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Confissão

Elementos da Confissão
ANTÔNIO DONATO

Aula 2

[versão provisória]
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Na aula passada falamos sobre a natureza dos sacramentos. Falamos que eles são sinais
simbólicos que produzem realmente aquilo que significam, e isso graças aos méritos da morte
e ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo. Falamos que eles produzem a graça e que cada
um dos sete sacramentos, além de infundir a graça, têm também efeitos especiais, que
funcionam como instrumentos de uma oficina de um carpinteiro muito sábio, onde ele, além de
usar os próprios conhecimentos e a própria habilidade, tem a disposição vários instrumentos
para fazer determinadas coisas. Inclusive, na sua teologia, Santo Tomás de Aquino chama os
sacramentos de causas instrumentais. Portanto, a comparação é reconhecidamente muito
correta.
Então, na verdade, é como estivéssemos numa oficina onde Jesus, o Verbo Encarnado, é o
carpinteiro e tem um projeto a executar. E dentro desse projeto, Ele usa Dele mesmo, da Sua
sabedoria, da Sua vontade, do Seu poder e, no meio de todas as coisas, usa esses instrumentos,
os setes sacramentos. Esses sete sacramentos, portanto, fazem parte de um objetivo maior a ser
alcançado, a saber, a santidade, a plena filiação divina, a comunhão com Deus, o acolhimento
da herança do Reino dos Céus, a graça do Espírito Santo – todas essas são maneiras de se
expressar a santificação humana através da sua causa direta.
Eu lembro que numa das aulas onde estávamos dando a preparação da Confissão, comentamos
justamente uma frase de Santo Tomás de Aquino, que diz que a essência do Evangelho é a graça
do Espírito Santo, que é dada àqueles que de creem em Cristo. Isso é a mesma coisa que dizer
que é a santificação humana, que é a graça do Espírito Santo, que é a própria causa da
santificação humana em vários sentidos. Se a natureza do Evangelho é a graça do Espírito Santo,
é porque ela é a santificação humana, que é dada àqueles que se aproximam de Cristo através
da fé, da esperança e da caridade.
Falamos também que os sacramentos são justamente instrumentos para nos aproximarmos do
Cristo e da graça que Ele nos infunde. Ou seja, é muito importante, pouco a pouco, nós
entendermos não só como funcionam os sacramentos, mas entender como eles funcionam
dentro desse contexto maior.
Antes de prosseguirmos, há uma pequena observação a fazer: dentre os demais, o primeiro
sacramento que recebemos é o do Batismo; só o podemos receber uma vez, pois a partir daí é
para sempre. Sem o sacramento do Batismo, todos os outros sacramentos são inválidos. Os
sacramentos são dispostos de tal maneira que, caso o indivíduo não batizado receba qualquer
um dos outros sacramentos, eles não tenham valor nenhum, ou seja, é preciso ser batizado para
receber os outros. O Batismo é a “porta de entrada” para os demais sacramentos. É pelo Batismo
que nos tornamos cristãos. E tornamo-nos cristãos exatamente com esse propósito: receber a
graça do Espírito Santo, isto é, santificar-se, tornar-se filho de Deus. Todos os sete sacramentos
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e toda a vida cristã pressupõe que, quando a pessoa se batiza, ela faz um acordo de amor e
comunhão com Deus pelo o qual ela aceita santificar-se.
É dentro desse sentido que temos de entender como funcionam os demais sacramentos. Os
sacramentos são instrumentos que Cristo Jesus usa para poder ajudar-nos na santificação, mas
não são toda santificação – assim como a carpintaria não consiste apenas em utilizar o martelo.
É uma parte da coisa, parte muito importante. É muito difícil ser carpinteiro sem usar martelo
– até que dá, mas é quase impossível. Não se consegue fazer uma obra de carpintaria sem usar
o martelo – pode até haver algum jeito, mas ordinariamente usa-se o martelo. A ideia básica,
por trás disso que estou falando, é que pelo Batismo o cristão deseja profundamente santificar-
se. A ideia do Cristianismo é convidar-nos para a plena santidade. Notem que quando falamos
de plena santidade, não imaginem apenas o católico praticante; estamos falando daquelas
pessoas: São Bento, São João Bosco, São Francisco de Assis, Santo Antônio de Pádua, São
Tomás de Aquino, Santa Tereza de Ávila, Santo Agostinho – todos aqueles que nós realmente
reconhecemos uma santidade eminente. Quer dizer, pelo Batismo, nós estamos comprometidos
com uma coisa desse tipo e Deus também conosco [está comprometido].
Se não entendemos isso, [se não entendemos que a finalidade da vida cristã é santificar-se],
[quem se torna-se cristão assemelha-se a um aluno que] entra na Faculdade de Medicina para
ter o direito de usar a piscina da escola apenas, isto é, ele não entende que está lá para ser
médico. Outra analogia: é como se ele tivesse se tornado aluno de medicina apenas porque ele
vai ter a possibilidade de melhorar a sua leitura por tanto ler livros. Sim, é verdade, ele vai
melhorar a leitura. Mas, se ele entrou na Faculdade de Medicina, é para ser médico, é para fazer
cirurgias e curar as pessoas. Algumas pessoas podem querer ser cristãs porque os cristãos levam
uma vida mais regrada, mais ordenada, não “dá murro em ponta de faca”, [0:10] não se envolve
com drogas; quando monta uma família, a família é mais ordenada, tem uma vida mais
agradável. Todavia esse não é o objetivo [original de ser cristão]. Quem faz uma faculdade de
medicina, tem direito ao uso da piscina, tem direito ao plano de saúde da escola da faculdade,
tem direito de almoçar pagando menos na bandejão etc., porém o sujeito não entra lá para isso,
ele entra lá para se tornar médico. Desse modo, algumas pessoas resolvem ser cristãs apenas
porque imaginam – o que é verdade, claro – que se não seguirem os mandamentos, sofrerão
uma condenação eterna, isto é, elas querem apenas se livrar da condenação eterna: “Ah!, eu me
batizei. São essas somente as regras? Então, seguindo-as, estou realmente livre da condenação?
Pois bem! Estou satisfeito! Graças a Deus!”. É mesma coisa se dá com o cidadão que torna-se
parlamentar apenas para adquirir a imunidade parlamentar: “Até que enfim! Agora eu sou
senador, agora eu não posso mais ser preso. Se acontecer alguma coisa, eu só serei julgado pelo
STF” – ou seja, ele não entendeu que ele se tornou senador para aperfeiçoar as leis da república,
que a finalidade dele não é a imunidade parlamentar.
Portanto, devemos saber que pelo Batismo nós nos comprometemos com a santificação – a
pessoa que se batiza deveria ter um desejo imenso de santificar-se. Obviamente isso não é uma
coisa que se saiba como fazer. Para tanto, é preciso estudar a doutrina com profundidade, pois
normalmente isso é algo que está bem acima do nível que habitualmente as pessoas se
encontram quando se batizam. Infelizmente, nessas nossas aulas, não nos deteremos de falar de
tudo, do modo como santificar-se, mas falaremos, dentro dessa perspectiva de busca pela
santificação, apenas de um ponto específico dentro de toda essa perspectiva – analogamente
podemos dizer que é como uma pessoa que estuda para ser piloto de avião estivesse fazendo
um curso específico de meteorologia, isto é, é um assunto importantíssimo que tem de se
dominar, mas que não é uma aula de voo completo. Desse modo, falaremos dos sacramentos,
mas especialmente do sacramento da Confissão.
