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Mulher e Pedagogia
Mulher e Pedagogia
DOI: 10.55906/rcdhv8n2-015
729-748, 2023
ISSN: 2526-3943
Ieda Sbrissa
Licenciada em Pedagogia
Instituição: Secretaria Municipal de Educação de Itu - SP
Endereço: Avenida Itu 400 anos, 111, Novo Centro, Itu - SP, CEP: 13303-500
E-mail: il.sbrissa@hotmail.com
ABSTRACT: The large presence of women acting as teachers, especially in early childhood
education and elementary school, is notorious. Such a fact, however, cannot be naturalized only
as a mere professional choice. Thus, we aim to reflect on the trajectory of the teaching
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profession in Brazil, relating it to the social constructions explained by gender, aiming to
understand how women inserted themselves in the educational environment, starting to occupy
numerous spaces. Through a bibliographic research on women and on the history of the
teaching profession, it was possible to observe that women, not only as teachers, but as
individuals, go a long way. However, during this course the great religious influence is clear,
as well as a male predominance over the decisions related to women. Even today, despite the
constant social changes, it is possible to observe that thoughts about the feminine and the
teaching function are linked by society and this reflects directly with regard to female teaching
from Early Childhood Education to Higher Education.
1. INTRODUÇÃO
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Tal observação dá início à curiosidade em entender como a mulher está ligada à
educação e qual a história traçada até então. Dessa forma, pretendemos com esse trabalho
refletir sobre a trajetória da profissão docente, pontuando a participação das mulheres em meio
a esse percurso, suas principais transformações e buscando compreender como a atuação
feminina ganhou tamanha dimensão no cenário da educação atual.
Não é possível, porém, realizar tal levantamento sem abordamos a questão de gênero,
pois segundo Vianna (2016, p. 90), “as inúmeras decorrências desses pressupostos elevam a
utilização do conceito de gênero a uma categoria explicativa muito fértil para a análise dos
aspectos da docência”. A questão do gênero passa a ser debatida com mais frequência nas
décadas finais do século XX, colocando em perspectiva as desigualdades enfrentadas pelas
mulheres em diversos âmbitos da sociedade, refutando pensamentos engessados e convictos
sobre as noções de homem e mulher (VIANNA, 2016).
Cada vez mais a desigualdade entre gêneros é colocada como um entrave no
desenvolvimento de meninas e meninos. Pensar sobre a educação da mulher durante esses
séculos nos faz perceber o quão recente são as conquistas voltadas ao âmbito educacional, nos
levando a refletir sobre a precarização da profissão docente pelo fato de ser uma função exercida
em maioria por mulheres.
Esse trabalho usou da abordagem qualitativa de pesquisas em educação e foi realizado
por meio da pesquisa bibliográfica em artigos e livros que abordassem o tema. Utilizamos
autores que estudam a temática, como Louro (2003; 2004; 2008), Saviani (2009), Ribeiro
(1997), Macedo (2002), entre outros. Consultamos também o Perfil do Professor publicado pelo
Inep no ano de 2018 e o anuário da Unesp de 2017, com o intuito de relacionar os dados
encontrados com a teoria.
Isto posto, foi realizado um levantamento bibliográfico sobre a temática da mulher, da
profissão docente e das relações de gênero, assuntos esses que serão discutidos em três seções.
Assim, na primeira seção buscamos entender como a mulher era representada nos diversos
círculos sociais e contextualizaremos a figura feminina e sua participação na Europa medieval
e no Brasil colonial.
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Na segunda seção, abordaremos a questão de gênero, conceituando o termo e
relacionando-o à profissão docente, fazendo uma retomada histórica da docência no Brasil e da
participação da mulher até então.
A atuação da mulher no cenário atual será discutida na terceira seção, pois apesar das
várias transformações ocorridas com o decorrer do tempo, algumas concepções seguem
enraizadas na sociedade. Para termos essa percepção de forma mais prática hoje, verificaremos
também a relação entre matrículas por parte de homens e mulheres nos cursos de Pedagogia nas
unidades das Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - UNESP, bem como a
produção acadêmica a respeito da atuação feminina nos bancos de dados do Programa de Pós-
graduação em Educação - PPGE das unidades da Unesp que oferecem essa modalidade de
ensino.
