance
deste ritual em vídeo, acabou tornando-se uma coprodução com um líder
Nambiquara. O líder queria ter certeza de que seu grupo seria representado
como bravo e competente na defesa do seu território e da sua cultura. Esta
era uma época em que os índios passaram a levar vídeos para negociações
políticas com brasileiros, e assim a associar contar estórias com a defesa
da sua cultura.
Carelli e sua (hoje falecida) esposa, a antropóloga Virginia Valadão, come-
çaram a documentar a vida dos índios com sua ajuda. Seus primeiros filmes,
que eram ferramentas para levantar fundos para o projeto e para a auto-
conscientização dos próprios índios, incluíam elementos estilísticos padrão
como entrevistas in loco e voz em off. É claro, essas entrevistas posicionam o
diretor como no controle da situação, e a voz em off establece a versão onis-
ciente do narrador da estória. O Projeto Vídeo nas Aldeias atraiu rapidamente
antropólogos brasileiros, que muitas vezes eram também anti-Funai e ativis-
tas na defesa da cultura indígena. O trabalho com os antropólogos convenceu
Carelli a refletir sobre suas estratégias formais enquanto veículos do poder da
representação. Ele adotou abordagens do cinema direto, reduzindo a voz em
off e capturando os debates dos índios sobre questões de identidade após eles
terem visto os filmes.
O trabalho do Vídeo nas Aldeias revelou, de modo inegável, que os índios
utilizavam o vídeo para refletir de modo produtivo sobre sua própria produção
e reprodução cultural. Assim, os próprios filmes respondiam diretamente às
preocupações bem intencionadas de financiadores e espectadores de que o
vídeo poderia vir a poluir uma cultura pristina. Carelli e Valadão começaram a
documentar, em uma série, encontros entre grupos indígenas com laços cultu-
rais e linguísticos. A Arca dos Zo’é (1993) foi um sucesso não apenas entre os
grupos indígenas que fizeram o filme – um dos quais era mais familiarizado
com a cultura brasileira e podia assim dar conselhos àqueles de contato mais
recente – mas também entre audiências internacionais.
Além disso, eles trabalhavam com os índios para produzir documentações
menos fílmicas de rituais e vídeos para trocar com outros grupos; eles estabe-
leceram videotecas em cerca de trinta aldeias. Este trabalho era concebido
nos termos escolhidos pelos indígenas. Os Waiãpi, por exemplo, acreditam
que a imagem de vídeo traz a presença da pessoa; há portanto precauções
especiais a serem tomadas quando os sujeitos do vídeo se veem. Eles também
têm um princípio rígido de reciprocidade, e mostram seus vídeos apenas para
aqueles que eles “conheceram” através do vídeo. Entre os Xikrin e os Xavante,
os chefes devem negociar diretamente entre si as exibições (Centro de Traba-
lho Indigenista).
Os filmes feitos pela equipe do Vídeo nas Aldeias começaram a circular
em festivais de cinema nacionais e internacionais. Carelli então se deu
conta do choque entre as expectativas do público e o seu objetivo princi-
pal. O público do Norte global esperava o reforço da noção romântica de um
modo de vida primitivo, puro, estático, bom selvagem, tragicamente con-
denado e digno de pena. Carelli e os índios que coproduziam os filmes, por
sua vez, queriam que os espectadores os entendessem como pessoas com
uma vida cultural que valia a pena defender, que está em constante mudan-
ça ao longo do tempo mas que tem tanta integridade como qualquer outra.
Com frequência, notou Carelli, os espectadores concentravam essa frustra-
ção na pessoa dele.
Carelli acha que, no geral, esse público não compreendia as realidades
da Amazônia. Alguns o acusavam, por exemplo, de contaminar a pureza da
cultura indígena ao levar a eles a televisão. Mas a maioria dos grupos ama-
zônicos já tinha acesso à mídia brasileira em 1986. Em ambientes univer-
sitários, Carelli se via com frequência acusado de passar por cima das estó-
rias das mulheres porque ele e Valadão trabalhavam invariavelmente com
as lideranças masculinas das tribos amazônicas, e permitiam a elas ditar os
termos do projeto. Ele também enfrentava a acusação de que, enquanto
diretor, falava pelos índios, ao invés de permitir que viesse à tona uma
estética indígena. Todavia, os espectadores dos festivais não assistiam os
vídeos que eram inadequados ao formato festival, entre eles a extensiva
documentação feita pelos grupos indígenas dos seus próprios rituais. O
projeto Vídeo nas Aldeias tirava proveito da vitrine dos festivais para di-
vulgar vídeos concebidos como demonstrações do sucesso do projeto, ten-
do em mente financiadores potenciais.
O público dos festivais também não dava conta das realidades políticas por
detrás do projeto Vídeo nas Aldeias, que emanavam do seu objetivo primordial
de apoiar e fortalecer a posição política dos índios face ao Estado brasileiro.
Carelli, por exemplo, sempre escolhia trabalhar com o indivíduo ou facção
que parecia ser mais capaz de fazer uso político dessa ferramenta (ao invés de
alguém que quisesse seguir uma carreira de cineasta). Ele aceitava as desigual-
dades de gênero existentes em muitas aldeias amazônicas. Ele mostrava índios
bebendo e bêbados, quando beber era parte de uma cerimônia ritual. Ele inclu-
sive manteve em um filme uma cena onde os índios discutindo se deviam ou não
deixar os brancos vê-los bêbados (Vincent Carelli, comunicação pessoal, 21 de
julho de 1993).
O projeto Vídeo nas Aldeias fincou uma posição firme sobre o propósito e o
público do seu trabalho. As funções centrais do trabalho em vídeo produzido
através do projeto não eram nem acadêmicas nem comerciais, mas políticas. Os
filmes feitos por e com os índios estavam a serviço do fortalecimento da iden-
tidade tribal e da consciência da ideia de “índio”, com a qual alguns grupos não
estavam habituados. A outros faltava consciência do enorme significado polí-
tico de se autoidentificar como índios, o que os permitia agir em conjunto
quando pressionados pelo governo ou pelas empresas brasileiras. Os filmes
feitos por Vincent e outros cineastes brasileiros dentro do projeto – tipicamen-
te, antropólogos ativistas – tinham objetivos tanto políticos como econômicos
de manter o projeto funcionando através de apoio financeiro internacional.
Eles dependiam de suas relações próximas com os grupos indígenas na criação
dos trabalhos, assim como de sua própria análise política, para manter os pro-
dutos úteis para seu propósito político primário.
Os índios rapidamente compreenderam o status trazido por ter habilida-
des com vídeo, uma videoteca, e atenção para além das fronteiras da Funai.
Eles começaram a usar os vídeos como cartão de visita à medida em que
estabeleciam relações com grupos culturais aparentados no desenvolvi-
mento de coalizões políticas. Utilizavam seus próprios vídeos na formação
dos jovens, e como livros de memória. Tinham que lidar com os inevitáveis
problemas de armazenamento e defeito nos equipamentos, voltando sem-
294
pre ao Vídeo nas Aldeias para respostas. Carelli se viu em meio a uma batalha
perpétua para convencer financiadores do Norte global a apoiar um projeto
que, com o sucesso, havia perdido sua novidade, mas que não logrou encon-
trar apoio por parte da fonte de recursos mais importante dos índios: o Es-
tado brasileiro.
Índios Fazendo Notícia
O Vídeo nas Aldeias se valeu de uma nova legislação cultural que ofereceu uma
oportunidade para que os índios fizessem um programa regular na televisão
regional amazônica em 1995 e 96. O Programa do Índio (um trocadilho, já que
o termo significa tanto programa de TV do índio como um programa chato) era,
estilisticamente, um programa de notícias locais padrão no formato revista,
com anunciantes, stand-ups, voz em off, imagens de cobertura, e atrações
diversas. Só durou um ano mas, para os índios amazônicos, foi um projeto de
vídeo chocante e estimulante, e que ainda é assistido. Para eles, notou Carelli,
significou ver-se em pé de igualdade com os brasileiros aos quais eles assis-
tiam nos jornais.
Inspirado por programas de formação que ele havia presenciado em suas
viagens peripatéticas pelos festivais, Carelli organizou em 1997 um encontro
entre índios de várias das aldeias nas quais ele havia trabalhado e estabelecido
videotecas, para discutir um novo foco para o projeto. Então, Virgínia Valadão
faleceu repentinamente de um problema cardíaco em 1998. Sua morte – uma
tragédia para a família, que incluía duas crianças em idade escolar – também
afetou o projeto. Carelli, cujo trabalho como cineasta continuamente envolvi-
do no circuito internacional era possibilitado por Valadão, passou a buscar um
novo papel de facilitador do trabalho de outros.
Cinema Vérité na Amazônia
Quando Carelli começou a refletir sobre como desenvolver um programa de
formação, ele se apoiou em uma brasileira há muito residente na França, Mari
Corrêa. Ela havia trabalhado no Ateliers Varan, estabelecido em 1981 pelo
célebre antropólogo e cineasta Jean Rouch.
Rouch, um antropólogo que chegou à disciplina após seu trabalho como
engenheiro no oeste africano durante a época colonial, foi um dos fundadores
do moderno filme etnográfico, bem como um dos inventores do cinema vérité
295
(ou cinema direto, como ele eventualmente passou a chamá-lo). Ele fez mais
de cem filmes, grande parte em colaboração com seus sujeitos. Suas inspira-
ções incluíam Robert Flaherty – por sua relação de dedicação a seus sujeitos
– e o russo Dziga Vertov, por sua paixão por capturar a vida como ela é e então
se dar o direito de editar aquela realidade e forçar o espectador a reconhecer
a presença do cineasta.
Após um de seus primeiros trabalhos (Les Maîtres Fous, 1955), sobre práticas
rituais sob o colonialismo que chocou espectadores tanto franceses como afri-
canos, Rouch repensou o papel e as obrigações do cineasta. Ele passou a expe-
rimentar cada vez mais com como explorar a subjetividade dos seus sujeitos,
muitas vezes se voltando para a ficção, para a fantasia, e para o desempenho
de papéis. Ele passou a ver a câmera como uma provocação, ou um catalisador,
que desvelasse realidades e conflitos sociais – algo que ele levou mais além ao
olhar para sua própria “tribo” de parisienses em Crônica de um Verão (1961).
Ele queria que seus filmes desafiassem o status quo, inclusive abordagens
não-reflexivas para a ciência e a arte do filme. Ele afirmava fazer filmes sobre
outras pessoas por três razões. De modo mais evidente, ele fazia filmes para
si mesmo e para públicos mais amplos. Mas havia também outra razão: “O
filme é o único método de que disponho para mostrar ao outro como eu o
vejo”. E quando era participativo, o filme tornava-se uma maneira de mudar
a relação antropológica: “Graças ao feedback, o antropólogo não é mais um
entomólogo observando seu sujeito como se ele fosse um inseto (colocan-
do-o abaixo); é como se fosse um estimulante do conhecimento mútuo (daí
a dignidade)” (Eaton 60–62).
O profundo respeito de Rouch pela subjetividade dos sujeitos, sua crença na
capacidade das pessoas de contarem suas próprias estórias, e sua convicção inar-
redável de que valia a pena ouvi-las e vê-las informaram a criação do Ateliers Va-
ran. Após a independência de Moçambique, em 1975, membros do governo con-
tactaram Rouch pedindo que ele e outros documentassem a nova sociedade. Em
resposta, ele encorajou a busca de cronistas do próprio Moçambique. O Ateliers
Varan foi estabelecido em Paris como um local de formação para que pessoas, em
especial do mundo em desenvolvimento, aprendessem habilidades chave de nar-
rativa no estilo do cinema direto adotado por Rouch. Ali, elas não apenas apren-
diam técnicas de cinema, mas também lidavam com as dimensões éticas e filosó-
ficas da representação.
Corrêa assumiu um papel de liderança na reestruturação da missão do Vídeo
nas Aldeias, e também tornou-se esposa de Carelli. Com base em suas experi-
ências, em especial com um grupo indígena da Nova Caledônia, Corrêa se
comprometeu com a noção de que as pessoas podiam e deviam desenvolver
não apenas documentação, mas também estórias capazes de transcender suas
próprias circunstâncias culturais. Ela queria que os índios fizessem filmes que
pudessem – como os filmes feitos por Carelli – ser assistidos em festivais, e
também servir como narrativas para uma cultura indígena emergente (Corrêa
et al. 33–39)
O primeiro desafio de Corrêa, enquanto alguém submersa no cinema direto, foi
que os índios só consideravam como temas adequados para filmagem os rituais
tradicionais. A vida quotidiana era quando nada acontecia. Corrêa queria quebrar
essa preconcepção para chegar, de uma maneira diferente, ao mesmo o objetivo
de Carelli: criar consciência, entre índios e não-índios, de sua humanidade através
de expressões culturais particulares. Os alunos começaram então a seguir na roti-
na diária temas selecionados, descobrindo nela mini-estórias. Eles desenvolve-
ram relações íntimas com seus sujeitos, que participavam na formatação de suas
próprias imagens. Essa relação tinha, segundo Corrêa, implicações tanto morais
como estéticas: “Ao ver esses filmes, nós não nos deparamos portanto com a
‘verdadeira realidade’ dos índios, mas com uma interpretação constituída de ao
menos dois pontos de vista: o da pessoa que filma e o daquele que consentiu em
ser filmado” (Corrêa et al. 37). Em 2000, o Vídeo nas Aldeias – até então um pro-
jeto de outra organização – torna-se uma organização autônoma.
Os índios que trabalharam através dessas oficinas produziram uma gama de
filmes que têm um apelo emocional e narrativo notável. Das Crianças Ikpeng
para o Mundo (2002) dos Ikpeng é uma encantadora carta em vídeo feita por
crianças de uma tribo amazônica em resposta a uma carta em vídeo sobre a
vida quotidiana recebida de Cuba. O Dia em que a Lua Menstruou (2004) entre-
laça a estória de um mito amazônico com comentários que sugerem seus dife-
rentes significados para diferentes membros da tribo Kuikuro. Esses filmes
hoje circulam em festivais de cinema pelo mundo.
Esse sucesso renovado também engendrou uma missão politicamente mais
difusa. Individualmente, os cineastas não são necessariamente responsivos
ou responsáveis pelo seu trabalho diante dos líderes tribais, e o foco do proje-
to não é mais primariamente político. Ao mesmo tempo, o trabalho reflete a
crescente complexidade das relações entre os índios, o Estado e a cultura bra-
sileiros, e os desafios da adaptação incessante pela qual devem passar as cul-
turas indígenas para que sobrevivam.
Contar estórias enquanto política
Em grande parte, os cineastas indígenas ainda veem seu trabalho criativo
como eminentemente político. Isaac Piãko, por exemplo, um cineasta e pro-
fessor Ashaninka, celebrou a importância de fazer vídeo ao comentar que
“Você vê o mundo do outro e olha para o seu próprio” (Corrêa et al. 18). Ele se
referia não apenas ao mundo dos brasileiros e dos índios, mas também ao
ponto de vista de outros dentro da sua própria tribo e aos costumes de outras
culturas indígenas.
O vídeo é para ele um caminho para a compreensão – para os brasileiros com-
preenderem os índios, que eles costumavam ver como preguiçosos; para os ve-
lhos compreenderem os jovens, que querem entender tradições há muito guarda-
das por eles; para os Ashaninka compreenderem outras culturas tribais cujos
costumes os repelia. Para ele, essa compreensão é, antes de tudo, uma ferramen-
ta política para a sobrevivência da cultura Ashaninka: “É importante compreen-
der o povo Ashaninka, mas é mais importante compreender os meios através dos
quais defendemos nosso povo e nossa terra”. Ele não está preocupado com a in-
trodução de uma tecnologia brasileira. Piãko se opôs à chegada da televisão
comercial em sua aldeia, mas ela chegou à aldeia mesmo assim. Agora ele quer
participar dela.
O Vídeo nas Aldeias, diz ele, ofereceu a eles um caminho para participar e
ganhar algum controle sobre essa nova alternativa de comunicação. “Não
importa o quanto fortaleçamos nossa cultura e nossa língua, nós vamos
mudar (...) a questão não é que o vídeo é diferente, mas como usar o vídeo
(...) Alguém de fora da nossa aldeia pode nos ensinar a usar o vídeo, mas
somos nós que estamos fazendo essa mudança” (Corrêa et al. 19).
Para quem e para quê?
Para o Vídeo nas Aldeias, a resposta à questão para quem e para quê esses
filmes são feitos muda com o tempo. Mas os organizadores do projeto Vídeo
nas Aldeias sempre têm uma resposta. Alguns dos filmes foram feitos para
convencer financiadores e outros apoiadores internacionais do valor do pro-
296
jeto como um todo. Outros – por exemplo, A Festa da Moça – foram feitos
para permitir que um povo veja a si próprio. Alguns foram feitos pelos índios
para registrar celebrações e rituais significativos, manter um registro, deixar
uma memória para seus descendentes, e para compartilhar sua cultura com
grupos aparentados. Alguns foram feitos para encontrar estórias dentro da
cultura da vida quotidiana, e para explorar as responsabilidades do próprio
projeto narrativo.
Todos esses objetivos encontram-se unidos pelo fio comum de expressar,
apoiar e fortalecer a identidade dos índios amazônicos enquanto índios ama-
zônicos – não apenas enquanto membros de um grupo cultural e linguístico
particular, mas também como uma coleção de tais grupos, que compartilham
um conjunto de problemas comuns face ao Estado e à sociedade brasileiros.
É um projeto altamente político, mas não-partidário. Ele é político num
sentido que deve ser familiar ao público americano, porque foi concebido
para criar um público onde antes não havia. Este é um público mobilizado
não para reagir ao longo de linhas partidárias, mas para reagir a configura-
ções de poder – empresarial, governamental, político – que ameacem a qua-
lidade de vida de uma cultura.
O Vídeo nas Aldeias é o cinema etnográfico em sua forma mais clara. Aqui,
expor a questão da função do filme etnográfico resulta em esforços criativos
no sentido de alterar a balança de poder tradicionalmente refletida não ape-
nas no olhar da câmera, mas também nas relações sociais e políticas que ela
(e outras ferramentas expressivas) muitas vezes se limitam a registrar mas
não a desafiar.
297
Notas
1. 1. Esse artigo é embasado na pesquisa e análise para o capítulo sobre filme etnográfico de meu
Olhando do chão para cima:
livro Documentary Film: A Very Short Introduction.
2. Os filmes do Vídeo nas Aldeias estão disponíveis nos E.U.A. por meio da Documentary um relato da turnê do Vídeo nas Aldeias
Educational Resources em Watertown, MA (http://der.org).
Referências LUCAS BESSIRE
AUFDERHEIDE, Pat. The Daily Planet: A Critic on the Capitalist Culture Beat. Minneapolis: U of
Antropólogo, New York University
Minne- sota P, 2000.
———. Documentary Film: A Very Short Introduction. New York: Oxford UP, 2007. Publicado na revista American Anthropologist, Vol. 111, nº 1, março 2009
Centro de Trabalho Indigenista. Relatòrio MacArthur: Programa Vozes Indígenes 1992, Projecto
“Video nas Aldeias.” Unpublished manuscript, São Paulo, 1993.
CORRÊA, Mari, S. Bloch, and Vincent Carelli. Mostra Vídeo nas Aldeias: Um olhar indígena. São
Paulo: Banco do Brasil, n.d. (2005).
Recentemente, dois eventos midiáticos importantes fizeram com que as ima- Latino do Smithsonian, pela Embaixada do Brasil e pelo Conselho de Artes do
EATON, Mick. Anthropology, Reality, Cinema: The Films of Jean Rouch. London: BFI, 1979. gens de índios amazônicos voltassem à ordem do dia nos Estados Unidos. Estado de Nova Iorque, a visita oferecia uma rara oportunidade para o público
GINSBURG, Faye D. “Indigenous Media: Faustian Contract or Global Village?” Visual Anthropology Na última primavera, os usuários do metrô de Nova Iorque eram incitados a americano interagir com o fundador e diretor do Vídeo nas Aldeias, Vincent
6.1 (1991): 92–112.
“Fazer um Passeio na Amazônia” através de anúncios icônicos que traziam uma Carelli, com sua codiretora Mari Corrêa, com o produtor e diretor Ernesto de
GINSBURG, Faye D., Lila Abu-Lughod, and Brian Larkin. Media Worlds: Anthropology on New Ter-
rain. Berke- ley: U of California P, 2002. criança amazônica, risonha e de pele morena, de pé ao lado de um vagão de Carvalho, e com cineastas das tribos indígenas amazônicas Xavante, Kuikuro,
MICHAELS, Eric. Bad Aboriginal Art: Tradition, Media, and Technological Horizons. Minneapolis: U metrô sobreposto graficamente. A imagem promovia a apresentação do “Vídeo Ashaninka, Ikpeng e Huni Kuı̃. A turnê foi bem recebida, contando com apro-
of Min- nesota P, 1994.
Amazônia Indígena” pelo Centro de Cinema e Vídeo do Museu Nacional do Ín- ximadamente 700 visitantes.
ROTH, Lorna. Something New in the Air: The Story of First Peoples Television Broadcasting in
Canada. Montreal: McGill-Queen’s UP, 2005. dio Americano. A turnê de dez dias, de 1 a 11 de maio 2008, incluía 17 sessões, Duas semanas após a turnê do Vídeo nas Aldeias, o governo brasileiro divul-
RUBY, Jay. Picturing Culture: Explorations of Film & Anthropology. Chicago: U of Chicago P, mesas redondas, e discussões nas duas sedes do museu em Nova Iorque e Wa- gou uma série de fotos aéreas e um filme curto de tribos voluntariamente
2000.
shington, D.C., bem como no South Street Seaport. Financiada pelo Centro isoladas perto da fronteira com o Peru. A fotografia que mais circulou traz a
TURNER, Terrence. “Representation, Collaboration and Mediation in Contemporary Ethnographic
and Indigenous Media.” Visual Anthropology Review 11.2: 102–6.
WINSTON, Brian. Claiming the Real: The Griersonian Documentary and Its Legitimations. London:
BFI, 1995.
Exibição de filmes do
WORTH, Sol, and John Adair. Through Navajo Eyes: An Exploration in Film Communication and
Q Anthropol- ogy. Albuquerque: U of New Mexico P, 1997. Vídeo nas Aldeias com a
presença dos realizadores
indígenas em Washington,
EUA, no National Museum
of the American Indian,
do Smithsonian Institute.
Foto Vincent Carelli, 2008
298
cena impactante de três figuras próximas a uma pequena maloca de palha em
meio à floresta verdejante. Elas aparecem cobertas dos pés à cabeça com uma
pintura corporal quase sobrenatural, atirando flechas em direção à câmera. A
“descoberta” sensacionalista de uma tribo presumidamente “perdida” captu-
rou brevemente a atenção do mundo, tornou-se uma sensação no YouTube e
despertou grande interesse pela internet. Blogueiros do mundo inteiro de-
batiam se aquelas pessoas deveriam “ser civilizadas” ou deixadas em paz.
A turnê do Vídeo nas Aldeias foi, por sua vez, em larga medida ignorada
pela impresa de língua inglesa. Não obstante, ela foi um evento cataclísmico
de implicações profundas para as compreensões ocidentais sobre os índios
amazônicos. A mensagem passada pelos seus filmes oferece um modo radi-
calmente diferente de entender as relações entre representação, poder, e
humanidade (ou não-humanidade) que ligam o público ocidental àquelas
figuras pintadas anônimas.
Formado em 1986 por Vincent Carelli como parte do Centro de Trabalho
Indigenista (CTI) e apoiado por recursos das Fundações Ford, Rockefeller e
MacArthur, e da Agência Norueguesa de Cooperação para o Desenvolvimento,
o Vídeo nas Aldeias (VNA) facilita o uso do vídeo entre índios amazônicos. O
projeto os forma para que produzam suas próprias imagens e acessem um meio
de articulação com outras tribos que enfrentam desafios semelhantes (Auf-
derheide 1995:84–85). O foco da organização num ativismo cultural voltando
tanto para projetos locais como para preocupações políticas mais amplas faz
com que o VNA consiga privilegiar o processo sobre o produto sem sacrificar os
valores da produção. Desde 1997, quando o projeto tornou-se independente
do CTI, o processo no cerne da visão revolucionária do VNA se baseia na auto-
ria coletiva. Os indígenas que se interessam pelo projeto são treinados na
produção, e convidam pessoas de sua aldeia para ser personagens nos seus
vídeos. Se o “ator” aceita, ele ou ela decide como e o que será filmado. Essa
dinâmica, baseada nos princípios do cinema direto estabelecidos por Jean
Rouch e exportados através do Ateliers Varan, empodera os indígenas. Ela
produz um tipo radicalmente diferente de vídeo híbrido, que tem sido aclama-
do pela crítica tanto acadêmica como cinematográfica (i.e., Aufderheide 2008;
Bernadet 2006; Caixeta de Queiroz 2006; Stam 1997).
A turnê do VNA apresentou ao público uma ampla gama de trabalhos pro-
duzidos dentro desse projeto de vídeo colaborativo. As sessões incluíram a
299
versão do diretor do avassalador filme Corumbiara (2009), que traz um olhar
íntimo sobre a brutalidade genocida contra os índios isolados, e os vídeos
premiados que fizeram do VNA uma entidade reconhecida globalmente –
como A Arca dos Zo’é (1993), O Espírito da TV (1990) e Kiarasa Yo Sati/O
Amendoim da Cutia (2005). Os cinco cineastas indígenas apresentaram tam-
bém trabalhos inéditos que apontavam para novas direções permitidas, em
parte, pelo maior acesso a material de arquivo. Vídeos como Já me Transfor-
mei em Imagem (2008) de Zezinho Yube e Pirinop, Meu Primeiro Contato
(2005) de Mari Corrêa e Karané Txicão utilizam imagens de arquivo para fazer
do projeto de memória sempre implícito no processo participativo do VNA
um tema fílmico explicitamente central. De Volta à Terra Boa (2008) – pen-
sado como um vídeo contextual para a seção Panará de um DVD a ser lançado
reunindo o conjunto do trabalho do VNA – trouxe temas familiares ao corpus
do projeto tais como performances rituais e detalhes da vida quotidiana,
juntamente com cenas de arquivo inéditas de expedições dos irmãos Villa-
Bôas. O vídeo, elegantemente filmado, coloca um argumento sutil pelos di-
reitos dos Panará, e demonstra como o processo do VNA pode ser persuasivo
quando canalizado para arenas mais explicitamente políticas. A natureza
profundamente colaborativa desses vídeos traduz tópicos notoriamente di-
fíceis como genocídio, violência e contato em detalhes comunicáveis da
vida humana de forma fascinante – como quando um velho Huni Kuı̃ explica,
hesitante, que os números toscamente tatuados no seu braço haviam sido
feitos por barões da borracha que um dia o tiveram como escravo (Xina
Bena/Novos Tempos [2006], de Zezinho Yube).
Muitas das cenas do trabalho do VNA evocam as mesmas imagens icônicas
das fotos aéreas do governo, ao celebrarem o impressionante visual de pe-
nas, corpos, pinturas e paisagens exuberantes da Amazônia. Mas o trabalho
do VNA expande e inverte narrativas simplistas de vitimização ou primitivis-
mo, ao mesmo tempo em que essas imagens as ativam – e o que é surpreen-
dente, com poucas notas dissonantes. O resultado é encantador, como no
caso de Marangmotzingo Mirang/Das Crianças Ikpeng para o Mundo (2001),
talvez a produção mais conhecida do VNA. Nesse vídeo de tirar o fôlego –
originalmente enviado como resposta a uma carta em vídeo de crianças da
Sierra Maestra, em Cuba – os quatro jovens narradores da tribo ikpeng levam
o espectador, de modo gentil e sincero, à sua vida quotidiana. Falando dire-
tamente à câmera, misturando uma franqueza desarmada a um humor gra-
cioso, as crianças mostram as pessoas e atividades que dão sentido às suas
vidas. Elas fazem brinquedos, catam conchas, nos mostram sua comida e
dançam numa festa da aldeia. A própria audiência é um personagem impor-
tante do filme, ao ser frequentemente questionada e convidada a enviar um
vídeo em troca. Esse simples realinhamento entre público, objeto e sujeito
tem um efeito profundo: ele localiza a diferença cultural dentro de uma hu-
manidade universal. Filmes como esse tornam possível imaginar aquelas três
figuras anônimas na foto divulgada pelo governo brasileiro como uma mãe,
um pai, ou filhos.
Não é de surpreender que a visão inovadora de Carelli e Corrêa tenha sido
objeto de controvérsia. Os mesmos argumentos batidos que poderiam ser
utilizados para justificar a objetificação sensacionalista e reducionista de
índios “não-contactados” ou “descobertos” foram usados para criticar o
projeto VNA. Racistas alegaram que os índios eram incapazes de manipular
tecnologias tão complexas, enquanto primitivistas românticos argumenta-
ram que essa intervenção contaminaria sua suposta pureza cultural.
A turnê do VNA revelou a irrelevância fundamental dessas preocupações
fora de lugar. Ao invés de constituir seja uma ameaça seja uma promessa
para a “cultura tradicional”, os vídeos expõem e exploram mundos inteiros
de reprodução social, com todas suas fissuras e fragilidades. Torná-los tanto
sujeito como objeto desses vídeos levanta uma serie de questões. Os cineas-
tas normalmente evitam mostrar as negociações e conflitos internos às al-
deias envolvendo a produção e circulação de imagens, embora essas discus-
sões possam aparecer em making of’s que acompanham as compilações em
DVD. Num certo momento, eu cheguei a me perguntar se o desencontro entre
um público ocidental orientado para o contexto e um público indígena que
poderia preferir não tocar em tópicos controversos não acabaria resultando
numa imagem excessivamente harmônica ou unificada. Mas como aponta
Alcida Ramos (1998), essas imagens unificadas podem ser cruciais para a
eficácia performativa das reivindicações por direitos indígenas no contexto
nacional brasileiro.
Os quatro realizadores indígenas abordaram habilmente essas preocupa-
ções nas mesas redondas. Em diversos momentos durante a turnê, cada um
deles enfatizou como os resultados positivos do processo de trabalho com o
vídeo transbordavam os produtos editados, especialmente em termos da
organização das comunidades. Takumã Kuikuro discutiu como o vídeo in-
fluenciou suas comunidades enquanto instrumento pedagógico. Divino Tse-
rewahú o apontou como catalizador e arquivo da prática ritual, e mesmo
como um caminho para o fortalecimento das relações intergeracionais entre
os jovens cineastas “modernos” e os velhos “tradicionais” – um caso ilustra-
do pelos filmes de Zezinho Yube que trazem seu pai. Numa das mesas redon-
das, Yube contou como sua comunidade superou a resistência inicial ao ví-
deo. Isto se deu, disse ele, quando eles perceberam “que isso era nosso”
(notas de campo, 10 de maio).
Implodir a diferença entre “deles” e “nosso” sugere que o processo de
empoderamento do VNA pode reconfigurar todo o campo representacional
dentro de certas aldeias. Nesse caso, o controle sobre a mídia eletrônica não
apenas expande a consciência crítica sobre coisas como a TV por satélite e
filmes como Rambo, mas pode também informar reações à objetificação es-
crita dos “povos indígenas” e subverter tecnologias coloniais nocivas que
subsumem a autocompreensão nativa a esquemas temporais ocidentais
(Piãko 2006:12). Através do processo do VNA, os nativos celebram e refor-
çam seus próprios padrões daquilo que Achille Mbembe chamou de “tempo
vivido” (Mbembe, 2001: 8), com toda sua rica multiplicidade e espontanei-
dade; as aldeias participantes têm acesso direto ao tempo do arquivo até
então controlado exclusivamente pelos museus (ver também Corrêa 2006:9).
Ao mesmo tempo, o VNA vem moldando a esfera pública brasileira através de
seus laços como o Ministério da Cultura do país, que levou ao seu reconheci-
mento enquanto um Ponto de Cultura oficial, à transmissão do programa
Índio na TV em rede pública nacional, e a uma serie educativa em dez partes
concebida para o canal brasileiro de aprendizado à distância intitulada Ín-
dios no Brasil.
No mesmo sentido, o processo e a metodologia da produção colaborativa
do vídeo por comunidades indígenas sugerem potenciais revisões na prática
etnográfica nas terras baixas da América do Sul. No lugar de opor produção
cultural indígena e representação etnográfica, esses processos são abertos
a uma articulação seriamente lúdica e híbrida, estendendo assim os métodos
cinematográficos de Jean Rouch e do Ateliers Varan à produção do conheci-
mento acadêmico. Sugere-se, assim, um papel vital para a antropologia
29:

responsável que vai além das reações “facilitadoras” ou “desconstrutivis-
tas” à crise da representação pós-moderna e pós-colonial.
As visões ricas e humanas dos índios amazônicos proporcionadas por esse
trabalho desfazem as fronteiras que têm há muito se colocado entre “nós” e
“eles”. As recentes fotos sensacionalistas do “primeiro contato” demonstram
a necessidade permanente desse tipo de projeto, especialmente para grupos
extremamente vulneráveis que tentam viver do modo como bem entendem no
que resta da floresta. A mensagem é nada menos do que a diferença entre olhar
para baixo de um avião que circula e ver a si próprio a partir do chão, olhando
para cima. Q cão e Natuyu Yuwipo, dirs. 35 min. Vídeo Nas Aldeias, Pernambuco.
Nota de Agradecimento
Agradeço especialmente a Faye Ginsburg, Amalia Cordova, e Ernesto Ignacio de Carvalho pelos
comentários construtivos sobre este ensaio.
Referências Citadas
AUFDERHEIDE , Patricia 1995 The Video in the Villages Project: Videomaking with and by Brazilian
Indians. VAR 11(2):83–93. De Volta à Terra Boa 2008 Mari Correa e Vincent Carelli, dirs. 21
min. Vídeo Nas Aldeias.
2:1
BERNADET , Jean-Claude 2006 Vídeo nas Aldeias, Documentary and “Otherness.” In Video in the
Villages Exhibition: Through Indian Eyes. Brasília: Banco do Brasil.
CAIXETA DE QUEIROZ , Ruben 2006 Politics, Aesthetics and Ethics in the Project Video in the Villa-
ges. In Video in the Villages Exhibition: Through Indian Eyes. Brasilia: Banco do Brasil.
CORREA , Mari 2006 Video from the Villages. In Video in the Villages Exhibition: Through Indian
Eyes. Brasilia: Banco do Brasil.
Crônicas de um Genocídio 2008 Vincent Carelli, dir. 120 min. Unreleased Director’s Cut.
Já me Transformei em Imagem 2008 Zezinho Yube, dir. 31 min. Vídeo Nas Aldeias, Pernambuco.
Kiarasa Yo Sati/O Amendoim da Cutia 2005 Paturi Panara e Komoi Panara, dirs. 51 min. Vídeo Nas
Aldeias, Pernambuco.
Marangmotxíngmo Mirang/Das Crianças Ikpeng para o Mundo, 2002, Kumaré Txicão, Karané Txi-
MBEMBE , Achille 2001 On The Postcolony. Berkeley: University of California Press.
A Arca dos Zo’é 1993 Vincent Carelli e Dominique Gallois, dirs. 22 min. Vídeo Nas Aldeias, São
Paulo.
PIÃKO , Isaac 2006 You See the World of the Other and You Look at Your Own. In Video in the
Villages Exhibition: Through Indian Eyes. Brasília: Banco do Brasil.
PIRINOP , Meu Primeiro Contato 2005 Mari Correa, Kumaré Txicão e Karané Txicão, dirs. 83 min.,
São Paulo.
RAMOS , Alcida 1998 Indigenism: Ethnic Politics in Brazil. Madison: University of Wisconsin
Press.
O Espírito da TV 1990 Vincent Carelli, dir. 18 min. Vídeo Nas Aldeias, São Paulo.
STAM , Robert 1997 Tropical Multiculturalism: A Comparative History of Race in Brazilian Cinema
and Culture. Durham: Duke University Press
Xina Bena/Novos Tempos 2006 Zezinho Yube, dir. 52 min. Vídeo nas Aldeias, Pernambuco.
“Enfia essa câmera no rabo”
Em “Corumbiara”, o grande vencedor do Festival de Gramado deste ano, as imagens documentais
ultrapassam a função estética e procuram novo sentido ético e político.
L E A N D R O S A R A I VA
Para a revista Retrato do Brasil 27, pg. 41-43, outubro 2009
Marcelo, Vincent e um gupo de índios Mãmãindê, juntam objetos
encontrados no local do massacre dos isolados do igarapé Omerê.
Foto Beto Ricardo, 1986
Como uma flechada, Corumbiara nos impacta violentamente, como especta-
dores desacostumados com um cinema feito de compromissos radicais. As
discussões sobre o estatuto das imagens documentais, a natureza do caráter
ético e/ou político das relações estabelecidas entre quem filma e quem é fil-
mado, ou mesmo a ética (sempre “a ética”, entendida como compromisso in-
dividual entre “autor” e “documentado”) da produção audiovisual com relação
aos abundantes desvalidos retratados – todas essas questões debatidas nos
últimos anos, de especial crescimento do documentário no país, amargam na
nossa boca, tomando um gosto meio pueril defrontadas com a clareza e firme-
za desassombrada dos posicionamentos que movem o filme de Vincent Carelli.
Tamanha contundência tem seu nervo no inconformismo frente à violência
bárbara que rege as relações sociais nas frentes de expansão agrária do país.
Corumbiara se compõe das filmagens feitas por Carelli na região homônima,
em Rondônia, entre 1986 e 2006. Sempre tentando flagrar os criminosos res-
ponsáveis pelo massacre de um grupo indígena que “atrapalhava” fazendeiros
locais – pelo desagradável inconveniente de existir, com o agravante de fazê-
lo sobre terras que os fazendeiros sulistas tinham comprado num negócio de
lucros amazônicos promovido pelo desenvolvimentismo patrimonialista –, o
cineasta acumulou farto material ao longo de duas décadas. Vestígios de ocu-
pação violentamente desfeita, oculta de modo primário, ameaças de jagunços,
depoimentos de trabalhadores que testemunharam o ataque, entrevistas com
especialistas indigenistas, localização de índios que fugiram e sobreviveram e
até mesmo a confirmação do massacre por alguns desses sobreviventes.
2:2

À esquerda, casal de índios Canoê, Tiramantu e Purá, contactados
em agosto de 1995 pela equipe da Funai e pela filmagem.
Acima, Marcelo, da Funai (à direita) e Vincent se despedem dos
Canoê recém contactados.
Fotos Marcos Mendes/AE, 1995
Carelli não tinha a intenção de “fazer um documentário”. Desde o início, o
objetivo era fazer imagens que pudessem servir à causa indígena, comprovan-
do os ataques sofridos, flagrando os responsáveis, provando a existência de
índios remanescentes nas terras da região, para garantir a eles seu uso. O au-
tor de Corumbiara trabalha nas antípodas da autonomia das imagens: ele
busca fazer imagens que provem, acusem, testemunhem.
O filme abre com uma declaração das intenções do realizador. Na tela, as
imagens fortes (pouco importa uma certa precariedade técnica) de um ritual
nambiquara, a “festa da moça”, que ocorre pela primeira vez em 20 anos, ex-
plica o realizador, em consequência direta do processo de gravação e exibição
que o vídeo permitia experimentar na aldeia. É uma espécie de ritual de inicia-
ção do próprio Carelli, até então um indigenista, que se reinventava, em 1986,
como documentarista.
2:3
O cineasta que daí surge, no entanto – e esse é o ponto crucial –, usa a câ-
mera como instrumento da causa indígena. Esse sempre foi o norte da organi-
zação que criou o Vídeo nas Aldeias. Hoje, mais de 60 filmes depois, tendo
atuado junto a dezenas de povos, formando realizadores indígenas de alto
gabarito, com obras lançadas em festivais e no mercado de locação e venda de
vídeos, é uma incontornável referência internacional (ver “Muito além do ví-
deo”, Retrato do Brasil nº 21, abril de 2009).
Foi nesse contexto que Marcelo Santos, indigenista da Fundação Nacional
do Índio (Funai), convidou-o para registrar os vestígios de um massacre de
índios isolados em Corumbiara, o que, conta-nos Carelli, era a chance de dar
um sentido claramente militante ao vídeo, exatamente como ele buscava.
O sentido político das imagens da violência econômica explícita da região
é didaticamente exposto. No “diálogo” com um trabalhador fiel aos patrões, a
fala do rapaz enuncia com objetividade o lugar do Estado de Direito na frontei-
ra agrícola: “Enfia essa câmera no rabo”. A câmera incomoda. Carelli grava os
vestígios materiais do massacre, faz entrevistas, mas é logo interrompido por
um jagunço sofisticado, Dr. Flausino, advogado dos fazendeiros, refinado ide-
ólogo do desenvolvimento a qualquer custo, que nega qualquer violência por
parte desses civilizadores a quem serve, benfeitores, segundo ele, que arris-
cam seu capital naqueles grotões.
Carelli e Santos retornam anos depois, quando o indigenista obtém legiti-
midade na Funai para retomar as buscas. A câmera, agora, está ao lado da lei:
ajuda a forçar a entrada dos oficiais de justiça nas fazendas da área, cujo aces-
so, antes, era negado, em nome do direito de propriedade. E – surpresa! – eles
encontram um pequeno grupo de índios remanescentes, isolados, que há anos
se esforçam para escapar do contato “civilizatório” com os benfeitores para os
quais Dr. Flausino trabalha.
As imagens do contato adquirem um duplo uso. Legalmente, servem como
base para a interdição de uma área que permita aos índios manter seu saudável
isolamento. E são exibidas no Fantástico, o que reforça o primeiro uso, ao
mesmo tempo em que, esperam os realizadores, ajudam a apoiar os direitos
indígenas.
A difusão televisiva, entretanto, revela outra dimensão política da imagem:
o jogo da manipulação. De início, pela própria TV: as imagens de Carelli são
apresentadas no Fantástico sob uma aura sensacionalista, que retira de contex-
to e exotiza os índios com os quais ele fez contato. Mas, de qualquer forma, essa
espetacularização por si só não chega a atrapalhar a ação na Justiça e a inves-
tigação, junto aos índios, do massacre. O jogo se torna mais pesado quando os
fazendeiros montam uma contraversão para os jornais, que parte do imaginário
exotizante, vestindo os índios contatados com roupas brancas e afirmando que,
se havia uma “montagem”, esta havia sido feita por Carelli e Santos.
Enquanto essa batalha segue em curso, Carelli e Santos se esforçam para
provar o massacre original. Estabelecem um convívio cotidiano com os índios.
Junto com a antropóloga Virgínia Valadão, mulher de Carelli (que faleceu du-
rante a longa investigação), descobrem se tratar, na verdade, de dois grupos,
um akunsu e outro canoê (no total, chegam a dez pessoas). As relações entre
eles são complexas, tensas.
A investigação avança com dificuldade. São colhidos depoimentos de tra-
balhadores da fazenda suspeita, mas há muito temor. Os indícios e informa-
ções se acumulam. Nesse meio tempo, outro índio isolado, sobrevivente do
que parece ser outro massacre, mais recente, é encontrado, mas recusa o con-
tato, gerando uma situação quase que paradoxal. O índio foge e resiste, sen-
tindo-se acuado pela câmera, mas só a obtenção de sua imagem pode garantir
na Justiça a sua permanência na terra onde vive.
Fotograma da filmagem de Corumbiara, a única imagem frontal
do índio do buraco, até hoje único sobrevivente de um povo
desconhecido. Foto Vincent Carelli, 2000
2:4

