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Poemas do Amar Demais_Tatiano Maviton
Poemas do Amar Demais_Tatiano Maviton
Edição do Autor
Autor
Tatiano Maviton
Capa e diagramação
Simon Taylor | Ctrl S Comunicação (www.ctrlscomunicacao.com.br)
Revisão
Francis Beheregaray
http://www.poemaselamurias.com
Tatiano Maviton
6
Índice
La mer ...............................................................................................................................................11
Parto...................................................................................................................................................13
Vade Mecum.....................................................................................................................................15
Adágio................................................................................................................................................17
Irmã da minh’alma...........................................................................................................................20
Um blues etílico................................................................................................................................22
do inacessível....................................................................................................................................24
Inevitável (O Amor, A Razão e os seus atos). ..............................................................................25
Revés .................................................................................................................................................33
Ode ao poeta ou, Cântico dos pesares...........................................................................................35
Verbo ad verbum..............................................................................................................................42
Tigre, tigre, tigre...............................................................................................................................44
Tempo perdido.................................................................................................................................47
Sou ela................................................................................................................................................49
Negue-me..........................................................................................................................................52
Eu sei hoje em dia.............................................................................................................................54
Usura renitente.................................................................................................................................59
Antagônico........................................................................................................................................63
Abreviação.........................................................................................................................................65
A maciez da seda, a rigidez do tempo...........................................................................................66
Perséfone............................................................................................................................................67
Velho bandônion..............................................................................................................................69
Mandacaru versificado....................................................................................................................71
Na ordem transversa das coisas......................................................................................................75
Musa...................................................................................................................................................77
Eu te amei, tu foste minha...............................................................................................................79
Charneca em flor..............................................................................................................................81
Relicário.............................................................................................................................................83
Quando fala mais alto......................................................................................................................85
Charneca em flor II..........................................................................................................................88
do impossível....................................................................................................................................89
Lírio alvo............................................................................................................................................90
Por sobre a terra, na imensidão do universo................................................................................92
do inacessível II................................................................................................................................94
do amar demais.................................................................................................................................95
Por te amar tanto assim...................................................................................................................97
Nada há além do teu amor..............................................................................................................98
Nada há além do teu amor II..........................................................................................................100
Poeminha chatinho..........................................................................................................................102
Gosto quando me olhas...................................................................................................................104
7
Prefácio
E
ste Poemas do amar demais, de Tatiano Maviton, não é a primeira publi-
cação do poeta, que em Poemas e Lamúrias fez sua estreia.
Apesar do ainda curto percurso, já se notam algumas diferenças entre
os dois livros, um certo amadurecimento no trato com as palavras, embora um
clima noir envolva as duas obras e se encontre também em seu blog, tornando-
-se marca e estilo reconhecido em sua produção poética.
A poesia de Tatiano Maviton nos remete ao Romantismo influenciado
por Byron, de onde vem uma visão de mundo envolta em tristeza, solidão e
sofrimento.
Seus poemas de amor não são alegres, não lembram o Amor/Humor
oswaldiano. A relação estreita é entre Eros e Tânatos, como nos versos “esta do-
ença que tanto, tanto/tanto me faz querer-te mais/Desaperceba-se, e me deixe
em paz morrer”, do poema Verbo ad verbum.
No entanto, se essa ligação com a dor e com a morte nos remete ao Ro-
mantismo, é na presença do amor que esse romântico extemporâneo se realiza
poeticamente. Esse é o fio que liga todos os seus poemas: a perda do amor, a
saudade do amor, o desejo do amor... O amor, sempre o amor...
Para isso Tatiano dialoga com obras basilares, como Tristão e Isolda, já
a partir da epigrafe La Mer, em que um dos casais mais famosos da literatura
universal assinala a dor que brota da ausência, de um e de outro. Essa é a mola
propulsora da poesia de Tatiano, que visita vários outros poetas, como Florbela
Espanca (Charneca em flor), Fernando Pessoa, Castro Alves e Vinícius de Mo-
raes- o eco do Soneto do amor total (Amo-te tanto, meu amor...) presente em
vários poemas de Tatiano, é bastante visível no também soneto Do inacessível,
que inicia com os versos “amo-te tanto, amor, que nem sei quanto:/Amo-te
com íntima alegria suntuosa e breve” em que o amar é, assim como para Viní-
cius, a fonte de vida, mas também de sofrimento.