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famílias pobres, viam o trabalho como forma de amenizar os gastos da família e até mesmo
uma maneira de guardar dinheiro. As escravas, por outro lado, eram entregues às senhoras como
presente ou dote de casamento, e realizavam todos os serviços da casa. Nesse caso, vemos a
perpetuação da escravidão feminina pelas mãos das próprias mulheres (MACEDO, 2002).
Já as mulheres artesãs estavam em sua maioria voltadas ao ramo têxtil, participando das
diversas etapas de produção. De acordo com Macedo (2002), dependendo da região em que
estavam, poderiam ser designadas a serviços mais pesados, como na Alemanha, por exemplo,
onde podiam ser encontradas mulheres desempenhando a função de ferreiras e caldeireiras.
Também eram vistas mulheres no ramo da alimentação, no ramo da beleza como
cabeleireiras, como barbeiras e também como boticárias. A mulher teve uma maior abertura na
área do artesanato, chegando a ser estabelecido no ano de 1226 a igualdade entre homens e
mulheres em relação ao trabalho, compra e venda nesse setor. No entanto, na prática, ainda
havia grande desigualdade entre as funções desempenhadas e o salário recebido pelas mulheres
e, com o passar dos anos, o trabalho feminino passou a ser cada vez menos aceito (MACEDO,
2002).
As mulheres negociantes atuavam com mais ênfase na sociedade, visto que em alguns
casos era necessário auxiliar e até mesmo substituir a figura masculina dando continuidade aos
negócios, sendo possíveis em alguns casos, que as mulheres se vissem independentes em
relação aos homens (MACEDO, 2002).
Na camada mais abastada da sociedade feminina havia as Senhoras, podendo pertencer
a alta e a pequena nobreza. A elas cabia prezar pelo funcionamento da casa, família e em
situações de falta da figura masculina, cabia às mulheres, esposas, viúvas ou filhas, assumirem
as responsabilidades das propriedades. Os grupos de mulheres citados até então, são as
mulheres consideradas como pertencentes à sociedade, apesar de serem vistas como menos
importantes. No entanto, a partir do século XIII, a igreja católica junto aos governos intensificou
a exclusão dos sujeitos, homens ou mulheres, considerados como “perniciosas para a
Cristandade, entre as quais as hereges, as bruxas e as prostitutas” (MACEDO, 2002 p. 48).
Nesse período a educação era reservada apenas aos homens nobres e aos religiosos.
Assim, como em todos os outros âmbitos da sociedade, a educação da mulher medieval também
foi submetida à aprovação masculina, que em sua maioria via a educação feminina como
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desnecessária, prezando por outras virtudes, como a obediência, por exemplo (MACEDO,
2002).
Ao ensinar tais virtudes à mulher desde criança, garantia-se que estas se tornassem o
mais submissas possível, evitando ir contra ao que lhe impunham. Não podemos deixar de
apontar que, embora fossem poucos os casos, algumas mulheres nobres ou religiosas,
conseguiam garantir seus estudos, contrariando o pensamento da época.
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mulheres portuguesas, desconsiderando qualquer característica social das mesmas, contanto
que fossem brancas.
Já as mulheres negras eram trazidas como escravas e vistas apenas para a realização de
trabalhos domésticos ou rurais, e também para a satisfação dos senhores. Apesar de serem todas
do sexo feminino e sofrerem com os diversos abusos e a desigualdade em relação aos homens,
as mulheres brancas da elite da colônia tinham certa “vantagem” em relação as demais, pois,
como afirma Ribeiro (1997):
[...] os mesmos interesses comerciais do homem branco são também os das mulheres
brancas portuguesas e não poderia ser diferente. Ambos compactuavam na exploração
do novo território, escravizando outras raças, em benefício próprio e da metrópole da
qual se originam. (RIBEIRO, 1997, p. 30)
Ribeiro (1997) pontua ainda que, quando necessário, as mulheres brancas da elite
colonial deixavam de lado o papel passivo e ocupavam as funções masculinas, como as de
administrar e comandar as posses da família, diferente da mulher branca pobre, que vivia muitas
vezes de forma precária por ser proibida de trabalhar tendo que, assim como as mulheres
indígenas e negras, se sujeitarem aos abusos dos senhores.
