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UNIVERSIDADE NOVE DE JULHO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU


MESTRADO EM DIREITO

EMANUELLE CLAYRE SILVA BANHOS

OS CONTRATOS EMPRESARIAIS COMO MEIO DE GARANTIA DOS DIREITOS


HUMANOS NO ÂMBITO DAS EMPRESAS TRANSNACIONAIS

São Paulo
2022
EMANUELLE CLAYRE SILVA BANHOS

OS CONTRATOS EMPRESARIAIS COMO MEIO DE GARANTIA DOS DIREITOS


HUMANOS NO ÂMBITO DAS EMPRESAS TRANSNACIONAIS

Dissertação de Mestrado apresentada à


banca examinadora da Universidade Nove de
Julho, como requisito parcial para obtenção
ao título de MESTRE em Direito, sob a
orientação do Prof. Dr. Marcelo Benacchio.

São Paulo
2022
Banhos, Emanuelle Clayre Silva.
Os contratos empresariais como meio de garantia dos
direitos humanos no âmbito das empresas transnacionais. /
Emanuelle Clayre Silva Banhos. 2022.
115 f.
Dissertação (Mestrado) - Universidade Nove de Julho -
UNINOVE, São Paulo, 2022.
Orientador (a): Prof. Dr. Marcelo Benacchio.
1. Empresas e direitos humanos. 2. Empresas
transnacionais. 3. Contratos empresariais. 4. Regulação. 5.
Capitalismo Humanista.
I. Benacchio, Marcelo. II. Título.

CDU 34
EMANUELLE CLAYRE SILVA BANHOS

OS CONTRATOS EMPRESARIAIS COMO MEIO DE GARANTIA DOS DIREITOS


HUMANOS NO ÂMBITO DAS EMPRESAS TRANSNACIONAIS

Dissertação apresentada ao
Programa Pós-Graduação Stricto
Sensu em Direito da Universidade
Nove de Julho como parte das
exigências para a obtenção do título
de Mestre em Direito.

São Paulo, 14 de março de 2022.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________
Prof. Dr. Marcelo Benacchio
Orientador
UNINOVE

________________________________________
Prof. Dr. Manoel de Queiroz Pereira Calças
Examinador Interno
UNINOVE
DEDICATÓRIA

Ao meu mais puro amor: Elisa.


AGRADECIMENTOS

Cursar o Mestrado e, ao mesmo tempo, gestar e dar à luz a uma criança teria
sido impossível, não fosse aqueles aqui mencionados que, direta ou indiretamente,
ajudaram-me a desenvolver esta pesquisa.
Agradeço a Deus por, no momento e local certos, permitir que ingressasse e
concluísse o Mestrado, o que parecia um sonho distante.
Ao meu esposo, Rodrigo, mesmo que qualquer agradecimento que eu faça
seja singelo perto de todo apoio, cuidado, suporte, amor e incentivo que me
proporciona, especialmente, desde o processo seletivo até a finalização da pesquisa.
Muito obrigada, por tudo.
À minha mãe, Valéria, por sempre incentivar minha educação, e pelos dias
que cuidou da minha filha para que eu pudesse me dedicar a este trabalho.
Aos meus sogros, Rosana e Paulo, pelos dias que nos receberam em sua
casa e cuidaram da minha filha, para que eu pudesse concluir a pesquisa.
À Universidade Nove de Julho (UNINOVE) e à Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo apoio e fomento à
pesquisa, indispensáveis para o desenvolvimento do presente trabalho.
Ao professor Doutor Marcelo Benacchio, não apenas pela orientação, mas por
toda atenção, comprometimento e por ser exemplo de dedicação à docência e à
pesquisa.
Aos professores e professoras do Programa de Mestrado em Direito da
UNINOVE, por todo conhecimento compartilhado e por sua dedicação à pesquisa.
Aos colegas do mestrado, pela troca de conhecimentos e debates,
especialmente, Rachel Bonotti, por sua ajuda, parcerias em trabalhos e pesquisas, e
que mesmo sem conhecer pessoalmente, em razão da pandemia de Covid-19,
tornou-se uma amiga.
Às alunas da graduação em Direito da UNINOVE, vinculadas ao projeto “A
ordem jurídica do mercado na efetivação dos Direitos Humanos”, por sua dedicação
e por permitirem que, no estágio docente, eu pudesse contribuir de alguma forma
com a sua formação e pesquisas que desenvolveram durante o projeto.
Ao meu primo, Otávio, sempre pronto a ajudar, por sua atenção, parcerias na
pesquisa e incontáveis revisões de trabalho.
Por último, mas não menos importante, à amiga, Anne Ávila, por seu apoio,
desde o processo seletivo, e pelas incontáveis dicas e orientações ao longo do
Mestrado.
“Os descaminhos da criatura humana, refletidos na violência, na
exclusão, no egoísmo e na indiferença pela sorte do semelhante, assentam-se na
perda de valores morais. Alimentam-se da frouxidão moral. A insensibilidade no
trato com a natureza denota a contaminação da consciência humana pelo vírus da
mais cruel insensatez. A humanidade escolheu o suicídio ao destruir seu hábitat.
É paradoxal assistir à proclamação enfática dos direitos humanos, simultânea à
intensificação do desrespeito por todos eles. De pouco vale reconhecer a dignidade
da pessoa, insculpida como princípio fundamental da República, se a conduta
pessoal não se pauta por ela”.
(JOSÉ RENATO NALINI, 2009)
RESUMO

As empresas transnacionais possuem papel relevante na atualidade, uma vez que


detêm maior poder econômico, social e político que Estados, e suas relações são
regidas por contratos, os quais são resguardos pela Lex Mercatoria. Considerando-se
o poder dessas corporações e o quanto suas ações, sejam elas positivas ou negativas,
podem refletir na sociedade, mormente, na promoção ou violação de direitos
humanos, passou-se a existir a necessidade de incorporar em seu âmbito de atuação
a adoção de comportamentos com viés humanista, mediante a exigência de condutas
que se coadunassem com valores éticos e sociais aceitáveis em suas relações
externas e internas. A adoção desses comportamentos, refletiu na seara contratual
em razão da modificação da concepção de contrato que passou de individualista para
uma que cuida não apenas do reflexo das negociações entre as partes, mas, também,
do seu reflexo na sociedade. Assim, haja vista que os contratos regem as atividades
empresariais, o presente trabalho objetiva avaliar o uso do contrato empresarial como
meio para a garantia e afirmação dos direitos humanos, no contexto das empresas
transnacionais. Para tanto, utiliza-se o método hipotético-dedutivo, com o auxílio de
pesquisa bibliográfica como procedimento metodológico. Como conclusões, tem-se
que, a conformação oitocentista de contrato, fundada na igualdade e liberdade
irrestritas, já não atende aos anseios da sociedade atual, uma vez que a atual
concepção segue no sentido de que este serve para a promoção da dignidade humana
e dos direitos a ela inerentes, em equilíbrio com o mercado. E, dado ao papel de
destaque detido pelas transnacionais na sociedade hodierna, há necessidade de sua
atuação em prol de valores da sociedade, e não apenas em função do lucro. Enfim, o
contrato empresarial é um instrumento do humanismo, e meio de regulação do
mercado global, ao passo que a inserção, explicita ou implícita, dos valores
humanistas em seu conteúdo pode contribuir para a garantia e promoção dos direitos
humanos, além de viabilizar a harmônica coexistência dos direitos humanos e
empresas, e concretização do capitalismo humanista.

PALAVRAS-CHAVE: Empresas e direitos humanos. Empresas transnacionais.


Contratos empresariais. Regulação. Capitalismo Humanista.
ABSTRACT

Transnational corporations plays an important role today, since they hold greater
economic, social and political power than states, and their relations are governed by
contracts, which are protected by the Lex Mercatoria. Considering the power of these
corporations and how much their actions, whether positive or negative, can reflect on
society, especially in the promotion or violation of human rights, became the need to
incorporate in their scope of action the adoption of behavior with a humanist bias,
through the requirement of conducts that conform to ethical and social values
acceptable in their external and internal relations. Therefore, the adoption of these
behaviors was reflected in the contractual field due to the modification of the
contractual conception, which went from individualistic to one that takes care not only
of the reflection of the negotiations between the parties, but also of its reflections in
society. Thus, considering that contracts govern business activities, this paper aims
to evaluate the use of the business contract as a mean of guaranteeing and promoting
human rights in the context of transnational corporations. To this end, the
hypothetical-deductive method was used, with a bibliographical research as a
methodological procedure. As conclusions, it was found that the nineteenth-century
conformation of contract, founded on equality and unrestricted freedom, no longer
meets the yearnings of today's society, since the current contract conception follows
in the sense that it serves for the promotion of human dignity and the rights inherent
to it, in balance with the market. Given the prominent role held by transnational
corporations in today's society, there is a need for their performance in favor of
society's values, and not only in function of profit. Finally, the business contract is an
instrument of humanism, and a mean of regulating the global market, while the
insertion, explicitly or implicitly, of humanist values in its content can contribute to the
guarantee and promotion of human rights, in addition to enabling the harmonious
coexistence of human rights and business, and the realization of humanist capitalism.

KEYWORDS: Business and human rights. Transnational corporations. Business


contracts. Regulation. Humanist capitalism.
RESUMEN

Las empresas transnacionales desempeñan un papel importante hoy en día, ya que


ejercen un poder económico, social y político mayor que el de los Estados, y sus
relaciones se rigen por contratos, que están protegidos por la Lex Mercatoria.
Considerando el poder de estas corporaciones y lo mucho que sus acciones,
positivas o negativas, pueden reflejar en la sociedad, especialmente en la promoción
o violación de los derechos humanos, surgió la necesidad de incorporar en su ámbito
de actuación la adopción de comportamientos con sesgo humanista, a través de la
exigencia de conductas que se ajusten a valores éticos y sociales aceptables en sus
relaciones externas e internas. Por lo tanto, la adopción de este comportamiento se
reflejó en el ámbito contractual debido a la modificación del concepto de contrato,
que pasó de ser individualista a uno que se preocupa no sólo por el reflejo de las
negociaciones entre las partes, sino también por su reflejo en la sociedad. Por lo
tanto, considerando que los contratos rigen las actividades empresariales, este
documento pretende evaluar el uso del contrato empresarial como medio para
garantizar y promover los derechos humanos en el contexto de las empresas
transnacionales. Para ello, se utiliza el método hipotético-deductivo, con la ayuda de
la investigación bibliográfica como procedimiento metodológico. Las conclusiones
son que, la conformación decimonónica del contrato, fundada en la igualdad y la
libertad irrestricta, ya no responde a los deseos de la sociedad actual, pues la
concepción actual sigue en el sentido de que sirve para promover la dignidad humana
y los derechos inherentes a ella, en equilibrio con el mercado. Con el papel destacado
que tienen las empresas transnacionales en la sociedad actual, es necesario que su
actuación sea en nombre de los valores de la sociedad, y no sólo en función del lucro.
Finalmente, el contrato comercial es un instrumento del humanismo, y un medio de
regulación del mercado global, mientras que la inserción, explícita o implícita, de
valores humanistas en su contenido puede contribuir a la garantía y promoción de
los derechos humanos, así como hacer posible la coexistencia armoniosa de los
derechos humanos y la empresa, y la realización del capitalismo humanista.

PALABRAS CLAVE: Empresas y derechos humanos. Empresas transnacionales.


Contratos comerciales. Regulación. Capitalismo humanista.
LISTA DE SIGLAS

CISG – Convenção das Nações Unidas para a Compra e Venda Internacional de


Mercadorias

DUDH – Declaração Universal de Direitos Humanos da Organização das Nações


Unidas de 1948

EMN – Empresa Multinacional

ETN – Empresa Transnacional

LINDB – Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro

OIT – Organização Internacional do Trabalho

ONU – Organização das Nações Unidas

PIB – Produto Interno Bruto

RSC – Responsabilidade Social Corporativa

RSE – Responsabilidade Social Empresarial

UNIDROIT – Instituto Internacional para a Unificação do Direito Privado

UNCTC – United Nations Economic and Social Council


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 14
1 OS CONTRATOS: DA ATIGUIDADE AO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
.................................................................................................................................. 16
1.1 APONTAMENTOS HISTÓRICOS ACERCA DA EVOLUÇÃO DOS CONTRATOS
.................................................................................................................................. 16
1.1.1 Da concepção liberal à social ....................................................................... 18
1.1.2 A nova concepção de contrato ..................................................................... 25
1.2 OS CONTRATOS EMPRESARIAIS .................................................................... 28
1.2.1 Características dos contratos empresariais ................................................ 31
1.2.2 As funções dos contratos empresariais ...................................................... 33
1.3 REFLEXOS DA GLOBALIZAÇÃO NOS CONTRATOS EMPRESARIAIS ........... 36
2 DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS TRANSNACIONAIS ................................. 43
2.1 A IDEIA DE DIREITOS HUMANOS .................................................................... 43
2.1.1 Direitos humanos e sua eficácia nas relações privadas............................. 47
2.2 AS EMPRESAS TRANSNACIONAIS COMO PRINCIPAIS ATORES DO
SÉCULO XXI ............................................................................................................. 51
2.2.1 A Lex Mercatoria como mecanismo de autorregulação das transnacionais
.................................................................................................................................. 55
2.3 A NECESSIDADE DE CONFORMAÇÃO DOS INTERESSES DAS
TRANSNACIONAIS COM OS DIREITOS HUMANOS ............................................. 62
2.3.1 Violações de direitos humanos por grandes corporações......................... 65
2.4 ORIENTAÇÕES DA ONU QUANTO AS EMPRESAS E OS DIREITOS
HUMANOS ................................................................................................................ 68
3 A GARANTIA E AFIRMAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS A PARTIR DOS
CONTRATOS EMPRESARIAIS ............................................................................... 74
3.1 OS CONTRATOS À LUZ DO HUMANISMO ....................................................... 74
3.2 A FUNÇÃO REGULATÓRIA DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS ................... 77
3.3 FORMAS DE GARANTIA E AFIRMAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NOS
CONTRATOS EMPRESARIAIS CELEBRADOS PELAS EMPRESAS
TRANSNACIONAIS .................................................................................................. 80
3.3.1 A vinculação expressa dos direitos humanos nos contratos empresariais
.................................................................................................................................. 84
3.3.2 A vinculação implícita dos direitos humanos nos contratos empresariais
.................................................................................................................................. 88
3.3.2.1 Programas de conformidade ......................................................................... 90
3.4 OS LIMITES PARA CONTRATAÇÃO E OS DIREITOS HUMANOS .................. 94
3.5 DO INADIMPLEMENTO ÀS CLÁUSULAS DE PROTEÇÃO AOS DIREITOS
HUMANOS: A DIFICULDADE PARA EXECUÇÃO DO CONTRATO........................ 97
CONCLUSÃO ......................................................................................................... 102
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 106
14

INTRODUÇÃO

Com o passar dos anos, o poder outrora detido pelo Estado e compreendido
pelas ideias de nação e território passou a ser relativizado por um novo ator social: as
empresas transnacionais (ETNs).
Face a expansão da globalização econômica no século passado, as ETNs
passaram a se instalar em diversas partes do mundo, especialmente, em países em
desenvolvimento, em busca de menores custos de produção, mão de obra mais
barata, impostos e leis menos rigorosas, o que ensejou diversas violações a direitos
humanos, com maior destaque na década de 1990.
As ETNs não buscam submeter-se às normas estatais, pois almejam um
regramento próprio que, por meio da celebração de contratos, possam conceber uma
Lex Mercatoria que atenda suas necessidades.
Os contratos, por sua vez, são um dos principais institutos jurídicos atualmente,
os quais possuem maior destaque na vida em sociedade, cujo ideal oitocentista,
fundado na liberdade e na igualdade abstratas não se adequa aos parâmetros
vigentes. Isso porque, o contrato teve seu significado revisto, de maneira que não
pode servir para atender a interesses exclusivamente patrimoniais, devendo atenção
à dignidade da pessoa humana.
Na seara do mercado, os contratos empresariais emergem, assim, como um
possível meio para não apenas promover negócios jurídicos com o intuito de auferir
benefícios, mas, também, para orientar a atividade empresarial transnacional para
promoção de direitos humanos.
Por essa perspectiva, surgiram os seguintes problemas: o contrato empresarial
pode servir à realização do humanismo? É possível a utilização do contrato
empresarial, pelas empresas transnacionais, para garantia e afirmação dos direitos
humanos promovendo-se o capitalismo humanista? Como seria feita a vinculação dos
direitos humanos aos contratos empresariais?
A hipótese básica é que o contrato empresarial serve a realização do
humanismo, sendo um meio para garantia e afirmação dos direitos humanos, ao
viabilizar a aproximação entre eles e as empresas transnacionais, mediante a
incorporação em seu texto, expressa ou implícita, de valores que sirvam à realização
da dignidade da pessoa e garantia dos direitos humanos, de maneira a atuar como
instrumento de promoção do capitalismo humanista.
15

O objetivo geral da presente pesquisa é compreender a evolução dos contratos


empresariais e a sua conexão com as ETNs e os direitos humanos e, como objetivo
específico, busca-se avaliar o contrato empresarial à luz do humanismo, e a
possibilidade do seu uso para garantir e afirmar direitos humanos no contexto das
empresas transnacionais, como meio de concretização do capitalismo humanista.
Para enfrentar as questões propostas, este trabalho foi estruturado em três
capítulos.
O primeiro capítulo analisará a evolução histórica dos contratos, desde o Direito
Romano até a nova concepção de contrato; avaliando-se, em seguida, os contratos
exclusivamente empresariais, suas características e funções para, enfim, observar os
reflexos da globalização nos contratos empresariais.
O segundo capítulo, tem por fim avaliar as empresas transnacionais e os
direitos humanos, observando-se a ideia de direitos humanos e sua eficácia nas
relações privadas; em seguida, estudar-se-á as transnacionais como principais atores
do século XXI, a necessidade de conformação dos interesses das transnacionais com
os direitos humanos, e os casos reais de violações destes direitos por ETNs;
analisando-se, por fim, as Orientações da Organização das Nações Unidas (ONU)
quanto às empresas e os direitos humanos.
No terceiro capítulo, examinar-se-á a utilização dos contratos empresariais para
garantir e afirmar os direitos humanos no contexto das negociações celebradas pelas
transnacionais; a partir do estudo dos contratos na perspectiva humanista do Direito,
sua função regulatória e, enfim, a sua utilização para a garantia dos direitos humanos
na seara das ETNs, os limites para contratação e as dificuldades para execução do
contrato em caso de inadimplemento das cláusulas que visem proteger estes direitos.
Esta pesquisa é inerente ao tema Empresas e Direitos Humanos, o qual se
insere na Área de Concentração “Direito Empresarial: Estruturas e Regulação”,
desenvolvida no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito da
Universidade Nove de Julho (UNINOVE), adequando-se à linha de pesquisa 2
“Empresa Transnacional e Regulação”.
Enfim, quanto às técnicas de pesquisa, utiliza-se o método hipotético-dedutivo,
e como procedimento metodológico a revisão bibliográfica e documental.
16

1 OS CONTRATOS: DA ATIGUIDADE AO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

1.1 APONTAMENTOS HISTÓRICOS ACERCA DA EVOLUÇÃO DOS CONTRATOS

O contrato, não é e nem pode ser de considerado um instituto estático, isto é,


com características inalteradas face as mudanças históricas; não é, portanto, abstrato
e universal, afinal, seu significado e conteúdo foram modificados de modo a
acompanhar a evolução e mudanças de valores da sociedade que, por certo, não
aconteceram subitamente. O contrato é fruto do tempo, o que torna imprescindível
uma visão história das passagens deste instrumento, para compreender sua vertente
contemporânea1.
Consoante Cláudia Lima Marques (2019, s.p.), no século XIX, Friedrich Karl
von Savigny expôs sua definição de contrato, a qual aproxima-se da tradicional
concepção de contrato voltada à autonomia da vontade e à liberdade contratual, ao
entender que “é a união de dois ou mais indivíduos para uma declaração de vontade
em consenso, através da qual se define a relação jurídica entre estes [...]”.
De outro lado, atualmente, o contrato pode ser compreendido como um “[...]
acordo de vontades que visa a produção de efeitos jurídicos de conteúdo patrimonial.
Por ele, cria-se, modifica-se ou extingue-se a relação de fundo econômico” (NADER,
2016, p. 40), não se referindo apenas a negócios jurídicos entre devedor e credor,
mas se estendendo a outras esferas do Direito. Ou ainda, conforme Orlando Gomes
(2007, p. 11), o contrato é “um negócio jurídico bilateral, ou plurilateral, que sujeita as
partes à observância de conduta idônea à satisfação dos interesses que regularam”.
Para se chegar ao conceito atual, o contrato passou por diversas fases,
sofrendo diversas modificações e apresentando diversos paradigmas ao longo da
história. Tanto que, no Direito Romano, o contrato passou por múltiplas etapas e, por
isso, não se pode falar em um único modelo ou espécie2.