8
Todo esse amor transborda em textos bem diversos uns dos outros, seja
pela linguagem - às vezes rebuscada, como em “ao poeta/ um beijo ébrio em
despautério (p.32), seja pela alternância da forma, que varia desde o tamanho
dos poemas - alguns longuíssimos, à moda de Claudel, com versos também
longos- outros em versos curtos, dispostos na folha às vezes por meio de uma
única palavra, que sobe ou desce, dependendo de onde se olhe, e que nos re-
mete ao Concretismo.
A obra de Tatiano é assim: uma procura incessante pelo amor e pela
poesia, que neste caso, são exatamente a mesma coisa: amar é viver e é também
poetar.
Que você continue a poetar, Tatiano, a gritar para o mundo a beleza e a
dor do amor, que embalaram tantos poetas antes e hoje te inspiram, para fazer
a felicidade de seus leitores, que também querem amar demais.
Evoé, Tatiano!
9
10
La mer.
Isolda: Sur le sable en face de la mer dans la nuit sans toi.
11
12
Parto
Enfim...
Está lá, inerte em cima da minha mesa.
Formas quadradas cheias de sentimentos,
Parido, como a uma criança prematura,
Imaturo, mas calejado de dores,
De amores, de sonhos e angústias,
Inexperiente, inseguro, saído do casulo.
Enfim...
Pari, concebi a semente já vencida,
Saiu de mim,
Doeu em mim,
Sangrou em mim...
Lacrimejava feito orvalho
Vindo de um carvalho,
De cerne cheio de nódoas,
De folhas cinzas,
De caule roxo,
De sonhos frouxos,
De olhos negros.
Enfim,
Sou pai, um pai órfão,
Um pai perdido, desconsertado
arranjo de um adágio dissonante,
Entoando alegrias efêmeras,
Andante, trepidante,
Pai poeta, poeta só,
Poeta metade.
13
Enfim...
Eu tenho um filho,
Eu tenho linhas, palavras,
Reticências ensandecidas de mim,
Criadas, inventadas, sonhadas,
Por mim...
E não me arrependo de nada!
14
Vade Mecum.
O olhar jamais mente,
E se mente, vem da dor demente,
Tão logo se esta dor é tua, deveras sentes,
Ao que me cria uma sensação revoluta entorpecente.
15
Anjo caído, síndrome do meu medo,
Vida apagada, como a uma rasura sem enredo,
Entre os dedos,
Não dá mais! Não dá! Foi-se a noite,
Vieste cedo.
16
Adágio
Se o sol se o sol se o sol
Num ímpeto me falar do azul do teu céu,
É límpido, é claro como ele mesmo?
Ou soturno nefasto parco de sorriso,
Como a tardinha que se aflora atrás da colina,
Em mim.
17
Mas o que vejo é um sol derramado em sangue,
Intercalado entre tempestade de lágrimas
E soluço em desalento sem fim, rarefeito, que se alastra
Dentro da minh’alma peregrina,
Vivo, sou um estorvo ambulante.
18
E se nos ventos uivantes não há
A pista do caminho do “eu” que em mim
Procuro, não sei ao certo se vencerei
A trilha dúbia que me leva a tal jardim.
19
Irmã da
minh’alma
Para Iaiá
Se o sangue fala, aqui dentro escuto.
E a vivência retrata-se
Nas horas solidárias, tristes ou felizes.
20
És tu, ausência quem acompanha em mim a falta,
Peregrina alma, onde me acolho,
Trocando contigo pensamentos de saudades,
Transcendendo a ausência e a distância.
Amarga irrisão!
Peço notícias tua aos ventos, aos pássaros,
Ao chão imploro a trilha que me leve para ti.
Tu, irmã da minh’alma!
21
Um Blues
etílico
“Alguém falou que, escutar vozes
no meio de um solo de guitarra,
isso é solidão”.
22
...
Foi-se embora...
Eu fiquei enquanto ainda fechavam as cortinas,
Ouvi meus dedos batucar um “Cartola”.
Constato que isso também é solidão.
Foi-se embora...
Eu fiquei enquanto ainda fechavam as cortinas,
Ouvi meus dedos batucar um “Cartola”.
Constato que isso é solidão,
Verdade é que solidão em mim expira inspiração.
23
do inacessível
I
Amo-te tanto, amor, que nem sei quanto;
Amo-te com íntima alegria suntuosa e breve,
Amo-te neste real valor que não se mede ou se escreve,
Sente-se apenas, em suspiros, desespero e pranto.
