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Parmênides - O Poema - trad. Gerardo Mello Mourão
Parmênides - O Poema - trad. Gerardo Mello Mourão
Hás de ser o guardião da palavra tanto é dizer ser como não-ser, e até
escutada, pois vou dizer-te quais os mesmo ser e não-ser, assim se perdem
caminhos – os únicos – em que hás de aqueles mortais. Todos eles não avan-
pensar em tua busca. O primeiro dos çam nunca; caminham para trás.
caminhos mostra aquilo que é, sem Não há força que consiga torná-los
qualquer obstáculo para impedir o ser. iguais, o ser e o não-ser. Melhor é afas-
Confia neste caminho, fiel à Aletheia. tar teu pensamento desse caminho de
Quanto ao outro, para saber o que não busca. E habituado à rica experiência,
é, mesmo que ele tenha poder legítimo não leves a essa contemplação um olho
sobre o ser proibido, por tal caminho, para não ver nada, um ouvido cheio de
advirto, nenhum passo poderá ser se- rumores, uma língua, mas deixando
guro. Pois está fora de teu poder saber ser o que é, aprende a pensar para ti a
o não-ser – não ganharás nada com diferença em que se trava a profunda
isso – nem que tua palavra o diga. de que te fala minha palavra.
Na verdade, pensar e ser é ao mes- Um só caminho resta, então, aberto
mo tempo a mesma coisa. à palavra, o caminho que ela nomeia:
Mas o que é ao mesmo tempo au- é. Sobre ele tantos signos se incorpo-
sente e presente, aprende a vê-lo, pelo ram, deixando claro que, inconcebível,
pensamento, com um olhar que nada o ser é também imperecível; inteiro,
possa desviar; pois, jamais o ser cor- de uma só vez, também inabalável e
tará sua ligação com o-não-ser-mais, incessante. Ele não era outrora, não
tal como acontece ao que se dispersa será nunca, pois é agora, inteiriço, de
em todos os sentidos e ao que se junta um só talhe, único: Onde buscar sua
para formar um todo. geração? Por onde e de onde teria po-
Coerente é para mim a partida; pois dido brotar? Do não-ser? E o que não
ela marca o lugar a que terei de voltar. te deixarei dizer nem pensar; pois não
se pode dizer nem se pode pensar que
Seja, então, deixado a si mesmo, ele não é, nem como. Como e por que,
como convém, permaneça assim, guar- na verdade, poderia aparecer, mais ce
dado em pensamento “sendo-ser”, e as- do ou mais tarde, surgindo do nada,
sim se abra a clareira do ser, pois sem para desabrochar sua flor? Ele preci-
essa abertura é o nada. Eis o que te peço sa ser plenamente, ou não ser. Nunca
que aprendas antes de qualquer outra também o vigor de segurança alguma
coisa. Que, antes de tudo, tua busca fi- poderá conceder que, nascido do nada,
que apartada desse caminho, e que to- outra coisa possa brotar ao lado dele
mes o outro, em seguida: ao longo dele, senão ele mesmo; por isso, nem para
é claro, perdem-se os mortais que nada nascer, nem para perecer, por qual-
sabem ver, os bifrontes. Na verdade, é quer afrouxamento de seus laços, terá
a inexperiência que leva o sentimento a permissão de Dikê que, ao contrário,
a perder-se em divagações no coração. os mantêm. A questão está assim di-
Tão surdos como cegos, levados de um vidida: é ou não é. E assim dividida,
lado para outro, embaraçados e perple- é preciso que, a todo custo, deixes
xos, sem discernimento, cujo destino um dos caminhos ao impensável e ao
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inominável, pois ele está fora de qual- seu lugar por um outro e brilhar aqui e
quer alcance. O outro, ao contrário ali com um brilho furta-cor.
está aberto. E é o caminho verdadei- Mas se o limite é derradeiro, por
ro. Como, então, senão depois disso, todos os lados é consumado, apresen-
desabrocharia o ser? Como poderia ter tando a volta de uma esfera perfeita, a
nascido? Pois se ele veio a ser, então partir do centro, em todos os sentidos,
não é, e não é também se um dia vier identicamente radiante; pois se fosse
a ser. Assim a gênese está extinta e o mais ou se fosse menos, não poderia
declínio desapareceu. estar aqui ou estar lá; nada poderia im-
Ele também não é divisível, pois é pedir sua igualha a si mesmo, e o ser
igual em toda parte, e nada pode jamais não pode ser aqui mais ser e ali me-
lhe acontecer, rompendo sua coesão, nos ser, já que por todos os lados está
para aumentá-lo ou diminuí-lo; eis que protegido. Todo igual a si mesmo, por
ele é em toda parte na plenitude do ser. todos os lados, ele encontrará também
Assim, tudo está nele, pois o ser é para a igualdade de seus próprios limites.