1 Cláudia Lima Marques e Bruno Miragem (2014, s.p.) sobre a necessidade de uma visão histórica do
direito privado, enfatizam: “Como ensina Jean Carbonnier, há um vínculo poderoso que une história e
pensamento jurídico: “O direito encontra na história seu próprio meio e espaço, uma vez que direito é
essencialmente ‘constância no tempo’ (durée), memória, conexão das gerações umas às outras,
enraizamento do futuro no passado, e mesmo quando revolucionário, adoraria se redescobrir em
documentos antigos, que séculos de opressão não teriam podido fazer desaparecer (…)”. Em outras
palavras, a história legitima, a evolução histórica, explica, ensina e domina; o presente encontra-se
fortemente enraizado no passado [...]”.
2 Paulo Luiz Netto Lôbo (1995) afirma que “o direito romano não conheceu o contrato como categoria

geral, até porque inexistia o direito subjetivo como os modernos desenvolveram. A tipicidade romana
das actiones não comportava uma figura genérica a que se conduzissem, por subsunção, as espécies
17

Diferentemente do direito moderno, os romanos não possuíam uma noção


única e genérica de contrato (ROPPO, 2009, p. 16), reconhecendo algumas espécies
de contratos, a exemplo da diferença existente entre contrato e convenção
(conventio), porquanto esta era o gênero que se dividia entre o contrato (contractus)
e o pacto (pactum ou pactio)3.
O pacto consistia em uma fonte de obrigações naturais, enquanto o contrato
ligava-se a um acordo de vontades que gerava obrigações civis4 (BESSONE, 1987,
p. 7).
No direito romano, o consentimento, que é essencial no modelo de contrato
moderno, foi aceito apenas posteriormente pelo instituto do jus gentium em contratos
celebrados por estrangeiros, ao passo que os contratos formais ignoravam o
consentimento, gerando obrigações “apesar ou contra ele” (LÔBO, 1995).
Com o passar dos anos, já na idade média, não se verificou significativos
avanços no direito contratual, adotando-se, de modo geral, o modelo do Direito
Romano, de sorte que apenas entre os séculos XII e XVIII houve uma evolução na
matéria dos contratos com o Direito Canônico5 que fez nascer a ideia da vontade como
fonte de obrigação.

contratuais. Se o pretor não admitia a actio para determinadas convenções, elas simplesmente não
existiam como contratos; eram pactos nus (pacta nuda)”.
3 Os contratos foram um instrumento reconhecido pelos romanos, pais do direito privado, embora não

tenha sido conceituado dessa forma por eles, o que ocorreu apenas no século XIX, após o Código Civil
Napoleônico (GOMES, 2015, p. 21).
4 Segundo Darcy Bessone (1987, p. 7), a distinção entre pacto e contrato “[...] deitava raízes no Direito

mais antigo, pelo qual o simples acordo de vontade não era suficiente para gerar obrigações dotadas
de eficácia civil. Entendia-se que o princípio de que a vontade das partes é o elemento fundamental
das convenções era de Direito natural. Para que esse elemento subjetivo produzisse obrigações civis,
exigia-se que fosse aliado a alguma causa civilis. Os textos romanos não estabeleceram a definição da
causa civil. Os romanistas não chegaram a acordo a respeito. Para uns, pretendia-se ou poderia
prender-se à essência do contrato. Para outros, consistia em formalidades exteriores como, por
exemplo, a stipulatio, promessa feita em público, com o uso de palavras solenes. Certamente por faltar
o conceito em questão, faltava também o do contrato, do qual a causa civilis constituía elemento
essencial. Não dispuseram os romanos, por conseguinte, de uma noção genérica e abstrata do
contrato, como esquema capaz de abraçar todas as variedades porventura ocorrentes. Conheciam, no
entanto, certas figuras contratuais, poucas e determinadas, com contornos bem estabelecidos.
Compreende-se que, sendo assim, as convenções não contratuais, chamadas pacta, fossem
frequentes e numerosas”.
5 Conforme Maria Estela Leite Gomes (2015, p. 22) “a idade média marcou-se pela total ausência de

produção jurídica. Assim, com o passar dos anos, o estabelecimento do regime feudal, a evolução e
complexidade das relações sociais, especialmente por conta do desenvolvimento do comércio, e as
traduções necessárias em razão do desuso do latim fizeram com que o Direito Romano também caísse
em desuso. Já no fim da Idade Média, por volta de 1200, a necessidade de um direito unitário e
homogêneo fez ressurgir o Direito Romano pelo trabalho dos glosadores, que resgataram o Corpus
Iuris Civilis e, a partir dele, desenvolveram o Direito Canônico, que seria o veículo de toda a
jurisprudência romana até os dias atuais”.
18

Assim, a figura da palavra dada foi de suma importância para o reconhecimento


do contrato, passando-se ao entendimento das contratações pautadas na vontade dos
contratantes, sem formalidades, cujas promessas de cumprimento das obrigações
possuíam força obrigatória, ao contrário da fase antiga do Direito Romano que, para
que uma obrigação nascesse, era necessário o cumprimento de diversas solenidades
previstas em lei, as quais não fossem cumpridas fielmente, não se concretizava uma
obrigação entre as partes.
Então, foi no Direito Canônico que a concepção da autonomia da vontade como
fonte de obrigação ganhou força e contribuiu para a consolidação desta doutrina, cujas
ideias foram importantes para construção da teoria da autonomia da vontade no tempo
em que a sociedade já estava voltada para preocupação com a propriedade, que era
o valor econômico dominante à época (BENACCHIO, 2011a, p. 23-24).
A propriedade era instituto com maior relevância do que o contrato, na medida
que a Igreja entendia o comércio, que é uma atividade na qual o contrato é primordial,
como um mal necessário, tanto que o constrangimento gerado pela celebração de
contratos fez surgir a figura do “contrato com pessoa a declarar”, para que o
contratante, que era rotineiramente um nobre, permanecesse ignorado até a
conclusão do negócio (TOMASEVICIUS FILHO, 2014, p. 50).
Àquela época, “a filosofia cristã eleva o homem ao centro das reflexões de
ordem religiosa e social, influenciando a dogmática do Direito Canônico a considerar
a declaração da vontade como fonte de obrigações jurídicas” (FERREIRA, 2010, p.
130).
Isso porque, a formalidade exigida pelos contratos era contrária ao mecanismo
de expansão da fé cristã, ou seja, palavra falada e não escrita, uma vez que o
contratante deveria acreditar na palavra dita, pois este era o mecanismo de
propagação da fé (NALIN, 2002, p. 105).
Desse modo, o Direito Canônico contribuiu para a consolidação da teoria da
autonomia da vontade, bem como, serviu como base para concepção clássica de
contrato, e segue presente até os dias atuais.

1.1.1 Da concepção liberal à social

Com o advento das ideias iluministas que pregavam a liberdade do homem,


encontrou-se espaço para difusão das ideias liberalistas econômicas, que tinham o
19

fim de atender aos interesses da burguesia da época. Nascia ali o capitalismo6, quase
que concomitantemente com o Estado Moderno, que precisava de uma nova
concepção do contrato para a aplicação do sistema econômico que estava se
formando, fundado na liberdade de contratar e revelando sua vertente econômica.
As mudanças originadas pelo mercantilismo e, anos após, pela revolução
industrial, fez com que o contrato tornasse indispensável ao capitalismo, que era um
sistema afetado, de forma negativa, pelas corporações de ofício e suas rigorosas
regulações, bem como pelas benesses reais (TOMASEVICIUS FILHO, 2014, p. 50).
De suma importância para o capitalismo, o contrato, segundo Eros Roberto
Grau, era “pressuposto necessário do modo de produção capitalista, a uniformidade
(universalidade abstrata) das pessoas – sujeitos de direito- enseja a consagração do
contratualismo como princípio regulador da vida pessoal, social e econômica”, nada
obstante, o contratualismo, do qual faziam parte pessoas supostamente livres e iguais
em direitos, era constituído “sob a suposição de que as trocas livres entre eles
resolveriam todos os problemas da sociedade, sempre, porém, em função de
interesses específicos da burguesia” (GRAU, 2015, p. 30).
A necessidade de atender aos anseios da burguesia fez com que, na Inglaterra,
primeiro país a adotar o liberalismo7 e pátria de John Locke, conhecido como o “pai

6 De acordo com Fábio Konder Comparato (2014, p. 13-14) “o vocábulo capitalismo é de uso
relativamente recente. Ele aparece pela primeira vez, com o sentido atual, em Louis Blanc e Proudhon,
em meados do século XIX. Marx, porém, ao contrário e Engels, jamais empregou o vocábulo, preferindo
falar em “modo de produção capitalista” (kapitalische Produktionsweise). A generalização do uso do
termo só se deu, nas análises teóricas e nas discussões políticas, a partir do início do século XX, como
antônimo do socialismo. Fora do círculo intelectual marxista, o capitalismo tem sido entendido,
sobretudo pelos economistas, como um simples sistema econômico. Na tradição liberal, que remonta
a Adam Smith, muito influenciado pelos fisiocratas franceses do século XVIII, tratar-se-ia do único
sistema natural da vida econômica”. Quanto ao conceito de capitalismo, segundo André Ramos
Tavares (2006, p. 35), “capitalista é o sistema econômico no qual as relações de produção estão
assentadas na propriedade privada dos bens em geral, especialmente dos de produção, na liberdade
ampla, principalmente de iniciativa e de concorrência e, conseqüentemente, na livre contratação de
mão-de-obra”.
7 O ideal de liberdade com ausência de qualquer restrição foi fortalecido, tanto na seara da vida civil

quanto no poder político, mas, especialmente, no âmbito econômico. A livre iniciativa pleiteada, aos
olhos de seus adeptos, não deveria sofrer interferências do Estado, já que o próprio mercado deveria
regular-se por sua “mão invisível”, o lema vigente à época era “laissez faire, laissez passer”. Fernando
Herren Aguillar (2006, p. 55-56) ensina que “o liberalismo econômico despontou como ideal de
organização econômica da sociedade com teóricos do século XVIII, coincidindo com os interesses de
expansão e desenvolvimento da nascente indústria de produção em escala na Europa. Segundo tais
teóricos, a economia deveria movimentar-se livremente, sem interferência do Estado, deixando que a
lei da oferta e da procura resolvesse os problemas que surgissem. O liberalismo passou por uma fase
de maturação, pleno desenvolvimento e, posteriormente, caiu no ostracismo. O liberalismo passou por
uma fase de maturação, dede maturação, pleno desenvolvimento e, posteriormente, caiu no
ostracismo. Por volta da década de 30 do século XX, as ideias liberais se encontravam muito
enfraquecidas em meio aos escombros do colapso financeiro de 1929. Tamanha liberdade de
movimentação de capitais e de concentração de riquezas havia conduzido ao desastre. O que seguiu
20

do liberalismo”, o direito dos contratos no século XIX possuísse como principal


fundamento o princípio do freedom of contract, equivalente à autonomia da vontade,
uma vez que àquela época necessitava-se que o contrato fosse um instrumento
jurídico hábil para garantia e expansão do comércio.
Nesse caminho, destaca-se que, consoante Marcelo Benacchio (2011a, p. 17),
foi a união entre o jurídico e o econômico que deu ensejo para que o liberalismo
alicerçasse o contrato como um valor racional e laico.
Diferentemente do Direito Romano, no liberalismo os contratos não possuíam
a concepção por ele adotada que, tal como no Direito Canônico, entendia o contrato
como um elemento de afirmação das vontades individuais, ou seja, compreendia que
através de qualquer acordo de vontades os contratantes se obrigavam, por existir a
compreensão que os homens eram iguais para definirem seus interesses que, devido
à força obrigatória do contrato, fazia lei entre as partes contratantes. Em outras
palavras, pela doutrina da autonomia da vontade, a obrigação contratual tem a
vontade das partes como sua única fonte, originando-se daí a força obrigatória dos
contratos e, em decorrência, a máxima da liberdade contratual.
No Estado liberal8 o contrato acabou por se tornar um mecanismo da autonomia
da vontade que, por vezes, confundia-se com o ideal da liberdade, sendo as duas
impossíveis de dissociar do direito de propriedade privada9 (LÔBO, 1995).

foram décadas de intervencionismo estatal em todos os países capitalistas, com políticas de seguridade
social, proteção contra o desemprego, subsídios estatais e empresas capitalizadas e conduzidas pelo
Estado, o chamado welfare state (Estado do bem-estar social). Entretanto, já na década de 80 do século
XX, o modelo intervencionista data mostras de exaustão, gerando enormes déficits para os governos e
recebendo críticas ácidas quanto à sua capacidade de fazer frente às necessidades econômicas. O
período foi marcado pelas políticas de privatização da era Thatcher e pela reaganomics norte-
americana. Foi nesse contexto que ressurgiram as teorias liberais na economia (neoliberalismo),
reivindicando uma retração do Estado, exigindo que ele deixasse de ser empresário e passasse a
cuidar de necessidades básicas, como saúde e educação. Com o subsequente colapso do sistema
comunista, fortaleceu-se a bandeira liberal em quase todas as nações ocidentais, uma vez que não
havia mais um sistema concorrente ao capitalismo”.
8 Segundo Maria Estela Leite Gomes (2015, p. 23) “no estado liberal pós- Revolução Francesa, contudo,

o contrato passa a representar essa nova ideologia, qual seja, a ideologia da liberdade, da absoluta
proteção do indivíduo – e de sua vontade – contra os arbítrios do Estado. O contrato passa a ser a
fonte de direitos e deveres nas relações interprivadas; direitos e deveres esses manifestados e
assumidos por um novo homem: o homem livre e autônomo, o homem capaz de expressar a sua
vontade e sua possibilidade de sujeitar-se a uma prestação em favor de outro contratante, assim como
é capaz de exigir do outro que lhe cumpra a prestação prometida. O contrato, assim, expressa
claramente todo o vigor conferido ao valor da liberdade humana como resultado pós-revolução”.
9 Paulo Luiz Netto Lôbo (1995) explica que: “A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, da

Revolução Francesa, em 1789, proclamou a sacralidade da propriedade privada ("Art. 17. Sendo a
propriedade um direito sagrado e inviolável..."), tida como exteriorização da pessoa humana ou da
cidadania. Emancipada da rigidez estamental da Idade Média, a propriedade privada dos bens
econômicos ingressou em circulação contínua, mediante a instrumentalização do contrato. Autonomia
da vontade, liberdade individual e propriedade privada, transmigraram dos fundamentos teóricos e
21

Nessa época, o contrato era importante para a circulação de riquezas e geração


de lucro, culminando na concretização de interesses privados e econômicos, por servir
à satisfação individual destes, bem como por permitir a escolha de como operar esta
vontade, ainda que para tornar compatíveis interesses contrários (FERREIRA, 2010,
p. 139).
Ao final do século XIX e início do século XX, diante do desenvolvimento
industrial, o crescimento do capitalismo e dos ideais liberalistas geraram grandiosas
desigualdades econômicas e sociais devido à acumulação de riquezas promovidas
pelo capitalismo, como explica Orlando Gomes (2007, p. 7-8):

O liberalismo econômico, a idéia basilar de que todos são iguais


perante a lei e devem ser igualmente tratados, e a concepção de que
o mercado de capitais e o mercado de trabalho devem funcionar
livremente em condições, todavia, que favorecem a dominação de
uma classe sobre a economia considerada em seu conjunto
permitiram fazer-se do contrato o instrumento jurídico por excelência
da vida econômica.
O processo econômico caracterizado então pelo desenvolvimento das
forças produtivas exigia a generalização das relações de troca
determinando o esforço de abstração que levou à construção da figura
do negócio jurídico como gênero de que o contrato é a principal
espécie. O contrato surge como uma categoria que serve a todos os
tipos de relações entre sujeitos de direito e a qualquer pessoa
independentemente de sua posição ou condição social. Não se levava
em conta a condição ou posição social dos sujeitos, se pertenciam ou
não a certa classe, se eram ricos ou pobres, nem se consideravam os
valores de uso mas somente o parâmetro da troca, a equivalência das
mercadorias, não se distinguia se o objeto de contrato era um bem de
consumo ou um bem essencial, um meio de produção ou um bem
voluptuário: tratava-se do mesmo modo a venda de um jornal, de um
apartamento, de ações ou de uma empresa.

Então, a sociedade passou a questionar o modelo da compreensão oitocentista


do contrato. A liberdade de contratar passou a ser contestada face as desigualdades
existentes entre os homens, uma vez que o livre acordo de vontades pregado era mais
simulado do que real10. Isso porque, aquele que detinha maior poder econômico

ideológicos do Estado liberal para os princípios de direito, com pretensão de universalidade e


intemporalidade”.
10 Concorde Eduardo Tomasevicius Filho, na seara das liberdades tão somente formais, “a “mão

invisível” do mercado “manipulava” os recursos da sociedade segundo a lógica do sistema, mediante


concentração dos recursos em poucas pessoas, para assegurar a própria subsistência do capitalismo.
Isso levou a muitas situações de desequilíbrio entre os membros da sociedade – poucos com muitos
recursos e uma grande maioria como mínimo necessário à manutenção das funções vitais. E os
institutos de direito privado formalizavam essas desigualdades sociais.” (TOMASEVICIUS FILHO,
2014, p. 51).
22

realizava aquilo que era mais favorável ou justo para si, pouco importando se haveria
injustiça para a outra parte, economicamente débil, como infere Enzo Roppo (2009,
p. 37):

Como se disse, na ideologia agora em discussão, a liberdade de


contratar assegura também a «justiça» de cada relação contratual,
em virtude da igualdade jurídica entre os contraentes. Mas desta
forma esquece-se que a igualdade jurídica é só igualdade de
igualdade de possibilidades abstractas, igualdade de posições
formais, a que na realidade podem corresponder - e numa sociedade
dividida em classes correspondem necessariamente - gravíssimas
desigualdades substanciais, profundíssimas disparidades das
condições concretas de força económico-social entre contraentes
que detêm riqueza e poder e contraentes que não dispõem senão
da sua força de trabalho.

Essa desigualdade entre os contratantes gerou o fenômeno da crise do contrato


ou declínio do contrato, fazendo emergir uma nova concepção, denominada social11
ou solidária (BENACCHIO, 2011a, p. 28), pois levou a sociedade a questionar, entre
o final do século XIX e o início do século XX, a compreensão da concepção de contrato
vigente até esta época, pautada na liberdade de contratar12.
A crise do contrato como um mecanismo de circulação de riquezas, conformou-
se com o surgimento de um novo modelo de Estado, qual seja: o Estado do Bem-
Estar Social ou Welfare State13, que tinha como pressuposto a proteção dos menos
favorecidos da sociedade.

11 De acordo com Paulo Luiz Netto Lôbo (1995) “o modelo liberal do contrato também não resiste ao
paradigma que se desenvolveu no futuro imediato, e se desenvolve na atualidade, principalmente por
conta de dois macrofatores: o Estado social e a sociedade de massas. Agora, as referências para o
contrato não são mais nem o pater famílias ou sui juris romano nem o indivíduo proprietário da
burguesia liberal; nem a liberdade coletiva dos antigos nem a liberdade individual desimpedida dos
modernos; nem o formalismo nem a autonomia de vontade. O Estado social (welfare state) caracteriza-
se justamente pela função oposta à cometida ao Estado liberal mínimo. O Estado não é mais apenas
o garantidor da liberdade e da autonomia contratual dos indivíduos; vai além, intervindo profundamente
nas relações contratuais, ultrapassando os limites da justiça comutativa para promover não apenas a
justiça distributiva mas a justiça social”.
12 Como explica Marcelo Benacchio (2011, p. 17) “[...] como é de conhecimento geral, as injustiças

provocadas pela falácia da igualdade formal dos indivíduos trouxeram um movimento de socialização
dos institutos jurídicos, dentre eles, o contrato, que sofreu a refundação de seus valores, com a
introdução da solidariedade, a significar um temperamento, uma limitação da autonomia da vontade,
no sentido de proteção à parte mais fraca e mesmo seu maior aproveitamento por toda a sociedade.
Nessas bases, o contrato, que se pensara apaixonadamente sob o prisma da liberdade individual,
passou a ser concebido, também apaixonadamente, sob a concessão social”.
13 Um dos marcos do Estado do Social foram os direitos sociais que passaram a integrar textos

constitucionais, dentre os quais se destacam a Constituição Mexicana de 1917 e a Constituição de


Weimar de 1919, nestas Constituições era evidente a tentativa de minimizar os conflitos de classes e
as desigualdades, especialmente para empregados e operários. Apesar de sua importância, a
Constituição Mexicana de 1917, teve maior projeção internacional na américa latina, de modo que o
23