Pensar a educação da mulher brasileira então, é levar em conta todo esse contexto no
qual ela estava inserida durante o período colonial. A educação, não só feminina, mas como um
todo, estava muito ligada (além do gênero) aos interesses do governo português, na situação
econômica e classe social ocupada, ou seja, poucos eram os que tinham a possibilidade de se
educarem.
Conforme explica Ribeiro (1997), o início da história da educação brasileira acontece
em 1549 com a chegada de um grupo de jesuítas, a chamada Companhia de Jesus, que tinha
como principal objetivo converter os indígenas que aqui habitavam à fé católica,
conscientizando-lhes, assim, da superioridade portuguesa para com eles. O ensino jesuítico era
destinado apenas aos homens, filhos dos colonos portugueses e filhos dos indígenas.
Vale lembrar que houve tentativas entre indígenas e jesuítas de incluir a mulher nas
atividades educativas, porém, essa ideia não foi vista com bons olhos pela metrópole. Ao educar
a mulher colonial, esta poderia tomar consciência de sua submissão, se tornando mais difícil
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dominá-la, pois “Enquanto permanecessem analfabetas, o controle paterno teria melhor
resultado” (RIBEIRO, 1997, p. 74).
Segundo Ribeiro (1997), a mulher obteve uma educação informal por meio das
vivências de acordo com a hierarquia social que ocupava (indígenas, negras, brancas, ricas ou
pobres), lhes possibilitou um conhecimento sobre a vida na colônia, sendo a educação formal
destinada apenas aos homens. A única forma de as mulheres terem acesso à educação eram os
conventos. Cabe ressaltar, no entanto, que a educação nesses conventos não era voltada a
esclarecer essas mulheres, sendo apenas um meio para que elas conseguissem ler os livros
religiosos, não necessariamente precisando compreendê-los.
Assim, se mantém a educação na colônia por mais de 200 anos até a expulsão dos
jesuítas em 1759, ano em que se iniciam as reformas pombalinas. A educação para as mulheres,
apesar de ter tido poucas mudanças, foi mais discutida durante esse período. Ribeiro (1997) cita
os livros de Verney e de Coutinho, e também os trechos do estatuto do recolhimento de Nossa
Senhora da Graça nos quais é possível identificar uma maior abertura à ideia da mulher receber
uma educação, ainda que continuasse voltada ao âmbito doméstico.
O pensamento era de que mulheres que recebiam educação educariam melhor seus
futuros filhos homens, situação esta que se estendeu sem mudanças significativas, mesmo
depois da vinda da corte para o país (RIBEIRO, 1997).
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Louro (2008, p. 18) explica que essa construção se constitui como um “processo
minucioso, sutil, sempre inacabado”. A autora afirma ainda que dele participam diversos atores,
dos mais tradicionais como a família e a escola, aos mais atuais, como a internet, a mídia em
geral etc. Por meio desses atores observa-se, ao longo dos séculos, a legitimação de um
determinado padrão estipulado por homens em relação às mulheres, determinando, com base
em seus critérios, o que seria adequado ao sexo feminino.
Com isso, podemos relacionar a problemática das construções de papéis que atribuem
características e modelos a serem seguidos com a profissão docente. Há alguns séculos era uma
função reservada aos homens e encarada de forma diferente da vista atualmente, em sentido de
prestígio. A numerosa atuação de mulheres na área, no entanto, modificou esse cenário, porém,
tal fato não aconteceu de forma repetina, são anos de transformações políticas, econômicas e
sociais (LENGERT, 2011).
A inserção da mulher no mercado de trabalho está muito ligada ao capitalismo e ao
patriarcado, pois é a necessidade de mais trabalhadores, produção e os maiores salários que
instiga ao homem se aventurar por outras áreas, e ao patriarcado, atribuí-se a necessidade de
encontrar uma ocupação em que a mulher pudesse estar sob controle externo e ainda realizar
suas “obrigações” como mulher, ou seja, domésticas (LENGERT, 2011).