Eu falo essas coisas para vocês poderem ter uma ideia do contexto mais amplo, para vocês
saberem que não estamos aqui apenas para nos confessarmos. Na verdade, nós estamos aqui
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para sermos santos e a Confissão é um instrumento que não podemos deixar de usar – apesar
de sabermos, como dito acima, que ela não é toda a “ciência do voo”, mas apenas um capítulo
importante que merece um curso à parte. Junto com a Confissão, falaremos também algo sobre
a Eucaristia, todavia, as demais coisas vocês deverão procurar saber em outras ocasiões.
Em relação a Confissão em si, antes de entrarmos na questão da moral, vimos que temos sete
sacramentos, que a “porta de entrada” dos demais sacramentos é o Batismo, que se não nos
batizarmos, não podemos receber os demais sacramentos – portanto não adianta confessar-se,
pois isso seria inválido e não produziria o efeito da graça, mas tão somente o efeito do puro
simbolismo. Vimos que o Batismo, como todos os demais sacramentos, infunde a graça e, ao
infundi-la, perdoa os pecados. Vimos que o Batismo não só aumenta a graça santificante,
quando ela existe na pessoa, mas também a infunde, quando a pessoa não a tem. Sendo assim,
as pessoas que recebem o Batismo não precisam confessar os pecados passados. Pela doutrina
cristã e pelo modo como Jesus encaminhou a prática dos sacramentos, vemos que quando uma
pessoa se batiza, ela tem de fazer uma reflexão a respeito dos pecados de sua vida passada, isto
é, aqueles atos que vão contra a lei de Deus. Ela tem de reconhecer esses erros que ela cometeu
e fazer o propósito de não voltar a cometê-los, de mudar de vida e começar a caminhar em
direção à santidade. Sendo assim, ela não precisa confessar nenhum desses atos [no momento
do Batismo]. [Interrupção]
As pessoas quando se batizam, além de ter a certeza de que realmente creem na Revelação
Cristã e de que realmente se propõem a buscar a santificação, elas têm também de reconhecerem
os próprios pecados, se arrependerem deles e fazer o propósito de não voltar a cometê-los.
Porém, na ocasião do Batismo, não é necessário que as pessoas que se batizam se confessem.
No entanto, a doutrina fala que quando a gente – seja por descuido, desleixo, culpa etc. – cai
em algum pecado grave, depois do Batismo, nós somos obrigados a confessá-los. Ou seja, dali
pra frente receber o sacramento não basta, nós temos de nos confessar segundo uma
metodologia que também a Igreja nos prescreve. É justamente dessa metodologia que iremos
falar agora. Falaremos como é que se usa do sacramento da Confissão. Entretanto, não
abordaremos agora o conteúdo da moralidade que ela implica.
O sacramento da Confissão existe principalmente para perdoar os pecados graves que tenhamos
cometido depois do Batismo. Todavia, ele não se restringe a isso, a perdoar. A Confissão
também infunde a graça santificante. Ou seja, mesmo que a pessoa [0:20] não tenha cometido um
pecado grave em algum momento ou entre uma Confissão e outra, a Confissão, ainda assim,
não é inútil. A Penitência infunde a graça em quem a recebe adequadamente do mesmo modo
como qualquer outro sacramento. Exatamente por isso, é obrigatório que a gente confesse
quando percebemos que cometemos um pecado grave, mas não é obrigatório deixar de
confessar-se se não cometemos nenhum pecado grave. A propósito, é bom que nos confessemos
regularmente, pois isso nos infunde a graça santificante.
Como dito anteriormente, o perdão dos pecados não funciona de maneira contábil. O perdão
dos pecados se dá de maneira indireta, isto é, infundindo-nos a graça. [Interrupção] Essa infusão
da graça não apenas produz o perdão dos pecados, mas produz um próprio aumento da graça e,
principalmente, algo notável, um fortalecimento contra a nossa fraqueza em relação ao pecado
– o que é muito perceptível quando nos confessamos regularmente. Percebemos claramente,
depois que saímos da Confissão – não no momento da absolvição, mas depois, ao voltarmos
para a vida comum – que recebemos uma espécie de vacina, uma espécie de fortificante, algo
além daquilo que teríamos conseguido por meios naturais da nossa firmação de propósito, algo
como uma espécie de proteção sobrenatural contra a fraqueza do pecado que temos.
Se, quando você foi se confessar, você caía muito em pecados de raiva, contra a castidade etc.,
se você se propôs a não fazer mais essas coisas, se você mudou de ideia, meditou, refletiu, se
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você já está diferente porque fez todos esses propósitos e você se confessa, ao sair da Confissão,
depois de alguns momentos, você percebe que o seu propósito ficou suavemente mais firme do
que antes da Confissão. Isso tudo é mais notável quando você faz todos esses propósitos,
quando você realmente decide que vai se emendar e, por algum acaso, você não se confessa:
esse fortalecimento contra o pecado normalmente não aparece, restando apenas a força dos
próprios propósitos. Ou seja, existe alguma coisa que a Confissão nos coloca para nos fortificar
contra os pecados. Isso não é definitivo, é apenas uma ajuda. Isso não nos impede absolutamente
de não mais pecar. Inclusive, exatamente por causa disso, vale a pena que nos confessemos
regularmente, até mesmo se não cometemos algum pecado grave. Pois realmente, a Confissão
perdoa os pecados, se eles houverem sido cometidos e também nos infunde a graça santificante
– o que já valeria a pena por si só.
Obviamente, a Confissão é um instrumento de santificação valiosíssimo. A gente percebe
clarissimamente a tremenda ajuda que a Confissão é na nossa santificação pessoal, isso com
um pouco de prática, se realmente temos fé e amor e se levamos uma vida espiritual com um
mínimo de prática. Se estamos tentando nos emendar de nossos defeitos, de nossos pecados,
muito mais do que os propósitos que fazemos, as meditações, as resoluções, a força de vontade
empregada, a ajuda da graça ordinária – aquela que está de fora do sacramento –, vemos que a
Confissão dá uma “catapultada” fora do ordinário em nós. Portanto, é bom nos confessarmos
regularmente e o quanto for possível.
Nas circunstâncias, por exemplo, onde moramos num convento, num seminário, etc., onde tem
bons confessores disponíveis, se vivemos de maneira condizente, muitas regras religiosas
recomendam que nos confessemos semanalmente. A regra dos jesuítas, escrita por Santo Inácio
de Loyola, recomendava que os seminaristas e os clérigos se confessassem toda semana. Hoje
em dia é um pouco difícil de fazer isso: faltam padres, a cidade é enorme e os bons padres que
podem ouvir confissões têm pouco tempo etc. A recomendação que dou, portanto, em
consideração a isso tudo, é que não deixem de se confessar por mais de dois meses. Se for
possível, confessem-se pelo menos uma vez por mês. Se for muito fácil confessar-se, se tiverem
amizade com algum padre ou se morarem numa paróquia onde é fácil serem atendidos,
recomendo que se confessem toda semana – isso não é nada mal e inclusive é uma ajuda
tremenda, que não pode ser desprezada. Obviamente, para tanto, é preciso entender o espírito
da coisa e é preciso que seja feito conforme a natureza mesma do sacramento.
Genericamente, a doutrina dos catecismos [0:30] oficiais e da teologia nos diz que a Confissão
tem cinco elementos. Em certo sentido podemos dizer até que são seis, isto é, podemos
adicionar um sexto elemento – ele de fato existe, ele está presente, mas não consta na lista
comum. Esses elementos nós precisamos guardar de cor1, na nossa alma, devemos tê-los sempre
presentes para percorrê-los, checando se passamos realmente por eles. Ao enumerá-los, teremos
basicamente um roteiro para checarmos se preparamos corretamente a Confissão.
O primeiro deles é o exame de consciência. Antes de nos confessarmos, temos de examinar a
nossa consciência para que nos lembremos de todos os pecados que cometemos desde a última
Confissão válida. Quando é a primeira Confissão que fazemos depois de estarmos afastados da
Igreja por muito tempo, depois de termos feito de tudo no mundo – algo que é comum hoje em
dia –, esse exame de consciência pode ser bem demorado, pode levar alguns dias para fazê-lo.