A partir disso, nasceu a necessidade de que o Estado regulasse as relações


por um sistema de vedações e exigências, primando-se pelo social ao invés do
individual, com o fito de que a intervenção dos Poderes Públicos pudesse restaurar o
equilíbrio entre as partes contratantes (BEVILAQUA, 1938, p. 61).
Isso é, enquanto no Estado liberal se assegurava as liberdades individuais, no
Estado social exigia-se muito mais do que liberdade e igualdade formais, pois se
buscava assegurar os direitos sociais.
Nessa perspectiva, a mudança do Estado Liberal, para o Estado Social, passou
a impor um tratamento paternalista aos contratantes em posição de vulnerabilidade,
tais como o consumidor e o trabalhador. O Estado Social trouxe as ideias keynesianas
como nova visão econômica que levava em consideração o fato de que, àquela época,
nem todas as pessoas possuíam acesso igualitário ao trabalho (LEITE, 2015, p. 58).
Por sua vez, o padrão de contrato vigente até então, pautado no liberalismo e
no individualismo, também foi alterado para a concepção chamada de social ou
solidária do contrato, por meio da qual, o solidarismo14 significa a promoção da
limitação da autonomia da vontade, para proteção ao mais fraco da relação contratual,
assim como a sua utilidade por toda a sociedade.
A prevalência do social sobre o individual na esfera contratual ocorreu não
apenas com a limitação do voluntarismo, mas, também, com a edição de leis pelo
Estado visando alcançar proteção aos contratantes e igualdade entre as partes, de
maneira que a consolidação do paradigma social deu-se com a expansão do princípio
da heteronomia da vontade ou dirigismo contratual15 que implica na criação de

principal debate se deu em torno da Constituição alemã de 1919, que teve por fundamento a busca de
um compromisso em uma estrutura política pluralista (BERCOVICI, 2011. p. 571).
14 Quanto a solidariedade contratual, vide Paulo Nalin, 2002, p. 174 e ss.. O autor ressalta que “para

além da noção histórica, parece relevante demonstrar que o solidarismo serve como instrumento
político ou, até mesmo, como uma “terceira via” entre o individualismo e o socialismo, descrita enquanto
“[...] el rasgo fundamental es la comunidade de sacrificios y riesgos, junto al afecto; se trataria de una
noción que pone el manifiesto el lazo fraternidad y solidariedad”, cuja visão se desenvolveu a partir de
inferências sobre a igualdade mútua e a comunidade de empresas, supondo um sujeito plural, un
nosotros”. (NALIN, 2002, p. 177)
15 Orlando Gomes acerca do dirigismo contratual, apresenta-o como uma das três tentativas de

modificações no regime jurídico do contrato com a finalidade de corrigir o desequilíbrio entre as partes
contratantes, advindo, especialmente do liberalismo: “Três modificações no regime jurídico do contrato
revelam outras tantas tentativas para a correção do desequilíbrio. A primeira consistiu na promulgação
de grande número de leis de proteção à categoria de indivíduos mais fracos econômica ou socialmente,
compensando-lhes a inferioridade com uma superioridade jurídica. A segunda patenteia-se na
legislação de apoio aos grupos organizados, como os sindicatos, para enfrentar em pé de igualdade o
contratante mais forte. A terceira, no dirigismo contratual, exercido pelo Estado através de leis que
impõem ou proíbem certo conteúdo de determinados contratos, ou sujeitam sua conclusão ou sua
eficácia a uma autorização de poder público” (GOMES, 2007, p. 9).
24

comportamentos ou impedimentos que não emanam da vontade das partes, ou seja,


são normas de ordem pública, surgidas no século XX, no cenário das sociedades
urbano-industriais, que possuem aplicabilidade entre os contratantes.
A matéria contratual passou a sofrer impactos decorrentes de interesses de
ordem pública, com consequências na rigidez contratual até então vigente, pautada
na autonomia da vontade, que passa a ser limitada, fazendo com que princípios como
a boa-fé, onerosidade excessiva e vedação ao abuso de direito fossem introduzidos
na legislação e costumes da sociedade.
Isso fez com que o contrato passasse a ser visto como um instrumento de
ordem pública que possui uma função social16 a ser exercida, com fundamento na
solidariedade e na busca por um Estado Social, mas sem que este instituto entrasse
em decadência face a limitação da autonomia da vontade, como explica Darcy
Bessone:

O dirigismo tornou-se necessário precisamente porque “nous vivons


de plus en plus contractuellement”. O progresso foi quantitativo e
qualitativo. Não somente os contratos se tornaram inumeráveis, mas
sua eficácia se tornou maior. O desenvolvimento do comércio e da
indústria e as condições da vida moderna tornaram mais frequentes
os contratos do tipo antigo – venda, locação, depósito, mandato,
mútuo, penhor, hipoteca – e fizeram surgir novas categorias – seguros
de toda sorte, contratos de edição, etc. Cláusulas engenhosas
aparecem a todo momento. A própria técnica dos contratos se
modificou dando ensejo ao aparecimento do contrato de adesão,
cliché reproduzido ao infinito, sem discussão de cláusulas pelo
aderente e de rendimento optimum. A gama dos contratos torna-se,
então, cada vez mais extensa e rica. (BESSONE, 1987, p. 49-50)

A vertente social do contrato, substituindo o paradigma liberal, limita, então, a


liberdade e autonomia privada, dando ensejo a uma nova dogmática contratual, que
considera a posição do sujeito e aspectos normativos, definindo a extensão da
vontade individual entre as partes e, no mesmo momento, com apoio na solidariedade,
impondo comportamentos aos contratantes, resultando em um contrato que é, ao
mesmo tempo, detentor de conteúdo negocial e legal.
Desse modo, não apenas a liberdade, mas, também, a solidariedade passa a
servir de pilar para o direito contratual.

16 A função social será explicada no tópico 1.2.2.


25

1.1.2 A nova concepção de contrato

Pautados na solidariedade e na busca por um Estado Social, a liberdade


contratual foi limitada, visando a garantia de igualdade real entre as partes, afastando-
se o ideal liberal, e obrigando o sistema capitalista a fazer concessões com
fundamento no princípio da solidariedade, bem como da prevalência do social sobre
o individual.
Ocorre que, em que pese o abandono do pensamento liberal para promoção
do paradigma social dos contratos, esta perspectiva social17, decorrente do Estado
Social ou Estado do bem-estar social (Welfare State), não foi a melhor solução para
os conflitos contratuais surgidos no Estado Democrático de Direito18.
Na década de 1980 a sociedade passou a conviver com a expansão
desenfreada da globalização e do neoliberalismo19, resultando no pós-modernismo20,
e na necessidade de adequação à nova realidade social pautada no avanço da
tecnologia e da informação.
O pós-modernismo gerou mudanças sociais, políticas e econômicas na
sociedade, demonstrando que as crenças passadas já não eram suficientes para
compreender o mundo que, com suas três características, “crise da razão,
hipercomplexidade, com justaposição das diversidades e interação” (AZEVEDO,

17 Sob a perspectiva dos contratos de consumo, Claudia Lima Marques afirma que a nova concepção
dos contratos é social “para a qual não só o momento da manifestação da vontade (consenso) importa,
mas onde também e principalmente os efeitos do contrato na sociedade serão levados em conta e onde
a condição social e econômica das pessoas nele envolvidas ganha em importância” (MARQUES, 2007,
p. 27-28).
18 Acerca deste período, Orlando Gomes (2007, p. 8) afirma: “Diversas causas concorreram para a

modificação da noção de contrato. A suposição de que a igualdade formal dos indivíduos asseguraria
o equilíbrio entre os contratantes, fosse qual fosse a sua condição social, foi desacreditada na vida real.
O desequilíbrio tomou-se patente, principalmente no contrato de trabalho, gerando insatisfação e
provocando tratamento legal completamente diferente, o qual leva em consideração a desigualdade
das partes. A interferência do Estado na vida econômica implicou, por sua vez, a limitação legal da
liberdade de contratar e o encolhimento da esfera de autonomia privada, passando a sofrer crescentes
cortes, sobre todas, a liberdade de determinar o conteúdo da relação contratual. A crescente
complexidade da vida social exigiu, para amplos setores, nova técnica de contratação, simplificando-
se o processo de formação, como sucedeu visivelmente nos contratos em massa, e se acentuando o
fenômeno da despersonalização”.
19 Os conceitos de globalização e neoliberalismo serão tratados no tópico 1.5.
20 O pós-modernismo é o período de história da humanidade que tem início em meados do século XX,

e permanece até os tempos hodiernos. Segundo Cláudia Lima Marques e Bruno Miragem (2014, s.p.)
“vive-se atualmente em uma sociedade pós-moderna, sociedade de consumo e de produção de massa,
sociedade de serviços, sociedade da informação, altamente acelerada, globalizada e
desmaterializada”. No tocante as características do pós-modernismo, vide AZEVEDO, 1999.
26

1999, p. 5-6), impactou diretamente o Direito, e provocou uma mudança no


paradigma21 social de contrato outrora vigente, por meio do seu esgotamento.
Este fato também gerou uma nova crise dos contratos, a crise do modelo social,
que acabou sendo mitigado em razão dos instrumentos necessários a consolidação
do neoliberalismo e da economia globalizada, volvendo-se ao utilitarismo econômico
em contraposição à ideia exclusivamente social do contrato.
A nova concepção contratual22 é fundada no temperamento de princípios,
direitos e bens constitucionalmente protegidos, mormente a solidariedade, para que
ocorra um equilíbrio entre os valores de mercado e a concepção solidária, visando a
promoção da dignidade da pessoa humana. Isto é, a compreensão social do contrato
passa a ser considerada, também, em conjunto com a questão social as questões
econômicas e jurídicas (NALIN, 2002, p. 123).
Dessa maneira, Paulo Nalin (2002, p. 256- 257) propõe que o contrato é relação
complexa solidária, que tem por consideração o alinhamento do mercado com os
valores constitucionais da solidariedade, ou seja, propõe um contrato destinado não
apenas a atender valores patrimoniais das partes, ao revés, atualmente, o contrato
não é apenas um acordo de vontades, que não possui mais o mesmo destaque de
outros tempos, pois aquele apresenta-se antes do acordo, seja na contratação, na
execução ou após sua conclusão, devendo ser impulsionado pelo princípio da boa-fé
que concretiza o princípio da solidariedade.
Nesse caminho, o modelo pós-moderno de contrato, finaliza com o absolutismo
da primazia do social sobre o individual objetivando sua flexibilização, em atenção ao

21 Eros Roberto Grau (2001, p. 425) em trabalho no qual questiona a existência de um novo paradigma
de contratos afirma que de “devemos ficar bem alertas ao fato de que atualmente não estamos, apenas,
procurando reconstruir a teoria geral do contrato, mas sim reconstruir teorias que expliquem uma
realidade social inteiramente renovada. A consciência desse fato deve ser o pressuposto da
interpretação Contratual”.
22 Quanto ao novo paradigma de contrato Paulo Luiz Netto Lôbo (1995) entende “[...] ser impossível

pensar o sentido e a função do contrato, em nossa atual sociedade de massas, e mais ainda, segundo
a experiência do Estado social, que se consolidou neste século XX, sem uma análise rigorosa do
paradigma contratual que o nosso direito, ou melhor, o senso comum dos juristas, insiste em ter como
invariável. Refiro-me ao contrato estruturado no esquema clássico da oferta e da aceitação, do
consentimento livre e da igualdade formal das partes. O contrato assim gerado passa a ser lei entre as
partes, na conhecida dicção dos Códigos Civis francês e italiano, ou então sintetizado na fórmula pacta
sunt servanda. O contrato encobre-se de inviolabilidade, inclusive em face do Estado ou da
coletividade. Vincula-se o contratante ética e juridicamente; vínculo que tanto é mais legítimo quanto
fruto de sua liberdade e autonomia. Esta visão idílica da plena realização da justiça cumulativa, que
não admitia qualquer interferência do Estado-juiz ou legislador, pode ser retratada na expressiva
petição de princípio da época: quem diz contratual, diz justo. Os paradigmas do passado e do futuro
desmentem a concepção universalizante do modelo liberal do contrato”.
27

princípio da autodeterminação da pessoa e sem se esquecer da manutenção dos


valores do mercado (BENACCHIO, 2011a, p. 39).
Assim, a nova concepção de contrato constitui, também, um mecanismo de
realização da pessoa humana, e não apenas para trocas econômicas e circulação de
riqueza.
Atualmente, tendo em vista que o contrato é um mecanismo à disposição da
sociedade, este deve ajustar-se às necessidades humanas, buscando-se a conjunção
dos aspectos econômico e social, com o equilíbrio entre a promoção da dignidade
humana, justiça social, as necessidades de mercado e eficiência econômica23.
Disso decorre a função social do contrato, pois, faz com que este instrumento
ultrapasse os interesses dos contratantes individualmente considerados
(NEGREIROS, 2006, p. 226).
Nesse caminho, interessante notar que Teresa Negreiros (2006) apresenta o
paradigma da essencialidade dos contratos. Ou seja, o tratamento que deve se dar
entre um contrato e outro é diferente24, conforme a essencialidade do bem, ao propor
que “a utilidade existencial do bem contratado passe a ser um critério juridicamente
relevante no exame das questões contratuais (NEGREIROS, 2006, p. 288).
Explica a autora que “a classificação dos contratos e a classificação dos bens,
de maneira a propor que o caráter essencial, útil ou supérfluo do bem contratado
esteja na base de uma correspondente classificação dos contratos respectivos”
(NEGREIROS, 2006, p. 385).
Isso leva a crer que a volta dos valores do liberalismo, por intermédio de sua
vertente pós-moderna, o neoliberalismo, não condiz totalmente com os princípios e
direitos que impactam hoje na seara contratual, especialmente a dignidade da pessoa
humana.

23 Maria Estela Leite Gomes (2015, p. 64) expõe que a “nova concepção de contrato enquanto
instrumento de realização da existência humana permite que se perceba, mesmo nos contratos sociais,
tidos esses por aqueles que estatuem os deveres dos sócios numa sociedade civil ou empresarial, a
essencialidade da atividade econômica para o indivíduo, bem como para a sociedade moderna (ou
pós-moderna) e complexa dos dias atuais”.
24 Teresa Negreiros (2006, p. 306) afirma que “reconhecida, atualmente, a funcionalização da liberdade

contratual à legalidade constitucional, a necessidade de criar novas categorias surge como decorrência
do papel que estas desempenham na delimitação da fronteira entre o uso e o abuso desta liberdade
contratual. Uma tarefa que exige do operador jurídico capacidade para lidar com diferenciações
formuladas a partir de elementos externos à estrutura contratual, abstratamente considerada. Justifica-
se, nestes quadros, aludir a novos paradigmas, ou, genericamente, ao paradigma da diversidade, que,
sem nenhuma dúvida, implica encarar o fenômeno contratual sob outras luzes; sob outros, e agora
múltiplos, paradigmas”.
28

Entretanto, da noção atual de contrato não se pode esquivar a influência


econômica garantida pelo capitalismo, pois a realização da solidariedade implica na
admissão de valores de mercado.
Por conseguinte, o contrato em sua conformação oitocentista, como um acordo
de vontades para circulação de riquezas, outrora pautado na igualdade e liberdade
absolutas, não mais segue os parâmetros do direito vigente25, sendo um dos institutos
jurídicos mais importantes da atualidade, já que todos celebram contratos diariamente,
independentemente do seu poder econômico, especialmente, na seara do mercado
globalizado em que este instituto serve como “lei” para os contratantes, visto ser hoje
o instrumento fundamental do mundo negocial para geração de recursos e impulsão
da economia.

1.2 OS CONTRATOS EMPRESARIAIS

Antes de compreender o contrato empresarial 26 27, faz-se necessário entender


o conceito de empresa que, para Alberto Asquini (1996, p. 109), é um “fenômeno
econômico poliédrico, o qual tem sob o aspecto jurídico, não um, mas diversos perfis
em relação aos diversos elementos que o integram”, isto é, diversas podem ser as
conceituações do que é a empresa, conforme seus diferentes perfis28, por meio do
qual o fenômeno econômico é observado.

25 No mesmo sentido, conclui Paulo Luiz Netto Lôbo (1995) “em suma, o sentido e o alcance do contrato
reflete sempre e necessariamente as relações econômicas e sociais praticadas em cada momento
histórico. O modelo liberal e tradicional, inclusive sob a forma e estrutura do negócio jurídico, é
inadequado aos atos negociais existentes na atualidade, porque são distintos os fundamentos,
constituindo obstáculo às mudanças sociais. O conteúdo conceptual e material e a função do contrato
mudaram, inclusive para adequá-lo às exigências de realização da justiça social, que não é só dele
mas de todo o direito”.
26 Esclarece Paula A. Forgioni (2018, p. 26) que “tecnicamente, o contrato é espécie de negócio jurídico

que, na autorizada visão de Junqueira de Azevedo, traduz-se em “todo fato jurídico consistente em
declaração de vontade, a que o ordenamento jurídico atribui os efeitos designados como queridos,
respeitados os pressupostos de existência, validade e eficácia impostos pela norma jurídica que sobre
ele incide”. Mas na tradição do direito comercial, o termo “negócio” vem muitas vezes empregado no
sentido de “transação” ou “negociação”. Trata-se, para Ferreira Borges, de “termo de conceito prático”,
ligado a “qualquer operação mercantil”. De acordo com a linha comercialista, o “negócio mercantil”
identifica-se com as operações feitas pelos comerciantes e que se corporificam em contratos.
Empregamos, assim, a palavra “negócio”, no sentido de affare, em língua italiana, ou affair, na francesa;
ou business, para os norte-americanos”.
27 Neste trabalho, utiliza-se os termos “contratos empresariais”, “contratos comerciais” e “contratos

mercantis” como sinônimos.


28 Para Asquini (1996) a empresa possui quatro perfis: 1) o perfil subjetivo que trata da empresa como

empresário; 2) o perfil funcional que observa a empresa como atividade organizada; 3) o perfil objetivo
ou patrimonial que vê a empresa como estabelecimento; 4) o perfil corporativo ou institucional que
enxerga empresa como instituição.
29

A empresa é um fenômeno econômico que tem por fim precípuo gerar lucro,
contudo, dado aos seus diversos perfis, Alberto Asquini (1996, p. 125) conclui que no
conceito29 de empresa devem ser observados os aspectos do “empresário como
sujeito, a atividade empresarial, o patrimônio aziendal e o estabelecimento, a empresa
como instituição em sentido técnico”.
Dado que a empresa precisa cumprir o seu principal fim que é gerar riqueza,
bem como fazê-la circular, o contrato apresenta-se como uma figura essencial para a
organização da atividade econômica empresarial, especialmente, no âmbito do
mercado30 globalizado, atualmente regido pelas empresas transnacionais (ETNs), no
qual o contrato31 faz lei entre as partes, ou seja, o agir das empresas se faz por meio
dos contratos, como expõe Paula A. Forgioni (2021, p. 23):

A empresa não apenas “é”; ela “age”, “atua”, e o faz por meio dos
contratos. A empresa não vive ensimesmada, metida com seus
ajustes internos; ela revela-se nas transações. Sua abertura para o
ambiente institucional em que se encontra é significativa a pote de
parte da doutrina afirmar que “[o]s modernos complexos produtivos
não são tanto estoque de bens, mas feixes de relações contratuais”. A
empresa cristaliza-se em sua atividade de interagir; a empresa é
agente econômico.

Nesse cenário, o contrato empresarial32 instrumentaliza a atividade


empresarial, ou seja, esta apenas se viabiliza por meio dos contratos33, de maneira

29 O Código Civil brasileiro de 2002, acolheu a teoria de Asquini e definiu quem seria o empresário em
seu artigo 966, ao dispor que “Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade
econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”.
30 Com esteio em Roppo, Paula A. Forgioni (2021, p. 24) afirma que “o mercado identifica-se com um

emaranhado de relações contratuais, tecido pelos agentes econômicos. Como se afirmou “o mercado
[...] é feito de contratos, os contratos nascem do e no mercado”. Na dicção de ROPPO, “na economia
moderna, é o contrato, acima de tudo, que cria a riqueza”.
31 Esclarece Paula A. Forgioni (2021, p. 26-27) que o termo “contrato” pode ter sentido diferente para

os economistas, pois, por diversas vezes estes tratarão como contrato algo que produz vínculo para os
juristas. Os economistas costumam identificar o contrato como qualquer forma de coordenar
transações, ou, as relações que criam vínculos de dependência entre duas ou mais partes, em sentido
que não coincide com o jurídico.
32 O contrato empresarial difere-se dos contratos civis, pois ao Direito Empresarial cabe apenas o

estudo dos contratos empresariais, enquanto que o Direito Civil estuda toda a teoria geral dos contratos,
a qual é aplicável aos contratos mercantis. A esta modalidade de contrato aplicam-se os princípios do
Direito dos Contratos, dentre os quais destacam-se a boa-fé objetiva e a função social dos contratos.
Assim, nem todos os contratos celebrados por uma empresa são empresariais, dentre os quais se
destacam os contratos administrativos celebrados junto ao Poder Público, de trabalho e de consumo
(WENCESLAU, 2020). No que toca aos de consumo, esclarece Paula A. Forgioni (2021, p. 28) que “os
contratos com consumidores [ou “B2C”, na terminologia estadunidense] não mais integram o direito
comercial. A evolução e a consolidação do direito do consumidor como ramo autônomo em relação ao
civil e ao comercial desautoriza a projeção dos contratos mercantis de forma ampla, como se ainda
abrangessem todos “i rapporti pertinenti ad un “impresa”, na linha da doutrina tradicional”.
33 Interessante realizar a distinção entre contratos internos e contratos internacionais. Segundo Irineu

Strenger (1992, p. 22) “quando os elementos constitutivos do contrato (partes, objeto, lugar onde se
30

que é empresarial todo aquele contrato que operacionaliza esta atividade, diferindo-
se do contrato civil e podendo ser compreendido como:

Aquele celebrado entre empresários ou sociedades empresárias na


competência de suas atividades econômicas, bem como aquele
firmado por empresários ou não empresários com propósito
essencialmente comercial, ou seja, com intuito de lucro, em que as
partes assumem, contratualmente, os riscos advindos dessa relação.
(WENCESLAU, 2020, p. 20).

Em sentido semelhante, Carlos Alberto Bittar (2008, p. 3), genericamente,


conceitua o contrato empresarial como:

São comerciais os contratos que se celebram nas atividades


mercantis, reunindo, de um lado, empresários entre si, em relação de
cunho institucional ou associativo (criação de sociedades, formação
de associações ou de grupos econômicos ou jurídicos), ou
organizacional (definição da estrutura da empresa, de participações
contratuais ou societárias e outras) e, de outro, os empresários com
os fornecedores ou os utentes dos bens ou dos serviços oferecidos,
em relação de caráter operacional (venda de bens, prestação de
serviços, financiamentos, locações e outros negócios jurídicos
cabíveis, em razão do gênero da atividade).