No Brasil, a docência, desde seus primórdios, com a chegada dos jesuítas, até os dias
atuais, também passou por diversas transformações. Diferente do cenário atual, a função de
professor já foi exercida predominantemente por homens. Durante o período colonial, a
educação no Brasil foi caminhando pequenos passos e houve períodos de certo progresso e
também de praticamente nenhum avanço, até mesmo de retrocesso, como pontua Seco e Amaral
(2006), em relação ao desmantelamento do sistema de educação jesuítica realizada pelo
Marquês de Pombal. No entanto, para as mulheres, as reformas pombalinas significaram uma
pequena esperança em relação as suas demandas educacionais.
Até então a educação era exclusiva ao indígena e ao homem branco português, as
mulheres, por sua vez, eram deixadas de lado, já que se acreditava na diferença cognitiva entre
os sexos femininos e masculinos, estando as mulheres sempre em desvantagem aos homens. O
período de reformas promovido por Pombal, apesar de controverso, possibilitou também certo
avanço da profissionalização da função de professor. Além disso, nessa época surge também a
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necessidade de um documento para que se pudesse dar aula, ou seja, uma licença que confirme
sua atividade como profissão. Dessa forma, “A licença significa o aval do Estado aos
professores que, de posse de um título que reconhece e legitima seu papel social nas atividades
educativas escolares” (NOVOA apud COSTA, 1995, p. 79).
Algumas ações relacionadas ao ensino superior e profissional foram realizadas com a
vinda da família real portuguesa para o Brasil, mas o ensino elementar ainda continuava
descentralizado, com professores sem formação e mal remunerados, e as mulheres ainda eram
excluídas. A primeira ação efetiva em relação ao ensino das mulheres acontece apenas no ano
de 1827, ano no qual surgem as primeiras escolas de primeiras letras, nas quais as meninas
também estavam inclusas. Consequentemente, abre-se a premissa para a entrada de professoras
mulheres, já que as turmas eram separadas entre meninos e meninas. (SCHAFFRATH, 2000).
Assim, com a necessidade de preparar professores para as escolas de primeiras letras,
surge no ano de 1835, a primeira Escola Normal, no estado do Rio de Janeiro. No estado de
São Paulo, a primeira Escola Normal é criada no ano de 1846. No entanto, a Escola Normal não
se consolida num primeiro momento. Tanuri (1979) aponta os motivos para o fracasso inicial
dessas escolas,
[...] foi devida, não apenas às suas deficiências didáticas, mas sobretudo à falta de
interesse da população pela profissão docente, acarretada pelos minguados atrativos
financeiros que o magistério primário oferecia e pelo pouco apreço de que gozava [...].
Acrescente-se ainda a ausência de compreensão acerca da necessidade de formação
específica dos docentes de primeiras letras (TANURI, 1979, p. 19)
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As modificações ocorridas na sociedade, em grande parte pelos processos de
industrialização, vão aos poucos transformando a relação do sexo feminino e masculino com o
magistério. A função de professor que antes era tida como uma ocupação masculina passa a ser
vista como uma profissão que requer formação e a ser ocupada principalmente por mulheres
(MARIANO, 2012).
Na década de 1930 são criados os Institutos de educação, que diferente do que foi visto
até então, não se restringia apenas ao ensino, mas também a pesquisa, assim, “[...] os institutos
de educação foram pensados e organizados de maneira a incorporar as exigências da pedagogia,
que buscava se firmar como um conhecimento de caráter científico” (SAVIANI, 2009, p. 145).
Concomitantemente à essas modificações, a mulher passa a ter sua figura cada vez mais
presente no âmbito escolar, principalmente no ensino primário, por associarem o cuidado com
as crianças ao instinto materno, à delicadeza feminina. Apesar da conquista de uma profissão,
é preciso ressaltar que a busca pela ascensão a cargos mais altos era quase impossível, já que
estes eram ocupados sempre por homens.
