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Parmênides ( fragmentos )

(Obs.: Os fragmentos 11, 13, 15 e 18 foram retirados do livro organizado


por Gerd A. Bornheim; os demais do de Kirk, Raven e Schofield.)

1. As éguas, que me transportam, tão longe que te impeliu a percorrer este caminho — pois
quanto o meu coração alguma vez podia almejar, bem longe ele fica do trilho dos homens —, mas
rapidamente me conduziram, depois de me terem o Direito e a Justiça. Convém que tudo aprendas,
levado e colocado no afamado caminho do deus, tanto o ânimo inabalável da rotunda verdade,
que conduz o homem sabedor por todas as cida- com as opiniões dos mortais, em que não há ver-
des. Por esta estrada fui eu levado, por este cami- dadeira confiança. Todavia aprenderás isto tam-
nho os sensatos animais me transportaram, pu- bém, como aquilo em que se acredita deve sê-lo
xando o carro, e donzelas me guiavam. E o eixo, sem dúvida, fazendo passar todas as coisas atra-
levado ao rubro, nos cubos soltava um silvo de vés de tudo.
uma siringe, pois de ambos os lados com força
era impelido pelas duas bem torneadas rodas, en- 2. Anda daí e eu te direi (e tu trata de leva-
quanto as filhas do Sol se apressavam por levar- res as minhas palavras contigo, depois de as teres
me para a luz, depois de abandonarem a morada escutado) os únicos caminhos da investigação em
da Noite e de com as suas mãos terem tirado os que importa pensar. Um, [aquilo] que é e que
véus das cabeças. [lhe] é impossível não ser, é a via da Persuasão
(por ser companheira da Verdade); o ouro, [aqui-
Aí se encontram os portões dos cami- lo] que não é e que forçoso se torna que não exis-
nhos da Noite e do Dia, encimados por um lintel ta, esse te declaro eu que é uma vereda totalmente
e pétrea soleira. Eles mesmos, bem altos no ar, indiscernível, pois não poderás conhecer o que
são fechados por grandes batentes, e a Justiça não é — tal não é possível — nem exprimi-lo por
vingadora empunha os ferrolhos alternados. A ela palavras.
seduziram as donzelas com brandas palavras e
habitualmente a persuadiram a retirar rapidamen- 3. Pois pensar e ser é o mesmo.
te a tranca aferrolhada dos portões. E, ao escan-
4. Mas olha para as coisas que, apesar de
cararem-se, fazendo, cada um por sua vez, girar
distantes, estão firmemente presentes ao teu espí-
nas chumaceiras os gonzos de bronze, ajustados
rito; pois não separarás o que é da sua ligação
com pregos e cavilhas, mostraram um abismo hi-
com o que é, nem dispersando-se, de qualquer
ante, na moldura da porta. Diretamente, através
modo por toda a parte, em ordem [i.e. ordem
deles, no amplo caminho, as donzelas guiaram os
cósmica], nem reunindo-se.
cavalos e o carro.
5. Comum é para mim o ponto por onde
E a deusa acolheu-me afavelmente, to-
começo; pois aí hei-de voltar novamente depois.
mou-me a destra na sua e dirigiu-se-me com estas
palavras: «Ó jovem, tu que vieste à minha morada
6. Forçoso é que o que se pode dizer e
na companhia de aurigas imortais, com corcéis
pensar seja; pois lhe é dado ser, e não ao que na-
que te transportam, salve. Não foi uma má sorte
da é. Isto te ordeno que ponderes, pois é este o

1
primeiro caminho de investigação, do qual eu te ser no futuro o que é? Como poderia gerar-se? É
afasto, logo, pois, daquele, em que vagueiam os que, se se gerou, não é: nem é, se alguma vez vier
mortais que nada sabem, gente dicéfala; é que a a ser no futuro. Assim se extingue a geração, e a
incapacidade lhes dirige no peito o pensamento destruição é coisa inaudita.
errante, e são levados simultaneamente surdos e
cegos, aturdidos, em hordas sem discernimento, Nem é divisível, pois é homogêneo; nem
que julgam que ser e não ser são e não são a é mais aqui e menos ali, o que impediria de man-
mesma coisa; e que o caminho que todos eles se- ter a coesão, mas tudo está cheio do que é. Assim
guem é reversível. é todo contínuo: pois o que é aproxima-se do que
é.
7. Pois nunca à força será mantida a de-
monstração de que existe o que não é, mas deves Mas, imobilizados nos limites de poten-
afastar o teu pensamento desta via de investiga- tes grilhetas, existe sem começo ou interrupção,
ção, e não permitir o hábito, filho da minha expe- já que geração e destruição se transviaram para
riência, te obrigue a seguires te caminho, ao fazer muito longe, e a convicção verdadeira as repeliu.
com que uses um olhar que para nada se dirige ou Ao manter-se o mesmo e no mesmo lugar, em si
um ouvido e uma língua cheia de sons sem signi- mesmo repousa e assim firme há-de permanecer.
ficado: julga com a razão a prova muito contesta- Pois a forte Necessidade o retém nas grilhetas de
da, a que me referi. um limite, que de ambos os lados o encerra.