24
Inevitável
(O Amor,
A Razão
e os seus atos).
Até parece a ponta do enlinhado de um novelo.
Incoerência.
Até parece...
Até totalmente aparecer.
Assim,
I-ne-vi-tá-vel!
25
Um dia,
é apenas um pensamento esparso,
Noutro,
é um passarinho pela segunda vez na tua janela,
Noutro,
transforma-se em uma paciente espera,
E no mais,
Transforma-se em forma mordaz e insaciável.
O corpo...
Nódoa.
Grão.
Infecundo.
Tomba morto!
Teu nada.
Tão plácido.
26
E enfim me vejo mal dizer o teu sorriso,
Achar em ti defeitos que possam me afastar,
O que tento é em vão, é desperdício,
Nesse martírio descubro o vício a me matar.
Infração!
27
Ah, me deixa em paz!
Essa demência.
Por favor, retira, tempo, retira de mim!
Eu me dou por covarde e peço clemência.
Teimosia.
Na janela.
Meu quinhão.
Senhor juiz:
Já não basta?
Essa sentença:
Já não basta?
Mas penso...
É inevitável a existência dos astros,
E suas nascentes estrelas de cada dia,
É inevitável que as cachoeiras me gritem teu corpo,
Até meus ouvidos desvirtuados escutarem teus passos,
No cair de uma tarde ferina e vazia.
29
É inevitável, inevitável.
Sempre!
Cambaio!
Lacaio!
30
Basta querer?
Sei não...
Sei sim!
Tempo de febre
terçã.
Ter fé.
De pés juntos.
Desgosto de mim.
Dá por si.
Um pêndulo que rouba, torpe o tempo que se esvai,
Sem cálculos prévios de onde resultar e eliminar,
Esta inquietação diária sem sentido,
Esta nuvem densa nos olhos que não se aclara.
31
E quando um dia essa febre terçã passar,
Não voltará mais o que me era de direito viver,
Aquele sossego em desapego,
Um andar que mesmo torto era o meu compasso querer.
Torto, incerto...
Esquadro.
Desenquadro!
Inevitável
É eu saber que entre o amar e o teu não amar, há um
extenso abismo que me impede de atravessar.
Inevitável
É eu hastear a bandeira no topo do farol de poesias desse
mar de imaginação infante e romântica, e você nem me
notar.
Inevitável
Vejo que terei que apontar para o horizonte
além mar,
MENTIRA!
32
Revés
Abracei o teu silêncio...
Pensei em tudo o que é possível falar,
Num tempo em que a ausência fala mais alto,
E o teu corpo não mais responde ao meu toque.
33
Enquanto a premissa resumia-se em teu sorriso,
Assim tu foste feliz. Uma boneca de porcelana,
Delicada, ingênua, afável...
E assim, ainda eu era inocente,
Até virar um anjo desiludido de asas quebradas.
34
Ode ao poeta
ou, Cântico
dos Pesares
Spiritus meus attenuabitur,
dies meibreviabuntur, et solum mihi
superest sepulchrum... Jó 17:01.
Ao poeta,
O que vem do norte.
Ao poeta,
O presente do vento,
A convidativa brisa do sul.
Ao poeta à sorte:
O tempo.
Ao poeta atento,
O clima do azul.
Ao poeta,
A incerteza do amanhã,
Ao poeta,
O tempo inesperado.
35
Ao poeta,
O depois
de algo que não veio.
Ao poeta,
A certeza atroz,
de incerto, cálidas mãos nos teus seios.
Ao poeta,
A manhã
do amanhã exasperado.
Ao poeta,
O depois
da certeza de um beijo malogrado.
Ao poeta,
A tristeza
da alegria rotineira.
Ao poeta,
A destreza,
de sorver uma lágrima verdadeira.
Ao poeta,
Um soneto
de versos fortes.
Ao poeta,
Braços ternos,
Calor de beijo úmido
e desespero ensandecido.
Ao poeta,
A alma de senhor do seu destino,
em sonhos intrépidos.
Ao poeta,
Um lúgubre ressoar das águas,
onde navegam piratas de amores.
36
Ao poeta, o segredo
da alquimia dos universos.
[Sorte ou sacrilégio:
Sonhos de imensidão.
Vidas passadas, vinho tinto entornado,
Ode à morte, ou à solidão.]