Ou seja, resumidamente, o contrato empresarial é todo aquele celebrado entre


empresários, com intuito econômico e em razão de sua atividade empresarial,
excluindo-se os contratos que não tenham relação com sua atividade, bem como os
celebrados a título gratuito.
Esta modalidade de contrato possui características próprias como a
informalidade e o cosmopolitismo34, e faz parte da realidade econômica, social e

pactua a obrigação, lugar onde deverá surtir seus efeitos) se originam e se realizam dentro dos limites
geográficos de um único país, estamos situados no âmbito interno das obrigações. Inversamente,
quando as partes contratantes tenham nacionalidades diversas ou domicílio em países distintos,
quando a mercadoria ou o serviço objeto da obrigação seja entregue ou seja prestado além-fronteiras,
ou quando os lugares da celebração e execução das obrigações contratuais tampouco coincidam,
estaremos no âmbito dos contratos internacionais”. Assim, em resumo, de acordo com o autor “o
contrato interno está circunscrito ao Direito local, independentemente do domicílio ou nacionalidade
das partes, não se alargando sua operatividade fora dos limites territoriais. O contrato internacional,
por seu turno, é necessariamente extraterritorial, ainda que as partes tenham a mesma nacionalidade.
O que importa, nessa hipótese, são os fatores decorrentes em toda a sua amplitude da domicialidade
e dos sistemas jurídicos intervenientes” (1992, p. 24).
34 Paula A. Forgioni (2021, p. 146) explica que “outra tradicional característica dos contratos mercantis

[e do próprio direito comercial] é seu cosmopolitismo, sua tendência de ignorar fronteiras. O comércio
vai até aonde lhe é permitido, sem creditar muita atenção a barreiras culturais ou jurídicas; com menor
ou maior facilidade, tende a expandir-se. [...] O cosmopolitismo deve ser hoje compreendido no contexto
da globalização, com a disseminação cada vez maior de práticas [usos e costumes] e modelos de
negócios desenvolvidos no exterior”.
31

jurídica de toda sociedade, atuando por meio da concessão de segurança e


previsibilidade as partes contratantes e, no âmbito do mercado globalizado, como
base da produção e distribuição de bens e serviços para todo globo.
Quanto às partes dos contratos empresariais, inicialmente, deve-se considerar
que todas as negociações mercantis se realizam por meio dos contratos, de maneira
que as empresas podem celebrar contratos com quaisquer agentes, a exemplo do
Estado, consumidores, entre outros. Entretanto, apenas será considerado um contrato
empresarial quando os agentes forem empresas, ou seja, tal como exposto acima no
conceito de contratos empresariais (v. WENCESLAU, 2020, p. 20), as partes dos
contratos empresariais sempre serão empresas.
Dessa maneira, os contratos serão empresariais quando “ambos [ou todos] os
polos da relação têm sua atividade movida pela busca do lucro. Este fato imprime viés
peculiar aos negócios jurídicos entre empresários” (FORGIONI, 2021, p. 27-28).

1.2.1 Características dos contratos empresariais

Tal como a atividade empresária, os contratos empresariais possuem algumas


características que os diferem dos contratos civis (WENCESLAU, 2020) e servem
como vetores dos contratos.
A primeira delas é o fim lucrativo do contrato e o conteúdo econômico, isto é,
objetiva a circulação de bens e serviços, pois a empresa precisa de um escopo para
contratar, uma vez que buscará sempre determinado resultado a fim de gerar algum
benefício ao negócio.
Esse é o diferencial marcante dos contratos empresariais, o qual “condiciona
seu comportamento, sua “vontade comum” e, portanto, a função econômica do
negócio, imprimindo-lhe dinâmica diversa e peculiar” (FORGIONI, 2021, p. 39).
Outra característica do contrato empresarial, advinda da própria empresa, é o
risco, haja vista que ao empreender assume-se o risco35 da atividade em busca de

35Sobre a característica do risco da atividade empresarial Wenceslau (2020, p. 26) afirma que “para
fomentar a atividade empresarial, a sociedade empresária necessita de recursos diversos (dinheiro,
coisas, móveis, imóveis, direitos etc.), a qual não os possui imediatamente, pois, não há, em uma
empresa, recursos naturais aplicados, ou seja, todos devem ser dispostos pelo empresário, que os
aporta de forma intencional, em autonomia privada e em pleno exercício da livre iniciativa. Esse risco
é eventual, pois, mesmo buscando seu benefício, o lucro, pode haver o fracasso da empresa, o qual
pode afetar o patrimônio deslocado do empresário para o empreendimento”.
32

resultados econômicos, e este risco se reflete nos contratos empresariais que poderão
gerar resultados positivos ou negativos para a empresa36.
Assim, o contrato serve como um mecanismo para alocação dos riscos da
atividade econômica, pois “o risco é inevitável porque “[c]ontratar é prever”, de forma
que “[o] contrato é um empreendimento sobre o futuro” (FORGIONI, 2021, p. 152).
Devido ao exercício profissional da atividade econômica pelo empresário,
decorre daí mais uma característica do contrato empresarial, ou seja, o
profissionalismo que, além da habitualidade e da experiência de mercado, exige que
o empresário conheça os riscos envolvendo o negócio, assim como os inerentes aos
contratos celebrados.
A habitualidade propicia mais uma característica que é a aplicação dos usos e
costumes37, decorrentes da prática mercantil aos contratos. Assim, o stylus
mercatorum, os usos e os costumes são fonte do direito comercial, servindo como
diretriz para o funcionamento do mercado e dos contratos (FORGIONI, 2021, p. 141).
Quanto aos usos e costumes, expõe Paula Forgioni (2021, p. 142):

Os usos e costumes são a prática dos comerciantes que, na busca de


soluções para os problemas quotidianos, encontram e consolidam
determinada forma de resolvê-los. Esses esquemas espraiam-se ao
serem imitados por outros agentes. Daí a força uniformizadora dos
usos e costumes, que tendem a planificar o comportamento das
empresas. Por brotarem da praxe mercantil, os usos e costumes
sofrem certa “seleção natural”: as práticas mais adequadas ao tráfico
impõem-se sobre aquelas menos aptas à resolução de problemas; ao
longo do processo de evolução, prevalecem os padrões de conduta
mais bem adaptados ao funcionamento do mercado. Forma-se
repertório de experiências bem sucedidas que, ao permitir maior grau
de previsibilidade do comportamento, transforma o mercado em
repositório de memórias de jogadas.

Igualmente, a prática reiterada de ações, decorrentes do uso e dos costumes,


ensejam comportamentos padrões dos agentes, do que decorre a última
característica, que é a confiança dos agentes econômicos.
No âmbito do mercado, quanto maior a confiança, menores serão os custos de
transações, e melhor será o fluxo das relações econômicas. Isso porque, os atos

36 Expõe Wenceslau (2020, p. 27) que “verificada essa condição de empresário e o risco assumido nos
contratos empresariais, o grau jurisdicional torna-se menos intervencionista. A liberdade de livre
iniciativa é mais ampla e pauta-se na igualdade entre as partes contratantes, distanciando-se dos
contratos civis puros e os consumeristas”.
37 Conforme será exposto no tópico 1.5, os usos e costumes são incompatíveis com o mercado

globalizado. A este respeito, vide COELHO, 2012.


33

empresariais possuem racionalidade, por meio da qual se analisa as condições e


viabilidade do negócio para a alocação de riscos, visando a confiança e previsibilidade
na formação dos contratos (WENCESLAU, 2020, p. 33), necessários38 para que eles
possam produzir riqueza.
Assim, no mercado, nas negociações econômicas, os agentes tendem a
considerar que a outra parte adotará um comportamento previsível. Previsível no
sentido de que atuará de maneira semelhante àquela que é normalmente exercida no
mercado, atuando como agentes “ativos e probos”39.

1.2.2 As funções dos contratos empresariais

Considerando-se a relevância dos contratos empresariais para o mundo


globalizado, e que a eles se aplicam os princípios gerais do direito contratual, entende-
se que possuem três principais funções, quais sejam: a econômica, a existencial e a
social.
A função econômica é incontroversa para o mercado capitalista global, e
decorre do liberalismo que, como visto, imperou durante vários anos na sociedade
como sua principal função, e não é possível retirá-la do contrato, uma vez que,
segundo Enzo Roppo (2009, p. 09), o contrato sem seu aspecto econômico resultaria
vazio, pois “é a veste jurídico-formal de operações económicas. Donde se conclui que
onde não há operação económica, não pode haver também contrato” (ROPPO, 2009,
p. 11).
Hodiernamente, a vida econômica estende-se por uma teia de contratos
visando que seus interesses sejam seguramente regulados, por isso, qualquer
contrato possui uma função econômica40 que é a sua causa (GOMES, 2007, p. 22).

38 Paula A. Forgioni (2021, p. 122), enfatiza que a segurança e previsibilidade são requisitos essenciais
para a formação dos contratos empresariais. Isso porque, segundo a autora, “ao contratar, uma parte
tem legítima expectativa de que a outra comportar-se-á de determinada forma, daquela maneira
anônima e repetida [...]. Ambos os empresários planejam sua jogada e esperam que o outro aja de
acordo com esse padrão “de mercado”. Não é desejável que seja dada ao contrato interpretação
diversa daquela que pressupõe o comportamento normalmente adotado [usos e costumes]. Isso levaria
ao sacrifício da segurança e da previsibilidade jurídicas”.
39 “Por conta da adoção do padrão de comportamento do homem ativo e probo, ou dos “comerciantes

cordatos”, o ordenamento jurídico autoriza a pressuposição de que o agente econômico, de forma


prudente e sensata, avaliou os riscos da operação e, lançando mão de sua liberdade econômica,
vinculou-se. [...] O agente econômico é caracterizado por uma “esperteza própria que lhe faz atilado,
capaz de atuar no mercado. Essa astúcia, contudo, não há de ser confundida com uma permissão de
comportamento predatório” (FORGIONI, 2021, p. 123).
40 Paula A. Forgioni (2021, p. 119-120) salienta que “as partes não contratam pelo mero prazer de trocar

declarações de vontade. Ao se vincular, as empresas têm em vista determinado escopo, que se mescla
34

Especialmente no caso dos contratos empresariais que sempre visam ao lucro, não
há como dissocia-los do intuito econômico que possuem e buscam satisfazer, que
constitui a sua função econômica (FORGIONI, 2021, p. 119-120).
Destarte, na sociedade, os contratos acompanham todo o processo econômico,
de modo que dele não se desvincula, pois possui o fim de promover uma justa e útil
circulação de riquezas, motivo pelo qual não é possível negar a função econômica
dos contratos, herança do liberalismo.
Entretanto, no Brasil, ante o fenômeno da constitucionalização do direito
privado, que adota como valor supremo a dignidade da pessoa humana, não é
possível considerar unicamente esta função, haja vista que este instrumento se presta
a uma função existencial antes de sua função econômica (GOMES, 2015, p. 81).
No mercado globalizado, o contrato é o instrumento hábil para regular este
cenário de negociações para o fim de atender aos desejos e necessidades da
sociedade, pois a busca de cada ser humano por condições dignas de vida é o que
impulsiona o mercado, de maneira que “não se pode furtar ao contrato a sua função
existencial, ou seja, a condição de ser ele o instrumento da realização da existência
digna”, ao contrato cabe promover a dignidade humana (GOMES, 2015, p. 82).
A terceira função do contrato é a social, já objeto de estudo doutrinário desde
o século XIX, quando a partir do Código Civil francês de 1804, a chamada liberdade
de contratar possuía um fim essencialmente liberal e capitalista. A função social não
desqualifica a função econômica do contrato, ao revés. Este princípio, aliado à boa-fé
e ao equilíbrio econômico sustenta a nova teoria contratual.
Nessa seara, no Brasil, um dos princípios norteadores do Código Civil de 2002,
é a sociabilidade que pressupõe que os interesses individuais não podem prevalecer
sobre os sociais, em consequência de que a lei concede ao sujeito o direito de exercer
um direito subjetivo, desde que este atenda sua finalidade social, e o individual não
se sobreponha aos interesses sociais, como expõe João Carlos Bianco (2013, p. 97):

O princípio da socialidade compromete-se com a inadiável busca de


se construir uma sociedade livre, justa e solidária, pela erradicação da
pobreza e da marginalização, reduzindo as desigualdades sociais e

com a função que esperam o negócio desempenhe; todo negócio possui uma função econômica. [...]
Em qualquer hipótese, a contratação terá um objetivo, almejado em conjunto pelas empresas, isto é,
todo negócio tem uma função econômica e nessa função encontra sua razão de ser. Repita-se: nenhum
empresário contrata sem escopo, mas porque pretende obter determinado resultado que acredita ser-
lhe benéfico”.
35

regionais (CF, art. 3º, III), plasmadas na dignidade da pessoa humana


(CF art.1º, III), impondo rigoroso reconhecimento dos direitos
fundamentais e dos direitos da personalidade, o que se constitui
política humanista e humanizadora. [...]
Do exposto surge uma conclusão lógica, o princípio da socialidade
compõe uma ordem de complementaridade com o individualismo
democrático, encontrando vasto estuário nos direitos fundamentais e
nos da personalidade, porquanto o que ele pretende é expurgar o
individualismo liberal-libertário, evidentemente perverso, jamais
despersonalizar o indivíduo em favor do todo.

Em razão desse princípio, no Brasil, o Código Civil de 2002, optou por referir-
se ao social em vários dispositivos41, inclusive na seara contratual, da qual se destaca
o artigo 421 que consagra que “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos
limites da função social do contrato [...]”.
A função social pressupõe que a liberdade de contratar somente será
reconhecida se exercida com atenção aos princípios constitucionais e valores
humanos e sociais, especialmente a dignidade da pessoa humana, ou, como resume
Orlando Gomes (2007, p. 24): “na afirmação de que o contrato exerce uma função
social, o que significa, em suma, é que deve ser socialmente útil, de modo que haja
interesse público na sua tutela”.
A função social apenas extraiu dos contratos a concepção de uma igualdade
apenas formal para uma substancial. Essa liberdade não deixou de existir, mas
passou a ser limitada por tais princípios42, de maneira que ela não se justificará
quando atentar aos princípios e valores humanos.
Finalmente, enquanto limite à liberdade de contratar, a função social determina
que os contratantes atuem entre si com atenção à boa-fé e, conjuntamente, com
relação a sociedade pautados no princípio da solidariedade43.

41 São exemplos da socialidade do Código Civil brasileiro: o abuso no exercício de um direito (art. 187),
probidade e a boa-fé (art. 422), fixação de indenização razoável pela interrupção da empreitada (art.
623), responsabilidade do gestor de negócio pelos danos causados por caso fortuito, ao realizar
operações arriscadas (art. 868), ao preverá responsabilidade civil objetiva decorrente da atividade de
risco (art. 926, parágrafo único), ao exigir que a propriedade deve ser exercida de acordo com as
finalidades econômicas e sociais (art. 1.228, § 1º).
42 A inclinação do Código Civil de 2002 em favor da socialidade, da pessoa humana e do entendimento

que trata-se de uma “lei básica, mas não geral”, trouxe reflexos para o princípio da liberdade contratual
e da força obrigatória dos contratos, pois a vontade das partes antes inatingível cedeu espaço à
alteridade negocial e ao princípio da dignidade da pessoa humana, reduzindo-se a vontade negocial
para promover a dignidade humana, nas relações contratuais e no âmbito dos seus interesses
patrimonial e existencial (NALIN, 2014, p.115).
43 No Brasil a função social pode ser observada nos artigos 50, 108, 157, 170, 187, 17, 406, 413, 422,

423, 424, 478, 479 e 2.035, parágrafo único do Código Civil de 2002.
36

1.3 REFLEXOS DA GLOBALIZAÇÃO NOS CONTRATOS EMPRESARIAIS

O mercado44 45 é o espaço no qual a livre iniciativa econômica é exercida, por


intermédio da interação entre as pessoas, isto é, o mercado só funciona mediante as
relações entre seus agentes econômicos, as quais são formalizadas por meio de
contratos.
Por mercado, Natalino Irti (2007, p. 45) infere que este é um locus artificialis e
não um locus naturalis como se pensava outrora, haja vista que se trata de ordem
normativa construída, e não uma ordem que emana da natureza dos homens.
Em igual sentido, Eros Roberto Grau (2015, p. 36) entende que o mercado, não
obstante ser um lugar e princípio de organização social é, ainda, uma instituição
jurídica, pois é institucionalizado e orientado pelo Direito.
Logo, sendo uma instituição jurídica, o mercado deve conformar os valores
predeterminados pela ordem jurídica, com fito na promoção do bem humano,
especialmente por ser uma instituição que, historicamente, sempre acompanhou a
evolução dos seres humanos na busca pela satisfação de seus anseios, face a sua
função existencial.
Ademais, o mercado detém importante papel, pois é o ambiente no qual a
globalização é exercida, o qual, ao longo dos anos, foi expandido por este fenômeno
social e econômico.
Por globalização46, Fernando Herren Aguillar (2006, p. 53) acredita que este
instituto significa

44 Explica Fábio Konder Comparato (2014, p. 14) que “o que se denomina propriamente mercado, e
que sempre foi o centro das atenções da economia política clássica, é o espaço aberto de distribuição
de bens e de prestação de serviços, onde impera a lei de divisão e especialização de tarefas”. O autor
ainda ressalta que “[...] embora o capitalismo dependa, para subsistir, da existência de um mercado,
ele jamais se submete a este, mas, bem ao contrário, o domina, a fim de realizar seu objetivo próprio,
que é a maior acumulação possível de capital” (COMPARATO, 2014, p. 15).
45 Enfatiza Marcelo Benacchio (2018a, p. 37) que “o mercado se utiliza do conceito jurídico de liberdade

para seu funcionamento, seria difícil, senão impossível, definir o mercado sem as noções jurídicas de
contrato (e a obrigatoriedade de seu cumprimento), e ainda a noção de bem, serviços, propriedade e
patrimônio. Desse modo, em minha compreensão, o mercado envolve uma escolha política e jurídica
da sociedade, destarte, não é uma realidade social preexistente ao Direito; pelo contrário o mercado
faz parte da realidade econômica, social e jurídica, competindo ao Direito indicar suas finalidades e
ordenar seu funcionamento. O mercado não é uma compreensão abstrata e isenta de valores, em
verdade tem a finalidade e o dever de suprir as necessidades humanas, permitindo igualdade de acesso
a todos e permitindo o desenvolvimento das pessoas em todos seus aspectos. A redução do mercado
ao aumento contínuo dos ganhos e respectivo acúmulo de riqueza é contrário à noção básica
de equidade concernente à divisão das vantagens propiciadas pelo adequado funcionamento do
mercado entre todas as pessoas.”
46 Boaventura de Sousa Santos (1995, p. 252) sobre a globalização afirma que “in the last three

decades, transnational interactions have knownn a dramatic intensification, from globalization of


37

[...] o fenômeno econômico de busca de conquista de mercados sem


restrições às fronteiras nacionais, o fenômeno político da crescente
interdependência dos países, o fenômeno cultural de influências
recíprocas entre habitantes de países diversos, o fenômeno social do
frequente deslocamento e fixação de residência de habitantes de um
país em outros, o fenômeno tecnológico da revolução informática e
das telecomunicações, o fenômeno financeiro dos investimentos
especulativos planetários, causando simultaneamente a
reestruturação dos agentes econômicos, a transformação do papel do
Estado e do direito em todos os países envolvidos.