8. De um só caminho nos resta falar: o do Por isso é justo que o que é não deva ser
que é. Neste caminho há indícios em grande imperfeito; pois de nada precisa – se assim não
número de que o que é ingênito e imperecível e- fosse, de tudo careceria. A mesma coisa é pensar
xiste, por ser completo, de uma só espécie, inaba- e é por isso que há pensamento. Pois, em tudo o
lável e perfeito. que se disse, não encontrarás o pensar sem o que
é. Nada há ou haverá para além do que é, visto
Nunca foi nem será, pois agora é como que o Destino o acorrentou por forma a ser um
um todo, um só, contínuo. Pois que origem lhe todo inamovível. Por isso tem sido chamado to-
poderás buscar? Como e donde cresceu? Não te dos os nomes que os mortais lhe puseram, con-
permitirei que digas ou que penses a partir do que vencidos de que esses nomes eram verdadeiros –
não é; e que necessidade o teria levado a surgir gerar-se e destruir-se, ser e não ser, mudar de lu-
mais tarde, em vez de mais cedo, se viesse do na- gar e alterar a cor brilhante. Mas uma vez que há
da? Assim, força é ou que seja inteiramente ou um limite extremo, está completo, como a massa
absolutamente nada. Nem a força da persuasão de uma esfera bem rotunda de todos os lados, em
consentirá que, junto do que é, algo possa surgir igual equilíbrio em todas as direções a partir do
alguma vez do que não é. Por isso a Justiça jamais centro. Pois força é que não seja um tanto maior
soltou as grilhetas para lhe permitir nascer ou pe- ou um tanto menor num ou noutro ponto. De fa-
recer, antes as segura firmemente. E a decisão a- to, nem há não-ser, que o impeça de atingir o seu
cerca disto reside no seguinte: é ou não é. Mas igual, nem há ser de uma forma tal, que seja mais
decidido está, de fato, como é necessário, aban- num lado e menos noutro, pois é todo inviolável:
donar um dos caminhos por impensável e inex- é que por ser igual a si mesmo por todos os lados,
primível (pois não é caminho verdadeiro), mas encontra-se uniformemente nos seus limites.
que o outro é real e autêntico. E como poderia

2
Com isto dou por findo o meu discurso de noite, mas com uma parcela de chama injetada
digno de fé e o meu pensamento acerca da ver- no seu interior; e no meio deles encontra-se a
dade; de ora avante aprende as crenças dos ho- deusa que dirige todas as coisas; pois é ela quem
mens mortais, escutando a ordem enganadora das governa o odioso nascimento e a união de todas
minhas palavras. as coisas, ao impelir a fêmea a unir-se ao macho,
e o macho, por sua vez, a unir-se inversamente à
Pois decidiram dar nome a duas formas, fêmea.
das quais não precisavam de nomear mais do que
uma – foi esse o seu erro – e distinguiram-nas 13. Em primeiro lugar criou (a divindade do
como opostas na aparência e atribuíram-lhes nascimento ou do amor), entre todos os deuses, a
marcas diferentes uma da outra – a uma a chama Eros (...)
etérea do fogo, brando e mito leve, em todas as
direções idêntico a si mesmo, mas não idêntico 14. Uma luz alheia, que brilha de noite, er-
ao do outro; e esse outro é também em si mesmo rando em volta da terra.
precisamente o contrário, noite escura, denso na
15. (A Lua:) Brilhante durante a noite, luz
aparência e pesado. A total ordenação disto eu te
estranha errante em torno à Terra.
anuncio, como se afigura ajustada, pois assim ne-
nhum pensamento dos mortais alguma vez há-de
15a. (A Terra:) Enraizada na água.
transviar.
16. Assim como é, em qualquer momento, a
9. Mas, como tudo recebeu o nome de luz
mistura dos membros, assim também está presen-
e de noite, e às coisas lhes foi dado este ou aque-
te nos homens a mente; pois o que pensa é a
le, segundo os seus poderes, tudo está, a um tem-
mesma coisa, nomeadamente a substância dos
po, repleto de luz e de noite sombria, ambas i-
seus membros, em todos e cada um dos homens;
guais, visto nenhuma delas ter qualquer quinhão
é que o que prepondera é o pensamento.
de nada.
17. À direita, rapazes, à esquerda, raparigas ...
10. E conhecerás a natureza do aither e de
todos os sinais [i.e. constelações] que nele há e as 18. Quando mulher e homem misturam as
obras destruidoras do puro archote do sol res- sementes do amor, a força, quando em equilíbrio,
plendente, e de onde eles se geraram; e ouvirás forma nas veias, de sangues diferentes, corpos
falar das obras errantes da Lua de olhos redondos bem constituídos. Mas se, ao misturarem-se as
e da sua natureza; e conhecerás também o céu sementes, as forças permanecem em luta e não
circundante, de onde nasceu e como a Necessi- produzem uma união no corpo que resulte da
dade, que o rege, o acorrentou para conter os li- mistura, afligirão funestamente a vida nascente
mites dos astros. por duplicidade de sexo.

11. (...) como Terra e o sol e a Lua e o éter 19. Deste modo, segundo a crença, estas
universal e a celeste via-láctea e o Olimpo mais coisas se criaram e agora existem, e, uma vez a-
extremo e também como a cálida força das estre- tingida a maturidade, chegarão ao seu turno de-
las começaram a existir. pois disto no futuro; e a elas os homens puseram
um nome para as distinguir uma por uma.
12. Os anéis de menor diâmetro estão cheios
de fogo sem mistura, e os que lhes são contíguos,

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