Depois de nos confessarmos a primeira vez, depois de adquirirmos um certo costume de
confessar-se, esse exame de consciência leva apenas alguns minutos. Às vezes sequer é preciso
um exame de consciência propriamente dito, pois a pessoa lembra-se de tudo num instante, por
ter bem presente na sua consciência aquilo que ela fez. Então, normalmente apenas o primeiro

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“Saber de cor”, “de coração”, do latim cor, cordis. – NR
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exame de consciência que é trabalhoso e exige um cuidado especial – os demais são necessários,
mas não são coisas complexas.
No exame de consciência, temos de nos lembrar de todos os pecados que fizemos desde a última
Confissão bem-feita – ou então de todos os pecados cometidos durante a vida, no caso de a
pessoa não ter se confessado nunca. Como foi dito, no Batismo não é preciso confessar todos
os pecados, mas é necessário fazer o exame de consciência. Ou seja, o sujeito não tem de
confessá-los, mas tem de ter consciência de que os cometeu para que possa fazer o propósito
de não voltar a cometê-los.
No exame de consciência, nós não temos de investigar aquelas coisas que afligem a nossa
consciência, nós temos de procurar aquelas coisas que vão contra a lei de Deus, aquela lei
objetivamente revelada.
É muito comum, por exemplo, os sacerdotes ouvirem confissões de aborto das pessoas que não
se confessam a anos – isso é experiência contada por eles mesmo. A psicologia do aborto é a
seguinte: depois de feito o aborto, esse pecado começa a torturar a pessoa, ainda que ela não
seja católica. Às vezes a pessoa resolve ter outro filho, para poder compensar o abortado, mas
isso não a livra da culpa, que continua remoendo-a. Às vezes, a pessoa tenta fazer um tratamento
[psicológico], ela tenta fazer uma viagem etc., [mas isso não resolve]. Depois de uns vinte ou
trinta anos, quando ela já não aguenta mais, ela vai procurar um padre para dizer que pecou. No
entanto, o único pecado que ela confessa é o do aborto. Ou seja, ela passa vinte ou trinta anos
fora da Igreja, fez tudo o mais de ruim, mas apenas quer se livrar do aborto. Vemos, na verdade,
que ela está avaliando a vida moral dela de acordo com o sentimento de culpa que ela tem e não
objetivamente de acordo com o que Deus a manda.
É bom que prestemos atenção naquilo que a nossa consciência costuma nos afligir. Geralmente,
se ela nos aflige, é porque fizemos alguma coisa de errada. Ou seja, às vezes estamos tão errados
que, mesmo tendo uma cosmovisão totalmente errada mundo, a nossa consciência não consegue
livrar-se da aflição – quando é assim, deve haver alguma coisa aí a ser examinada.
Portanto, o exame de consciência não deve ser feito investigando aquilo que nos aflige. Não
importa se a coisa nos aflige ou não. No nosso exame de consciência, devemos julgar os atos
por nós cometidos de acordo com o que Deus prescreve e revela, de acordo com o que a Igreja
ensina que é pecado, somente segundo essas regras bem claras e objetivas. Isso é
tremendamente importante porque, em primeiro lugar, a gente aprende a deixar de ser subjetivo.
Esse é o primeiro passo pra gente conseguir se livrar do sentimento de culpa.
O sentimento de culpa é muito enganoso nas pessoas. Muitas vezes o sentimento de culpa nos
culpa em coisas onde não tivemos culpa e não nos culpa em coisas onde tivemos culpa. Esse
sentimento está sujeito a uma série de circunstâncias que não tem nada de objetivas. As pessoas
que mais sofrem com o sentimento de culpa são exatamente aquelas que não se confessam. A
gente julgar objetivamente os nossos erros de acordo com uma regra externa bem conhecida e
que não está sujeita a variações faz com que a gente alcance autoconhecimento. O exame de
consciência é para ser feito, a princípio, de acordo com a moral cristã. Temos de estudar a moral
cristã por Deus revelada e investigar com seu auxílio os pontos em nossa vida em que
cometemos erros.
A gente pode anotar num papel, caso o exame de consciência seja longo ou caso seja a primeira
vez que o fazemos, mas isso não é obrigatório, caso consiga lembrar-se de tudo. É bom não
guardar as coisas que vocês escrevem para se confessar. Também é bom não escrever os
pecados que vocês cometem a não ser no momento em que vocês vão fazer o exame de
consciência para aquela Confissão – isso é uma prática muito ruim que eu tenho visto em
algumas pessoas e que só traz problemas, ou seja, não acostume-se a cometer um pecado e, para
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não esquecê-lo, anotá-lo: isso é péssimo e só traz confusão. Eu recomendo a vocês que, dentro
do possível, o exame de consciência seja feito apenas de memória e apenas no momento em
que vocês estão se preparando para a Confissão – pode fazê-lo também todo dia, de memória,
mas para se emendar dos pecados do dia. [0:40] Quando vocês forem se confessar pela primeira
vez, vocês podem anotar o exame de consciência, porque ele pode ser maior e mais demorado.
O exame de consciência é o primeiro grau de conscientização sobre a verdadeira vida moral
que temos. Erramos moralmente muitas vezes porque não pensamos e não refletimos. Quando
fazemos um exame de consciência, começamos a fazer um inventário segundo uma lei externa
e começamos a adquirir um primeiro domínio sobre nós mesmos.
O segundo elemento desse sacramento é o arrependimento, que significa reconhecer, nos casos
em que você cometeu o pecado, que você realmente estava errado e detestar esses atos
cometidos, pelo menos racionalmente. [Interrupção]
O arrependimento é mais do que o exame de consciência. No exame de consciência, você
lembra dos seus pecados segundo uma regra externa. No arrependimento, você tem que checar
se você realmente, além de lembrar dos pecados que cometeu segundo essa regra externa,
reconhece que foi um erro. É muito fácil reconhecer que se foi contra uma regra prescrita por
Deus. Porém, num caso em específico, a pessoa pode apresentar na situação alguma coisa que
ele pense que atenue ou livre-o da culpa. Por exemplo, não se pode bater na mulher, na esposa.
Isso é errado e, digamos, que a pessoa o fez: “Ah, eu fiz isso. Mas também tem de ver o que ela
fez, pois diante disso eu tinha de bater nela”. Ou seja, a pessoa reconhece a ação cometida, ela
reconhece que aquilo é um erro, mas ela não reconhece que tenha errado na ocasião em
específico.
Por exemplo. Digamos que beber é errado, embebedar-se pior ainda: “Ah, mas diante da vida
que eu levo, diante dessas amarguras que tenho, não tenho mais o que fazer. Eu não sou um
homem rico. Eu não posso ir em divertimentos. Eu não posso viajar. Se eu não beber, eu vou
entrar numa depressão fora do comum. Deus não pode me condenar por causa disso”. Ou seja,
a pessoa reconhece que embebedar-se é pecado, ela reconhece que ele se embebedou, mas
naquelas circunstâncias ela pensa que tais motivos a desculpam, que não é, portanto, algo grave.
As pessoas têm o costume de fazer isso.
Outro exemplo: “Sim, eu sei que fazer aborto é um pecado gravíssimo. Mas naquelas
circunstâncias, eu não tinha condições de sustentar uma criança. Eu não tinha sequer condições
psicológicas. Por isso, eu tinha de abortar mesmo. Não havia outra solução”. Ou seja, ela
reconhece que isso é um pecado grave, ela reconhece ter feito isso, mas ela arruma uma
desculpa para dizer que não é gravemente culpada. Nessa situação, na verdade, ela não se
arrependeu; ela poderia até fazê-lo novamente. Pode acontecer, porém, de ela não se colocar a
disposição de fazê-lo de novo, de ela não abortar novamente porque aquilo a machucou muito,
isto é, ela ainda não reconhece a culpa do pecado, mas não faria novamente porque sofreu
consequências indesejadas. Ou seja, ela não o faria mais, nem se ela se encontrasse na mesma
situação novamente; ela não reconhece a culpa porque acha que na situação em questão não
havia outra escolha, e por isso não se arrepende.