Durante a investigação, Carelli percebe que as imagens que fez para o Fan-
tástico precipitaram a reedição da tragédia anterior, sendo a causa do massa-
cre do grupo ao qual pertencia o índio que tenta filmar: assustados pela divul-
gação da presença indígena e com a potencial interdição de áreas, os
fazendeiros resolveram agir preventivamente. No fundo, o temor do índio que
se esconde tem um triste fundamento. O moinho da frente de expansão conti-
nua dando voltas.
Eventualmente, Carelli obteve um testemunho gravado do chefe akunsu,
confirmando o massacre original. Mas, no lugar da condenação dos culpados, o
que conseguiu foi realizar Corumbiara. Um filme que resultou de um processo de
investigação e militância, lidando, portanto, com outras funções sociais da
imagem, que não a estética: investigativa, jurídica, jornalística, política. Rea-
lizado retrospectivamente com montagem desses materiais, Corumbiara é uma
2:5
Pode-se dizer que também em Corumbiara uma ética se desdobra em esté-
tica. Mas aqui a ética é outra. Não a do encontro intersubjetivo, mas a da ação
política, que leva, por um lado, a relações de aliança mediadas por objetivos
políticos (e não pela subjetividade pura) e, por outro, a relações de confronto
(“Enfia essa câmera no rabo”). Entretecidas com as investigações e jogos de
força e imagem, aparecendo justamente em função dessas tensões políticas,
surgem momentos fortes, de uma qualidade estética para além do subjetivo. A
voz over de Carelli, sóbria, narrando um rosário de horrores sem empostar
quaisquer dramatizações (como quem diz “assim são as coisas”), costurando
À esquerda, passeio pela mata
da filha e mulher de Konibu, lider
dos Akunsu, os sobreviventes do
massacre.
Ao alto, Ururu, a anciã dos Akunsu,
irmã de Konibu, falecida em 2010.
Fotos Vincent Carelli, 2006
narração desses casos de violência social e, ao mesmo tempo, uma meditação
sobre o lugar da imagem nesse circuito. Assim, atuando à margem da especiali-
zação estética, no registro da militância, Carelli extrai daí uma outra estética.
No campo documental, nos últimos anos, muito se falou de uma “ética do
encontro”, que seria também uma estética, para caracterizar o cinema docu-
mental de Eduardo Coutinho (veja-se, por exemplo, O cinema de Eduardo Couti-
nho, de Consuelo Lins. Jorge Zahar, 2004). Em seus documentários, Coutinho faz
da entrevista um palco de improvisos, de retórica, encenação e desnudamento,
onde vale a ética do encontro, ou da busca do encontro – de lampejos de beleza,
como costuma dizer, em que o que vale é o encontro entre duas subjetividades
singulares, mediadas pela câmera. Tudo isso é verdade e tem resultado estético,
numa versão contemporânea e antiespetacular do cinema moderno, em sua Tiramantu Canoê, 25 anos depois do contato, e seu único filho.
atenção aos instantes de invenção, de fuga do convencionado. Foto Vincent Carelli, 2006
a passagem de décadas de sua vida, emociona não pelo lirismo, ou pela nos-
talgia do tempo que se perde, da esposa, que se vai, mas pela firmeza persis-
tente, realista e desassombrada, de quem mantém a militância. Na mesma
chave, a amizade com Marcelo, o reencontro que revela nos rostos e nos corpos
a passagem do tempo, aparece calcada nesse trabalho político que se confun-
de com a vida.
O contraste entre a espetacularização do Fantástico e a delicadeza intensa-
mente emocionante dos planos silenciosos e distendidos do primeiro contato
com os Canoê está emoldurado nesse quadro politizado. Cada gesto, hesitante
e inaugural, entre brancos e canoês, nesse momento raríssimo, de encontro
entre mundos, vibra com uma particular intensidade, dada pela sombra trágica
que paira sobre aquela outra humanidade que se revela à câmera.
Mesmo a fisionomia, o que de mais imediato há nas imagens, o que apreen-
demos de chofre quando vemos um rosto, ou mesmo uma paisagem, adquire
tons específicos conforme a moldura, a atitude geral que move o filme. Sob a
luz política de Corumbiara, a desfaçatez dos fazendeiros, a arrogância do Dr.
Flausino e, sobretudo, as expressões dos índios – a circunspecção defensiva dos
Canoê; a incrível força da performance de conotações xamânicas de Tiramantu,
a jovem mulher canoê; a dignidade de Konibu, chefe akunsu, tocando sua flau-
ta; o acuamento do “índio do buraco” – tudo surge carregado de história.
Corumbiara se encerra com um close de Tiramantu, completamente absorta
na relação com seu filho pequeno. A voz de Carelli, ao longo de toda a sequên-
cia que ali se encerra, pontua a conclusão com um duro balanço das grandes
dificuldades enfrentadas pelos índios com os quais ele fez contato. Lembra-
mo-nos das imagens do primeiro contato e Tiramantu parece outra pessoa. A
estranheza áspera de sua expressão de então se foi. Em seu lugar, há um doce
olhar maternal. Aquele momento de ternura vale como esperança, apesar de
tudo, ou como rendição? A história, impregnada em cada fotograma de Corum-
biara, emoldura até o fim até mesmo a delicada intimidade de Tiramantu. Q
2:6
Vídeo nas Aldeias
CÉLIO TURINO
Historian, writer and public policy manager. He was Cultural Citizenship Secretary at the Ministry of
Culture (2004/2010) and the designer and manager of the Culture Points and Living Culture Programs
As soon as I received the proposal for the Vídeo nas Aldeias Culture Point, I thought to my-
self: “It’s perfect, they are already a Culture Point; they are networked, they’ll spread this ab-
stract concept through their practice.” The Indian before and behind the cameras; scripting,
directing, editing and acting all done by the Indians themselves; the Indian as seen by the
Indian. The making of a new narrative about Brazil, built from the bottom up.
Vídeo nas Aldeias was selected in the very first round of Culture Points funding, back in
2004, when Living Culture was just an idea. One Point only, in the Ashaninka indigenous ter-
ritory, on the shores of the Amônia river, in Marechal Taumaturgo municipality, Acre state,
on the border with Peru. We arrived there. Along with this Point, another two hundred and
ten, dispersed across the forgotten corners of Brazil. A simple idea, born from the firm pro-
posal to invert the logic of public policies: instead of observing need and lack, we would
search for potential, the capacity to act and transform which every human being and every
social group has within themselves, but which has been repressed by centuries of domina-
tion and/or welfarism and paternalism.
With the Culture Point program we show a different way forward: it is not the people who
depend on the State, but the State that depends on the people and it is they, the people, who
the governments must serve. Another simple and clear idea whose logic was inverted by
those who govern, who instead of serving, made the people serve them. The Culture Point
program looked to revive the principle of government serving the people well. At a low cost
per Culture Point (R$ 5,000 per month) we enabled the State to reach the heart of the soci-
ety: this makes a huge difference since nothing is then lost in the twists and turns of the
system’s bureaucracy, and the work is adapted to the reality and needs of each social group.
That is how the Culture Point program was made.
No ready-made recipes on flowcharts. Rather than imposing, being available, asking,
adapting. Was that not precisely how Brazil was made? Mixing its people, adapting to the
tropics? If it worked in this immense country with its tropical and solar civilization, it
surely would have to work in a public culture policy. It worked. Seven years later, having now
left the government, I can accompany countless success stories, people from favelas produc-
ing their films, creating a small cinema industry, a sprawling film set, telling their stories in
their own voice; sophisticated choreographies combining contemporary dance with street
dancing, forming a remarkable Street Ball as I saw in Uberlândia; an orchestra of violins in
samba schools; a staging of Dom Quixote de La Mancha with community theatre groups from
2:7
thirteen Latin America countries, each country playing a different scene; and the films by
the Indians, documentaries and fiction. Films in Xavante, Huni Kuı̃, Kuikuro, Ikpeng... Films
made in the middle of the forest by forest people. The protagonism of the forgotten peoples
emerging from hiding.
That is Vídeo nas Aldeias. That is the Living Culture of a people who make themselves
present and who refuse to accept being governed any more by those who look down on them.
That is the Culture Point program, a pivotal point in which the people are the lever.
Here’s to the Points flourishing in all their uniqueness, enabling the emergence of a
country unlike any other seen before!
For an intercultural cinema
BETO RICARDO
This book-video celebrates 25 years of Vídeo nas Aldeias and is intended as an inspirational
memoir for all those interested in audio-visual production, especially in the documentary
genre, but also for anyone who values and works to strengthen cultural diversity in Brazil and
the world.
The insight that triggered the creation of Vídeo nas Aldeias occurred during an initiation
ritual in a Nambiquara village in Mato Grosso in 1986: the fact that the Mamaindê could im-
mediately access the images recorded during the festival provoked the desire among the elders
to perform the later scenes so that the resulting film would fully reflect their dignified and proud
self-image. This unexpected process was recorded by Vincent Carelli with a VHS camera, an
amateur and portable piece of equipment that was becoming more accessible at the time.
Rooted in the advances achieved by a new civil society indigenism, which prospered under
the military dictatorship of the 1970s and 80s, Vídeo nas Aldeias forms part of a generation of
initiatives that received support from international cooperation and developed long-term con-
nections with many indigenous groups and villages, generating a new and more optimistic
paradigm for the more than 200 peoples living in Brazil.
During this period, various emblematic indigenous leaders emerged on the country’s politi-
cal scene in conjunction with this new indigenism, signalling the permanence of ‘the Indians’
and undermining the idea of Amazonia as a demographic vacuum. They connected with the
social movements resisting the dictatorship and fighting for democracy, which resulted, for the
first time in the country’s history, in a special chapter on collective indigenous rights in the
Federal Constitution approved in 1988.
A new level of rights and visibility, the accumulation of information and intercultural rela-
tions based on dialogue and conviviality, firm and consistent support from international coop-
eration agencies, the growing availability of public funds in Brazil, and increasingly profes-
sional portable filming and editing equipment, allowed the Vídeo nas Aldeias initiative to
prosper with considerable dedication and low production costs.
Over these 25 years, audio-visual records have been made with 37 peoples from various re-
gions of Brazil, each bearing the hallmark of always giving preference to direct expression in
the indigenous languages, with subtitles in Portuguese, Spanish, English and French.
This work has generated an archive of 7,000 hours of raw footage, 87 finished videos and
many national and international awards.
Recent years have seen an increase in the output of young indigenous filmmakers, who have
had the chance to access the new technologies and take part in some of the 127 workshops run
in their communities and at Vídeo nas Aldeias’s head office, currently based in Olinda (PE), in-
teracting with a new generation of non-indigenous fllmmakers and admirers of this initiative.
The cases selected and narratives published in the first half of the book, preceded by a
photographic essay, are a sample of this universe and these trajectories.
In the second half, the book gathers the views of cinema critics, anthropologists and jour-
nalists of the films produced by Vídeo nas Aldeias. Finally two DVDs are included at the end of
book, containing ten films from various phases of the project.
In the globalized environment of today’s information society, eager for content in digital
format, Vídeo nas Aldeias has opened and maintained an intercultural window of opportunity
for young filmmakers, whose fascinating and surprising films relied enormously on the oral
memory and performance of their people’s elders, vigorous sources whose future generations
will be able to make use of the Vídeo nas Aldeias legacy, a contribution extending far beyond
the video library.
Another look, a new image
VINCENT CARELLI
Indigenist, documentarist and founder of Vídeo nas Aldeias
Origins
Vídeo nas Aldeias was born from a passion, my passion as a boy for the Indians. A rebellious
teenager in an existential crisis, I decided to head off on an encounter into the unknown, a
new world, a new start to life. When in 1969, at the age of sixteen, I landed for the first time
in the Xikrin village in the south of Pará, I discovered that the world was much more fascinat-
ing than I had imagined. I wasn’t embarking on a political quest, I threw myself into an
existential adventure.
In the village I was adopted, following the Indian way of welcoming an outsider. Being
adopted also meant participating in all the village’s work on equal terms: carrying gravel to
make the airstrip, setting off on long hunting trips with the men, spending days clearing
trails in the forest for women and children to use on the expeditions, tough jobs for the frail
youth I was at the time. While my ‘Indian father,’ Akruantury, was severe in making sure I
participated in all these moments, when night fell I would sit close to him in the middle of
the village where the men met and he would then tenderly blow smoke and rub spit on my
wounded hands and feet.
During this period I saw spectacular ceremonies among the Xikrin. The feeling that hit me
strongly was that I couldn’t just be one of the few lucky people to see these amazing scenes.
So photography became a necessity to share what few other people had the chance to witness.
Forty-two years later, in 2011, after an absence of more than 23 years, I re-encountered by
father Akruantury, on a trip to Marabá in the south of Pará to run a video workshop with the
Parkatêjê. I arrived at the Indigenous Health Post and there he was sleeping, now very old. I
asked them not wake him and I sat down to wait. when he got up, he took my hands in silence,
lowered his head and started to cry, like a Kaiapó father cries on seeing a son again after a long
absence: a lament, a song that tells of the pain of missing someone. And I cried next to him
from sadness and happiness too. On that day I understood clearly something I had always
known intuitively: I entered indigenism as a son, not as a ‘father of the Indians’ like so many.
State indigenism and alternative indigenism
The political adventure began in 1973 when I joined Funai. This really was a political reality
shock. After the indigenism course in Brasilia, I went back to Pará to return to the Xikrin,
now with the means, I thought, to contribute to the village better. Colonel Nogueira, the
head of Funai in Pará and Amapá, summoned me and told me that I would never be ‘Head of
Post’ among the Xikrin. When, astonished, I asked him why, he replied: “Because you’re a
friend of the Indians.” That was my first lesson in government administration!
After a sojourn among the Asurini, a Tupi-Guarani people who had recently been contacted
on the middle Xingu, I joined the team of the Krahô Project with Gilberto Azanha and Maria
Elisa Ladeira, colleagues during my rapid passage through the University of São Paulo. It was
clear to us all just how damaging and politically demobilizing the government’s authoritarian
paternalism was for indigenous peoples, the famous ‘guardianship.’ It was not the State that
would change the situation of the Indians, they themselves would have to change the course of
their histories. Our mission was to deconstruct the authority of the ‘chief of the Indians,’ pro-
duce enough food to combat hunger and dispersion, and sponsor festivals to regroup the vil-
lages and thereby recompose the social fabric, values and the organization of community life.
The power relations with the Funai administration in Goiás, also headed by a corrupt
colonel, deteriorated and we ended up resigning. If the university wasn’t the place for me,
neither was Funai. A short time after a party of Krahô Indians came to rescue us in São Paulo:
they wanted us back, they couldn’t stand the regression to an authoritarian relation. From
State indigenism we migrated to alternative indigenism, or subversion, as it was called dur-
ing the dictatorship. With a few other colleagues we founded the Indigenist Work Centre
(Centro de Trabalho Indigenista: CTI), where we continued to challenge the abusive power
of the State’s ‘guardianship,’ supporting leaders opposed to the leaders installed by Funai
officers, who shared the Brazilian government’s ideology of ‘assimilation.’ We fought for
basic rights, such as the possibility for the Indians to be represented by independent lawyers
in their disputes with the State, rights that years later were incorporated in the 1988 Con-
stitution. We participated in Brazilian civil society’s search for alternatives.
I began to explore the issue of cultural memory and the image among indigenous peoples
as part of my ten years working for the Ecumenical Centre for Documentation and Informa-
tion (Centro Ecumênico de Documentação e Informação: CEDI) producing a photographic
archive for publication of the Povos Indígenas no Brasil encyclopaedia. During this time I
visited Brazil’s major collections. Enabling the photographs to return to their communities,
returning these records of their history to new generations, could provide the Indians who
were suffering such violent and rapid processes of transformation with a retrospective view
of their process of change.
2:8
First steps
Still in the 1970s, the filmmaker Andréa Tonacci contacted CTI with the proposal for ‘Inter
Povos,’ an intertribal communication project using video. But video was still in its infancy
and the idea failed to take hold. When the first VHS camcorder became available, by now with
17 years experience of working with indigenous peoples and indigenist activism, I decided
to take up the idea and with that Vídeo nas Aldeias was born.
So I went to the Nambiquara, in the north of Mato Grosso, accompanied by Beto Ricardo,
who improvised as my sound technician, and we immersed ourselves in the experience that
would result in my first documentary: The Girl’s Celebration. What interested me about video
was the possibility of immediately showing what had been filmed and allowing the image to
be appropriated by the Indians. It was not a case of arriving “with a camera in the hand and
an idea in the head,” but a camera in the hand and a head open to feedback from the village,
allowing ourselves to be led by their enthusiasm and wishes. That was how the community
leader Pedro Mãmåindê assumed the task of directing my film.
My style of filming, as a self-taught novice, was shaped by this device, which immedi-
ately propelled me into ‘video trance,’ without ever having heard of Jean Rouch or Cinéma
Vérité. The trance, of course, was ours and theirs too: after various performances to adjust
their image, they decided to perform the nose and lip piercing ceremony, a practice aban-
doned for more than twenty years. It was a cathartic experience, extending beyond our ini-
tial expectations, which showed us the power of video as a tool and a methodology.
Next I travelled to the Gavião. The people had just regained control over the sale of
Brazil nuts from their reserve, under the leadership of Krohokrenhum with support from the
anthropologist Iara Ferraz and backing from the Funai president in Brasilia. Winning their
economic autonomy, combined with the recent contact with a new Gavião group who had
subsequently joined Krohokrenhum’s people, had encouraged them to revive their language,
the arrow game and their rituals. Video arrived at the perfect moment for the Gavião project
of cultural revival. Krohokrenhum bought a camera and, inspired by the Nambiquara film,
they staged the boys’ lip piercing ceremony, filmed by the young Raimundo Xontapti.
I filmed extensively during that period, trying to record songs in their entirety, provide a
detailed ethnographic account of the rituals, because that was what the Indians expected. They
would watch everything I filmed a thousand times over. Today the recordings from that time are
historical documents, a memory preserved for the future generations of these peoples.
The same process was begun with the Xavante of Mato Grosso, in partnership with the
anthropologist Virginia Valadão, my wife, and next with the Waiãpi, in Amapá, in a partner-
ship with the anthropologist Dominique Gallois, made very special by her command of the
Tupian language and her relationship with the people extending back over many years. This
resulted in a series of films, including The Spirit of TV, to some extent the cornerstone of the
project. The exchange of images between these peoples prompted the desire for face-to-face
exchanges between closely-related peoples, like the Tupi-speaking Waiãpi and Zo’é, or the
Parkatêjê and Krahô, both belonging to the Timbira located in Maranhão, Goiás (now To-
cantins) and the south of Pará. We sponsored the exchanges and these resulted in two films,
We Gather As a Family and Meeting Ancestors, completing the trilogy we had begun with The
Girl’s Celebration.
Various groups with whom we have worked – like the Gavião, Xavante and Waiãpi – al-
ready had cameras and shot footage to be seen by their own communities and swapped with
others. We began to compile this material and work in small editing workshops in which they
narrated the start of their careers in video and commented on their own filming. This produc-
tion led to shorts like Jane Moraita, Our celebrations by Kasiripina Waiãpi, One Must Be Curi-
2:9
ous by Caimi Waiassé and Thank You Brother by Divino Tserewahú, both Xavante, and Lip
Piercing by Raimundo Xontapti of the Gavião.
An indigenous film school
The project quickly gained international recognition in circles that discuss innovative work
in the area of communication. This ensured it was able to continue thanks to awards for art-
ists from US institutions like the Guggenheim, McArthur and Rockefeller Foundations, along
with funding from international cooperation agencies from Holland and Norway. After being
invited to numerous festivals, I learned about projects similar to our own in Mexico and
Bolivia. That was in the same year, 1986. I also discovered that minority groups in the First
World had already made considerable progress in terms of appropriating audio-visual media,
both within the ambit of their communities, obtaining training for young people in film
production at university and gaining access to television channels. This was the direction
history was taking and we decided to invest too in a process of training young indigenous
filmmakers.
In the first workshop in the Xingu we united thirty students from different indigenous
groups from various parts of the country, those who had already worked with us and others
who I had learnt had started to film at their own initiative. It was a large encounter of young
people who had never previously met. During the workshop we tried to develop a training
methodology, something which the Bolivians and Mexicans were already doing. During the
encounter Divino Tserewahú, who had been filming for some time, invited a few Xavante and
Suyá colleagues to help him film a major ceremony in his village, Sangradouro. The latter
workshop, which lasted more than two months, resulted in the film Wapté Mnhõnõ, Xavante
Initiation (1999).
After this national encounter, we decided to work regionally and established partner-
ships with NGOs and indigenous associations. We contacted the Pro-Indian Commission,
which had developed a cutting-edge project in the area of training indigenous teachers and
indigenous authorship in Acre, and with whom we had a historical connection. CTI had sup-
ported Terry de Aquino, Meirelles, working with him to train rubber cooperatives to break
with the debt slavery of the barracões run by the rubber bosses and the exploitation of the
Indians by the river traders in the state, as well as help with the conquest of land demarca-
tions by the region’s indigenous peoples.
The group of teachers assembled by the Commission formed a very special group, already
with a critical awareness. That was when I invited Mari Corrêa, trained at the Ateliers Varan,
a film school directly for the Third World based in Paris, to join the VNA team and together
adapt the method developed by them to the world of the villages. After an experience with
a multiethnic workshop, we realized that working with indigenous groups individually
worked best due to the knowledge of the language and the intimacy which the young film
students of each village had with their relatives.
From that time until now, a span of 15 years of training filmmakers, we have worked
with 37 indigenous peoples in 127 workshops, resulting in 87 films, 78 of which are in our
catalogue.
A certain way of making cinema
Although VNA has a very specific teaching method, the results are first and foremost the
outcome of a style of relationship, a conviviality, listening to the peoples with whom we
work. The fact that we respond to a demand that comes from them is already half the battle.
But even so you have to understand the restrictions, the community’s internal politics, know
how to make your presence felt, your point of view. Once this place has been won, the entire
process flows because the desire to learn is enormous.
Working without a preconceived script, the filming by the indigenous filmmakers during
the workshops is intuitive, empirical and freeform, alert to improvisation, spontaneity and
the natural expression and creativity of the people being filmed. Films that emerge natu-
rally from the interaction and complicity of the indigenous filmmakers and their subjects,
the latter being as much authors of the films as the former. The collective desire to make the
films produces their synergetic energy, while the filmmaker’s intimacy with his or her home
environment ensures their originality.
Filming in a village creates a special moment during the workshop, breaks with the quo-
tidian, allows new channels of communication to be established within the community, and
valorizes forgotten themes. There is no more emotional moment for us, as participants in this
work, than seeing a group of young people interviewing an elder – the latter happy to be
asked – amazed to hear stories previously unknown to them and even ask the elder: “why did
you never tell us this story?” and the elder reply: “because you never asked.”
The workshop is an open space through which the entire village circulates. Screenings
are shown every night, including films made by other communities, documentaries, fiction
films and special moments produced by the students during the workshop. So for three weeks
or a month, then, the students, lead characters and the community as a whole are immersed
in cinema.
Since we rarely take part in the actual filming, our participation in the training process
takes place in the background, reviewing the footage with the students. It is precisely this
approach that allows their own gaze to be expressed. Running a workshop also means help-
ing produce the film, of course, in the sense that you are there making suggestions, com-
menting, discussing, giving your best. Training an editor, on the other hand, takes more
time. After two or three films, those with the talent and relish for editing start to become
evident. The sequence of films in which the people appear to themselves is also a learning
curve for the whole community. A collective and collaborative process between Indians and
non-Indians, involving progressive learning and production.
To provide a more detailed account of the training process and film collaborations, the
discovery of cinema by indigenous filmmakers, the interaction between their work and the
community, and the way in which the work has developed and matured over time, we have
selected a sample of five filmmaking collectives. In separate chapters, the Xavante, Ashanin-
ka, Kuikuro, Huni Kuı̃ and Mbya-Guarani – along with villagers and members of the project
team running the workshops – recall how the work unfolded, the process of making the films
and their impact over the long-term.
In these narratives it also becomes clear that VNA is not just a passive or neutral transfer-
ence of audio-visual media. Sometimes the Indians themselves engage in a kind of ‘self-
censorship,’ in the sense of trying to match the image that the ‘whites’ expect of them. VNA
strives to help the filmmakers break away from this expectation and show the indigenous
lifeworld in all its complexity.
The image of the Indian
For Brazil the Indian is part of the country’s origin myth, a source of pride for the nation’s
originality, but at the same time a symbol of backwardness, an obstacle to progress, doomed
to eventual disappearance and oblivion. For example, a very common derogatory expression
in Brazil, ‘Indian program,’ meaning something like a ‘bad day out,’ displays this feeling of
disdain many people harbour in relation to the Indians.
After the discovery of the Americas, Enlightenment philosophers created the fiction of
the ‘noble savage.’ Ventriloquists of the ‘new man,’ they used this figure to critique their own
society, projecting onto the Indian everything that they wished to be, but no longer were.
They therefore depicted the ‘noble savage’ as man living in a state of innocence and purity,
the harmony of man with nature, the marvels of egalitarian society.
This concept became crystallized and perpetuated in such a way that even today most
people still see the Indians through this prism and want them to coincide with their fantasy.
The films of the Indians clash with this view continually. Any appropriation by the Indians of
elements from our own civilization is seen by many as a decline, a loss of purity. They all want
the Indians to maintain the ‘purity’ of their original culture. And because of this idealization,
indigenous peoples are frequently classified into ‘those who still are’ and ‘those who are no
longer’ Indians.
These conflicting feelings come clearly to the surface when their films are distributed be-
yond the circle formed by the ‘friends of the Indians’ and gain recognition and divulgation in
more mainstream Brazilian cinema. In 2011 for the second time one of our films was selected
at the Gramado Festival. A journalist from the O Estado de São Paulo covering the festival, Luiz
Carlos Merten, made the following comment about his colleagues on his blog: ”Some people
die just thinking about watching a film by Indians” and “Some people think the film shouldn’t
even be in the festival. But why, if this is the best Brazilian cinema to date?”
The critic Marcelo Miranda (http://noextracampo.blogspot.com) remarks: “(...) In this
sense, the distinction between ‘fiction’ and ‘documentary’ evaporates as we watch The Hyper-
Women, along with the prejudices associated with an ‘Indian film,’ which also circulated
among some journalists prior to the session. Confounding any pre-formed impression, though,
there is an elaborate and striking investment in staging, recording and creating space.”
While some praise, others ooze racism. Robledo Milani, president of the Rio Grande do Sul
Critics Association, wrote on his blog http://www.cineronda.com.br/as-hiper-mulheres on
16/09/2011: “This documentary (or is it a fiction?) sets out from a curious theme (...) to pro-
duce something that seems so distant and foreign to all of us that it fails even to generate
frustration, merely indifference (...) The fear is only the fact that Gramado has a tradition of
giving awards to documentaries with an indigenous theme – Raoni, Serras da Desordem and
Corumbiara are just some examples. It remains now to lobby for this error not to repeat itself.”
The Living Culture Program
After 18 years work funded by international cooperation agencies and very little national
visibility, things changed with the Lula government as the minister Gilberto Gil and his team
initiated a revolution in public cultural policies. Accepting that “Brazil doesn’t know Brazil”
and that in a “Country for Everyone” every citizen should have the right not only to consume
but to produce culture from their own perspective, a new era was begun of valorizing Brazil-
ian cultural diversity and making access to funding for culture more democratic.
In dialogue with civil society, the Cultural Citizenship Office and the Diversity and Iden-
tity Office together elaborated a pioneering funding policy for populations traditionally
excluded from cultural subsidies: the populations living on the peripheries of large urban
centres, popular culture groups, quilombo descendants and Indians – the roots of our popu-
lar and contemporary cultures.
As part of this context, the Living Culture Program, which funded Culture Points across
Brasil, has provided a considerable amount of support to the network of villages with whom
Vídeo nas Aldeias works, enabling the purchase of better cameras and equipment for editing
the films in the villages, giving them greater autonomy in terms of production, as well as the
2::
realization of numerous training workshops and encounters, and the publication of the Indig-
enous Filmmakers DVD collection with a compilation of the best films by indigenous authors.
Very well known in the indigenous world, the project receives dozens of requests from
peoples wishing to take part in the workshops. Unfortunately a lack of resources means we
have to turn down most. The cultural programs developed in the Lula era worked towards the
democratization of the means of production and the number of Indigenous Culture Points
expanded rapidly. We had plans to begin a process of training trainers so that a larger number
of support groups dispersed across the country could meet at least some of this repressed
demand. Dreaming big, in the medium term we could have a national network of indigenous
filmmakers feeding their own space on Brazilian public TV.
At a moment when various Latin American countries are implanting programs and draft-
ing laws inspired by the Brazilian Living Culture model, Brazil itself seems to have aban-
doned the advances made under the Lula government and returned to an elitist policy for
funding culture. We should not forget that perhaps the most important facet of the govern-
ment’s Growth Acceleration Program (PAC: Programa de Aceleração do Crescimento) is the
PAC for Culture and Education.
The Indian on Brazilian TV
Probably 90% of the Brazilian population only knows about the Indians from television news
bulletins when there are problems and disputes, or in the TV reports and documentaries made
by non-Indians who, in most cases, exoticize the indigenous reality. Hence TV is almost the
only outlet for Indians to become known by the Brazilian population at national level and,
at the same time, it is on TV that the clichés, stereotypes and erroneous ideas concerning
Indians are reproduced. When soap opera writers create indigenous characters, we enter the
realms of caricature. Hence the importance of a space on Brazilian public television in which
the Indians can reveal their lifeworld as seen from their own viewpoints.
Twenty years ago, the films we produced were rejected by public television: they lacked
the required format, they were the wrong length for the schedules, they failed to use televi-
sion’s language. Three years ago, though, the fresh winds brought by the valorization of
cultural diversity led to the emergence of the Auw’ê program’s documentaries on the indig-
enous reality. Presented by the famous TV Globo actor Marcos Palmeira, the program on the
TV Cultura channel showed and repeated 40 films from our back catalogue.
Shown at peak hour every Sunday, at 6pm, our students across Brazil gave us feedback on
the impact of these broadcasts. Being discovered by neighbours with whom they have lived for
decades without the latter really having the chance to know them properly. Many TV viewers
wrote to the program’s website, praising the films and commenting on the initiative. So imag-
ine the emotion of the villagers who had their films shown on a national TV channel! Sadly,
following a change in director, TV Cultura axed the Auw’ê program and again the Indians found
themselves excluded from Brazilian television, since this had been their only outlet.
ing films and educational books for schools. In 2010 Vídeo nas Aldeias launched a pilot
project, funded by Petrobras Cultural, distributing 3,000 kits to 3,000 schools in Brazil with a
collection of 20 films from the Indigenous Filmmakers series and a guide to help the teacher
use and discuss the films in the classroom. We are now looking to work on a compilation of
films on indigenous children for a young school audience with the support of UNESCO.
Imagine when our children and grandchildren can learn about the diversity of Brazil’s
indigenous cultures from primary school age and establish a ludic and creative relationship
with this diversity. It will be a privilege for us, a rediscovery of Brazil. By learning about
these peoples, they are more likely to be respected and those peoples who are depicted will
feel better recognized. We need to create a more positive environment for Indians in the
country, and allow them, most of whom live in the most distant parts of Brazil, to stop feel-
ing ashamed of who they are, a shame which many were forced to live through in past gen-
erations, and become proud Brazilians, belonging to a specific indigenous people!
If every teenager could have the same experience of culture shock that I had, this world
would be far more tolerant of cultural differences. We need much more intercultural dialogue
for the Indians to cease being foreign bodies, strangers in their own lands. The absence of
indigenous themes in the Brazilian educational system until recently and the reproduction
of the same eternal clichés and preconceptions in the media perpetuate this estrangement
and ignorance.
The Indians want to participate in modernity, to be included in this country and enjoy
full citizenship, as long as their identity and difference are respected. Contemporary indig-
enous production has to be supported. As a small minority, access to communication chan-
nels is extremely valuable. The indigenous issue needs to be discussed in the country’s
schools and in the media, but represented by themselves, through their own gaze, which
makes all the difference.

The Indian in the schools

In 2008 the Brazilian government took the bold decision to make teaching about cultural as-
pects of the country’s Afrodescendants and indigenous peoples compulsory in public primary
and secondary schools. This decision, which will take a few years to be implemented on the
ground, implies enormous investment in training the country’s teachers in an area that they
never studied, and in producing attractive, high-quality teaching materials on these topics.
Realizing that the films made by indigenous peoples will enable a more direct form of ac-
cess to their contemporary lives, Vídeo nas Aldeias has focused much of its energy on produc-