De outra parte Avelãs Nunes (2003, p. 81) afirma que a globalização é a


“criação de um mercado mundial unificado”47, mercado este que é transnacionalmente
interligado e busca majorar a eficiência do sistema capitalista, ignorando, por vezes,
os desequilíbrios econômicos e sociais gerados por seu formato.
Isso porque, o sistema capitalista gerado no mercado globalizado promove uma
economia marcada pela disputa de mercado e prevalência de controle por parte de
grandes corporações empresariais.

production systems and financial transfers, to worldwide dissemination of information and images
through the mass media and communication technologies, and to mass translocation of people, as
tourists, as migrant workers or as refugees. The extraordinary range and depth of these transnational
interactions has led some authors to see in them a qualitative departure from previous forms of
worldwide relations, a new phenomenon designed as “globalization”, “global formation” or “global
culture”.
47 Lembra Melina Girardi Fachin (2009, p. 3) que ao mesmo tempo que a globalização impõe a ideologia

do pensamento único, ela também abre espaço para as possibilidades de diálogos interculturais.
38

Nesse cenário, o processo de globalização não é recente48, tendo se iniciado,


segundo Enrique Ricardo Lewandowski (2004, p. 252), com o homo habilis49 no seu
habitat, o que resultou em uma grande movimentação de bens, capitais e tecnologia,
que alcançou proporções internacionais, caracterizando o homo globalizatus, e
correspondendo a uma nova fase de evolução do capitalismo.
Em que pese não ser um fenômeno recente, o que trouxe de novo foi a
eliminação das restrições de espaço e tempo50. Ou seja, ocasionou o aumento do
tratamento imediato de informações e dados, além da expansão de interações
transnacionais, no qual as empresas privadas tomaram o lugar do Estado como
principal ator51, modificando a ordenação socioeconômica e a regulação político-
jurídica, os movimentos de capital financeiro, e a execução de uma desigual estrutura

48 Quanto a globalização não se tratar de um fenômeno novo, José Eduardo Faria (1999, p. 60) ensina
que “ele já estava presente, por exemplo, nos antigos impérios, provocando sucessivos surtos de
modernização econômica, cultural e jurídica. Na era moderna, foi impulsionado pela interação entre a
expansão da cartografia, o crescente domínio das técnicas de navegação pelos ibéricos e a própria
evolução do conhecimento científico. Esses foram os fatores responsáveis pelas grandes descobertas
e pelos projetos ultramarinos de Portugal e Espanha, a partir do final do século XV; pelas novas formas
manufatureiras desenvolvidas em Florença, Gênova, Milão, Veneza e outras cidades do norte da Itália,
no século XVI; e pela formação de um sistema internacional de pagamentos baseado em letras de
câmbio, entre banqueiros e negociantes, tornando possível o estabelecimento de rotas globais de
comércio, a exploração sistemática do ouro e da prata nas Américas, o início de um amplo e complexo
processo de colonização e expansão territorial, a chegada da civilização europeia aos extremos da
Ásia e a formação de estruturas decisórias dotadas de uma capacidade organizacional para controlar
o meio social e político em que se realizava a acumulação de capital em escala mundial. Entre os
séculos XVII e XVIII, esses fluxos mundiais de comércio e riqueza levaram ao aparecimento de novos
pólos de poder na Europa, com o fortalecimento econômico, social e político da burguesia; à formação
de Estados nacionais unificados e centralizados nesse continentes; e ao advento do mercantilismo e à
aplicação do colonialismo europeu. Mais tarde, especialmente no apogeu da hegemonia inglesa, entre
o final do século XIX e o começo do século XX, quando o padrão-ouro proporcionou moedas
automaticamente conversíveis e estimulou a criação de instituições destinadas a garantir o livre-câmbio
e as inversões estrangeiras, aumentando significativamente a movimentação de matérias-primas,
produtos acabados, produtos semi-acabados, capitais e serviços sobre as fronteiras nacionais, esse
fenômeno se torna objeto de um intenso debate sobre o alcance da interconexão das economias
relevantes; sobre as consequências da internacionalização dos fatores de produção e a
homogeneização das estruturas capitalistas em nível mundial; sobre os novos papéis do capital
financeiro; e sobre as implicações políticas e sociais do imperialismo econômico e territorialista”.
49 Trata-se de uma espécie de hominídeo que viveu, aproximadamente, entre 2,2 milhões a 780 mil

anos.
50 Como consequências da globalização Fernando Herren Aguilar (2006, p. 52) destaca “mercados

abertos, liberdade alfandegária, relativização da ideia de soberania e do xenofobismo, linhas de


produção mundiais, capitais flutuantes e de extrema volatilidade frequentando mercados financeiros
sem limites de fronteira, esses os temas característicos do processo de maximização da rentabilidade
econômica, responsáveis pela mais drástica alteração estrutural no modo de produção capitalista nos
últimos anos”.
51 Ulrich Bech (2008, p. 34) explica que “por su parte, la globalización significa dos procesos en virtud

de los cuales los Estados nacionales soberanos se entremezclan e imbrican mediante actores
transnacionales y sus respectivas probabilidades de poder, orientaciones, identidades y entramados
vários”.
39

de acesso e trocas desiguais dos fatores de produção em escala global (FARIA, 1999,
p. 62).
Esse fenômeno é resultado de transformações institucionais, políticas,
econômicas, organizacionais, comerciais e tecnológicas que ocorreram nos anos
70,80 e 90 (FARIA, 1999, p. 62-63).
Seu ideal é o neoliberalismo52, vertente atual do liberalismo, que visa o
“acúmulo de riqueza e expansão do lucro, no qual não se vislumbra qualquer
preocupação com o desenvolvimento humano sustentável e includente, promovendo-
se a exclusão social e o privilégio de alguns em prejuízo de muitos” 53 (BANHOS;
BENACCHIO, 2020, p. 43).
O neoliberalismo, como pregado, fere o princípio democrático, haja vista que
“há marcante contradição entre o neoliberalismo – que exclui, marginaliza- e a
democracia, que supõe o acesso de um número cada vez maior de cidadãos aos bens
sociais” (GRAU, 2015, p. 55).
Uma das principais características da globalização é o contraste com o
nacionalismo, pois este fenômeno, a partir do final do século XX, passou a mitigar o
conceito de Estado-nação54 que pressupõe o fortalecimento da produção nacional, da
soberania e valores nacionais, pois ele passa a ser incapaz de exercer sua soberania
em razão da globalização econômica, que busca a eliminação da xenofobia, a fim de
que produtos de origem estrangeira tenham fácil acesso a outros mercados, assim
como que empresas e capitais estrangeiros possam exercer posições de destaque na
economia local, gerando a dependência de capitais externos e vulnerabilidades
(AGUILLAR, 2006, p. 56).

52 Por neoliberalismo, Avelãs Nunes (2003, p, 9), aduz que este “é o núcleo da matriz ideológica da
política de globalização que vem marcando a actual fase do capitalismo à escala mundial”, afirmando
ainda que “o neoliberalismo exclui da esfera da responsabilidade do estado as questões atinentes à
justiça social, negando, por isso, toda a legitimidade das políticas de redistribuição do rendimento,
orientadas para o objectivo de reduzir as desigualdades de riqueza e de rendimento, na busca de mais
equidade, de mais justiça social, de mais igualdade efectiva entre as pessoas” (2003, p. 35).
53 Ricardo Sayeg e Wagner Balera (2019, p. 30) afirmam que “o neoliberalismo ainda prevalece na

economia mundial, estabelecendo para o Planeta a globalização econômica capitalista. Na formatação


original, tal processo se estrutura juridicamente em concepção antijudicialista, antropocêntrica,
individualista e hedonista, apoiada no pensamento clássico de Adam Smith e David Ricardo”.
54 Entre o século XIX e início do século XX o Estado ordenou as práticas liberais e se consolida como

centro de produção legislativa, de modo a exercer sua soberania. Assim, “a consolidação do Estado
Nacional acentuou o valor das ideias de território e soberania. Do ponto de vista prático, significava que
cada país buscava decidir de forma individualista suas próprias políticas econômicas e sociais e
protegia econômica e militarmente suas fronteiras. A soberania interna significava a superioridade do
poder estatal em face de todos os cidadãos e de grupos de cidadãos ou de sociedade dentro do
território nacional. A soberania externa representava a insubmissão nacional a qualquer ingerência
externa, exceto quando escolhia livremente obrigar-se a tanto” (AGUILLAR, 2006, p. 43).
40

A globalização trouxe benefícios para a sociedade, o que é inegável, contudo,


“não repercutiu na melhora das condições de vida das pessoas e tampouco na
segurança das relações contratuais, ao revés, o crescimento puramente econômico
apenas expandiu a pobreza e concentrou a riqueza nas mãos de poucos” (BANHOS;
BENACCHIO, 2020, p. 43), minorando direitos humanos e fundamentais em muitas
ocasiões, em prol da celebração de vantajosos contratos empresariais e da
maximização do lucro.
Nesse sentido, Ricardo Sayeg e Wagner Balera (2019, p. 30) enfatizam:

O regime capitalista e a economia de mercado são realmente


necessários, eficientes e recomendáveis, mas não há como
desconsiderar implicações negativas, inaceitáveis, consubstanciadas
na exclusão do circuito econômico, político, social e cultural de parcela
substancial da Humanidade, chegando ao ponto crítico de colocá-la à
mercê dos inaceitáveis flagelos da fome, da miséria e da subjugação
e no potencial esgotamento planetário.

É nesse campo que a expansão da globalização tem o condão de promover a


prevalência das regras de mercado em prejuízo da lei, onde o contrato assumiu a
posição da lei visando guiar as relações negociais, bem como orientar a sociedade.
Isso porque, o mercado internacional abarca países de todo o globo, razão pela qual
sua regulação ocorre por meio dos contratos e não da lei, em razão da inexistência
de soberania no espaço (internacional) de sua atuação.
Como enfatiza Marcelo Benacchio (2018b, p. 26):

A empresa na economia atual participa e se relaciona com terceiros


por meio de contratos, assim, a aquisição de insumos, a produção,
distribuição e venda de produtos e serviços envolve uma série de
contratos realizados no mercado.

Atualmente os indivíduos celebram contratos a todo momento, contratos estes,


por vezes, impostos por costumes perpetrados pelos maiores interessados, ou seja,
os atores sociais que possuem poder econômico, social e político, o que põe em xeque
o preparo do Estado para lidar com estes novos parâmetros da economia com reflexos
no direito contratual.
Com a expansão do mercado globalizado os contratos ganham maior destaque,
a cada dia, pois os direitos econômicos são exercidos no mercado, que é o ambiente
no qual os sujeitos interagem por meio da oferta e procura, para atendimento de suas
41

necessidades, tal como infere Giorgio Oppo ao afirmar que “o mercado [...] é feito de
contratos, os contratos nascem do e no mercado”, de maneira que “na economia
moderna, é o contrato, acima de tudo, que cria a riqueza” (apud FORGIONI, 2021, p.
24).
Segundo o Fabio Ulhoa Coelho (2012), o tema contratos é sensível à
globalização do mercado. Isso porque, o processo de integração do mercado promove
a revitalização da autonomia da vontade, mas, de outro lado, promove o
desaparecimento dos usos e costumes, comuns ao direito comercial.
Dessa maneira, se de um lado tem-se a possibilidade de aumentar a livre
negociação entre as partes, permitindo a ampliação dos negócios e flexibilização de
custos, de outro lado, os usos e costumes decorrentes de uma cultura local não
coadunam com o objetivo da globalização de criação de um mercado comum sem
quaisquer fronteiras.
Nessa esteira, justifica Fábio Ulhoa Coelho (2012, s.p.):

Os usos e costumes, por sua vez, necessariamente gerados por uma


cultura local, são incompatíveis com o objetivo de criação do mercado
comum. A composição dos interesses entre agentes de diferentes
países e a solução de eventuais conflitos não podem guiar-se por
padrão próprio à cultura de apenas um deles. Os parâmetros
devem ser globais, como a economia. A harmonização do direito-custo
é o fim dos usos e costumes como fonte do direito.

O fim do uso e dos costumes apresenta-se como uma tendência gerada nos
últimos anos pela globalização, que é a acelerada uniformização das práticas
contratuais.
Explica Paula A. Forgioni (2021, p. 148) que:

A inclinação à harmonização das normas endógenas, decorrente da


uniformização do comportamento dos players, incrementa-se de forma
proporcional ao aumento do fluxo de relações econômicas. Quanto
maior o comércio entre as nações, mais intensa a tendência de as
práticas comerciais tornarem-se análogas. A conclusão será de que
hoje, mais do que nunca, o direito comercial assume seu viés
cosmopolita e os contratos empresariais são projetados a partir desse
complexo ambiente institucional, do qual não podem ser arrancados.

Em que pese aqueles que veem os reflexos da globalização nos contratos


como positivos, não se pode negar que ela tem deteriorado as relações contratuais,
especialmente nos contratos de consumo, por meio de sua massificação, gerando
42

situações desvantajosas para as partes economicamente mais fracas, assim como


ofensas aos direitos humanos, fundamentais e bens legalmente protegidos dos
contratantes.
Nesse ponto, o uso dos contratos no mercado internacional faz com que os
interesses dos economicamente mais fortes, em especial as transnacionais,
prevaleçam sobre interesses e direitos humanos e fundamentais, mormente os
sociais, nos países que sofrem impacto por essas operações econômicas
internacionais.
Por isso, faz-se necessária a atenção a nova concepção de contrato, pautada
nas necessidades da pessoa humana, especialmente por esse instrumento guiar o
mercado globalizado e as negociações das ETNs, conforme será exposto no capítulo
seguinte.
43

2 DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS TRANSNACIONAIS

2.1 A IDEIA DE DIREITOS HUMANOS

A noção de igualdade entre todos os homens nasceu entre o ano 800 a.C. e o
ano 200 a. C. (COMPARATO, 2003), contudo, foi consolidada apenas decorridos vinte
e cinco séculos, após muitas lutas para afirmação e reconhecimento dessa igualdade,
razão pela qual, não por acaso, os direitos humanos são considerados direitos
históricos55.
A evolução histórica desses direitos pode ser compreendida por meio do
instituto da dinamogenesis dos direitos humanos, que pode ser entendido como o
processo de nascimento e desenvolvimento do direito concorde as necessidades da
sociedade em cada momento da história (SILVEIRA; ROCASOLANO, 2010), ou seja,
é o processo de criação dos direitos humanos a partir de fatos sociais, decorrentes
das necessidades da humanidade, que são diferentes conforme a época, e reivindica-
las como forma de corporificar a dignidade da pessoa humana.
As primeiras conquistas dos direitos humanos remontam aos séculos XVII e
XVIII. Isso porque, na Inglaterra, a Declaração de Direitos de 168956 – Bill of Rights-
apresentou a noção de direitos humanos, cujo pensamento de que todos os homens
nasciam livres com igualdade de direitos e obrigações perpetuou-se apenas após as
revoluções liberais do século XVIII. A Bill of Rights, juntamente com a Declaração de
Independência dos Estados Unidos de 1776 e, na França, a Declaração dos Direitos
do Homem e do Cidadão de 1789, marcaram a libertação dos grupos sociais dos quais
as pessoas faziam parte e estavam sujeitas à vontade, a exemplo da família e igreja
(COMPARATO, 2003).

55 Norberto Bobbio (2004, p. 9) infere que “os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam,
são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizados por lutas em defesa
de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem
de uma vez por todas”.
56 Segundo Marcelo Benacchio (2012), são considerados documentos que antecedem a positivação

dos direitos humanos a Magna Carta da Inglaterra do Rei João Sem-Terra de 1.215, a Petition of Rights
de 1.628, o Habeas Corpus Act de 1.679 e a Bill of Rights de 1.689, entretanto, apesar de limitarem o
poder do Estado, não tinham por fim o homem comum da época, ao revés, destinavam-se a
determinadas classes sociais como a Nobreza e o Clero. Foi com a escola de direito natural e dos
ideais iluministas que ocorreram mudanças quanto a compreensão dos direitos, o que gerou
transformações que favoreceram a individualidade do ser humano.
44

Os direitos reconhecidos nessa época são os denominados direitos de primeira


dimensão57 58, e possuem como ideário a liberdade.
Foi com a escola de direito natural e do pensamento iluminista que ocorreram
alterações estruturais quanto ao entendimento dos direitos humanos, de modo a
valorizar o cada pessoa individualmente (BENACCHIO, 2012), tanto que, no século
XIX, os ideais liberais e a concepção falaciosa de que todos eram iguais perante a lei,
geraram o empobrecimento da classe operária, que se viu trabalhando para as
empresas capitalistas da época, sob a concepção de que patrões e empregados eram
contratantes em igualdade de condições, originando a necessidade de afirmação dos
direitos das classes mais desfavorecidas da população. Isso ensejou, no início do
século XX, as conquistas dos direitos de segunda dimensão59, com ideário na
igualdade, no âmbito do Estado Social de Direito, direitos estes que exigiam a
prestação estatal, visando a melhoria das condições de vida da sociedade.
Já em meados do século XX, após as atrocidades da Segunda Guerra Mundial,
passa-se a preocupação com os ideais de solidariedade, reconhecendo-se os direitos
de terceira dimensão60 61, e adotando a Declaração Universal dos Direitos Humanos
(DUDH) em 1948 pela ONU62.

57 São os direitos civis e políticos, pautados no valor da liberdade, e que funcionam como direitos de
titularidade negativa, pois exigem uma abstenção do Estado.
58 Opta-se nesse trabalho pelo uso da expressão “dimensão” em substituição à “geração”. Isso porque,

como explicam Ricardo Hasson Sayeg e Wagner Balera (2019, p. 177) “[...] as dimensões dos Direitos
Humanos não se sucedem ou substituem-se umas às outras, ao contrário, manifestam-se em
consubstancialidade. Não se deve confundir as dimensões dos Direitos Humanos com as designadas
gerações, estas sim, historicamente reveladas ao longo do tempo e cronologicamente sequenciais [...]”.
59 Tratam-se dos direitos sociais, pautados no valor da igualdade, e que funcionam como direitos de

titularidade positiva, pois exigem ações do Estado.


60 São dos direitos pautados no valor da fraternidade ou solidariedade, cujos direitos objetivam a

proteção ao meio ambiente, à autodeterminação dos povos, bem como ao direito de propriedade do
patrimônio comum da humanidade. São direitos transindividuais, relacionados a proteção do gênero
humano.
61 Existem autores, a exemplo de Paulo Bonavides, que tratam de uma 4ª dimensão dos direitos

humanos, que correspondem a última fase de institucionalização do Estado Social. Também, Gustavo
Zagrebelsky entende pela existência de direitos de 5ª dimensão cuja “categoria é beneplácita da
universalização de certos direitos como o direito à democracia, ao desenvolvimento, ao progresso
social, direitos que seriam associados a uma ideia de um constitucionalismo global, de uma cidadania
mundial” (FACHIN, 2009, p. 82).
62 Isabel Rute Sousa do Amaral Xavier Cabrita (2010, p. 172) conclui que não existe um consenso sobre

o sentido dos direitos humanos em razão do pluralismo cultural existente entre os povos do mundo. A
autora esclarece que “o reconhecimento do pluralismo cultural é antigo e os povos do mundo já
tinham consciência deste problema ao tempo da criação da Declaração Universal dos Direitos
Humanos. Efectivamente, os autores da Declaração inspirados por diversas religiões, filosofias e
morais chegaram a um acordo mais pragmático do que teórico. Ou seja, chegaram a um acordo
sobre uma lista de direitos mas abandonaram a procura de um consenso doutrinário a respeito da
natureza dos direitos e das relações entre os mesmos. Em suma, os autores da Declaração Universal
dos Direitos Humanos não definiram o conceito de direitos humanos”.
45

Vale salientar que, apesar de corriqueiramente utilizados como sinônimos, a


doutrina faz a distinção entre direitos humanos, os direitos do homem e os direitos
fundamentais63 (SARLET, 2012; COMPARATO, 2003), ao passo que a distinção
terminológica entre direitos fundamentais e direitos humanos foi elaborada pela
doutrina germânica, enquanto que, o termo direitos do homem, foi mais utilizado por
juristas latino-americanos (COMPARATO, 2003).
Por essa perspectiva, Ingo Wolfgang Sarlet (2012, s.p.) ressalta a discussão
terminológica doutrinária entre os termos direitos humanos e direitos fundamentais, e
“não se cuida de uma mera querela acadêmica entre teóricos que não têm mais o que
fazer”64, pois estes podem ter aplicações diferentes conforme o contexto empregado.
Em que pese a discussão terminológica, os direitos do homem são aqueles não
positivados ou não escritos, de caráter jusnaturalista. São direitos inatos, inerentes a
pessoa humana, sendo necessária apenas tal condição para ser titular daqueles.
Já os direitos fundamentais65 podem ser compreendidos como os direitos
humanos assim reconhecidos pelo poder público, tanto no âmbito interno dos Estados

63 Neste estudo utiliza-se o termo direitos humanos de forma ampla, considerando-o de maneira a
abranger os direitos existentes independentemente de sua positivação, inerentes a qualquer pessoa
humana, ou seja, direitos naturais, bem como, aqueles reconhecidos no âmbito internacional, por
tratados e acordos, e aqueles adotados por Estados em suas normas internas e Constituições.
64 Quanto a distinção entre os direitos fundamentais e os direitos humanos Ingo Wolfgang Sarlet (2012,

s.p.) esclarece: “Em que pese sejam ambos os termos (“direitos humanos” e “direitos fundamentais”)
comumente utilizados como sinônimos, a explicação corriqueira e, diga-se de passagem,
procedente para a distinção é de que o termo “direitos fundamentais” se aplica para aqueles
direitos do ser humano reconhecidos e positivados n a esfera do direito constitucional positivo de
determinado Estado, ao passo que a expressão “direitos humanos” guardaria relação com os
documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao
ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e
que, portanto, aspiram à validade universal, para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam
um inequívoco caráter supranacional (internacional). A consideração de que o termo “direitos
humanos” pode ser equiparado ao de “direitos naturais” não nos parece correta, uma vez que a própria
positivação em normas de direito internacional, de acordo com a lúcida lição de Bobbio, já
revelou, de forma incontestável, a dimensão histórica e relativa dos direitos humanos, que assim se
desprenderam – ao menos em parte (mesmo para os defensores de um jusnaturalismo) – da ideia de
um direito natural. Todavia, não devemos esquecer que, na sua vertente histórica, os direitos humanos
(internacionais) e fundamentais (constitucionais) radicam no reconhecimento, pelo direito positivo, de
uma série de direitos naturais do homem, que, neste sentido, assumem uma dimensão pré-estatal e,
para alguns, até mesmo supraestatal. Cuida-se, sem dúvida, igualmente de direitos humanos –
considerados como tais aqueles outorgados a todos os homens pela sua mera condição humana–,
mas, neste caso, de direitos não positivados”.
65 Antonio Enrique Pérez Luño (2013) ensina que o termo “direitos fundamentais” tem sua origem na

França, no ano de 1770, no âmbito do movimento político e cultural que levou a Declaração dos Direitos
do Homem e do Cidadão em 1789. Esta nomenclatura alcançou especial atenção na Alemanha onde
se articulou, especialmente com a Constituição de Weimar de 1919, o sistema de relações entre o
indivíduo e o Estado, como fundamento de toda a ordem jurídico-política. Logo, segundo o autor, se a
expressão “direitos fundamentais” e a sua formulação jurídico-positiva como direitos constitucionais são
um fenômeno recente, suas raízes filosóficas, por sua vez, remontam aos ideais históricos do
pensamento humanista.
46

quanto no internacional, ou seja, são os direitos humanos positivados na Constituição


e em normas jurídicas, ou seja, promulgados pelo Estado (COMPARATO, 2003).
Os direitos humanos, por sua vez, seriam antecedentes dos direitos
fundamentais, inerentes a todos os homens e decorrentes do direito natural, que
Antonio Enrique Pérez Luño (2005, p. 50) define como:

[...] los derechos humanos aparecen como un conjunto de facultades


e instituciones que, en cada momento histórico, concretan las
exigencias de la dignidad, la libertad y la igualdad humanas, las cuales
deben ser reconocidas positivamente por los ordenamientos jurídicos
a nivel nacional e internacional.66

Jack Donnelly (2003, p. 10-11) entende que direitos humanos são, literalmente,
os direitos que se possui por ser humano, podendo compreendê-los como direitos
iguais, que não são apenas valores abstratos como liberdade e igualdade, haja vista
serem direitos que dependem de práticas sociais para serem realizados, de maneira
que um direito humano não pode ser confundido com os valores ou aspirações
subjacentes ao gozo do objeto do direito.
As principais características67 dos direitos humanos são: a inalienabilidade,
irrenunciabilidade, imprescritibilidade e inviolabilidade. E como principal fundamento,
assim como os direitos fundamentais, tem-se a dignidade da pessoa humana, que
atribui ao ser humano a condição de titular de direitos independentemente do seu
reconhecimento por uma ordem jurídica.
Trata-se de um instituto de difícil conceituação devido a pluralidade de valores
que existem nas sociedades contemporâneas, de maneira que permanece em
constante evolução, conjuntamente à sociedade (SARLET, 2006).
Por dignidade da pessoa humana Ingo Wolfgang Sarlet (2006, p. 60) entende:

[...] a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser


humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por
parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um
complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a

66 Tradução livre: “[...] os direitos humanos aparecem como um conjunto de faculdades e instituições
que, em cada momento histórico, especificam as demandas de dignidade humana, liberdade e
igualdade, as quais devem ser reconhecidas positivamente pelos sistemas jurídicos em nível nacional
e internacional”.
67 Quanto aos direitos humanos Jack Donnelly (2003, p. 10) afirma que: “They are also inalienable

rights: one cannot stop being human, no matter how badly one behaves nor how barbaously one is
treated. And they are universal rights, in the sense that today we consider all members of the species
Homo sapiens “human beings” and thus holders of human rights.”
47

pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e


desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais
mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua
participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência
e da vida em comunhão com os demais seres humanos.