Ao poeta,
A perdição do mar.
Ao poeta,
O amor das sereias,
O mistério das águas.
Ao poeta,
A brisa naufragada,
O enlaçar das madrugadas.
Ao poeta,
A lágrima da chuva,
O estalido do sol.
Ao poeta,
Um forte sorriso,
O cheiro da terra,
O vermelho do arrebol.
Ao poeta,
A beleza das horas,
O fado da espera juíza.
Ao poeta,
A origem das letras,
A declaração que escandaliza.
Ao poeta,
A catarse, a dor.
Ao poeta,
O conhecimento empírico,
37
O abalo sísmico,
A sina do solitário amor.
Ao poeta,
O cântico das vidas,
Das almas passadas,
Das mulheres apaixonadas,
Soterradas em seu corpo deserto.
Ao poeta,
Um homem morto,
Um coração vivo.
Ao poeta,
O reles desgosto,
de ser mal compreendido.
Ao poeta,
As legendas,
dos créditos de seus romances interrompidos.
Ao poeta,
As lendas, a febre voluptuosa,
das princesas dos castelos perdidos.
Ao poeta,
O sonho do bem.
Ao poeta,
O pesar do seu próprio mal.
Ao poeta do amor,
O incerto censo.
Ao poeta da estrada,
A vociferação das hordas,
do mal que lhe consome,
do mal que lhe agrada.
38
Ao poeta dos becos,
A noite forte em tormento.
Ao poeta dos bares,
A puta pudica, quase santa,
Para incessante acalento.
Ao poeta enfermo,
A herança solidão.
Ao poeta libertino,
A posse da devassidão.
Ao poeta,
A insensatez
de morrer a cada dia.
Ao poeta,
A estupidez
de pensar não precisar de companhia.
Ao poeta,
O amor, filho da sobrevivência,
Que não se realiza concreto em ninguém.
Ao poeta,
A musa no pedestal, em sensível diferença,
Encoberta de desdém.
39
Ao poeta,
A lealdade de uma amizade.
Ao poeta,
A cumplicidade da mão no ombro,
Ao poeta,
O beijo amigo e condizente.
Ao poeta,
Os versos escandalizados e concretos.
Ao poeta a caridade,
O aceitar no desentender.
Ao poeta,
A sinceridade com a persuasão,
Para poder decapitá-lo, sem o fazer sofrer.
[Batentes do sacrilégio,
Porão dos escarnecidos,
A aorta aberta, caminhos etéreos,
Sangue se esvaindo!]
Ao poeta,
Uma sepultura num desconhecido cemitério.
Ao poeta,
A lua como esposa,
Velando-o como verdadeira viúva.
Ao poeta,
Um beijo ébrio em despautério,
Ao poeta,
Uma imagem duvidosa.
40
Ao poeta,
O dom de conversar com o amor.
Ao poeta,
A paixão merencória,
Ao poeta,
A intimidade com a dor.
Ao poeta
Insigne cavaleiro das letras:
Uma mulher eloqüente e cálida.
Ao poeta
Bravio guerreiro das almas perdidas:
Um colo onde descansar,
Um abraço para afagá-lo
Um beijo para morrer em cada despedida.
41
Verbo ad
verbum
Mandei um pássaro velho e cansado
Ir ter notícias tuas – Não tive.
Mandei o vento trazer num sopro em minha face
teu aroma dos campos. -- Voltou gelado, – senti teu medo.
42
Não me importa o segredo do universo,
Nem a fórmula da alquimia do ouro ou da prata!
Nem do balé do mar a me consolar no vai e vem com as rochas,
É dor em que não me atenho perceber nada ao meu lado,
É dor que me torpe e vicia,
vivificando em meus braços o teu nome.
43
Tigre,
tigre, tigre.
Quem vem caminhar por sobre as minhas pálpebras
Onde melancólicas orquídeas estão a brincar?
Desafio a dizer. Quem vem lá?
Mergulhar em meu poço de tristes amálgamas.
...
44
E tem esse traço de brilho que me olha nos olhos;
Tem vez que sinto nariz com nariz;
Hálito no meu hálito.
Eu, presa do medo.
Fero domínio,
Em quais alcovas tu descansas?
Em quais ciprestes tu te escondes?
Diz-me a colina onde guardas os teus segredos,
Por qual mordaz semblante tu te tomas?