Nos exemplos acima, não há arrependimento. É pior ainda quando nem mesmo se reconhece o
erro em sua generalidade. As pessoas dos exemplos dados acima não reconhecem o erro em
suas situações específicas e particulares, ou seja, “A situação é errada, mas no meu caso eu não
estava errada”. Pior do que não reconhecer particularmente o pecado, é não o reconhecer de
maneira alguma – é achar que abortar é um direito, é achar que bater na esposa é um direito etc.
Deixar de reconhecer o pecado apenas particularmente não adianta, mesmo supondo-se que a
pessoa não queria pecar mais. Seja porque aquilo a machucou, seja porque aquilo a remorseou,
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seja porque a partir daquilo as consequências geradas lhes foram causa de arrependimento, se
ela não reconhecer que aquilo foi um erro, ela não deveria se confessar, pois ela não está
arrependida, ainda que ela tenha a firmeza de não voltar a fazê-lo.
Por outro lado, arrepender-se não é tão difícil. Não é necessário ser um filósofo para que consiga
enxergar o motivo daquilo ser errado – Deus, nesse ponto, resolveu as coisas facilmente para
todo mundo, pois Ele mesmo revela o que é errado, seja pela Sagrada Escritura, pela Igreja ou
pelo magistério. É suficiente para reconhecer o erro, caso não enxerguemos onde está a malícia
da coisa, pelo menos aceitar que, se Deus nos ensina assim, Ele sabe, portanto, o que está
fazendo e, assim, assumir a culpa. O bom seria, porém, que compreendêssemos onde está o
erro, além daquilo que nos diz a Revelação. A maioria desses pecados são pecados contra o
direito natural, ou seja, o normal seria a gente perceber que matar é um crime não só porque
Deus assim nos informa.
Por exemplo, os índios brasileiros tinham muita dificuldade em entender que o canibalismo é
errado. Eles achavam isso uma coisa muito comum. Muitos deles se confessavam, prometiam
que não iriam comer mais ninguém, mas somente porque Deus estava mandando. No fundo, no
fundo, eles ainda sonhavam com um sopão de carne humana. Inclusive, tem a história de uma
índia, que enquanto morria o Padre Anchieta foi confessá-la. Nisso, ele perguntou: “Qual é o
seu último desejo?”. E ela disse: “Olha, na verdade, eu estou meio confusa, porque o que eu
queria era uma sopa de dedinhos de criança. Mas, pelo jeito, Deus não gosta disso, né?”. Ou
seja, pelo menos ela aceitou que Deus não gostava disso, e isso já era o suficiente. Ela não
percebia onde estava o erro, mas ela aceitava que era errado.
Depois que fazemos o exame de consciência, temos de checar se realmente a gente aceita que
aquelas coisas que Deus nos diz que é errado são realmente consideradas erradas por nós,
sobretudo nas condições em que a cometemos. Por exemplo, você estava endividado e resolveu
roubar um banco: você tem de aceitar que estar endividado não é desculpa para roubar um
banco. A tua mulher te xingou e você deu um tabefe nela: você tem de aceitar que ela te xingar
não te desculpa de ter batido nela. Você engravidou fora das circunstâncias ideais: isso não
justifica você fazer um aborto, você está errada. E daí por diante. Todos inventamos desculpas.
Hitler matou seis milhões de judeus: na cabeça dele, ele se justifica falando que esses judeus
estavam fazendo um mau enorme para humanidade e que não havia outra coisa a se fazer – ele
tinha de entender que [0:50] isso é um pecado, que não se pode matar seres humanos dessa
maneira.
O terceiro elemento é o propósito, isto é, propor-se nunca mais voltar a pecar. O sacramento da
Confissão exige que esse propósito seja universal e definitivo, ao menos para todos os pecados
graves. A doutrina cristã admite que existem pecados graves e leves. Mas existe também uma
coisa que chamamos de imperfeição – falaremos dela em outro momento. Para a gente se
confessar, é necessário ter a certeza de que se está arrependido de todos os pecados graves. Não
é obrigatório que isso se estenda aos leves também, apesar de que isso seria bom. É obrigatório
também que o propósito se estenda a todos os pecados graves, sem exceção e imediatamente.
Ou seja, quando por ocasião da Confissão, tem de se ter o propósito firme de abandonar
definitivamente e imediatamente tudo aquilo que Deus ensina que são pecados graves, isto é,
não se pode propor-se a abandoná-los gradualmente.
É muito comum, hoje em dia, quando as pessoas reconhecem os seus erros, elas os irem
abandonando de pouco em pouco. Acontece isso com a bebida e com as drogas, por exemplo.
Para essas pessoas, para quem não está disposto a largar imediatamente, existem programas,
alguns muito bons inclusive. Para quem não está disposto a largar imediatamente, é melhor
estar disposto a largar gradualmente do que não se dispor a largar nunca. Porém, para a
Confissão, largar aos poucos não adianta. A Confissão exige que a pessoa tenha um propósito
total, definitivo e imediato. Tem de fazer o exame consciência, tem de se arrepender e tem de
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se propor a largar todos pecados graves para sempre e imediatamente. Se a pessoa se propor a
largar todos os pecados graves menos um, a Confissão é nula. Também para quem se propõe a
largar os pecados graves somente gradualmente, a Confissão é nula. Isso funciona de maneira
extraordinária.
Não existe outra maneira de abandonar os pecados, pelo menos os graves, a não ser desse modo.
Se a pessoa não fizer desse jeito, ela não larga nunca. Basta pegarmos alguns exemplos [para
entender melhor isso]. Digamos que um sujeito é um serial killer, que ele já matou umas trinta
pessoas, mas que agora não aguenta mais essa vida, que agora quer parar. Digamos que ele
mate em média uma pessoa por mês e que agora ele se propõe, porque quer largar essa vida, a
matar uma pessoa apenas a cada dois meses: ora, é evidente que esse sujeito não vai parar de
cometer homicídios nunca, não existe esse negócio de matar alguém só a cada dois meses; ele,
logo, logo, vai voltar a matar mais ainda do que antes.
A mesma coisa se dá quando o sujeito é mulherengo. Digamos que ele trai a mulher três vezes
por semana e que, para tentar sair dessa vida, ele se propõe a traí-la só uma vez por semana: ele
não vai parar de trair a esposa nunca. Se ele quiser parar de verdade, tem de tomar uma atitude
radical. Ele tem de entrar dentro de si mesmo, tomar a decisão e firmar-se nela definitivamente.
Se apesar disso, por fraqueza, mais pra frente ele acabar caindo [no pecado] novamente, ele
pode voltar a se confessar novamente. Porém, ele tem de se arrepender amargamente de ter
cometido esse pecado novamente e firmar-se no propósito de que aquela queda foi a última –
note que o termo correto não é prometer, é propositar-se. Se ainda apesar de tudo isso, de toda
sinceridade, ele voltar a cair, ele pode se confessar outra vez. Mas agora ele tem de tentar fazer
um propósito ainda mais forte, pois, como percebido, o propósito anterior não foi
suficientemente forte. De certa forma, isso tudo é muito bom. Pois ao fazermos essas coisas,
nós nos conhecemos a nós mesmos.