Já Carlos Ayres Britto (2012, p. 27), explica que:

O princípio jurídico da dignidade da pessoa humana decola do


pressuposto de que todo ser humano é um microcosmo. Um universo
em si mesmo. Um ser absolutamente único, na medida em que, se é
parte de um todo, é também um todo à parte; isto é, se toda pessoa
natural é parte de algo (o corpo social), é ao mesmo tempo um algo à
parte.

À vista do significado de dignidade da pessoa humana acima exposto, tem-se


que os direitos humanos e os direitos fundamentais, independentemente de seu
âmbito de aplicação, e considerando que não se tratam de sinônimos, têm por fim
conferir e promover a dignidade humana.
Enfim, face as considerações anteriores, resumidamente, a ideia de direitos
humanos parte do seu entendimento como um conjunto de faculdades e instituições
que, a depender do período histórico, especificam valores e as demandas de
dignidade humana, liberdade e igualdade, que precisam ser reconhecidas pelos
sistemas jurídicos em nível nacional e internacional (LUÑO, 2013). Os direitos
humanos transmitem a noção de evolução face as mudanças na sociedade, na busca
por novos direitos e promoção da dignidade humana, alcançando-se o mínimo
existencial68.

2.1.1 Direitos humanos e sua eficácia nas relações privadas

Os efeitos dos direitos fundamentais no direito privado (ou em outros ramos do


direito) podem ocorrer de duas formas: por meio de produção legislativa e entre os
indivíduos nas relações jurídicas (SILVA, 2011, p. 68). Nesse caminho, três69
correntes tratam acerca da eficácia dos direitos fundamentais perante particulares.

68 O mínimo existencial pode ser entendido como as condições mínimas que devem ser asseguradas
a população para a sua existência digna.
69 Consoante Virgílio Afonso da Silva existe uma quarta corrente que entende pela possibilidade de

imputação das ações particulares ao Estado ou, ainda, igualar essas ações à ações estatais (2011, p.
68).
48

A primeira corrente, nascida na Alemanha, e tendo como expoentes os autores


Mangoldt e Forsthoff, nega a aplicação dos direitos fundamentais às relações
privadas, entendendo que tais direitos são apenas de defesa face as ações do Estado,
pois na elaboração da Lei Fundamental não foi discutida a vinculação de entes
privados aos direitos fundamentais e, ainda, que tal vinculação impactaria no Direito
Privado que seria absorvido pelo Direito Constitucional, tendo como consequência a
concessão de grande poder a juízes (SARMENTO, 2010). Para esta teoria, o direito
privado não é hierarquicamente inferior a Constituição70.
Esta corrente foi enfraquecida e perdeu espaço na Alemanha, contudo, ganhou
maior espaço nos Estados Unidos, com a doutrina da state action que prevê a
proteção dos direitos fundamentais contra as ações ou omissões do Estado, sendo
inaplicável às relações entre particulares.
A segunda e terceira correntes entendem pela aplicabilidade dos direitos
fundamentais às relações privadas, e sua eficácia dar-se-á de maneira indireta, por
meio da eficácia mediata, ou de maneira direta por meio da eficácia imediata
(SANCHES; BENACCHIO, 2012, p. 386).
A teoria da eficácia mediata ou indireta, também conhecida como eficácia
privada e eficácia em relação a terceiros (Drittwirkung ou eficácia externa) (FACHIN;
BOLZANI, 2018, p. 215) nasceu na Alemanha71, e foi desenvolvia por Günter Dürig
em 1956, sendo até hoje adotada majoritariamente pelos juristas do país. Igualmente,
trata-se da corrente com maior aceitação pela doutrina (SILVA, 2011, p. 69).
Por meio desta teoria nega-se a aplicação direta dos direitos fundamentais às
relações privadas sendo possível que os particulares renunciem a tais direitos, o que
seria vedado nas relações junto ao Poder Público (SARMENTO, 2010).
A crítica tecida a este conceito decorre do entendimento de que diante de
particulares com diferentes poderes, não há uma relação paritária, ao revés, existe
uma relação vertical, tal como a existente entre Estados e particulares (FACHIN;
BOLZANI, 2018, p. 215).

70 De acordo com Uwe Diederichsen “a supremacia conferida à lei fundamental não corresponde
automaticamente uma supremacia dos valores fundamentais que ela abriga. Isso porque esses valores
não adquirem superioridade pelo simples fato de serem previstos na constituição, isto é, esse fato não
implica uma imposição automática dos valores constitucionais ao resto do ordenamento jurídico”
(DIEDERICHSEN apud SILVA, 2011, p. 72).
71 Esta teoria “foi introduzida pelo caso Lüth do Tribunal Constitucional alemão, passando a ser

conhecido como “theory of indirect effect on third parties- Lehre der mittellbaren Drittwirkung” (FACHIN;
BOLZANI, 2018, p. 216).
49

Já a teoria da eficácia direta dos direitos fundamentais defendida, também, na


Alemanha, por Hans Carl Nipperdey72, no início dos anos 1950, sustenta que apesar
de alguns direitos fundamentais vincularem apenas ao Estado, outros podem ser
aplicados diretamente às relações privadas, sendo oponíveis erga omnes, haja vista
que, na atualidade, a sociedade não está apenas sujeita ao Estado, mas, igualmente,
a outros poderes sociais e terceiros em geral (SARMENTO, 2010), razão pela qual,
estando positivados na Constituição, apresentam-se como normas válidas para todo
o ordenamento jurídico.
Como explica Virgílio Afonso da Silva (2011, p. 86):

Quando se fala em aplicabilidade direta dos direitos fundamentais nas


relações entre particulares, quer-se dizer que, da mesma forma como
são aplicados nas relações entre o Estado e os cidadãos, não é
necessária nenhuma ação intermediária para que sejam também
aplicáveis nas relações interprivados.

Poucos seguem a tese de vinculação direta de Nipperdey, contudo, ao rejeitar-


se a aplicação direta dos direitos fundamentais e, concomitantemente, não promover
a distinção dos efeitos na legislação e nas relações jurídicas, estar-se-á diante da
rejeição da eficácia direta nas leis de direito privado (SILVA, 2011, p. 69).
Em que pese a doutrina majoritária seguir a tese da eficácia indireta, a teoria
da eficácia imediata predominante e expressamente adotada pelo Brasil na
Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, parágrafo 1º, ao dispor que as
garantias fundamentais são dotadas de aplicação imediata73, ou seja, são
autoaplicáveis. No mesmo caminho, a Constituição Portuguesa de 1976, em seu
artigo 18.174 estabeleceu a aplicação dos direitos fundamentais às relações privadas,
quer dizer, com eficácia direta e imediata.

72 “Nipperdey foi o autor que pioneiramente, e com maior ênfase, defendeu a aplicabilidade direta dos
direitos fundamentais às relações entre particulares. Segundo ele, os direitos fundamentais têm efeitos
absolutos e, nesse sentido, não carecem de mediação legislativa para serem aplicados a essas
relações. Mas, mais do que isso, esse efeito absoluto dos direitos fundamentais faz com que sejam
também desnecessárias “artimanhas interpretativas” para aplica-los em relações que não incluam o
Estado como ator” (SILVA, 2011, p. 87).
73 Quanto a uma possível colisão de interesses, esclarece Rosalice Fidalgo Pinheiro (2009, p. 151):

“Porém, todas as teorias convergem para um ponto comum: a incidência dos direitos fundamentais nas
relações privadas suscita uma colisão de interesses, que deve ser dissipada pelo princípio da
proporcionalidade. No direito brasileiro, a teoria da eficácia imediata mostra-se predominante,
ensejando semelhante conclusão”.
74 Constituição da República Portuguesa de 1976, art. 18.1: “Os preceitos constitucionais respeitantes

aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e
privadas”.
50

Dimensão jurídico-subjetiva é o nome dado ao efeito vinculante vertical dos


direitos fundamentais, isto é, à aplicação dos direitos fundamentais nas relações entre
particular e Estado, ao passo que ao efeito horizontal de aplicação desses direitos às
relações entre particulares dá-se o nome de dimensão jurídico-objetiva.
Dessarte, Daniel Sarmento (2010) constata que a dimensão jurídico-objetiva
reconhece que os Direitos Fundamentais se compõem dos valores mais importantes
para determinada sociedade, de maneira que não são apenas um problema do
Estado, mas, também, de toda a coletividade, razão pela qual a dimensão objetiva
conecta-se a uma perspectiva comunitária dos direitos humanos, ou seja, o autor
expande a atenção aos direitos fundamentais para os direitos humanos:

Neste sentido, é preciso abandonar a perspectiva de que proteção dos


direitos humanos constitui um problema apenas do Estado e não
também de toda a sociedade. A dimensão objetiva liga-se a uma
perspectiva comunitária dos direitos humanos, que nos incita a agir em
sua defesa, não só através dos instrumentos processuais pertinentes,
mas também no espaço público, através de mobilizações sociais, da
atuação em ONG’s e outras entidades, do exercício responsável do
direito de voto. (SARMENTO, 2010, s.p.)

Diante disso, tem-se que a teoria da eficácia horizontal dos direitos


fundamentais, também se aplica aos direitos humanos, pois, como explicam Sanches
e Benacchio (2012, p. 391), as relações privadas estão vinculadas aos “Direitos
Humanos devido ao efeito horizontal dos Direitos Fundamentais, que faz com que
estes sejam irradiados por todo o ordenamento jurídico, inclusive para o direito
privado”.
Essas constatações deixam clara a aplicação da eficácia horizontal dos direitos
humanos75, bem como a importância da efetivação destes no âmbito privado,
mormente, junto às atividades empresariais, face o papel atual da empresa na
sociedade, que assumiu atividades outrora pertencentes ao Estado76.

75 Expandindo-se, também, a eficácia mediata para a seara dos direitos humanos Cláudia Lima
Marques e Bruno Miragem (2014, s.p.) afirmam que “estudos mais recentes da doutrina alemã indicam
que, em virtude da Drittwirkung ou efeitos horizontais dos direitos humanos, vários institutos do direito
público imigram para o direito privado”.
76 A este respeito, Sanches e Benacchio (2012, p. 390) afirmam: “Assumindo a empresa atividades

historicamente estatais e não sendo possível o retrocesso social, evidentemente, à luz da eficácia
horizontal dos direitos humanos, é perfeitamente cabível em dadas situações a exigência de que parte
do lucro da atividade empresarial tenha emprego no atendimento dos direitos sociais, procedendo-se
à melhor distribuição de riqueza e permitindo o desenvolvimento humano consoante processo histórico
em curso”.
51

A atividade empresarial é perfeitamente compatível com os direitos humanos e


o mercado capitalista, como já destacado por Ricardo Sayeg e Wagner Balera (2011),
ou seja, o capitalismo pode ser humanista77, não se limitando apenas ao aumento de
riquezas e busca por lucro, mas sendo executado de modo a efetivar tais direitos.
Essa concepção é, portanto, aplicável na seara dos Direitos Humanos e
Empresas, que estão vinculadas aos direitos humanos em razão da eficácia
horizontal, que prevê que estes sejam aplicados a todo o ordenamento jurídico,
também, no âmbito privado.

2.2 AS EMPRESAS TRANSNACIONAIS COMO PRINCIPAIS ATORES DO SÉCULO


XXI

De acordo com Fábio Konder Comparato (1990, p. 3) é possível afirmar que se


existe “uma instituição social que, por sua influência, dinamismo e poder de
transformação, sirva de elemento explicativo e definidor da civilização
contemporânea, a escolha é indubitável: essa instituição é empresa”.
Nessa perspectiva, as origens das relações entre Estados e empresas
remontam ao século XVI quando, no período mercantilista, estes atuavam juntos para
expansão das riquezas estatais78.
Entre o final do século XX e início do XXI ocorreram profundas mudanças na
sociedade em razão do processo de globalização da economia, que além de estreitar
fronteiras entre países ensejou o surgimento79 e fortalecimento das empresas

77 A teoria do Capitalismo Humanista será explicada a frente, no tópico 2.4.


78 Sobre este período da história explica Ludmila Andrzejewski Culpi (2016, p. 50) que “no período
mercantilista, os Estados e as empresas atuaram ativamente para expandir a riqueza dos primeiros,
pois esta se baseava no comércio exterior ativo. As exportações eram, naquele momento, a principal
fonte de riqueza dos Estados, pois garantiam a expansão de ouro e de prata, em um período em que
o acúmulo de metais representava a riqueza de uma nação (metalismo). Portanto, os países focavam
na política da balança comercial favorável, por meio da qual deviam exportar uma quantidade maior do
que importavam”.
79 A transnacionalização dos mercados de insumos, produção, capitais, finanças e consumo, concorde,

José Eduardo Faria (1999, p. 13), “transformou radicalmente as estruturas de dominação política e de
apropriação de recursos, subverteu as noções de tempo e espaço, derrubou barreiras geográficas,
reduziu as fronteiras burocráticas e jurídicas entre nações, revolucionou os sistemas de produção,
modificou estruturalmente as relações trabalhistas, tornou os investimentos em ciência, tecnologia e
informação em fatores privilegiados de produtividade e competitividade, criou formas de poder e
influência em novas e autônomas, e por fim, multiplicou de modo exponencial e em escala planetária
os fluxos de ideias, conhecimento, bens, serviços, valores culturais e problemas sociais [...]”.
52

transnacionais80, com gradativa substituição das multinacionais, e o consequente


enfraquecimento dos Estados face a relativização de sua soberania81.
A empresa multinacional (EMN) pode ser considerada como aquela que se
estabelece em outras nações e lá cria vínculos, e “caracteriza-se por ter uma estrutura
decisória rigidamente hierarquizada, que se reproduz em todos os países em que
atua” (FARIA, 1999, p. 72).
De outro lado, a empresa transnacional, também chamada de “companhia
global”, possui sede em seu país de origem e atua em outros países por meio de filiais,
ultrapassando seus limites territoriais para outros mercados, ao contrário da
multinacional que pertence a várias nações. Sua atuação está além dos países em
que possui sede e não cria vinculação com tais nações, uma vez que pode mudar de
país a qualquer momento em busca de melhores condições para seu negócio, pois
possui estruturas decisórias bem mais simples do que as multinacionais, como explica
José Eduardo Faria (1999, p. 72):

Com grande capacidade de adaptação às especificidades de cada


mercado, com extrema sensibilidade para detectar novas tendências,
com sofisticadas estratégias para alcançar a mais alta produtividade
ao menor custo possível e com enorme competência para exercer
diferentes atividades em diferentes contextos sociais, econômicos,
políticos e culturais e atuar em distintas linhas de produção e negócios,
a companhia global ou corporação transnacional tende a se organizar
por meio de unidades ou divisões empresariais. Elas são atualmente
flexíveis, modulares e, acima de tudo, articuladas em perspectiva
reticular. Deste modo, a atuação e o desempenho das corporações
transnacionais ou companhias globais não configuram mais um
agregado de atividades em nível de países, sob a forma de estruturas
burocráticas e organizacionais estáveis e rígidas. Pelo contrário,
passam a ter a forma de um sistema de negócios desagregado,
administrado como um processo interligado, controlado por
informações compartilhadas e organizado horizontalmente por
assunto, produto ou serviço.

80 Estas empresas não são um fenômeno recente, pois “a commenda da Idade Média (séc. V a XV) e
as companhias de carta (séc. XV a XVII) são empreendimentos que ultrapassam fronteiras
antecessores às empresas transnacionais” (MCLEAN apud CARDIA; FERREIRA, 2018, p. 187).
81 A este respeito Wilson Steinmetz já ponderou: “No contexto das sociedades contemporâneas, é um

equívoco elementar, próprio do liberalismo míope e dogmático associar o poder exclusivamente ao


Estado, como se o Estado tivesse o monopólio do poder ou fosse a única expressão material e espiritual
do poder. Há muito o Estado não é o único detentor de poder – talvez nunca tenha sido o único. No
mundo contemporâneo, pessoas e grupos privados não só detêm poder político, econômico e
ideológico como também desenvolvem lutas de e pelo poder [...]” (STEINMETZ, 2004, p. 85).
53

As teorias de relações internacionais não consideravam as multinacionais ou


transnacionais como atores do sistema internacional, contudo, a partir da década de
1970, este cenário modificou-se, uma vez que os Estados deixaram de ser
considerados como principais atores, dando espaço para as empresas em razão de
seu poder, o que fez com que elas se tornassem elementos chave de governança
global (CULPI, 2016, p. 49)
Nesse passo, no ano de 2018, ao se avaliar as 100 maiores economias do
mundo, 69 eram empresas transnacionais82, que como receitas anuais possuíam
valores equivalentes ou superiores ao Produto Interno Bruto (PIB) de Estados83
(GLOBAL JUSTICE, 2018, on-line).
Assim, as transnacionais passaram a ser protagonistas no cenário econômico,
e não mais os Estados, pois o fenômeno da globalização proporcionou enormes
mudanças com a “superação das restrições de espaço pela minimização das
limitações de tempo, graças ao vertiginoso aumento da capacidade de tratamento
instantâneo de um gigantesco volume de informações [...]” (FARIA, 1999, p. 61), o que
levou a substituição do Estado como principal ator, ensejando ainda:
[...] algo qualitativamente diferenciado de quase tudo o que se teve até
agora em matéria de ordenação socioeconômica e de regulação
político-jurídica; à avassaladora dimensão alcançada pelos
movimentos transnacionais de capital, especialmente financeiro; e a
formação de uma hierarquia dinâmica de acesso e trocas desiguais
entre os fatores de produção, com amplitude mundial. (FARIA, 1999,
p. 61)
Isso faz com que a influência das transnacionais84, especialmente, nos países
em que se instalam seja gigantesca, com capacidade de influenciar gostos, criar

82 “The top 10 corporations – a list which includes Walmart, Toyota and Shell as well as several Chinese
corporations – raked in over $3 trillion last year. When it comes to the top 200 entities, the gap between
corporations and governments gets even more pronounced: 157 are corporations. Walmart, Apple and
Shell all accrued more wealth than even fairly rich countries like Russia, Belgium, Sweden” (GLOBAL
JUSTICE, 2018, on-line).
83 Concorde Ludmila Andrzejewski Culpi (2016, p. 51) “em função de suas origens nacionais, algumas

empresas ganham status superior a outras em muitos Estados. Sendo assim, elas concluíram que só
teriam êxito se transferissem seus recursos pelas fronteiras nacionais para outros países, por meio de
suas próprias organizações, em vez de vender esse direito de uso a empresas estrangeiras. Assim, a
dotação desigual de fatores nos diferentes países contribuiu para o estabelecimento de mais de 60 mil
multinacionais em todo o globo, com 800 mil filiadas fora de suas fronteiras. Em termos globais, as
empresas transnacionais geram perto de metade dos resultados industriais do mundo e representam
cerca de 2/3 do comércio mundial. Aproximadamente 1/3 de todo o comércio mundial é intra-firma, ou
seja, acontece entre matriz e filiais no exterior. As empresas transnacionais são particularmente
competitivas em veículos automotivos, computadores e refrigerantes, tendo 85%, 70% e 65% desses
mercados, respectivamente.”
84 Para Boaventura de Sousa Santos (1995, p. 254), “the TNCs are the main institutional form of this

transnational capitalist class, and the magnitude of the transformations they are bringing bout in modern
business is indicated by the fact that more than one third of the world’s industrial output is produced by
54

tendências, propagar valores, protestos e revoluções, por meio de movimentos sociais


e políticos, além de impactarem nos sistemas protetivos dos direitos humanos nos
países menos desenvolvidos que escolhem para exercer suas atividades85.
Afinal, o modelo de globalização atual é guiado pelas transnacionais que se
espalham por diversos países, em busca de menores custos para o exercício de suas
atividades e atenção aos anseios de seus acionistas.
Por isso, uma das principais características das transnacionais é ausência de
regulação estatal86 de suas atividades empresarias, afinal, face o seu poder político,
econômico e social, os Estados encontram dificuldades para tanto, como explica John
Ruggie (2014, p. 18):

Empresas que operam globalmente não são regulamentadas como tal.


