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A Visualidade Da Cidade Industrial Na Fotografia - o Caso Ipatinga
A Visualidade Da Cidade Industrial Na Fotografia - o Caso Ipatinga
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A série é publicada em livro de fotografias em 2020, como resultado do prêmio Foto em
Pauta, oferecido pelo Festival de Fotografia de Tiradentes em parceria com a editora Tempo
d’Imagem e a Ipsis Gráfica.
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A estimativa é feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística com base no censo
demográfico realizado em 2010, disponível em
https://cidades.ibge.gov.br/brasil/mg/ipatinga/pesquisa/23/25207?tipo=ranking&ano=2010.
Entre os anos de 2016 e 2018 me dediquei à construção do projeto
fotográfico “O Grande Vizinho” (fotografias da série são mostradas no anexo I).
Estava determinado a compor uma forma de visualidade sobre minha cidade
natal, Ipatinga, um dos principais centros industriais do Estado de Minas Gerais.
Elevada à categoria de cidade em 1964, o município se torna em poucas
décadas o centro econômico da região que ficou conhecida como Vale do Aço.
Em seu estudo sobre o caso Ipatinga, Maria Isabel Chysostomo refere-se
à cidade como ícone do modelo nacional-desenvolvimentista “emblematizado
pelo otimismo, pela esperança e pelo desejo de modernização característicos do
governo de Juscelino Kubitschek de Oliveira e seu convincente Plano de Metas
(1956-61)” (CHRYSOSTOMO, 2008, p. 109).
A cidade é erguida conforme um projeto arquitetônico que se orienta pela
instalação da usina siderúrgica. A partir da planta industrial, são construídos
bairros ao seu redor para abrigar os operários que foram atraídos para o lugar,
a fim de trabalhar na instalação da fábrica e, posteriormente, dos trabalhadores
que vieram a compor o quadro de funcionários metalúrgicos na empresa.
Ipatinga é fruto de um projeto excepcional e, portanto, deveria soar como
exemplo de produtividade e urbanidade. Assim, com objetivo de amenizar a
presença visual opressiva da usina no coração da cidade, o plano urbanístico,
elaborado por eminentes arquitetos da época, sendo Lúcio Costa seu mentor,
abrange o cultivo de um cinturão verde ao longo de todo o perímetro da planta.
Além disso, várias e extensas áreas espalhadas pela cidade se tornam bosques
urbanos. O projeto original incluía ainda a construção do Parque Ipanema, uma
proposta de parque urbano desenhado por Roberto Burle Marx.
Em poucas décadas, o município já é considerado um dos mais
arborizados do país. Atualmente o índice local de área verde por habitante é de
127 metros quadrados3.
Contudo, todo o trabalho ecológico desenvolvido não foi suficiente para
camuflar a imponência das estruturas monumentais, típicas da siderurgia, que
se projetam no skyline da região central. Chaminés, torres de dispersão, altos-
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Dados da Prefeitura Municipal de Ipatinga (2019), que afirma que a recomendação da
Organização Mundial da Saúde é de pelo menos 12m2. Disponível em:
https://www.ipatinga.mg.gov.br/detalhe-da-materia/info/area-verde/95199>. Acesso em 1 de
março de 2021.
fornos e gasômetros se misturam aos prédios residenciais, comerciais e
públicos, além das casas e outras edificações presentes nos bairros que
circundam a planta, num amálgama de arquiteturas urbana e industrial.
Assim como boa parte da população nativa, minha relação com essa
paisagem singular se encerrava em um certo nível de normalização. Até o início
da minha juventude, olhava para aquele horizonte cravejado com longas
chaminés – tão próximas de minha casa – como quem acredita ser este o modelo
padrão das cidades modernas.
Mas os anos em que residi fora dali, na fase de transição entre a
adolescência e a vida adulta, transformaram este olhar. Retorno à cidade seis
anos mais tarde, em 2002, e agora minha atenção é magnetizada pelo vigorosa
incongruência visual que paira sobre o Vale do Aço.