45
Lá ao longe, a rodear meu coração,
Tu, fero domínio, ao meu encontro,
Cavalgando pelo meu mar,
Caçando minhas angústias.
46
Tempo
perdido
Vejo.
O tempo arde em meu rosto,
Não há como retomar e refazer o meu passado,
Nem recuperar o que tanto procuro e já perdi tantas vezes.
Abro.
Quem sabe há alguma porta a qual eu tenha esquecido de ver,
E se lá, onde eu não sei, nem vi, estiver a juventude que perdi,
Por não ter experiência, nem sabedoria,
Eu hei de partir, sem saber quem estava ali.
Vejo.
Entre fendas os deslizes que palpo em minhas mãos,
Há de ter a história que ainda não vivi,
O cheiro em canto nas manhãs que nasce em teu jardim,
A essência que formula o meu novo corpo.
47
São muito efêmeros.
E os dias que demoravam a chegar,
hoje nem se despedem de mim.
De mim, de mim, de mim, somente eu, nada de tu ou vós.
Termino.
Hoje me resto e termino como um simples tronco...
Pensando ainda ser uma árvore,
Pensando que ainda dou frutos,
Pensando que os pássaros descansam nos meus galhos,
gorjeando,
Pensando que ainda tenho o viço de antes,
Vivendo das lembranças de quando eu tinha folhas nobres.
48
Sou Ela
Para a Sabrina.
Tem vez que escrevo poemas que é Ela escrevendo;
Tem vez que escuto músicas que é Ela chorando;
Tem vez que escrevo poemas que sou eu mesmo,
Mas que poderia ser Ela. Uma infindável confusão
Que nem eu mesmo entendo, sinto-me Ela. Ela sou eu.
Vejo pelos seus olhos, sinto seu gosto pela sua própria boca,
Sinto a sutileza do impacto no seu andar,
Por esses passos caminho levemente feito brisa ao mar,
E me desloco do meu canto,
49
Perdendo-me em seus pensamentos,
Nos versos dos seus quadris,
e quando isso acontece, me acho nas estrofes dos seus beijos,
deslizo na métrica do cheiro dos seus cabelos,
Amando-a nas estrofes dos seus seios,
Navego por entre o labirinto da sua alma,
E me respaldo no acalanto do seu colo. Meu balaústre.
50
Se não sou Ela, nem Ela eu, mato-me, transformando-me
num espectro, deslizando por sobre o seu corpo-mapa
como uma amálgama fria.
51
Negue-me
De ti, não tenho nada que me valha um pouco,
Nem deste teu novo olhar que eu já o sabia.
O sol foram tantas vezes que o fraldei,
Para que este olhar desviado, sozinho brilhasse.
52
Ando, sem rebuço, querendo viver do peito abrasado,
Sonhando a beijar os lábios que nunca me quiseram.
E esta dor é um vinco no papel,
De um alguém, que nem sequer abriu o bilhete para o ler.
_Insensatos!
O complexo desta dor não está no sentir,
Está no saber.
Não está ela somente no corte e na ruptura dos tecidos,
A dor não está nem no sangrar aberto das minhas veias,
A dor que me consome, está no meu ver.
53
Eu sei
hoje em dia
Faço refaço palavras sem rumo
Com regras impróprias com pouco pudor
Não sigo uma linha amasso o papel
Talvez o coração disperse esta dor.
54
preteou
o jeito que sou
[se sou.
Cansei da canção
que não envolve meus medos
Cansei da harmonia
de meu andar contramão.
Há vida lá fora
Há dias sem fim
Resguardei-me
Degradando tuas pistas
Tuas falsas verdades.
55
Sou pedra perdida
Jogada do muro
Tristesse rendida
Um fio no escuro.
E a velha canseira
O espírito que dorme
Por cima de arrulhos
Minha alma trancada
Cresci sempre assim.
No leito me deito
Sou pedra perdida
Poema sem efeito
Depois que escrevo:
Morri!
56
Não volto, porque assim não me quis
Não volto não acho não volto
São portas de sonhos
Eu sei do que diz.
Mato-me no ato
Do traço perfeito
Porém me refaço
Eu sei do teu jeito.
57
Sou pedra perdida enfim sou:
[anseio
Restei-me em raspas das paredes
que cobriam teus medos.
58
Usura
Renitente
Eu não me conformei com os caminhos,
Então me entreguei aos atalhos;
Deparei-me com as escadas, tão íngremes
Que me falavam de ser fraco e impossibilitado.