311
Xavante
The Xavante are a Ge-speaking people with a total population of around 15,000. They live on
various Indigenous Lands demarcated in fragmented form and forming just part of their tra-
ditionally occupied territory in the region comprised by the Serra do Roncador and the basins
of the Mortes, Kuluene, Couto de Magalhães, Batovi and Garças rivers in the east of Mato
Grosso. This transitional region between the cerrado and the Amazonian forest has seen huge
socioenvironmental impacts since the 1960s due to the advance of extensive farming, a proc-
ess that intensified from the 1980s onwards with the growth in cereal production for exporta-
tion, especially soya. The work of Vídeo nas Aldeias among the Xavante is based in the village
of Sangradouro with Divino Tserewahú, where there is a Salesian mission, and in the village
of Pimentel Barbosa with two filmmakers, Caimi Waiassé and Jorge Protodi.
VINCENT CARELLI The Vídeo nas Aldeias project arrived in the village of Sangradouro (MT) at
the initiative and request of the Xavante in 1988, during a period when the Wai’á ritual was
being held. This is the most important rite in Xavante male initiation, preparing young men
for interaction with the supernatural forces who transmit their power to them. Lucas, a
young Xavante leader who headed his age group and who would play an important role in the
ceremony that year, had been looking for a filmmaker who could record the festival, only held
every 15-20 years. Lucas’s worry was that most of the elders who would direct the ceremony
would probably not be alive by the next time it was held (as in fact happened, the majority
have already died), jeopardizing recollection of the numerous details involved in performing
the ritual. Told about the project by Sílbene de Almeida, who at that time was working for
Funai in Cuiabá, Lucas knocked on our door in São Paulo, accompanied by another three
Xavante, and asked us to film the ritual, set to start in a few days. As I was already committed
to a project with the Gavião do Pará to film the Pemp ritual, Virgínia Valadão assumed direc-
tion of the work with the photographer Paulo César Soares. At the time Virgínia told me that
the filming, which lasted more than twenty days, had been punctuated by a series of discus-
sions and political debates, resolved one-by-one as they surfaced. Behind issues directly
related to the ritual, such as whether or not to record its secret aspects, there was also an
on-going rivalry between leaders from different villages. At Lucas’s suggestion, two young
Xavante men – Bartolomeu and Cornélio – were selected to help edit the video that resulted
from the filming: Wai’á, The Men’s Secret. A more descriptive film, almost raw footage, with-
out any explanations or interviews, and produced mainly for a Xavante audience. Bartolomeu
and Cornélio were later put in charge of the projection equipment we donated to the village,
while Jeremias, son of Sangradouro’s leader at the time, Alexandre, was appointed film-
maker, undertaking an internship at the Indigenist Work Centre (CTI). When Jeremias be-
came head of the Funai Post two years later, he handed the camera over to his brother, Divino
Tserewahú. And that was the start of Divino’s career as a filmmaker.
DIVINO One day Jeremias took the camera and said to me: “I’m going to teach you.” Later he
said to me: “Now you’re going to watch what you recorded.” That evening he took the tape from
the camera and stuck it in the video. “You’re going to see what you recorded today. You’re going
to be startled, but don’t be.” I was impressed. How does the camera record? How does it remove
our body, our image? At first I was timid with the camera and afraid of the community, I was
still very young. I only ever recorded at a distance, behind people’s backs. But I decided that I
wanted to be a ‘filmmaker,’ that was always my idea. Then my brother had no time to work with
the camera anymore and passed it to me. I said to my wife there and then: I was born to film,
this is why I was born. Not to use a hoe and plant crops. With the camera you’re going to re-
member what has already happened.
DIVINO At first I would film a chicken running, a bird flying past. I filmed anything. Later I
started getting the hang of it, by myself. When I was able to hold the camera more firmly, I
started showing what I had filmed to the community. In 1990 I was already more or less the
official filmmaker of my village, Sangradouro. I still didn’t have any project, because CTI
would give us the camera to use and tell us to film whatever we wanted. I would think to
myself: how does television do this? I would think and go out filming. I began to film festi-
vals, meetings, encounters. Most of this material is stored in the Vídeo nas Aldeias archive,
a lot of stuff, memories we’ll have in the future.
VINCENT Around this same period, the anthropologist Laura Graham introduced us to Caimi
Waiassé, who had been working independently in the Xavante village of Pimentel Barbosa in
Mato Grosso. Caimi started to work with us and joined the team of Indian Program, along
with Divino and other indigenous reporters from the Bororo, Baikari, and so on. This series,
made in partnership with the TV channel of the Federal University of Mato Grosso, produced
four programs that were broadcast nationally via the TVE network based in Rio. In 1996 what
was set to be the fifth program failed to materialize and we terminated the series. But this
experience seeded the idea of a video training workshop for Indians, emerging from the news
slot produced as part of the Indian Program. These involved very short and necessarily some-
what superficial reports, making something out of virtually nothing. The idea now was to
produce a series of documentaries that explored topics in more depth, especially by enabling
those involved to produce the work in their own language and about their own culture.
CAIMI I began my work in 1990 when Laura Graham arrived in my village with a video camera.
The chief liked the new tool and asked her to donate it. I spent two years learning alone,
projecting the footage that had been filmed, the daily life of the village. We watched until
the small motor in the camera finally broke down. At the outset I filmed haphazardly, shaking
a lot, the camera got knocked numerous times and covered in dust. But still we liked it.
Slowly we discovered the importance of the image. We recorded stuff for ourselves. At the
start I filmed the village and what people asked me to record. Afterwards we watched the
footage together and evaluated the work so it would stay in our memory. In 1992 Laura
contacted CTI and the Vídeo nas Aldeias project, and Vincent invited me to join a introduc-
tory course in São Paulo. It was my first training course, learning how to use the camera,
focus, look after the equipment and that kind of thing. He also told us a bit about film struc-
ture and the work involved in completing a documentary. During this period I watched vari-
ous documentaries made with other indigenous peoples, since at that time CTI worked a lot
with the Gavião and Waiãpi. I watched these films over and over to understand how a docu-
mentary was produced. I eventually joined the Indian Program team, which was an interest-
ing experience because the project included filmmakers from various indigenous groups like
the Bororo, Baikari and Xavante. Together we began to study what we would present, what
message we wished to transmit on TV. It would be the first time we presented something of
our own. In 1996 I began to work on my own clip, One Must Be Curious, which recounts my
experience with video. I arrived in São Paulo with a box containing all the things I had al-
ready filmed between 1990 and 1992, more or less 30 tapes in all. The VNA team sat down
with me and said: “Let’s look at what you’ve filmed, and then you can choose a topic.” There
312
were recordings of everyday activities, conflicts, people visiting the village, everything. So
I said: “Put in a bit of everything.” And we edited the short. During this trip in 1997, the VNA
project was invited to send two filmmakers to Bolivia. Since we live in Mato Grosso, close to
the international border, myself and someone from the Baikari were chosen. We took part in
a video workshop and the film festival. It was the fifth Latin American festival of indigenous
peoples, held in Bolivia. Things happened out of the blue and we took the opportunities as
they appeared. In this workshop in Bolivia we learnt how to make soap operas, fiction, a bit
of script writing, but we found it difficult because of the language. There too we began to
get a better understanding of the indigenous movement in Latin America. That was when we
realized we weren’t alone. We were there sharing experiences, it was a political movement.
Next came the first workshop of indigenous filmmakers in the Xingu Park. A mega encounter
of various indigenous groups. The Kaiabi, Juruna and Suyá communities welcomed us with
open arms. All of them were willing to tell their stories, there were no misunderstandings. It
was a really striking experience because it was the first time we had held a workshop in a
place with which we were familiar, the village, working in a community, sharing ideas.
VINCENT It was after this big encounter in the Xingu that the Vídeo nas Aldeias project began
to invest in training indigenous filmmakers in a more organized and structured way. We be-
gan to collaborate more systematically in the community film projects. The transition from
a more descriptive type of production, aimed at an internal audience, to appropriating a
cinematographic language and the production of films that could also appeal to a non-indig-
enous audience. In 1997 during the video workshop in the Xingu, a really good team of
students was trained. It was at this encounter that Divino devised his idea for filming the
Xavante initiation ritual, Wapté, due to take place the following year in Sangradouro. Meth-
odologically speaking, the idea of integrating a workshop with recording a ceremony from
their own culture proved highly productive and useful for the students. We no longer had to
invent a camera exercise like: “Film me a sequence shot of someone entering a house.” It was
a really challenging and stimulating situation because the community had high expecta-
tions concerning the results and a wide variety of situations had to be filmed. It was the
ideal situation, in fact, since it allowed us to work simultaneously on improving techniques
and the question of context, the way in which image and content are related, one objectify-
ing the other. In 1998 we were all in Sangradouro.
ELDER When a boy is born, the grandfather is happy. He prepares roots to bathe the boy and
make him a strong fighter. If this happens, he tells the boy’s parents, aunts and uncles that he
will test the boy in the O’ió, the root fight. If he really is good, the grandfather will continue to
bathe him without the others knowing.
DIVINO The idea of filming the Wapté ceremony emerged in the Xingu workshop. I already had a
fair amount of experience with video and the encounter was a chance to improve my work fur-
ther. In one week I made considerable progress, and that was when I thought about asking some
of my colleagues to help me film the ritual the following year. I invited Winty and Nikramberi,
both Suyá, along with Caimi and Jorge, Xavante from Pimentel Barbosa. They immediately ac-
cepted the invitation. It was the first collective work by the indigenous filmmakers and a way
for us to practice what we had learnt. I invited them without speaking to my people first. After
we’d completed the course, Winty and Nikramberi went with me to visit my village. I presented
them both in the middle of the meeting of elders: “These two are my colleagues, we completed
the video course together. Since there’s going to be an initiation festival next year, I would like
313
the bring them both here to help make the film about Wapté.” The elders didn’t reply there and
then, they announced that they would think about: “There’s still time, we’ll look at this calmly,
we’re not going to promise you anything.” Later I went to talk with the elders again. When they
were ready to make their decision, they summoned me and asked: “Who will the film be for?” I
replied: “It’s for us, we’re going to make the first film about Xavante initiation. And this will be
useful for all of us, all of you in the village. Culture is alive in Sangradouro but nobody has re-
corded it yet, I’m just beginning the work, I went to do that course, I’m improving a bit.” After
they made their decision, I waited a little longer and then called Vincent, who said to me: “OK,
let’s do it, let’s make this film.” The day arrived. Caimi arrived, Jorge arrived, Winty arrived.
Again we went to the centre where the elders meet: “Everyone is happy, we’re going to make the
first film, we’ll support you, you can work.” And this first experience, including inviting col-
leagues from outside, left my people with a wonderfull memory. They always remember this
story. But we also had a lot of internal disputes between the community’s political factions
during the filming process.
ELDER The fight is going to be very tough and you’re going to feel a lot of pain. Your parents will
tell you that a good fighter must fight a lot before giving up. That way he demonstrates his
bravery to the community.
VINCENT Xavante political life is marked by diverse internal disputes between factions and
clans. These disputes have frequently surfaced over the course of VNA’s partnership with the
Xavante. During the filming of Wapté, the participation of colleagues from outside was in
many ways fundamental. Firstly this ritual is only held every five years and is extremely
complex. At some moments the action takes places simultaneously in multiple locations.
More than one camera is needed to cover the event more completely and systematically.
Furthermore during the ceremony Divino – who belongs to the Tirowa ceremonial group –
must perform a series of functions which the village elders would be extremely reluctant to
absolve him from doing, despite his need to film. And even more to the point, as a member
of the Tirowa he is also barred from witnessing a series of other events exclusive to other
ceremonial clans. On arriving in the village, though, I realized that as well as these issues,
Divino had to deal with a series of problems connected to the village’s internal politics,
which had led him to ask for help from his outside colleagues. In all Xavante ceremonies, the
events are recorded by a number of filmmakers and photographers, both amateur and profes-
sional, coming from outside or linked to the local mission. Each one arrives via a different
channel, invited by someone from a particular political faction. However on their arrival in
the village, the council of elders, which coordinates the ceremony, discusses case-by-case
how to share out the goods or benefits that each team of guests has brought or that they will
be charged. This is a topic that requires public discussion to ensure the compensation is not
given merely to the person who made the invitation. I went to Sangradouro for this ‘intereth-
nic co-production’ with the same posture: to avoid becoming a plaything for internal dis-
putes and to refuse unreasonable demands for the filming to take place. Firstly because it
was no longer a question of filming for the faction responsible for the invitation, or ‘earning
money’ with these images as opponents claimed, but of running a film workshop whose
proposal was precisely to make them autonomous in this area. I was ready to explain the
project’s difference in terms of the kind of compensation the community would receive for
the filming: I wouldn’t take anything away since the outcome of the work would be entirely
theirs (to everyone’s surprise, I wasn’t filming), as well as contributing to the training of
their youths and producing a film that was entirely approved by them. Our stance of being
firm and transparent during the process greatly enhanced the credibility of the work and
slowly the quarrels were resolved with the rival factions reaching agreement on questions of
principles and benefits. Having solved the political impasses, the work progressed tran-
quilly, acquiring a dynamic that gradually won more trust and participation from the com-
munity. The procedure involved directing the students while they recorded the ceremony and
spending 2 or 3 hours each evening going over the rushes with them. These sessions involved
an exhaustive analysis of framing techniques, camera movement, the set of shots needed to
cover a situation well, how to track a few key figures in the crowd scenes, and so on. One of
the typical features of Xavante ceremonies is that some scenes are repeated over a period of
weeks, which proved excellent for practicing exercises, enabling some sequences to be re-
filmed, correcting mistakes spotted during the daily reviews. These images elicited a series
of questions concerning the meaning of a particular ritual moment, the choreography, the
symbolism of the adornments. The video team then left to research these meanings on their
own by interviewing the village elders. Seen from outside, this question of inserting video
in the play of internal political disputes may seem peripheral to the actual work, but it most
definitely is not. The question is not producing a video per se, but seeing how an entire com-
munity can take part and benefit from the process as a whole.
ELDER I understand the importance of the image. That’s why you should learn to film, so the
Xavante can film their festivals.
DIVINO After we filmed the initiation, everyone was pleased with the outcome. People said:
“This film is going to spread across the entire world, this is what we have to show to the other
indigenous peoples, what Xavante culture is like.” But it took us months to edit the video. We
went to São Paulo, myself, Caimi, Jorge and Bartolomeu, who also took part in workshop, and
Tutu Nunes, who was the editor. We spent around 3 months translating and producing a first
edit. Vincent told me: “Take this version to show the elders and ask what they think and
whether they approve.” I took the first version to the village. Everyone was curious, eager to
see it. The village stopped, fell quiet, they pressurized us: “We have to watch it immediately,
we’re dying to see it!” It’s always the same after a big event. When they saw the first version
there was no large screen, no data-show, there was nothing. Just a 29 inch TV. I placed it high
off the ground so everyone could watch. Every time the elders said something about a scene,
I would stop, ask a question and jot down everything that they said. “Stop, stop,” they would
say. “Go back a bit. That bit has got to change!” I noted everything. This first meeting led to
instructions to change 18 sequences from the film. I returned to the editing station and
showed it to Tutu: “Look, let’s watch. The elders talked about this image here, it needs to go.
We have to redo the translation for this image.” I went back to the village with the second
version and we did everything again. But this time they said: “Look, you have to switch the
beginning, you have to include what happens with the boys, like it was before.” Again I made
notes. It was a process, a real experience! We altered the beginning in the way they had ex-
plained, we put in the fight, and we changed the ending. And again I took the film for the
elders to see. This time as I was showing it, I called Tutu and we let him hear the conversation
over the phone. And we made the changes. It took us three or four months to edit the Wapté
material. On the third trip, I stayed there, worked hard and finally said: “Look I’m tired of
travelling now, I’ve got a family to look after too.” But the elders held me to my word: “You
have to put up with it, weren’t you the one who brought your colleagues? Now you have to be
strong, you have to finish the work!” So I found a loudspeaker and played the film for them.
When it was over, nobody said anything. After a while the leader stood up and said: “Is every-
one in agreement then?” And everyone agreed. “It’s approved, you can make it. Wapté is well
put together, the images and translations are spot on. Leave it like that now, don’t mess with
it anymore. Now you can finish it.” After the elder spoke, everyone applauded.
VINCENT The elders imagined this record in an idealized form. They demanded rigour in the
body painting and adornments, and were irked by the bicycles, satellite dishes or trucks that
sometimes appeared in the background. An emotional testimony from one elder, filmed in
the heat of the moment, was almost vetoed because he was wearing a T-shirt. We argued that
refilming it cold would lack the same impact and the T-shirt was a mere detail. We managed
to keep the scene in the final edit. The elders wanted a general description of the ceremony
without focusing on any particular individual. In our view, though, picking out one or two
figures would help humanize the account and create empathy among the film’s audience.
Each cut we rehearsed in the editing suite had to be negotiated. Divino was burdened by the
reprimands of the elders, who admonished him for leaving out what they deemed the most
important details. But the community’s participation was intense. For me, Wapté was ini-
tially a test of patience, which later transformed into a real pleasure, trying to understand
and manage the dynamic of the process, aside from the sheer enthusiasm generated by each
camera shoot. I think that the workshop’s biggest achievement was removing video from the
terrain of political disputes, where it was monopolized and manipulated by a few, and plac-
ing it in the more consensual sphere of the ceremony. The warm conviviality between the
team and their closest companions, the council of elders and innumerable village figures led
to a very close and participative relationship in the video editing stage. So the first docu-
mentary was a learning curve, not only for the filmmakers but for the entire community. In
the second film, they already understood where we would end up.
ALEXANDRE The boys of the gourd jump a lot so they can suffer. This is called Wai’á rini, the
suffering the Xavante man has to endure to know the supernatural forces. The boys of the wood
also stand up the whole time, singing and holding the wood in their arms.
DIVINO TSEREWAHÚ I’m Divino Tserewahú. During my initiation I was a boy of the gourd. During
this new Wai’a ceremony, I’m a guard. I’m striking the ground for the boys. As well as a guard,
I’m also a filmmaker. I film and I also take part in the festival.
DIVINO My second project was a film on the Wai’á rini ritual, which is the male spiritual initia-
tion ritual during which we encounter a kind of nature spirit, it’s powerful shamanry, an im-
portant ceremony. The festival took place in 2000. But this time I decided to film alone. I was
more confident because the production of Wapté changed my relationship with the commu-
nity considerably. Everyone was pleased with the outcome of the first film, everybody came
out winning. Wai’á rini was a much more harmonious process, there were no problems, no in-
ternal politics. I had complete support, they knew that it would happen in the same way as
Wapté. At the same time, Wai’á rini was a film that required a lot technical work. I used a super
VHS. I filmed for a week and it broke down. Luckily Tokoda, a Japanese friend, a journalist for
a TV network in Japan, came to the ritual at my invitation and we used his camera. I said to
him: “Look, if something is happening, go and film everything, don’t switch off the camera,
because you don’t understand Xavante. When an elder or someone else talks, don’t cut, some-
times it might be something important, film it all.” And he did just that. After my camera
stopped working, I used his. But there was no way for me to film everything, because I had to
participate in the ritual too. It was the elders who said to me: “You can’t just film, you have
314
to take part in the ritual, suffer a bit. You can film at the same time.” I had to stay more at-
tentive while shooting this film to make sure I didn’t miss anything important. From time to
time I went to the elders and asked: “What’s going to happen tomorrow?” They explained to
me. “I don’t have to take part, then, I can film?” “Yes, you have to make sure you film this and
that.” That was how it went until the end of the ceremony, which lasted a month.
ALEXANDRE Dreams are very important to Xavante life. Through suffering and fainting during
the celebration, we can see what will happen in the future. When someone recounts what he
dreamt, it really happens. He can also encounter the dead through dreams. That’s why it’s im-
portant to suffer and faint a lot during the Wai’a Rini celebration. Those who suffer more will
dream more and have more power.
DIVINO Editing began in São Paulo with Waldir Afonso, who also edited The Girl’s Celebration
(1987), Vídeo nas Aldeias’s first film. At first I didn’t get on very well with him. I thought he was
strange, angry, because he was so quiet. When Waldir started to ask me: “What’s this about?”
– he talked like that, fairly harshly – I asked myself: “Is he annoyed with my work?” Until one
day we went to the birthday party of one of his friends and I started to relax, joke and be more
open with him. The next day it was a totally different Waldir in the studio. He started to like the
film. And I got on really well with him. At the outset he asked me a lot of questions and I ex-
plained everything to him. We watched all the footage together and only then did we begin the
first edit. During this period Vídeo nas Aldeias was busy transferring its head office to Olinda.
Vincent asked me to take a copy of the first version to the village and said we would continue
the work in the new year. In January 2001, Vincent called to ask me to come to Olinda and asked
me to film what was missing still, the dialogues with the elders. I noted everything, Waldir
noted everything, I made full use of the elders explaining what everything meant. I then left
for Olinda and we completed the video. When we had finished, I took it to the village again and
they approved it right away. After my experience with this film, I began to think of various new
projects. Wai’á rini led, for example, to Daritzé, Trainee Curer, a film about the same ritual,
though this time shot in Aldeia Nova, in the São Marcos indigenous reserve. I went to film a
meeting of council elders and took some videos to show them, including Wai’á rini. After the
screening the village leader came up to me and said: “Nephew, I want you to record our festival.”
They wanted a film just like the one I had done in Sangradouro. Everyone agreed and I made the
video. I edited it myself with Leo Sette in Olinda. We completed the work in 2003. After that, I
concentrated on making a film about the Xavante female naming ceremony, the Jaguar Festival.
It had already been filmed the last time it was held, in 1995, but without the intention of mak-
ing a film, just a recording. But this was a project that didn’t unfold as I had expected.
ELDER The elders told the following story about the ceremony: a long time ago the women went
to collect black bee honey. On the way they became thirsty and went to drink water. They left
their baskets close to the lake, approached the shore and saw red gourds floating in the water.
They dived in to collect them. The U’u, who lived in the water, caught the women. Only one
pregnant woman escaped because she had stayed by the lakeside. The women spent days in the
water, emerged with black faces and died. A man appeared who had spiritual power. He went
to the lake and started to stamp his foot. The water of the lake dried up and the U’u emerged.
They went to another lake. Everyone saw it and so we do the same even today.
DIVINO The women’s festival traditionally occurred every seven years and lasted almost four
months. For a long time the festival has been extinct in the 165 Xavante villages, except ours,
315
Sangradouro. The problem is that the last time that we managed to perform the festival in its
entirety was in 1995. Ever since I decided to make a film about the festival, it has always been
interrupted during the preliminary phases. Each time we begin the festival something important
interrupts it almost immediately. In 2002, a trunk fell at the start of the festival and a young
man was killed. In 2003 the person responsible for the festival that year, Ramiro, died from an
illness. In 2007 I was badly hurt in a car accident. And in 2008 the village leader Patrício and
another four people died in another car accident. But now I realize that a lot of people don’t
want the festival to take place anymore. The idea of performing the festival again so we can film
it has never advanced beyond the initial meetings. The deadline for presenting the film was
reached and finally we accepted that it was a film about a festival that no longer happens.
VINCENT Between the making of Wapté and Wai’á rini and his most recent film, Pi’õ nhitsi,
Unnamed Xavante Women (2009), Divino gained widespread recognition in Sangradouro and
neighbouring communities, becoming the filmmaker for the villages and a teacher in audio-
visual workshops in universities and cinema festivals. He travels to film festivals the world
over and he has produced films for other groups and communities. But the history behind his
latest film has traversed his entire trajectory as a filmmaker. Divino’s dream was to complete
a trilogy: the ear piercing initiation, the spiritual initiation and the women’s naming cere-
mony. These are the great Xavante rituals and he pointed out that Sangradouro was the only
place where the latter festival was still held. We entered the project in a competition and
won the funding. In fact we entered various competitions and various events prevented the
festival from being performed, year after year. We had to transfer the funds to other Vídeo
nas Aldeias projects. Then one day he arrived and said: “This time it’s going to happen...” We
applied to the PDPI (Indigenous Peoples Pilot Program), won and began to spend the money.
It was already the third competition we had entered to make the film. I knew this time there
was no way out. So in 2008 we grabbed the bull by the horns. Around the same time a script
writing workshop was taking place with indigenous filmmakers, run by Leandro Saraiva, and
when Divino spoke about the 6-year saga of attempts to hold the festival, which he was
supposed to film but never did, it became clear to us that it would be far more interesting to
investigate why the festival wasn’t being held. At the time Divino reacted badly and showed
no interest in our proposal. He remained steadfast and said that the festival would defi-
nitely take place in 2008. But once again, nothing materialized. We needed to complete the
Xavante DVD for the Indigenous Filmmakers Collection, the deadline for using the funding
was approaching fast. So I said to Divino: “Look, our deadline is expiring, the film has to
happen now or the situation is going to get complicated.” I passed the job to Tiago Tôrres
and Amandine Goisbault. They needed to help Divino to discover how to make the film.
TIAGO The process of making this film was very difficult. Amandine and I went to the village
with the mission of working on a film that had yet to be fully embraced by Divino. He didn’t
seem to accept our proposal at all. He turned a deaf ear. At first we had numerous disagree-
ments over our understanding of the process, spanning from the presentation and negotia-
tion of the film with the elders on the first day, to the restrictions on what could and could
not be said or shown, collective control of the image, and difficulties translating the mate-
rial we were producing, which needed to be checked and redone various times. The transla-
tors either had problems with the language or translated in a way that was easiest for them,
according to the internal politics of the village. Even Divino himself refused to explain what
was happening for ages. For the elders, the precondition for making the film was cash on the
table. But according to Divino, they had agreed to perform the ritual. We called Vincent who
somewhat sceptically agreed. We began the preparations with the small amount of money we
had taken. But when the elders realized that the cash available would be insufficient, since
most of the funds had already been spent during the development of the project, they de-
cided to suspend activities once again. This was when Divino finally realized that the project
had fallen through. I joked: “Divino, we’re a project that fell through!” But it was a moment
of real suffering for him.
DIVINO We – Tiago, Vincent and myself – argued a lot. Even a sickness got me. One day things
happened in one way and the next day the elders had already changed their minds. I cried a
lot. When Tiago arrived in the village, I think some kind of sorcery struck the community,
because we fought a lot, there was no agreement over how to proceed with the film. Tiago
and Amandine would tell me to film something, and I would say it had been shot already.
Vincent asked me to film interviews. I was really upset so sometimes I needed to vanish, I
spent some days away from the work, but later I returned. Slowly this all began to fade.
VINCENT But the central point, which is implicit in this process and directly reflected in the
film, is the change in Xavante morality caused by the catechism introduced by the Salesians
and the censure stemming from their proximity to farmers and non-indigenous communities.
Basically the community didn’t want to hold the festival because it would involve what they
called the ‘thing.’ Despite strong resistance, Divino decided to talk to the older women. And
they finally revealed what was at the heart of the issue, why the festival was no longer held.
In contrast to the men, the elder women talked openly about the problem. The festival in-
volves the exchange of women. The ‘thing’ was sex with their brothers-in-law. And they ex-
plain that younger women were afraid, but that there was nothing extraordinary about it,
they didn’t need to have relations with all their brothers-in-law, just the ones they most
liked. The women’s testimonies demystified the ‘thing.’ The cards were on the table and Di-
vino, finally, headed off to research the topic and dive into the issue at the core of the film.
ALEXANDRE Pi’õ nhitsi together with U’u means that the women receive a name.
TIAGO The editing of Unnamed Xavante Women was one of the longest I have known at Vídeo
nas Aldeias. The chronology of the events was confusing, we worked a lot with archives and
behind-the-scenes material, both of which were also incorporated in the film. A very com-
plex process. But the narrative focus was Divino’s quest for his film. When we went edit it,
there was still something missing to make the film clearer. That was when Vincent suggested
the sequence with Divino and myself at the editing station, talking about the festival, ex-
plaining the process. And that was the moment too that Divino provided his own astonishing
testimony, that he himself was a child of the ritual. That for me was the most moving part of
the whole story. Divino’s revelation that his father was not his biological father was painful,
but it was also a very moving event, including for him.
DIVINO The editing process was more tranquil. We pieced together the idea slowly, we wrote
a script. Two and a half months of work. The title was suggested by Vincent. Tiaguinho and
I talked about the chosen name. I had a very good defence against the criticisms I was bound
to receive in the village. I distributed the DVD without saying anything. Sure enough, after
watching the film, the elders became really angry. So I asked: “You want to know why we
chose the name Unnamed Xavante Women? Have any of you thought about it? We began the
festival in 2002. You see those women sat over there, have they received a name? No. Has
that one? No. And did that other one? No. So there you go. In 2003 there were other girls set
to take part in the festival. Did they receive a name? No. And in 2007, did any of them? No.
These women who wanted to take part and receive a name today already have children,
they’re already married and mothers, yet they haven’t received a name. The title of this film
is a homage to them.” Everyone burst out laughing and after almost 6 hours of discussion,
they agreed. One elder stood up and said: “Okay, let’s leave it like that. But let’s hold this
festival so they can receive a name, and the film can be called Named Xavante Women.”
DIVINO, IN SANGRADOURO In 1957, after centuries of resistance and flight, a Xavante group
took refuge in the Salesian mission of Sangradouro, Mato Grosso. Today the area is surrounded
by soya. Their land and its resources exhausted, in this film the Xavante reveal their contempo-
rary concerns amid all the changes now happening.
VINCENT During the filming of Unnamed Xavante Women, we also worked on the production of
Sangradouro, a film showing the history of contact between the Xavante and the Salesian mis-
sions in the 1950s. Our challenge was to explore the transformations and contradictions gener-
ated in the community after contact. One thing is the ritual secret, another thing is the secret
of the quotidian world, contemporary reality. There’s always a conflict between what people
experience and what they want to show in film. Although this occurs in other communities too,
among the Xavante it is blatant. The camera is seen as an instrument for recording ‘culture,’
capable of bringing back the idealized world of tradition. From the outset the Xavante were
primarily interested in documenting their initiation festivals, the rituals that structure their
society. With Unnamed Xavante Women and Sangradouro we broke away from this structure.
TIAGO According to Bartolomeu, who accompanied the filming process from start to finish,
the Xavante have what they call ‘everyone’s lie’ and what I jokingly called a ‘masonic secret,’
which is that nothing that runs counter to what they consider traditional can be shown.
Divino shares this schizophrenia of moving between worlds, he knows all the codes. He as-
sumes one stance in front of us, another in front of the priests, another in front of the com-
munity, he moves between these different relations, adapting to what is expected from him.
He has to weigh very carefully what he thinks very and how he expresses these ideas in his
films. But in Sangradouro, contrary to what we imagined, it was possible to shift between
various questions, religion, the school, the conflicts between generations.
DIVINO Fleeing from the coast to Central Brazil, my people, the Ay’we, those you call Xavante,
resisted contact with the whites for centuries. But in 1943 Getúlio Vargas launched the West-
ward March to occupy Central Brazil definitively. The punitive expeditions, farmers, contact
teams sent by the Indian Protection Service and the Salesian missionaries, all of them forced
us to enter into contact.
FRANCISCO We came from afar. In 1953, my uncle Toroibu spoke of living elsewhere. The Xa-
vante of Pimentel didn’t accept us because they had already made contact. So we went to Pa-
rabubure village. Others arrived there to live, but they brought diseases. We started to feel very
itchy and began to stink, feeling sick. So we began to disperse. Many Xavante died en route.
While we camped at Ete’rãirebere village, Father Salvador Papa flew over, looking for the Xa-
vante who had scattered. My uncle Papai Pedro began to dream of a place and we followed
where his dream led. Arriving here Papai Pedro, sat down beneath the jatobá tree. When the
priest came, my father recognized him: “It’s him, he was the one in my dream!”
316
TIAGO It was all very tense during the filming of Sangradouro. We were doing everything at
the same time, the filming for Unnamed Xavante Women and the contact history. When I
watch the scene of the interview with the priest Luís, I see Divino with a tense expression,
shaking inside, myself holding the camera, not knowing what was happening, feeling the
same thing. We rehearse this interview a lot. Amandine, Divino and I would go to a quiet spot
and rehearsed the questions, because Divino was very apprehensive. Father Luís also adopt-
ed a defiant posture, attempting to justify the catechism and at the same time claiming a
space for the viewpoint of the Salesians.
DIVINO We worked a lot with the historical images produced by the priests. We held a meeting
with Tiago and Amandine and decide to play the film with the material that already existed.
We invited the priest, sat down with him and talked. He speaks our language, he lent all the
material he had kept and we made a copy. For me this work was a big step forward. A process
of maturing my work, because it involved producing a script and conducting research, not
just turning up and filming.
FATHER LUÍS The Salesians opted to live with the Xavante. But the Salesian missionaries knew
neither the Xavante language nor their culture. So there were a lot of misunderstandings and
violent acts on both sides. The Xavante are a very strategic-minded people. When they came to
the missions, they were dying out as a group. And they didn’t want to die, they wanted to live.
They had to be submissive to survive. Our concern was to catechize and convert the Xavante.
And at the same time, teach them the alphabet. It was important for the Xavante to learn to
read, write and work. Because at the start they were hungry.
FRANCISCO After the mission school, they gave us manual work to do. We worked our entire lives,
before and after marrying. Papai Pedro thought the place was an advance for everyone: the
mission, studies, healthcare. It had all resulted from his dream. If we hadn’t arrived at the mis-
sion, we would have died or would have killed ourselves. Here we learnt to speak Portuguese, but
we didn’t lose our tradition. No ritual was lost. All of this will live forever. My house is made of
bricks, but I speak my language. (...) Today we’re surrounded by soya and the farmers think that
they’ll destroy our tradition. But we’re still here dancing, our tradition will never end. When we
arrived, we were few and today we have many children. That makes us really emotional.
VINCENT Divino worked hard on this history. The testimony of the elders, the story of the
jatobá tree where contact had first taken place, and also the entry of the Amerindian chore-
ographies, a fever among the younger generation, the change in dietary habits. They wanted
to be filmed and at the same time they didn’t. But it was a film full of surprises, clashes, which
openly showed the contradictions. I was afraid that the edit proposed by Amandine and the
choices we had made would be unacceptable to the community since the film fails to match the
image that the Xavante expect of themselves. I thought it would be a problem precisely because
the film had achieved a balance between the positions of the older and younger generations, a
very balanced duel, everyone included. My impression is that the elders felt their discourse was
reaffirmed through the clash with the youths. For ourselves, that was a real surprise.
TIAGO We waited anxiously, we called every day to find out how the film had been received
in the village. When Divino told us that the elders had been thrilled by Sangradouro, we
couldn’t believe it. According to Divino the film had an enormous repercussion in the com-
munity, people asked him how he had the courage to show what he had shown, they were
317
impressed with how he talked openly with both the young people and the old, the priests.
It was precisely this aspect that people liked. After these two films, there was a change in
Divino’s approach, a readiness to pursue a new way of filming and a desire to become a
filmmaker in a broader sense, leaving behind the image of the warrior Xavante armed with
a camera.
DIVINO Video allows things to stay in the long-term memory of the Xavante. Through the
images, we remember. Today our memory is very short-term. In Sangradouro we still live our
traditions, but now I want to make a film about our fight against the farmers, the conflicts.
The elders are always asking me to make more films because the young are no longer inter-
ested in our culture. They believe that the younger generation will be able to use video to
recall what they said, even when they’re no longer alive. Video has arrived to help, one day
all of this will be different.
CAIMI The elders always say that the use of technology has arrived to complement how we
tell our history, because the Xavante are orators, each day our history is retold in the Wara,
in the meeting that takes place before dawn, at four in the morning, and after six in the
evening. The elders have already realized the importance of the new technology that has
arrived in the villages, they know that the young are attracted to this strange new tool. They
want to leave their message not only to preserve tradition but also so that they can study the
changes in both the physical and cultural lives of the village. They know that culture is dy-
namic and always emphasize that the new generation will have to deal not only with the new
things that arrive but also with what now constrains us, because now we’re surrounded by
farms on all sides. In Mato Grosso there are 9 Xavante lands and almost 15,000 Xavante dis-
persed across these 9 lands, each community with a different contact history. Some had
contact with the Salesians, others with the Protestants, another group with the government.
So each group has its own way of going about its work, and in our case film really caught our
attention. Back in the time of Mário Juruna and his tape deck, he made it very clear that the
machines could serve as our allies, ensuring that the accounts remain true. Acceptance was
difficult at first because when someone dies, all of their belongings go with them, no traces
are left. There were many years of questions. But after we began to hold exchanges with
other indigenous groups and other Xavante, the community realized the importance of seeing
others and being seen. In Brazil people speak of Indians in a generic way. With video, they
see with more respect, they distinguish the Xavante, the people who use wooden sticks in
their ears, as seen on the television. They recognize us. In the past the Xavante themselves
thought the people in the Xingu were just one, but there are actually 14 different indigenous
groups. So the Indians too are becoming more aware, valuing other indigenous peoples. Be-
cause in the past we were immersed in our everyday lives and things happened around us.
During these last ten years, though, Divino has been pursuing his work in his own region, and
myself in mine, we have been trying to divulge who we are and also where we are. The urban
areas around us are places our grandparents visited, that’s why we need to safeguard the
memory of the region, the cerrado which today no longer exists. The elders retain this mem-
ory. And the destruction of the cerrado is really shocking for them. So in addition to ritual,
we’ve also been focusing on the question of the contemporary transformations. Reviewing
the archive images, the historical images of contact and placing these contact images along-
side those we are producing today, we can see the transformations very clearly. My work in the
schools has frequently been about this, since I became an indigenous teacher in the 1990s.
We created a Cultural Centre, fitted with equipment, free software, we’re working to form
partnerships with schools since most of those taking our courses are school students. We’ve
been using video as a form of protest. And our intention is to produce more and more films,
not only for a non-indigenous audience but also for our kin. The collaboration with the
nearby municipal schools is very important. These are our battle fronts. When we present a
film, the children often ask whether these Indians really exist. Their school books show us as
we were in the past, in other words, in these books we no longer exist. Video has helped put
an end to this distortion. We exist, we’re here, our land exists and we shall never be white.
Ashaninka
The Ashaninka are the largest indigenous people in Amazonia with a total population of ap-
proximately 100,000, only 1,000 of whom live in Brazil, the remainder living in Peru. The area
occupied by the Ashaninka extends across a vast territory from the Upper Juruá region and
the right bank of the Envira river in Brazil to the slopes of the Peruvian Andes. The Ashaninka
who live in Brazil today were forced to move under pressure from Peruvian rubber tappers at
the end of the 19th century. They are a warrior people with a long history of combat, repelling
invaders since the era of the Incan Empire, including workers in the rubber extraction econ-
omy of the 19th century and, more recently, guerrillas and loggers. All Vídeo nas Aldeias’s work
among the Ashaninka takes place in Apiwtxa village on the Amônia river, an affluent of the
Juruá river in Acre state, under the leadership of Isaac and Wevito Piãko.
VINCENT It was the rainy season. The year was 1999 and we were running our second video
workshop with indigenous teachers in Acre. It still followed the regional workshop model
with students from different groups working together. The previous workshop, held in 1998
in Rio Branco, had involved five indigenous teachers trained by the Acre Pro-Indian Commis-
sion (CPI-AC) where we had worked on a project for preventing Sexually Transmitted Dis-
eases. This work resulted in the first collective video: Pega, Não Pega (Catch, Don’t Catch).
It was a pioneer experience, a trial run. We were just beginning the work of training indige-
nous filmmakers. Feeling our way. The following year, Mari and I decided to hold this second
workshop, again multi-ethnic, but this time in the Ashaninka village of Apiwtxa. It was
winter. Raining. The community was busy harvesting murmuru coconuts and pursuing other
seasonal everyday activities.
SHOMÕTSI We’re now going to explain the work we do here in the winter. We’re going to tell our
stories and our dreams. In the winter it rains a lot, everything is soaked, it’s very muddy. The
river swells so we can travel to distant swiddens. We have to breed chickens because sometimes
the rain falls too heavily to hunt. But a chicken we can kill, or eat its eggs.
ANTÔNIO We don’t give the orders during the rains, Pawa does. He sends the rain to drench the
earth and provide us with water. We don’t know how to make the rain stop. Whatever Pawa sends
our way, we have to accept. That’s why we have to be organized. Those of us here on the earth.
ISAAC That first video (The Rainy Season) was just a little thing we made, very small, the day-
to-day life of our people in the rainy season, people having fun, telling stories. We hadn’t or-
ganized ourselves to film the forest management work or our festivals. The video was made by
myself and seven other students who had come to take part in the workshop. Three of them
were from here in the village and five from outside, from the Kaxinawá, Karamari, Kulina,
Katukina and Machineri villages. Maru, André, Nelson, Fernando, Jaime Llullu, Tsrotsi, Wewito
and myself. We had worked together the year before, in Rio Branco, when we first met Vídeo
nas Aldeias. Before that we’d been working solely with texts, producing our teaching materials,
working in bilingual education. I still didn’t believe in video, not like the things we saw on TV.
At this encounter in Rio Branco we alternated between teacher training and the video course.
It all happened very quickly. By the following year I had already forgotten how to use the
camera, how to focus, set the white balance, all those things. A lot of the footage was wasted.
But what most caught my attention was when we began to watch the recordings we’d made.
You know, looking at the images and discovering things and situations to do with your people
that are there in your everyday life but usually pass unnoticed. The community too. The entire
village came to see themselves on screen, hear the things they themselves had said. After-
wards they discussed what they had seen, what they had done. That was when I realized the
importance of this work. We completed production of the film in São Paulo. On our return, I
showed the film to people in the village. And we talked about the scenes, the question of the
festivals, music and songs. I realized then that video could be used to discuss our culture, or-
ganize our school work, think about our system of life. And also to understand the use of this
technology and what comes from outside, what isn’t ours but we can use. Video shows people
speaking in their own language, expressing themselves in their own words. Everyone is there
talking and understanding each other. It’s a very rich experience.
VINCENT So we agreed to a second workshop, again run at Apiwtxa. We kept the same group.
It was at this moment that Wewito emerged as a filmmaker. He had already taken part in the
first encounter in Rio Branco, but in the animation workshop where he’d shown an incredible
sense of composition, a great draughtsman. During the filming of The Rainy Season he
claimed his space. Silently. He watched everything from a distance. Until one day we took
the hint and said: Hey, let’s ask this guy to take part in the film. But it was in Shomõtsi that
Wewito really showed his talent. A marvellous film. In the workshop we adopted the same
pace we had taken in The Rainy Season. We noticed that what was working was the idea of
accompanying a particular character. Each student seeking out a face, a space. All of them
looking for their own way of filming and organizing the raw footage. Learning how to pace
the work, involve your main character in the filming, the discussions at the end of the day,
what to do the next day. Our aim in the workshops was precisely that: to encourage a par-
ticular stance in relation to the world, the proximity of the characters, the lasting observa-
tion. And the ideas and events taking shape. The film being born.
WEWITO When I first got to know Vídeo nas Aldeias I was about eighteen years old and a
teacher in the village. I hadn’t participated directly in the initial workshop in Rio Branco,
but I had watched the material the students produced. The next workshop, run in the village,
was attended by students from outside along with Isaac who continued his work. I accom-
panied the talks at the end of the afternoon when the students and teachers discussed the
material produced during the day. I stayed there watching, observing, paying attention to
the teachers’ comments. And I secretly began to use the camera. When the students left to
film, I went with them and asked to hold the camera so I could check if I had understood
what had been explained. When we returned, the students said: “He was the one who shot
this footage!” So Vincent and Mari invited me to join the workshop. That was how everything
318
started. The idea of filming The Rainy Season surfaced during the process. We started to
discuss which activities were happening in the village, what work we were doing in the com-
munity at that moment. But it was all very difficult because it was raining heavily, we would
go to the forest to film covered in plastic, set up an encampment and shoot the scenes. There
was also the question of the outside students, none of whom spoke our language. For them
it was difficult to know where to cut a take, understand what was happening, if it was impor-
tant for the film or not. So we decided that one Ashaninka assistant would accompany each
of the pairs. That way we worked better. When we pre-edited the film in the village, both the
community and outside students became heavily involved. Everyone watched and together
we learnt how to edit a film, a story with several hours of recorded film in a space of 40 min-
utes or an hour. Everyone took part and we later filmed extra scenes that had been missing.
Almost everything was done in the village. Afterwards I went to São Paulo to complete the
translations and finish the film with Mari and Tutu. The film was already at an advanced
stage, but even so I was worried because the responsibility was huge. But everything worked
out and the work was well received by the community. Participating in making the film was
important to my training and also helped my work as a teacher. Filming, following a particu-
lar person or a family, is just like doing research. You become closer to the person, learning
more and more about his or her life, discovering stories you had never known before. Discuss-
ing how we’re going to present ourselves in the video and what we’re going to show through
the film to the community and to those who don’t know us, what makes us different from
other peoples. I remember there was one family who didn’t want to be filmed because they
didn’t know where we would take their image. We invited them to watch videos produced by
other peoples and this allowed things to become much clearer to them. The fact that the
video work involved exchanges between indigenous peoples and other cultures, and that a
person, or a family, could reach other peoples through the image. That was when they
started to understand and become involved in the work.
ISAAC After The Rainy Season the community was already better prepared, more accustomed
to people wandering about everywhere with the camera. We were already holding the second
workshop in the village and accompanying the same narrators from the first film: Kowiri, Ban-
deirão and Mato, Bandeirão’s son. Each of us followed one main character. These encounters
led to the collective film Dancing with a Dog. Wewito meanwhile filmed Shomõtsi. He went
further in his film because Shomõtsi is a very tranquil person. A good character to accompany.
Our wish and challenge was to follow the day-to-day life of a person like following footprints
on a forest trail.
WEWITO After this first experience I began thinking of various new projects. I wanted to
make a film about everyday life in the community during the summer, but I never even began
filming. Afterwards I accompanied a Machineri researcher on a research to Peru and filmed
the work. This material came back with us, but I don’t know where it is. I was really busy with
my activities as a teacher, unable to get involved in lots of things at the same time, so we
made films only when there was a workshop, or when we recorded important events in the
village. We had a small VHS camera with which to train. When the second workshop took
place at Apiwtxa, the original idea was to make a collective film. Each of the students ac-
companying a particular figure. I chose to film Shomõtsi. As the workshop progressed and
we began to look at the footage, we realized that what I was producing would make a film by
itself. Mari and Vincent told me it was enough to make a film, which meant I was working
well. I tried to accompany everything as solidly as possible so the material would be com-
319
plete. But I was hesitant. There were times when I thought about giving up. But Vincent and
Mari encouraged me to continue. They told me: “You just need to film his return to the vil-
lage, you need to return to Marechal Thaumaturgo and stay with him.” I returned and spent
one more day with Shomõtsi, waiting for his pension to arrive. That was a particularly diffi-
cult moment. It’s one thing to film in the village, another entirely to film in the town where
the tensions are high because of our history, the issue of demarcating our lands, the expul-
sion of the bosses. I was a bit apprehensive about filming Shomõtsi in the shops, following
him as he walked around the town. But slowly I overcame this fear. And I filmed just what I
thought needed to be filmed. I had around 20 hours of tape, but I only filmed 7 hours. I re-
corded little, just the essential. When we came to edit the film, I realized that I had made
the right choices. When I start to work on a film, when I have a topic to document, I already
begin the process by thinking of my approach, what the beginning, middle and end of the
film will be like. I concentrate on what I think really makes sense and what will be used. The
students in the workshop would ask me: “How did you look after the tapes and batteries? You
don’t waste much.” It’s my way of working. Each person finds his or her own way. I only on
film stuff I’m going to use, I don’t record what is unimportant. I don’t know exactly how it
works, maybe I’m wrong, but it’s the way I work.
VINCENT In Shomõtsi you watch an everyday situation and an entire reality unfolds before you.
The film has an incredible poetry, a profound sensibility. And Shomõtsi himself is stubborn,
amusing, funny, as the Ashaninka are in general. This is one of the most notable things about
working with the Ashaninka, something equally reflected in the films. The joy, humour, playful-
ness. Wewito says that he chose Shomõtsi because they were neighbours. He began filming and
one night he came to us and said: Look, I don’t think it’s going to work out, I need to choose
someone else, Shomõtsi is about to leave for the town to receive his pension. In fact he hadn’t
yet realized the full potential of the situation. That same night we packed the material, tapes,
camera, microphone, and so on for him to leave for the town the next morning. At the end of
the day, Wewito was back in the village again: “Ah, the pension money didn’t arrive so I came
back.” We replied: “No! You have to stay there with him until the cash arrives.” Their money
had run out. We gave him some more, plus extra tapes and batteries. And that gave us the
events in the film. The wait, the money failing to arrive, the encampment, the town. Our chal-
lenge was, and still is, to create this attitude, this opening to the real and the unexpected.
Wewito edited the film with Mari in the Olinda office. The first version lacked any off-camera
narration. The film was structured as a visual narrative. One day before he left to return to the
village we held a small screening at home and we felt there was something missing. I had
brought an Inuit film, produced on a workshop run by the National Film Board, Mon Village au
Nanavut, about contemporary issues facing the Inuit. The narration to the film is striking, both
ironic and good humoured. I remembered this film and we showed it to Wewito, providing a
simultaneous translation so he could capture the tone and use it to inspire his own text. We
watched Shomõtsi again to pinpoint where commentary was needed. He wanted to phone
Antônio, his father, to know the meaning of Shomõtsi, which signifies humming-bird. Then
Wewito created his text, which is truly beautiful. We recorded the narration a few hours before
his flight left, with the noise of the VT equipment in the background. But it’s incredible. Re-
cently for the launch of the Indigenous Filmmakers DVD collection we re-recorded the narra-
tion, this time with an ambience more appropriate to the film.
WEWITO My relationship with Shomõtsi preceded the film. I lived close to his small house and
we would chat a lot. He was a teacher to me, he taught me about our culture. He was the one
who taught me how to sing. In the workshop when we discussed who would accompany who,
I already knew I would film him. But first I went to talk with him, to ask for his permission
to film him and explain what I planned to do. And he replied: “Okay, you can film me, I’ll be
on television, I’ll be important. I have a very beautiful story.” But he was worried because
he lives alone, he doesn’t have a wife. But I told him this wasn’t a problem and we began the
work. As with The Rainy Season, editing of the film was done in two stages. First we pre-ed-
ited the film in the village, afterwards I went to Olinda. But unlike the first film, in this one
I really took charge of the editing. I had shot the film and needed to organize the material,
deciding what to keep in the final version. After that I returned to the village. We held a
screening and Shomõtsi himself was present. He was impressed and said “Wow, did I really
do that?” and laughed. He added: “You weren’t supposed to have left that talk, lad. But okay,
it’s already in the film, not much we can do about it now, is there?” But he approved the work
and said that, if I wanted, we could make Shomõtsi 2, and that this film would be left for his
children after he died. For him it was important. Since then the film has been distributed
widely. It has won awards. I’ve travelled all over Brazil and abroad. It was a great responsibil-
ity because I wasn’t just representing the film but also my people. At each screening I gained
more of an understanding of what it means to work with video. Not just the filming, you have
to know how to present it, know what to say about your work and your people, the film and
the community to whom the film belongs.
ARICEME Money is made from really strong material. You can soak it and it doesn’t tear. It’s not
like writing paper and sweet wrappers, which disintegrate when they get wet. Like packets of
sugar too. The trader doesn’t give anything for nothing. Only if you buy. You’d think he was go-
ing to take the money with him when he goes to heaven. But not us. We have our cusma to wear.
Two or three pairs of shorts is enough for us to last a life-time. That’s what Pawa left for us.
ISAAC Shomõtsi allowed us to see something important for the community, namely the ques-
tion of pensions. He makes that journey, goes to the town, comes back, all the events in the
town. Watching the film in the community also led to an important discussion: why retire, is
it a good thing for old people to retire, how does it work..? People began to discuss the issue
and another issue then surfaced, the relations with the municipality (Marechal Thaumatur-
go), trade and money. The discussions were wide-ranging. As a result of these debates, I
decided to take the films to the Marechal Thaumaturgo Education Secretary. I already had
contacts with the municipality. I had spent four years working in state and national politics
with the indigenous education project in Acre. I had also helped coordinate this policy
within the MEC (Ministry of Education) and was a teacher in the community. The secretary
liked the films and asked for additional copies to distribute to the schools. I explained to him
a bit about their content, what they were intended to say, what we did. He organized groups
and showed the films in the classrooms. It was important to work there close to our village
with people who discriminated against us in the past and still do today. People began to see
that we are becoming organized, planning. When I meet non-indigenous teachers they re-
mark about the films, wanting to know more. Even those living close to the village know
nothing about the Ashaninka. When we’re in the town, they look down on us: “Ah, this
Ashaninka stinks. These old clothes.” So when they saw the images there, various teachers
asked me: “What does that mean?” This gives me the chance to explain, because I know that
the person asking the question wants to hear and understand. The same happens between
our people and other peoples. The people from the village enjoy watching videos made by
other peoples. People didn’t want to watch the work of the Ikpeng (From the Ikpeng Children
to the World) because of the nudity. Some individuals left because traditionally my people
always used clothes. Afterwards, though, we began to understand more clearly because we
saw more than fifteen different peoples in the videos, each one with a different cultural
practice. The Ikpeng have a very strong culture. Other groups have already lost much of
theirs. So we began to study this too: those who have nothing left, those who have just a
bit. And us? Within the village we have worked a lot on the question of other cultures, so we
can later look at our own. I’ve used video with the whole community. It’s not a formal system.
Children, young people, everyone watches and replies with their own vision, their own point
of view. You see the world of others and look at your own.
BANDEIRÃO I didn’t realize that one day we would have to record this, our history. Had I known,
I would have asked my father everything.
SHOMÕTSI Were I to tell everything I know, it would take the whole day, until it gets dark. I
would be sat here and you’d get hungry. And I still wouldn’t finish my story. You have to ask me
what you want to know, just like I asked my grandfather.
ISAAC When I say that people don’t know the Ashaninka, I’m talking about our history. We
have five centuries of contact with white society. Various projects exist, various areas of
activity. We confronted wars, the salt war, the war against the missions, Sandero, and now
the war against drug trafficking and the loggers. We want to know and understand this his-
tory. Organize ourselves. And for this we need to understand the history of our families. What
lies beyond our festivals and games. Our projects, our organization. We’re still discussing the
best way of achieving this.
VINCENT The areas surrounding the villages are the biggest conflict zones. The Ashaninka are
caught in a stranglehold. On one side, Peru and the road construction, on the other, the INCRA
settlement, along with the proximity of the Alto Juruá extractivist reserve and the town of
Marechal Thaumaturgo. But Apiwtxa was born out of a very special history. This history is the
theme for our next film with the Ashaninka. The history of the parents and grandparents of
them all. We were even thinking of travelling to Peru to shoot material for the film. The origin
of Ashaninka history is there. But we faced a number of funding problems and the idea was
put on hold. In addition the frontier is along the upper river courses, difficult to access, and
the zone is unstable with Sandero, the brigades. A highly volatile process. Since its founda-
tion, Apiwtxa has pursued a clear project of resistance and sustainability. For a long time now
the children and grandchildren of the first generations have been involved in large projects
mobilizing the community of the Amônia River. Everything began with the elder Samuel Pi-
yãko back during the logging era when the Ashaninka still worked for the bosses.
WEWITO I don’t remember much about my grandfather, but I do recall one scene of him making
a fishing net. I remember him, very old already, making the net. He would start working early in
the day. In the afternoon he would spread out his mat to sit on, arrange his work space, take a
bottle of cipó and leave it next to him. And when night fell, he’d invite us to drink with him.
ANTÔNIO My father’s name was Samoyri Piyãko. His father gave him this name. The whites
called him Samuel. He came from the Upper Eneki, from a village called Opokiyariki. He came
to Brazil to work for his Peruvian boss. Various families came with him. He worked in cotton.
The boss exploited them ruthlessly. One day the Ashaninka tired of this situation and de-
31:
cided to travel upriver in search of other work. At that time people talked about the Amônia.
They said the work here was better. He journeyed down the Shesheya River on the Upper
Juruá, spending some time on the Envira where he first hunted animals to trade their pelts
and later worked in rubber extraction. Finally he arrived at the mouth of the Amônia. He met
the boss Odom who bought meat, pelts and rubber from him. Samuel said that he would buy
whatever he produced. So my grandfather fetched his kin who had stayed on the Shesheya
and settled with his family on the Amônia. It was a land of plenty. There were turtles, game
animals. I was born and raised here on the Cachoeira Creek. I helped my father in his work.
We moved upriver. My father wanted to live further away. There we worked in logging. We
extracted a lot of timber for the boss. His name was Chico Mariano. We worked for a long time
for him, hunting and logging. Until my grandfather died. After that we moved to the mouth
of the Amoninha. My father cleared all the swiddens and made all the houses. We planted
everything. We worked hard, leaving to sell the produce and returning to the village. I met
Marechal Thaumaturgo, my grandmother said he was a good boss. We made his house and
swiddens. He was the first white to live close to us. He worked in the logging trade and my
father took him to see the Tamaya River where there was a lot of timber. Thaumaturgo de-
cided to move to the Tamaya and went back to fetch his wife. We stayed on the Amônia. He
handed his swidden over to Chico Coló, a former ‘rubber soldier’ who later became my father-
in-law. In exchange he produced manioc flour and took it to Thaumaturgo in Peru. I was
growing up. I hunted, fished and began to work in logging too. We worked together: my
brother and I, and the brothers of Piti, Chico Coló’s daughter. We always worked together.
After a long time working I met Piti. And I wanted to live with her. She agreed to the idea.
“Let’s see what your parents think.” She said we should talk to them straight away and even
if her parents didn’t concur, she would live with me. I went to talk to her father. He was com-
ing back from the swidden. He asked me if I really wanted to live with her. Her mother didn’t
like the idea. That was her reaction. Chico Coló went to our house, greeted my father and they
talked about our marriage. My father said that the decision was ours to make. And he said to
Coló: “If you think your daughter can marry my son, that’s fine by me. I can’t decide for your
daughter, but my son can marry. If they want to marry, we’ll help them.” They then asked me
and I said I wanted to live with her. I very much wanted to live with her. But Piti’s mother
disliked the idea and asked her daughter how she could marry an Indian. But Piti said that
she wouldn’t change her mind. She was determined. We married in January. My wife helped
us a lot. She knew how to read and write. She made sure we weren’t ripped off. She taught us
the price of meat and other produce. When anyone arrived, we now knew how to negotiate.
They knew we were being advised. The bosses were really angry with her. But she was una-
fraid. She said she was protecting her family.
FRANCISCO My mother’s father came from a group of migrants from the Brazilian Northeast.
At the time they had recently arrived here and settled at strategic points of the territory. It
was like a lottery, or going to war or coming to extract rubber. It was a state policy. The rub-
ber was located downriver from Thaumaturgo. Here it was timber. My family was born from
the encounter between the Ashaninka who came from Peru, taking refuge in more tranquil
locations, and the Brazilians who arrived here. Chico, my maternal grandfather, began work-
ing in rubber extraction, and afterwards in logging, which was why he went to live near the
Ashaninka. There was competition between the bosses, so they divided the region into rub-
ber plantations and logging zones. The Ashaninka managed to find common ground between
themselves and non-Ashaninka. Samuel, my paternal grandfather, had a very big family. His
parents chose this river as a safe place to live and he continued what they had started. He
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never left the area. The Amônia is his river. Other families have lived here too, joining
Samuel’s family: the families of Tenente and Paulinho. This led to my parents’ marriage. Piti’s
family became allies. My mother performed the role of negotiating with the bosses. Lan-
guage, mathematics, prices. Their children too would find it easy to negotiate with the
outside world. Piti and Antônio made them respect Samuel. My mother helped defend his
leadership, mapping allies and non-allies. She became a reference point for our people.
Samuel wanted someone like that, someone who could teach him about white things. She
was persecuted by the bosses, but believed in the justice of the Ashaninka cause. Our peo-
ple’s outside army was my mother’s family. As children of this marriage, we also learnt to
move between these two worlds, aware of their differences. And we grew up working on our
parents’ project. We succeeded in building a very strong community.
ANTÔNIO In the 1990s Funai began to appear in the region. They came to my father’s house
and talked about a territory, saying that we had a chance of acquiring our own land, that we
had suffered a lot and that we would be better off if we had our own land. We began to con-
sider the possibility. Macedo also appeared and explained a lot of things to us, saying we
should stop working in logging and start a new phase. Funai would help us demarcate the
lands and we began to work with them. One day they arrived and told us that the land was
ours and we needed to think about a new form of working. Everything happened very quickly
because we were already organized. Samuel already had a project. No bosses or abuses could
split his family apart. The whites thought we were incapable of looking after our lands, that
we wouldn’t produce anything and so didn’t need the land. We were threatened. It was diffi-
cult to remove us from here. Some relatives left us and went to Sawawo in search of other
work. Some went away and later returned. And we started to become organized here. During
this process my father died and I took over his project.
VINCENT The marriage between Piti and Antônio led to the birth of a very special group of
children: Francisco, Moisés, Isaac, Benki, Dora, Alexandrina and Wewito. All of them po-
litically and emotionally immersed in the community’s projects. A generation full off talent
and strength. Raised between two cultures with access to and knowledge of both the
Ashaninka world and the white world. The life project of the Ashaninka of the Amônia
River is very clear. All their efforts, initiatives and movements are aimed towards achieving
self-sustainability, repopulating the native flora and fauna in their territory, strengthen-
ing their identity and culture, and ensuring their long-term survival through careful man-
agement of their resources. This project is reflected in the films that they make, their ap-
proaches, their choices, the use of video to reflect the topics most dear to them. The
Ashaninka have a great sense of marketing, the media and the internet, and the play of
national and international alliances. They use these skills in their struggles and claims and
as instruments of resistance. When we arrived for the second workshop in the village in
1999, the Ashaninka were already implementing their resource management projects and
setting up the cooperative and their association, a process begun with the demarcation of
their lands back in 1992. We started to discuss a video project that matched their aspira-
tions. Forest management and some other activities such as beekeeping, turtle breeding,
planting fruit trees, hardwoods, the transmission of knowledge to children. Over the space
of a few years, then, the material came together that would later form the bulk of the film
We Struggle But We Eat Fruit, previously divided into three short films: Path to Life, on
turtle breeding; Learners of the Future, on the agroforestry management plan; and Live
Forest, on fruit tree planting, made by Benki.
BENKI We Ashaninka wandered far and wide, but we’re now firmly settled in one location. We
have various new means of communication, telephones, the internet, and make our own
videos to show our relatives and send to other people far away to watch. Since we regained
our land, we have worked hard to recover its natural resources and protect the forest. Our
work involves the community and the school. We teach our children so they can look after our
land in the future.
ISAAC Today we are working with an agroforestry system, repopulating the stocks of small
animals. I also see video as a form of research enabling us to organize our collective work. It
is a source of fresh incentives where you see new experiences and want to do the same, or-
ganizing your production, reforesting, enriching your diet and your natural resources. What’s
important is not only learning about the Ashaninka but also the ways in which we’re defend-
ing our people and our land. Video can help us to plan our journey, simultaneously research-
ing and deepening our knowledge. Our system of organization can serve as an example to
others, just as their systems can be used by ourselves. It is an exchange through video be-
cause very often we’re unable to leave the village but video can.
HEINE WENKY This is the orchard I planted when I was a child. It’s now bearing fruit and we’ll
soon be able to eat them.
MOISÉS When it begins to bear a lot of fruit, the birds will come here to eat. The avocado tree I
planted produced so much fruit that the animals came to eat. All those animals that like eating
fruit started to visit. This also makes it easier for us to hunt because we find the game nearby.
The animals eat our fruit. And we eat the animals with sweet manioc.
WEWITO We Struggle But We Eat Fruit was the result of around six years of filming. During this
period we filmed the work being undertaken in the village. Benki was responsible, but all of
us worked the camera. He went to Olinda to edit the short films. We still didn’t have enough
material to make a full-length film. We wanted to make a film capable of showing the projects
developed in the community. After this first edit we watched the footage to see what was
missing and then filmed more. We combined everything for the second edit and the film was
made with a number of different running times, describing the work involved in protecting
our borders, the invasions by loggers, our forest management plans. Tiago and Mari pre-ed-
ited the film in the village. And Isaac went to Olinda to finish another section of the film.
Afterwards I went too, completed the editing and finished the film with Tiago.
TIAGO The first time I was at Apiwtxa was to edit We Struggle But We Eat Fruit. At the same time
Mari began a workshop with two new students, Hatã, the son of Ariceme, and Enison, who to-
day is a teacher in the village. On our second day in the village we began to assemble the edit-
ing equipment. Mari began the process and then I took over the editing station. It was the
second film I had edited. We began by translating and setting the timeline for the footage.
Each day we would meet – Isaac, Wewito, Mari and myself – to discuss what we had viewed.
There was a huge amount of raw material, the end product of around six years of filming. The
camera was a weapon, a generator of images to be presented as proof to the army, law courts
and so on, and to be used to make a film. Mari and Isaac were more familiar with the material,
so they told me where to start looking for things, discussed what to show and how to go about
it. As the work progressed, Isaac gradually left to deal with other things, while Mari turned her
attention to the workshop. Consequently Wewito and I were left to our own devices in the
editing and had more freedom to make choices and participate in the creative process of com-
piling the script. The idea at the outset was to divide my work between editing the film and
teaching Wewito to edit, as I had done previously with Divino (Xavante). However we didn’t
have much time and we needed to ensure that all the material was translated at least. As my
experience of working for Vídeo nas Aldeias has taught me, each process is unique. Every film
involves a deep immersion in the material and the filming experience. When we leave for a
workshop, we rarely have any script in mind. The script emerges as the filming unfolds. The
students engage closely with the characters and events they are filming, sometimes they have
to take part in the events being filmed, sometimes they fall out with their lead characters, and
experience something entirely new mediated by the camera. During editing, as we set about
discovering the potential links between the filmed situations, we can tell whether something
is important or not for the community by people’s reactions while we work. Someone watches
the edit of a sequence and spreads the word throughout the village. People arrive. They watch,
leave their impressions and in this way the film is put together in the pre-editing. In the case
of We Struggle But We Eat Fruit, we had to shoot more scenes and develop some new ideas for
the film, including Mari’s proposal. She really wanted to include a scene of the former school
pupils, who had been filmed as young children, watching the footage of the forest manage-
ment and leaving to visit the places where each of them had planted a tree. This scene is in-
cluded in the film. We frequently propose situations and plotlines for the films. The students
like it when we suggest ways of telling the film’s story. Afterwards we discuss whether or not a
proposal will be developed. What emerges usually is a very free appropriation and a new inter-
pretation of whatever has been suggested. Sometime later I worked again with Isaac on a film
about OPIAC (the Organization of Indigenous Teachers of Acre). It was a very different process
to the previous one. At this time he lived in the village and coordinated the organization with
Joaquim Maná, the father of Zezinho Yube. The institution was created to strengthen the de-
velopment of indigenous education in the state. The idea for the film surfaced when OPIAC
raised funding to travel to various villages in order to inform the communities about the issue
of indigenous education in Acre and Brazil, including its own ideas on the subject, as well as
stimulate the exchange of experiences between teachers and practices in each village. Isaac
arrived with the material and we began the work. He already had a very clear idea of what he
wanted for the film, at least in terms of its message. It was a fairly tumultuous process. Isaac
was keen to return to Acre quickly. The Ashaninka were facing a complicated situation in the
village due to invasions by loggers on the border, the water of the Amônia River had been
poisoned in Peru and was causing problems at Apiwtxa. And Isaac was the person responsible
for communicating with journalists and broadcasters and was unable to devote as much time
to the project as he wished. The video emerged after a lot of trial and error, but it is an exciting
history. It fulfilled its purpose and is used now as a primer on indigenous educational rights.
VINCENT Just now the Ashaninka are going through a revitalization process involving pottery,
workshops, meetings, etc. Some years after finishing We Struggle But We Eat Fruit (2006), we
returned to the village for another workshop with the Ashaninka. However the older filmmakers
are all involved in other activities, although they do take part in the filming processes in
other ways: helping with translation, discussions and viewing the rushes. Wewito is the ‘may-
or’ of Apiwtxa, as well as a teacher in the indigenous school, and has a packed schedule. For
some time now he has been postponing production of his next film: this is set to be about the
dry season, a counterpoint to The Rainy Season, showing the village and its figures in the sum-
mer when important activities and events take place in the community, a period when fathers
test their sons’ knowledge of fishing and hunting, their ability to observe nature. However
322
Wewito is closely involved in filming the video on Ashaninka history. We directed the process
but the conversation was between himself and his brothers, their parents and the older people.
We asked for all the raw footage so we could work on producing material specifically for the
Ashaninka school. Isaac, another filmmaker, is now Marechal Thaumaturgo’s Secretary of Tour-
ism and the Environment and is involved in a project aimed at reviving the municipality and
managing the waste produced in the town. Consequently they decided to train a new genera-
tion of Ashaninka filmmakers. Tsirotsi, who had taken part in the first workshop and later be-
came a healthcare assistant, has returned to video production. We also have Hatã, Moisés,
Eyrish, Shãpi and Enison, who together form the Ashaninka Cinema Collective. And to com-
plete the picture, we are in the middle of a new series of workshops, which began with Tiago,
Camila and Amandine. A Village Called Apiwtxa (2010) was filmed entirely by this new genera-
tion. A portrait of the village today, its form of organization, the projects that continue to
animate the community, the conflicts, children, histories, festivals. They are new filmmakers,
some new characters, but the spirit of the Ashaninka is still there: the joy, playfulness and
humour. Working with the Ashaninka is usually very easy in the sense that they are already well
used to video and take an active part. Everyone is very attached to the VNA project.
JACU Because I work during the day, I usually hunt at night. One day a lizard touched me here
and I thought it was a ghost. There was a large trunk nearby and I sat down on it to calm down.
I rolled some tobacco and lit my pipe... you know what it’s like. When you walk alone at night,
it’s as though the forest is out to get you. If you’re a real man, it won’t do anything to you, but
if you’re scared, as I was, it can even kill you. I smoked my pipe, chewed some coca... I don’t
know where it came from. The pain in my foot rose to my belly. I don’t know if it was sorcery or
hunger. I think it was sorcery, it was really weird. That night I had dreamt of my father, he had
arrived bringing a lot of food... When I saw him, something prodded my back. It was a beak
prodding me, something like that. I picked up my torch and switched it on. I saw it really close
up. It turned round... I grabbed my machete, but it ran to the creek making a noise. It was an
anteater. I picked up my gun in fear. My body had turned to ice. I put my hand on my ear to see
if the courage would emerge, but just when it was about to emerge it vanished again. When I
looked the anteater had already turned into a paca. I shot and it fell. When I arrived home it
was already eight in the evening. It was dark. My wife was worried and my daughter was crying.
I said: “Wife, a lizard touched my foot, a creature prodded my backside, and the pain rose from
my foot to my belly.” She said that the ghost had visited the village that night. But I think it
was just an animal. But it could have been Satan himself.
TIAGO In 2009 I returned to Apiwtxa for a new project. We worked on three fronts: the docu-
mentation of a traditional pottery workshop, run by the women with funding from the PDPI;
the film about the history of the Ashaninka of the Amônia River and the family of the village’s
founder, Samuel Piyãnko; and the workshop to train a new generation of Ashaninka filmmak-
ers, which had been on hold since 2006. The group was composed of myself, Camila and
Vincent. The pottery workshop served as a ‘starter project’ for the video workshop since we
were obliged to make a film about pottery. We combined the projects and began work.
CAMILA Two things caught my attention in the village from the outset. Firstly the value at-
tributed to children as protagonists in all Apiwtxa’s projects. This had already been evident
in We Struggle But We Eat Fruit, but during the workshop I realized just how strong this aspect
was. Hayne Wenki, Benki’s son, accompanied the entire workshop at his father’s request and
other children were always present and attentive. Hayne completed a second workshop with
323
me during the process of implanting the Indigenous Culture Points in 2010 and took an ac-
tive part in the discussions. The second thing that drew my attention was the community’s
openness to receiving people from outside. I think this is related to the history of Apiwtxa,
which since its foundation had maintained and cultivated a very distinct dialogue with non-
Indians. Moisés, one of the film students, is the nephew of Dona Piti, lives in Marechal
Thaumaturgo, doesn’t speak the native language and yet produced marvellous work during
the workshop. He and Hatã decided to film Ariceme, one of the village’s shamans, also re-
sponsible for the school meals. But Hatã’s son suffered an accident and his father had to
leave the workshop to accompany him at the hospital. So Moisés took over all the filming by
himself. He conducted the interviews in Portuguese and Ariceme replied in Ashaninka. He
returned with the rushes and, helped with the translation by colleagues, discovered what he
had on film and returned the next day to continue the work. The filming was heavily inspired
by Shomõtsi and this became an issue for Tiago and I, how to approach this character in a
way that was less glued to Wewito’s film. But it was still an exercise, we didn’t know where
this material would lead us. We worked with another three groups. Eyrish, one of the female
students, took over the filming of the pottery revival workshop. This film had to be make. The
workshop was funded by the PDPI and the video was required as a final product. Dora, Dona
Piti’s daughter, was responsible for the project and naturally became the central character
in the film. The two youngest students, Enison and Shãpy, were a case apart. They woke late,
wanted to have fun and didn’t know what or who to film. We ended up giving them more
leeway and one day they appeared before us with a totally charismatic character, Jacu. At
each screening the village buzzed. Jacu produced some incredible moments for the film.
Tsirotsi, who had already worked with video, resumed his training in this workshop. Since he
had more experience, he moved between the groups as a filmmaker, helping advise each
group’s project. The final structure of the film was discussed in the editing workshop from
which I was absent. Amandine was responsible for editing the video for the PDPI and Tiago
edited A Village Called Apiwtxa. During the film workshop a number of possibilities for the
narrative framework had already emerged from the way in which the filming had developed.
The characters talked among themselves. There had been a continual cross-over of situations
and characters throughout the process. Ariceme is going to pay his debt in the cooperative
store, which is run by Dora, who is responsible in turn for the pottery workshop, where one
of her pupils sponsors the minga, to which Jacu is invited. We discovered these connections
bit by bit. Initially, though, there was no prerogative to make just one film. We had been
thinking of distinct projects. The structure came later. For me this confluence of characters
and situations provides a clearer insight into the organization of Apiwtxa village and reflects