Ao fazermos o propósito, se percebermos que não temos a decisão ainda firme o bastante,
precisamos meditar, refletir sobre as consequências e a feiura do pecado. Refletir sobre o que
estamos perdendo quando o cometemos. Meditar sobre como a vida seria bem melhor se não
cometêssemos pecados. Refletir sobre o quanto ofendemos a Deus. Se entendemos a
profundidade dos mistérios de Deus, os motivos sobrenaturais vão ficando cada vez mais fortes.
Através da meditação, podemos aprender a fazer com que a vontade fique cada vez firme. Isso
vai valer não só para o pecado, esse fortalecimento da virtude volitiva vai valer para uma série
de outras coisas – seremos capazes de tomar decisões mais lúcidas e firmes na nossa vida
profissional, familiar, econômica etc. Precisamos fazer essas meditações e reflexões o tempo
que for suficiente para percebermos que finalmente conseguimos abandonar os pecados, sempre
pedindo a ajuda da graça para fortalecer a nossa vontade.
Se, apesar da certeza anterior de termos feito o propósito, voltarmos a cair, perceberemos então
com isso que aquele propósito não foi suficientemente forte. Teremos de voltar, então, e analisar
tudo de novo. Teremos de dizer: “Antes eu pequei quinhentas vezes e, apesar do descuido, agora
eu pequei somente uma vez. Contudo, não era para ter pecado mais nenhuma vez. Ou seja,
alguma coisa não funcionou direito”. E a partir disso fazer propósito ainda mais firme para que
essa outra vez, se demorou um mês para reincidir, demore agora dez anos para voltar
novamente. E, se acontecer de novo, repetir novamente o mesmo processo, [até que não
aconteça mais].
Sob esse ponto de vista, mesmo do ponto de vista natural, a Confissão nos ajuda tremendamente
a abandonar o pecado – mesmo que não seja ainda a Confissão propriamente dita, sem ser o
sacramento propriamente dito, pois isso de que tratamos até aqui é apenas a preparação
psicológica, a preparação pessoal. Ou seja, ainda que com a ajuda da graça e da oração, que
virá lá adiante, só a preparação já nos é uma verdadeira “revolução” pessoal.
9

O quarto elemento é a acusação. [1:00] Uma vez que tenhamos feito os preparativos pessoais, que
tenhamos cumprido as etapas elementares anteriores, uma vez nos lembremos de tudo o que
cometemos de pecado grave, pelo menos aquilo que seja humanamente possível lembrar-se,
uma vez que nos arrependemos de tudo e que fizemos propósito de não mais voltar a pecar,
devemos ir até o sacerdote, ajoelhar-se na frente dele e contar os seus pecados.
Entendemos, segundo a lei da Igreja, que o padre é obrigado a dar-lhe sigilo total e absoluto do
que ouvir na Confissão. Nenhum padre está autorizado a revelar o que foi ouvido em Confissão
– em hipótese alguma isso pode acontecer, nem que fosse para salvar a vida de si mesmo ou de
outro. Digamos que um sujeito confessou que matou uma mulher e no dia seguinte, no
telejornal, é noticiado que prenderam uma pessoa suspeita de ter cometido o tal crime. Sabendo
o padre que não era esse o responsável pelo o homicídio, sabendo ele de toda a verdade por ter
o verdadeiro autor do crime se confessado com ele, ele não pode depor no tribunal em favor do
acusado, do réu, e entregar o verdadeiro culpado. Nem mesmo sabendo que o culpado está
arrependido, que já se confessou e que já foi perdoado. Sabendo que o culpado não quer contar
que foi ele o autor do crime, o padre não pode depor em prol do acusado. Ele tem de assistir a
tudo isso, assistir o assassino inocente ser condenado, sem poder fazer nada. O que ele pode
fazer é, caso o indivíduo volte a se confessar, falar a ele que uma pessoa inocente irá morrer
por causa dele e exortá-lo a se entregar. Se o sujeito que se confessa se negar a se entregar, o
padre não pode fazer mais nada, mas o padre pode negar a absolvição para o penitente.
Isso tudo parece uma coisa dura. Mas se não fosse assim, ninguém se confessaria. Seria inviável
a Confissão. O padre não pode revelar o conteúdo da Confissão acolhida nem mesmo se ele for
acusado injustamente no lugar do verdadeiro autor do crime. Se a polícia achar que foi o padre
quem matou determinada pessoa, no caso de o padre saber, através da Confissão, o verdadeiro
autor do crime, o padre pode negar a autoria, mas não pode denunciar o autor do crime, ainda
que soubesse que iria morrer por causa dessa falsa acusação. O sigilo da Confissão, portanto, é
simplesmente total e absoluto.
Outra coisa, durante a acusação, quem a ouve realmente é o próprio Cristo. É através do
sacerdote que vai ser infundida a graça que virá a partir da Confissão. O sacerdote está ali com
esse sigilo porque ele empresta seus ouvidos para o Cristo. Isso se dá dessa forma em grande
parte porque é importante que a gente se acuse dos pecados. No momento em que a gente se
acusa, nós entendemos melhor o que a gente fez. Há inúmeros exemplos que ilustram que
quando contamos o que fizemos para os outros, reconhecemos melhor o que fizemos. O maior
exemplo disso, que eu conheço, é o episódio que aconteceu por ocasião dos julgamentos de
Nuremberg, que foi os julgamentos feitos depois da segunda guerra mundial, quando os nazistas
foram julgados pelo Aliados, que ganharam a guerra. Os Aliados não queriam condená-los à
morte ou à prisão perpétua sem antes julgá-los; os nazistas, então, foram ouvidos.
Consta que havia um oficial nazista, mas que eu não me lembro mais quem é, que exortava aos
colegas na cadeia que não escondessem o que haviam feito, porque o que eles haviam feito era
um grande bem para o mundo. Enquanto os colegas desse oficial diziam que iam negar tudo,
ele dizia que não ia negar nada, que ia contar tudo e dizer todo o resto que eles não lhe
perguntarem. Ele achava que aquilo tudo estava errado, que eles estavam sendo condenados por
um bem que haviam feito, que eles eram beneméritos da humanidade, que eles estavam
“livrando” a humanidade dos judeus, que estavam “livrando” a humanidade de uma série de
desgraças e que, portanto, eles deveriam receber um prêmio em vez de uma condenação. Ele
achava que contando a coisa do jeito que aconteceu, aqueles que o ouvissem teriam de entender
que isso seria uma coisa boa. Estando a frente do juiz, ele disse: “O senhor não precisa me
interrogar quanto a nada. Eu estou consciente do que fiz, estou consciente de que o que fiz foi
um grande bem. Eu contarei tudo o que o senhor quiser ouvir. Se o senhor me deixar falar,
falarei muito mais do que iria me perguntar”. O juiz então ficou admirado e permitiu que ele
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falasse. O oficial, então, começou a falar como ele matou judeus aqui e ali, como maltratou
pessoas etc. No começo, ele estava entusiasmado. Porém, na medida em que ele ia contando
tudo aquilo, o pessoal foi percebendo que o tom dele ia ficando mais reservado e ao final já
estava começando a gaguejar, demonstrando preocupação e hesitação. Ao término, dizendo
tudo o que fizeram, ele perguntou se havia mais alguma coisa que o juiz desejasse saber.
Espantado, o juiz disse que não e agradeceu pela narração inesperada. O juiz suspendeu
julgamento, devolveu os demais prisioneiros a serem interrogados para as celas e disse que,
depois de meditar sobre tudo aquilo durante a noite, retomaria o julgamento pela manhã. No
dia seguinte, quando foram buscar os prisioneiros para retomar o julgamento, viram que o
oficial que havia contado tudo aquilo havia se enforcado. Ou seja, ele sabia de toda aquela
história de cor, mas achava que aquilo era um bem e que ao contar ela aos demais, seria
aplaudido. Entretanto, ele mesmo foi quem ficou horrorizado; não porque ele não soubesse,
mas porque contou para os outros.