Em vez disso, cada uma das entidades que as compõem
individualmente está sujeita à jurisdição nas quais ela atua. Mas,
mesmo nos países em que as leis nacionais condenam a conduta
abusiva, o que não pode ser sempre subestimado, os Estados muitas
vezes deixam de implementá-las- devido à falta de capacidade, ao
medo das consequências que podem ser geradas pela concorrência
ou porque seus líderes colocam os ganhos particulares acima do bem-
estar público.

Este contexto impacta a soberania87 dos Estados, considerando-se que o


espaço da economia globalizada é transnacional, e os grandes grupos empresariais
possuem, na maioria das vezes, maior poder econômico que os Estados. Isso porque,
“a globalização é impulsionada pelas corporações internacionais, que não só
movimentam capital e mercadorias através das fronteiras como também movimentam
tecnologia” (STIGLITZ, 2002, p. 36).

TNCs. Thougth the organizational novely of the TNCs may be questioned from a world economy,, and
the degree and efficacy of centralized direction they manage to achieve, distinguish them from older
forms of international business enterprise. The impact of TNCs on new class formations and on world
level inequality has been widely debated in recent years”.
85 Ana Cláudia Ruy Cardia e Luciano Vaz Ferreira (2018, p. 189), com fundamento em Kamminga e

Zia-Zarif, expõem que “é preciso lembrar que todas as ETNs submetem-se, no mínimo, a duas ordens
jurídicas, a saber: a do país em que foram constituídas e mantém a sua sede e a do local em que
exercem as suas atividades. Contudo, as ETNs são estruturas difusas e que contam com a habilidade
de ser “legalmente invisíveis”, pela possibilidade de fácil mudança de região de suas operações, de
modo a evitar responsabilidades por danos ocasionados à população e ao meio ambiente dos Estados
em que se instalam”.
86 Os conceitos de regulação e autorregulação são expostos no tópico 2.2.1 deste trabalho.
87 Com esteio em Susan Strange, Enrique Ricardo Lewandowski explica que “não obstante a crescente

ingerência do Estado no cotidiano dos cidadãos, o seu poder está em franco declínio, especialmente
porque não consegue mais atuar de forma eficiente em setores básicos como a execução das leis, o
controle da moeda, o combate à violência e a prestação de serviços essenciais, que foram relegados
às forças do mercado, o que faz com que a autoridade pública vá perdendo a legitimidade e deixe de
ser respeitada” (LEWANDOWSKI, 2004, p. 255).
55

Por isso, Ulrich Beck (2008, p. 16) entende que à globalização pode ser
atribuído o significado de politização, vez que o modelo posto em cena permite as
empresas, especialmente as transnacionais, dispor de poder político e social
domesticado conforme a ideologia do capitalismo liberal. Ou seja, o poder dos
Estados passou a ser mitigado pelo poder das empresas transnacionais,
estremecendo a própria legitimidade dos governos.
Afinal, as relações econômicas promovidas pelas transnacionais dificilmente
possuem o mesmo espaço das soberanias, pois abrangem vários países, dando
ensejo à dificuldades quanto a regulação de suas atividades econômicas, mormente,
em países pouco desenvolvidos.
Assim, a par dessas considerações, pode-se afirmar que, em resumo, as
relações de poder no âmbito do mercado globalizado são exercidas pelas
transnacionais, que buscam por segurança jurídica em suas transações sem
observância aos direitos das populações que habitam os países em que se instalam,
de maneira que a criação de regras por um Estado visando proteger seus cidadãos,
ao invés de resolver a questão, pode dar ensejo a sua exclusão do ciclo produtivo
dessas empresas, face o encerramento de suas atividades no território (BENACCHIO,
2018, p. 30).

2.2.1 A Lex Mercatoria como mecanismo de autorregulação das transnacionais

Antes da análise do que consiste a Lex Mercatoria, impende esclarecer as


diferenças entre os termos regulação e autorregulação, uma vez que este instituto
pode ser considerado um instrumento de autorregulação das transnacionais,
conforme será demonstrado adiante.
Na atualidade, o mercado “passa a ser uma instituição jurídica, constituída pelo
Direito posto pelo Estado e reclama que se garanta a liberdade econômica e,
concomitantemente, opere sua regulamentação (ou regulação)” 88(DEZEM; RUIZ;
OLIVEIRA, 2018, p. 327).
O termo regulação89, remonta ao século XIX, a partir do entendimento da
autoridade pública como reguladora, isto é, um agente público que intervém na

88 Salienta-se que há discussão sobre o sentido dos termos “regulação e regulamentação” (e se


realmente são sinônimos), de maneira que existem aqueles que diferenciam os dois.
89 “Todavia, costuma-se utilizar simplesmente o vocábulo ‘regulação’ para conceituar a atividade

intervencionista do Estado, em contraposição à autorregulação”. (DIAS; BECUE, 2012, p. 7364)


56

econômica para proporcionar equilíbrio. Trata-se do gênero do qual são espécies a


heterorregulação, que advém do Estado, e a autorregulação promovida pelos
regulados (DIAS; BECUE, 2012, p. 7364).
Nesse passo, no Estado liberal, negava-se a função regulatória do direito
privado, pois, como mencionado, acreditava-se na “mão invisível do mercado”,
partindo-se do pressuposto de que o mercado não deveria sofrer intervenção do
Estado no domínio econômico. De outra parte, o Estado intervencionista afasta a
autonomia do direito privado ao entender pela sua publicização, a economia, portanto,
deveria ser publicizada.
Já o Estado regulador, utiliza mecanismos do Direito para complementar o
direito público, que foi o modelo vivido no Brasil90 na década de 1990, modelo este
diferente do proposto pelo New Deal91 ou New Social Regulation92 nos Estados
Unidos, ou ainda, do Estado do bem-estar social na Europa (MATTOS, 2017, p. 111-
112).
Não existe um conceito unânime do que é a regulação e, para Hugh Collins
(2005, p. 7), deve-se ter cuidado com relação ao seu significado, pois as agências
reguladoras e Códigos não são os únicos meios de regulação:

The word ‘regulation’ has alredy cropped up several times, and a


caution needs to be expressed at this point regarding its meaning. I
use it as a generic term to describe any system of rules intended to
govern the behaviour of its subjects. Law provides one type of
regulation, but it is only one of many times of social regulation such as
custom, convention, and organized bureaucracies. The term regulation
is often used in a much narrower sense to describe a distinctive set of
techniques used by states to control the operations of markets. In this
narrow sense, regulation concerns the work of specialized agencies
(regulators) vested with the power to control distortions of competition
in the market (market failures), to protect participants in markets, and
to guard against undesirable external effects of markets such as
pollution. I am content to pick up on this resonance of the word
regulation when considering the legal system as a form of regulation,
provided it is understood that we should not presuppose that
specialized regulatory agencies and codes are the sole type of legal

90 Acerca do processo de formação do Estado regulador no Brasil, Paulo Todescan Lessa Mattos
explica: “No caso brasileiro, a formação do Estado regulador nos anos 30 é essencialmente autoritária.
O modelo de organização da economia centralizado no Estado refletiu, na época, um pensamento
autoritário que, ao fazer crítica do pensamento liberal, não rompeu com as relações de poder e
dominação até então vigentes”. (MATTOS, 2017, p. 114-115)
91 Trata-se de um plano de recuperação econômica dos Estados Unidos, criado pelo presidente

Roosevelt após a crise de 1929.


92 Termo popularmente empregado para representar o conjunto de programas regulatórios direcionados

a vários objetivos sociais, como melhoria da saúde, segurança e condições ambientais.


57

mechanism. The private law of contract enforced by the ordinary courts


is equally a form of legal regularion. The interesting questions are
rather whether the different forms of legal regularion pursue similar
objectives such as the prevention of market failure, and which one of
the different legal techniques and agencies proves more successful in
achieving its objectives.93

O entendimento mais comum é que o termo regulação pode ser entendido


como uma intervenção estatal indireta na atividade de agentes públicos ou privados,
para ordená-las ou fiscalizá-las (DIAS; BECUE, 2012, p. 7361). Trata-se, portanto, de
um mecanismo capaz da implementação de políticas governamentais e instrumento
para promoção de direitos, além da conformação da obtenção do lucro com outros
valores que norteiam a atividade empresarial (DEZEM; CALÇAS, 2018).
De outro lado, uma outra visão do tema entende a regulação como um
instrumento para proporcionar equilíbrio e organização de demandas da sociedade,
de maneira que todos os mecanismos sociais e jurídicos ou não, estariam abrangidos
na ideia de regulação, e é justamente aqui que entra ideia da autorregulação94.
De acordo com Odete Medauar (2002, p. 127-128), a autorregulação pode ser
dividida em autorrregulação induzida, dirigida, e autorrregulação sem a atuação do
ente regulador. A autorregulação induzida e controlada pode ser entendida como a
que ocorre em países como a Itália, no qual inclui nas atribuições da regulação o dever
de promoção, entre interessados, da elaboração de códigos de deontologia, para

93 Tradução livre: A palavra "regulação" já surgiu várias vezes e, neste ponto, é preciso ser cauteloso
quanto ao seu significado. Utilizo-a como um termo genérico para descrever qualquer sistema de regras
destinadas a governar o comportamento de seus sujeitos. A lei fornece um tipo de regulamentação,
mas é apenas uma das muitas vezes de regulamentação social, tais como costumes, convenções e
burocracias organizadas. O termo regulação é frequentemente usado num sentido muito mais restrito
para descrever um conjunto distinto de técnicas utilizadas pelos estados para controlar as operações
dos mercados. Neste sentido restrito, a regulamentação diz respeito ao trabalho de agências
especializadas (reguladores) investidas do poder de controlar distorções de concorrência no mercado
(falhas de mercado), de proteger os participantes nos mercados e de se proteger contra efeitos externos
indesejáveis de mercados, como a poluição. Estou contente em escolher esta ressonância da palavra
regulação ao considerar o sistema legal como uma forma de regulação, desde que entenda que não
devemos pressupor que as agências reguladoras especializadas e os códigos sejam o único tipo de
mecanismo legal. O direito privado dos contratos aplicado pelos tribunais ordinários é igualmente uma
forma de regulação legal. As questões interessantes são antes se as diferentes formas de regularização
jurídica perseguem objetivos semelhantes, como a prevenção de falhas de mercado, e qual das
diferentes técnicas e agências jurídicas se mostra mais bem sucedida em alcançar seus objetivos.
94 A ideia de autorregulação não se confunde com a desregulação. Sobre isso, Diogo R. Coutinho

explica que “o processo de liberalização desencadeado nos EUA procurou remover a regulação de
atividades econômicas, considerada uma atividade dispendiosa e capaz de causar uma série de
efeitos indesejáveis. Tratou-se da chamada “desregulação”” (2014, p. 51). Em outra perspectiva,
Linotte, Mestre e Romi (apud Medauar, 2002, p. 124) afirmam que “Deregulation é o conjunto de
medidas que têm por objetivo diminuir o volume e o peso das normas jurídicas... Pode ser quantitativa
e qualitativa... Pode ter objetivos econômicos ou outros... Não significa o fim da regulação... É maneira
de regular de outra forma... ”.
58

auferir a adequação destes à lei. Por sua vez, na autorregulação dirigida, há uma troca
entre grupos privados e o Estado que aceitam a limitação de sua atuação sob algumas
condições95. Enfim, a autorregulação sem intervenção de agente regulador ocorre nos
casos de códigos de conduta, regulamentos internos de empresas, selos de
qualidade, entre outros.
A regulação é um instituto amplo, que pode abranger o controle de preços,
qualidade, acesso e transparência no mercado e, nesse cenário, referente a teoria da
regulação, Calixto Salomão Filho (2008, p. 20) destaca as benesses que este instituto
pode trazer para a sociedade quando bem aplicado, ao afirmar que a teoria da
regulação se aplicada de forma correta, pode contribuir para que o Estado, ao deixar
de intervir diretamente na economia, passe a organizar as relações sociais e
econômicas, visando o atendimento de fins que não se encerram na obtenção de
lucro.
Ainda, compete mencionar que, Calixto Salomão Filho (2008, p.103), alerta
para o fato de que a regulação não pressupõe complexas teorias econômicas, pois,
teorias simples baseadas em “valores e comportamentos éticos claramente
identificáveis, têm muito maior probabilidade de levar a um ambiente de cooperação
entre regulador e regulado”.
Desse modo, a regulação é um dos grandes pontos de atenção da sociedade
na atualidade, como meio para o seu direcionamento e de organização da atividade
empresarial.
Feitas tais considerações, parte-se para análise da Lex Mercatoria96 (lei dos
mercadores), que nasceu nos séculos XI e XII, a partir das necessidades dos
comerciantes europeus e navegadores da época que desejavam ampliar seus
mercados e ter a sua disposição uma ordem jurídica que atendesse aos seus anseios
em qualquer local que viessem a exercer suas atividades97.

95 Sobre as condições, Odete Medauar (2002, p. 128) destaca que são as seguintes: “a) garantia de não
haver imposição de regulação autoritária; b) o poder público lhes conferir o poder de fixar normas para si
próprios. Ex: bancos na Suíça (cf. Moran, Le droit neo modeme des politiques publiques, L.G.D.J.,
1999. p. 140)”.
96 Concorde Boaventura de Sousa Santos (1995, p. 288): “Understood as a set of customary principles

and rules which are widely and uniformly recognized and applied in international transactions, lex
mercatoria or law merchant is probably the oldest form of transnationalaization of the legal field".
97 Quanto ao momento histórico de criação de um direito próprio dos comerciantes, Fábio Konder

Comparato (2014, p. 77) ensina que “a nova classe burguesa, como é bem de ver, não podia
desenvolver suas atividades profissionais dentro dos padrões jurídicos próprios da sociedade
estamental da Idade Média. A vida econômica medieval girava toda em torno da terra. O feudo agrário
definia, de certo modo, o status jurídico, tanto do senhor feudal quanto do camponês. Aquele recebia
59

José Eduardo Faria (1999, p. 160-161) enfatiza que a Lex Mercatoria apareceu:

[...] muito tempo antes do advento do Estado moderno, esse “Law


Merchant” lida com um grupo particular de pessoas (os mercadores)
em locais específicos (feiras, mercados, portos etc.); é totalmente
distinto dos direitos locais, feudais, reais e eclesiásticos; tem um
caráter auto-regulador em escala transnacional; é administrado não
por juízes profissionais, mas pelos próprios comerciantes, utilizando
como critério básico o princípio da equidade (no sentido medieval de
fairness); e se destaca pela vinculação e segurança propiciada aos
contratos, pela diversidade de procedimentos para o estabelecimento,
a transmissão e o recebimento dos créditos e pela rapidez e
informalidade da adjudicação.

A Lex Mercatoria é, portanto, um conjunto de normas e princípios baseados em


costumes, e conhecidos no âmbito empresarial, aplicável às transações comerciais
internacionais, não se subordinando a interferências de governos, pois atua como um
meio de autorregulação, que a partir do Estado moderno incorporou o “direito dos
mercadores” e influenciou normas dos Estados e do Direito Internacional Privado98
(FARIA, 1999, p. 160-161).
O crescente avanço tecnológico e a quebra de barreiras outrora existentes
entre Estados após a Segunda Guerra Mundial, trouxeram a necessidade de
mecanismos rápidos e que atendessem aos interesses das empresas transnacionais,
o que deu ensejo ao reaparecimento da Lex Mercatoria99.

do feudo o seu título de nobreza, enquanto este tinha sua vida vinculada permanentemente à gleba de
terra; ou seja, segundo a expressão consagrada, era servo da gleba. O surgimento da burguesia como
classe urbana autônoma, livre dos vínculos de vassalagem e clientela, passou a exigir a construção de
um novo direito para a regulação, não só de seu status pessoal e familiar, mas também de sua atividade
econômica própria, que dizia respeito, fundamentalmente, ao trato de bens móveis. Ora estes, desde
o direito romano, eram tradicionalmente considerados de pouca valia (res mobilis, res vilis), e somente
adquiriram importância com o renascimento do comércio na Baixa Idade Média. O sistema jurídico
feudal, todo fundado na relação pessoal com a terra, apresentava-se como uma organização de direitos
reais fracionados ou superpostos, a começar pela distinção entre o direito eminente do senhor feudal
e o direito útil do vassalo sobre o fundo feudal. Para regular o comércio de bens móveis, os legistas
burgueses lograram reintroduzir a relação de dominium, ou seja, a propriedade privada do direito
romano, compreendendo usus, fructus e abusus; isto é, os direitos de usar fruir e dispor com
exclusividade da coisa própria. Além disso, nos negócios mercantis, o novo direito dos mercadores (ius
mercatorum) desenvolveu-se em torno de contratos consensuais, despidos de toda solenidade;
contratos esses que, por isso mesmo, podiam ser concluídos rapidamente e em grande número. No
direito feudal, bem ao contrário, os contratos eram sempre solenes, celebrados perante o notário e,
muita vez, perante a autoridade eclesiástica. Daí a importância excepcional que assumiu desde logo
no mundo burguês a palavra dos contratantes, como garantia absoluta de cumprimento do negócio”.
98 Boaventura de Sousa Santos (1995, p. 289) enfatiza que “the expansion of transnational practices

and the need to protect them legally led the states to develop a private international law. Since this was
a national state law, and could therefore conflict with the private international law of other states, efforts
were made to harmonize these bodies of laws through the creation of international uniform laws”.
99 Referente ao reaparecimento da Lex Mercatoria, Boaventura de Sousa Santos (1995, p. 289-290)

explica que este se deu a partir de problemas concretos: “How to guarantee, for example, an equal
60

Nesse cenário, as ETNs não possuem interesse em exercer suas atividades


empresariais subordinadas às normas estatais, pois objetivam um regramento próprio
por meio da celebração de contratos com o fim de constituir uma Lex Mercatoria que
atenda aos seus anseios (JORGE; BENACCHIO, 2020, p. 76). Dessa maneira, face o
fortalecimento das transnacionais, ocasionado pelo fenômeno da globalização, que
lhes permite avançar políticas tradicionais e barreiras legais nacionais, as empresas
se aproveitaram para acordar obrigações baseadas, essencialmente, em práticas de
comércio internacional e princípios gerais do direito, sem observar os regimes
jurídicos nacionais dos Estados em que se estabeleciam, ou seja, ao abandono de
qualquer regulação estatal, formando a nova Lex Mercatoria.
Como explicam Zubizarreta, González e Ramiro:

La historia de la globalización es la historia de una asimetría normativa


que se articula en torno a una idea básica: proteger a toda costa
los negocios de las multinacionales mediante un ordenamiento
jurídico internacional fundamentado en las reglas de comercio e
inversión. Se trata de una nueva lex mercatoria compuesta
efectivamente por miles de normas: contratos de explotación y
comercialización, tratados comerciales bilaterales y regionales,
acuerdos de protección de las inversiones, políticas de ajuste y
préstamos condicionados, laudos arbitrales, etc. Un Derecho duro —
normativo, coercitivo, sancionador— que tutela con fuerza los
intereses empresariales. Y que, al mismo tiempo que garantiza sus
derechos por todo el globo, reenvía sus obligaciones a las
legislaciones nacionales, previamente sometidas a la ortodoxia
neoliberal. 100(ZUBIZARRETA; GONZÁLEZ; RAMIRO, 2019, p. 42)

footing between the parties? What to do if the chosen national law had been changed overnight to the
disadvantage of one of the parties? Given these difficulties set of normative principles and rules,
expressed in such formulas as “general common principles,” “principles of equity,” “principles of good
Faith and good will,” “principles of international law,” “international trade usages,” and so on. Because
of normative references aimed at circumventing submission to national laws and to the traditional conflict
of laws, transnational contracts were deemed to be self-regulatory, subjected only to their own
provisions: contracts sans loi, contratti senza legge, rechtsordnunglose Verträge. In fact, a new
supranational legal order was emerging. It was the new lex mercatoria, which was to expand enormously
in the period of disorganized capitalism, by reason of the sheer intensification of transnational
transactions and in the wake of a new worldwide regime of accumulation in search of adequate
institutional structures. The new lex mercatoria is comprised of several elements, including general
principles of law recognized by commercial nations, rules of internacional organizations, customs and
usages, standard form contracts, and reports of arbitral awards”.
100 Tradução livre: A história da globalização é a história de uma assimetria normativa que se articula

em torno de uma ideia básica: proteger os negócios das multinacionais a todo custo através de uma
ordem jurídica internacional baseada em regras comerciais e de investimento. Trata-se de uma nova
lex mercatoria composta de milhares de regras: contratos de operação e comercialização, tratados
comerciais bilaterais e regionais, acordos de proteção de investimentos, políticas de ajuste e
empréstimos condicionais, sentenças arbitrais, etc. Uma lei dura - normativa, coercitiva, punitiva - que
protege fortemente os interesses comerciais. E que, ao mesmo tempo em que garantem seus direitos
em todo o mundo, remetem suas obrigações às legislações nacionais, anteriormente sujeitas à
ortodoxia neoliberal.
61

A atuação transnacional, de modo a orientar o mercado conforme seu


interesse, faz com que, hodiernamente, a Lex Mercatoria possa ser compreendida
como uma espécie de mecanismo de autorregulação utilizado pelas transnacionais101,
pois “a Lex Mercatoria impõe-se como um direito comum que rege os mercados sob
a égide de uma racionalidade calculadora” (PINHEIRO, 2009, p. 47102).
Esse mecanismo resguarda os contratos e investimentos empresariais das
transnacionais a partir de normas, convênios e tratados, de maneira que se apresenta
como “um novo direito corporativo global pelo qual as empresas transnacionais
garantem seus direitos sem a existência de um sistema de contrapesos com aptidão
à proteção dos impactos econômicos, sociais, laborais e ambientais ocasionados”
(JORGE; BENACCHIO, 2020, p. 76-77).
A nova Lex Mercatoria é representada por 78 princípios do Instituto
Internacional para a Unificação do Direito Privado (UNIDROIT), conhecidos como
Princípios Unidroit Relativos aos Contratos Comerciais Internacionais (NALIN, 2016).
Esses princípios tratam-se de regras gerais de natureza transnacional, com a
finalidade de estabelecer normas oriundas da referida organização
intergovernamental independente para harmonizar o direito comercial dos Estados,
podendo ser aplicadas, segundo seu preâmbulo, quando as partes tenham acordado
que o seu contrato será regulado por princípios gerais de direito, pela Lex mercatoria,
ou similares, entre outras situações103.