the complexity of the characters and relations established there.
AMANDINE I was responsible for editing the film of the pottery revival workshop. The film was
almost entirely produced in the village. It was incredible to see, through the images, the ca-
pacity to reinvent traditions and the involvement of the village. For us this enthusiasm was the
main aspect to be emphasized in the film. The video unfolds in an almost exclusively female
universe, evoking numerous questions relating to the transmission of knowledge between
generations and the revival of a tradition in a more ‘modern’ context in which the school and
cooperative – previously non-existent – play a fundamental role. And as in other Ashaninka films,
there is a more everyday element that pervades life in the village and provides its richness.
ISAAC This is our history with Vídeo nas Aldeias. The project arrived here in 1998 via a Pro-
Indian Commission course run in Rio Branco. Later in 1999 they ran a workshop in the vil-
lage and we made The Rainy Season. As soon as we met in ’98 I thought a lot about how we
could use video in our educational work. How we could show our people and culture. These
questions. During the second workshop other possibilities surfaced. It dawned on me that
we could use video to support our projects, show the work we were already involved in, the
community’s projects. And also show the everyday lives of our families in the village. That
was our second proposal. But I never imagined that these films would have such a power to
show who the Ashaninka are, both to the outside world and to ourselves. I didn’t anticipate
the power that an image can have after the work is carefully completed. This became
clearer to me just a few years later, around 2005 or 2006. The importance of a film, a docu-
mentary, that shows a person, the daily life of a community that belongs to a culture, to the
project of a people, indeed to the project of a world. I was always very careful about the
things entering the community: television, a tape deck... but it became increasingly appar-
ent to me that you can use the tools to your own benefit, for your own good and above all
for your own survival. The Ashaninka people have still not shown who they really are. De-
spite all the work we have produced, many things remain unseen. I don’t know how to depict
this. Perhaps we managed a little with Shomõtsi, and perhaps we shall achieve a little bit
more with the film on our history. Our knowledge doesn’t only reside in the people as a
whole, it’s also found among the different families. Some families have specialized knowl-
edge, others a specific history. If we can combine all this knowledge perhaps we can show
something of who the Ashaninka people are, from the 1930s to the present. Video has al-
ways given me a lot. Marechal Thaumaturgo, for example, is a place that still hasn’t discov-
ered its own history. They just receive things constantly from the outside: content, technol-
ogy. When in fact it’s all here. You can tell the history of the municipality on the basis of two
or three people who live here, their tradition. In a few years these people will have passed
away. And this living memory will have been lost. So you can see a little of the importance
of the image in constructing this memory. Sometimes, though, not even I know how to
tackle the question of the image, the issue of documentation. Today there’s a silence. Some-
thing about today’s world means that people don’t want to speak out. But when you enter
someone’s house, a family’s home, and begin to live with these people, you take part and
learn about another world. You live the world of the community, the world of the beaches,
the world of the forest and fruits. Each moment and space of these worlds imply different
kinds of knowledge and histories. When I consider how my own life belongs to the construc-
tion of a project, the project of my people’s survival, I realize the importance of video. As a
tool of reflection for the community and for the filmmaker. I’ve reached a point where I can
no longer accompany the Vídeo nas Aldeias project because I have to take care of other
activities. But this does not mean I’ve abandoned video. On the contrary, today I have an-
other perspective and we’ve began to train new filmmakers to carry on the project. Today I
regard video from another point of view. My wish is for more and more people to become
involved in this work. And that doesn’t mean starting from scratch. We already have very
clearly defined projects: reforestation, the turtles. It means searching for themes among
the community that relate to our trajectory. Today you can see that the children already
understand our management projects. They take part, talking about this in an informed
way. You can see the importance of this dimension within the community. Outside too,
sharing our experience through video. Showing others how we defend our people and land.
Even today, I’m moved when I watch the films we’ve made. When I watch them alone, I’m
looking to increase my undesrstanding by, analyzing and studying. But when I watch in
public, I become emotionally involved. I see people staring intently at the screen. And I
observe them discussing what’s happening in the films. Each time I watch with a new audi-
ence, I learn new things through the gaze of each one of these people. I see things that I
hadn’t noticed before. I get really emotional. People don’t see, but very often we cry. In the
community, during the end of year festivals, we choose two or three films to screen. Nobody
is left out. Those children we see in the films are all married today, adults with their own
children. It’s a joy to have these films and show them in the village to the people who took
part in this history. Imagine watching these films again in five or ten years’ time. A film is
more beautiful when we store it a while. It becomes history.
Kuikuro
The Kuikuro live in the Xingu Park (MT) and number around 500 people. They form part of an
Upper Xingu Carib subsystem with other neighbouring peoples speaking dialects of the same
language (Kalapalo, Matipu and Nahukuá) and participate in the multilingual system known as
the Upper Xingu, located in the southern portion of the Park. The Kuikuro are distributed in
three villages: Ipatse, the main village situated a short distance from the left shore of the mid-
dle Culuene; Ahukugi village, on the right shore of the Culuene, upriver of Ipatse; and a third
village located on the ancient site of Lahatuá. Led by Takumã Kuikuro, all the members of the
Kuikuro Cinema Collective, the entity with whom Vídeo nas Aldeias works, are residents of
Ipatse village.
AFUKAKÁ, IN THE SCENT OF PEQUI I’m going to call you by your name, Hyper-Caiman. Because
that’s who you are. I’m going to call you by your name, Kangisakagu. Because you were the
caiman’s lover. I’m going to call you by your name, Mariká, because you killed the caiman.
VINCENT The first workshop with the Kuikuro was run in 2002, in a partnership with the Upper
Xingu Kuikuru Association, and Carlos Fausto and Bruna Franchetto from the Documenta
Kuikuro project based at the Museu Nacional. If I’m not mistaken, it was the pequi fruit sea-
son and we plunged immediately into a theme-based film, which is more difficult by principle.
You don’t interfere much when the film is about people’s everyday lives, or at least not so
radically compared to films revolving around a theme, which presume a more cerebral and less
intuitive approach. It was the time of year when people harvest the pequi fruits. In the very first
interview, Takumã came back with the pequi origin story and so that’s the direction we took.
CARLOS The Scent of Pequi rapidly became a thematic film but there were also a few idiosyn-
cratic factors involved in the running of the workshop, including the community’s choice of
who would take part. Among the youths selected, only Mariká spoke Portuguese. Both he and
Takumã immediately showed great talent with the camera.
TAKUMÃ I first learnt about Vídeo nas Aldeias when I was still very young. That was through
Carlos Fausto. When they arrived in the village I had no idea how to make a film, what to do,
what to film first or afterwards. They arrived and I went to speak to Vincent. But my Portu-
guese wasn’t very good and I didn’t understand anything he said, I was fairly lost. In all there
were five people taking part in the workshop. They explained how filming works, but I didn’t
understood a thing. I also had another problem, which was how to approach older people.
324
At the outset we filmed just children. When we went to film the elders, they sent us away
saying that the whites film better than us and we would never be professionals. That in-
timidated us and we didn’t film anymore.
CARLOS In the very first week the students were asked to follow a central character. There was
huge resistance, though. People didn’t want to be filmed. I remember the students being
asked to help in the swiddens one day. When they tried to film they were heavily scolded,
because everyone is supposed to participate in this collective work. The older people said:
“What do you think you lot are doing with that camera? You’re young, you have to work.
Everyone is working!” So at first they found it difficult to create space for filming, but they
found an interesting solution: they turned to their families. Some feminist friends have said
to me: “Wow, I think’s really important that you used female narrators!” Of course I don’t
contradict them, but the real reason why the women are narrating the films is that they were
the only ones who would talk to their sons on camera. The men said to their faces: “Don’t test
my patience, what do you want with that stuff?” So our material basically comprised the
interviews given by their mothers.
LEO Before the workshop that led to The Scent of Pequi, I had already been among the
Waimiri Atroari, I had already worked with Divino and with the Macuxi where we had made
the film A Day in the Village. It was my first year at Vídeo nas Aldeias. VNA was consolidat-
ing its work routine, we were beginning to understand how things developed, learning how
to work closely with the camera, its proximity. With the Waimiri Atroari, the workshop
began with exercises focused on the search for lead characters, everything was new. That
allowed us to work very intimately. That wasn’t so with the Kuikuro. They already had a very
clear idea of what should be filmed. They are probably the most filmed people in Brazil, film
exalting their exuberance and displaying them as a product. At least they were familiar
with a specific way of being filmed. Among the Kuikuro it was the usual case of wanting to
remove their watches and flip-flops. They didn’t want to be on camera because they had
already been filmed so often. The community was less keen on seeing the raw footage
compared to other groups. This became a constant topic in our conversations. The initial
challenge was to break through a fairly tough barrier of preconceived ideas concerning
what should and should not be filmed.
CARLOS So we had to engage in a lengthy process. This was a conversation that pre-dated
the workshop. Bruna had remarked at one point: “Look, I think you’ll find it difficult to film
everyday life in the Xingu, whatever is located outside public space, because the domestic
isn’t intended to be on display. What’s situated in intimate space, inside the houses, cannot
be shown.” The Xinguano house is made so that you have zones of complete obscurity, which
is where people keep their things, their secrets, where small talk unfolds. By definition this
isn’t for filming. What can be seen and what cannot is very clearly delineated among the
Kuikuro. In the interviews they were all well adorned, decorated, but very subdued. There
was something a bit solemn, slightly formal, even when joking. Moreover the Xinguano
Kuikuro are generally speaking highly conscious of their image outside the village. They
make use of this image in various circumstances. They are skilled in using it, well-versed in
discussing how they are going to present themselves. Now, I think this is also a skill that has
to do with past circumstances, the role of the Villas-Boas brothers, historical processes, but
also with Xinguano indigenous history from further back in time. The region is occupied by
peoples with distinct linguistic and cultural origins. Hence there is this confrontation with
325
the other’s view, this spectacle, an awareness of the view that the other can have of you. It’s
a historically inter-indigenous process too. It was a major challenge for us to deconstruct
these premises in the workshops. But we crossed that boundary.
TAPUALU, IN THE SCENT OF PEQUI The cicada is singing for the pequi to become sweet-smelling.
When we plant pequi, if the tree fails to bear fruit, we scrape the trunk with caiman teeth.
Because the pequi was once a caiman.
CARLOS The theme to The Scent of Pequi was entirely circumstantial. It was the event dominat-
ing the village at that moment with its much more of implications. During the filming the
project grew more than we had imagined and we realized that we wouldn’t be able to finish the
film in the workshop. That was when we developed the first project with the Kuikuro Associa-
tion, applying for funding from the PDPI (Indigenous Peoples Demonstrative Program) with
the proposal for a film on pequi. In 2003, still without financial backing, we returned to com-
plete the film. We used funds from VNA, CNPq and the Volkswagen Foundation. With the latter’s
money, Bruna (Franchetto) bought a camera, the village’s first camera, and we began filming.
VINCENT The Scent of Pequi was a project that became more elaborate over time, a process of
discovery, such as, for example, the transmission of ownership of the pequi trees, the char-
acter who became sick, the origin myth properly speaking. Filming a myth is an arduous
process because you have to deconstruct the narrative and all its ramifications. The story of
the agouti, the armadillo. Explain who the sun and moon were. You need to translate sev-
eral versions in full. Make choices, create shortcuts. These were complex narratives that
needed to be simplified.
CARLOS At first I was completely lost. I thought it wouldn’t work out. I’d never made a film
before. But I was keen to defend my idea of how the myth was constructed in the film.
Vincent was furious, but told me: “Okay, show me how you want to do it.” The question
was whether we would tell the myth in linear order or in a roundabout way. Nobody would
understand because, like all oral literature, indigenous mythic narratives have a basic
characteristic. They are repetitive and constructed with parallelisms, stylistic and simul-
taneously mnemotechnic. If you analyze the chants, songs and narratives, you can see
that they are formed by sequences of actions that are repeated, they have a slot to insert
information in the form of a list. There’s a series of people, different actions. And trans-
formed into a film, this doesn’t work, at least not for us. So we had to change the structure
of the narrative completely, cut the repetitions, reduce the complexity. We received nu-
merous complaints from the Indians that we had cut things in half. In other words, when
we transform myth into the language of video, we remove precisely what they find the
most beautiful, the entire song, the story well told, the full range of figures and events.
Sometimes we are suspicious with the idead of translation. However, I think that the
equivalent of indigenous oral poetry isn’t recording someone telling a myth from start to
finish. Just like seeing opera sung at a distance it unbearable. It doesn’t work like that.
Just as making the film equivalent of anthropology or ethnography isn’t to make an eth-
nography rendered in film, it’s something else. I think this idea, this necessary ‘translat-
ing’ of a kind of language, is very often seen in a biased way by a certain kind of audience.
But the Indians appropriate this work in surprising ways. They have a capacity to appro-
priate things and give them a new meaning, inverting them, imagining new possibilities.
So I think this may be a red herring.
JAUAPÁ, IN HE SCENT OF PEQUI The pequi origin story is as follows. Mariká’s wives were the ones
who had sex with him. They painted themselves to go to the swidden. The women called the
caiman and he emerged from the tihigu roots and approached them. He was so handsome. First
he had sex with the older sister. Then with the younger. Then they dug up the manioc tubers
and returned home. Mariká didn’t notice anything. One day when he was out hunting he en-
countered an agouti, who said: Wait, my grandson, do you know about your wives? They’re not
behaving very well, they’re having sex with their lover. They’re having sex with the caiman. We
can go and look if you want. They went and the agouti said: This is where they have sex. Look,
it’s him, but stay calm, don’t kill him yet. When he was having sex with the younger wife, the
agouti said: Kill him now! He shot the caiman with an arrow just as he was about to come. The
women didn’t see, because he used the agouti’s arrows, which was invisible. Had it been a
normal arrow, they would have seen. They cried a lot. Then Mariká appeared and said: Ah! So
that’s what you’ve been doing? He beat them both a lot. They buried the caiman and broke his
belts. Afterwards they removed Mariká’s hammock from the house. They missed the caiman a
lot. Mariká went to the men’s house and stayed there alone. And the women became widows.
Five days later, they went to check the grave. The caiman was already sprouting, The pequi was
emerging bright red. It grew quickly.
VINCENT There’s a difference between the Kuikuro films and those of other peoples, which is
the presence and participation of Carlos Fausto in the interviews. Usually this doesn’t happen.
And precisely for this reason. In Carlos’s presence, the dialogue is focused directly on him. but
at the same time, his presence catalyzes innumerable situations. The conversations are im-
mensely productive. He’s the typical researcher figure, someone who notes everything, speaks
the language. This enabled a huge opening. Carlos’s contribution resides primarily in this an-
thropological approach, the research, the moments of conversation. The discoveries, for ex-
ample, concerning the world of pequi, the transfer of ownership of the trees, etc. Because the
shoot itself, the filming properly speaking, takes place between the filmmakers and their
characters. That’s another question entirely. Obviously in more thematic films like The Scent of
Pequi our interference is greater in terms of background research and the project. In films
about everyday life, it’s different: things happen, the filmmaker reacts, decides whether to film
or not. The Scent of Pequi involved a predefined project based on research into knowledge
transmission. The film’s theme comes from Carlos and Bruna, but its production represent an
appropriation by the filmmakers. Organizing the film provoked considerable debate, but the
choices, the actual making of the film, all took place during its recording.
LEO I don’t think our intervention in the process is greater than with the other groups with
whom we work, but undoubtedly it’s different in kind. The fact that Carlos Fausto speaks the
language and is completely extrovert means he takes the initiative, like turning up and doing
an interview. Sometimes people talk much more freely with him than they do with the lads
when they film. Moreover Carlos adores taking part in the process, he doesn’t stay outside.
He fully assumes collaboration in the work. He likes it, he speaks the language, his enthusi-
asm animates the process. He’s cherished by the community, people like him and like speak-
ing to him. He becomes enthused, reacts, responds, suggests shots and scenes. This would
only be a problem if he imposed restrictions. But it’s precisely the opposite, he takes part,
helps, encourages, he’s present.
TAKUMÃ We talked a lot with Carlos. He speaks our language. In the workshop he participated in
the classes, trying to explain the progress to us, the community and the village leader.
CARLOS Due to these communication problems, I ended up taking part in the workshop. I
learnt a lot, but I never held a camera. Sometimes I think that I work much more as a me-
diator in the case of the Kuikuro, at least compared to other groups working with VNA. And
sometimes maybe I interfere too much, perhaps even hindering the growth of the filmmak-
ers. At the same time, I’ve learnt many things from them and them from me. But even to-
day, since The Scent of Pequi, many of the interviews and scripts are made by myself, al-
though Takumã has learnt and developed a lot in that respect. At the start, though, I
plunged right in, not only because they themselves were unsure, but because the elders
wouldn’t speak to them, since the lads were very young still, they were only seventeen or
eighteen years old. However they would speak to me. We had established the themes and
knew that there wasn’t any absolute symmetry in the construction of the story. But it’s
enough to look at their camera and the way in which they arrive to film in the houses to
realize that something else is happening. The way they approach people despite all the
constraints. Something emerges from this, because doing these things depends on the
relation we establish, between ourselves and them and between them and the people be-
ing filmed. The film results from this interaction. I wouldn’t have been able to conceive
this film alone. If I were the one filming, it would turn out badly, because it would be
something external, without density or texture.
KALUSI, IN THE SCENT OF PEQUI The humming-bird is very powerful. He is the owner of pequi. He
is the one who kills us. He shoots his arrow in our ear, our chest, our belly, our whole body.
That’s what he’s like. Who made the humming-bird the owner of pequi? It was the sun. That’s
what happened: he painted his birds and made them the owners of pequi.
VINCENT One of the striking features of Kuikuro life is that everything turns into fiction.
Everything is pre-arranged. This becomes very clear in the caiman death scene in The Scent
of Pequi. We felt there was still an element missing to bring to life the myth, the text of the
story. Then we had the idea of re-enacting the scene. And everyone agreed. But putting the
idea onto film was a problem. We postponed various times until finally there were just three
days left to the end of the workshop, and we still hadn’t filmed the crucial scene. The sticking
point was finding a family who would allow their daughter to pretend to have sex with the
caiman and nothing was happening. To avoid potential conflicts, the solution was to ask
Kanu, the sister of the young man playing the caiman. It was all heavily improvised, though
also good fun. It was an exercise in which we interfered considerably. But the most interest-
ing part was to follow: a few more scenes remained to be filmed and Takumã was left in charge
of filming them. He did so brilliantly. He completely assimilated the bits of the fiction still
to be done. Scripting the fiction, directing, thinking about the continuity. Fiction among the
Kuikuro is not a problem. It’s a procedure, a working method.
CHARACTER IN THE DAY THE MOON MENSTRUATED Look at the moon! They put manioc powder
on its face! An eclipse is happening!
CARLOS When we returned in 2003 to complete the filming of The Scent of Pequi, an eclipse
occurred. The timing was completely fortuitous. We were watching The Quest for Fire and just
in the scene where the embers are going out... as an aside, because I’m very hairy, the Indi-
ans always say I’m descended from the monkey, basic Darwinian theory... I was talking with
a Kuikuro friend and he said: “Are you watching? Didn’t I tell you that the whites come from
monkeys!?” At that moment Kanu’s brother came running out of his house yelling: “The
326
eclipse! The eclipse! The eclipse!” At that time the only TV set was in the village leader’s
house. The announcement had been on the evening news but we hadn’t seen it. So Jakal,
very politely, turned to us and said: “Vincent, you can turn it off. We were watching the film,
now we’re going to play flutes.” And that’s when the ritual activities started which we par-
tially documented and partially reconstructed in the film.
VINCENT It was all very quick. The rituals began that same night. It was kind of nerve-
wracking with us there and things already happening. When they stood up and went to play
the flutes, we decided to change the course of the work. We knew we had a film.
TAPUALU, IN THE DAY THE MOON MENSTRUATED He saw the blood dripping. Everyone transformed,
all the animals transformed. The armadillo turned into a stingray. And the snake turned into a
fish. If you go to the swidden during the eclipse, you’ll see the manioc dancing. And if you go
to the city, you can be run over by a car. That’s why we don’t wander about during the eclipse.
TAKUMÃ We were watching the film projection when everything started. Every day I would
ask Vincent what film would be shown later. I liked the screenings. I arrived early and set up
the equipment for everyone to watch. We saw films every day. Suddenly the eclipse hap-
pened. One person sees the eclipse and tells the others. Instantly we stop whatever we’re
doing and go to play the sacred flutes. When the eclipse happened, everyone left the projec-
tion. Carlos grabbed a tape deck to record the singing, but we didn’t film. It was night, I
packed the equipment and went home because I was still focused on completing The Scent
of Pequi. The next day Vincent suggested it would be a good idea to film everything associ-
ated with the eclipse. People still didn’t trust us, the workshops had yet to produce anything.
No films were ready. But we explained that we were learning still and we talked about the
importance of this documentation. Various festivals take place after the eclipse, young
people go to fetch plant remedies to strengthen their bodies. We say that when the moon
menstruates, blood falls on us and everyone has to stay awake. And it became clear to us that
we had to film people, the women, the shamans.
TEHUKU, IN THE DAY THE MOON MENSTRUATED I smoked during the eclipse until I went into a trance.
Then I heard the dead. They carried me away unconscious. The eclipse was beginning. – Look! the
dead said, it’s his daughter who’s menstruating. All the spirit animals were gathered. I heard the
owner of the roots crushing his remedy with a pestle just as the eclipse was beginning. All the
spirit animals were dancing. That’s what their festival is like: each one has his own dance, all of
the festivals together. They are the dead. The dead celebrate. – Let’s go! the dead say. They all
dance in a line. The first festival performed by the dead is Hugagü. The dead have bodies like us.
But it’s not like this body here. Their body is very beautiful. There in the world of the dead we are
beautiful again like we were when young. Everyone danced and sang. I listened to the festival of
the spirit animals. They danced all the festivals. While I was lying in a faint, they were waking the
kagutu flutes. When it’s day here, it’s night there.
CARLOS We reconstructed the scene of waking the objects that were ‘asleep.’ It’s funny and
obvious that it’s already daytime, a complete fake. Lots of people later remarked to me how
incredible it was that we managed to film just when the eclipse was occurring. To which I
replied: “Did you notice how the sun is shining through the gaps in the roof?” We enjoyed
ourselves immensely inventing that television trick. Another thing that many people fail
to spot, though it’s fairly obvious, is that we used a remote control to switch on the TV just
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when the character bashes it. In The Day the Moon Menstruated the reconstruction was a
really cool process, a highly ethnographic process too, I think. That’s why I like it so much.
We had the material, we had the event of the eclipse, we had the festival, people dancing,
but the filmmakers didn’t know how to reply to any of our questions about the events, they
hadn’t a clue, they didn’t know the reason why things were the way they were. So we im-
mediately began to think of who to ask. The first person was the shaman, Terruco, who died
three years later. On the day of the eclipse, the night of the eclipse, he had smoked and had
seen everything he recounts in the film. But I had to go with the filmmakers for them to be
received by these elders. So this mediation we emphasize whenever we talk about the
Kuikuro was gradually constructed. Even so, once the start has been given, the relation
between them is what allows the density to emerge, questions you would never ask but
they do. In The Day the Moon Menstruated we asked one question after the other. The sha-
man explained how the moon menstruates, but then in their mythology the moon is a man,
so how did he menstruate? We went out to ask people and when we received those replies
it became clear: “Well, if we want to make a film that has an interesting ending, for me,
from an anthropological point of view, it has to terminate with doubt rather than cer-
tainty or the apotheosis of the ritual.” But that idea resulted from a particular kind of re-
flection, there were other possibilities. One of the interesting questions of this film is that
the eclipse, in contrast to other rituals that demand a public setting, does not involve any
ritual cycle. The film was much easier to make since we just had to record a chronology of
two days following the eclipse: the start of the eclipse, the end of the activities relating to
the eclipse, and we were done.
TAKUMÃ I learned a lot during this process, I accompanied the recordings and filmed. Every-
thing took place in just one day: the conversations with the shamans, scratching the bodies
of the youths, the wrestling, the women, the cures. The next day we filmed a few interviews
and the film was done. We made a first edit in the village, but I didn’t yet understand the
process properly, I didn’t grasp what the result would be. It was only after the first DVD was
produced that I realized the film was ready to be shown, it would be screened in festivals. I
only began to understand after the DVD was launched. When I projected the film in the vil-
lage, some people didn’t understand either. Even today some people are unsure and we have
to explain. Younger people understand more than the elders. So we have to explain every-
thing. After this film we edited The Scent of Pequi. When we showed the film in the village,
there was a lot of discussion because my mother speaks Kalapalo and was heavily criticized
because she spoke another language. Plus she told the story of pequi in a slightly different
way to the others. Everyone kept saying that it couldn’t be like that and some complained
that they weren’t featured in the film. We explained that that was the way it was and that
some people hadn’t even wanted to talk to us during the filming. But we explained that the
work was for ourselves and they gradually began to understand.
MUTUÁ, IN HANDLING THE CAMERAToday new technologies are entering the village and this wor-
ries the older people a lot. Younger people want to learn more. That’s why we try to document
our music, songs, and myths so that the material can be used for generations to come.
TAKUMÃ, IN HANDLING THE CAMERA When I was a child, around the age of five, the whites came
here, photographers and filmmakers, and I saw their things, large cameras, like the TV Globo
network, which came here some time ago. I would watch them in secret, walking behind, and
I would wonder: what are these machines? I was still a child, I didn’t know.
TAKUMÃ At first I practiced a lot, but only during the workshops because the camera was
taken away at the end. We still didn’t have our own. So we stayed there, without filming,
waiting for the next workshop. I knew that I wanted to make videos. When the camera ar-
rived in the village, we began to film everything, everyday life in the village, the festivals,
the wrestling. People started to ask us to film in other villages too. We documented songs,
the stories told by the elders. Over time I became the coordinator of the Kuikuro Cinema
Collective. What we film is decided by the village leader in collaboration with the commu-
nity. We can’t just turn up and record, the leader has to be present. So I also began to run
workshops in other villages, training courses. I became a filmmaker. In the Xingu and in my
village I’m recognized as a filmmaker. Outside the village too, I’ve already been hired as an
editor by the Indian Museum, and I’ve given lessons with Divino in Cuiabá. One project
leads to another.
CARLOS The Kuikuro are passing through a period of transition, the western world has arrived
in the village definitively by various routes, including TV, the internet, all the different
means of communication and circulation. They’re always travelling, all the young people are
looking for a way into something. Takumã and Jairão, for example, are not chief’s sons, they
haven’t had many opportunities, and when this space opened up... Takumã is the oldest, the
firstborn. In the Xingu being the firstborn makes a lot of difference, so he immersed himself
in video intensively, expressing a desire to find his own path. Aside from the sheer enjoy-
ment of making films, Takumã also gained a place in the world and in Kuikuro society in
particular. A way of earning a living. All the projects run in the region mean that there is a
constant influx of resources and this makes a difference too, a different kind of motivation
to Isaac Ashaninka or Zezinho Yube. In their case there is a reflexive process, they set out
from a political rconsideration of the use of video as a tool to affirm a people, a situation, a
specific context. That’s a very different approach, one probably reflected in the kind of film
that is made. Since we have a very clearly defined collaborative process within the Kuikuro
cinema project, I ended up becoming heavily involved in the films, in project management
and in the Kuikuro Association, but I think that it’s necessary to provide a kick start. When
Takumã has to complete a project alone, he rises to the challenge and does it well, but he
withdraws a bit when we’re present. My unease now is over his growth as a filmmaker. He was
elected – something highly unlikely if you know about Kuikuro politics – he was elected al-
most unanimously as vice-president of the Association. Acclaimed in fact. His expertise in
using computers meant that he became responsible for registering everyone to receive the
rural pensions and so on, and he helps a lot of people, a fact widely recognized by the com-
munity. And because he has access to the documentation centre, he had a computer, he
surfed the internet, he learnt... In other words, he’s someone who also appropriated all this
technology to acquire a particular place for himself within the Xinguano world. Today he’s
highly respected. But I think that he still has another level to go, as we can see with some
other filmmakers, a certain reflection on their own work, something only acquired with
maturity and experience.
AFUKAKÁ, IN HANDLING THE CAMERA Look, many peoples have already lost their songs, We, the
Kuikuro, still have all our true songs. That’s why I thought of creating the Association to safe-
guard them Today the community likes the filming. The camera belongs to everyone. It’s not
mine or yours. I get very concerned, the children watch television in the village. Everyone
watches, not just the Kuikuro. I myself like watching the news and football. I like the fact you’re
teaching the youngsters, my son-in-law, my grandson.
CARLOS Among the Kuikuro there’s also the question of authorship. When Takumã and Mariká
took the lead in the workshops, after they showed a talent for this work, the films were re-
leased in both their names. I insisted at the time because I thought it was something good to
do and the lads agreed. Later when the new generations were trained in video, we created the
Kuikuro Cinema Collective to mark the existence of a group of filmmakers. The question of the
film credits is always complicated, much more complicated than in the sciences. In the end
it’s difficult to say who made the film because so many people are involved. This became very
clear when I worked with Leo in the first edit, watching him at work on the editing station,
making decisions over cuts, and I can imagine it’s a big issue among filmmakers generally. In
the case of the Kuikuro, the Cinema Collective turned out not to function particularly well, but
the Collective can always be named as responsible for the overall production and the different
functions specified in the credits. This is a discussion for the future. In the Xingu it was very
clear from the start of the work with audio-visual media, as the leaders emphasized, that the
filmmakers were working for the community in response to the community’s decisions. But
perhaps there is space for other possibilities. Takumã is more mature now and already widely
recognized, so perhaps he can present more personal projects and assume clearer authorship
or collaborations. But this is a question that needs to be discussed film by film.
KAMANKGAGU, IN THE HYPER-WOMEN Look daughter, this is what I’m teaching you. Look at how
much music there is. I’m teaching you this line, the Etinkgakugoho songs. This other line here
is the Tolo songs. This here is Titalo. This here is Atsagalü. I’ve already taught you those. This
other line is the Sogoko songs. These ones here I learnt from your uncle. This other line is
Tikankginhü. These are still too difficult for you. Each knot here is a Tüakanetinhü song. They
are very difficult. For now you wouldn’t be able... Remember what I’ve told you. Another day
I’ll teach you more. It’s impossible to learn everything at once. There are so many songs to
learn. There’s still so much for me to teach you.
CARLOS The Hyper-Women was originally a project developed by Bruna and Mutuá with
IPHAN. For various reasons, they were unable to finish the project in time and I ended up
taking over the work. For me it’s a project close to my heart because it coincides with what
I’m studying, which is the transmission of songs and memory. The film represents every-
thing I’ve learned all these years in the Xingu, put into action. We started filming with an
idea in our heads, a specific plan. It wasn’t exactly a workshop, we had a well-defined
project, characters, approaches, procedures and payment. The question of payment is very
serious in the Xingu. There everything is paid, there’s no way about it, nobody will work
without being paid. This is traditional among the people. In the first film we managed to
obtain funds to pay the filmmakers, but in this film the characters being filmed demanded
payment too. Kanu told us: “Well, if the lads earn money for filming and we’re the lead
characters, we want to get paid too.” This is work like any other and the person has to be
paid. So the way this film was made was different from the outset, turning it into something
else entirely. In the act of making the film, in the first shoot, there was something very re-
laxed, very everyday, non-public, because another kind of relation was established and also
because when you pay people – and this is a characteristic of the Xinguanos in general –
they feel obliged to retribute, they have to show gratitude for the payment in some form.
So something very beautiful happened, really beautiful, something I had never seen before,
a very introspective tone, the intimate relations, the small talk inside the houses, unique
scenes of one of the characters singing alone. But as filming progressed the women became
more enthusiastic. Kanu, an important singer and lead character in the film, was sick. And
328
the community was busy preparing for the big festival, the finale, with guests from other
tribes, a festival that had last been performed around 30 years ago by Mariká’s father. Kanu
had never sung all the songs, especially the sacred and dangerous songs. When people hold
festivals, these small festivals over the years, they only dance some musical sets, because
the full repertoire is very extensive. On this occasion, though, things were happening. The
women even fought with us, calling us lazy, because we didn’t film everything. Even so, we
completed the filming with around 100 hours of raw footage. Very often we weren’t sup-
posed to sleep but did. That was when we realized that people were trying hard to force the
owner of the festival to hold it. He had been the festival owner for ten years already and had
never held the mega festival. He has a very small family, lives in a very small house and has
no siblings. So it’s difficult for him to sponsor a festival. How can he mobilize the work re-
quired to feed 700 or 800 people, plus hold the festival itself? We talked to him and discov-
ered that one of the problems was finding the petrol to transport the guests. In the case of
Ijamori Komalo, which is a female festival, wool and beads are also needed. So we decided
to provide the support to enable the festival to go ahead. We bought bags of manioc flour
to feed more people, and it all went ahead, it was a marvellous festival, incredible. Everyone
was blown away and Kanu had the chance to sing the entire sequence she had learned from
her mother, the singer 30 years previously. Takumã’s grandmother, who is the festival coor-
dinator, the main ‘requester,’ was the main body of the spirit, both in this festival and the
festival of 1982, despite being already elderly. It was a very beautiful festival, we hadn’t
expected it, we helped hold the festival and marvellous things happened. Undoubtedly it’s
a film that could only be made now, after all these years of work.
DIALOGUE BETWEEN KANU AND HER MOTHER, AJAHI, IN THE HYPER-WOMEN
— How are you daughter?
— Not so good. I’m still here lying down. — That’s why I’m asking you. We could be singing
together. I want you to get well soon. I don’t know why you’re like this. Do you think some
spirit has its eye on you? I’m very worried about you. This can’t be happening now. We could be
singing. I still want to sing one last time. I could accompany you, holding your hand. This can’t
be happening... We could be singing for your grandfather. Let’s see if you get better.
TAKUMÃ To make this film we held various meetings between ourselves and the community,
principally the women. We explained to them how the payments would work so nobody would
miss the filming, and we explained how they should act during the filming. We made a script
of the scenes to be included in the film and we split into groups. There was a chalkboard
where we wrote everything we needed to film, the names of the people, what they were do-
ing. For example, the master of songs remembers the songs while he’s working, during his
walks, when he goes fishing, so the lads arranged to accompany him during these moments.
But it doesn’t look pre-arranged because he acts naturally. We tried to leave everything as
natural as possible, we let people forget the camera, they chatted among themselves and I
was there, silently filming. It was an attempt to do something different to the earlier films
where people spoke directly to the camera. All of this was planned with the characters be-
forehand. We also coordinated things between ourselves because we used two cameras, one
to film the wider shots, and the other concentrating on the close-ups. When a scene didn’t
work, we asked them to repeat it.
CARLOS In the case of The Hyper-Women, the decision to pursue a fictional approach was their
own. There was a lot of enthusiasm and freedom of invention. They turned the village into
329
one enormous studio. What the filmmakers wanted, the community did. Everyone was in-
volved and free to contribute. Especially Jairão, who quickly assumed control of the direc-
tion, the repetition of scenes, the negotiations over new scenes. Jairão is extremely active.
While Takumã was concentrated during the first workshops, Jairão was bursting with energy,
though he was hard work sometimes. But during this workshop he matured considerably, he
began to direct scenes. He would arrive and say: “Ah! That’s what has to be done!” or “Okay,
leave it to me.” He went out alone and directed all the scenes. All the auwaikamana scenes
were directed by himself and we arrived with all the material ready, listing everything that
they would say. While Takumã makes cinéma vérité with a camera that’s pure fluidity and
improvisation, really impressive camerawork, he arrives, asks a question and shows that he
asked a question, Jairão has another approach entirely: he clearly directs the scene and only
shouts ‘action!’ after he has said something first. It was a great example of team work with
jobs and procedures carefully defined. Marvellous work.
KANU, IN THE HYPER-WOMEN “Let’s fish,” they said. Meanwhile the women were singing and
dancing in the village. The men didn’t return on the arranged day. The women were waiting but
the men didn’t arrive.
— “What happened? Do you think they failed to catch any fish?” The women were worried.
— “Son,” the boy’s mother said, “Go and find out what’s happening with your father.” — “Son,
did you find your fathers?” He didn’t reply. “Son, did you find your fathers?”— “They’re gone,
mother. Something very strange happened. My father and my uncles transformed into monstrous
animals. All of them had transformed. Their eyes were sprouting here on their heads. Their teeth
were protruding from the back. Fur was sprouting here. And here. They’d turned into animals.”
— “Okay then, we’re going to do the same!” So the women took their revenge. They went to
fetch tree resin to mix in their paint. They painted their faces in a different way, with animal
designs. And thus they began to transform.
VINCENT With exquisite aesthetics and production, the film The Hyper-Women is the result of
years of training and production work and is due to be premiered in two important film festi-
vals, Gramado and Brasília, moving from the captive audience of indigenous filmmakers to a
much wider audience. This news caused surprise in the filmmaking world and immediately
provoked a reaction from the anti-indigenous lobby. The film critic of O Estado de São Paulo,
Luís Carlos Merten, has emphasized the surprise of some of his journalist colleagues: “Some
people think the film shouldn’t even be at the festival. But why, if this is the best Brazilian
cinema to date?” He adds: “Some people die just thinking about watching films by Indians.”
Slowly, then, we’re inserting the indigenous presence in the Brazilian film world.
Huni Kuı̃
The Huni Kuı̃, also known as Kaxinawá, number roughly 10,000 people and live on the Bra-
zilian-Peruvian border in western Amazonia.The Peruvian villages in are found on the Purus
and Curanja rivers while in Brazil the villages are spread along the Tarauacá, Jordão, Breu,
Muru, Envira, Humaitá and Purus rivers in Acre, located in 12 Indigenous Lands. Persecuted
and enslaved by Peruvian rubber tappers, the Huni Kuı̃ began to win recognition of their
rights and demarcation of their lands in the 1980s, a process accompanied by a strong cul-
tural revival movement. Vídeo nas Aldeias has worked with the communities from the Praia
do Carapãnã Indigenous Land on the Tarauacá river, with Zezinho Yube and his assistants,
and with villages on the Jordão river, with Tadeu Siã, Josias Maná and Vanessa Ayari.
VINCENT CARELLI The relationship between Vídeo nas Aldeias and the Huni Kuı̃ began in 1998
in the video workshop we ran for indigenous teachers from Acre in partnership with the Pro-
Indian Commission (CPI-AC). This group of teachers trained by the CPI was fairly select with
significant experience in the area of indigenous authorship. Teachers from various groups
took part in the workshop, including the Ashaninka, Machineri, Karamari, Kulina, Katuquina
and Huni Kuı̃. Representing the Huni Kuı̃ was Adalberto Domingos Kaxinawá, also known as
Muru, who had participated in the workshops that led to the production of the films The Rainy
Season and Dancing with a Dog. During this period, Zezinho Yube, who later became the film-
maker he is today, was still a boy. He didn’t take part in the workshop. His history with VNA,
or at least our first contact, began a bit later, in 2000, during production of the series Indians
in Brazil, in partnership with TV Escola and the Ministry of Education. Joaquim Maná, Zez-
inho’s father, an indigenous leader and teacher who played an important role in the cam-
paign for the new indigenous school, as well as a specialist of Huni Kuı̃ culture, was one of
the 9 figures in the series Indians in Brazil. For the production of the second episode of the
series, Our Languages, we went to the Carapanã village to film Joaquim Maná giving a lesson
in a small forest school. The moment I focused on Zezinho, his pupil at the time, he began
to sing a beautiful solo, catching me totally by surprise. That was when I first met him. Years
later during one of our conversations, Zezinho himself told me, laughing uproariously, that
this scene had been staged at his father’s request. In 2002 we met again. At the time I was
making a film about the training of agroforestry agents, virtually a revolutionary project for
Acre. And Zezinho was there once again, this time as secretary of the Acre Indigenous Agro-
forestry Agents Association (AMAIAC). Vídeo nas Aldeias’s work had already progressed
considerably in the region and our films were widely used in training indigenous teachers and
agroforestry agents. Then in 2003 the Yawanawá asked us to run a video workshop and we
– Mari Corrêa and I – provided a brief introductory course in which Wewito Ashaninka, Nilson
Sabóia Huni Kuı̃ and, finally, Zezinho Yube also participated.
ZEZINHO YUBE I really got to know Vídeo nas Aldeias’s work when I was training as an Indig-
enous Agroforestry Agent in 2002. We watched the films already produced by other peoples,
especially the Ikpeng and the Ashaninka. And I thought how much I would like to make films
like those for my own people. But my passion for video had been stirred long before while
still a boy. It was a wish I had nurtured since I was little, when I saw Siã filming. I remember
a festival on the Jordan river, when we still lived there, Siã with the camera and tripod in his
hands and the crowd of people surrounding him. I saw that and was spellbound. Then in 2003
we were invited, Nilson Sabóia and I, to join VNA’s workshop in the Gregório Indigenous
Territory, home of the Yawanawá people. We were really excited about the idea. And then
finally the big day arrived when we held the camera and received our instructions, what al-
ways happens in the VNA workshops, pick up the camera, learn to switch it on and immedi-
ately start filming. I was given a VHS camera and began to film. I filmed everywhere. What I
most liked was the zoom, the ability to see things closer than we see with our own eyes.
I found that really incredible. Vincent had already warned me not to use the zoon because it
shakes a lot, any camera movement becomes very brusque when you use the telephoto, etc.
But I paid no heed and the first thing I did, of course, was use the zoom. I returned with the
day’s footage and when Vincent and Mari watched the material they gave me a scolding. From
then on I stopped filming with the zoom and began to play with it only when the camera
wasn’t recording. Ah, how I loved using the zoom! But things were happening, the workshop
was advancing and at some point we watched Shomõtsi. Wewito was also there and we talked
to him, asked him everything about how he had made the film, how he had discovered and
approached the main character. So, heavily inspired by Shomõtsi, I began to film a Yawanawá
shaman. But I still didn’t know how to conceive a film in its entirety, capture its idea. I
thought it was enough to film different angles and shots to produce a good film. For me the
best bit was the different framings, like we see on the TV programs: wide shot, cut, close up,
cut. I made as many shots as possible. I expected to make a film like Shomõtsi from the word
go. But obviously that didn’t happen. Because I didn’t think about the content, the story I
wanted to tell, just the images. The only thing I discovered in that first workshop was the
camera. I really understood what a film was, how to conceive a film, in the 2005 workshop in
São Joaquim village, on the Jordão river. A workshop in the current mould with just the Huni
Kuı̃, in our language, in our own village. Those participating were Tadeu Siã, Zé Mateus It-
sairu, Josias Maná, Vanessa Ayani, Fernando Siã and myself.
AGOSTINHO MURU We knew the workshop would be held here. They came to teach us how to
film. They brought five cameras for the students to use. This is called a workshop. They’re
going to record our day-to-day life rather than film a performance. Our life as it is, seen via
each person who was chosen. (...) Zezinho chose me as his main character. I said to him
that we would work in our own way without acting. To do that you have to work properly.
You go out, explain something, work and come home. That way it turns out well. No acting.
If you jump about everywhere it doesn’t turn out well. You have to show the real things. We
have to think clearly.
VINCENT CARELLI In São Joaquim we tackled the question of people performing in front of the
camera, in the sense of always being adorned, dressed up, acting a part. The dust has to
settle, the acting cease, for us to be able to really enter everyday life. A lot of the material
produced at the start of the workshop had to be discarded. Everything seemed overacted and
bureaucratic. The workshop students’ plan for depicting the village had initially involved
showing the different paid jobs: healthcare agent, teacher, agroforestry agent. It was almost
a staff chart of the village. Little by little we broke away from this blueprint, encouraging
them to look for the men and women of the village, not the categories they had created. It
was during this workshop that Zezinho discovered his own potential, sweating blood in the
process. He chose a character, a great character, Agostinho Muru, the village shaman, and
accompanied him for 20 days, 24 hours a day. He stuck to his subject like glue. And Ago-
stinho spurred him on, participating actively in making the film from start to finish.
ZEZINHO YUBE At the start of the workshop I was still keen to shoot as many different takes
as possible, little bothered about the content and the dialogue. When we began to watch the
material I had produced, I realized that I was cutting people off mid-sentence, I wasn’t wait-
ing for them to complete their thoughts. So I began to understand the way the film could
develop based on what the character had to say. We realized that only in this way would we
have a film. From that point on, I would place the camera in front of Agostinho, ask a ques-
tion and let him proceed to tell his stories. We constructed the film together. Every evening
after filming was over we would watch the footage and talk, discussing the material we’d
32:
produced and what we still needed to finish the film. Some of the scenes dreamt up by Ago-
stinho himself emerged from these discussions, while others stemmed from talks with Vin-
cent and Pedro who were coordinating the workshop.
VINCENT CARELLI We had a lead character who was creating highly symbolic situations. We
provoked the questions somewhat, especially those relating to the history of the rubber
plantations, so they would appear in the film, but always based on conversations with the
main character. Some scenes were imagined entirely by Agostinho. He was the one who sug-
gested the scene of the rubber and the alphabet. A complete scene. It encapsulates the
history of the slaves and those who controlled the account books, the Indians and the rubber
bosses, respectively. Anyone who learnt how to write would probably be freed from debt-
slavery. And this is the dialogue between Agostinho and the rubber tree. And the scene of
the rubber tappers leaving at dawn reading the alphabet – writing, which was understood to
be the great instrument of power and domination.
AGOSTINHO MURU A, B, C, D, E, F, G, H, I, J, K, L, M, N, O, P, Q, R, S, T, U, V, X, Z. For a long time
I’ve been cutting you and tormenting you. Let me learn to read and write. When I learn, I’ll
leave you in peace and you’ll live with a soft skin. (...) The life of the rubber tapper is oppres-
sive, you sleep a little at night, rise at daybreak. Taking his bucket and knife, the rubber tapper
leaves home, spending the whole day cutting the trees to extract their milk. The thunder roars
in the centre and can sometimes be dangerous even. The rain comes to take the milk, you lose
an entire day’s work.
PEDRO PORTELLA The other students accompanied characters who were later incorporated
into the film. Vanessa filmed her aunt, Dani, the shaman’s wife, and the work done by women.
Fernando and Josias filmed Agostinho’s parents-in-law, while Tadeu and Itsairu didn’t pro-
duce a character, but gave us some really funny moments, accompanying everything in close
detail and laughing uproariously at their own mistakes. Viewing the rushes seemed to me the
most important part of the entire process. Vincent criticized, looked to correct recurring
problems, in general questions of backlighting, positioning, cutting off dialogue mid-flow.
He tried to emphasize situations that involved humdrum everyday life, like ‘resting’ and ‘just
chatting,’ moments where everyone seemed to be more spontaneous. The night-time cinema
screenings also stirred the curiosity of everyone in the village, especially the students, who
proved to be particularly motivated by films by their kin. VNA’s films allowed them to reflect
on their own reality, on the different angles and above all on the adoption of particular nar-
rative focal points.
ZEZINHO YUBE From this process of viewing the day’s rushes, I began to understand what
making a film involved and started to film thinking of the people who would later watch the
story. I needed to work hard to ensure that someone who was not present could understand
what was happening. Go after the details. It’s like a spoken history, but narrated with im-
ages. But the final test was the actual editing. It was a very tough process. It’s when you
really look at your material and realize what is missing, what should have been done and how
it should have been done. I think editing is a process of reflecting on both your work and the
story that is being told. In this sense, editing was a second discovery. Sitting in front of a
computer and translating what we had recorded, what people had said. We spent a month in
Rio Branco and later another month in Olinda. I could scarcely sleep. I closed my eyes and
saw Agostinho talking and talking. That was when it really dawned on me. Making a film
331
wasn’t just about taking nice shots, it needed content, the connection between one dia-
logue and the next. That was when I realized what Vincent and Pedro had meant when they
talked endlessly about content. It was a difficult process but enjoyable. I feel happy to be
able to tell this history to other people from my community, as well as people from other
states and even other countries.
PEDRO PORTELLA The film Xinã Bena had a difficult birth, it consumed roughly two months of
hard work. The first stage of editing took place in an excellent climate since the material
produced during filming was extremely interesting. I think this was one of the first films
produced within the Vídeo nas Aldeias project where we openly explored the filming process
itself, that is, the actual workshop. The endless viewings of the fresh footage, the comments
from the teachers and students, everything was there, exposing the film-making process
behind the images. For me it was all new, living and working closely with Zezinho Yube, with
Vincent, who taught me much during this process, with the CPI team, who always helped us,
and with other indigenous people who visited the site during that period in Rio Branco, the
Ashaninka and the Yawanawá especially. The inspiration came from our conversations, the
trips provoked by the dumedeske snuff, the spaghetti bolognese I occasionally made, the
wine that we sometimes searched for in the hidden corners of Acre’s capital, the chicken with
a whiff of petrol that Vincent bought on his regular early morning walks: everything was a
stimulant for us to work into the small hours cheerfully in front of the computers, mulling
over the translation and the narrative of the Huni Kuı̃ themselves, which was beginning to
appear. We were totally immersed, the sense of a collective was our biggest achievement,
the film, if it emerged, was the result of this integration. This doesn’t mean there were no
problems. Of course all editing has its range of issues. The worst of these was how to fit
around 50 hours of material into less than an hour. With almost all the material for the film
translated, and many sequences ready, we headed for Olinda a short time later to complete
the work. There in Olinda the work was even more intense. On many mornings Zezinho awoke
before everyone else, around four thirty in the morning, to translate the remaining scenes
on Final Cut. The first complete version of Xinã Bena was shown in a collective night screen-
ing at Vídeo nas Aldeias’s head office where we were able to receive and assimilate criticisms,
allowing us to further improve the work. From this extremely participative process, the film
finally emerged out of the oven and into the world, literally.
VINCENT CARELLI Between that film and Zezinho’s second production we held another work-
shop in São Joaquim, in 2006, with the same students who had taken part in the filming of
Xinã Bena. This new project was run by the Pro-Indian Commission, in partnership with
IPHAN, to register the traditional Huni Kuı̃ songs associated with the use of ayahuasca. The
project included recording a CD and publishing a book. In fact we never held the production
workshop, only the editing course. This process led to Huni Meka, The Vine Chants, which
received a huge contribution from Leo Sette, who coordinated the editing workshop in the
village, constructing new scenes that gave extra substance to the film.
CD INSERT The Huni Kuı̃ teachers in Acre have worked with their elders to ensure that their
knowledge is not lost. Isaias Sales Ibã researched their traditional songs and invited a team to
record a CD and publish a book for their schools.
BIXKU This is the vine of the forest and of the squirrel monkey. First you feel the force of the
monkey. You see a yellow light. When you drink you hear all the sounds of nature. You hear well.
And your body becomes light, very light. You feel more and more. This vine is very light. Then
you begin to sing and the forest shakes.
SONG The forest is shaking, shaking. The vine is light and is shaking. I can see the vision and
the vine is shaking.
LEO SETTE The project involved the ethnomusicologist Gustavo Pacheco, the photographer
Maria , Dedê Maia, who was project coordinator, Siã Tadeu and Josias Maná, both indigenous
filmmakers, along with Huni Kuı̃ teachers and researchers. We weren’t in the village during
this first when they were filming the songs being recorded for the CD. Later I met Mari Corrêa
who told me about the project and asked whether i would like to run an editing workshop
with the students using the filmed material. I’d never been to Acre and knew little about Huni
Kuı̃ culture. As for the project, I merely knew that it involved filming the recording of a CD
and that Tadeu and Josias, both already initiated into video making in the previous workshop
in São Joaquim, had filmed without anyone from Vídeo nas Aldeias accompanying them. So
I went to Acre, alone, for a very short period, just 20 days. I stayed in Josias Maná’s village,
Boa Esperança. Tadeu also went. The material had been filmed entirely at a distance using
the zoom, which affected the sound in particular, and caused some shaky imagery. But at the
same time the subject was incredible, fascinating. We worked really hard, I was really ex-
cited by the footage and realized there was enough material for us to make a film. And it was
that process of watching the footage, becoming excited, that led to new scenes being made
for the film. Josias Maná’s father, Bixku, a singer too, was also present. He watched the foot-
age and thought of some new scenes. This emerged as a natural part of the editing process.
We felt there were a few situations missing and went out to produce them, things like col-
lecting the ayahuasca vine, making the drink, and finally the ritual with which the film fin-
ishes. We worked with a PD-150 (Sony Camcorder), which was itself a big advance compared
to the previous workshops in terms of capturing light. It meant we were able to film the rit-
ual at night. Bixku produced the scene, the clothing, we made a lighting plan. It turned out
beautifully. I mean, the initial footage, even with the imperfections, abrupt cuts, zooms and
so on, was really fascinating, and this stimulated us to develop the work during editing, even
though the pace was hectic and the entire process very intense. At the end of the workshop,
the film was ready. In Olinda we merely made a few final adjustments. It was a very quick film,
contagious and very easy in terms of the relations we established in the village. It’s also a
very simple film, but achieves what it sets out to do, namely provide a record of the transmis-
sion of songs and the use of ayahuasca among the Huni Kuı̃.
BIXKU The youngster is going to drink you. Don’t carry him very far. Help him to tune his voice.
Put him on the right road of the songs.
VINCENT CARELLI Next, also in 2006, Zezinho applied for a project to make a short film for the
Revealing Other Brazils Award, which was subsequently approved. The most important thing
to note here is the methodological shock Zezinho experienced. Clearly the teachers/supervi-
sors of the award had no idea in which world, in which context, Zezinho’s films were pro-
duced. A production plan dictated predefined script and a set time in wich to make the film.
He opposed this schema, explaining that he could film only when the events happened. In
Filming Manã Bai, a video directed by myself that reveals the process of making Zezinho’s
short film, Manã Bai – The History of My Father, he says that in Vídeo nas Aldeias people learn
on the job, they learn in the process of making. He adds that had he made a pre-script for
shooting Xinã Bena, he wouldn’t have filmed as much. We talked about this. We explained to
him that learning empirically allows you to develop other talents, other approaches, the
capacity to look and to allow improvisation to happen, the possibility of collective creation
and the participation of the lead character in the filming decisions, which in the context of
VNA’s productions is crucial.
JOAQUIM MANÁ In the era of the bosses, there was a program called Mobral. I only studied for
two weeks, I was still scared of the whites. They taught us through books and I learnt nothing.
The leaders said: “White teachers are useless, we want Indian teachers.” In 1983 they selected
students for a teacher training course. I applied and they let me go. I went, studied and since
then I’ve been a teacher. (...) I passed the college entrance exam and, following the tradition
of the whites, I went to the graduation ceremony to receive my diploma. I researched my own
culture. Only the whites wrote about us. If I write in Portuguese, I write for the whites. That’s
why I write in our own language. So that our young people learn and can undertake new re-
search of their own. To safeguard our memory.
ZEZINHO YUBE I had wanted to make a film about my father for a long time. I always had
enormous admiration for his work as a teacher. He’s a great teacher, he taught reading and
writing to a lot of people, including myself. He invited me to film his graduation ceremony.
So I thought about doing something beyond recording the work, telling a little bit about
his personal history and at the same time the history of our people, my grandparents, life
during the era of the rubber bosses, the process of freeing ourselves from debt-slavery and
the demarcation of our lands, until reaching differentiated education and the Indians
themselves teaching their students, not just writing but our way of life. It was a difficult
film for me to make because I needed to break down barriers to reach my father. In our
culture we don’t have the same closeness and freedom with our parents. But I really needed
to make the film, so I gradually managed to close this gap. Another area of apprenticeship
in making this film was coming face-to-face with a completely different way of making
cinema. After being selected for the award, I took part in a 11-day training course. This
involved more technical discussions on scripts and production. A more theoretical ap-
proach, very different to learning in the Vídeo nas Aldeias workshops. Lots of things failed
to fit what I had learned previously, and even with the reality of filming in the community.
On the course I discovered that people don’t have the faintest idea what it means to be an
Indian, some hadn’t even seen an Indian before. Moreover there was the deadline issue.
How could the film be made in the time period they set for me? All these questions made me
think a lot, ponder the possibilities with the camera in my hands, the community there and
the ideas I had for making new films. How could we make new documentaries about our
culture and our history using different approaches? My desire was and remains to film our
knowledge, think of film both as a work and as a form of documentation. We’ve already lost
much of our history and culture, our festivals, our music. That means film is also a form of
encouraging apprenticeship, teaching, the transmission of knowledge to young people.
JOAQUIM MANÁ We’re working with video now, but we’ve already produced books. I thought:
“If I write for my people, they will be able to read and continue to practice our culture. With
video, everyone will be able to learn, not only the students who know how to read and write,
but the children and old people too, everyone will be able to follow. (...) If we had video in
the past, we would see the rituals our people used to perform and the wise people who have
passed away.
332
ZEZINHO YUBE After Xinã Bena and Manã Bai, I began to think about our culture and its
relation to the films. What is culture for the Huni Kuı̃ and how we can use film to encourage
our people to revive the festivals? With these two documentaries I began to feel the need
to experience our culture and tradition again. Through video I started to think about how
I could get people involved to produce a documentary about ‘revival.’ These ideas in mind,
I began to show screenings of unedited footage from the Jordão river trip, shot when Xinã
Bena was being filmed, as well as some recordings I had made about the revitalization proc-
ess on the Jordão. At that time a large-scale revival of our traditions was under way, stimu-
lated by the work of the Pro-Indian Commission, in collaboration with indigenous teachers
and agroforestry agents in the region. I was really captivated by this work and tried to take
it to my own village. My idea was to use these screenings to stimulate a revival of our own
traditions and get our people involved through video but without the need to produce a film
at the end. So the start of the work just involved filming the community and later screening
the footage so they could see the work and get a feel for the process. At that moment the
important thing for me was for us to see ourselves, which is very different from seeing
other people. After you record a festival and show the film, people begin to perceive how
they dance, what they are like, how they paint themselves. We involved a few more com-
munities in this process. And this had a very large knock-on effect. People began to discuss
things, old and young people started to understand each other. At first the response was
timid, but after a while people began to participate. We were dissolving old rivalries be-
tween the villages, people and generations. From that moment on I realized that the fight
wasn’t just my own, it was the entire community’s.
VINCENT CARELLI It was in this context that the idea emerged to film the Katxa Nawa festi-
val, which had been abandoned in the region since the rubber era. It was 2007, and
Joaquim Maná gained approval for a project to hold the festival from the Indigenous Cul-
tures Award. The project split into two fronts: the production of the festival, including the
swidden produce, clothing, songs and so on, and the production of the film. Their pro-
posal was to bring people to the village who could teach them the festival. But it wasn’t
just a demonstration. The festival had to happen for real. Masters from other villages
came. Mari Corrêa, Ernesto de Carvalho and I accompanied the process. It was relatively
simple. The script had been decided already, we just had to record the festival. The film
was entirely in their hands.
ZEZINHO YUBE Following approval of the project for the Katxa Nawa festival, we began to
discuss what to do. I thought about a large festival involving everyone. With the project
we would have the funds for food and fuel for people to travel to our village. Holding a
large festival was possible. But my father’s idea was the complete opposite, he wanted
to hold a festival just to film, invite some people, leave others out, and film just those
people who looked good, wearing painted designs and traditional clothing. A fiction. My
position was radically different. I told him that if we wanted to appeal to our people to
revive our culture, we would have to let everyone join in the festival, whoever wanted
to take part could. “Let’s leave the camera running and film what really happens here,
because if we want to control everything, we won’t get people to feel the festival, get
the taste of the festival. That way we’ll make a film about a festival that doesn’t exist!”
We reached an agreement and brought elders from other villages, specialists in our cul-
ture. From that moment, we began to feel a real strength, the true interaction of my
people. It was what I been wanting for a long time. At that moment we were able, I was
333
able, to breath deeply and think that it was exactly what I wanted. People forgot about
the camera, forgot we were filming and performed the festival. I was really excited, that
had been the aim of my work. The interaction of the elders, people who didn’t participate
anymore, didn’t believe anymore, people who thought it was just something invented by
the younger generation. Afterwards we watched the footage and everyone discussed it:
“Look, this is wrong, next time we need to do better.” And at that moment I felt fulfilled
with my work, with the video, with this old idea of revitalizing our culture through video.
This festival was the biggest such event in the history of our indigenous land, in terms
of culture, conviviality, experiencing a real festival, bringing people together, feeling
the emotion of the festival’s size.
VINCENT CARELLI During the performance of the Katxa Nawa festival we also produced the in-
terview for the historical film included in the Huni Kuı̃ DVD for the Indigenous Filmmakers
Collection with Huni Kuı̃ narrators and filmmakers. Agostinho Muru and Tadeu Siã, Bixku
and Josias Maná, Joaquim Maná and Zezinho Yube. Our plan was to shoot the footage to
make the historical film for the DVD and document the use of video by the Huni Kuı̃. The film
was edited entirely in Olinda by Ernesto and Zezinho, and resulted in the film I’ve Already
Become an Image.
AGOSTINHO MURU I’ve already become an image. Even if I die, you’ll be able to watch, my
grandchildren too and new generations. (...) We can’t hide anymore, our image has already
been exposed. From now on we have to think about our tradition and make new films.
ERNESTO DE CARVALHO There are some important aspects involved in the making of I’ve Al-
ready Become an Image that I’d like to mention. It was 2008 and carnival time in Olinda. It
was a strange feeling because the world outside was igniting, and there we were tucked
away indoors, working on the editing station, which today is the sound studio. It was also
a very interesting time at Vídeo nas Aldeias because a lot of people were there, involved in
different areas of work, especially the production and finalization of the Huni Kuı̃ and
Panará DVDs for the Indigenous Filmmakers Collection. Ana Carvalho was negotiating the
granting of archival image rights for the film, as well as researching and writing up the texts
for the Huni Kuı̃ history. Daniel Castelo Branco translating the footage produced by the
Panará with Paturi, Marcelo Pedroso editing the historical Panará film Back to the Good
Land. Zezinho and I editing I’ve Already Become an Image. As well as the entire VNA team,
Olívia, Mariana, Mari and Vincent. Everyone was working flat out. By then we had already
finished translating the material and were starting to think about the film’s format. And one
question in particularly dominated our discussion, which was whether we would make just
one film, merging the history of the Huni Kuı̃ with the community’s use of audiovisual
media, or whether we would split these topics into two separate films. At the same time we
were recording the narrations for Katxa Nawa and I’ve Already Become an Image. Zezinho
was searching for his voice as a narrator. Zé is a filmmaker, he had always been behind the
camera, and suddenly he had to discover the right tone of voice to narrate the film, in this
case a film that was set to tell the history of his people. I think this is an issue that occupies
indigenous filmmakers generally, how to find a public voice as a narrator, a voice that will
represent a lot of people. After all it’s his language that will echo in the cinema theatres.
This is combined with the other challenge posed by video. As a summary, much more so than
writing, it was necessary to find a precise, condensed text that could tell the Huni Kuı̃ his-
tory, covering the five eras proposed by Joaquim Maná in his research. We found the right
balance with this text through three the combined input of myself, Ana and Zezinho. That
was our challenge, how to translate a complex historical narrative into a series of short and
condensed phrases.
NILO BIXKU Pay attention and look right at me, without glancing sideways as though I‘m
talking nonsense. Pay attention to what you hear me say and let it sink in. At first we all
lived together in a large house, Shubuã, each family in one part of the house. (…) Nearby
there were other Shubuã houses. We were happy before contact. We had our own tools, we
used our peachpalm machetes, felled trees with stone axes. There were problems but we
lived well.
ZEZINHO YUBE We, the Huni Kuı̃, recount our history in five eras. At first it was the ‘time of the
malocas’ when we lived together and knew nothing of the nawá, the non-Indians. To know
about this time, you need to talk with the elders. Because the form in which we lived trans-
formed after contact with the nawá.
AGOSTINHO MURU What I can tell you is that prior to contact we lived tranquilly. We called our-
selves Huni Kuı̃. But then the whites came and invented a new name for us. One afternoon some
boys were hunting bats when the nawá arrived and asked what they were doing. As they didn’t
know how to speak Portuguese, they replied: ‘killing taxi (bats).’ So the whites wrote ‘Kaxinawá.’
ZEZINHO YUBE After the time of the malocas, our forests were invaded by the nawá who came
in search of rubber. We were treated as a threat to the advance of rubber exploration. Peru-
vian and northeasten Brazilian rubber tappers hunted us with guns to ‘clear’ the area. (...)
Many groups disappeared during this period.
AGOSTINHO MURU We began to divide. Some of us went to the Purus river, others went further
down this river. And those that remained ended up living around the headwaters of the rivers.
ZEZINHO YUBE After the correrias (exterminations), the rubber bosses subjected us to the
time of captivity. For decades we were used as a semi-enslaved workforce in rubber extraction.
We lived on the rubber settlements, the centres of rubber production in the middle of the for-
est. The bosses set up trade stores on which we depended to buy our work materials and food.
Unfamiliar with white people’s mathematics, we were conned about the weight of the rubber
and forced into a debt-labour system.
AGOSTINHO MURU I heard that we had a right to our land. Other peoples had already won back
their lands, but they didn’t know of our existence. But then they came and found us. They told
us: “Now you won’t have to work for the whites anymore, you’ll be able to revive your culture,
if you still have one. You’ll teach your children.” At first there were just 150 Huni Kuı̃ living
together. When our friend Terri came, more and more of us joined the group. From there we
started to demand our land.
ZEZINHO YUBE From the 1970s onwards we lived in the time of rights. We began to fight for
our land and to recover our natural resources and our traditional forms of survival. We de-
cided to learn how to write and use maths, which were the tools used to exploit us. We created
cooperatives. That way rubber extraction became managed by ourselves and small rubber
tappers. Those rubber tappers who had taken our land were paid compensation by the govern-
ment to leave. Those who stayed in the region after the decline in rubber prices became trad-
ers or turned their rubber areas into cattle ranches.
AGOSTINHO MURU When all the rubber bosses left our land, our kin formed villages on the
shores of the rivers and we able to practice our rituals once more.
ZEZINHO YUBE In the present era, there are many of us once again. In Acre, we now number more
than six thousand people, spread across five municipalities on the Jordão, Envira, Purus, Tarauacá
and Breu rivers. Our people are also on the Kuranja in Peru. Now we work for ourselves.
ERNESTO DE CARVALHO Zezinho always thinks of the importance that the film will have for
the Huni Kuı̃ and, at the same time, he is the person who travels most widely beyond the
community. As a result he also perceives the importance that the films have in the outside
world. In the case of I’ve Already Become an Image, one of the questions for Zé, and for
ourselves, was how this film would concretize another version of Huni Kuı̃ history. And how
the version of one specific community could represent the history of an entire people. An
important set of questions. Editing was not only a moment to explore the history of the
Huni Kuı̃, but a chance for Zezinho to look at his own work as a whole. We used sections
from other films already produced by himself, which meant that the new film was also a
synthesis of the work he had made to date. Another question that arose concerned the kind
of footage involved. Zezinho had never worked with so many interviews. Seen from this
angle, the film is just like an edited text, the creation of one text based on others, the
testimonies of Agostinho, Bixku and Joaquim Maná. There was also the question of wheth-
er I would be named as co-author of the work with Zé. I think that we were and remain still
in a process of consolidating this space for indigenous production, this concept of the in-
digenous filmmaker. But in fact what we need to accept is that Vídeo nas Aldeias is a col-
laborative space. I see these videos as hybrid objects, made and circulated between worlds.
Because an expectation exists, in this case a negative one, concerning the purity of these
productions. An expectation that they will invent another language when in fact Vídeo nas
Aldeias is a space of dialogue and collaborative production. And in this work with Zezinho,
the collaboration is very clear.
VINCENT CARELLI In 2009 Zezinho embarked on his next project, a film based on the research
developed by Joaquim Maná on the kene, the Huni Kuı̃ designs. The desire to make this film
had surfaced during the shooting of Manã Bai, and we had already discussed the questions
involved in the project. Initially the idea was for Joaquim Maná to be the central figure once
again, the teacher researcher, and that he would set off on a long voyage, revisiting the
people involved in his research in search of the origins of the kene as the basis of the film.
We carried out an initial study and the project received the backing of IPHAN. But things
didn’t unfold as we had expected.
ZEZINHO YUBE The initial idea was to hold a kene workshop on the Jordão river, due to my
links to the place and to Agostinho Muru’s family. First we would travel to talk to the elders
about our culture and also show the films we had already made. A number of these had been
produced on the Jordão river in partnership with filmmakers there. But on arriving at the
Jordão Village, we were barred by the local indigenous association.
REPRESENTATIVE OF THE INDIGENOUS ASSOCIATION Our knowledge isn’t a joke.
ZEZINHO YUBE We want to show the films we’ve already made, and also film the screening (...)
but if you don’t want us to, we’re not going to insist.
334
REPRESENTATIVE We’re not charging money from anyone, but it’s better if you pay. That’s the
reality.
JOSIAS MANÁ If we leave the camera here can we enter?
REPRESENTATIVE You can enter with the camera, but you have to leave a sweetener.
ZEZINHO YUBE You say you’re in charge. I shalln’t disrespect that. I came to strengthen our
work, record the screening, show the material, but not like this.
ZEZINHO YUBE After this incident, I thought it was all over, there was no way of making the
film, my own people were blocking it. So I returned to my own land and called Vincent. I told
him that the film was over, the idea of involving other communities wouldn’t work and that
we should take the project funding and make the film in our own village. But Vincent op-
posed the idea and encouraged me to return to the Jordão and negotiate our entry, talking
to the leaders. I decided to return and we were barred once again. But this time I was more
confident and said that I would make the film even if there was opposition. We met over the
space of a few days in the Jordão Village, myself, my mother, Agostinho Muru and her fam-
ily, and we decided to invite the female specialists from the Jordão to a workshop in my
village. That way we would also be strengthening my community politically and culturally.
VINCENT CARELLI Some three months passed between the ban on entering the Jordan and
Zezinho deciding to resume filming. They decided, then, to take some female specialists
and young women to their own village, on the Carapanã, to the kene workshop. It was
marvellous. Women came from the Jordão and Purus rivers, incredible women. A joyous
encounter. But these difficulties raised questions that went beyond the film. It’s a project
that concerns a people, it’s a political project. It’s necessary to negotiate, debate the is-
sues with other leaders. A project like this can become an object of dispute and conflicting
interests, as in fact happened. So it was necessary to resume the relations, conversations
and negotiations, present the work plan and the budget. Only then did the film become
possible. I’ve Already Become an Image was very important in the context of making this
new film. Reviewing their history, with archive images, the campaign to demarcate the
Huni Kuı̃ lands, everything contributed to mobilizing the community towards making the
project happen.
ZEZINHO YUBE Making this film was of fundamental importance to us, it wasn’t just about the
knowledge surrounding the kene, it was about our culture. The kene are very important to our
people, a form of knowledge that only the women possess. As the film developed, various
questions surfaced for me: how many kene exist? How are they made? What is the real situa-
tion of the transmission of this knowledge to younger women? Are the names the same today
as they were in the past? These were things I knew nothing about until I started making the
film. Prompted by these questions and the events on the Jordan River, I gained the strength
to fight for greater integration of my people and the revival of our culture. I held meetings
in the community, invited everyone to take part and collaborate, encouraged the women,
who don’t have much political strength, to take on the project and feel part of the process,
teaching the younger women their knowledge. And the whole community mobilized and
organized. We held the workshop with the women, the specialists and young women who
wanted to learn the kene.
335
DANI I asked my mother what Txere Beru was. It’s the bird that sings ‘txe, txe, txe...’ Txere Beru
is the eye of the orange-winged parrot. That’s what I learnt.
AGOSTINHO MURU Txere Beru is like the letter A is for the whites. It’s the start of all the kene.
VINCENT CARELLI After the workshop we decided to make a trip to the Upper Purus. This time
everything ran more smoothly. What we discovered on the Purus was something else en-
tirely. We met fantastic elders, specialists in the traditions, and a generation of youths who
didn’t want to know anything. But from the Carapanã a group of young people came keen to
learn about things and with no elders to tell them. The expedition to the Purus was a perfect
marriage. However since it was a cultural heritage project for IPHAN, we faced that old issue
of deadlines and different approaches. We made a first edit for IPHAN, focusing on the tech-
nique and narratives relating to kene. But the film we thought had to be made was Zezinho’s
quest, the saga of the project. That was what we really needed to show. And the kene within
this quest. There was a provocation. Zé was looking for the origin of the kene. And, deep
down, the project also had a quest to patent the graphic designs. The discussion that
emerged was as follows: the kene are universal. They are present among other peoples in
Brazil, in Indonesia too. So what really belongs to the Huni Kuı̃? It’s the stories associated
with the designs. That’s their cultural heritage, not the designs themselves. But the dis-
course of the elders and of Zezinho himself focused on this ownership issue, the question of
copyright and the use of the designs by other peoples and by non-Indians. Deconstructing
this involved a lot of work. It’s an old question, deep-rooted, full of twists and turns. During
the editing other questions appeared, how to insert the religious question, if at all. Some of
the editors – this film was edited by a number of different people – wondered whether this
aspect shouldn’t be made into film. It’s not another film. The question of the believers per-
meates the fundamental questions of which the kene form part. The question opens up onto
bigger problems faced by the Huni Kuı̃, including the disunity shown there, the question of
knowledge transmission and so on.
ALUNO HUNI KUĨ Our culture is going to end because God didn’t mention it.
ZEZINHO YUBE The biggest problem we faced was what’s all around us. The arrival of new
technologies, the arrival of new cultures in our lands, religion. Everywhere we look, the
situation is the same. People are beginning to translate the Bible. What will the next step be
after translation? Trying to talk to people about this is complicated. Religion is still a very
new issue. So I think we have to start thinking about these strategies. The Evangelicals suc-
ceeded in persuading many of us that our culture is no use. So how do we go about reversing
this situation? How do we make young people come back to our reality, regain their enthu-
siasm for what is ours? For me, making this film, Kene Yuxi, enabled all these discoveries.
WEWITO What we want to do here with you is follow the everyday life of a family, a character.
We want to find this character and document his life and work in the community. (…) We came
here to visit and learn about your community. We also live in a community, only an indigenous
one. And we came to have this exchange of views.
VINCENT CARELLI We left then for a second challenge, the filming of Exchange of Views (2010).
Generally speaking there is a certain expectation, a demand, from the audience for our films
to explain what the Indians think about us. Isaac Ashaninka had already expressed his wish
to make a film in a favela, but for didactic purposes, with the aim too of reinforcing the
Ashaninka’s environmental project, placing in perspective the degradation of the environ-
ment found in urban space. When we approved the village-city exchange project in the VNA
Culture Pontoon, we found ourselves at an impasse because we hadn’t considered before-
hand who would take part in the workshop, neither did we have any idea which filmmakers
were available and who among them would want to participate. We called on Zezinho, who
immediately accepted, and Wewito, who had a full schedule but also agreed to the challenge.
A recurrent criticism of the film is that we set a trap and the filmmakers innocently fell into
it, in the sense that it wasn’t a project or personal demand of their own, but ours, our pub-
lic’s. In addition, it wasn’t initially even a project that had come from them, even less from
the boys who were chosen by TV Morrinho from the Pereira da Silva favela in Rio de Janeiro.
And so we had to ponder all this. The paths and solutions in response to this situation. The
project also included the demand for an exchange, first the Indians visiting the city and
when we work in indigenous communities, focusing in detail on the everyday life of a fam-
ily or individual, all of that was closed off to us. We weren’t even able to enter people’s
homes. Faced with these questions, after a week spent in the community, we sat down to
talk, myself, Zezinho, Jarlene and Wewito. We discussed all these questions and a second
challenge that had appeared, namely discrimination from the community. In this talk,
which was recorded in full, we faced two options: either we gave up or we accepted the
challenge head on. We wouldn’t have the chance for this experience again. So we went for
it, trying to build bridges and potential relations, looking for people who stood out, con-
fronting with considerable elegance the harshness of the locality, the imaginary figures
that the community had made of them: the Indians, these ‘savage’ others. If the favela is
peripheral, the Indians are even more so.
BOY I There in the village do you have a leader?