E é da luminosidade noturna da cidade industrial que surge o estímulo
para que eu me pusesse a fotografá-la. Nos primeiros anos atuando como
fotógrafo, eu perambulava sem um destino certo ou ideia definida. Deixava-me
atrair inconscientemente pela luz excessiva emitida, tanto pela iluminação
urbana quanto pela usina, no espaço aéreo da cidade. Foram estes meus
primeiros registros.
O insight para que eu decidisse compenetrar dedicadamente o assunto
acontece quando me deparo com uma imagem de arquivo, datada de 2006, que
resume toda a ideia (anexo II).
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COELHO. Tiago. Balneário Alegria, 2015. Disponível em:
<http://tiagocoelho.com.br/?fluxus_portfolio=balneario- alegria>. Acesso em 10 de fevereiro de
2021.
tem do processo mecânico de produção da imagem fotográfica, em seu
modo específico de constituição e existência: o que se chamou de
automatismo de sua gênese técnica” (DUBOIS, 1993, p. 25).
“Contra o que nos tem inculcado, contra o que nós geralmente pensamos, a
fotografia sempre mente, mente por instinto, mente porque sua natureza não
permite que ela faça outra coisa. Mas o importante não é essa mentira
inevitável. O importante é como o fotógrafo a usa, a que intenções serve. O
importante, em suma, é o controle exercido pelo fotógrafo para impor uma
direção ética à sua mentira. O bom fotógrafo é o que mente bem a verdade.”
(FONTCUBERTA, 1997, p.15)
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Estudo “A global perspective on firefly extiction threats”, feito pelos biólogos Sara M. Lewis,
Choong Hay Wong, Avalon C. S Owens, Candace Fallon, Sarina Jepsen, Anchana
Tancharoen, Chiahsiung Wu, Raphael De Cock, Martin Novák, Tania Lopez, Palafox, Veronica
Khoo e J. Michael Reed, da Universidade de Tufts, Massachusetts, publicado na revista
Bioscience em fevereiro de 2020.
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Os estudos para realização do “The new world atlas of artificial night sky brightness” foram
realizados pelos cientistas Fabio Falchi, Pierantonio Cinzano, Dan Duriscoe, Chistopher C. M.
Kyba, Christopher D. Elvidge, Kimberly Baugh, Boris A. Portnov, Natalya A. Rybnikova e
Riccardo Furgoni e publicado na revista Sciences Advances em 2016.
alta poluição luminosa, porcentagem que no caso dos americanos atinge 99%.
No Brasil, a porcentagem da população que vive sob céu extremamente brilhante
é de 32,3%. Vivemos, portanto, um processo acelerado de incapacitação da
experiência visual do firmamento.
Em seu “24/7 – Capitalismo tardio e os fins do sono” (2016), Jonathan
Crary assinala que o processo de clareamento da noite na Terra é fruto de um
projeto econômico-industrial que desde o início da Era Moderna tenta ampliar o
“tempo útil” da humanidade a partir do qual o sistema produtivo passa a funcionar
sem pausas, sem discernimento entre dia e noite.
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Termo utilizado para designar um modelo de penitenciária circular desenvolvido pelo filósofo e
jurista britânico Jeremy Bentham, a partir do qual um único vigilante, posicionado numa torre
central com visão de 360º é capaz de observar todos os prisioneiros. O modelo é estudado por
Foucault em “Vigiar e Punir” (1975).
resíduos no ar durante a noite, em uma suposta tentativa de aproveitar a
distração da população que dorme.
A lenda urbana pode, contudo, ser desmantelada a partir do exercício de
observação e do registro fotográfico. É perceptível o fato de que a poluição
luminosa é a responsável por dar destaque e volume à poluição atmosférica, a
partir do efeito de reflexão e refração nas massas de vapor e fumaça expelidos
nas chaminés. Além disso, os processos de produção em uma fábrica deste
porte são obviamente contínuos – a não ser em casos de exceção, como
manutenção de equipamentos, por exemplo –, o que torna absurda a ideia de
que durante a noite o grau de emissão de matéria particulada no ar seria
superior.
Seguindo essa investigação, a supracitada série fotográfica passa pela
abordagem dessa contaminação lumínica que a luz da cidade provoca em seu
entorno, trazendo questionamentos sobre como a presença desse gigantesco
parque industrial pode influenciar na concepção de uma paisagem local.