Já no contexto da ditadura militar, as modificações em relação à educação possuíam
caráter tecnicista, direcionadas ao estímulo do patriotismo. Na formação de professores, as
Escolas Normais dão lugar a chamada “Habilitação específica para o magistério” (HEM),
aprovada no ano de 1972, oferecendo duas modalidades: a primeira habilitando os futuros
professores a lecionarem até a 4ª série e a segunda que os possibilitava dar aulas até a 6ª série.
A criação dessa habilitação, no entanto, não significou mudança em relação a qualidade da
formação dos professores em relação ao contexto anterior (SAVIANI, 2009; ALMEIDA,
2004).
Pelo contrário, a crescente necessidade de melhorar a formação profissional docente
abriu espaço para outros programas de formação de professores, como por exemplo, os
“Centros Específicos de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério” – CEFAM, no Estado de
São Paulo em 1988.
Com a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), nº
9.394/96, fica estabelecido que a formação de professores para a educação básica deve ser
realizada através da licenciatura em cursos universitários ou institutos superiores.
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É possível notar que mudanças em relação a àrea educacional são constantes no Brasil
há séculos. A figura da mulher nesse ambiente, no entanto, passa a ser recorrente apenas no
final do século XIX. Veremos na seção a seguir como a atividade docente vem acontecendo
com a chegada do século XXI.
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Ainda hoje, a mulher representa a maior parte do corpo docente da educação básica,
porém, como conforme Vianna (2016, p.92) “exercem atividades bem denifidas na carreira”.
Segundo os dados publicados pelo Inep no Perfil do Professor em 2018, nos anos de 2009, 2013
e mais recentemente em 2017 as mulheres compõem uma porcentagem de 82,7%, 81,5% e 81%
respectivamente. Esse número é ainda mais discrepante na educação infantil, seguindo a média
de 96% em todos os anos em que a coleta de dados foi realizada. A Educação Infantil tem seu
professorado constituído praticamente por mulheres, fato este que discutiremos ao analisar as
matrículas dos cursos de Pedagogia (CARVALHO, 2018).
Como já frisado por Vianna (2016), é importante pontuar que as mulheres se destacam
em números na educação básica, porém, como professoras de ensino superior, temos um cenáro
diferente. Existe uma diferença entre a quantidade de homens no ensino superior brasileiro em
relação às mulheres e segundo dados publicados na Revista Fapesp em 2018, a participação das
mulheres enquanto professoras do ensino superior “estava em 45,5% (175 mil de 384 mil
docentes) em 2016, um pouco acima do que era em 2006 (44,5)” (FAPESP, 2018).
A argumentação baseada nas ditas “características femininas e masculinas” ainda é
utilizada para tentar delimitar o papel de cada um, assim como suas possíveis funções na
sociedade. No entanto, as atuais mudanças econômicas e no mercado de trabalho, ao mesmo
tempo que possibilitam à mulher o trabalho fora de casa, passam a acarretar o acúmulo de
funções, a chamada dupla jornada, já que essa separação entre papéis/funções entre homens e
mulheres, ainda delega à mulher o cuidado da casa, da família. Ou seja, mais uma vez a
discussão de gênero se faz necessária à medida em que a sociedade se transforma para que
pensamentos como estes possam ser modificados.
A educação feminina e seu trabalho na área passaram a ser mais discutido e
problematizado nas últimas décadas e com objetivo de verificar a produção a respeito, essa
pesquisa pensou inicialmente em realizar a busca no banco de dados da CAPES e foi encontrado
um alto número de publicações vinculadas ao título “Mulheres professoras” desde o ano de
2009. No entanto, para a escrita do presente trabalho, não haveria tempo hábil para que todos
esses projetos fossem aferidos.
Dessa forma, considerando que a identificação das produções compõe uma importante
forma de compreender como o tema vem sendo trabalho até então, decidimos identificar as
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publicações encontradas no banco de dados dos “Programas de Pós-graduação em
Educação”/PPGE das unidades das Unesp entre os anos de 2003 e 2018. Para isso, pesquisamos
os trabalhos que abordassem a temática da educação feminina e o trabalho da mulher como
professora, nas unidades de Presidente Prudente, Marília, Rio Claro e Araraquara, englobando
todos os anos em que há publicações de teses e dissertações nos respectivos bancos de dados.