later the lads from the favela community visiting the village. But the latter’s trip to the vil-
lage didn’t result in a film and we ended up with just the view of Zezinho, Jarlene and Wewito ZEZINHO YUBE Usually they are the elders.
concerning a community in Rio de Janeiro.
NICOLAS What are you there?
JARLENE HUNI KUĨ I’ve been cold since I got here. The houses are all piled on top of each other.
They live in a very dangerous place, on the slopes. They live on a ravine. I don’t know how they ZEZINHO YUBE I’m an indigenous agroforestry agent and I’m also a filmmaker, I make films.
aren’t scared. I’ve never lived in a place like that. You have to live on flat ground. It can’t be
like it is here. NICOLAS What animals have you encountered there?

ZEZINHO YUBE Various kinds of animals. Snakes, jaguars…

ERNESTO DE CARVALHO When we went to Rio, myself, Zezinho, Jarlene and Wewito, we didn’t
make many plans. I knew that it would a difficult process. Our proposal required everyone’s
BOY I Blimey, don’t you get scared? Are you used to them? I’ve already seen that stuff that the
agreement or the project would be a non-starter. The idea was to immerse ourselves in the
guy blows like, you got me? I went to a place where they sold bows and arrows. A school trip.
community. That way I imagined we would be able to reach something deeper. Arrive in
the community, present ourselves, discover the characters, the local issues. I thought it
NICOLAS What did you do when you saw the jaguar? But you’ve never seen a lion, have you?
would be possible to do something fairly radical. The difference is that we, the filmmakers
and ourselves, are used to making films in communities, but in the context of a partnership
ZEZINHO YUBE Lions don’t exist in Brazil, lad! In the forest my only fear is snakes. If you’re
in which the filmmakers are working in their own community. Trust already exists, the path
bitten far from the village, you can die right there and then.
has already been cleared. In Rio we didn’t know the people, first we had to win over a world
so that we could subsequently make something interesting. And of course there was a
BOY I What do you smoke there?
certain exoticism, the city, the favela. So I expected the process to be a gradual entry into
a completely different universe that would enable the film to be made. But something else
ZEZINHO YUBE Tobacco. And we make snuff too.
happened. Initially the plan was to work in the Vidigal favela with the people from Nós do
Morro. In other words, it would be a space where long discussions would take place be- NICOLAS That’s cool stuff!
tween young leaders from the urban periphery and indigenous leaders coming from an-
other world, a kind of forum, a group of people who make films, and who were keen on the BOY I It looks like tea, man!
project. Two communities with well-matured ideas would meet and a real exchange of
views could happen. But because of scheduling problems and so on, it wasn’t possible. So NICOLAS You have to give this to the women here in the favela! What’s snake in your language?
Sérgio Bloch, who had contacts with the Pereirão community, suggested that we should
do the exchange there instead. The work being developed there was very new, in the sense ZEZINHO YUBE Yube.
of maturing and assessing on their own actions and production. What exists is a very good
artistic project, but one focused on self-reflection, a huge catharsis relating to its own ERNESTO DE CARVALHO After we encountered Sandra, the main character in the film, we began
process and history. In addition the lads from the Morrinho didn’t have much entry into the to have more access to the community, chatting a few times, the space of the alley, the rela-
community, they weren’t able to identify interesting characters, develop a circuit between tions between the Morrinho and the community as a whole, its memory, its history. But for
themselves and the community in such a way that we could circulate and reach a few me the big lesson of Exchange of Views was the following: we always come face-to-face with
people, and neither did they open up the space of their own families. All the tools we have the question of the specificity of the indigenous viewpoint, a fundamental difference in the

336
way of seeing the world, which is reflected in their choices of shots, and so on. The experi-
ence of Exchange of Views in a way displaces this question and poses another: what is the
specificity of the gaze returned to the camera when an Indian is filming. That’s the true ex-
change of views.
WEWITO The community had never taken part in filming like that, with someone following their
everyday life. It’s very difficult for them too, There’s TV, video, what’s shown on television about
the community. They feel oppressed by that.
ZEZINHO YUBE It’s one thing to make the community feel part of this. We’re not doing that, at
least with the images we’re producing, so they can become more involved. This happens in our
own community. After watching, the person wants to be filmed too.
VINCENT CARELLI I had a clear idea about this when I drafted the project. It was the idea of
pairs, one with the camera and the other interacting. It was evident that the fact they were
Indians meant that the theme of the Indian would be the most obvious response from peo-
ple, even overriding the questions from the Indians themselves concerning the life of people
from the community. This was the scene that would emerge and probably the most important
question for this project. And indeed what remained in the film is this return of the gaze and
the actual process of making the video, the clash between the Indians and the place and
VNA’s procedures, which for various reasons didn’t work there. Zezinho reflects on this ques-
tion: why does this procedure work in the village? Because we give back the image, we show
the village what we have filmed and the community then becomes involved. And we were
unable to that in this case, which meant people didn’t get involved and didn’t understand
what we were doing. This diverged radically from the procedure with which the filmmakers
were accustomed. The procedure used by Ernesto, as the workshop coordinator, diverged
completely from what we normally adopt in the villages. In the village we stay at more of a
distance, we don’t film with them or independently of them. In this experience, though, due
to the circumstances they confronted, Ernesto adopted an openly collaborative approach,
working with them, sometimes alone, filming, searching for a way to make the film. A work
made by Zezinho, Wewito, Jarlene and also by Ernesto. Despite the apparent failure of the
film, in the sense that it failed to coincide with our initial expectations, the experience was
very positive since it brought us face-to-face with a series of questions, procedures, choices,
approaches.
JARLENE I liked Rio. I saw a lot of different things and for that reason too I was a bit scared.
But I’m very happy because I know that I’m returning to my village.
VINCENT CARELLI Zezinho is probably Acre’s most important filmmaker. He’s won numerous
awards, he’s travelled to film screenings and festivals. His maturing as a director and in
terms of the questions relating to his people is incredible. And he’s someone who never
stops, he has this desire for dialogue and movement between the indigenous world and
the white world. He does this very clearly. He lives in the city, he’s connected to the
world, the internet, indigenist policy. I think it was largely because of this that in 2011
he was invited to take on in the post of indigenous affairs secretary in the Acre state
government. An invitation he couldn’t turn down. We learnt about the proposal during
the Indigenous Filmmakers encounter in Olinda at the end of 2010. Various questions
confront him now. But as he himself pointed out, a tradition has been created, the aim
today is to train new filmmakers so that the cinema project and especially the cultural
revival of the Huni Kuı̃ continues.
337
ZEZINHO YUBE Filming for the world of the village and filming for the outside world. Today
I see two kinds of work, one in which you involve the community to make a film and, at the
same time, a film for the public that doesn’t know anything about our land or our reality.
And the film too as artistic expression. Above all video enables the development of work
designed to preserve culture and memory. This happens all the time, a village that no
longer exists, children who today have already married and have families. Time changes
and the films remain. When you watch a film made years ago, you can no longer go back
physically, but emotionally you are captivated by the event once again. There is also
something that I believe is very special about the video process, namely that people learn
to value themselves: you see yourself and ask, who am I, who are we? But it is important
not to become complacent with this tool. We cannot record one festival and stop there.
Not getting complacent means encouraging people to continue performing the festival,
irrespective of the film we’ve already made. Train new singers, for example, because we
need singers. Now how do we do that? You can’t learn our music listening on headphones,
you learn there, alongside the elders, entering into reclusion, that’s the most important
thing, entering into reclusion a few times to develop a good memory. Because the songs
don’t get invented, the songs are out there and we have to go after these songs to learn
them. That’s our project for the future, to fetch the elder living there on the Purus and
bring him to Tarauacá to train new singers. And transmit this knowledge in the way in
which it was transmitted in the past, through reclusion, remaining isolated for a long time
in the forest without any contact with sweet foods, women and other questions that pre-
vent you from learning the songs, and from this experience try to create a new history. Our
cultural history is being lost, the elders are dying, young people aren’t interested any-
more. So our project is to revive that interest and train new shamans, new singers. I think
it’s important for us to avoid becoming complacent with any media. Video is just one more
tool that enables this incentive, because film alone doesn’t guarantee anything. So other
work is necessary. That’s what I’ve been telling some of the people from my village. We
have to act in this world which surround us today, using this overpowering culture that
swamps us, because if we don’t, it will be too late to reverse the tide. I see that culture is
a crucial, precious instrument for us to live as a people, for us to be a people. Without our
language, our festivals, our roots, our spirituality, we’ll cease being a people. And when
we cease being a people, we shall be no more than a doubt and we shall lose ourselves amid
the crushing development in which we are immersed today. This isn’t just a personal dis-
cussion, it’s a debate that has to be collective. Culture has to be lived day-to-day, it has
to be part of the community, a festival has to be held not by obligation but by necessity.
For example, a festival related to the spirituality of the plants. Without the festival, the
plants will grow poorly. But it is also important not to ignore others who come from out-
side. These others are important for us to learn, to add things. As Isaac once said, we are
not here by chance, some people helped us, partners who worked with us to reach where
we are now. That’s the meaning of exchange and partnership. Perhaps all of these ideas led
me to receive the invitation from the Acre government to assume the post of indigenous
affairs secretary for the state. Now there’s not much way out, I’ll only be making films
again in four years’ time! (laughs) Meanwhile, other filmmakers will be trained and our
films will continue to be produced.
Mbya-Guarani
Following the arrival of the European colonizers in the 16th century, the territory of the
Guarani became the battleground for disputes between the Portuguese and Spanish.
In the 18th and 19th centuries, the Guarani who refused to surrender to the Spanish or
the Jesuit missions took refuge in the Paraguayan region of Guaíra and Sete Povos. The
present-day Mbya-Guarani population in Brazil has been estimated at 7,000 (2008), in
Paraguay at 14,887 (2002) and in Argentina at 5,500 (2008). In Brazil their villages
are located in the interior and coastal regions of the states of Paraná, Santa Catarina,
Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro and Espírito Santo. Vídeo nas Aldeias has
worked with two villages in Rio Grande do Sul: Anhentenguá, on the outskirts of Porto
Alegre, and Koenju, in the municipality of São Miguel das Missões.
ARIEL Early morning there’s a moment when Niamandu comes. Or when the sun, or Niamandu,
goes: when night is arriving and you stay close to the fire. There’s a right moment. The moment
for it to happen. It’s not just any time or anywhere. You can’t just make it up.
ERNESTO When we arrived, Tiago and I, in Rio Grande do Sul in November 2007 for the first
Guarani workshop, Ariel was already in the car waiting for us. This encounter left an immedi-
ate impression. Marcus Benedetti, working for IPHAN and our initial mediator with the
Guarani, told us that Ariel took photos and filmed with his mobile phone, which suggested
that he used whatever was available to him or placed in his hands. It was our first workshop
alone, we were really excited with huge expectations, anxious, projecting everything be-
cause we wanted to do a good job. Learning about Ariel already left us really enthusiastic.
ARIEL I had always been interested in video, but I’d never really had the chance to make a
film. At first I didn’t want to take part, I didn’t want to do the workshop, but I went anyway,
without the slightest idea what it would be like. We were in Lomba do Pinheiro. It was the
first time I had been to that village. We picked-up Tiago and Ernesto from the airport and
headed there.
ERNESTO Our arrival in the village was explosive. We met Cirilo, the Guarani leader of Lomba
do Pinheiro village, on the outskirts of Porto Alegre. We were at 100 miles an hour and he
was at 1. While the Guarani are generally meditative, contemplative, philosophical, Cirilo
doesn’t speak at all. We met Cirilo and began to talk. My idea of how that moment should be
conducted was to explain everything, talk, make everything as clear as possible. But we
were exhausted, off-kilter, wired and that was our first experience of the collision between
the Guarani way of being and the white way of being. The way in which they relate to time
and communication, dialogue, silence, despite living in the middle of the city, is radically
diferent. We explained everything to Cirilo, from production to editing, the importance of
the finished film, our eagerness to do the work. After listening to this explanation, this
rushed venting of ideas, Cirilo said to us kindly: “Well, you know, you whites are very differ-
ent to us, you say everything straight away. We don’t, we’re different, we wait a while.” That
was when I finally realized what was happening. So I said to Cirilo: “Let’s start again.” We
went back to the car, arrived at the village and we began to talk about settling in, putting
up the hammocks, sleeping. The next day we began to organize the work. There was no real
group of students to take part in the workshop, it was more like “a workshop or something
is going to take place.” There’s a big resistance, a lot of distrust. The Guarani are used to
relations that don’t lead anywhere. And at that point we didn’t understand a thing. There’s
so much noise in the communication between the whites and the Guarani, such a disturbed
relationship, that the automatic response of people in the villages is to avoid becoming
involved in these situations. I remember one of our earliest conversations at the start of the
work was that we’d still run the workshop even if we had just one student. But there were
others beside Ariel. There was Jorge Morinoco (Cirilo’s son), Germano Beñites, Alexandre
Patchá and Diego Ferreira.
ARIEL We arrived there with no idea what to do. It was difficult. People in a Guarani village are
very reserved. For the first week it was all very difficult, we were unable to film, we didn’t know
what to do, what we had to show. I talked to people but they didn’t understand much. We were
in a village 10 hectares in size almost on the outskirts of Porto Alegre, the situation is very
difficult for the people living there. So I began to get a feel of the work we had to do. Things
were already starting to happen, though I hadn’t yet realized. There were people going about
their everyday activities, Cirilo’s mother, who is an important woman in the village, a senior
woman. We went to visit her and she began to talk to the camera about her feelings in that
small place, how sad it was to have to buy everything, how nobody planted there anymore,
how she wanted to live elsewhere, but cannot. That was when the idea of the film emerged,
making something about the local situation. As we started to accompany people’s day-to-day
lives, things became clearer. Every evening we made a script. The following day Tiago and
Ernesto assembled the camera and told us to film. We went out filming, each of us following
a person with whom we identified more closely. Each one had a character with which they felt
more comfortable. But it was very difficult to begin, find a direction, locate the central char-
acter. I wanted to do something different to what had been done before. I was born in Argen-
tina, in my grandfather’s village, many people came and filmed, anthropologists came, but
they always worked in the wrong way. It was as though they forced the Guarani to speak. So
in this workshop I realized that it could be done differently, it was ourselves doing the film.
ARIEL This film we’re making is going to be great. I don’t know how much time there will be, but all
the Guarani are going to be able to see it. We have to show what’s important, that’s why the film
has to have a central figure. For example, you have to know where you’re going with a film. You can
show the village, the city and so on, but you have to have an overall idea for it to turn out well.
ARIEL During the workshop in Lomba we held a meeting with the community. We talked about
how important it was to make the documentary, how we could have a voice, how the com-
munity could relax and say whatever they wished, show whatever they wanted to show. But
there was a degree of mistrust because we as a people have been through many complicated
situations in the past. But then we perceived, everyone perceived, that the big problem there
was the land. From that point on other questions began to emerge, questions of survival,
selling craftwork. Everyone then began to speak. After the meeting they understood what we
would be doing there. In the evenings we began to show the community what we had filmed
during the day, everyone watched and was pleased. That was when the film really took off.
People could see themselves, understand what was happening and relax a bit. They saw their
own image and began to think of what to say and what to do. But aside from the mistrust,
something exists which is specific to the Guarani and our culture. Whenever someone arrives
in a village, even without a camera, the same thing happens. For example I often visit my
338
grandfather to talk about important things. I imagine, because I always imagine, that he will
talk about everything. So I go to see him, he greets me and for a day he says nothing. Then I
go again the next day, I stay an hour or two, and he still says nothing. On the third day I arrive
again and it’s only then that he starts to talk. Because for us words are very important. Con-
versation, everything has its right moment, the right time, so it’s no use rushing and saying
meaningless things. You really have to find your moment, be inspired. For us there exists this
question of time, the right time, the moment of the word. That’s the only way conversation is
really any use. Late afternoon, for example, or very early morning. These are the moments for
talking, then the words are good. That’s why all the ‘beautiful words’ exist. That’s also why it’s
difficult, because we feel it when a situation is forced. So if it isn’t the right moment, then it
isn’t the moment to be filmed. I discovered this gradually during the filming.
ERNESTO During the first few days, Ariel was visibly distressed, he didn’t know where things
were heading, whether it would work. After a few days, Cirilo himself began to worry and
asked whether we were up to the job, because at night we screened other VNA films and he
saw that explosion of life in the Ikpeng and Xavante videos. When we later showed the mate-
rial produced in the village the shock was huge. After we showed From the Ikpeng Children to
the World, Cirilo said: “Ah, so they did the filming themselves.” We had already explained to
them how the workshop would work, but it was only when we screened the film that they
realized that it was made from the viewpoint of the Indians. It was at that moment that
Cirilo really understood what we were doing there and saw the potential. That was when he
joined the process, started to trust us and the community began to take part in the workshop
for real. The screening is a fundamental moment, everyone connects with the work because
after seeing the raw footage the work starts to be assumed by the village as a whole.
DIEGO FERREIRA, IN TWO VILLAGES, ONE WALK That’s the village. It’s only 10 hectares in size,
that’s why the swiddens are so small. Here we’re in the middle of the whites, in the middle of
the city. The village isn’t large. They sell little wooden animals, that’s the only way they can
eat. If they don’t sell, there’s no food. The city is growing all the time. They’re engulfing us.
(Holding a bee hive:) This provides honey too. Except the bees have now left their houses. Do
you know why? Because something was bothering them. And bees don’t like that, which is why
they moved away. They’re just like the Mbya Guarani. They didn’t leave because they wanted
to. Sometimes the Mbya move because someone is bothering them. That’s why the bees went
to find a better place to live. The Mbya Guarani are the same.
VINCENT The question that already appears in Two Villages, One Walk is the question faced by
all the generations involved there and in all the villages, namely the land issue, the lack of
space. It’s an introjected question, the metaphor of the hive, that the bees went away be-
cause they were disturbed. It’s the same with the Guarani. If they are disturbed, they leave.
And the film is seen by all of them as a way of transmitting this message.
ERNESTO Two Villages, One Walk began in Lomba, shaped by the problems troubling the village,
which was where we defined what the film would be. We had innumerable conversations with
Ariel and the community concerning the structure of the film, all the themes were already in
place. But even so Ariel was visibly distressed. Our feeling was that nothing happened in the
village. A very strong sensation that the days passed and nothing occurred, nobody arrived,
nobody said anything. This left both ourselves and the students uneasy. Especially Ariel. It
was terrible because we were searching for a theme and the best way to find one is by trying
339
things out, simply going out filming. After the basic exercises of teaching how to switch the
camera on and off, how to move, we began to look for the main characters. But it was all so
little, so little happened. And at that time Lomba was a depressed village. It couldn’t be
otherwise, a village with a tiny amount of land, the community unable to breathe. That’s
where the idea of leaving Lomba came from, we would look for other spaces. São Miguel das
Missões. We would go to São Miguel. But what about Lomba? The week we had spent there?
Would we lose everything and have to start all over again in São Miguel? That was our prob-
lem. We had to make some use of the time spent there. So we talked a lot with the commu-
nity and the students thought of topics that we could really cover in Lomba and that could
connect with São Miguel. That way we could make a film that was a kind of introduction to the
overall situation of the Guarani at that moment. A film belonging to what I would call the ‘this
is us’ genre, and the land issue was undoubtedly the question that drove the film in Lomba.
CIRILO MORINICO, INTWO VILLAGES, ONE WALK The whites always look down on us, but they them-
selves were the ones who left us in this mess. We’re like little animals trapped there waiting for
someone to leave a bit of bread. And if nobody gives anything, we don’t eat. But why did it
happen? Because they themselves took everything. They themselves, with Funai, demarcated
our territory. Imposed boundaries. Put up this fence for us to obey.
ERNESTO We decided to leave for Koenju, Ariel’s village, in the municipality of São Miguel das
Missões. However we needed an element to link the two parts of the film, and here Ariel
enters as a character, a figure communicating between these two spaces. Another element
that acted as a connecting thread was craftwork. The issue linking the film therefore was:
they have no land, so they make craftwork to survive.
TIAGO It was the question of subsistence. It’s the land issue, but there is no land, it’s craft-
work and wood, but there is no wood, so they have to steal it.
CÉLIA, IN TWO VILLAGES, ONE WALK The gods already knew that we would have to sell craftwork,
the forests would end. So that’s why they gave us this skill to seduce the whites to buy little
wooden animals and so avoid dying of hunger.
ARIEL Do you think that the Indians there are selling their image?
PROFESSOR Yes, there are using it to sell.
ARIEL The fact is many people come here to photograph the Guarani Indians and sometimes
film them. They take these photographs away to use in their work and even make money from
them. I think that’s what happens. Many people think the Guarani are stupid.
ERNESTO During that phase of the workshop, Tiago and I split tasks. Tiago went with the vil-
lage choir to a presentation in Florianópolis and I went to Koenju. On the way to the village
we passed the historical site of São Miguel, everyone was tired, and Ariel arrived already film-
ing. It’s when the confrontation scene with the teacher happens, included in the final edit of
the film. It was then that we realized that we had to go back there, we could best explain the
issue of making craftwork for sale by filming the street vending in São Miguel. In fact, this for
me was a very strong image, linked to the development of the work with indigenous filmmak-
ers in general, the question of the moments you don’t film, the moment when the filmmaker
is caught between filming and participating. Between filming and challenging the person in
front of the camera or in the moment of collaborating. Knowing that we are collaborators and
we film. From São Miguel we headed to Koenju. When we arrived, Ariel and I sat down to talk.
He felt it was possible: he was constructing something, he had already started to dream of the
film and imagine how it would work out. We discussed the need to define characters. One
night he arrived and said to me: “My character is Mariano, someone I respect greatly.” Mariano
was due to travel to São Miguel the next day to buy food for the livestock and material for
making craftwork. It was around 11 at night. Mariano would be leaving at 6 in the morning.
Ariel went too. He had taken charge of the film. That was when I felt, that’s it, now it will
happen. But again we faced problems. This time more political, related to the village’s inter-
nal politics, due to the distrust the work was arousing. An unbearable atmosphere had set in.
When Tiago arrived in the village, we told Ariel it was impossible to carry on like that, we had
to talk openly about the situation and find out if we could continue the work. For Ariel hear-
ing this was a huge setback. Then things got really tense. We went to the village leaders to
talk, but the conversation didn’t lead anywhere. A painful silence hung over us until finally
the situation exploded and confrontation set in. They wanted to suspend the workshop. The
village was going through a critical moment, rife with disagreements, and this was directly
reflected in the workshop. After lengthy talks among themselves, Ariel came back to us and
reported that the community had decided the workshop could continue. I think this workshop
and the others that followed put Ariel at the centre of discussions and turned him into a po-
litical actor, reconfiguring alliances. Marriages were made and unmade. Video penetrated
deep into the community and people’s lives, catalyzing new situations. At the end of the
workshop we had completed a cycle, we had shown a community whose problems can be
traced to the lack of land, meaning they have to sell craftwork. We showed the relation with
the whites in São Miguel, we showed people making craftwork in the villages. But at the end
of the videomaking workshop, we returned to film in the centre of Porto Alegre and that too
was a very touching moment, when we filmed that girl asking for money in the street, the girl
selling in the street. A cycle was completed there among the group of filmmakers. It was as
though they had really stepped back and observed their own people, their society, their com-
munity, observing their situation from a distance. They achieved a panorama of everything
affecting the Guarani today. I think we were careful to cover a range of issues. Going to Porto
Alegre involved this process of taking a step back and looking at themselves. It’s one of the
remarkable aspects of the first Guarani workshop. What Ariel says in the final sequence of the
film, that video there has become this great moment of perceiving something that was right
before you, but you weren’t looking.
ARIEL Today I realized what happens here. It’s really shocking. Try coming here without selling
and just observe. Then you’ll see how the faces of the Mbya change. We don’t feel sad just be-
cause we don’t sell, it’s because it seems like we depend on their money, if they don’t buy any-
thing, we’ll die of hunger.
ARIEL I think that people in Koenju began to realize the importance of video when they
watched the sequences filmed in the ruins of São Miguel das Missões and those from Lomba
dos Pinheiros, on the outskirts of Porto Alegre. When the audience sees the opening, people
robbing wood, the effect is dramatic. These are aspects that the Guarani don’t like to talk
about, something sad, but I feel... I’m Guarani, and I know when people are feeling sad and
don’t want to speak. Sometimes I think that I’m a little... I wouldn’t say pessimistic, just
realistic. People know it’s sad yet prefer to keep quiet rather than talk or remember, because
they’ll feel bad. But people were taken aback when they saw the image of Lomba, which has
just 10 hectares. Here there are more than 200 hectares, so when they watched and the film
shifts from there to here, when they watched that, I felt that they really saw the importance
of this work. I really noticed that. Even today, many people still watch and understand more
each time, because the first time they watch they see the funnier things. When they see the
bit in the centre of Porto Alegre, though, a situation very different to life here, they are
truly shocked. And they become very sad.
VINCENT In March 2008 we ran a scriptwriting workshop in the Ikpeng village with Leandro
Saraiva. When it was Ariel’s turn to speak, he described all the different topics covered in the 130
hours of filming and vividly expressed his anxiety about how to fit so much into just one film.
ERNESTO I returned for the editing workshop in June 2008. I went to Koenju. The main
change was that Mariano, one of the main characters from Two Villages, One Walk, was now
the village leader. While the filming workshop had been marked by a series of internal po-
litical problems, the editing workshop was remarkable for its fluidity. Everyone participated.
Editing with the Guarani was like that, editing with 20 people... from 5 to 20 people sur-
rounding the editing station the whole time. People arrived and we spent hours translating
inside the school. The footage appearing in torrents, a deluge of stuff and suddenly we began
to wonder whether we didn’t have two separate films. This was the big question mark during
the editing of Two Villages, One Walk, one centred on Lomba do Pinheiro village and the
other on Koenju. This doubt lasted until the very end, we wavered between both ideas be-
cause, in fact, I already left the village with the film’s name. This name was decided there, in
the penultimate week of editing, in a marvellous moment with Jorge.
ARIEL It was really cold. It was the coldest year of the last 30 years. And we had 150 hours
of raw footage to process in the editing workshop. It was a new process we were beginning.
It was when we began to understand the meaning of everything we had filmed. I saw the
filming afresh and heard the world of the elders. It was another apprenticeship for me. I was
getting very close to what I had always liked, spirituality, learning things, as a Guarani and
as a filmmaker. On one hand I was learning to edit, translate, develop a script. But the most
important part was the translation. That was when we learnt many things which the elders
say and which young people no longer know. The elders speak a different language, the
words are more poetic. I liked this a lot. And the elders also took part in the translation.
They explained as we went along, that word means this, this other word means that. We
learn these beautiful words during the translation. When I’m filming I don’t even notice if i
have understood what someone has said or not. Sometimes we don’t understand, but we
film anyway. That’s why translation is so important. We were really seeing the other side.
The other side of the process and already seeing the community in another way, the true
reality. I never involved myself so strongly and emotionally in anything. Nothing was as
powerful as making Two Villages, One Walk. It was something intense that I didn’t want to
lose at all. I had no idea how much I was going to suffer. I think it’s because it really was
going to mean a huge deal.
ERNESTO Another key moment in the editing was that people kept seeing those tourist guides
repeating the history of colonization, the subjugations and so on. It’s difficult to watch that
material because however well-intentioned the guides are and however much the Guarani
have already heard the same thing said thousands of times, editing was a moment of encoun-
33:
tering a discourse about themselves that represents an extremely violent historical simpli-
fication. I think it’s painful for people to keep hearing and hearing that potted version of
their own history. It distressed them. I was there transcribing, listening to see how we were
going to summarize the dialogue of the various guides we had filmed and how we would make
a snapshot of that history from the white point of view.
MARIANO IN BICICLETAS DE NHANDERÚ Here (the ruins of São Miguel das Missões) is where our
kin lived, but the whites took everything from us, and appropriated these ruins built by our
kin. Now they don’t want to give us back what is ours. They keep hold of this space jealousy.
Our kin were forced to build this by the whites, the Jesuit priests. They forced the Indians to
work on this.
VINCENT An award winner at ForumDoc.BH, shown nationally on the TV Cultura channel’s
Au’we program and watched in the village, Two Villages, One Walk also toured the Guarani
villages of southern Brazil with the support of IPHAN. In the Filmmakers Encounter in Olin-
da, Patricia Ferreira, Ariel’s companion, gave a moving account of the entire village assem-
bled to watch their program on TV. It’s worth it for just these moments, I thought!
SOLANO IN BICICLETAS DE NHANDERÚ The Tupã are like that. They don’t come just to bring rain,
they also come to protect us. They don’t travel all this way for no reason. Because we cannot
see the beings that harm us. Only they can see us.
TIAGO In November 2009 Amandine Goisbault and I returned to Koenju to run a second
workshop with the Guarani. After we had finished Two Villages, One Walk there were no plans
or funds for a new workshop. But we knew that the work with them had a real potential and
Vincent went over the spreadsheets and managed to find the funds for the workshop. Filming
Guarani spirituality was one of Ariel’s oldest projects.
ARIEL My first step as a filmmaker was Mokoi Tekoá Petei Jeguatá (Two Villages, One Walk). That
was my first step, but we had been able to say almost nothing about spirituality. But while from
the beginning my objective was to work with film, my dream was to try to show Guarani spir-
ituality as a whole: our vision of the universe, the meaning of our relationship with the uni-
verse. I’m slowly getting there. Since 2007, I’ve been maturing, becoming spiritually stronger.
I listen to my grandfather a lot too. I think it’s important to understand more than the techni-
cal side, recording, filming. It’s no use understanding these things but not understanding who
you are. It’s no use understanding all of that stuff and forgetting what you are and not knowing
how to talk to a karaí, a spiritual leader. Because then you’ll understand all the technical
things, but you won’t know how to sit by the fire talking with the elders and the children. It’s
not just for me. I know how important this work is for my people, for the children.
TIAGO In contrast to the first workshop, this was very much a director’s film. It was Ariel’s
project. We didn’t structure the workshop as a search for a subject, character, etc. Ariel had
an idea for the film and had the community’s support to make it. We were there to provide
support. I explained this to Jorge when he came to fetch us from the coach station. Even on
the bus he seemed a bit put out. But Ariel had taken over the film. He had already spoken to
Solano, the main character in The Bicycles of Nhanderú and he was willing to take the project
forward. There was some murmuring, a few remarks that other villages wouldn’t accept the
proposal. This created a bit of tension for a while, but we went ahead.
341
ERNESTO Ariel’s idea was a spiritual approach, which he considers a truer film. But there are
also a lot of taboos surrounding Guarani spirituality and making a film about this subject is
by itself already a problem.
AMANDINE At the start of the workshop, nobody wanted to show the ‘festive’ side (white
music, drink, card gambling) because it’s difficult, nobody likes what happens, but at the
same time everyone is involved. Even Ariel didn’t want to show this aspect because it was
something he opposed as village leader. But as he says, in the end he thought it was good to
depict and talk about the subject. Filming the curing house was also far from easy. At the
start some elders didn’t want the boys to film the house, they had to argue a lot to convince
them. Patrícia played a fundamental role in the workshop as a ‘mediator,’ because as always
there were difficult moments between ourselves and the students due to the lack of mutual
comprehension, different paces and so on. Patrícia was an essential link and managed to
liaise with the lads and ourselves to resolve the communication problems.
ARIEL To reach this invisible dimension in the film, make it visible, it’s necessary to remain
silent. For the Guarani silence is sacred. I didn’t understand this as a child. I would go
with my grandfather to another distant village where another very important spiritual
leader resided. He would go to visit him. Arriving in the village, they didn’t greet each
other or shake hands. I was given a very small stool to sit on too. The karaí’s daughter
placed it there, not the karaí himself. He entered again and the girl stayed too. After a few
minutes like that, she went out again with a pipe, handed it to my grandfather and came
back in. The karaí stayed put, he was there but didn’t leave. They remained in silence for
about half an hour. My grandfather knew, obviously. Afterwards the karaí left with an-
other pipe and stayed a while longer. They didn’t keep looking at each other, they stayed
like Solano stays, smoking a pipe, only turning to face each other later. First the owner of
the house asks with beautiful words, without punctuation, it’s almost like a song. It’s a
greeting that asks about everything, everything that has happened recently, but very
quickly. It’s as though he enters into a trance, he pronounces the words, all the beautiful
poetic words, and I think that’s where I understood the importance of silence. Whenever
you arrive in some place, you should remain silent. Hear the sound of silence. This silence
is important to the film too.
TEÓFILO IN BICICLETAS DE NHANDERÚ A good curing house faces the sunrise. It has to look toward
the abode of Tupã, where the sun emerges.
TIAGO The workshop initially involved the traditional food used to elevate the spirit, the ixó
larvae and the construction of the Opy, the curing house, in Koenju, which had already been
discussed since the first workshop. But the production of the ixó larvae didn’t work. There
were few in the village because of the deforestation and the Guarani no longer made this
food. The film would be a kind of reconstruction to show how it was done. But the little ani-
mal didn’t appear. It rained heavily, a lightning bolt struck the village. A gale. We thought
the house would be blown away. But it was incredible. We didn’t sleep, we spent night after
night filming the lightning storms.
ARIEL The rains fall heavily in the village in November. It’s Tupã who arrives to purify the first
fruits, those of the guariroba palm, the blossoming of the trees. We weren’t exactly sure which
path to follow. And it rained a lot, it was well-nigh impossible to go out filming. Everything
began when a lightning bolt struck a tree, close to the house of an older woman. And that
became the village’s hot topic: why did the bolt fall? Is Tupã coming? And Solano himself had
already said that a storm was approaching. Everyone in the village knew that a big storm was
needed to purify the guariroba palm fruits. These conversations allowed us to decide where
to start the film: Tupã, the storms. For us, when Tupã comes, when it rains like that, it’s impos-
sible to do much. For some reason Tupã came. And for some reason a lightning bolt struck. Did
the spirit of the lightning in the tree come to protect us? That’s how we opened the film.
SOLANO INBICICLETAS DE NHANDERÚ When the gods speak, you don’t see them or hear them.
What Tupã says… what happens in meditation is inexplicable. Without perceiving, the words
arrive and are spoken by you. We are a bicycle of the gods.
VINCENT Solano’s metaphor led Ernesto to think of the film As Bicicletas de Belleville1, and he
suggested the name As Bicicletas de Nhanderú. Everyone liked the idea and it became the
working title. The work produced in workshops possess this hybrid character with input com-
ing from both sides. The film title, spoken by Solano, signals to our audience but also gener-
ated considerable polemic among the Guarani, like the film itself. The lightning became a
character. And along with the lightning, other incidents from daily life are also steeped in
religious meaning, the children chopping wood and speaking to the forest spirits. In fact the
young pair of brothers, Palermo and Nenenco, dispute the starring role in the film with the
elder Solano. The strength of the boys’ performance is intensified by the use of the Michael
Jackson song as a film score.
CIRILO We saw the film’s images and we have to understand what this will entail later on. Did
you see the filming of São Miguel das Missões? What’s right and what’s wrong? This film will
be shown in other places, so if it’s wrong, we’ll be the ones blamed. The camera is a dangerous
tool, but it can also be used in our favour to defeat the whites. We must use the camera care-
fully. What do you want to show to the whites? In my view, it’s wrong to show our people
drinking. It should have begun with the curing house, showing the plantation, not showing
people drinking. I don’t want to sound like a saint, I drink, I gamble, I dance, but for me
that’s wrong. The name itself says: The Bicycles of Nhanderú. The name is already a mistake.
If the film circulates like that, they are just going to laugh at us.
ARIEL We made this work with a gang of youths, Germano, Jorge and myself. We filmed what
really happens in the village. We show the real view people see in the village. And we know
that some problems really do occur in our village. That’s why we filmed our true situation. If
you pay attention, you’ll understand better and then you can comment afterwards. For us it’s
important for you to say what you think, and we’ll show the film in other villages too. For me
the film is perfect but many of you didn’t like it. It’s only by seeing the film that we’ll realize
what’s happening and then you’ll really perceive our situation.
VINCENT We thought IPHAN’s proposal to recognize the Guarani version of the history of the
missions as part of Brazil’s intangible heritage was of enormous symbolic importance, espe-
cially since the exclusion of the Guarani results primarily from a lack of understanding. It’s the
absence of dialogue, the mutual incomprehension of two worlds unable to dialogue because
they don’t speak the same language. They can’t even perceive each other. So for this reason we
thought IPHAN’s proposal was fascinating, the idea of the country recognizing the indigenous
version. The Jesuit ruins, the Tavas for the Guarani, had already appeared as a very strong
symbolic and historical element in the first film. So in August 2010, Ernesto and I set out to
meet Tiago, Ariel and Patricia in Koenju to begin this new undertaking, a film about the mean-
ing of the Tavas for the Guarani. Tiago and the team were finishing the first edit of The Bicycles
of Nhanderú. Given the solidity of these two films, we already had enough material to prepare
a new DVD for the Indigenous Filmmakers collection, the Mbya-Guarani, another side of Brazil’s
indigenous reality. We had to work, then, on a film about contemporary history. Just as under-
standing today’s world requires understanding history as a whole, we embarked on this double
research/filming approach in partnership with Ariel and Patricia, which resulted in Guarani
Exile, and the historical film about the ‘Tava’ set for release in 2012.
ERNESTO The video work with the Guarani has developed very quickly. A span of 4 years from the
first workshop to the new collection for the Indigenous Filmmakers series. This shows a collec-
tive desire for visibility, the need to be heard. All these aims that Ariel expresses during the
interviews, a little bit like he sees the film. This is a collaborative work par excellence. It’s only
because he and Patrícia embraced the idea that the film became viable, because the Guarani
don’t speak about these subjects in Portuguese, much less to people they don’t know.
ARIEL IN GUARANI EXILE The whites arrived a long time ago. And these Tavas are ruins that
merge with our own history. Today we come to this ruin to sell craftwork, since we don’t have
land to plant and there are practically no forests left. (…) What I want to understand in this
film is why we don’t have land if we trekked across and inhabited this territory before the whites
arrived and given we were the ones who built this Tava.
AUGUSTO IN GUARANI EXILE I shall tell you this properly. Our sacred ancestors came from Para-
guay, passing through Argentina and Brazil. They were enlightened. They reached the land
without evil, which is why they came from Paraguay. They came building the ruin, the Tava.
They waited meditating to reach the land without evil. And they continue to wander through
land and continue to build Tavas.
ADOLFO IN GUARANI EXILE Those who lived in the Tavas were our grandfathers, the Mbya them-
selves. Our own kin built the Tava and those who accompanied them. Even the whites helped.
That’s why they say that they were made by them (the Jesuits). Our ancestors didn’t delude
themselves about anything. They didn’t want to abandon that place but were afraid of being
persecuted, so they remained there and appeared to surrender. But that wasn’t the case. That’s
what the whites believed, they fell for it. The Indians knew they were being tricked, they just
had to pretend to be apprentices, like you do in school, pretending to pay attention.
ARIEL IN GUARANI EXILE A church full of Guarani children dressed in white singing in praise of
the Christian God. That’s what appears in the history books. When the Spanish and Portuguese
divided up their territories again, the Guarani resisted being expelled from their lands. After
the Treaty of Madrid in 1750 thousands of Guarani died in Rio Grande do Sul.
SANTIAGO IN GUARANI EXILE The whites say: we killed all the Guarani. We pretended to die out
to trick them. But actually they only killed some of us with knives and rifles. Because they only
killed the body. And the body was supposed to stay anyway, that’s why they allowed themselves
to be killed. Even after they had been killed, the Nhanderú took the bones. Because their soul
was pure (…) Nhanderú, our father, made us from sacred bones.
ADOLFO IN GUARANI EXILE So the whites killed our great warrior Sepé Tiaraju and celebrated.
The Spanish were delighted because they thought the land no longer had an owner. They took
342
all the wealth they found there. They killed to get this wealth. But the leader, our spiritual ERNESTO When you say “it’s not for me,” you’re translating that Guarani expression used when
leader, went to the land without evil. offering special thanks for something, aren’t you?