59
O hálito do último vinho tinha o gosto de um nome,
Entre o ar sonâmbulo do Largo, onde o cavalo me encarava,
Forçando um ressolhar da boca maldizente,
Querendo me dizer algo
com os seus olhos vazios e sombrios.
Se a outra metade do seu corpo existisse...
60
Antes, o perfume furtivo das flores silvestres do relógio,
Que impregnavam a madrugada
com o cheiro de paixão etérea,
Assombrava a relva esquecida num Largo desamparado,
Nas horas que não marcavam e não me diziam nada.
61
A terra brilha sob a lua fátua,
Seduzindo meus dois olhos esquerdos,
Ainda persisto, resvalando-me dos meus sonhos,
Que ficaram somente em meus medos,
Em estado rotativo, numa alforra que me consome.
62
Antagônico
No arco do teu silêncio cravei o meu peito,
Sedento do teu corpo. Meus laços de beijos
Passam na vida sem mais te ver, por causa de um adeus
Que não me esquece.
Percebes?
O quanto mais eu tenho que te falar,
O quanto mais eu tenho que sofrer,
Tantas vezes mais eu tenho de morrer.
Percebes?
63
Vivo um viajante pássaro de asas cansadas,
Assobiando por entre as árvores,
Pousando em ninhos inacabados,
A dar psiu para as flores,
E nenhuma me responde.
Um canto solo;
Um vôo sem rumo;
Um pouso desconsertado...
Um desconforto de esquerda.
Percebes?
64
Abreviação
Insone...
O canto que me ciranda e me enternece a alma,
Vagueia pelo meu sangue.
Canto porque há vida aqui em mim,
Que ainda persevera e resiste.
65
A maciez da
seda, a rigidez
do tempo
Se só eu sempre fui, ao só serei fiel.
Em ti, vivi momentos de intermináveis solilóquios;
Banhei-me na aspereza. Tu: meu vício, meu ópio,
Contigo o ardor do silêncio é prêmio de fel.
66
Perséfone
Quando a neblina desliza como a um tapete,
O âmbar quase que sólido do teu cheiro
Ciranda as minhas pernas,
Hora a estender-se, hora a retrair-se,
Tempos em tracejo, tempos em revés,
A extasiar-me em tuas curvas.
67
Amo-te tanto, tal qual uma semente libertina,
Filha dos horizontes e dos ventos,
Parte pagã, parte celeste, píncaro suicida;
Amo-te na medida desproporcional à matéria,
Sentindo gota a gota o morrer das horas em tuas pernas.
68
Velho
bandônion
Qual o tempo do cair de uma lágrima?
Quanto tempo é preciso para partir?
Qual o tempo do morrer da noite?
Quanto tempo o tempo leva para se extinguir?
69
Elas dançam no escuro, e meus olhos míopes atordoados,
Irritadando-as, vão-se embora, numa trama infecunda.
70
Mandacaru
versificado
I
Queria ter o sol em mim, mas só tenho a noite.
Hoje, testemunhei o dia envelhecer,
E eu me pergunto,
Como é que eu fico?
II
Poeta de coração irrequieto,
A alma faminta dos cosmos,
Das plagas virgens sob o eclipse,
Das cores de amores viscerais,
Poeta de sombras multiplicadas,
71
Insatisfações redobradas,
Uma dúvida da vida. Ser água de infinitos cursos,
E que vai, que cai em córrego sem destino,
Ebulindo em torpor comprazido pela poesia,
Que se entorna no chão.
III
Hoje, o dia antes de mim envelheceu...
E eu me pergunto:
Como é que eu fico?
Provavelmente cerceando a noite.
72
IV
Dentro do poeta há um canto,
Em desespero, retumbar da contramão,
Sempre em cacos. Navio no fundo do mar.
Não se sabe em que forma,
Do que se forma e irá chegar,
Quem dirá em qual sorte se aventura,
Em que veias perdidas perambula e irá brotar.
Mandacaru versificado.
V
Poeta uma maneira de ser, sem ser.
Escutando vozes em si mesmo,
Na conversa de vários personagens,
De um só lado, uma tormenta,
Batendo e rebatendo em uma só margem.
73
Hoje, quando acordei o dia já havia envelhecido,
E eu me pergunto:
Como é que eu fico?
VI
A punção na agonia lesa.
Depus a máscara,
E volto à vida.
74
Na ordem
transversa
das coisas
A manhã atordoa a noite.