Apresentaremos a partir daqui, de forma breve, parte dos trabalhos encontrados. Em sua
tese intitulada “As influências do trabalho docente feminino na cultura escolar do extremo oeste
paulista (1932-1960)”, Mariano (2016) discorre sobre a participação das professoras primárias
na construção da cultura escolar nas cidades de Presidente Bernardes e Presidente Venceslau.
Para tanto, seu trabalho buscou retomar a história do município e suas escolas; examinar a
influência do gênero no trabalho docente; e também verificar de que forma os percalços em
superados.
A educação feminina no colégio Madre Clélia é discutida por Tofoli (2003), em sua tese
“Educação feminina em Adamantina-SP: "o instituto de educação Madre Clélia" (1951-1978)”.
Analisando os primeiros quinze anos de atuação da instituição, a autora buscou compreender
como eram construídas as identidades das alunas e como este se relacionava ao que se esperava
da mulher na época.
A tese “A presença feminina nos estudos secundários no estado de São Paulo (1930-
1947)” escrita por Antonio (2014), se utiliza da análise de documentos oficiais para verificar
como as mulheres estiveram inseridas no processo de expansão do ensino secundário no Estado
de São Paulo. Com base no levantamento, a autora destaca a ausência desse tema na
historiografia.
Em sua tese intitulada “Mulher e criança: ambivalência de dois mundos ditados por
especialistas em artigos de revistas destinadas ao grande público entre os anos de 1940 a 1950”,
Mendonça (2011) analisou artigos voltados à temática feminina em revistas do período
supramencionado. O autor explica que essas revistas realizavam uma “educação” da mulher,
no sentido de prepará-las para a família, maternidade. Essa educação era comumente realizada
por médicos que procuravam auxiliar na formação dessa mulher, esposa, mãe e dona de casa.
Alvarenga (2009) em sua dissertação “A profissionalização do trabalho docente: um
estudo das condições de trabalho de professoras” busca verificar as condições encontradas pelas
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docentes da cidade de Araraquara/SP, visando identificar possíveis sinais que demonstrem
precarização no trabalho dos professores. Indo de encontro aos estudos que apresentam a
precariedade da educação, os resultados obtidos pela autora demonstram que no momento da
pesquisa não houve indícios de precarização, mas ainda assim o risco existe, por conta de
algumas medidas realizadas na época.
Se utilizando de memórias e fontes orais, Luiz (2004), busca contar sobre as histórias
de professoras que lecionaram nas UNESP. Em sua tese, “Docência universitária: memórias
femininas e relações de gênero”, a autora utiliza-se dos relatos obtidos e suas próprias
indagações para tentar compreender a representação e as modificações do que era ser mulher
nas últimas décadas do século XX.
Pessôa (2018) discorre em sua tese “A formação educacional e a igualdade de gênero
no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)” sobre a participação da mulher no
movimento. A autora objetiva verificar a questão de gênero e como o assunto aparece nos
princípios pedagógicos do MST.
A dissertação “As políticas do Banco Mundial e a educação da mulher trabalhadora”,
produzida por Ortiz (2014) discorre sobre a inserção da mulher no mercado de trabalho como
estratégia proposta pelo Banco Mundial de combate a pobreza relacionando o tema à formação
educacional das mulheres a partir do ano de 1990.
Os títulos encontrados nos apresentam uma linha de temas de pesquisa que possuem a
intenção de compreender mais sobre as mulheres, principalmente sobre as áreas relacionadas à
educação. Assim, entendemos que pesquisar sobre a mulher é uma forma de incluí-las na
história, demonstrar que elas também estão presente e são sujeitos ativos na construção da nossa
sociedade.
Indo além do aspecto da produção acadêmica, ao observar os autores notamos o nome
de apenas dois homens, em relação a sete mulheres. Dessa forma, apesar de não serem números
tão discrepantes, fica evidente a maioria feminina. A partir disso, pensamos na questão da
participação masculina na área de educação e, mais diretamente no curso de Pedagogia.