ARIEL IN GUARANI EXILE After the war, the Guarani continued to wander through the region, ARIEL Yes. Korupi guara˜i ko (it’s not for me), haeveté (thank you): Korupi guaraiko. That’s it.
while the farms sprang up. And then suddenly everything was taken. There was no longer any This work kovaeté mbya po korupi guaraiko. It’s not for me, it’s not for this plane.
place for us.
ERNESTO So you think the video work isn’t for this plane?
MARIANO IN GUARANI EXILE It was after the whites arrived that we began to speak of ‘Brazil.’
Our grandparents didn’t call the place Paraguay, Argentina or Brazil. They only referred to the ARIEL Another plane exists. A plane without a name. Neither a wide plane (plano geral: long
lands between the rivers. That was their reference point. We are seen as nomads. But we’re only shot) or a close plane (plano fechado: close-up). It’s a plane without a plane.
following the ways of our grandfathers.
ERNESTO Not even a counter-plane! (contra-plano: reverse shot)
IGNACIO KUNKEL IN GUARANI EXILE The Guarani were defeated in the Guarani War and thereafter
were never officially recognized as a people. Even Funai considered the Guarani extinct because ARIEL Not even a contra-plano. On that plane there is no backlight (contra-luz)...
they had dispersed (…) It was common for us to visit a village in a particular location and
arrive there another day to find it abandoned. When we later tried to establish what had hap-
pened, we discovered that there were sometimes reprisals by the nearby non-indigenous popu-
lation and that was enough to make them flee in fear. It was resistance by retreat.

ARIEL IN GUARANI EXILE We began to move constantly through the few free spaces in this ter-
ritory. As well as invisible, we became strangers in a land we had always inhabited. We
Guarani never said that the land is ours. That is because we always wandered, staying five or
six years in some place before moving elsewhere. The place left behind continued as a village,
meaning that we would eventually return there one day. For our grandparents, this entire
territory was one large village. Today we have to use a document to cross the borders we
never agreed to.

ADOLFO IN GUARANI EXILE I take this walk. I try to see something, a sign of Nhanderú. I want
to hear his words.

ARIEL IN GUARANI EXILE The image of the Guarani by the side of the road became commonplace.
Children run over, hunger. For that reason we began the fight to demarcate the lands were we
once lived. Even though we know this land belongs to Nhanderú. A group of Mbya-Guarani be-
gan to search for good areas to build villages within the state. We began to occupy some
spaces with the intention of claiming them as ours. Since we cannot wander freely across the
entire territory, at least we can journey between the demarcated villages.

ADOLFO IN GUARANI EXILE We must carry on, even in the worst conditions, because we have
Nhanderú helping us.

VINCENT The challenge of the film Guarani Exile is precisely connecting the spiritual with
something more objective, and more political, namely the land... The exclusion of the Guara-
ni occurred through a lack of understanding in which the dialogue between two worlds
speaking two completely different languages was impossible.

ERNESTO Since Two Villages I feel this chasm of incomprehension and I think of the film as an
instrument that enables understanding.

ARIEL Our work with video is deepening. I know this is going to be very important for my
people. Today I’m startled when I see the children here playing. “Wow, so many children!” 1. Les Triplettes de Belleville, released in the US as The Triplets of Belleville and the UK as Belleville
It’s all for them. Not for me. Each time we discover more things and their importance. Rendez-vous.

343
Essays
“Dear Sir, the DVD which you kindly lent me (The Agouti’s Peanut, by Komoi and Paturi Pan-
ará, 2006) is by far the best film I have seen on the South American Indians. Everything is
successful: the choice of themes, locations and shots; and the quality of the images is sen-
sational. We constantly have the feeling that we are being allowed to see indigenous life
from the inside. The authors are to be congratulated, as well as yourself for your share in this
production. The shamanic cure is a piece of anthropology.”
CLAUDE LÉVI-STRAUSS
Paris, November 20th, 2006
Vídeo nas aldeias, documentary
and “otherness”
JEAN-CLAUDE BERNARDET
Cinema critic and script writer
In A day in the village a man catches a fish in the river. The camera shows the fish in the water,
the arrow striking. It captures the fisherman’s movement as he brings his catch to the bank.
In another shot, a boy tries to catch a grasshopper. He is in a boat, as is the camera. He
carefully steers the boat to the bank, puts down the oar, extends his arm towards the insect,
captures it, returns to his initial position and shows his prey. The camera accompanies the
boy’s motions, adjusts to the grasshopper and returns to its original position.
Seen in the context of the Training the Eye seminar in São Paulo in 2003, these shots
enchanted me. What was so special about them? There is an intimate relationship between
the camera and the person filmed. The camera has to follow the boy’s actions; it also has to
move delicately so as not to startle the grasshopper, it has to follow the fisherman’s move-
ment as he pulls the fish from the stream.
This close attention to people’s gestures, this respect for their situation, is something
that seems to me to have totally – or virtually – disappeared from Brazilian documentary
filmmaking. Heavily dominated by the interview method, the tendency in this field is cur-
rently limited to placing the camera in front of the person who answers questions pose by an
interviewer. In this way, priority is given to speech prompted by the filming and almost au-
tomatically situations that do not fit into the framework of the interview are discarded; in
other words, people in their daily lives. And the camera, positioned before the speaker, has
no need to pay attention to the person’s gestures, since what is important is what he or she
is saying. By contrast, affectionate and careful observation characterizes all the films pro-
duced by Video nas Aldeias We have much to learn from them.
This close observation of people in their day-to-day situations does not exclude speech.
A spoken form, that has almost disappeared from our present day documentary is one in
which the people filmed talk among themselves. But these films do not exclude speech di-
rected towards the camera; on the contrary. People frequently comment on what they are
doing, a boy explains how he usually kills the fish he catches, a woman tells how she weaves
a certain mat. Who is the interlocutor of this speech directed at the camera? The films pro-
duced by Video nas Aldeias circulate among the villages and the interlocutors are residents
of other villages. The traveler that arrives somewhere other than his or her place of origin
discovers life in that new place, and at the same time tells how life is in their own village,
now, beyond speech. The person he can use video which works as a channel for exchanging
information and also feelings. In one film a Xavante tribesman receives filmmaker from an-
other village: “We knew that you would come and film, and so we are glad, we welcome you”.
The video as a letter; this missive nature of the video is clearly adopted in From the Ikpeng
children to the world, the world beginning in the other villages: the children allow them-
selves to be filmed to show other children how they live. Letters ask for replies. The children
in this film explicitly ask the children that watch this video to reply to them with information
about their lives.
Speech, even when directed at the camera, is never explanatory or analytical; it is above
all descriptive. Even in films that present rituals, such as The Xavante Warrior’s initiation or
The power of the Dream, the Indians describe the practices and the various phases of the
ceremonies, and when they explain, they do so according to their own imagination. In these
films there is no space for anthropological or ethnographical discourse.
The images, the framing, the camera movements indicate that the young people who take
part in the workshops are being trained to learn and use a language. It is not enough to
switch on the camera in front of something. It is important to select the right shot, a wide-
angle or close up, choose the angle. One issue that always crops up in the workshops initiat-
ing the young people into this audiovisual language is editing. In reality, moving from the
shooting of the images to their editing implies moving on to more sophisticated equipment,
involving more complex forms of manipulation. The precise involvement of the trainers in
editing is never really known. Video nas Aldeias takes a clear stance on this issue. The credits
for the editing of some videos explicitly name the relevant trainer; in other cases the train-
er’s name is added to those of participants in the workshops. Here one of the shots in The
Rainy Season is revealing since it shows an editing session in which a youth is learning to
use a computer keyboard under the supervision of a trainer, who tells him that the beginning
of a certain shot has been chosen, but now he has to decide at which point this shot will end.
Video nas Aldeias trainers do not adopt a naive approach, assuming it would suffice to place
a camera in someone’s hands for them to decipt their life. They have to learn how to use the
equipment and know the language. In The Xavante Warrior’s initiation, this approach is made
explicit when it refers to the “training of indigenous documentary makers”.
These films come under the rubric of the ‘other’. The ‘other’ has been a recurrent concern
in documentary filmmaking over recent decades, ever since ‘direct cinema’ and ‘cinéma
vérité’. The ‘other’ filmed, the ‘other’ filming themselves. I have always been convinced that
this ‘other’ in the documentary and in philosophies of ‘otherness’ in general is no more than
a false solution to a badly defined problem. The ‘other’ is always designated by a subject,
which in order to use this designation has to affirm her/himself as a subject, as a place of
speech, as a place from which the view originates. The affirmation of this subject as the
center is the very denial of the ‘other’, of the recognition of their existence, because it denies
them as the origin of speech and vision. I believe that the philosophy of ‘otherness’ only
begins when the subject that applies the word ‘other’ accepts that be or she is an ‘other’ if
the center is shifted, he or she accepts being an ‘other’ for the ‘other’.
As we know, the work in the Video nas Aldeias workshops antecipate that the videos will
later circulate in a number of villages and that members of one village film in others. “The
344
Xavante Warrior’s initiation” describes the ear-piercing festival in Sangradouro village,
filmed by cameramen from this village, in addition to cameramen invited from Pimentel
Barbosa village. A cameraman from Sangradouro explains the need for this shoot with the
following phrase in Portuguese: “We have to show another culture to others, so they can
recognize their own festival, culture, language... right?” Such a statement – show another
culture to others – implies that the cameraman Winti Suyá not only sees Pimentel Barbosa
from the center, which is Sangradouro, where the festival takes place and will be filmed, but
simultaneously sees himself and his village as the ‘other’ from the center or focus which is
Pimentel Barbosa. This is truly a philosophy of ‘otherness’.
Registering culture: the smell of the Whites
and the cinema of the Indians
CARLOS FAUSTO
A little over ten years ago I was invited to visit the Kuikuro village in the Xingu Indigenous
Park. On a brief, two-week trip in the company of Bruna Franchetto, I had the chance to watch
a ‘traditional’ clarinet ritual and a kwaryp performed for the media in the Kamayurá village, in
homage to Claudio Villas-Boas, complete with TV crews, journalists, politicians, government
employees and a large assortment of guests. Airplanes took off and landed while the Brazilian
Air Force’s large Buffalo waited for the end of the festival to return to base. For someone like
myself used to working in an isolated area of the Amazonian rainforest, where the only means
of transport was the monthly Funai boat, the impression was of visiting a busy international
airport. Kwaryp over, I took the chance of a lift, climbed aboard the Buffalo and left.
Two years later, in July 2000, this time backed by research funding, I disembarked at the
Kuikuro village of Ipatse with my own project buzzing in my head. In the meantime, though,
the Kuikuro had already drawn up another project for me: they wanted me to document all
their rituals as a way of, as they told me at the time, ‘safeguarding our culture’ (tisügühütu
ongitelü).1 They were especially concerned with recording the songs. There are around fifteen
rituals in the Upper Xingu whose execution depends on expert knowledge of vocal and instru-
mental music. Some sets of music are so extensive that they take decades to learn. This musi-
cal knowledge is a prerogative of the ‘song masters’ (eginhoto) and its transmission involves
substantial payments in native luxury goods, supplemented today by industrial items.
At the time the elders were convinced that young people were no longer interested in
learning the songs and that, were the latter not recorded, they would be forgotten for good.
Indeed two rituals had already disappeared and some Xinguano peoples today no longer
possess “all their true songs” as the Kuikuro say. This image of loss was crystallized in the
figure of the Bakairi. The Bakairi are a Carib-speaking people who formed part of the Xin-
guano system until transferred to a region outside the regional complex by the Indian Pro-
tection Service (SPI) at the start of the 20th century.
1. At the time Bruna Franchetto was discussing with the community her linguistic documentation
project, which would begin the following year as part of the DOBES Program (Max-Plank Institute
and Volkswagen Stiftung) for endangered languages.
345
Until the arrival of the Villas-Boas in the 1940s the Xinguanos would embark on lengthy
journeys to obtain tools from the Simões Lopes Post initially installed by the SPI to ‘attract’
the Bakairi. However the fact that they lived with the kagaiha, the non-Indians, does not
seem to have excited the Xinguano imagination. The Bakairi did not become an image of the
future. Though a few people lived at the Post for a while, the possibility of turning into an
‘SPI Indian’ does not seem to have been seriously contemplated by the Xinguanos. Moreover,
in the 1940s, following the arrival of the Roncador-Xingu Expedition, the Bakairi Post ceased
to have any strategic importance since a more direct source of industrial goods would soon
be established in the region with the presence of the Villas-Boas brothers.
Fifty years later the Kuikuro decided to visit the Bakairi again, making the journey this time
by land and bus. The visit took place some ten years before my first research trip, but its effect
on Kuikuro self-perceptions where still clearly evident when I arrived. I remember chief Afu-
kaká making speeches on the village plaza, referring to what I jokingly called the ‘Bakairiza-
tion’ process from which they were suffering (Europe at the time was going through a period
of ‘Balkanization’). The adults admonished the youngsters, telling them that they were fated
to turn into ‘Bakairi.’ At the time, the blame was always put on the young people “who are
ashamed to walk around naked,” “who no longer want to dance,” “who only think about sex”
and so on. The most vivid memory they had of the journey was that of an elderly Bakairi
woman, who wept when she heard them dance Tauarauanã, a ritual still performed today in the
Upper Xingu, exactly as described by von den Steinen in 1887, but forgotten by the Bakairi.
In the 1990s, therefore, the Bakairi had come to represent an undesirable fate for the
Kuikuro, who claimed to be particularly disturbed by the fact they had lost their songs.
‘Becoming Bakairi’ not only meant losing something, it also implied being stuck in a limbo:
neither truly kagaiha (since they remained poor), nor entirely Indians (since they no longer
had ‘culture’). To Kuikuro eyes, the Bakairi had lost their songs and festivals without acquir-
ing technology and money. In sum, to cite a Portuguese term commonly used in the village,
they had become ‘peões,’ labourers.
In 2000 I was having breakfast with chief Afukaká in an unlikely spot: New York. I was on
my way to a conference while he was returning from a tour of indigenous reserves in Canada
and the United States. As a result of this trip, a new image of the future had loomed large:
the immense and luxurious casino owned by the Pequot, an indigenous people of New Eng-
land. The imposing resort – with its casino, museum, spa, golf course and non-indigenous
staff – provided an image of radical sociocosmic transformation. The Pequot had gained
control of a technology denied to the Indians at the beginning of mythic time. The casino
also represented the control over money, whose main quality – its capacity to convert into
any object or service – the Kuikuro had quickly assimilated into the native system of paying
for goods and services using standards of measure common to the Upper Xingu system such
as snail shell necklaces and belts.
But the Pequot image of controlling money and technology was accompanied, as in the
Bakairi case, by the spectre of ‘culture loss.’ Chief Afukaká returned from his journey with the
sensation that he had a choice to make. Raised in a world in which songs were of vital im-
portance, Afukaká was tormented by the idea that one day they might cease to exist. But if
loss was inevitable, would it not be better to become ‘white’ once and for all? So he called a
meeting in the village plaza and proclaimed the end of bilingual education: they would now
concentrate fully on learning Portuguese, studying at universities and learning the secret of
the whites, so that then, who knows, they could ‘become Pequot.’
This idea was opposed by the indigenous teachers, trained in accordance with the model
of “differentiated, specific, intercultural and bilingual school education” promoted by the
Ministry of Education in its 1994 Guidelines. Instead they argued for an intermediate route,
pointing out that while the Pequot might no longer have ‘culture,’ they, the Kuikuro, still
‘held’ (ihetagü) theirs. So if the Pequot had built a modern museum and a research centre
despite having lost their language and culture, why couldn’t they do the same, only before
losing theirs?
The museum and the transformations capable of overturning the White-Indian asymme-
try were closely entwined in chief Afukaká’s vision. And I myself as a subject – in the double
sense of the word, an agent and a vassal – therefore became entangled in the project of
‘safeguarding Kuikuro culture.’ At first the expression had a literal meaning: my task would
be to record and store everything at my home, since one day, perhaps, Afukaká told me, his
“grandchild – or great-grandchild – might become interested again and seek out the tapes
from you.” I immediately replied that this wasn’t going to work, since firstly I would be ac-
cused of “stealing the Kuikuro culture” (an accusation as simplistic as it is efficient nowa-
days), secondly because, having a family and job, I wouldn’t be able to spend the necessary
amount of time in the village, and finally because the younger Kuikuro had to be involved in
any such enterprise. Our conversation led to the creation of the Upper Xingu Kuikuro Asso-
ciation in 2002, the entity legally responsible for the execution of the cultural documenta-
tion projects, as well as the Kuikuro Cinema Collective, responsible for recording the songs
and festivals – and, of course, for producing films like The Day the Moon Menstruated (2004)
and The Smell of Pequi Fruit (2006), in partnership with Vídeo nas Aldeias, the most well-
known participants in the project.
The smell of the whites
A people’s reflexive relationship with their own ‘tradition’ is normally taken as a sign of
rupture: it only appears when conventions cease to be taken for granted and both individu-
als and collectivities become faced with choices. As Eric Weil wrote, “by the simple fact of
deciding to follow our parents’ traditions, we are being unfaithful to them” (1971:13). A
radical break needs to have taken place for tradition to be seen from the outside and thus
“represented as ‘culture’ and aestheticized” (Babadzan 2000:135).
How has this rupture occurred among the Kuikuro? And what do they mean when they talk
about ‘culture’? As we have seen, at the start of the 2000s the elders typically blamed young
people for the loss of ‘culture.’ The changes taking place all around were thereby stabilized
in the form of a generational conflict: young people didn’t want to know what had enabled
the grandeur and prestige of their parents to be obtained. And they were rebuked for this. I
suspect, though, that this had forever been the case: an idealized past had always served
the Kuikuro as a pedagogical method of creating an image of the future for the young.
But this model of intergenerational conflict would soon cease to be a dominant factor in
comprehending contemporary events. The agency of young people was pushed into the
background, replaced by the seductive power of the white world. One of the reasons for this
change was the agreement signed with a leisure centre in São Paulo state, about 70 km from
the capital, where the Kuikuro began to perform shows throughout the month of April from
2000 onwards. The contract greatly expanded the range of people with access to the world
outside the Xingu Park with a significant impact on learning Portuguese and the ‘customs of
the whites’ (kagaihá ügühütu). Old people, women and children who had once known almost
nothing of the world outside the Park boundaries began to experience first-hand what adult
men had previously narrated to them after returning from their travels. Moreover those who
travelled began to earn their own money and buy industrial goods.
This seasonal exodus has led to a proliferation of non-indigenous objects previously
concentrated in a few houses. In 1998 there was a single TV, today there are around ten; the
stereo systems in fashion just a few years back have already been replaced by DVD and MP3
players; the fleet of bicycles has swollen from a handful to more than a hundred, not count-
ing the motorbikes. Collective forms of transport have also been acquired: a tractor, a truck,
a pickup, aluminium boats, half a dozen outboard motors. And this without mentioning the
many objects of more personal use such as clothing and beads. The mass entry of TVs has had
a huge impact by bringing a new universe of images directly into Kuikuro houses. At first the
sets were monopolized by chiefs who watched news programs and soccer matches almost
exclusively. But as they have become more available, the audience has expanded and viewing
habits have become more diversified, so that today it is not unusual to see a house full of
children watching the matinee film or a cartoon. The internet debuted in the village in 2007
along with the inauguration of the documentation centre. Today some young people already
have personal laptops and many of them use Facebook, Messenger, Webmail and Skype on a
near daily basis. Since the founding of the Upper Xingu Kuikuro Association, various cul-
tural projects under my coordination have been approved: the ‘logic of the project’ now
regulates the life of some of the young generation and informs that of the elders.
Over the last decade the number of paid workers has multiplied: teachers, healthcare
agents, oral healthcare agents, environmental agents, general manual assistants and so on.
Earning a wage has become one of the main goals pursued by many young people who attend
the village school daily to learn to read and write, leaving little time for activities that once
would have conferred respectability. Even ritual male seclusion has slowly waned: its length
and strictness have diminished and today frequenting school comprises part of the seclusion
activities. The changes are less visible among women, who continue to respect the long
post-menarche seclusion. But women also take an active part in the changes and sometimes
force the acceptance of new practices.
Today someone who doesn’t know the ‘custom of the whites’ (kagaiha ügühütu) is com-
monly called ngiholo, an ancestor. The comment is not necessarily negative. In certain contexts
it is meant as praise, indicating that the person has a strong and resistant body, feels no cold
and wakes early. In other contexts, though, it amounts to a critical or playful remark implying
that the person understands next to nothing about the new times, dislikes clothes, understands
no Portuguese, doesn’t know how to find their way around the city, and so on. The ngiholo
represents a past out of synch with the present, valorized when affirming the importance of
‘Kuikuro custom,’ but also a symbol of the non-adaptation of this custom to the new times.
Perception of this dyssynchrony has become widespread. Today young people appear less
like agents of change and more like subjects happily prey to the power of seduction of non-
indigenous objects and technology, a lure that affects everyone. The phrase best expressing
this sentiment was spoken by Jakalu when he handed chief Afukaká the recordings we had
made of the set of sacred flute music – a scene captured in the documentary The handling of
the camera (2007). After the chief’s speech to the younger generation, in which he said that
“those were our things” and that he was ‘safeguarding’ (ongitelü) them for future genera-
tions, Jakalu made his reply using the self-derogatory oratory style typical of chiefs and
singers: “here is a little of what our father taught and I recorded.” He then asked: “But will
our brothers, in turn, learn anything? I don’t know, let’s see. This way (on the recorded tapes)
our things will survive. The smell of the whites is very strong. Our brothers, our children learn
nothing, they have become whites already.”
Here Jakalu makes use of a native logic of the senses: if his children have become white, it
is because “the smell of the whites is very strong” (kagaihá gikegü inhahetungui). In indige-
346
nous Amazonia odour is more than a physical quality captured by the sense of smell: it is a
vehicle of other qualities that penetrate and transform the body. This notion of a diffuse
agency, effective at a distance and independent of the intention of the agents involved, is
used by the Kuikuro today to describe the transformations in which they are immersed. Ron-
don’s ‘great circle of peace’ has finally closed in on them in the form of the enchantment of
imagery and technology.
The ‘whites’ are usually called kagaiha, a corruption of the Tupi term karaíba. However in
the past (and sometimes still today) people use the term itseke, which we can translate as
‘spirits.’ Non-Indians were equated with the powerful, elusive and aggressive beings popu-
lating the Kuikuro universe, since they appeared in surprise attacks, causing huge destruc-
tion with their sharp swords and deafening guns. Still today technology is an important
index of this itseke-ness of the whites. Confronted by a device whose manufacture is incom-
prehensible, the Kuikuro typically declare itseke engü higei, “this is an itseke thing” – and
nothing fits into this category so clearly as the cameras and computers that capture se-
quences of images and continually transform them.
It can be seen why the Pequot casino appeared to Afukaká as an emblematic image of
a desirable future: although the Indians were not the ones producing the objects, they
were able to extract the latter, through money, from those who produce them and in this
way control their magic. But would the price to be paid for this control inevitably be the
loss of ‘culture’?
Culture in movement
It is not unusual to hear a Xinguano say, in fine Portuguese, that only they are ‘safeguarding
the culture’ in Brazil since the other Indians, ‘poor things,’ have already lost theirs. This image
of truly authentic Indians endowed with a ‘superculture’ received huge media coverage during
the process of establishing the Xingu Indigenous Park and has populated the national imagi-
nation ever since. It is this mirror of themselves that non-Indians offer them even today on
their travels and shows throughout Brazil. But this is also the self-image that the Xinguanos
construct when comparing themselves to other indigenous peoples both within the Park
(among the peoples ‘downriver’) and outside its boundaries (on the numerous occasions when
they take part in inter-indigenous political meetings or sports events). The Xinguanos without
doubt have a lofty and proud regard of their own tradition.
But what do they identify as this tradition? To what are they referring when they use the
Portuguese word ‘cultura’? All the notions I have used thus far – ‘custom,’ ‘tradition,’ ‘culture’
– are translations of a single Kuikuro term: ügühütu. This is a highly productive term, heard
recurrently, which designates ‘ways of being’ in an extremely diverse range of contexts.
Hence, for example, kagaiha ügühütu means ‘the custom of the whites,’ just as that of the
Xinguanos is kuge ügühütu or tisügühütu, ‘our (excl.) custom.’ The word can be used to refer
to an animal’s habits, but also the way of using an object, as in the expression kahehijü
ügühütu, “the custom of the camera” (i.e., the way of operating it) – an expression, in fact,
providing the title of the documentary The handling of the camera. Everything has its own
‘way of being’ and much of the knowledge a person can acquire of the world consists of know-
ing the ügühütu of the entities that surround us: people, animals, spirits, objects.
What interests me here is the hyperproductivity of the ügühütu category, which the Kuikuro
today tend to translate as ‘culture.’ This is not a pidgin term like kastom, a corruption of the
English ‘custom,’ so widely used by peoples of Oceania; neither is it an indigenous term dis-
placed from its original context to signify an objectified relation to their own tradition within
a new inter-ethnic situation. For many authors the circumstances in which an indigenous
347
people assumes an external viewpoint on themselves, seeing their own culture as a ‘thing’ that
can be followed or rejected, are essentially those determined by ‘colonial invasion.’ The reifica-
tion of tradition is interpreted as a mode of elaborating inter-ethnic difference, working as an
instrument for either resisting or accepting the colonial situation. In the Xinguano case,
though, I do not believe that the constant demarcation of ‘ways of being’ is in any sense recent.
Rather, it evokes Xinguano indigenous history itself, implied in the centuries-long production
of a common culture from a diverse conglomeration of peoples, languages and customs. The
productivity of the category ügühütu is thus an outcome of the objectification of ‘cultural dif-
ferences’ in a context of long-term inter-indigenous negotiation (only marginally linked to
colonialism).
What we call the Xinguano system or constellation is the result of an amalgam of dis-
tinct peoples and cultures, who came together over the last millennium in the region
formed by the Xingu headwaters. From a long-term perspective, we are faced with a thou-
sand years of transformation: the question is knowing, then, the extent to which what is
happening today is different from what happened in the past. After all, are we not witness-
ing the same process through which the culture of the Kuikuro’s ancestors was transformed
400 or 500 years ago, or the culture of the Kamayurá some 200 years ago? What difference
is there between the inter-indigenous negotiation occurring in the region over recent
centuries and that occurring today between two systems as distinct as ‘ours’ and ‘theirs’?
Are we confronted with an irreversible turning point in which the fundamental elements of
modernity – commercialization and rationalism – will undermine ‘the old ways,’ to use
Hobsbawn’s expression (1983:8)?
From the Kuikuro perspective, though, the problem is not so much the abandonment of
‘beliefs’ (as a modernist perspective would hold), nor the commercialization of inter-per-
sonal relations (something that still seems far on the horizon). In the eyes of the elder
generation, the question is actually knowing what they need to retain to ensure the conti-
nuity of what they identify as the core of Xinguano social reproduction and without which
they would definitively lose any possibility of recreating a Xinguano way of life. So how much
continuity is possible in this new context of transformation? How can they change in a way
that ensures greater access to non-indigenous goods and services and, simultaneously,
maximum retention of the Kuikuru ügühütu? The question is thus selective: what, in the fi-
nal instance, represents their ügühütu? What cannot be forgotten?
In the eyes of younger people, the question may turn into something more radical, since
it implies not only asking how we should live or how we wish to live – if we can live in an-
other way or not – but also how I want to live. The individual paths within the process of
transformation become an important component in the equation as new figures emerge: not
only political leaders and mediators, but also university students, filmmakers, professionals
who, perhaps, are beginning to ask themselves whether this is the world to which they wish
to belong and, if so, to what extent.
Becoming white, becoming Indian
If the Xinguano world is a millennial system of continuity and transformation, how are
contemporary transformations any different? Seen over the long term, shouldn’t we take
these transformations to be the result of the same indigenous logic of appropriating from
the outside, only that the others are now ourselves? For the last few decades a structuralist-
inspired literature has emphasized the constitutive role of alterity in the production of
Amerindian sociality, an idea that became consecrated in Lévi-Strauss’s famous dictum of
an Amerindian “opening to the other” (Lévi-Strauss 1991). From this viewpoint, non-Indi-
ans are just one more figure of alterity amid so many others predating them chronologically.
Various authors have successfully shown that studies of ‘inter-ethnic relations’ can gain
substantially in density and sophistication by contemplating the indigenous logic of con-
ceptualizing and relating to alterity. Comprehending contemporary sociocultural changes
thereby entails investigating indigenous forms of producing transformation, rather than
studying the specific historicity of the contact situation or the structure of the wider socio-
political process in which indigenous societies are inserted.
Changes to tradition are not usually conceived by Indians in the form of innovation, but as
exogenous appropriation, the result of a creative interaction with strangers (human and non-
human) through dreams, trance, warfare or exchange. While the innovation of tradition results
from an appropriation of the outside, the mechanism of appropriation is mimetic: in the very
act of appropriating alterity, one ends up imitating the other. This only becomes fully evident
to us when the other is ourselves, since we find ourselves assailed by a feeling of inauthentic-
ity. This happens, for example, when we watch rituals such as the Kayapó Brazilian Independ-
ence Day festival, a Wari’ Protestant religious service or Bakairi school rites.
Thus if we adopt the analytic premise that transformation is a structural part of social re-
production, that the “opening to the other” implies a constant appropriation of alterity and
that innovation is conceived as allopoietic, we are forced to conclude that the most traditional
attitude that could be expected of the Kuikuro today is that... they continue to ‘become white’
(Kelly 2005). This would imply them acting according to an anti-identitiarian and alterative
logic that, for many anthropologists, indeed forms the deepest layer of indigenous life.
From the Kuikuro perspective, though, being ‘traditional’ in this sense involves
equally profound dilemmas and feelings of anguish. After all, what are the consequenc-
es of imitating-capturing a non-indigenous other? The Kuikuro fear is that by appropri-
ating the non-indigenous universe, they become entirely other, inverting the perspec-
tive and directionality of the appropriation process – in other words, that they begin by
appropriating and end up being appropriated, abandoning whatever was their own. This
risk, as we know, is the same that various peoples from the region confronted during
their inclusion in (and production of) the Xinguano multi-ethnic complex. Except that
now they fear transforming themselves in vain: instead of ‘becoming white,’ they could
merely become ‘labourers.’
Here it is worth noting that the Kuikuro rarely think of themselves as a people who en-
tered the Xinguano system. On the contrary, most of the time they see themselves as auto-
chthonous, heirs to a millenary tradition to which other peoples ended up adhering. One of
the differences between past and contemporary processes of change is that while the mech-
anism of appropriating and digesting difference was once largely ritual, today the transfor-
mations jeopardize the very continuity of this device and with it the foundations for the
production of Xinguano social life. There is no ritual frame capable of conferring a specific
and finite context to ‘becoming white.’ On the contrary: they are becoming white at every
moment and everywhere.
What distinguishes a ritual transformation from sickness is that in the latter case the
metamorphosis is undesired, potentially occurring “at every moment and everywhere.” By
overflowing every limit, exceeding any ritual frame or delimited social interaction, the
‘smell of the whites’ provokes a disease that leads to a chronic sense of loss. The oft-re-
peated theme of ‘culture loss’ that resonates across Amazonia can be compared, then, to
the feeling of orphanhood and abandonment that characterizes the sick person, someone
who is about to lose his or her world by transforming into another type of person: a spirit,
an animal, the dead.
The majority of Kuikuro rituals are associated with a sickness caused by non-human enti-
ties designated, as we have seen, itseke, which have the bad habit of stealing souls from
humans in order to transform them into their own kin. After recovery, the sick person be-
comes the owner of the ritual associated with the pathogenic agent, thereafter obliged to
feed it over the years by holding its festival. The Xinguano ritual is, therefore, a device for
collective and transitory transformation into itseke that blocks the individual and perma-
nent transformation that would occur were the patient to die.
Today ritual also serves to avoid another definitive transformation, since it is the
only place where the Indians are not ‘becoming white.’ Perhaps this is why it has also
converted into an activity in which they can ‘become Indian’ again. The ritual is a
therapy for the chronic illness caused by the ‘smell of whites’ and, at the same time, the
place for affirming an objectified tradition. It is no coincidence that whenever we are
dancing in a Kuikuro ritual, the singer Kamankgagü – a ngiholo proud of his traditional
knowledge – says to me enthusiastically: “look my friend, this is our custom, this is our
word.” (And here I indeed write “whenever we are dancing,” since ritual is also the
ideal place for the anthropologist ‘to become Indian’ – after all, there everything is al-
ways ‘becoming’ something else).
The objectification of tradition via ritual is two-sided: if ritual is a way of becoming In-
dian for the Indians, it is also a way of becoming Indian for the whites. In the Upper Xingu,
the conversion of rituals into spectacles dates back to the 1950s and the Kuikuro have a
clear perception of the spectacular quality of their festivals and their impact on the ‘whites.’
The Villas-Boas brothers knew very well how to use these ingredients to cultivate the inter-
national fame of the Xinguanos, an essential element in the political struggle to create the
Xingu Indigenous Park. Every year dozens, if not hundreds, of non-Indians are invited to
watch the big intertribal festivals that occur during the dry season. They form an apprecia-
tive public who, mesmerized by the strength of the Xinguano ügühütu, are expected to be
generous with their hosts.
Over the last decade these rituals have also turned into a spectacle outside the Park. As
we have seen, every April around a hundred people leave the Kuikuro villages to perform in
leisure centres, schools and municipal festivals in commemoration of Indian Day in Brazil.
This activity has resulted in a kind of ritual pot-pourri, made of sequences of short ‘sketches’
whose order is noted in a school exercise book. The songs are chosen on the basis of two
criteria: on one hand, their beauty and liveliness; on the other, their ritual importance. In
these shows the Kuikuro refrain from singing music deemed to be ‘sacred,’ as they say in
Portuguese. The show is conceived in a way that avoids contaminating the rituals. The
Kuikuro recognize the artifice and its aim of seducing the non-Indians with a traditional and
aesthetically authentic image that helps ‘sell craftwork.’ In the most recent film, The Hyper-
women (2011), for example, the musician Jakalu tells us how they improvised during a
presentation in Pará state when they were without any female singer, conning the whites in
the same way “that they are always tricking us.”
The production of these shows has yet to have much impact on the rituals, which con-
tinue to be driven by traditional motives and performed systematically and in full. The
universe of music and ritual actions is ruled by a complex and precise order, an essential
condition for them to be effective (Fausto, Franchetto & Montagnani 2011). When commis-
sioning me to register all the songs and all the ritual routines in their precise order, chief
Afukaká feared that the next generation would only retain the debris of this knowledge,
meaning that they would only be able to ‘become Indians’ for the whites and not ‘become
Indians’ for themselves (which in the ritual context signifies becoming itseke).
348
A kind of indigenous cinema
It was in this context of change – in which the Kuikuro see themselves becoming white the
whole time without ever becoming so completely – that the documentation project was born
and with it the experience of making films. As subjects enlisted to “safeguard Kuikuro cul-
ture,” the counter-attack we found was to use the magic of the whites, teaching them how
to produce more and more images, placing the technology at the service of memory in the
hope that this serves both the past and the future.
A decade passed and the questions and perceptions relating to the recorded image had
transformed. I well remember the community’s initial reaction to the first edit of The Day the
Moon Menstruated, which we showed on the TV in the chief’s house one cold June night in
2004. The reaction was reminiscent of that of the Nambikwara filmed in The Girl’s Celebration
(Vídeo nas Aldeias, 1987). Seeing the bicycles, watches, lighters, the shaman’s t-shirt em-
blazoned with the phrase digital revolution, the chief ordered the film screening to be
stopped – everything had to be refilmed, this time without the ‘white things,’ giving them
back a ‘traditional’ image. Mariká, one of the filmmakers at the time, responded and, using
his greater intimacy with the world of whites, argued that the film was a ‘documentary’
rather than a work of ‘fiction,’ using the Portuguese terms. This was followed by a lengthy
explanation to render these terms comprehensible. Explanation given, explanation accept-
ed. We continued with the projection.
When I returned to the village the next year to finish The Smell of Pequi Fruit, the idea of
fictionalizing part of the mythic narrative had already been worked out, so it was a question of
producing a very traditional scene and working with actors in character. The relation with the
camera had changed: at first people didn’t like being filmed and, as Takumã recounts in The Way
of the Camera, the elders argued that the bundle of equipment was a white thing and that they,
not being whites, would only make worthless (talokito) films. Better, then, to leave the camera
in the hands of Professor Vincent, because he would know how to safeguard Kuikuro culture.
By 2005, though, the young film workshop students had chosen their actors with the help
of chief Afukaká, and the community was actively discussing which version of the myth to
perform. The young men had gained prestige, their fame increasing as they received awards,
travelled to Brazilian cities and even abroad. A new path to fame had been opened up along-
side the traditional paths of wrestler, chief or singer, combining with other new paths such
as becoming a teacher, healthcare agent or association leader. This led to invitations to at-
tend film festivals and to run workshops in other villages – invitations accompanied by ac-
cusations of stealing culture and becoming individually wealthy from the sale of collective
images. The dynamics of envy-jealousy (kinhulu) and gossip (augene), so traditional in the
Xingu, were quickly activated to limit their fame, since becoming known, ‘spoken of’ (tikag-
inhü), always implies both light and dark sides.
Whatever the case, the Kuikuro appropriated video and some of the young workshop
students acquired the status of ‘filmmakers.’ But by appropriating the camera and the Final
Cut software, weren’t they too being appropriated? Cannibalizing a language to regurgitate
something new or being domesticated by our language? The three classic themes of our
universe of value – the new, authentic and authorial – continue to haunt the readings made
of this type of cinematographic production. But are they the best tools for interpreting the
work? Are these the questions that they, the Kuikuro, ask themselves? Do they really want to
make a kind of indigenous cinema or do they prefer to appropriate the best possible from an
other-language, just as they appropriated songs and rites from other peoples in the past?
Finally wouldn’t an authentic indigenous cinema necessarily be inauthentic to our eyes?
349
The dilemmas of tradition and innovation ineluctably leave us without a single or de-
finitive reply. We ourselves are no longer ‘becoming white,’ because we believe we have be-
come sufficiently so already. This conditions seems to have been finally achieved: today we
no longer need to make European cinema, Hollywood cinema, Brazilian cinema or any other
new cinema. Would it not be more generous, then, to wish for the Indians to become Indians
in their own way, even if that means … ‘becoming white’ one more time?
Powerful images of the villages
ALFREDO MANEVY
Doctorate from the University of São Paulo, professor at the Federal University of Santa Catarina,
former executive secretary of the Ministry of Culture under the Lula government (2008-2010).
Over its 25-year history, the Vídeo nas Aldeias project has produced completely new images,
sounds and signs of indigenous populations. The Brazilian audiovisual landscape has un-
doubtedly been profoundly transformed by the emergence of many groups of filmmakers from
the communities taking part in the project. Among non-indigenous Brazilians a new and
powerful image has been disseminated of peoples traditionally represented through stere-
otyped imagery – sometimes romantic, but always generic and superficial, unable even to
hint at the enormous differentiation characteristics of Amerindian peoples in the country.
Or sometimes indifferent and entirely negative images that associate indigenous communi-
ties with an ‘absence of development’ or exoticism. As well as ensuring that the community
filmmakers take the leading role in the process, the form in which Vídeo nas Aldeias pursues
its work has enabled these stigmas (representational traces) to be displaced, making way for
the scripts, stories, dialogues, testimonies and images that emerge with such strength to-
day, affirming the symbolic field of the communities, frequently involving the numerous real
conflicts in which they are embroiled. It has also revealed and launched a new generation of
documentarists and filmmakers from many indigenous groups.
In practice, the end of state guardianship of indigenous peoples – guaranteed by the
1988 Brazilian Constitution – has been an inconclusive process: slow and fragile from the
viewpoint of any effective institutions and substantial policies. From the symbolic view-
point, in the audiovisual field, this process had not even begun. Until recently – and this
view still widely applies today – indigenous issues were limited to serious health problems
and land demarcations, the latter still an on-going and critical issue. Educational questions
received some attention, but culture in particular was excluded from the government agen-
da. Until 2003 the Ministry of Culture had zero dialogue with indigenous communities and
provided no funding for projects. This was one of the major changes in the cultural policy
introduced by the Lula government. Whether in terms of preserving and valuing culture,
supporting artistic needs, or promoting the diverse ways in which indigenous groups link the
traditional and the modern, the projects received unparalleled support.
Brazil’s ‘Indians’ are now achieving wider recognition as a vast plurality of social and
symbolic systems that in turn reveals the rich and singular occupation of this immense por-
tion of South America. The development of the project, the maturing of the methodology
used and the dialogues established in the different communities has produced another form
of representation, bringing questions of language sharply into the foreground. Emerging
finally are the viewpoints of peoples who see their lives hanging by a thread and their ter-
ritorial boundaries continually reduced or threatened and violated. The difference is that the
films originating from the project reveal ‘another time’ and ‘another place,’ the inner land-
scape of these peoples expressing their enormous sensibility, solidarity, technological
knowledge and finely-honed aesthetic production. Vídeo nas Aldeias’s work also reveals the
narratives told by peoples who – tragically – are not perceived to be part of the country’s
essential wealth, the passport to a socially and environmentally different future.
Memory of a journey
H E N R I A R R A E S G E R VA I S E A U
Essayist, filmmaker and professor
When I first met Vincent Carelli, he had just finished work on the documentary The Girl’s
Celebration (1987). Vídeo nas Aldeias was still in its infancy, a project run then from the
Indigenist Work Centre.
As a young social scientist trained in the smouldering climate of post-May ‘68 in France,
the son of left-wing activists, passionate for cinema and imbued with Jean Rouch’s ideas of
shared anthropology, inspired like many people of my generation by the search to express
the worldviews of those then called history’s vanquished, I was immediately enthused by
the project’s proposal.
The pioneering experience of The Girl’s Celebration revealed the innovative potential of
video technology, such as being able to immediately show the Indians what had been filmed,
causing the disconcertment of the Nambiquara as they watched the visual reproduction of the
initiation rite they had just finished performing. By rediscovering themselves as others, differ-
ent to what they imagined, seeing themselves in the unexpected mirror provided by the docu-
mentary film, they resumed performance of the rite, reintegrating into the ritual sequence the
traditional noise and lip piercing ceremony abandoned more than twenty years previously.
At the time I was starting my career as a documentarist and was eager to find new ways
of editing capable of allowing the viewpoints of the documented subjects to be expressed in
vibrant form. I remember the first intense dialogues with Vincent concerning, among other
things, the different ways of using text in off-screen narration, as well as the place to be
assigned to the verbal expressions of the groups.
When I watched The Spirit of TV in 1990, I immediately had the feeling that Vincent had
begun a prolific journey in documentary making, paving the way for an anthropology of au-
dio-visual communication, by centring the video’s narrative on the sequence of reflections,
fantasies and verbal declarations of the Waiãpi Indians as they watched their own image on
a TV set installed in the village by the team and, in particular, saw the images recorded by
outsiders, non-Indians, of other indigenous groups.
The virulent statements made by various Waiãpi Indians in response to these images was
particularly striking at that moment in Brazil’s history, an ambiguous period that mixed de-
spondency over the country’s future as Sarney’s presidency came to an end and Collor’s gov-
ernment began with the hopes for change generated by the intense social mobilization sur-
rounding the drafting of the 1988 Constitution. Interspersed between the dialogues in the
film were elliptical scenes of everyday life in the village, as well as various ritual moments.
Another film that had a strong impact one me a few years later was the documentary
Meeting Ancestors (1993), co-directed by the anthropologist Dominique Gallois, whose
valuable collaboration had to a certain extent enabled the previous project. She had worked
with the Waiãpi group for years and a close relationship based on mutual trust had developed
between her and the people. In the new video, Dominique and Vincent not only promoted a
concrete between indigenous groups, they also wove together an inspiring narrative in
which the images and dialogues of the Waiãpi visiting the Zo’é subtly alternated with im-
ages of the Waiãpi leader on the return to his village, describing the visit to those who had
stayed behind. This inspired method of editing the material ensures we feel the full impact
of the encounter between the two groups arranged by the filmmakers, a mutual discovery in
which they share accounts of tragic experiences of contact with the world of the whites.
Since then, the documentary by Vincent that has most deeply involved me was Corum-
biara, released in 2009. Shots from the film The Girl’s Celebration open the film and provide
the trigger for Vincent’s recollection, given in an off-screen narration, of his quest since
1986 for the survivors of a massacre of isolated Indians by farmers coming from São Paulo
state who had invaded their land in the Corumbiara Region of Rondônia, and the attempt to
bring those responsible for the slaughter to justice, something that never happened. A sober
voice that episodically recounts decisive moments of this quest and stitches together the
footage of situations occurring over the course of these 25 years. The communication of this
experience describes the limits of the legal advances made in redressing the social tragedies
repeatedly occurring in regions where farming is expanding in Brazil, and simultaneously
indicates the primordial importance of the ethical event representing the rupture of indiffer-
ence, the concern for the other.1 A concern that obviously must become tangible through
concrete gestures, even if we can have no certainty as to their effectiveness.
This is what the film shows us, especially in its final part as we follow the search by Vin-
cent (and his companion on this journey, the indigenist Marcelo Santos) to contact an iso-
lated Indian, a survivor of a new massacre in the region. In this we witness a scene in which
the latter, fearful of contact and disturbed by the presence of the camera, fires an arrow at
Vincent. Through his narrator’s voice, though, we learn that it was the camera’s mechanical
gaze that subsequently enabled official recognition of the isolated Indian and helped ensure
his protection: During the six hours that we surrounded the Indian, he tried to shoot me be-
cause of the camera; however, it was this image that proved his existence to the courts. This
footage led to interdiction of the area, protecting him for at least a time.
I have a very strong memory of Virginia Valadão, a central figure in both the investigative
process documented by Corumbiara, and the foundation and development of Vídeo nas Al-
deias itself until her premature death in 1998. Among other works, she directed Yãkwa, The
Banquet of the Spirits (1995), a precious condensation of one of the most important rituals
of the Enawenê Nawê people.
In addition to my enthusiastic sympathy for the project and my positive critical appreciation
of so much of its work, my involvement at the end of the 1990s moved beyond informal divulga-
tion of the films. Based on my experience in documentary filmmaking and in educational TV
programs, I worked with Vincent and Tutu Nunes on the themes and scripts for the series Indians
in Brazil (2000), produced by the Ministry of Education’s TV Escola. I was a founding partner of
the Vídeo nas Aldeias Association when the project became an independent institution, separate
from the Indigenist Work Centre. More recently I was elected the association’s president.
1. For Lévinas, the concern with the other, the responsibility for the other (even the possibility of
dying for the other), this rupturing of indifference, which can be statistically dominant, is the
ethical event. See Lévinas, Emmanuel: Entre nós. Ensaios sobre a alteridade. Petrópolis: Editora
Vozes, p.18.
34:
 At the end of the 1990s the first workshops training indigenous filmmakers were begun.
The pioneering workshop took place in the Xingu in 1997. This was when Divino Tserewahú
planned the filming for Wapté Mnhõnõ, The Initiation of the Xavante Warrior (1999), a semi-
nal work by one of the first indigenous filmmakers trained by the project. Here it is worth
recalling the crucial participation of Mari Corrêa in the gradual systemization of the work-
Now we’ll go see our images together. In the past, we Indians didn’t know about this...In the
white man’s language, it’s called television. And in our language? I don’t know. (From Arca dos
Zo’e, 1993)
It’s Indian with Indian. We’ve just become friends. But from here on, the tape they’re making,