Sem.
O teu amor é um roseiral de espinhos
Afinados e atentos,
A água que evita a sede,
A fome que regurgita o que saciaria,
No mar, velho lobo que se adentra no nada...
Turva-se no cineral de um pobre dia.
Mãos síncopes
Tremulam incontentes,
É próprio que se fecham,
Abraçando a ardil ausência.
75
O tempo se demora,
Ao revés do salto dos teus lábios,
A flor que nata é bela,
Murcha, entre o brotar e a secura.
Sinceramente?
Viver sem ti, o teu amor a me nutrir,
São os olhos a verem somente a si mesmos,
A solidão a sentir o castigo da própria voz.
76
Musa
Foi nas espumas do mar que tu nasceste,
Leve, instantânea rosa branca em harmonia
Com os tempos, com os ventos, as sinagogas.
Sóis nascem virgens e são teus seios.
Os horizontes te contemplam,
Os dias se atrasam, as noites se esbaldam,
Semideuses em teu nome pregam palavras de desejo;
Por ti, deusa silvestre, sorte da minha vida,
Espectros desejam encarnar novamente.
77
És o anjo bendito que em poder
numa das mãos tem o meu julgo,
E noutra, espada flamejante que cravaste em meu peito,
Cego de amor sou prisioneiro dos teus astutos redemoinhos,
E vivo a roubar tua imagem para os meus olhos alimentar.
Eu quero, necessito,
Na sombra da tua árvore descansar,
E nas ventanias intransponíveis do teu andar,
Que me traspassa sem dó nem piedade,
Morrer, ...a alma presa,
Feito barco que quer naufragar.
78
Eu te amei,
tu foste minha
Eu te amei, tu me amaste, tu foste minha, eu fui teu.
Eu me entreguei,
como quem caminha na beira das falésias de Sorrento,
de olhos vendados, ébrio, desatento. Manso te galguei,
Eu te amei. Tu foste minha, nada mais eu sei.
79
É fato que passaste em minha vida como uma estrela,
Que risca os céus em noite límpida de verão em Capri,
E eu te guardei aqui, por que te amei, e tu foste minha.
80
Charneca
em flor
Teus olhos, cisnes puros!
Nascente de águas escuras,
Turmalina negra,
Síndrome da minha convalescença.
Se te vejo, e teu olhar fito,
É a sensação de estar rente a um despenhadeiro.
Ei-lo assim:
O qual eu não quero,
No qual eu sofro,
Pelo qual eu ardo,
Pelo tal eu morro.
81
Teus olhos são uma noite de verão sem vento,
A qual me dopa.
Teus olhos enfeitiçam-me feito âmbar vespertino,
E vem do teu corpo uma graça pousada,
Uma ópera para o deleite da minh’alma.
Miras, eu sei,
Quando assim o faz por curiosidade,
Absorta no desacaso, ao tempo, ao teu vagar,
Ou se de vontade que não se alimenta,
Passas lento, beleza a afogar meus olhos.
Teus olhos, duas portas de um santo templo.
Miras, eu sei,
E nestes lampejos entre trocas de nossos olhares,
Minha vontade do que não se pode ter sido,
Alimenta-se dos faróis do teu corpo.
O olhar um no outro:
Um, o amor antes de ser feto, morto,
Peças do atraso.
O outro, musa graciosa, uma sensível nuvem,
Perfeição rarefeita de traços incontáveis,
Linda, caminhando por sobre os astros.
82
Relicário
Ante aos meus olhos iconoclastas,
Acendeu-se a chama.
Dize, dize o que eu faço agora?
E mais e bem, de repente, surge como uma lança,
A serenidade lacônica dos teus olhos.
83
És detentora de todos os laços indubitáveis
de minhas memórias,
És a que transforma todos os meus desejos em abandono...
Tu és uma ponte sobre o sol,
De olhos sujos de um amanhã que nunca morre,
Raiando na palma da minha mão, quente,
Lascivamente quente.
Tu és o fim trágico de todas as histórias de amor.
84
Quando fala
mais alto
Eu não consigo dar forma à beleza que tu és,
Sei apenas que habitas no meu desejo de mulher.
Às vezes, te penso ser uma ninfa alada,
Que voa ignorando os homens, imune ao amor,
Planando por sobre a ventania dos meus suspiros.