o ser do modo mais íntimo. E agora, para ti, ponho um ponto
E imóvel também nos limites de final à palavra exata e ao saber que toca
laços poderosos, assim é, sem princí- à Aletheia. A partir daqui, aprende, en-
pio nem fim, pois dele estão banidos tão, aquilo que interessa aos mortais,
nascimento e destruição, para longe e fica atento à ordem das coisas que
dele rejeitados, na segurança real da digo. Elas estabeleceram claramente
Aletheia. Permanecendo o mesmo no duas figuras, para denominar o que ti-
mesmo estado, em si mesmo repousa, nham em vista. Uma delas, tomada so-
fixo no mesmo lugar; pois em seu vi- litariamente, é inadmissível. Ficariam
gor a necessidade o mantém nos nexos todas soltas no ar. Separando em dois
de um limite que por todos os lados o o caráter, nem por isso criaram um an-
cerca, sem permitir jamais que ele es tagonismo, mas criaram marcas que
teja inacabado; em verdade, ele é, sem situavam uma ao lado da outra: aqui, o
haver coisa que lhe falte; não sendo as- fogo etéreo da flama, o fogo favorável,
sim, tudo lhe faltaria. o fogo leve, em tudo igual a si mesmo,
O pensar, e aquilo sobre que desa- sem nada de comum com o outro, e ali,
brocha o pensamento, são uma e a mes- face a face, o outro, reduzido a si mes-
ma coisa. Pois, fora do ser, que é o lugar mo: a noite obtusa, sem lições, opaca
de sua revelação, não acharás o pensar; e pesada figura. Uma conjunção assim,
nada é, com efeito, nem será, nem será desde que saudada com boas-vindas, é
outra coisa que não o ser e sua circuns o que te anunciarei claramente, para
tância; pois a partilha que é sua o ligou à que nunca, nunca, mortal algum leve
lei de uma integridade em repouso; por vantagem sobre ti.
isso mesmo, desde que seja, tudo será Mas já que tudo se há de chamar
nome; nele se fixaram os mortais, para luz e noite, estes dois nomes responden-
seus hábitos, confiantes em que não há do às respectivas significações em que
nada para lá do nome: tanto nascer co situam, aqui e ali, seus domínios, tudo
mo perecer, estar ou não estar lá, deixar está, ao mesmo tempo, cheio de luz e de
noite sem luz, nas mesmas proporções, Quando o macho e a fêmea mis-
se nada perturbar a uma delas. turam juntos a semente de Vênus, a
Mas tu saberás o luminoso de- força incorporada de sangues opostos
sabrochar do éter, tudo o que no éter cria corpos bem moldados, se é boa
oferece algum sinal, a obra devoradora a têmpera. Se nascidos de sementes
do fulgurante sol, puro facho, e do qual misturadas, porém, as forças entram
tudo provém; aprenderás também os em luta, e recusam-se a unir-se no
efeitos e a circulação da lua de redon- corpo surgido da mistura, e por sua
do olho, e como ela se formou. Saberás origem diversa prejudicarão o sexo da
ainda o céu que tudo sustenta em seu criatura.
contorno, de onde ele nasceu, e como É assim que, sem paradoxo, nas-
a precisão que o dirige fixou limites ao ceram as coisas, as que são agora, para
curso dos astros. a partir de então se encaminhar até seu
como a terra e o sol e a lua e o destino, depois de haver crescido; para
éter universal do céu e a celeste via- elas, todavia, os homens fixaram no
láctea e o Olimpo mais recuado e a mes que separadamente as nomeiam,
ardente força dos astros se projetaram cada uma com seu nome.
nos rumos de sua origem.
Os mais sólidos anéis estão Recife-BeloHorizonte-Londres-Dublin
cheios de mero fogo; outros, em segui- 1985
da, estão cheios de noite, mas entre os
dois penetra um trecho de flama. No
meio, a divindade que governa tudo,
pois é por toda parte que ela é a origem
do parto pelo Estige e do coito, levando
a fêmea a unir-se ao macho, e o macho,
por sua vez, a unir-se à fêmea.
Eros, o primeiro de todos os
deuses, foi sonhado antes de todos.
Estranha luz enluara a noite em
torno da terra errante.
olhar inquieto voltado para os
raios do sol
Com a resposta exata à confusão
dos membros ordenados na desordem,
é assim que o sentimento está entre os
homens. O Mesmo, em verdade, ele
que lhes permite, entre todos, o dom
do pensamento, é sua eclosão física,
tanto entre todos, como a propósito de
tudo; tal eclosão é propriamente o pen-
samento, em sua plenitude.
à direita os rapazes, à esquerda
as raparigas