shop format during the 2000s. Along with Vincent, she adapted pedagogical methods devel- they’re going to take it for them to watch, and they’ll send a copy for us to watch. A road has
been opened between us. (From Eu já fui seu Irmão, 1993)
oped by Ateliers Varan to the world of the villages. The training program also benefitted from
the collaboration of professionals like Leonardo Sette, Ernesto Ignacio de Carvalho, Sergio
A Arca dos Zo’e and Eu Já Fui Seu Irmão are two remarkable videos that invite us to rethink
Bloch and Tiago Campos Torre as course instructors.
the possibilities of “small media” in the late 20th century as technologies that facilitate kin-
The most important contribution made by the Video nas Aldeias Association during this
ship, cultural self-consciousness, and political awareness, inverting what people presume
first decade of the new millennium has undoubtedly been the training of an entire genera-
the usual causal relationship is between media and alienation.. Directed and photographed
tion of indigenous filmmakers. Over this time the latter have produced works that in diverse
by Vincent Carelli, both tapes are part of the Video nas Aldeias (Video in the Villages) project
ways express the wealth of the symbolic universes of the communities to which they be-
he has been directing in association with the Centro de Trabalho Indigenista (CTI), an advo-
long. Works that present inspirational views of daily life in the villages, seen from unique
cacy group working since 1979 with and for Brazil’s indigenous people, located in São Paulo.
perspectives, or weave narratives that subtly reveal the contradictions within the groups
Of the 13 or more video works produced by the project to date, they are among the most in-
that frequently emerge after conflict-ridden encounters with groups and social forces out-
teresting because they dramatize so clearly how new cultural, social, and political relations
side the villages.
are being constituted among indigenous people of the Amazon and beyond, and how tech-
Here, among many other works, I am thinking of The Rainy Season (2000) by Valdete and
nologies such as video are a productive part of that process. By any cultural standard, the
Isaac Piãko, Shomõtsi (2001) by Valdete Piãko, Imbé Gikegu, The Scent of Pequi (2006) by
pieces are beautifully shot and edited and communicate a rich sense of long-term trust and
Takumã and Maricá Kuikuro, Pi’õnhitsi, Unnamed Xavante Women (2009) by Divino Tsere-
collaboration between Carelli and the subjects of the tapes (Waiapi, Zoe, Kraho, and Gavião/
wahú, Kene Yuxi, The Turns of the Kene (2010) by Zezinho Yube, The Bicycles of Nhanderú
Parakateje peoples) who – as we see in the tapes – are also making their own video docu-
(2011) by Patricia Ferreira and Ariel Duarte Ortega, and The Hyper-Women (2011), where
mentation of the same events for themselves.
Takumã Kuikuro co-directed with Carlos Fausto and Leonardo Sette.
In its current popular usage, the word media evokes large multinational conglomerates,
One of the main challenges of our association over the next few years, aside from
the commodification of daily life in late capitalist culture, and the increasing globalization
continuing to ensure all the ethnic groups free access to their own images, is the digital
of images and information, so that cultures and people appear ever more deracinated and
storage of the precious audio-visual archive compiled by Video nas Aldeias in conjunction
disconnected. Yet, in its original English language meaning, media is defined as an interven-
with all the indigenous groups with which it has worked over the last twenty-five years. I
ing substance through which a force acts or an effect is produced; it is something that medi-
consider the preservation of this archive an essential step in the dynamic process of
ates, acting between parties to effect an understanding, compromise, or reconciliation.
transmitting the memory of these peoples, always capable of being reactivated in the
These notions of media and mediation are what A Arca dos Zo’e and Eu já fui seu Irmão – in-
future by new generations.
deed all the video works of the Video in the Villages project – represent. They fall somewhere
In terms of the present, I have no doubt that the film production of indigenous Brazilian
between “indigenous media” made by and for aboriginal communities, and ethnographic film
filmmakers since the start of the 2000s, increasing in strength over the course of the decade,
which has traditionally been framed by categories of anthropological interest. Instead, these
has made a decisive contribution to providing new ways of visualizing the sociocultural dy-
videos chronicle for outsiders (as well as insiders) the social processes generated by the
namic of contemporary Brazilian society.
catalytic effect the presence of video has had, within a context of political and cultural ad-
vocacy2. As Pat Aufderheide explains in her article on the work of Vincent Carelli and CTI,

Video Kinship: A Review of Meeting Ancestors
and We gather as a family
F AY E G I N S B U R G
Director, Center for Media, Culture, and History Department of Anthropology, New York
University, New York, N.Y. 10003 for Cadernos de Antropologia e Imagem
I never imagined that there could exist, even today, a village celebrating as my ancestors did.
(Translated comments of Kokrenum, Gavião Chief, on viewing tapes of a Kraho ceremony in
1991. Quoted in Carelli 1995: 5)
Video in the Villages responds to the expressed needs of Indian groups, within the context
of the organization’s focus on Indian rights. It is not a film production unit; in fact the bulk
of the work is in facilitating Indian’s video use. Indians produce videos that they conceive
jointly with the organization, and they dictate the thematic and compositional choices. VIV
also circulates tapes, arranges exchanges between different groups and organizes meetings
between groups that have “met” already by video. It helps build archives and videotheques,
and replaces moldy or damaged tapes. Its choices for video work are driven by ways in which
video can foment the larger project of cultural integrity and reconstruction..
...These videos have an activist, political rationale, and a didactic documentary format.
They are intended to explain to as-large-as-possible, often non-Indian audiences why video
is a useful tool for Indian cultural survival. (1995: 84)