Quando contamos as coisas erradas que fizemos, adquirimos um nível de consciência daquilo
que anteriormente não imaginávamos. Justamente por causa disso é que a gente se acusa na
Confissão. Esse é um dos motivos. Temos de nos acusar, como manda a ordem do sacramento,
como se fôssemos um promotor. Não é para nos acusarmos como quem pede desculpas, é para
nos acusarmos positivamente, sabendo, no entanto, [1:10] que seremos absolvidos e não
condenados. A Confissão é uma espécie de tribunal, é o tribunal da Penitência. O promotor é o
réu e o juiz está para absolvê-lo em vez de condená-lo – salvo raras exceções onde se nega a
absolvição, seja por ter o confessor percebido que o penitente não está arrependido ou seja
porque ele não se preparou direito. A ideia da acusação é acusar-se verdadeiramente, sem que
se tente esconder as coisas, relatando descritivamente tudo, isto é, sem que tentemos “dourar a
pílula” – não é para tentar justificar-se, para tentar arrumar desculpas, é para acusar-se
justamente, como o promotor de justiça faz.
A doutrina exige, entretanto, que ao nos acusarmos, não nos detenhamos em todos os detalhes
e nem contemos uma história; que nos acusemos dos nossos pecados apenas em sua espécie e
número de vezes que o cometemos, o tanto quanto possamos nos lembrar, sem descrever as
circunstâncias e individualidades. Isso é mais ou menos parecido com o que ocorre no Código
Penal, que tipifica o crime nas suas espécies – “homicídio qualificado”, “roubo com agravante”,
“rapina”, “sequestro” etc., isto é, cada um desses tipos tem uma tipificação clara. Quando
alguém comete um crime, a primeira coisa que o delegado faz é procurar enquadrá-lo na espécie
do crime correspondente. Depois, no julgamento dos homens, como o réu pode ser condenado
ou absolvido, o juiz entra em todos os detalhes do crime, das provas, das circunstâncias etc.
para se tentar chegar a uma conclusão. Mas na Penitência, nós já chegamos a uma conclusão,
quer dizer, já estamos nos considerando culpados. Por isso é que não é preciso examinar os
detalhes, basta saber qual é o crime.
Por exemplo, digamos que você cometeu adultério. Não é para dizer que você “conheceu uma
pessoa, que ela era muito bonita, que você a seduziu, que a levou para um motel, que
permaneceram lá durante quatro horas, que lá tinha televisão, que lá era bem agradável, que
vocês conversaram sobre tal e tal coisas, que o motel era de luxo, que tua esposa soube do
ocorrido etc.” – não é para dizer nada disso. É para contar apenas o que foi pecado mesmo.
“Qual é o pecado cometido?” – pergunta o confessor. “Adultério” – responde o penitente.
“Quantas vezes?” – pergunta o confessor. “Uma vez” – responde o penitente. Pronto, acabou!
Obviamente, haverá algumas circunstâncias onde teremos de declarar algo mais. Por exemplo,
se você e a moça que junto contigo cometeu adultério são ambos casados, isso terá de ser dito
para o confessor. Neste caso, então, serão dois pecados, serão dois adultérios. Isso é mais grave.
É diferente você, sendo casado, adulterar com uma solteira e com uma casada. Nesse caso em
11

questão, você violou dois matrimônios. Reparem que esse pequeno detalhe muda a espécie do
pecado cometido.
Digamos que você seja padre e que cometeu um adultério com uma pessoa casada. O fato de
você ser padre é outro pecado, você cometeu um sacrilégio contra o sacerdócio e um adultério
contra o próximo. Portanto, você deve confessar que é padre e que cometeu um adultério com
uma pessoa casada. Todo o resto da história, tudo aquilo que não interfere na tipificação da
espécie, tudo o que é individualidade, não interessa – somente a espécie e o número interessam
confessar. Espécie, portanto, é tudo aquilo que é necessário saber para que o confessor entenda
exatamente o pecado cometido.
Por exemplo, se você confessa ter batido numa pessoa. Se essa pessoa era o teu pai, isso não é
um mero detalhe. Isso é um pecado contra o quarto mandamento, o de “honrar pai e mãe”.
Outro exemplo. Não adianta chegarmos ao confessor e dizer: “Padre, pequei cinco vezes.” Esse
“pequei cinco vezes” não explica qual é a espécie do pecado – pode ser qualquer tipo de pecado.
Também não adianta dizer: “Padre eu pequei contra a castidade cinco vezes”. Os pecados contra
a castidade são inúmeros. Existe o pecado contra a castidade por pensamentos e por atos.
Masturbação, por exemplo, é pecado contra a castidade. Adultério também é pecado contra a
castidade. Dos tipos mais comuns, o adultério é o pior dos pecados contra a castidade, pois se
está também violando um matrimônio. Portanto, dizer que cometeu um pecado contra a
castidade não explica a coisa. Nesses casos, é preciso descer ao nível de detalhe necessário para
se entender qual foi ao certo o pecado cometido, sem que se relate as circunstâncias e a história.
[1:20]

É muito frequente, sobretudo na primeira Confissão, que não nos lembremos ao certo quantas
vezes pecamos, pois é uma vida inteira de pecado vivida sem que se preocupe de enumerar as
faltas cometidas. Quando não soubermos dizer o número exato, temos de dizer de maneira geral
a quantidade. Por exemplo: “Eu fui mulherengo a vida inteira. Toda semana eu saia com duas
ou três mulheres. Isso se deu no mínimo durante dez anos” – confessar-se dessa maneira já dá
para se ter uma ideia do número. Contabilizar falta por falta, num caso desses, ainda que fosse
possível, não faz sentido.
No exame de consciência temos de nos lembrar das coisas tal como é possível serem lembradas
pela memória dentro de um exame normal. Como todos sabemos, o exame de consciência
termina quando nos lembramos dos pecados cometidos segundo a doutrina. Quando
percebemos que dali não sai mais nada, acabou o exame de consciência. Ainda que você tenha
como consultar qualquer registro para detalhar o pecado, isso não é preciso ser feito; isso está
além do exame de consciência normal e geralmente não convém fazê-lo. Por exemplo, digamos
que você faltou na missa a vida inteira. Nesse caso, é possível consultar um calendário e contar
quantos domingos são os que você pecou, mas isso não é necessário. Nesse caso, basta que se
diga que foi na missa somente no dia do batizado, no dia da primeira comunhão e nunca mais
depois disso. Não é preciso que se busque lembrar o número exato de dias que foi ou não na
missa. A mesma coisa se dá com a pessoa que se prostitui. Digamos que ela se prostitua já faz
uns quinze anos, que a cada noite ela tinha uns cinco clientes e que somente folgava uma vez
na semana: se ela disser somente isso, já está confessada.
Quanto a definição do número de vezes que cometemos o pecado, não existe uma doutrina
oficial da Igreja de como se computa isso. Os teólogos que estudam esse assunto dão indicações
gerais baseados no bom senso e na filosofia. Dentre essas indicações gerais, normalmente se
aconselha que siga o bom senso. Porém, tem uma indicação que às vezes eu vejo que ajuda
bastante a fazermos no exame de consciência, a saber, quando uma pessoa se prepara para
cometer um pecado de ação que exige uma preparação longa, mas que termina somente com
essa determinada ação: isso tudo, é um pecado só, não são vários. Por exemplo, roubar um
banco. Digamos que durante um ou dois anos o indivíduo se preparou para roubar um banco.