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Charles Sanders Peirce já havia assinalado em 1985 a condição indicial da fotografia, ou
seja, a continuidade física com seu referente no mundo visível. “As fotografias, e em particular
as fotografias instantâneas, são muito instrutivas porque sabemos que, sob certos aspectos,
elas se parecem exatamente com os objetos que representam. Porém, essa semelhança deve-
se na realidade ao fato de que essas fotografias foram produzidas em tais circunstâncias que
eram fisicamente forçadas a corresponder detalhe por detalhe à natureza. Desse ponto de
vista, portanto, pertencem à nossa segunda classe de signos: os signos por conexão física
[índice]”(Peirce apud Dubois, 1994: 49).
atenção para a questão proposta: ao se deparar com uma prática estética que
rejeita a forma mecânica e respeitosa como em geral a paisagem é tratada na
fotografia, o espectador, em especial o nativo, confronta-se com uma realidade
conhecida que, contudo, apresenta-se estranhamente.
A crítica da fotografia Georgia Quintas ressalta a importância da
linguagem fotográfica na construção de visualidades alternativas que possam
enriquecer o olhar humano sobre seu território:
“Com os olhos bem abertos, podemos muito bem sonhar. Nem sempre
precisamos fechar os olhos para vivenciarmos histórias, sensações, idílios,
fugas, desejos, dores, solidão, alegrias, desencontros, vazios, exuberâncias,
esperanças… O mundo através da fotografia nos permite transcender as
supostas certezas da realidade. É quando a criação artística perturba os
paradigmas e faz da ideia o começo da invenção de novos mundos.”
(QUINTAS, 2001, p.121).
Acredito que uma imagem que se distancia daquela vista a olhos nus
dispõe de uma força maior de descondicionamento do olhar e de chamar
atenção para o objeto de estudo.
Ao optar pelo uso de lentes teleobjetivas nas fotografias d’O Grande
Vizinho, tento abalar os parâmetros do olho humano, já que esse tipo de objetiva
tende a aproximar os planos da imagem. Aplicada à paisagem de Ipatinga, o
resultado são imagens em que prédios, casas e outras construções aparecem
em primeiro plano, tendo as estruturas monumentais da usina no plano de fundo,
com a impressão de uma proximidade ainda maior que aquela percebida
naturalmente pelo mecanismo óptico biológico.
A dimensão humana nessa paisagem é ainda fundamental para a
produção de sentido na série. Ao compor cada cena escolhida para inserção no
projeto, realizo um trabalho de recrutamento de personagens reais para
participação no trabalho. Ao escolher uma edificação com potencial para uma
imagem equilibrada, convido o morador a se posicionar em uma de suas janelas,
varanda ou sacada. Indico onde ele ou ela devem ficar e como irá posar. Por fim,
oriento o personagem a permanecer imóvel para que resista à longa exposição
(que varia de 30 segundos a 3 minutos) de forma que a câmera possa registrar
sua imagem de forma nítida.
Parte dessas orientações são frisadas à distância, pelo telefone, após me
posicionar no patamar adequado para captar o instante. Muitas vezes o processo
de explanação e convencimento dos colaboradores tem de ser repetido, pois há
casos em que, para fotografar um personagem em sua casa, preciso adentrar o
domicílio de outra pessoa, do outro lado da rua ou do quarteirão.
6.1 Conclusão
“O fato é que entre 2001 e 2010 os efeitos das novas tecnologias, incluindo
a banda larga e o uso de programas de tratamento de imagens (...) atingiram
um primeiro momento de maturação em relação à aplicação por parte de
usuários, sobretudo na forma como induziram a reflexão, a produção e a
circulação de imagens” (CHIODETTO, 2010, p.10).
CRARY, Jonathan. 24/7 Capitalismo tardio e os fins do sono. São Paulo: Ubu,
2016.
FALCHI, Fabio, et al. The new world atlas of artificial night sky brightness.
Science Advances, v.2, nº 6, 10 jun 2016. Disponível em:
https://advances.sciencemag.org/content/2/6/e1600377. Acesso em 24 de
fevereiro de 2021.
ORWELL, George. 1984. 17ª ed. – São Paulo: Ed. Nacional, 1984.