351
 As Carelli has made clear in his work, Video in the Villages has developed two different
dimensions of using video. He (and others such as American anthropologist Terry Turner with
whom Carelli has worked on The Kayapo Video Project) have been providing video equipment
and training for members of indigenous communities interested in using video for their own
purposes (Turner 1992; Feitosa 1991, 1993) Additionally, Carelli makes tapes about the proc-
ess of introducing video and its effects, both for these communities but also for outsiders who
help fund the projects that have been so crucial to helping sustain the possibility of advo-
cacy – internal and external – for Brazil’s indigenous people who have suffered a long his-
tory of colonialism. The tapes that Carelli makes (as opposed to those made by and for indig-
enous people themselves) are not only of great interest for native people concerned with
recording and reviving their ritual life and exchanging tapes with other groups; they also are
often more successful than written documents in garnering support from NGO’s and other
sources of support of indigenous people. This is increasingly important as these groups face
new threats to their lives and territories. Most recently, as is evident in the discussions we
hear in the tapes, they have felt the impact of incursion of gold miners and their pollution of
water supplies, and of ranchers and loggers who have been destroying their forest lands.
This kind of process, of course, is not simply a product of working with video but is part
of a broader process that is occurring with indigenous people throughout the Americas and
even across the globe, what some have called “ethnogenesis” (Whitten 1996). In a recent
essay introducing an edited collection on ethnogenesis in the Americas, John Hill describes
this process as:
not merely a label for the historical emergence of culturally distinct peoples but a concept
encompassing peoples’ simultaneously cultural and political struggles to create enduring
identities in general contexts of radical change and discontinuity...a creative adaptation
to a general history of violent changes – including demographic collapse, forced reloca-
tions, and genocide – imposed during the historical expansion of colonial and nation states
in the Americas.(Hill 1996: 1)
Or, put in terms of other theoretical debates, one might look at these projects as demon-
strative of ways in which they “indigenize modernity” (Sahlins 1993).
The works of Video in the Villages (VIV) are almost unique as documents about what hap-
pens when video is put into the hands of indigenous communities and how it is embraced as
a technology of mediation. It is part of a particular moment when Amazonian people are
becoming newly self-conscious of themselves, of the fragility of their cultural practices un-
der pressure of contact and of the importance of making connections with other indigenous
groups and establishing ongoing contact with them as a way to strengthen their position
locally and in relation to the incursions of outsiders and government agents.
Rather than following ethnographic tropes, as if the tapes were providing transparent
visual descriptions “about the Waiapi” or “the Zo’e” or “the Kra’ho” as static and frozen
cultures, these works both represent and are a crucial part of a social process, catalyzed
and supported in part by sympathetic white activists from the CTI and elsewhere, along
with the interest of a number of dynamic indigenous Amazonian leaders and their com-
munities who have recognized the power that small media like video can offer to them on
a number of levels. Permanently breaking older paradigms of representation, the VIV tapes
(along with those made with and by other indigenous groups all over the globe) are part
of a project of cultural activism, in struggles that range from land rights to the protection
of cultural property.
Carelli began VIV as an experimental project with the Nambiquara in 1987, which
dramatically demonstrated its productive potential; as with other groups, one of the first
and primary interests they had in video is to use it to reflect on their own cultural prac-
tices (and their potential loss) and to record them as a way to both revive and preserve
these cultural practices for future generations, much as early ethnographic filmmakers
recorded aspects of ritual and material culture as a project of salvage ethnography. In the
case of the Nambiquara, seeing images of themselves performing a girl’s puberty ritual
(Festa da Moça, 1987, 18 min,) triggered a revival of a nose-piercing ritual for male ini-
tiation (and other traditional practices) that had been waning almost since contact
(Carelli 1988, Auderhiede 1995: 85). A later tape, O Espírito da TV (1990, 18 min.), re-
sulted from collaboration with Waiapi – and especially chief Wai Wai – living in the state
of Amapa who have been very active in fighting both state and commercial threats to their
land and autonomy. Anthropologist Dominique Gallois, (who worked on this project) and
Carelli found that these people – who had had negative experiences with outside filmmak-
ers – wanted very much to control their own image making, and to document the process
of coming into contact with other communities. The tape shows their reactions and re-
flections to seeing images of themselves and others through the medium of video for the
first time, and demonstrates how video was quickly assimilated to a project of inter-
tribal diplomacy.
Such efforts to link different Indian groups through video and the social relations being
produced by this process are the central subject, in different ways of A Arca dos Zo’e and Eu
Já Fui Seu Irmão. In the case of the latter tape, Carelli explains:
One of the most significant results of this project occurred when a group, having discov-
ered through video that it had many things in common with another, actually made contact
in real life. This was the case of the Parakateje (Gavião) the Kraho and the Canela, three
groups that come from the same branch of the Timbira culture, speak the same language,
and have the same cultural base. However, their differences were also enormous, resulting
from their different historical experiences of contact.
The Gavião, who live in the south of Para, were contacted less than 30years ago, but have
lost all of their elders and with them, a large part of the tribal memory. Their younger people
no longer speak their mother tongue. The Kraho and the Canela who live in the states of To-
cantins and Maranha, were contacted more than 300 years ago but continue to be more
isolated. Unlike the Gavião, they are extremely poor and practice an intense ceremonial life. In
this respect, the Kraho [...] represent for the Gavio what they have lost. (Carelli 1995: 5)
The tape actually has its roots in 1991, when VIV recorded a Kraho ceremony at Tocantins
and sent the tape to the Parakateje (Gavião) of Pará. The Gavião chief, Kokrenum, was im-
pressed by what he saw, and in September 1992, with the assistance of the VIV project
(partially supported by the Rockefeller Foundation), he brought 50 young men by truck to
Tocantins to participate in a Kraho initiation ceremony at the invitation of their chief Diniz
Tebiet. The video record of the event – which includes chanting and dancing, body painting,
and preparations for the arduous relay race in which huge logs are passed from youthful
shoulder to shoulder as they run across the savanna – was screened nightly in the Gavião
village after they returned. The intensity of the experience helped galvanize a return visit
the following year, when a contingent of Kraho came to visit the Gavião during a corn harvest
festival which also includes the log relay race. This exchange, and its obvious impact on both
groups, is the substance of Eu já fui seu Irmão. As Chief Kokrenum explains:
352
 Those young ones are always wanting to do what the whites do...
So I think we ought to take the youngsters to see the Kraho’s dances, how they do their
festivals. Because they’re keeping their ways. So that’s why they took all the teenagers, so
they could see the Kraho’s activities for themselves. To see if the kids will believe what I say,
to come thinking like that again, right?
...I thought they didn’t speak Portuguese, but they speak really well, better than we do
here..They speak more correctly. But they’re always (also) using their language..Even the
little ones speak in their language.
This sense of cultural and historical difference between the groups is reflected in the
visual images of the tape, showing the propensity for western clothes among the Gavião, for
example. It is also encoded in a charming and illuminating conversation between the two
chiefs as they comment on each others customs (in what occasionally seems like an unwit-
ting gentle parody of the narrative style of ethnographic film). In addition to their com-
mentary, there are many other dimensions of reflexivity throughout the piece. Indeed, the
tape is reflexively structured around such meta-level observations and exchanges, as it el-
egantly cuts from scenes of the ceremonies themselves with both hosts and guests, to scenes
of Gavião (and later Kraho) watching the videos of the visits to the other villages on their
home turf (via generators set up in structures in the middle of the villages) and commenting
on them. In yet another reflexive move, we watch their own videotaping of the events,
subtly clarifying how the tape we are seeing is being produced about the event for cultural
outsiders (as well as as insiders).
Potential audiences, broadly speaking, are also conceived across time. In the final
scene of the tape shot in the Gavião village, the chiefs announce to the camera and those
assembled:
We’re doing this for our young ones, not for us. That’s why I want to know everyone’s
name. So we can visit each other, do things together. That’s right, we’re going to do that.
And then slowly and systematically, in a moving and dramatic enactment of that desire
to create kinship across the divisions of history and space, one child after the next is brought
forward and their name enunciated and repeated for the sake of the other group:, “This is
Hok Hi, Hok Hi.” And so on.
Kokrenum continues:
When these kids grow up, they’ll think, “Back then nobody knew anybody. We only heard
Kraho’s name and we only heard Paraketeje’s (Gavião’s) name. But we never met, we never
talked. But those two old men were smart and opened the way. You arrived in my village and
there wasn’t time to get to know everybody and we had this gathering so we could meet. At
my next festival, I’m going to present the rest because not everybody came. I also want you
to meet those who stayed behind. If your people go home and leave a seed to make people
stronger, I think it’s good. I want to see my people grow. At the next feast, I’m going to get
everybody together so we’ll be one big family.
As Carelli points out, this tape is not only about the emerging social relations between
these groups, but is also a profile of Kokrenum, whose charisma, foresight, and political
strategies have been essential to the Waiapi’s survival (CTI 1994).
In A Arca dos Zo’e, which was also motivated by the emerging relations among different
indigenous groups enhanced by video exchange, the Waiapi, who have a long history with
whites, began to communicate with the Zo’e who were only contacted around 1989 in the
353
north of Para. (Both are part of the Tupi culture but speak divergent dialects, which began
to be mutually intelligible after speakers spent a few days together). For these groups, their
desires to meet each other encapsulated the histories of contact, loss, and nostalgia. Ac-
cording to Vincent Carelli:
One of the Waiapi expectations for this meeting was to re-encounter the way of life,
techniques, and decorations of their ancestors, which they wanted to film and rescue for
their own young people. On the other hand, the impetus for the meeting resulted from the
Zo’e living through one of the most delicate moments in their history – confronting the risk
of contagion, the fascination they felt toward white people, and so on. The Waiapi, who had
already lived through all of this, wanted to bring along and comment on videos that show
the white world that the more isolated group was just now encountering.
For the Zo’e, the most important result was to begin an unprecedented self-reflection
process, and to discover that the world outside is more differentiated than they imagined.
Besides whites, there exist other Indians, “others like us.” (1995: 6)
As part of the ongoing work of Video in the Villages, Carelli and anthropologist Domin-
ique Gallois, who has worked with the Waiapi for many years, helped arrange and document
the first actual meeting of Wai Wai and several other Waiapi who flew in to meet with Zo’ e
people who they had first encountered on video. That meeting (and the perceptions of
each group about each other as they reflect on it) forms the narrative structure of A Arca
dos Zo’e, with Chief Wai Wai being the key interlocutor of the story and the apparent cata-
lyst for the event.
The tape’s opening images of the Kasarapina, a Waiapi cameraman shooting scenes of
Zo’e daily life are accompanied by Chief Wai Wai’s (subtitled translated) comments:
We knew these people from television images. And that’s when I decided to visit their vil-
lage...They’re different because they go naked...but the color of their skin is the same as ours.
There’s no problem. That’s really how they are. Around the men I felt no shame but around the
women, yes, because it’s different here. Because that’s their custom and I got used to it.
The visual imagery is appropriately edenic to the commentary; Zo’e women, naked except
for the monkeys perched on their shoulders, long lip plugs, and elaborate headresses of
feathers that resemble 18th century bonnets, and long tubular lip plugs, seem utterly unself-
conscious and deeply curious about the clothing and tools of their Waiapi guests.
The tape then shifts scene to Wai Wai back at home, telling his own people about the trip
as they watch the video of his journey. The commentary by Wai Wai repeatedly underscores
their sense of these people as “like their ancestors”. As we watch a woman pull a spider
monkey out of a pot and prepare to eat, he remarks:
They don’t use dishes, only gourds, like our ancestors. We’re the ones who changed after
meeting whites. They’re identical to those from the time of the creator.
In an uncanny resemblance to early encounters with anthropologists, the tape chron-
icles the material culture of the Zo’e, from the making of arrows, to technologies of food
preparation, to the use of Brazil nut trees and bark, to magic for hunting tapirs, to the
division of meat to the community, to ritual initiation of young men who must hold their
hands inside a pot filled with biting ants. In a similar reprise of primal encounters, Zo’e
women check out the cloth used by Waiapi men for loincloths and ask them to be sure to
bring some back.
 Much as Wai Wai is moved by their knowledge of ancestral ways, he is also worried about
the innocence of the Zoe, and tries to warn them about the danger of goldminers, the ways
they can destroy the forest and pollute the rivers. As if to underscore the potential gravity
of contact with whites, his parting comment as he boards the airplane to return home is:
See you later. If I die from a white man’s disease, I won’t return. If I die, we won’t see
each other again.
Conclusion
These tapes are significant on a number of levels. First, they are delightful to watch, not only
because of Carelli’s technical facility with video, but also because of his long knowledge of and
intimacy with the different groups and the conditions they face. The level of trust and rapport in
the tapes is palpable in multiple ways, from the gentle humor of many of the interactions, to the
ease with which quotidian scenes were shot, to the philosophical reflections on their conditions
that the circumstances of encounter provoked for each group. As such, we get a remarkably inti-
mate sense of daily life as well as the thoughts of indigenous intellectuals and leaders trying to
lead their people into a future with some sense of the integrity of their culture, language and
political autonomy. These are representations of “the native’s point of view” rarely achieved in
ethnographic film.
At another level, these tapes are extraordinarily valuable historical documents regarding the
taking up of new technologies – video in this case – by people for whom they are novel, and seeing
how they use it to mediate their relations with the fellow Indians. Considering the amount of ink
spilled by western intellectuals over the presumed deleterious effects of cameras on indigenous
people (cf. Weiner et al, 1996), it is far more useful to recommend to such doomsayers that they
watch these tapes than to argue with them in the abstract. In both of these productions, the natives
can tell and show you quite directly why these tools are profoundly useful to them, and how they
have been used in the service of strengthening cultural traditions and in political organizing.
Finally, A Arca dos Zo’e and Eu já fui seu Irmão are indicative of a key historical moment in a
process of ethnogenesis discussed earlier, and the formation of a pan-indigenous national con-
sciousness that is crucial to the future of these groups3, as was clear in the inspiration for cultural
revival demonstrated by the Gavião and the Waiapi, and their concern to protect the newly con-
tacted Zo’e from the tragedies they have encountered from contact with the dominant culture.
Such works provide a healthy counterpoint to the stereotypical images in the press, cinema, and
popular writing about Amazonian people, in their clear portrayal of Amazonian people as self-
conscious and active historical agents, able to use a range of technologies to address not only
many different audiences but their own cultural concerns and political futures.
Acknowledgments”
Thanks to Patricia Monte Mor for her encouragement to write this review, and her patience about
receiving it. Thanks also to the following people for their helpful conversations: Patricia Aufder-
heide, Dominique Gallois, Terry Turner, and Virginia Valadão. Finally, I am grateful to Vincent
Carelli for his insights into this work, and the many conversations I have had with him over the
years regarding the broader project he is engaged in, at different film festivals and while he was
in residence at the Center for Media, Culture and History at New York University in 1995.
References Cited
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1995 The Video in the Villages Project: Videomaking with and by Brazilian Indians. In Visual
Anthropology Review, Fall 1995, 11 (2) : 83 - 93
Carelli, Vincent
1995 Video in the Villages: Bringing the Indians Together with their Own Image. Transated and
introduced by Patricia Aufderheide. Unpublished interview. Archive of the Center for Media,
Culture, and History, New York University.
Centro de Trabalho Indigenista
1994 Video in the Viallages Distribution Catalogue
Feitosa, Monica
1991 The Other’s Vision: From the Ivory Tower to the Barricade. Visual Anthropology Review.
Volume 7 (2), Fall 1991: 48 - 49
1993 Taking Aim, 41 min., color. A video by Monica Frota. Rua Visconde de Ouro Preto 611/201,
Rio de Janeiro, Brazil
Gallois, Dominique and Vincent Carelli
1995 Video in the Villages: The Waiapi Experience. In Advocacy and Indigenous Film-making.
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Hill, Jonathon
1996 Introduction: Ethnogenesis in the Americas, 1492 - 1992. In History, Power, and Identity:
Ethnogenesis in the Americas, 1492 - 1992, ed. Jonathan Hill, University of Iowa Press.
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1993 Goodbye to Tristes Tropiques: Ethnography in the Context of Modern World History. In
Journal of Modern History 65 (1): 1 - 25
Turner, Terry
1992 Defiant Images. In Anthropology Today 8 (6): 5 - 16
Weiner, James
1996 Televisualist Anthropology. Cultural Anthropology, Spring 1996
Whitten, Norman
1996 “Ethnogenesis.” In Encyclopedia of Cultural Anthropology, ed. D. Levinson and M. Ember.
New York: Henry Holt
Endnotes
1. For an excellent overview of the whole project and its relation to the advocacy work of CTI, I
recommend Patricia Aufderheide’s article, The Video in the Villages Project: Videomaking with and
by Brazilian Indians, In Visual Anthropology Review, Fall 1995, 11 (2) : 83 - 93
2. As Vincent Carelli explains the distinction between the different uses of video: “We make it clear
that the video made by the Indians is almost exclusively for internal consumption in the villages,
and as such is distinct from the “Video in the Villages” series about the project... But the Indians
are taking their first steps, and their work, like any home video, cannot be judged according to
aesthetic standards. It doesn’t matter whether the image shakes and the takes are very long. What
is important is the social and cultural dynamic associated with this image.” (1995: 10)
3. Vincent Carelli explains: “Of particular significance was the growth of a pan-indigenous na-
tional consciousness rooted in the similar historical processes experienced by each group since
contact and in their common problems.” (1995: 3)
354
“You see the world of the other and
you look at your own”: the evolution
of the Video in the Villages Project
PAT A U F D E R H E I D E
Journal of Film and Video, Volume 60, Number 2, Summer 2008, pp. 26-34
Published by University of Illinois Press DOI: 10.1353/jfv.0.0001
What purpose does ethnographic film serve?1 Whom is it for? Is it for scientists, television
audiences, its subjects? Can there be overlaps or common goals? This is the prickly question
underlying much ethnographic film production. It is routinely addressed in practice more
than in theory, in part because of the economics of filmmaking. Anthropologists have not
found funding either to build filmmaking into fieldwork or to establish a rigorous set of
professional standards, although anthropologists such as Jay Ruby have sturdily maintained
that they should. At the same time, documentary practice has evolved, divorced from theo-
retical concerns about scientific accuracy, although documentarians have often capitalized
on claims to science (Winston).
Ethnographic film and visual anthropology have areas of overlap but also occupy dif-
ferent domains. Visual anthropologists, concerned with the politics of representation as
well as the challenge of communicating the lived experience of distinct cultures, have
struggled from the first generation of anthropology to define an arena within anthropo-
logical practice. They have asked questions about the ethics and implications of formal
choices in photography, film, and video. They have grappled with the nature of social
scientific claims made for their observations and their moral obligations to their subjects.
Some of those people have also been filmmakers. Meanwhile, many filmmakers with no
formal training whatsoever claim the mantle of the term “ethnographic film,” so long as
there is a cross-cultural aspect to the subject matter. Some of those people are thought-
ful and reflective about their formal choices, relationships with subjects, and role in
public. Many of them work without much reflection on the nature of the relationships they
will establish between filmmaker and subject and filmmaker and audience. Even when
traditional subjects turn into makers, as in the University of Washington’s Native Voices
program, it is not necessarily integrated with anthropology; Native Voices is a communi-
cations department project.
Most filmmakers producing outside a purely academic environment are typically chained
to production modes that respond to television markets; this ensures that they will adopt
formal strategies that stay within the acceptable range for broadcast. Much work produced
for the educational marketplace observes the same conventions. Teachers regularly use work
that was designed considering the imperatives of commercial or quasi-commercial television
markets. Inevitably, both anthropologists (including those trained in visual anthropology
and those not) and professional filmmakers have used the term “ethnographic film” to de-
scribe their work. The line between the work of social scientists and the work of profes-
sional filmmakers is blurry in the eyes of the viewing public. An example is the film The Story
of the Weeping Camel (2003). Set in Mongolia, the film was crafted from a fictional script
devised by Mongolian and Italian co-producers, starring non-actors who were nonetheless
cast in their roles and representing the nomadic community as far more isolated than the salt
trade it participates in permits it to be, but it was widely reported as an authentic rendering
of Mongolian daily life.
355
Any documentary form grapples with the core problem of truthfulness – not only wheth-
er any particular fact is correct, not only whether a portrayal is a fair one and set properly in
context, but also to whom and why it is relevant. Ethnographic film raises this question
acutely because the term itself implies otherness – that ethnographic film is a look from
outside a culture, giving the audience a glimpse inside it. This claim to provide a privileged
gaze heightens the usual ethical questions of documentary. Making the ethical and episte-
mological questions even more pointed is the common situation in which the subjects of an
ethnographic film are members of cultural groups with less power in society and media than
the filmmaker.
The question of the function of ethnographic film – to whom it tells its truths, within
what context, for what purpose – is boldly showcased when film projects directly engage the
subjects of a film as coproducers and co-filmmakers. This was vividly raised in a familiar
story that anthropologist-filmmaker Sol Worth often told about Sam Yazzie. Worth, along
with John Adair, conducted the Navajo Film Project in the 1970s. The project strove to teach
the Navajo people techniques of filmmaking without imposing aesthetic or ideological fil-
ters. Elder Sam Yazzie, when the project was described, asked, “Will making movies do the
sheep any harm?” When the filmmakers assured him, Yazzie asked, “Will making movies do
the sheep good?” Well, no, they replied. “Then why make movies?” Worth wrote, “Sam
Yazzie’s question keeps haunting us” (Worth and Adair, qtd. in Ruby v).
This question has not haunted the Brazilian project Video in the Villages,2 because it was
fore-grounded from the start. The answer, however, has shifted over time with political,
social, and personal changes. The project was started in 1987 and has over the years facili-
tated the production of dozens of films by and with low-lands Brazilian indigenous groups.
Directors of the organization, non-indigenous Brazilians, have also made films explaining
the project, for funders and for general audiences. The project, which survives on interna-
tional private foundation support and on sales of its products, has undergone an illustrative
evolution in its self-definition.
Activists Speaking For...
The Video in the Villages project was born out of the involvement of its founder, Vincent
Carelli, with Indian causes in 1969. This was the beginning of a period of intense politiciza-
tion of Indian rights issues in Brazil. After a two-stage right-wing coup, the military govern-
ment in the late 1960s created a new Indian agency, the Fundação Nacional do Índio, or
Funai (The National Indian Foundation), to protect the rights of Indians, who legally had the
status of children. Funai, always a highly politicized agency, functioned simultaneously as
official overseer of the acculturation of Indians into Brazilian society (typically toward the
status of landless peasant); as an enabler of government development in the Amazon,
charged with getting the Indians out of its path and creating protected reserves; and as
boundary police around the definition of who could be considered an Indian. Funai and the
generals wanted as few people as possible to fall under that definition and tried to use “ac-
culturation” (clothing, Portuguese language, interaction with Brazilians) as indicators of
exclusion.
Widely publicized “first contact” disasters with the opening of new roads in the Amazon
gave indigenous peoples national visibility, but indigenous cultural issues largely escaped
military censorship and repression. Some anthropologists and activists joined or worked with
Funai to protect indigenous groups; some worked independently. Groups known as “pro-Indi-
an commissions” sprang up after 1978 to defend Indian rights, after Funai announced a plan
to “emancipate” (i.e., disenfranchise) so-called acculturated Indians. Issues included the
right to identify as Indian, rights to land, and access to government services. Indian identity
– a new concept for many lowlands Amazonian groups, who often had minimal contact even
with other groups outside a language group, much less Brazilians – became a key political
tool, which pro-Indian groups facilitated (Stephan Schwartzman, Environmental Defense
Fund, personal communication, 19 March 2007).
The Video in the Villages project also took place at a time when internationally, indige-
nous, or Fourth World peoples were beginning to demand access to media and to recognize
the political importance of media in a struggle in which they searched for allies, both indig-
enous and not. The growth of indigenous production was marked worldwide – in Canada,
where ultimately the Inuit established an entire television network for a new autonomous
area (Ginsburg, Abu-Lughod, and Larkin 41–44; Roth); in Australia and New Zealand
(Michaels); in Scandinavia; and in the United States (Worth and Adair), among other places.
The meaning of this new media production was widely debated – was it a Faustian bargain or
a new tool for political and social engagement? (Ginsburg; Turner)
Vincent Carelli, a first-generation Brazilian, began working with Indians as a teenager in
1969. He moved into an Indian village at the age of twenty, romantically in love with the culture.
“I simply wanted to be Indian,” he later recalled, “but the Indians wanted a friend who could give
them the keys to understanding what went on around them, to help them defend themselves
from the diseases that afflicted the village” (author’s translation; Corrêa, Bloch, and Carelli 21).
After a brief and eye-opening stint with Funai, he joined advocacy organizations. A photogra-
pher, he began to collect historical photographs for an archive that Indians could consult, and
they did, often in search of relatives who died in the inevitable contagion of contact. He was
driven by the political goal of cultural survival for Indian groups (Aufderheide 274–88).
In 1987 Carelli started the Video in the Villages project, under the auspices of an activist
indigenous-rights group that it eventually outgrew. Carelli originally understood this work
to be putting his professional capacities as a photographer and videographer at the dis-
posal of Indian causes. “I would never have imagined at that time that we would train indig-
enous filmmakers,” he wrote (Corrêa et al. 23). The project’s goal was to “make accessible to
Indians the vision, the production and the manipulation of their own image, and at the same
time to see to it that these extremely isolated communities could get to know other groups,
fostering comparisons of their traditions and experiences of contact with national society”
(Centro de Trabalho Indigenista).
Activists Speaking With...
Although Carelli had set out to dedicate his skills to Indian causes, on his first film he dis-
covered that Indians demanded some control of the process. Even Indians who were alto-
gether unfamiliar with filmmaking recognized that representation had power and wanted to
assert their right to some of that power. A Festa da Moça (1987), which showed how the
Nambikwara Indians reintroduced more traditional elements to a ritual after watching their
own performance of it on video, ended up being a coproduction with a Nambikwara leader.
The leader wanted to be sure that his group was represented as fierce and competent to de-
fend its territory and culture. This was at a time when Indians were becoming accustomed to
bringing video into political negotiations with Brazilians, and they therefore associated the
storytelling with cultural defense.
Carelli and his now late wife, Virginia Valadão, an anthropologist, began documenting
Indian life with the help of Indians. Their first films, which were project fundraising tools as
well as tools for Indian self-awareness, featured such standard stylistic elements as stand-up
interviews and voice-over. Such interviews, of course, plainly position the filmmaker as the
one in charge, and voice-over establishes the omniscient narrator’s version of the story. The
Video in the Villages project quickly attracted Brazilian anthropologists, who often were
activists in defense of Indian culture and were anti-Funai Working with anthropologists
convinced Carelli to reflect on his formal strategies as vehicles of the power of representa-
tion. He adopted more direct-cinema approaches, reducing voice-over and capturing Indi-
ans’ debates about issues of identity after viewing films.
The work of Video in the Villages revealed, indisputably, that Indians were using video to
reflect productively on their own cultural production and reproduction. The films themselves
directly answered the concerns of well-intentioned funders and viewers, who feared that
access to video might pollute a pristine culture. Carelli and Valadão began documenting
encounters between culturally and linguistically related Indian groups, in a series. Meeting
Ancestors (1993) was a notable success not only with the Indian groups who made the film
– one of which was more familiar with Brazilian culture and could counsel the more newly
contacted – but also with international audiences.
At the same time, they worked with Indians to produce less filmic documentations of
ritual and videos made for exchange with others, and they developed libraries in some thirty
villages. They created this work on the terms the Indians chose. For example, the Waiãpi
believe that the video image brings the presence of the person, and so they exercise special
precautions when the subjects of video see themselves. They also have a strict principle of
reciprocity and show their videos only to people whom they have “met” by video. Among the
Xikrin and Xavante, chiefs must negotiate directly with each other over screenings (Centro
de Trabalho Indigenista).
The films made by the Video in the Villages staff began to circulate at national and inter-
national film festivals. As they did, Carelli saw the clash between audience expectations and
his primary goal. Audiences in the global north wanted reinforcement of a romantic notion
of a primitive, pure, static, noble-savage way of life, tragically doomed and worthy of regret.
Carelli and the Indians who coproduced with him, by contrast, wanted viewers to understand
them as people with a vital culture worth defending, one that was constantly changing with
the times but that had as much integrity as anyone else’s. Frequently, Carelli noted, audi-
ences focused this frustration on him.
Carelli believed that audiences usually failed to realize the on-the-ground realities of the
Amazon. Some accused him, for instance, of polluting the purity of Indian culture by bring-
ing television. But most Amazonian groups already had access to mainstream Brazilian me-
dia by 1987. Carelli regularly faced the accusation in university settings of slighting women’s
stories because Carelli and Valadão worked with (uniformly) male leadership of Amazonian
tribes and allowed them to dictate the terms of the project. He also routinely faced the
charge that he was speaking for the Indians as director, rather than allowing an indigenous
aesthetic to surface. However, festival and university audiences did not see the videos that
were inappropriate to a festival framework, including the extensive documentation made by
Indian groups of their own rituals. Rather, the Video in the Villages project was taking ad-
vantage of the festival showcase in order to display its own fundraising videos, designed for
potential funders as proof of the project’s success.
Festival audiences also typically failed to grasp the political realities behind the Video in
the Villages project, all stemming from the primary goal of supporting and strengthening the
political position of Indians vis-à-vis the Brazilian state. For instance, Carelli always chose
to work with the individual or faction that appeared most capable of making use of this tool
politically (as opposed to someone who wanted a videomaking career). He accepted the
gender inequalities of power in many Amazonian villages. He revealed Indians drinking and
356
drunk when drinking was part of a ritual ceremony. He also, in one film, included a scene of
the Indians arguing about whether they ought to let white people see them drunk (Vincent
Carelli, personal communication, 21 July 1993).
The Video in the Villages project had firmly taken a position on the purpose and audience
for its work. The core functions of the video work produced through the project were neither
academic nor commercial, but political. Films made by and with Indians were made in the
service of strengthening both tribal identity and awareness of the concept “Indian,” with
which some of the groups were unfamiliar. Others were not aware of the enormous political
significance of identifying themselves as Indians, by which they could act in concert when
pressured by the Brazilian government or by Brazilian businesses. Films made primarily by
Vincent and other Brazilian filmmakers in the project – typically anthropological activists –
were thus made for both political and economic goals, to keep the project going with inter-
national funding support. They depended on their close relationship with Indian groups in
creating the work, as well as their own political analysis, to keep the products useful to the
primary political goal.
Indians quickly grasped the status of having video capacity, a video library, and attention
from beyond the boundaries of Funai. Indians began to use the videos as calling cards as they
established relationships with related cultural groups in developing political coalitions. They
used their own videos as training films for young people and as memory books. They grappled
with inevitable problems of storage and equipment breakdown, turning again and again to
Video in the Villages for answers. Carelli found himself in a perpetual battle to convince
funders in the global north to support a project that had with success lost its novelty but not
found backing from the Indians’ most important single resource, the Brazilian government.
Indians Making News
Video in the Villages seized upon new cultural legislation that created the opportunity for
Indians to make a regular program in 1995–96 on regional Amazonian television. Programa
do Índio (a pun, given that the term means both “the Indian show” and “a boring time,” or
unappealing entertainment) was, stylistically, a standard magazine-format local TV news
program, with announcers, stand-ups, voice-overs, B-roll, and boosterism. It also lasted
only a year. For Amazonian Indians, however, it was a shocking and exciting video project
that is still watched. For them, Carelli noted, it meant seeing themselves on a par with Brazil-
ians they watched on the news.
Inspired by training programs he had seen on his peripatetic festival travels, Carelli or-
ganized a meeting of Indians in 1997 from many of the villages where he had worked and
established libraries, to discuss a new focus for the project. Then Virginia Valadão died un-
expectedly of a heart condition in 1998. Her death, a tragedy for the family, which included
two school-age children, also affected the project. Carelli, whose work as a filmmaker on a
perpetual international circuit had been enabled by Valadão, looked for a new role facilitat-
ing the work of others.
Cinéma Vérité in the Amazon
When Carelli began brainstorming about developing a training program, he turned to a
Brazilian who had long been a resident of France, Mari Corrêa. She had worked at the Ateliers
Varan, established in 1981 by the celebrated anthropologist and filmmaker Jean Rouch.
Rouch, an anthropologist who had come to the discipline after his work as an engineer in
colonial West Africa, was one of the founders of modern ethnographic film, as well as one of
the inventors of cinéma vérité (or direct cinema, as he eventually chose to call it). He made
357
more than a hundred films, often in collaboration with his subjects. His inspirations in-
cluded Robert Flaherty – for his affectionate relationship with his subjects – and Russian
Dziga Vertov, for his passion for capturing life as it was and then seizing the right to edit that
reality and forcing the viewer to acknowledge the presence of the filmmaker.
After an early work (Les Maîtres Fous, 1955) about ritual practices under colonialism that
shocked both French and African viewers, Rouch rethought the role and obligations of film-
maker. He unceasingly experimented with how to explore his subjects’ subjectivity, often
turning to fiction, fantasy, and role-playing. He began to see the camera as a provocation or
catalyst to reveal social realities and conflict, which he took further in looking at his own
“tribe” of Parisians in Chronicle of a Summer (1961).
He wanted his films to challenge the status quo, including unreflective approaches to
both science and art in film. He said that he made films about other people for three reasons.
Most obviously, he made films for himself and for general audiences. He also made them,
however, for another reason: “Film is the only method I have to show another just how I see
him.” And if it were participatory, film became a way of changing the anthropological rela-
tion- ship: “Thanks to feedback, the anthropologist is no longer an entomologist observing
his subject as if it were an insect (putting it down) but rather as if it were a stimulant for
mutual understanding (hence dignity)” (Eaton 60–62).
Rouch’s profound respect for the subjectivity of subjects, his principled belief in the ca-
pacity of people to tell their own stories, and his absolute conviction that their stories were
worth hearing and seeing informed the creation of the Ateliers Varan. After Mozambique’s
independence in 1975, officials contacted Rouch to ask him and others to document the new
society. In response he encouraged the search for chroniclers within Mozambique. The Atel-
iers Varan was established in Paris as a training site for people, particularly from the develop-
ing world, to learn crucial storytelling skills in the direct-cinema style that Rouch embraced.
There, they not only learned filmmaking techniques but also grappled with the ethical and
philosophical dimensions of representation.
Corrêa assumed a leading role in restructuring the mission of Video in the Villages and also
became Carelli’s wife. On the basis of her experiences, particularly with an indigenous group in
New Caledonia, Corrêa was committed to the notion that people could and should develop not
only documentation but also stories that could transcend their own cultural circumstances. She
wanted Indians to make films that could be seen – like the films Carelli had made – in festivals
and that could serve as narratives for an emerging Indian culture as well (Corrêa et al. 33–39)
The first challenge Corrêa met, as someone who was steeped in direct cinema, was that
Indians identified only traditional rituals as appropriate subjects for filming. Daily life was
when nothing was happening. Corrêa wanted to break through this preconception, in order
to serve differently the same goal that Carelli had: to create awareness, both among the
Indians and among non-Indians, of their humanity expressed through particular cultural
expressions. Film students began following selected subjects through daily routines, discov-
ering mini-stories in daily life. They developed intimate relationships with their subjects,
who participated in shaping their own images. This relationship then had moral as well as
aesthetic implications, according to Corrêa: “On seeing these films, we are therefore not
faced with the Indian’s ‘true reality,’ but with an interpretation constituted of at least two
points of view: that of the person filming and that of who consents to be filmed” (Corrêa et
al. 37). In 2000 the project Video in the Villages, until then a project of another organiza-
tion, became a freestanding organization.
Indians working through these workshops have produced a range of films, which have a re-
markable emotional and narrative grip. From the Ikpeng Children to the World (2002) is a charm-
ing video letter made by children of an Amazonian tribe in response to a video letter about daily
life received from Cuba. The Day When the Moon Menstruated (2004) inter- weaves the telling of
an Amazonian myth with comments that suggest its different meanings to different members of
the Kuikuro tribe. These films have now begun a worldwide circulation in film festivals.
This new success has also created a politically more diffuse mission. Individual filmmak-
ers are not necessarily responsive or responsible to tribal leaders for their work, and the
project’s work is no longer focused primarily on political objectives. At the same time, the
work reflects the growing complexity of Brazilian Indians’ relationship to the Brazilian state
and culture and to the challenges of the unceasing adaptation that Indian cultures must
undergo to survive.
Storytelling as Politics
Indian filmmakers still often see their creative role as supremely political. For instance, Isaac
Piãko, an Ashaninka filmmaker and teacher, celebrated the importance of making video by
noting, “You see the world of the other and you look at your own” (Corrêa et al. 18). He re-
ferred not only to the world of Brazilians and Indians but also to the viewpoints of others in
his own tribe and the customs of other indigenous cultures.
Video for him is a road to understanding – for Brazilians, understanding of Indians whom
they used to look upon as lazy; for elders, understanding of younger people who want to
understand traditions long closely held by elders; for Ashaninka, understanding of other
tribal cultures whose customs previously simply disgusted them. This understanding is for
him, first and foremost, a political tool for the survival of Ashaninka culture: “It is important
to understand the Ashaninka people, but it is more important to understand the ways in
which we are defending our people and our land.” He is not worried about introducing a piece
of Brazilian technology. Piãko had opposed the arrival of commercial television to his village,
but it entered the village anyway. He now wants to participate in it.
Video in the Villages, he argued, gave them a way to participate in and gain some control
of this new communications option. “No matter how much we strengthen our culture and
language, we are going to change... the question is not that video is different, it is how to
use video... Someone from outside our village may teach us how to use video, but it is us who
are making this change” (Corrêa et al. 19).
For Whom and for What?
For Video in the Villages, the answer to the question of for whom and for what these films are
made has changed over time. However, Video in the Villages project organizers have always
had an answer. Some of the films have been made to convince funders and other interna-
tional supporters of the worthiness of the larger project. Some – for instance A Festa da Moça
– have been made in order to allow a people to see itself. Some have been made by Indians
to record celebrations and significant rituals, to keep a record, to memorialize themselves to
their descendants, and to be able to share their culture with related groups. Some have been
made in order to find the stories within the culture of daily life and to explore the responsi-
bilities of the storytelling project itself.
All of these goals are united by the common thread of expressing, supporting, and
strengthening the identity of Amazonian Indians as Amazonian Indians – not only as mem-
bers of a particular linguistic and cultural group but also as members of a collection of such
groups, which share a common set of problems in the face of the Brazilian state and society.
It is a highly political project, but not a partisan one. It is political in a sense that should be
familiar to an American public because it is designed to create a public where there was not
one before. This is a public mobilized not to react on partisan lines but to react to configura-
tions of power – corporate, governmental, political – that menace a culture’s quality of life.
Video in the Villages is ethnographic film-making at its clearest. Here, exposing the question
of the function of ethnographic film results in creative efforts to change the balance of power
that is traditionally reflected not only in the camera’s gaze but also in the social and political
relationships that it (and other expressive tools) too often records rather than challenges.
Notes
1. This article is informed by research and analysis for the chapter on ethnographic film in my book
Documentary Film: A Very Short Introduction.
2. The films of Video in the Villages are available in the United States from Documentary Educa-
tional Resources in Watertown, MA (http://der.org).
References
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nesota P, 2000.
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“Video nas Aldeias.” Unpublished manuscript, São Paulo, 1993.
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Paulo: Banco do Brasil, n.d. (2005).
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thropology. Albuquerque: U of New Mexico P, 1997.
From the ground, looking up:
Report on the Video nas Aldeias Tour
LUCAS BESSIRE
New York University
Recently, two major media events have made the images of Amazonian Indians once again a
topic du jour in the United States.
Riders on New York’s subways this spring were entreated to “Take a Ride to the Amazon”
by iconic advertisements featuring a brown-skinned, smiling Amazonian child standing near
a graphically imposed subway car. The picture promoted the presentation of “Vídeo Amazô-
358
nia Indígena” by the Film and Video Center of the National Museum of the American Indian.
The ten-day tour, from May 1–11, included 17 screenings, roundtable discussions, and work-
shops at the museum’s two locations in New York and Washington, D.C., as well as at South
Street Seaport. Sponsored by the Smithsonian Latino Center, the Embassy of Brazil, and New
York State Council of the Arts, the rare visit provided an opportunity for U.S. audiences to
interact with the founder and director of Video nas Aldeias Vincent Carelli, codirector Mari
Correa, producer and director Ernesto Carvalho, and filmmakers from the Xavante, Kuikuro,
Ashaninka, Ikpeng, and Huni Kuı̃ indigenous tribes in the Amazon. The tour was well-re-
ceived with approximately 700 people attending.
Two weeks after the Video nas Aldeias tour, the Brazilian government released a series of
aerial photos and a short film of voluntarily isolated tribespeople near the Peruvian border.
The most widely circulated photograph is a haunting tableau of three figures near a small
thatched maloca in the verdant forest. They are covered head to toe in otherworldly paint,
shooting arrows at the camera. The sensationalized “discovery” of an ostensibly “lost tribe”
briefly captured the world’s attention, becoming a YouTube sensation and sparking an out-
pouring of interest on the web.
Bloggers from around the world debated whether these people should “be civilized” or
left alone.
Conversely, the Video nas Aldeias tour went largely unmentioned in the English lan-
guage press. Yet it was in many ways a cataclysmic event with profound implications for
Western understandings of Amazonian Indians. The message the films offered provides a
radically different way to understand the relationships among representation, power, and
the humanity (and inhumanity) that link the Western audiences to those painted, anony-
mous figures.
Formed in 1987 by Vincent Carelli as part of the Centro de Trabalho Indigenista (CTI), and
supported by grants from the Ford, Rockefeller, and MacArthur Foundations and the Norwe-
gian Agency for Development Cooperation, Video nas Aldeias (VNA) facilitates video use by
Amazonian Indians, training them to produce their own images and access a medium for
networking with other tribes facing similar challenges (Aufderheide 1995:84–85). The firm
focus on cultural activism both for local projects and for broader political concerns has
meant that VNA is successful in emphasizing process over product without sacrificing pro-
duction values. Since 1997 (when the project became independent of the CTI), the process
at the heart of VNA’s paradigm-changing vision is based on collective authorship. Interested
indigenous people are trained in production, and they invite people from their village to be
characters in their videos. If the “actor” accepts, then he or she decides how and what will
be filmed. This empowering dynamic, based on the principles of direct cinema established
by Jean Rouch and exported through the Ateliers Varan, produces a radically different kind
of hybrid video, which has been critically acclaimed by filmmakers and scholars alike (i.e.,
Aufderheide 2008; Bernadet 2006; Caixeta de Queiroz 2006; Stam 1997).
The VNA tour presented audiences with a wide range of this collaborative video project’s
work. Screenings included an unreleased director’s cut of the crushing film Crônicas de um
Genocídio (2008), which provides an intimate look at the genocidal brutality toward isolated
Indians, along with the award-winning videos that made VNA a globally recognized entity,
such as Meeting Ancestors (1993), The Spirit of TV (1990), and Kiarasa Yo Sati/The Agouti’s
Peanut (2005). The five indigenous filmmakers present also premiered work that gestured to
new directions enabled in part by expanded access to archival material. Videos such as I’ve
Already Become an Image (2008) by Zezinho Yube and Pirinop, My First Contact (2005) by
Mari Correa and Karané Txicão deploy archival images to make the always implicit memory
359
project of VNA’s participatory process into an unabashedly central filmic subject. Back to the
Good Land (2008) – intended as the contextual video for the Panara section of an upcoming
DVD release of all VNA’s work – incorporated familiar themes of VNA’s oeuvre, such as ritual
performances and details from daily life alongside previously unreleased archival footage
from the expeditions of the Villas Boas brothers. The beautifully shot video lays out a subtle
argument for Panara rights claims and demonstrates how compelling VNA’s process can be
when channeled into more explicitly political arenas. The profoundly collaborative nature of
these videos translates notoriously elusive topics such as genocide, violence, and contact
into the quotidian and communicable details of human life in a way that is riveting, as when
an Huni Kuı̃ elderly man haltingly explains that the numbers crudely tattooed on his arm
were made by the rubber barons that once owned him as a slave (Zezinho Yube’s Xina Bena/
New Era [2006]).
Many of the images from VNA’s work evoke the same iconic images as the aerial govern-
ment photos, celebrating the striking visuals of Amazonia’s feathers, bodies, paint, and lush
landscapes. Yet VNA’s work expands and inverts any simple narratives of victimization or
primitivism in the same instant that such images activate them. Surprisingly, there are few
discordant notes. The result is mesmerizing, as in the case of Marangmotzingo Mirang / From
the Ikpeng Children to the World (2001), perhaps the most popular VNA production. In this
breathtaking video – originally sent as a reply to a video letter from children in Sierra Maes-
tra, Cuba – the four young narrators from the Ikpeng tribe gently and sincerely take the
viewer into their daily lives. Speaking directly to the camera, mixing disarming frankness
with graceful humor, the children point out the people and activities that give their life
meaning. They make toys, gather shells, show us their food, and dance in a village celebra-
tion. The audience itself is a prominent character in the film, as it is frequently questioned
and invited to send a video back. This simple realignment of audience, object, and subject
has a profound effect: it locates cultural difference within a universal humanity. Films such
as this make it possible to imagine those three anonymous figures in the photograph re-
leased by the Brazilian government as a mother, father, or children.
It is no surprise that Carelli and Correa’s groundbreaking vision has been controversial.
The same tired arguments that can be used to justify the sensationalist and absolute objec-
tification of “uncontacted” or “discovered” Indians were used to criticize VNA’s project.
Racists alleged that Indians were incapable of managing such complex technologies, where-
as romantic primitivists argued that such an intervention would pollute their attributed
cultural purity.
The VNA tour revealed the fundamental irrelevance of such misplaced concerns. Instead
of being a threat or a promise for “traditional culture,” entire worlds of social reproduction,
with all of their fissures and fragilities, are exposed and explored. Making this both the
subject and object of these videos raises a number of questions. Often, the filmmakers shy
away from portraying the internal negotiations and conflicts within the villages about the
production and circulation of images, although such discussions appear in the “making of”
videos that accompany the DVD compilations. At one point, I wondered if the slippage be-
tween a context-driven Western audience and an indigenous one that may prefer to not
mention contentious topics could project an overly harmonious or unified image. As Alcida
Ramos (1998) points out, however, such unified images may be critical for the performative
efficacy of indigenous rights claims on the Brazilian national stage.
The four indigenous filmmakers adeptly addressed such concerns in their roundtable
discussions. At various times throughout the tour, each emphasized how the beneficial re-
sults of the process of video work exceeded the edited products, particularly in terms of
community organizing. Takuma Kuikuro discussed how video influenced their communities
as a pedagogical tool; Divino Tserewahu noted it as a catalyst and archive for ritual practice
and even as a way to strengthen generational relationships between young “modern” film-
makers and “traditional” elders, a case illustrated by Zezinho Yube’s films featuring his fa-
ther. Mr. Yube recounted in a roundtable discussion how his community overcame their ini-
tial resistance to video. It occurred, he said, when they realized “that this was ours” (field
notes, May 10).
Collapsing the difference between “theirs” and “ours” suggests that VNA’s empowering
process may reconfigure the entire representational field within certain villages. In this
case, control over electronic media not only expands the critical awareness of things like
satellite TV and films like Rambo but also can inform reactions to the written objectification
of “indigenous peoples” and subvert damaging colonial technologies for subsuming Native
self-understanding into Western temporal schema (Piãko 2006:12). Through the video proc-
ess of VNA, native peoples celebrate and reinforce their own standards of what Achille
Mbembe calls “lived time” (Mbembe 2001:8) with all of its rich multiplicity and spontaneity,
and participating villages have direct access to the archival time once controlled by muse-
ums (see also Correa 2006:9). Meanwhile, VNA is reshaping the Brazilian public sphere
through their ties with the Brazilian Ministry of Culture, which led to their recognition as an
official “Ponto de Cultura,” the airing of the “Indian on TV” program on national public tel-
evision, and a ten-part educational series designed for the Brazilian distance learning chan-
nel titled “Indians in Brazil.”
Accordingly, the process and methodology of collaborative video production by indige-
nous communities suggests revisionary potentials for ethnographic practice in lowland South
America. Rather than opposing indigenous cultural production with ethnographic represen-
tation, it opens such processes to a seriously playful and hybrid intertwining, thus extending
the film methods of Jean Rouch and the Ateliers Varan into academic knowledge production.
It suggests a vital role for locally accountable anthropology beyond the “enabler” or “decon-
structionist” reactions to the postmodern, postcolonial crisis of representation.
The rich and human visions of Amazonian Indians offered by this work tear down the
boundaries that have too long been placed between “us” and “them.” The latest sensation-
alistic “first contact” photos show the continuing need for such projects, especially for those
extremely vulnerable groups trying to live as they please in the dwindling remainders of the
forest. The message is no less than the difference between looking down from the circling
air- plane and seeing yourself as you appear from the ground looking up.
Acknowledgments
Special thanks to Faye Ginsburg, Amalia Corddova, and Ernesto Carvalho for their constructive
comments on this essay.
References cited
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Indians. VAR 11(2):83–93.
Back to the Good Land, 2008 Mari Correa and Vincent Carelli, dirs. 21 min. Video Nas Aldeias.
BERNADET, Jean-Claude 2006 Video nas Aldeias, Documentary and “Otherness.” In Video in the
Villages Exhibition: Through Indian Eyes. Brasilia: Banco do Brasil.
CAIXETA DE QUEIROZ , Ruben, 2006 Politics, Aesthetics and Ethics in the Project Video in the Vil-
lages. In Video in the Villages Exhibition: Through Indian Eyes. Brasilia: Banco do Brasil.
CORREA, Mari 2006 Video from the Villages. In Video in the Villages Exhibition: Through Indian
Eyes. Brasilia: Banco do Brasil.
Cronicas de um Genocidio, 2008 Vincent Carelli, dir. 120 min. Unreleased Director’s Cut.
I’ve Already Become an Image, 2008 Zezinho Yube, dir. 31 min. Video Nas Aldeias, São Paulo.
Kiarasa Yo Sati/The Agouti’s Peanut, 2005 Paturi Panara and Komoi Panara, dirs. 51 min. Video Nas
Aldeias, São Paulo.
Marangmotzingo Mirang/From the Ikpeng Children to the World 2002 Kumare Txicão, Karane Tx-
icão, and Natuyu Yuwipo Txicão,
dirs. 35 min. Video Nas Aldeias, São Paulo.
MBEMBE, Achille, 2001 On The Postcolony. Berkeley: University of California Press.
Meeting Ancestors, 1993 Vincent Carelli and Dominique Gallois, dirs. 22 min. Video Nas Aldeias,
São Paulo.
PIÃKO , Isaac 2006 You See the World of the Other and You Look at Your Own. In Video in the Vil-
lages Exhibition: Through Indian Eyes. Brasilia: Banco do Brasil.
PIRINOP , My First Contact, 2005 Mari Correa, Kumare Txicão, and Karane Txicão, dirs. 83 min.
Video Nas Aldeias, São Paulo.
RAMOS , Alcida 1998 Indigenism: Ethnic Politics in Brazil. Madison: University of Wisconsin Press.
Spirit of TV,1990 Vincent Carelli, dir. 18 min. Video Nas Aldeias, São Paulo.
STAM, Robert,1997 Tropical Multiculturalism: A Comparative History of Race in Brazilian Cinema
and Culture. Durham: Duke University Press
Xina Bena/New Era 2006 Zezinho Yube, dir. 52 min. Video nas Aldeias, São Paulo.
“Shove that camera up your ass”
In ‘Corumbiara,’ the big winner of this year’s Gramado Festival, the documentary’s images go
beyond aesthetics in pursuit of a new ethical and political meaning.
L E A N D R O S A R A I VA
Magazine Retrato do Brasil nº 27, pg. 41-43, October 2009
Striking lie an arrow, Corumbiara has a violent impact on us, an audience unused to cinema
made with a sense of radical commitment. Debates about the status of documentary images,
the ethical and/or political dimensions of the relations between those filming and those
being filmed, or even the ethics (always ‘ethics’ as an individual concern between ‘the au-
thor’ and ‘those documented’) of audiovisual productions in terms of the many vulnerable
populations they depict – all these questions debated over recent years, especially following
the upsurge in documentaries in Brazil, leave a bitter taste in our mouth, acquiring a some-
what puerile flavour when contrasted with the clarity and unflinching resolution of the posi-
tions inspiring Vincent Carelli’s film. The sheer scale of its impact derives from the film’s re-
fusal to accept the barbaric violence that too often defines social relations on the country’s
agricultural frontiers.
Corumbiara is composed of footage shot by Carelli in the eponymous region, located in
Rondônia state, between 1986 and 2006. Working ceaselessly to expose the criminals be-
35:
hind the massacre of an indigenous group that had been ‘hindering’ local farmers – by the
disagreeable and inconvenient fact of their existence, worsened by living on land that the
southern farmers had bought in a sell-off of Amazonian territory promoted by developmen-
talism – the filmmaker accumulated abundant material over the span of two decades. Traces
of the violent removal of the Indians, the attempted cover-up, threats from hired guns,
statements from workers who witnessed the attack, interviews with specialists in indigen-
ism, the localization of Indians who had fled and survived, and even confirmation of the
massacre by some of the survivors.
Carelli had not shot this footage with the intention of ‘making a documentary.’ His origi-
nal aim had been to film material that could help the indigenous cause: proving the attacks
had occurred, exposing those responsible, and proving the existence of the Indians still
surviving in the region in order to guarantee their right to the land. The author of Corumbiara
works at the opposite end of the spectrum to the autonomous image: he strives to make films
that prove, accuse and testify.
The film opens with the director announcing his intentions. On screen powerful images
of a Nambiquara ritual (their visual quality undiminished by a few technical imperfections).
This is the ‘young woman’s festival,’ which, Carelli explains, is taking place for the first time
in 20 years as a direct result of filming and screening the video in the village. It is also an
initiation ritual of sorts for Carelli, until then an indigenist, who reinvented himself in 1986
as a documentary maker.
But the filmmaker who emerged – and this is a crucial point – uses the camera as an in-
strument for advancing the indigenous cause. This has always been the guiding principle of
the organization he set up, Vídeo nas Aldeias. Today, over 60 films later, having worked with
dozens of peoples, training a series of highly skilled indigenous filmmakers, with films
screened in festivals and launched on the video retail market, the organization has become
internationally renowned for its pioneering approach (see ‘Muito além do vídeo,’ Retrato do
Brasil nº 21, April 2009).
It was because of this work that Marcelo Santos, an indigenist with the National Indian
Foundation (Funai), invited him to film the vestiges of a massacre of isolated Indians in
Corumbiara. This, Carelli tells us, was the chance to assign a distinctly activist role to video
making, exactly what he had been looking to do.
The political significance of the images of the region’s explicit economic violence is re-
vealed didactically. In the ‘dialogue’ with a worker loyal to the farm bosses, the young man’s
speech objectively sums up the place occupied by the State of Law on the agricultural fron-
tier: “Shove that camera up your ass.” The camera is disquieting. Carelli records the physical
vestiges of the massacre and films a number of interviews, but is soon interrupted by an
urbane henchman, Dr. Flausino, the farmers’ lawyer, a polished ideologue of development at
any price, who denies any violence on the part of the ‘civilizers’ for whom he works, ‘benefac-
tors’ who, he asserts, risk their capital in these backwaters.
Carelli and Santos return years later after the latter obtains sufficient standing within
Funai to resume the search for evidence. The camera is now on the side of the law: it helps
force the entry of bailiffs onto the area’s farm properties where access had previously been
denied on legal grounds. And – amazingly! – they find a small group of surviving Indians.
For years they have been living in isolation, trying to evade any ‘civilizing’ contact with the
‘benefactors’ for whom Dr. Flausino works.
The images of contact acquire a double function. Legally they provide the basis for
interdicting an area that will allow the Indians to maintain their healthy state of isolation.
The film images are also aired on the popular Brazilian TV program Fantástico, which rein-
361
forces the first use, while simultaneously helping to support indigenous rights, or at least
so the filmmakers hope.
However, the TV broadcast reveals another political dimension of the image: its vulner-
ability to manipulation. At first by the TV channel itself. Carelli’s footage is presented on
Fantástico in a sensationalist form, decontextualizing the images and exoticizing the Indi-
ans with whom he made contact. But even so, this sensationalism is not enough by itself to
derail the legal action in the Brazilian courts or the investigation into the massacre among
the Indians themselves. The game becomes more serious when the farmers concoct a coun-
ter version for the newspapers, one which exploits the same exoticizing imagery but in re-
verse, dressing the contacted Indians with white clothes and claiming that the only people
to have ‘staged’ anything are Carelli and Santos.
While this battle takes its course, Carelli and Santo work to obtain proof of the original
massacre. They established a day-to-day interaction with the Indians. Joined by anthro-
pologist Virgínia Valadão, Carelli’s wife (who died during the long investigation), they dis-
covered that in fact there were two groups, one Akunsu and the other Canoê (comprising ten
people in total). The relations between them are complex and tense.
The investigation proceeds slowly, facing numerous obstacles. They collect statements
from workers from the suspected farm, but a climate of fear persists. The various leads and
pieces of information accumulate. During this period, another isolated Indian is found, a
survivor from what seems to have been another, more recent massacre. But he refuses any
contact, leading to an almost paradoxical situation. The Indian flees and resists, clearly
feeling hounded by the camera, but only they can legally assure his continued occupation
of the land if they capture an image of him on film.
During the investigation, Carelli discovers that the footage shown on the TV program
Fantástico led to a repeat of the earlier tragedy, precipitating the massacre of the group to
which the Indian in hiding once belonged. Alarmed by the publicity given to the presence
of the Indians and the potential interdiction of their land, the farmers decided to act pre-
ventatively. In the end, the fear of the Indian he is trying to film has a sad basis in fact: the
juggernaut of expansion keeps on rolling.
Eventually Carelli is able to record the testimony of the Akunsu chief, confirming the
original massacre. But instead of prosecution of the guilty, what he managed to do was make
Corumbiara. A film that resulted from a process of investigation and activism, and therefore
involved other social functions of the image beyond the aesthetic: investigative, juridical,
journalistic, political. Compiled retrospectively from years of footage, Corumbiara narrates
these cases of social violence and simultaneously meditates on the role of the image in this
process. Hence working on the margin of aesthetic specialization, in an area defined by
activism, Carelli extracts another kind of aesthetic.
In the documentary field much has been said over recent years about an ‘ethics of the
encounter,’ also conceived as an aesthetic, to describe the documentary cinema of Eduardo
Coutinho (see, for example, O cinema de Eduardo Coutinho, by Consuelo Lins. Jorge Zahar,
2004). In his documentaries, Coutinho turns the interview into a stage for improvisations,
rhetoric, re-enactments and exposure where the ethics of the encounter, or the search for
the encounter, prevail – flashes of beauty, as he says, where what matters is the encounter
between two singular subjectivities, mediated by the camera. All of this is true and results
in a contemporary and anti-spectacular version of the modern cinema, an aesthetic that
highlights moments of invention and flights from the accepted.
In Corumbiara too an ethics can be seen to develop into an aesthetics. But here the eth-
ics is other. Not that of the intersubjective encounter, but the ethics of political action,
which leads, on one hand, to forms of alliance mediated by political objectives (rather than
pure subjectivity) and, on the other, forms of confrontation (“Shove that camera up your
ass”). Interlaced with the investigations, media battles and manipulation of imagery, ap-
pearing precisely because of these political tensions, strong moments emerge filled with an
aesthetic quality that goes beyond the subjective. Narrating a rosary of horrors without any
kind of dramatization (like someone saying “this is how things are”) and threading to-
gether decades of his life, Carelli’s calm voice-over moves us not through its lyricism or a
nostalgia for times that have vanished, his wife, who also passes away, but through the
persistent, realist and indomitable resolution of someone who remains an activist. Likewise
the friendship with Marcelo, the re-encounter that reveals the passing of time on their
faces and bodies, appears set within this political work that merges with life.
The contrast between Fantástico’s sensationalism and the intensely moving delicacy of the
long silent scenes of the first contact with the Canoê is framed by this politicized context.
Each hesitant and inaugural gesture between the whites and the Canoê, in this extremely rare
moment of an encounter between worlds, vibrates with a particular intensity, given by the
tragic shadow hovering over the other section of humanity being revealed to the camera.
Even physiognomy, the most immediate aspect of film images, what we suddenly ap-
prehend when we glance at a face or even a landscape, acquires specific tones depending on
the overall attitude inspiring the film. In Corumbiara’s political light, the shamelessness of
the farmers, the arrogance of Dr. Flausino and above all the expressions of the Indians – the
defensive wariness of the Canoê; the incredible strength of the young Canoê woman Tira-
mantu’s performance with its shamanic connotations; the dignity of Konibi, the Akunsu
chief, playing his flute; the cornering of the ‘Indian of the hole’ – everything emerges laden
with history.
Corumbiara concludes with a close-up of Tiramantu, completely absorbed in her relation-
ship with her small son. Carelli’s voice punctuates the closing sequence with a bleak enu-
meration of the huge problems faced by the Indians with whom he made contact. We recall
the images of first contact and Tiramantu seems like another person. The startled expression
she had then has now vanished. In its place, a sweet maternal gaze. Does this moment of
tenderness count as hope, despite everything, or as a form of surrender? Impregnated in
every frame of Corumbiara, history resonates in the film from beginning to end, even the
delicate intimacy of Tiramantu.
362
Fotbjp!Gpuphsˆßdp
Projeção na aldeia Ashaninka Apiwtxa, em Junho de 2010.
Lutas e danças da festa das mulheres do Jamugikumalo,
realizada e filmada pelos Kuikuro em 2011.
Filmagens dos filmes Sangradouro e Mulheres Xavante sem
nome. Fotos Amandine Goisbault e Tiago Tôrres, 2009
Encenações da reação dos Ikpeng aos sobrevoos e lan-
çamentos de presentes da frente de contato dos irmãos
Villas Boas, para o filme Pirinop, Meu primeiro contato.
À esquerda, Antônio Piãko, chefe da aldeia Apiwtxa, na
beira do rio Amônia.
À direita, Eirishi, neta de Antônio, da nova geração dos
cineastas Ashaninka.
Fotos Ernesto de Carvalho, 2010
Kamankgagu conta o mito de origem da festa do Jamugi-
kumalo para o filme As Hiper Mulheres.
Fotos Vincent Carelli, 2011
Projeção na casa do cacique Ikpeng Melobo, e Pat Pakó,
avô do cineastas Karané Txicão.
Fotos Vincent Carelli, 2006
À esquerda, o velho Duarte Ortega, cacique Mbya-Guarani,
em frente à casa de meditação da aldeia Tamandoá, Mis-
siones, Argentina. Foto Vincent Carelli, 2010.
À direita, o velho Duarte e sua esposa dentro da casa de
meditação, refletindo sobre a história do povo Mbya.
Foto Ernesto de Carvalho, 2010.
Pescaria de barragem para o cerimonial do Yaõkwá.
Fotos Vincent Carelli, 2009
Filmagens dos filmes Eu já me transformei em imagem e
Katxanawa, na aldeia Huni Kui Mibayã.
Fotos Vincent Carelli e Ernesto de Carvalho, 2007
À esquerda, Ariel Ortega e Patricia Ferreira na aldeia Mbya- Filmagens do ritual do Yaõkwá, dos Enauênê Nauê, na
Guarani Koenju, em São Miguel das Missões, revisam o ma- bacia do rio Juruena, no norte de Mato Grosso, declar-
terial filmado para o filme Desterro Guarani. ado patrimônio imaterial brasileiro pelo Instituto do
À direita, projeção na aldeia Mbya-Guarani Anhetenguá, da Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN.
Lomba dos Pinheiros, Porto Alegre, Rio grande do Sul.
Fotos Ernesto de Carvalho, 2011
Dois cinegrafistas Parkatêjê, Baixinho e Txicã, e um grupo de Aky, chefe Panará, se pinta para foto produzida para a
Krahô e Parkatêjê na aldeia do Rio Vremelho no Tocantins. capa do DVD Cineastas Indígenas Panará.
Fotos Vincent Carelli e Ernesto de Carvalho, 2011 Fotos Vincent Carelli, 2007
À esquerda, Bisku e seu filho Josias Maná dão depoimento
para o filme Já me transformei em imagem.
À direita, o depoimento de Zezinho Yube e Joaquim Maná.
Fotos Vincent Carelli, 2007
Dpoufep!ept!EWEt
DVD 1
O Espírito da TV / The Spirit of TV
1990, 18 min., Amapá, Waiãpi
Legendas / subtitles: Português, English
As emoções e reflexões dos índios Waiãpi ao verem, pela primeira
vez, a sua própria imagem e a de outros grupos indígenas num
aparelho de televisão. Os índios refletem sobre a força da ima-
gem, a diversidade dos povos e a semelhança de suas estratégias
de sobrevivência frente aos não índios.
Beginning with the arrival by canoe of a TV and VCR in their vil-
lage, The Spirit of TV documents the emotions and thoughts of
the Waiãpi as they first encounter their own TV images and those
of others. They view a tape from their chief’s first trip to Brasilia
to speak to the government, news broadcasts, and videos on
other Brazilian native peoples. The tape translates the opinions
of individual Waiãpi on the power of images, the diversity of na-
tive peoples, and native peoples’ common struggles with federal
agents, goldminers, trappers and loggers.
Prêmios / Awards
Prêmio Sol de Ouro, 8º Festival Rio Cine,
Q their intense relationship with nature.
Rio de Janeiro, Brasil, 1992
Q Terceiro Prêmio no 9º Vídeo Brasil, São Paulo, Brasil, 1992
Q Prêmio no Latin American Video Festival, EUA, 1992
Q Prêmio no IV Festival Americano dos Povos Indígenas, Peru,
1992
Q Prêmio Vídeo e TV, VIII Festival de Cinema Latino
Americano, Trieste, Itália, 1993.
A arca dos Zo’é
Meeting Ancestors
1993, 22 min., Amapá/Pará, Waiãpi / Zo’é
Legendas / subtitles: Português, English
Os índios Waiãpi, que conheceram os Zo’é através de imagens
em vídeo, decidem ir ao encontro destes índios recém
contactados no norte do Pará e documentá-los. Os Zo’é
proporcionam aos visitantes o reencontro com o modo de vida e
os conhecimentos dos seus ancestrais. Os Waiãpi, em troca,
informam os Zo’é sobre os perigos do mundo branco que se
aproxima, e que os isolados estão ansiosos por conhecer.
Chief Wai-Wai goes on a trip to meet the Zo’é, a recently con-
tacted group whom the Waiãpi met through video. Both tribes
speak Tupi-Guarani dialects and share many cultural traditions,
365
but the Zo’é are currently experiencing phenomena of contact
that the Waiãpi experienced twenty years ago. The Zo’é afford
their visitors the chance to re-encounter the way of life and
wisdom of their ancestors.The Waiãpi, on the other hand, bring
the Zo’é information on the dangers of the white world that this
isolated group was eager to understand. This movie conveys the
warmth, joy and humour that quickly develops between these
people, and is the intimate portrait of a friendship between
chiefs.
Direção, roteiro e fotografia: Vincent Carelli
Direção: Dominique Gallois
Edição: Tutu Nunes
Prêmios / Awards
Q Sol de Ouro, 9° Rio Cine Festival, Rio de Janeiro, Brasil,1993
JVC President’s Award, 16º Tokyo Video Festival, Tóquio,
Q
Japão, 1993
Prêmio Curta Metragem, 16º Festival International de Films
Q
Ethnographiques, CINÉMA DU RÉEL, Paris, França, 1994
Prêmio de Melhor Vídeo, II Mostra de Cinema e Vídeo de
Q
Cuiabá, Brasil, 1994
Eu ja fui o seu irmão
We gather as a family
1993, 32 min., Pará / Tocantins, Parakatêjê / Krahô
Legendas / subtitles: Português, English
Um documentário sobre o intercâmbio cultural entre os Paraka-
têjê, do Pará e os Krahô do Tocantins, que embora falem a mesma
língua, nunca haviam se encontrado antes. Krôhôkrenhũm, líder
dos Parakatêjê preocupado com a descaracterização do seu povo,
resolve ir conhecer uma aldeia Krahô que conserva muitas de suas
tradições. Um ano depois, os Parakatêjê retribuem o convite. No
final, os chefes selam um pacto de amizade entre os dois povos.
This tape documents a cultural exchange between the Parakatêjê
(Gavião) of the Para state and their “relatives”, the Krahô of To-
cantins. Krôhôkrenhũm, the charismatic chief of the Parakatêjê,
organizes a visit to the Krahô, who speak their language and
maintain their traditions. The 50 young Parakatêjê he brings
along participate in a ceremony consisting of singing, body
painting and preparations for the long, strenuous relay race
through the savannah. The following year, the Parkatêjê return
the invitation and the Krahô travel to Krôhôkrenhũm’s village.
The two chiefs discuss cultural issues and seal a pact of friend-
ship between their groups.
Direção e fotografia: Vincent Carelli
Edição: Tutu Nunes
Prêmio / Award
Q Melhor Vídeo (Júri Popular), Troféu São Luís e Troféu Jangada
no 17º Guarnicê de Cine-Vídeo, Maranhão, Brasil, 1994
Shomôtsi
2001, 42 min., Acre, Ashaninka
Legendas / subtitles: Português, English, Español, Français
Crônica do cotidiano de Shomõtsi, um Ashaninka da fronteira do
Brasil com o Perú. Professor e um dos videastas da aldeia, Wewito
retrata o seu tio, turrão e divertido.
Shomõtsi is an Ashaninka Indian living on the border of Brazil
and Peru. The movie is a report on his day to day life and his
journey to the neighbouring city to get his pension as well as a
portait of Wewito´s hard-headed and witty uncle.
Direção e fotografia: Wewito Pyãko
Edição: Mari Corrêa
Prêmios / Awards
Q Prêmio UNESCO, 8ª Mostra Inter. do Filme Etnográfico,
Rio de Janeiro, Brasil, 2001
Q Melhor Filme, Festival Présence Autochtone em Montreal,
Canadá, 2002
Q Menção Honrosa do Júri oficial no Cinesul 2002, Rio de Janei-
ro, Brasil
Q Prêmio “Rigoberta Menchú” no II ANACONDA 2002, Bolivia
Prêmio Especial do Público Indígena, II Anaconda 2002,
Q
Bolivia
Q Melhor Vídeo da competitiva nacional, Forumdoc.bh.2002,
Minas Gerais, Brasil
MARANGMOTXÍNGMO MÏRANG,
Das crianças Ikpeng para o mundo
MARANGMOTXÍNGMO MÏRANG,
From the Ikpeng children to the world
2001, 32 min., Mato Grosso, Ikpeng
Legendas / subtitles: Português, English
Quatro crianças Ikpeng apresentam sua aldeia respondendo à ví-
deo-carta das crianças da Sierra Maestra em Cuba. Com graça e
leveza, elas mostram suas famílias, suas brincadeiras, suas festas,
seu modo de vida. Curiosas em conhecer crianças de outras cultu-
ras, elas pedem para que respondam à sua vídeo-carta.
Four Ikpeng children introduce their village answering a video-
letter from the children from Sierra Maestra in Cuba. They show
their families, their toys, their celebrations, their way of life with
grace and lightheartedness. Curious to know about children from
other cultures, they ask that their video–letter be answered.
Direção e fotografia: Kumaré, Karané ikpeng,
Natuyu Yuwipo Txicão
Edição: Mari Corrêa
Prêmios / Awards
Q Prêmio especial do Júri de Melhor Curta Documentário, First
International Non-Budget Film Festival – Gibara / Cuba
Q
Q
Menção Honrosa do Júri oficial no Cinesul 2002, Rio de
Janeiro, Brasil
Prêmio Melhor documentário ANACONDA 2002, Bolivia
Q Prêmio Revelação, Tatu de Prata, 29ª Jornada Internacional
de Cinema da Bahia, Brasil
Q Prêmio Manoel Diegues Júnior, 9ª Mostra Internacional do
Filme Etnográfico, 2003, Rio de Janeiro
Q Prêmio Valor testimonial e documental, do VII Festival
Internacional de Cine y Vídeo de los pueblos indígenas,
Santiago, Chile.
Q Prêmio de Melhor Documentário, All Roads Film Festival,
National Geographic, Los Angeles e Washington, EUA
Kinja Iakaha, Um dia na aldeia
Kinja Iakaha, A day in the village
2003, 42 min., Amazonas / Roraima, Waimiri-Atroari
Legendas / subtitles: Português, English
Seis índios de diferentes aldeias Waimiri e Atroari, na Amazônia,
registram o dia a dia de seus parentes da aldeia Cacau. Estes regis-
tros, sintetizados em “Um dia na aldeia”, nos transportam para a
intimidade do cotidiano indígena com a sua interação intensa
com a natureza.
Six Indians of different Waimiri and Atroari villages, located in
the Amazon, document the day-to-day life of their relatives in
the Cacau village. These images, stitched together in “A day in
the village” transport us to intimate scenes of their lifestyle and
Direção e fotografia: Sanapyty e Wamé Atroari, Araduwá,
Kabaha, Sawa e Iawysy Waimiri
Edição: Leo Sette
Prêmios / Awards
Q Prêmio de melhor filme, Forumdoc.bh.2003, Minas Gerais,
Brasil, 2003
Q Menção especial na 9ª Mostra Internacional do Filme
Etnográfico, Rio de Janeiro, Brasil, 2003
DVD 2
IMBÉ GIKEGÜ, Cheiro de Pequi
IMBÉ GIKEGÜ, The smell of Pequi fruit
2006, 36 min., Mato Grosso, Kuikuro
Legendas / subtitles: Português, English
É tempo de festa e alegria no Alto Xingu. A estação seca está
chegando ao fim. O cheiro de chão molhado mistura-se ao doce
perfume de pequi. Mas nem sempre foi assim: se não fosse por
uma morte, o pequi talvez jamais existisse.Ligando o passado ao
presente, os realizadores Kuikuro contam uma estória de perigos
e prazeres, de sexo e traição, onde homens e mulheres, beija-
flores e jacarés constroem um mundo comum.
Linking the past to the present, Kuikuro filmmakers tell a tale of
dangers and pleasures, of sex and betrayal, where men and wom-
en, hummingbirds and alligators build a shared world.
Direção e fotografia: Maricá e Takumã Kuikuro
Fotografia: Maricá, Maluki, Manunegi, Mahajugi, Takumã, Asusu
Kuikuro
Produção: Vídeo nas Aldeias/ AIKAX – Associação Indígena
Kuikuro do Alto XINGU, e Documenta Kuikuro-DKK
Prêmios / Awards
Q Menção honrosa da III MoVA Caparaó, Espírito Santo, Brasil,
2006
Q Prêmio Manuel Diégues Júnior, 10a Mostra Internacional do
Filme Etnográfico. Rio de Janeiro, Brasil, 2006.
Q Menção honrosa Média, concedida pela ABDeC, 10a Mostra
Internacional do Filme Etnográfico. Rio de Janeiro, Brasil,
2006.
Q Prêmio Especial do Júri, Festival Internacional CURTA
CINEMA. Rio de Janeiro, Brasil, 2006.
Q Melhor Curta-metragem, Festival Présence Autochtone,
Montréal, Canadá, 2007
PI’ÕNHITSI, Muheres Xavante sem nome
PI’ÕNHITSI, Unnamed Xavante Women
2009, 54 min., Mato Grosso, Xavante
Legendas / subtitles: Português, English
Desde 2002, Divino Tserewahú tenta produzir um filme sobre o ri-
tual de iniciação feminino, que já não se pratica em nenhuma outra
aldeia Xavante, mas desde o começo das filmagens todas as tenta-
tivas foram interrompidas. No filme, jovens e velhos debatem sobre
as dificuldades e resistências para a realização desta festa.
Since 2002, Divino Tserewahú tried to make a film about the fe-
male initiation rite, no longer practiced in any other Xavante
village, but since he started filming, the ritual is interrupted.
Young and old discuss the difficulties and resistances involved in
making this celebration.
Direção: Tiago Tôrres, Divino Tserewahú
Roteiro e fotografia: Tiago Tôrres, Vincent Carelli, Amandine
Goisbault, Divino Tserewahú
Edição: Tiago Tôrres
Locução: Divino Tserewahú
Prêmio / Award
Q Prêmio Especial do Juri, Forumdoc.bh.2009, Belo Horizonte,
Brasil
KENE YUX Ĩ, As voltas do Kene
KENE YUX Ĩ, The Twists of Kene
2010, 48 min., Acre, Huni Kuı̃
Legendas / subtitles: Português, English
Ao tentar reverter o abandono das tradições do seu povo e se-
guindo as pesquisas do seu pai, o professor e escritor Joaquim
Maná, Zezinho Yube corre atrás dos conhecimentos dos grafismos
tradicionais das mulheres Huni Kuı̃, auxiliado por sua mãe.
As Zezinho Yube tries to fight against his people’s cultural loss,
he follows the research of his father, the HuniKui writer and
teacher Joaquim Maná, going after the practice of Kene – the
traditional drawing and weaving of the Huni Kuı̃ women – with
the help of his mother.
Direção e fotografia: Zezinho Yube
Edição: Gabriel Mascaro, Marcelo Pedroso, Ernesto de Carvalho
Prêmios / Awards
Q Prêmio melhor média metragem, Cachoeira-Doc, Bahia,
Brasil, 2010
Q Forumdoc.bh.2010, Belo Horizonte, Brasil
Bicicletas de Nhanderú
Bicycles of Nhanderú
2011, 48 min., Rio Grande do Sul,
Mbya-Guarani
Legendas / subtitles: Português, English
Uma imersão na espiritualidade presente no cotidiano dos Mbya-
Guarani da aldeia Koenju, em São Miguel das Missões no Rio Gran-
de do Sul.
An immersion in spirituality and everyday life of the Mbya-Guarani
living in the Koenju Village, in São Miguel das Missões, Southern
Brazil.
Direção e fotografia: Ariel Ortega e Patricia Ferreira
Edição: Tiago Tôrres
Prêmio / Award
Q Prêmio Cora Coralina, FICA- Festival Internacional de Cinema
Ambiental, Goiás, Brasil, 2011
366
Realização Edição fotográfica Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
VÍDEO NAS ALDEIAS Beto Ricardo (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Ernesto Ignácio de Carvalho
Vídeo nas Aldeias 25 anos : 1986-2011 / [Ana Carvalho Ziller Araújo,
Organização e textos João Musa
organizadora ; David Radgers, tradutor]. -- Olinda, PE :
Ana Carvalho Vincent Carelli
Vídeos nas Aldeias, 2011.
Ernesto Ignacio de Carvalho
Vincent Carelli Projeto gráfico Vários autores.
Traço Design Edição bilíngue: português/inglês.
Colaboração especial para o projeto Inclui DVD.
editorial e captação de recursos Bibliografia.
Correção de cor e acompanhamento gráfico
Beto Ricardo ISBN 978-85-65164-00-9
João Musa
1. Aldeias indígenas - Fotografias 2. Índios da América do Sul -
Entrevistas realizadas por:
Tradução Brasil - Fotografias 3. Povos indígenas - Brasil - Fotografia
Ana Carvalho
Gabriel Bogossian (português) I. Araújo, Ana Carvalho Ziller.
Ernesto Ignacio de Carvalho
David Rodgers (Inglês)
Leandro Saraiva 11-12255 CDD-779.9426

Entrevistas com: Revisão de texto

Índices para catálogo sistemático:
Ariel Ortega Ana Carvalho 1. Aldeias indígenas : Documentário fotográfico
Amandine Goisbault David Rodgers (português/inglês) 779.9426
Caimi Waiassé Letícia Cesarino (inglês/português) 2. Brasil : Índios : Documentário fotográfico
Camila Machado Olívia Sabino 779.9426
Carlos Fausto Fábio Costa Menezes
Divino Tserewahú
Ernesto Ignacio de Carvalho Pré-impressão e impressão
Isaac Piãko Ipsis
Jorge Morinoco
Leonardo Sette Produção dos DVDs e autoração
Patrícia Ferreira Fábio Costa Menezes
Pedro Portella
Takumã Kuikuro Restauração dos filmes
Tiago Campos Tôrres Wallace Nogueira
Vincent Carelli
Wewito Piãko
Legendagem
Zezinho Yube
Daniel Castelo Branco

Fotografias
Produção
Amandine Goisbault
Olivia Sabino
Beto Ricardo/ISA
Renata Mor
Carlos Fausto
Divino Tserewahú
Itamar Aguiar/PressPhoto Agradecimento
Ernesto Ignacio de Carvalho Claudio Tavares
Leonardo Sette
Marcus Mendes/AE Apoio
Tiago Campos Tôrres Embaixada da Noruega
Vincent Carelli
Patrocínio
Fotografias históricas NATURA
Arno Vogel Banco ITAÚ
Harald Schultz Programa Cultura Viva / Ministério da Cultura
Lamônica/Museu do índio/Funai
Paula Stefani © Vídeo nas Aldeias, 2011
 DVD 1
O Espírito da TV 1990 18’
A arca dos Zo’é 1993 22’
Eu ja fui o seu irmão 1993 32’
Shomotsi 2001 42’
Das crianças Ikpeng para o mundo 2001 32’
Kinja Iakaha, Um dia na aldeia 2003 42’

DVD 2
Cheiro de Pequi 2006 36’
Mulheres Xavante sem nome 2009 54’
Kene Yuxi, as voltas do Kene 2010 48’
Bicicletas de Nhanderu 2011 48’

371 372
 “ É uma alegria ter estes filmes e exibi-los na aldeia para as pessoas que participaram dessa
história. Imagina assistir a este filmes novamente daqui a cinco ou dez anos? Um filme é
mais bonito quando a gente deixa ele guardado por um tempo. Vira história.”
I S A A C P I N H A N T A Professor e cineasta Ashaninka

“ Essa observação atenciosa dos gestos das pessoas, esse respeito à situação em que elas se
encontram é algo que me parece ter sumido totalmente, ou quase, do cinema documentário
brasileiro... uma observação afetuosa e cuidadosa marca todos os filmes produzidos por
Vídeo nas Aldeias. Temos muito que aprender com eles.”
J E A N C L A U D E B E R N A D E T Crítico de cinema

“ Quando você filma uma festa e projeta, as pessoas começam a sentir...E isso surtiu um
efeito muito grande. As pessoas começaram a discutir, os velhos e os jovens começaram
a se entender. No início foi um movimento tímido, mas depois as pessoas começaram a
participar... Aí percebi que a luta não era mais apenas minha, mas de toda a comunidade.”
Z E Z I N H O Y U B E Agente agroflorestal e cineasta Huni Kuı̃

“ O DVD [O amendoim da cutia] é de longe o melhor filme que eu tenha visto sobre os índios
da América do Sul...Temos constantemente a sensação de sermos autorizados a ver a vida
indígena por dentro. A cura xamânica é um momento antológico.”
C L A U D E L E V I - S T R A U S S Antropólogo

PATROCÍNIO G O V E R N O F E D E R A L
Ministério
da Cultura
PA Í S R I C O É PA Í S S E M P O B R E Z A

REALIZAÇÃO
APOIO

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