12

Todos os atos cometidos por ele durante esse tempo são um pecado só – salvo o caso em que
algum desses atos seja isoladamente e objetivamente tipificado como pecado. Do mesmo modo,
um rapaz que planeja cometer um adultério: ele vê a mulher, ele a seduz, ele a convida etc.,
tudo em vista de cometer o adultério, que ele o consuma no fim. Segundo a teologia moral, isso
tudo é um pecado só. [1:30] Se um indivíduo faz uma coisa planejada para obter um resultado e
esse resultado acontece, o resultado é o pecado e o resto é o planejamento – salvo no caso de o
indivíduo desistir em meio a isso. Se o indivíduo planeja roubar o banco e depois de alguns
meses ele desiste. Digamos que ele retome a ideia depois de dois meses e dessa vez ele atinja o
seu objetivo. Nesse caso, o pecado do roubo do banco começou depois que ele retomou a ideia.
A primeira parte em que ele planejava e em seguida desistiu, é um pecado a parte, individual.
De maneira diferente se dá quando as várias ações, os vários atos não convergem para um só.
Por exemplo, toda vez que o sujeito vê uma mulher, ele tem um mau pensamento. Digamos que
todas essas vezes que ele a viu, ele não intencionava cometer o adultério. Porém, certa vez ele
acaba por cometer o adultério. No caso desse sujeito, os pecados são vários: cada vez que ele a
viu e teve maus pensamentos, ele cometeu novamente o mesmo pecado, pois cada um desses
atos não fora meio para o adultério posteriormente cometido. É óbvio que se o sujeito planejou
o adultério, se todos os pensamentos que ele teve foram fins para a preparação do adultério, se
isso foi uma espécie de método que o sujeito usou para preparar-se, então isso é somente um
adultério. Tirando esse critério que vemos nos livros de moral, os demais casos, no que diz
respeito ao número de vezes em que se computa um pecado, tem de serem computados seguindo
o bom senso; por aquilo que normalmente as pessoas entendem ser um ou vários.
Temos agora o quinto elemento da Confissão: a penitência. Depois que o padre ouve a sua
confissão, ele te absolve e te dá uma penitência. Essa penitência representa algo que você daria
como troca pela a absolvição recebida, representa uma satisfação que você dá a Deus. Essa
penitência, entretanto, é sempre simbólica, porque não existe compensação que possamos dar
a Deus por um pecado contra Ele cometido. Um pecado diante de Deus é uma ofensa tão grande
que nem ser condenado eternamente ao Inferno paga esse preço, isso é que é a verdade. Não
existe reparação possível dos nossos pecados, exceto aquela que Jesus pagou na cruz, isto é,
Ele foi quem pagou a verdadeira penitência. Jesus, ao morrer crucificado, foi quem pagou o
“preço do resgate” de nossos pecados.
Quando, portanto, fazemos a penitência, fazemos algo simbólico. É como naqueles casos em
que se quer doar uma empresa e não podendo, estipula-se um preço simbólico, sei lá, dois reais,
num contrato de compra e venda para legitimar a transação: enquanto o sujeito não pagar os
dois reais, o contrato não está cumprido e o sujeito não é dono da empresa; ele tem de pagar o
valor e pegar o recibo para oficializar a transação. Na Confissão ocorre algo parecido: o padre
nos dá uma penitência que é apenas simbólica. Nós temos de pagar a penitência, mas não é ela
que paga o pecado. Quem paga o pecado de fato é Jesus na cruz.
A doutrina diz, no entanto, que [quando nos confessamos] já estamos perdoados mesmo antes
de pagar a penitência, isto é, estamos perdoados a partir do momento em que recebemos a
absolvição. Depois de nos acusarmos de nossos pecados, o padre faz uma oração, ele diz
algumas palavras do rito e depois pronuncia a fórmula absolutória – “Eu te absolvo dos teus
pecados em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”. Os pecados estão perdoados a partir
do momento em que se recebe a absolvição. Somos obrigados a cumprir a penitência, mas não
é depois de cumpri-la que estamos perdoados, já estamos perdoados antes disso. Ao menos que
o padre estipule quando tem de se cumprir a penitência, há uma certa liberdade para isso – mas
isso geralmente o padre não faz. Temos a liberdade de escolher quando vamos cumprir essa
penitência. Temos inclusive a liberdade de receber a comunhão antes de cumprir a penitência.
O que não se pode é deixar para cumpri-la muito tempo depois, como se tivesse esquecido de
fazê-la.
13

O sexto elemento que eu comentei que existe é a própria absolvição. Talvez ele não seja listado
como sexto elemento porque quem o faz é o padre, enquanto que os cinco primeiros elementos
é o penitente quem faz. Porém, de uma certa maneira, o penitente tem de fazer alguma coisa,
que é o que ocorre com todos os sacramentos. Os sacramentos operam tanto mais
profundamente quanto maior for a devoção, a fé e o amor com que nos aproximamos deles.
Para recebermos o perdão dos pecados, basta que tenhamos cumprido esses cinco elementos da
Confissão corretamente. Todavia, o nível da graça que cada um recebe depende do grau de fé e
de devoção com se aproximam, isto é, a graça não será concedida de maneira igual a todos.
Como foi dito anteriormente, os pecados são perdoados [1:40] porque infunde-se a graça. E essa
graça será infundida em grau maior ou menor de maneira correspondente a fé e devoção de
cada um e igualmente se dá o efeito de proteção contra o pecado. A pessoa deverá notar que
não é a devoção que produz a graça, apesar de a graça depender da devoção.
Quando formos nos confessar, há também o sexto elemento para nos atentarmos, que é o cultivo
da fé e do amor com que vamos receber a absolvição. Não somente o arrependimento e o
propósito são importantes. Assim como a mulher que padecia de fluxo de sangue tinha certeza
de que não estava encostando num simples homem, também é necessário termos a fé e o amor
com o qual teremos a certeza de que, ao nos confessarmos, receberemos a absolvição por não
estarmos nos aproximando do padre simplesmente. A graça que vem, não vem por causa do
sacerdote; vem por causa do Cristo ressuscitado que vive realmente, é Ele quem canaliza toda
essa graça. Quanto mais tivermos a certeza da fé, quanto mais contemplarmos que não estamos
confessando somente diante de um sacerdote, mas também do próprio Cristo, que está nos
ouvindo, que vai nos absolver, que vai nos infundir a sua força, que vai nos infundir a graça e
que vai dar-nos uma força real contra a fraqueza do pecado, mais ainda essa força virá. Essa
força vem no momento da absolvição, a Confissão tem o seu efeito nesse momento. Porém, é
só depois de algum tempo que a sentimos. É uma coisa bem diferente de um efeito psicológico,
é uma coisa suave, é uma coisa que age sem aparentemente ter força, é assim que a percebemos.
É uma certa leveza, mas que não é somente uma leveza; realmente ficamos mais forte contra o
pecado, o propósito fica muito mais enraizado.
Por exemplo, quando estamos arrependidos dos pecados, mas estamos obcecados com algum
deles. Às vezes é uma tentação muito grande, quando alguém nos feriu, nos machucou, quando
estamos magoados, apesar de termos perdoado, [ficarmos obcecados]. Ou até mesmo quando é
uma coisa contra a castidade, que nos persegue, algo mais obsessivo no qual não consentimos,
que nos recusamos àquilo e, no entanto, aquilo nos força. Curiosamente, quando nos
confessamos, logo depois, aquilo some; aquela mágoa de fundo com a qual não consentíamos,
mas que nos obcecava, some. Isso não acontece sempre, mas geralmente sempre acontece de
percebermos que ficamos mais fortes contra o pecado. Essas coisas a gente não pode provar
matematicamente que são sobrenaturais, mas se pode aos poucos perceber o “gostinho” da
coisa, isto é, da graça.