Consultamos, portanto, o anuário estatístico da UNESP 2019, ano base 2018, que apresenta os
números relacionados aos vários campus da Universidade.
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Quadro 1: Matrículas no curso de Licenciatura em Pedagogia (2018) PED LIC 2018
Com base nos números apresentados, verificamos a notória diferença nas matrículas
entre o sexo feminino e masculino, predominando a presença feminina. Esse aspecto se reflete,
obviamente, no corpo docente das escolas.
Já discorremos sobre a docência ser vista como uma função propicia a ser desempenhada
pela mulher, pois esta seria como uma “continuação da maternidade” e a mulher, com suas
“características femininas” seria ideal para o desempenho da função. A participação feminina
exercendo a função de professoras é marcante na educação básica, no entanto, vemos uma maior
concentração das mulheres na Educação Infantil e Ensino Fundamental I.
Principalmente na Educação Infantil notamos que ainda nos dias atuais existe certo
receio com a presença de homens nas instituições de ensino, resultado de preconceitos e
estereotipagens de gênero arraigadas na sociedade. O fato dessa etapa escolar estar muito
relacionada ao cuidado, questões de higiene como trocas e banhos, são vistos como
problemáticos para que o homem desempenhe por estar em contato com o corpo de uma criança.
Tais atividades, conforme são motivo de vigilância por parte de terceiros (JAEGER;
JACQUES, 2017).
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
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familiar. A tutela patriarcal contínua, os moldes da religião católica, tradições oriundas de outro
continente, etc., definiram durante séculos o esperado da mulher brasileira.
Ao passo em que as modificações políticas, econômicas e sociais aconteciam, as
expectativas sobre homens e mulheres também se alteravam. Para a mulher, no entanto, vimos
que sempre havia a necessidade da aprovação masculina, da honra ilibada, do estar em segundo
plano. A sua entrada na educação também acontece dessa forma: para as meninas que a partir
de 1827 tem sua presença permitida nas escolas de primeiras letras, é oferecido o conhecimento,
mas não por inteiro, e sim apenas o necessário para seu futuro doméstico, assim como para as
professoras que a partir de então estão autorizadas para o ensino, mas com salário desigual.
Conquistar o lugar de professora rendeu às mulheres certa autonomia, a permissão para
o espaço público e o prestígio da sociedade, por exemplo. No entanto, percebemos que a
igualdade não estava nos objetivos e o controle ainda era masculino.
O papel feminino na educação foi construído durante o século XIX e XX com base no
ideal da mulher honrada, de família, moldando-a de forma a ser paciente, carinhosa e sendo,
portanto, aquela que realiza o ensino escolar como se estivesse a educar os próprios fllhos.
Essas características atribuídas às mulheres são uma forma de incutir na sociedade e também
de explicar as diferenças entre o homem e a mulher. Dessa forma, colaboraram para a aceitação
de diversas situações sem a realização de questionamento.
A utilização do gênero para refletirmos sobre essas diferenças nos possibilita perceber
que estas não passam de construções sociais e culturais que acabam legitimando o que se espera
do homem e da mulher, criando papéis para cada um de nós.
Com o decorrer do século XX, a profissão docente passa a ser uma ocupação
majoritariamente feminina. Observamos que a participação da mulher se faz maior na educação
infantil e no ensino fundamental I, porém, ao verificar os números em relação ao ensino
superior, as mulheres são minoria. Assim como no século passado, observamos a dificuldade
vivenciada pela mulher para ascender à cargos mais altos.
Isso nos mostra que, apesar de toda a conquista realizada pelas mulheres, ainda hoje
vivemos em constante luta contra os estereótipos que nos são impostos. E este é um problema
que afeta não só mulheres, mas a sociedade como um todo acaba perdendo por ainda cultivar
ideias retrógradas e se indispor a mudança de pensamento.
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REFERÊNCIAS
LOURO, G. L. Mulheres na sala de aula. In: Del Priore, M. História das mulheres no Brasil.
7 ed. São Paulo: Contexto, 2004. p. 443-481.
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