Dói tanto,
A dor da ilusão concretiza o que me prega enfermo,
Tão perto és que me flagelas,
Tu existes, sei... tanto é que dói em mim.
85
Tão perto que me machuca,
Teu cheiro que me alucina,
Tua boca é o meu anseio,
Incólume, o teu corpo é devaneio.
86
Por entre os meus versos te faria mais minha,
Pois quando te escrevo é quando és minha,
E tu caminharias por sobre os horizontes,
Abençoada pelo crepúsculo.
87
Charneca
em flor II
Miras, eu sei...
Com estes teus olhos feito dois círios atordoados,
Eu vou mais alto, -- quando me olhas.
Mais alto, um pouco mais, vai ser meu fim, mais alto,
-- Eu quero morrer de olhar-te.
Miras, eu sei.
Qual é a curiosidade que te toma?
Pensas: Que homem mais sem forma,
Não há gracejo em sua face,
Há um descaso da natureza que o engloba.
88
do impossível
Eu vim de tão longe somente para te amar,
Vim de onde os cisnes dançam tua memória,
Vim de onde os rouxinóis cantam tua história,
Eu vim de longe só para te admirar.
89
Lírio alvo
Tentando te esquecer, pintei o teu rosto em preto,
Como o breu que tende a engolir a noite.
Em reluta, o amor que se fez parte de mim,
Vence-me a cada instante que esperneio.
90
E quando eu penso em você,
Mãos dadas a caminhar na areia,
O mar a testemunhar,
Algo imprevisível a se formar,
Mas não consigo dizer,
Mal eu consigo pensar.
91
Por sobre
a terra, na
imensidão
do universo
Amo-te tanto meu amor,
Que nem sei como,
Amo-te. Mas desse total valor não se escreve,
Nem uma linha se mede, sente-se apenas,
Em imensidão e desespero.
92
Amo-te com cada partícula do meu corpo,
Por cada átomo de minha existência que habitas,
Amo-te com cada molécula por ti enfeitiçada,
Que em memória me sussurram e em teu nome, frutifico.
93
do inacessível
II
Amo-te a cada dia, sete vezes mais quanto se expande,
Amo-te a cada suspiro que envolve a tua boca,
Amo-te como as montanhas ao crepúsculo,
Amo-te como no corpo, as veias ao sangue.
94
do amar
demais
Como eu posso ser livre se tolheste minhas venturas?
Cortaste minhas asas, mentiste minhas alegrias,
Venceste a briga sem lutar, e ainda dou-te aplausos.
95
Então me conforto porque em mim,
Sei que não mais habita somente eu,
Alegro-me porque em mim,
Compartilho a porção da forma desejada,
De minhas horas sempre distante.
96
Por te amar
tanto assim
Foram tantas vidas que vivi
Em tão pouco que te amei
Sozinho, como um claustro senti
Tão a insígnia que eu te dei.
97
Nada há além
do teu amor
O que há além do teu amor?
Além, muito além do que se possa imaginar?
Sem o teu amor, não há rosas. São espinhos.
Sol a pino sem cessar.
98
Fui tão longe, sem pensar em parar,
Corri montanhas, vales e mares,
Sem uma objeção, sem um titubear,
Senti o peso do cansaço nos calcanhares.
99
Nada há além
do teu amor II
É que sem você as horas não passam,
São mudos os pássaros,
E as folhas caem,
E o fruto é sem viço, pobre.
É que sem você os dias ficam, e nas noites, ardo.
100
Tens um aroma doce de frutas,
Tens uma boca de morte,
Mãos de seda caseadas em fios de ouro,
São ternos os teus sorrisos,
E a tua beleza é o precipício dos meus olhos,
Teu corpo é a ardência que me chama a me matar.
101
Poeminha
chatinho
Passo passo passo,
Ando penso passo vago
Ando passo cada calço
Passa falso passo largo.
102
Tantos passos, tantos traços...
Tanto passo, tanto canso,
Tanto passo, não alcanço,
103
Gosto quando
me olhas
Gosto quando me olhas,
E a noite sobressai da penumbra dos meus cantos
E feito gélidos galhos secos
Tornam-se minhas mãos absortas.
104
E uma sensação de alma roubada
Toma-me sorrateiramente,
Carregando-me para uma porta de anseios
Numa forte sinestesia incalculável.
105
Gosto tanto, tanto quando me olhas
Aproveito o teu em meu olhar
A glória nasce em minha boca
E uma cantata mira os olhos teus.
106
107