A certeza de que o pecado foi perdoado é uma coisa que não sentimos, apenas cremos. Se
sentimos algo após a absolvição, provavelmente esse algo é psicológico. O que percebemos na
Confissão é que de fato recebemos um antídoto contra o pecado, ficamos mais fortes contra a
nossa fraqueza para o pecado. Uma coisa muito semelhante a esta costuma acontecer na
Eucaristia também, mas de um outro modo. Na Comunhão, esse tipo de coisa é mais evidente.
Isso pouco a pouco nos leva a uma confiança nos sacramentos. A gente percebe que é um
instrumento, uma causa instrumental que o Cristo usa – a gente vê claramente que é assim, se
a pessoa não se aproximar disso mentirosamente, é claro. Os elementos da Confissão têm de
ser seguidos à risca, mas o resultado obtido vai além dos frutos dessa preparação.
Pouco a pouco a gente vai percebendo que isso é como uma antecipação da vida espiritual.
Quando ela começa a se desenvolver, a intimidade com Deus se torna cada vez mais crescente.
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Santa Teresa D’Ávila descreve a vida espiritual como uma sequência de sete moradas: a
intimidade divina é a sétima morada, o grau máximo da vida espiritual abaixo do Céu. Entre a
primeira e última morada, a intimidade divina vai crescendo cada vez mais de forma nítida. O
primeiro ponto onde percebemos essa intimidade é nos sacramentos, sobretudo na Confissão e
mais ainda na Eucaristia – isso é coisa suave e nítida, mas só para aqueles que se aproximam
corretamente. O próprio Deus usa desses instrumentos para mostrar que quer ser nosso amigo,
para mostrar que Ele está lá, que tem ali um elemento sobrenatural. Isso tudo é uma parte da
tremenda oficina em que Jesus trabalha, na qual os sacramentos são muito importantes, mas
não compõem toda a oficina.
Em suma, vimos então que existe esses cinco elementos. O primeiro, o exame de consciência,
onde faremos o inventário dos nossos pecados graves – a diferença entre o que é grave e o que
não é veremos da próxima vez.
O segundo, o arrependimento, onde reconhecemos os nossos erros e detestamo-los – pelo
menos racionalmente, isto é, não é necessário detestá-lo sensorialmente. Por exemplo, [1:50] o
sujeito que foi canibal a vida inteira, sempre irá gostar de alimentar-se de carne humana, quer
dizer, ele não vai conseguir dizer que o gosto disso é horrível. É possível, porém, com o tempo,
também acabar detestando sensorialmente tais pecados, obviamente. Esses apetites sensitivos
não são desregrados convencionalmente. De fato, eles vão contra a natureza humana e, se essa
mesma natureza se inclina a isso, é porque ela está depravada. Na medida em que a natureza
humana se conserta, ela começa a detestar de fato esses apetites desordenados.
O terceiro, o propósito, é a parte mais delicada, é onde temos de tomar mais cuidado. Nós temos
de ter certeza que estamos rompendo definitivamente, universalmente e imediatamente com
todos os pecados graves.
O quarto, a acusação, é onde temos de nos acusar de maneira imparcial, como se fôssemos um
promotor que positivamente afirma a culpa da falta cometida, sem morbidez e sem buscar
justificação.
O quinto, a penitência, é a correta preparação para cumpri-la. Sabendo sempre que não há
penitência possível no mundo que possamos cumprir para que paguemos as nossas dívidas com
Jesus. Estaríamos perdidos se Ele não tivesse morrido na cruz por nós. Foi Ele quem pagou por
tudo, mas Ele quer que paguemos algo simbólico apenas para que não se diga que não pagamos
nada. Em geral, os padres mandam que rezemos três Ave-Maria, cinco Pai-Nosso ou uma
dezena do Rosário. Alguns padres, aqueles mais caxias, mandam que rezemos um terço inteiro.
Normalmente eles pedem algo leve, pois mesmo que rezemos um terço inteiro, vinte terços
inteiros, mesmo que rezemos durante um ano inteirinho o terço, isso não paga absolutamente
nada, já que o preço é infinito. Já aconteceu comigo de eu me confessar e o padre me mandar
ler o Salmo 50, o salmo de Davi arrependido – em algumas bíblias é o Salmo 51.
O sexto, a absolvição, é nos prepararmos para sermos absolvidos com uma fé e um amor
tremendo, o maior que se puder. Buscar ter a consciência de que estamos em contato com o
Cristo, o qual aliás estamos mesmo, através da graça e de modo especial nos sacramentos.
Se cumprirmos esses cinco elementos, com certeza estaremos perdoados. Pois fazendo isso,
teremos pelo o menos o mínimo de fé e de amor necessários para sermos perdoados.
Evidentemente quanto mais profundo for o grau de fé e amor que se tenha, isso não fará
diferença para o perdão dos pecados. Fará, aí sim, diferença no que diz respeito à infusão da
graça. Ou seja, para quem tem o mínimo de fé e de amor e para quem tem o máximo, ambos
serão perdoados igualmente. Mas para esse último, o efeito da infusão da graça pela Confissão
é muito diferente, quer dizer, o perdão virá, mas o efeito benéfico da graça é incomum.
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E isso é tão verdade que a doutrina cristã e a Encíclica do Papa Pio XII, Mediator Dei, sobre a
Liturgia, ambos dizem que a Confissão é algo tão bom que não precisamos esperar pelo pecado
para nos confessarmos, basta que tenhamos algum pecado na vida. Suponha que se passaram
dois meses e nenhum pecado foi cometido, o Papa Pio XII nos diz que é bom nos confessarmos
– pode acontecer de não cometermos pecados graves em dois meses; mas não cometer pecados
leves, é um caso meio difícil, apesar de quê, com a graça, pode acontecer. Se não cometemos
nenhum pecado, como então podemos nos confessar? Pega um que você já cometeu, que já
confessou, que já se arrependeu, e confessa de novo: “Padre, graças a Deus, eu não pequei
gravemente desde a última Confissão, mas quero renovar a Confissão de um pecado que fiz
quando era jovem”. É interessante escolher um pecado grave, para ser ter a certeza do
arrependimento: daí você renova a Confissão, apesar de já ter sido perdoado. O Papa diz que
isso é muito bom. Nos livros bons de teologia também tem isso – na Mediator Dei pode não
estar exatamente assim, com as mesmas palavras. Essa renovação tem de ser de um pecado
verdadeiramente cometido, não invente um pecado que não tenha cometido.
Isso nos mostra que a Confissão não é somente para perdoar os pecados, mas para infundir a
graça, para dar força para não pecar mais. Se não fosse assim, não faria sentido renovar a
Confissão. Para renovar a Confissão é necessário invocar um pecado cometido, senão a
Confissão não tem matéria. Os sacramentos tem de ter matéria e forma. A matéria da Confissão
é a acusação e a forma é a absolvição. No Batismo a matéria é a água e a forma são a palavras
pronunciadas. Portanto, mesmo que o pecado já tenha sido perdoado, é louvável que se faça
isso. Veja que todo o benefício da Confissão, nesse caso, virá não tanto da acusação, mas da fé
e do amor com que se aproxima do sacramento. Aí você vai receber aquele choque depois, você
vai perceber que uma força veio de lá, que essa força é a própria graça e que ela existe realmente.
[2:00] Isso não é para ser testemunhado. Isso é para nosso bem mesmo, para crescermos na
santidade, para tornarmo-nos realmente mais fortes contra o pecado e o grau de graça nosso
aumentar.
A fé e o amor, principalmente para as pessoas que estão abandonando o pecado, é parte
absolutamente importante da Confissão, ou seja, crer realmente que se está aproximando do
Cristo, que é o que estamos fazendo através do Cristianismo. O Cristianismo é uma união com
Cristo, através de Cristo com Deus, através de toda a Santíssima Trindade, através da
humanidade de Cristo e cada vez mais íntimo. [2:01:02]

Transcrição: Jussara Reis


Revisão: Rahul Gusmão

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