101 Além de um mecanismo de autorregulação, a Lex Mercatoria também pode ser entendida como
forma de maximização de negócios e riquezas de um determinado grupo ou classe social, como explica
Eros Grau (2008, p. 65): “O ius mercatorum – observa Francesco Galgano (1980/ 39 e ss.) –, antes de
referir uma parte do direito, é expressão que significa um modo particular de usar o direito: chama-se
ius mercatorum porque é criado pela classe mercantil e não porque regule a atividade dos mercadores.
Essa criação responde à necessidade de substituir-se o direito romano, voltado à conservação, por um
novo direito, que propiciasse a acumulação de riqueza, ao mesmo tempo permitindo que a
estabilidade das relações jurídicas, que aquele preservava, fosse transformada em mutabilidade. A
busca da acumulação de riqueza, de outra parte, conduziu ao surgimento do princípio da liberdade das
formas jurídicas, em oposição ao rigorismo formal do direito romano. Esse novo direito é, assim,
expressão da prevalência das razões do comércio sobre as razões da propriedade”.
102 Enfatiza Rosalice Fidalgo Pinheiro (2009, p. 47) que a Lex Mercatoria promove o “enfraquecimento

das fontes normativas estatais em favor de fontes não estatais, que escapam aos mecanismos de
legitimação democrática. Outrossim, assiste-se à debilidade do papel do Estado, no sentido de dirigir a
economia e efetivar os direitos sociais”.
103 Unidroit Principles Of International Commercial Contracts 2016: “PREAMBLE (Purpose of the

Principles): These Principles set forth general rules for international commercial contracts.Th ey shall
be pplied when the parties have agreed that their contract be governed by them. They may be applied
when the parties have agreed that their contract be governed by general principles of law, the lex
mercatoria or the like. They may be applied when the parties have not chosen any law to govern their
contract. They may be used to interpret or supplement international uniform law instruments. They may
62

Assim, as atividades empresariais das transnacionais, são reguladas por


variadas normas que não se originam apenas do Estado, mas, igualmente, por outros
atores sociais e pela Lex Mercatoria a partir de normas, convênios e tratados, de
maneira que, consoante Paulo Nalin (2016), o Direito originado por um Estado
autônomo e soberano não penetra nesse cenário de interesses transnacionais, pois
vigora um direito paralelo, global, fragmentado e não oficial, que interfere na vida
social e explica, de certo modo, a pós-modernidade e o espírito fragmentado, relativo
e incompleto do homem, reflexo de um Estado com as mesmas características.
Enfim, é justamente nesse ponto que, para o presente trabalho, funda-se a
necessidade de compreensão da Lex Mercatoria como meio de autorregulação, uma
vez que as atividades das transnacionais são regidas por contratos, os quais são
resguardados pela referida lei dos mercadores e, nada obstante, torna
manifestamente frágil o Direito Internacional dos Direitos Humanos (ZUBIZARRETA;
GONZÁLEZ; RAMIRO, 2019, p. 42).

2.3 A NECESSIDADE DE CONFORMAÇÃO DOS INTERESSES DAS


TRANSNACIONAIS COM OS DIREITOS HUMANOS

Atualmente, o desenvolvimento e a atenção às necessidades humanas estão


intimamente ligados e dependentes do mercado, com regular funcionamento e
equilíbrio na distribuição de riquezas (BENACCHIO, 2011b).
Nesse contexto, o poder das empresas transnacionais prejudica a regulação
de suas atividades por parte dos Estados, e a busca por lucro e poder econômico,
pregados pelo neoliberalismo, impacta no desenvolvimento e na concretização de
direitos humanos, especialmente, em regiões menos desenvolvidas.
Por isso, os direitos humanos se apresentam como um mecanismo de
ordenação da atividade econômica, regulação empresarial e promoção da dignidade
humana. Isso é, faz-se necessário repensar o mercado pela lógica dos direitos
humanos, de forma coerente e compatível com as novas exigências da sociedade, de
modo a incluir os atores não estatais cujas ações, poder e influência impactem na

be used to interpret or supplement domestic law. They may serve as a model for national and
international legislators”.
63

concretização de tais direitos, exatamente como pressupõe a teoria do Capitalismo


Humanista104.
O Capitalismo Humanista depreende o equilíbrio entre os valores do mercado
capitalista e os direitos humanos. Trata-se da manifestação da dimensão econômica
dos direitos humanos, como explicam Ricardo Sayeg e Wagner Balera (2019, p. 29):

É que: o Capitalismo surge em razão do liberalismo econômico,


notadamente no direito de propriedade privada, justificados
filosoficamente em Locke, que, por sua vez, estão catalogados entre
os Direitos Humanos da liberdade, conhecidos como de primeira
geração ou liberdades negativas. Porém, ainda sob o ponto de vista
da ordem econômica, se opõe ao excludente liberalismo econômico,
o ideal inclusivo de democracia política, justificado filosoficamente em
Rousseau, que, de seu lado, se sustenta nos Direitos Humanos da
igualdade, conhecidos como segunda geração ou liberdades
positivas. Ocorre que, os Direitos Humanos são indissociáveis e
interdependentes, e se reforçam mutuamente, impondo, em nome da
fraternidade, que corresponde à terceira geração, a conciliação e
aliança com o fim da consecução do bem comum, entre os liberais e
os democratas. Destarte, sob a perspectiva dos Direitos Humanos da
liberdade, são os próprios Direitos Humanos, multidimensionalmente
considerados em singularidade quântica, o fio condutor do Capitalismo
rumo ao devir, desenvolvimento e expansão. O Capitalismo reforça e
concretiza os Direitos Humanos, sob a perspectiva da insociabilidade
e interdependência.

Acontece que, mesmo na sociedade capitalista, a fraternidade deve ser


observada como um meio de consolidação e solução da contradição entre a liberdade
e a igualdade econômica (SAYEG; BALERA, 2011).
Para o Capitalismo Humanista, a regência jurídica da economia e do mercado
necessitam ter observância ao marco teórico que são os direitos humanos, fundados
na fraternidade, cuja linha filosófica do seu estudo é exposta pelos autores:

Essa linha se estabelece antropologicamente a partir do amor de


Jesus Cristo, que nos uniu e, sendo caminho, nos leva ao encontro de
Deus. A máxima de Jesus Cristo – todos somos irmãos- consubstancia
a todos em comunidade existencial. É da cultura cristã aceitar, como
premissa quanto ao modo de ver o mundo, a afirmação de bento XVI
de que “o amor a Deus e o amor ao próximo estão agora
verdadeiramente juntos”. O Papa Francisco sustenta que o Planeta
compõe o sentimento de família, pois, conforme cantava Francisco de
Assis, “a nossa casa comum se pode comparar ora a uma irmã, com

104O capitalismo humanista já é uma realidade. No município de São Paulo (SP), foi sancionada a Lei
municipal nº 17.481 de 30 de setembro de 2020, que institui a Declaração de Direitos de Liberdade
Econômica, e que estabeleceu o princípio do capitalismo humanista como um os seus norteadores, em
seus artigos 11 e 12.
64

quem partilhamos a existência, ora a uma boa mãe, que nos acolhe
nos seus braços.” Sobre tais fundamentos filosóficos cristãos se
estrutura a cientificidade do estudo aqui apresentado, revelador da
fraternidade, enquanto categoria jurídica; da qual emergem os Direitos
Humanos e seu caráter deontológico, que conduz, em
consubstancialidade, com liberdade e igualdade para a democracia e
a paz. (SAYEG; BALERA, 2019, p. 87)

Dessa maneira, com tais fundamentos, o Capitalismo Humanista é um regime


jus-econômico que consiste no aperfeiçoamento do Capitalismo Liberal, ou seja, com
o fito de atingir um Capitalismo includente e com atenção aos Direitos Humanos,
firmados na dimensão econômica destes direitos, que afirmam o direito à propriedade
privada e à liberdade econômica, com capacidade para que todos possam subsistir
de forma digna, a fim de ultrapassar o entendimento quanto a incompatibilidade entre
direitos humanos e capitalismo105 (SAYEG; BALERA, 2019, p. 29-30).
A economia de mercado deve ser exercida com atenção à promoção e
concretização dos direitos humanos em todas as suas dimensões, pautada nos ideais
da liberdade, igualdade e fraternidade, ou seja, a concretização de um modelo de
capitalismo orientado e regido pelos direitos humanos, para o fim de realização da
dignidade humana em equilíbrio com as atividades econômicas. Isso porque, o novo
paradigma dos direitos humanos no século XXI é a pessoa humana na posição central,
por meio do respeito, da promoção de seus direitos e prevenção a quaisquer formas
de sofrimento, com a cooperação dos Estados e de entes privados, não se restringindo
aos limites territoriais, pois se trata de um problema global, com fundamento no ideal
da solidariedade que marca a cooperação interna-internacional (FACHIN; BOLZANI,
2018, p. 209).
A agenda dos direitos humanos possui, então, como desafio alinhar os
impactos gerados pela globalização econômica, bem como, seus novos atores, com
especial atenção as empresas transnacionais, quanto a sua responsabilidade com a
proteção dos direitos humanos. Nesse sentido, entende José Renato Nalini (2009, p.
281):

105 Os autores pontuam que “há que se considerar o capitalismo sob o prisma jurídico dos direitos
humanos. Ele se funda nas liberdades naturais individuais inatas do homem – em especial no direito
subjetivo natural de propriedade-, que, por sua vez, correspondem às liberdades negativas –
justamente as entendidas na atualidade como os direitos humanos de primeira dimensão. Em razão
disso, o capitalismo se sujeita ao adensamento multidimensional dos direitos humanos” (SAYEG:
BALERA, 2011, s.p.).
65

Numa análise macroeconômica, fácil concluir que os grandes


conglomerados empresariais do planeta são muito mais poderosos do
que os governos. Se eles se convencessem de sua responsabilidade
social, a corrupção estatal, a ineficiência e despreparo dos transitórios
detentores do poder político seriam relativizados. [...] Não se espera
que as grandes corporações assumam o papel do Estado e
mergulhem no resgate das mazelas dos povos subdesenvolvidos.
Apenas se alimenta a expectativa de que elas cheguem- por si
mesmas - à constatação de que melhorar a pobreza é ampliar os
mercados.

Disso decorre a necessidade de conformação do Capitalismo com as


necessidades da humanidade e do planeta, por meio da formulação de uma teoria jus-
humanista de ordenação da economia e do mercado que estruture o direito, de forma
consagrar o Planeta Humanista de Direito. Assim, mesmo com o caráter individualista
do mercado, efetivar-se-á os direitos humanos visando a satisfação da dignidade da
pessoa humana e do planeta (SAYEG; BALERA, 2019, p. 30-31).
Somente alinhando os valores do mercado com o respeito e a concretização
dos direitos humanos é que se estará ao alcance da proteção e da materialização da
dignidade humana em todo globo, o que é urgente na atualidade.
Não por acaso Fábio Konder Comparato (2014, p. 301) já afirmou que na
civilização humanista do futuro, a sociedade não vai se separar na busca por
concretizar seus próprios interesses, pois “formarão, em conjunto, aquela “sociedade
comum do gênero humano”, anunciada por Cícero há mais de vinte séculos”.
Assim, os direitos humanos são o caminho normativo para orientação das
atividades das empresas transnacionais, ou melhor, do mercado global, a fim de
promover estes direitos e evitar suas potenciais violações, construindo-se uma
sociedade, de fato, humanista.

2.3.1 Violações de direitos humanos por grandes corporações

Até o início do século XX, com a expansão industrial, não existia noção dos
danos que as empresas poderiam causar aos países em que exerciam suas
atividades, pois os Estados se preocupavam apenas com os aspectos econômicos
das empresas, sob a concepção de que a responsabilidade delas se limitava apenas
a maximização dos lucros e busca pelos interesses dos seus acionistas e investidores
(CARDIA; FERREIRA, 2018, p. 187-188).
66

Ocorreu que, na década de 1990, conhecida como “época de ouro” da


globalização corporativa, diversas companhias surgiram com vários núcleos de
atividade econômica transnacional, com atuação em tempo real e visão estratégica
unívoca, gerando oportunidades e riquezas para as empresas, pessoas e países que
se aproveitaram do momento, segundo John Ruggie (2014, p. 17-18), contudo,
gerando danos a outras partes:

Surgiram muitas evidências de trabalho em condições desumanas e


até mesmo de trabalho forçado em fábricas que prestavam serviços a
famosas marcas internacionais; comunidades nativas foram
deslocadas sem consulta ou tiveram indenização inadequada para dar
lugar a empresas de petróleo e gás; crianças de 7 anos de idade foram
encontradas trabalhando arduamente em plantações de propriedade
de empresas de alimentos e bebidas; forças de segurança que
cuidavam de operações de mineração foram acusadas de atirar em
invasores e manifestantes, e há relatos de estupros e assassinatos;
provedores de serviços de internet e empresas da área de tecnologia
da informação entregaram informações de usuários a agências de
governo que espionavam dissidentes políticos com o objetivo de
prendê-los e, dessa forma, ajudaram os governos na prática da
censura. (RUGGIE, 2014, p. 17-18)

Ao se transportar para países menos desenvolvidos, com sistemas protetivos


dos direitos humanos mais fracos, por questões econômicas e pela necessidade de
que os governos locais se sujeitem as suas exigências para geração de empregos e
impostos, por diversas vezes, as empresas transnacionais acabam por incorrer em
violações aos direitos humanos.
Foi somente a partir do cenário narrado acima por Ruggie, que as ações para
estabelecer regras e princípios quanto às empresas e os direitos humanos se
intensificaram no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU), ensejando a
criação dos Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos da ONU,
conforme será destacado adiante.
Contudo, até a criação dos citados princípios, diversos casos emblemáticos de
violações aos direitos humanos foram divulgados pela mídia.
Dentre os casos que receberam maior destaque, tem-se o envolvimento da
empresa Nike, do ramo de calçados, roupas e acessórios, que passou a terceirizar
por completo a sua produção na década de 1970, com prestadores de serviços em
países asiáticos. Foi na Indonésia, no início dos anos 1990, que ativistas de direitos
humanos norte-americanos, em parceria com instituições locais, começaram a
entrevistar funcionários e descobriram que estes eram submetidos a condições de
67

trabalho inadequadas, baixos salários (US$ 0,19 por hora), proibição de sair dos
alojamentos (eram permitidos apenas aos domingos com uma carta de autorização
da gerência local) trabalho infantil e, ainda, no Vietnã, os funcionários utilizavam uma
espécie de cola com produto químico que possuía capacidade para causar doenças
respiratórias (RUGGIE, 2014, p. 58). A empresa ficou envolvida em publicidade
negativa durante toda a década de 1990, e foi objeto de diversos protestos106.
Outro caso com amplo destaque foi da empresa do ramo de exploração de
petróleo chamada Unocal, a qual se situava no Estado da Califórnia, nos Estados
Unidos. Esta empresa realizou a construção de gasodutos no Myanmar107 e, para
auxílio na realização da obra e segurança das instalações e equipamentos, contratou
uma junta militar que, para limpar a área de instalação do gasoduto, utilizou-se de
práticas como estupros, tortura e assassinatos (PAMPLONA, 2018, p. 175-176).
Alguns habitantes de uma vila na qual se instalou um gasoduto, em razão das
violações aos direitos humanos perpetradas no local, propuseram uma ação em face
da empresa no seu Estado de origem, sendo ela condenada na corte estadual, o que
ensejou um acordo entre as partes em 2005, com pagamento no valor de sessenta
milhões de dólares (PAMPLONA, 2018, p. 176).
Além desses, um dos casos mais conhecidos de violações de direitos humanos
por empresas ocorreu na Nigéria, na região conhecida como Ogoniland, pela empresa
Shell Petroleum Development Company, que iniciou suas operações no país ao final
dos anos 1950, e sempre atuou em conjunto com o governo contra a oposição popular
às suas instalações, face os danos ambientais causados no local (RUGGIE, 2014, p.
63-65).
Ocorreu que a empresa utilizou as forças militares do país em seu proveito para
proteção de suas instalações, as quais se valeram de meios que violavam direitos
humanos da população local como o uso da força, tortura, assassinatos, e detenções
arbritrárias, para manter a propriedade da empresa e conter o crescimento do
“Movimento para Sobrevivência do Povo Ogon”, no início da década de 1990
(PAMPLONA, 2018, p. 174).

106 Segundo John Ruggie (2014, p. 60) “muito já foi aprendido sobre como administrar os desafios
relacionados a direitos humanos nas cadeias de fornecedores, e a Nike foi pioneira nesse processo.
Mas as questões essenciais sobre quem é responsável pelo quê, qual o tamanho dessas
responsabilidades e quais são as reações mais eficientes permanecem sem resposta no que diz
respeito a políticas e leis”.
107 País situado no continente asiático, cuja capital é Naipidau, e que faz fronteira com a Índia,

Bangladesh, China, Laos e Tailândia.


68

A Shell suspendeu suas atividades na região em 1993, e o governo local iniciou


ofensiva na qual, até 1995, aldeias foram queimadas, ao menos 2 mil pessoas foram
mortas e mulheres eram vítimas de violência sexual, entretanto, a empresa negou
qualquer combinação com o governo da época, apesar de ter confessado ter auxiliado
os militares ao menos uma vez. Durante estes conflitos, quatro líderes Ogoni foram
assassinados por uma multidão em 1994, e quinze pessoas, incluindo Saro-Wika, que
era um dos líderes do supracitado movimento, escritor e ativista, e não estava no local
dos fatos108, foram presas e acusadas pelas morte, e nove foram considerados
culpados e condenados à forca, inclusive Saro-Wika (RUGGIE, 2014, p. 67-68).
Tal como no caso envolvendo a Unocal, o caso Wika v. Shell foi levado a
julgamento nos Estados Unidos, e em 2009 a Shell e os autores da ação fecharam
um acordo de US$ 15,5 milhões (RUGGIE, 2014, p. 68).
Estes casos demonstram que, ao contrário do que se pensava outrora, não
apenas os Estados violam direitos humanos, e isso leva a necessidade de tratar com
maior atenção o papel das ETNs com a proteção destes direitos. Afinal, é nítido que
existe um choque entre a lógica de mercado, e a lógica dos direitos humanos.
Foram casos assim que deram ensejo à preocupação de organizações
internacionais para o tratamento da relação entre as empresas e os direitos humanos,
estimulando a criação de orientações e princípios na tentativa de guiar essa relação,
conforme será exposto adiante.

2.4 ORIENTAÇÕES DA ONU QUANTO AS EMPRESAS E OS DIREITOS HUMANOS

Há mais de quarenta anos a regulação internacional das empresas,


especialmente, das multinacionais e transnacionais, é objeto de discussão perante a
ONU, assim como em outros foros internacionais, em razão do impacto de suas
atividades no meio ambiente, corrupção e nos direitos humanos109 (CARRASCO, p.
21-22).
Em que pese a sociedade ter dado maior atenção à temática empresas e
direitos humanos a partir da década de 1990, a primeira tentativa de tratar da atuação

108Apesar de não estar presente no local dos fatos, Saro-Wika foi acusado de incitar a multidão.
109Carmen Márquez Carrasco (2017, p. 22) pondera que “los debates acerca de qué tipo de medidas
tomar para evitar y remediar esos abusos se han ido desarrollando a lo largo del tempo em forma de
bucle del que resulta difícil salir com soluciones efectivas, marcado por la dialéctiva entre las medidas
voluntarias y las obligaciones para las empresas”.
69

das transnacionais no âmbito da ONU ocorreu em 1973, em um cenário histórico no


qual as antigas colônias europeias, ao se tornarem independentes, buscavam foros
multilaterais para correção dos desequilíbrios de poder mundiais, pelo que o Conselho
Econômico e Social (ECOSOC) constituiu um “Grupo de Pessoas Eminentes” a fim
de que este pudesse apreciar os impactos das empresas transnacionais no processo
de desenvolvimento (BENEDETTI, 2018, p. 20).
Após análise, o grupo efetuou recomendação para que fosse criada, em 1974,
uma Comissão das Nações Unidas sobre Corporações Transnacionais, em inglês
United Nations Centre on Transnational Corporations (UNCTC), a qual teve suas
atividades iniciadas em 1975110, para discussão da temática envolvendo as empresas
transnacionais e que, anos após, em 1977, criou um Grupo de Trabalho
Intergovernamental visando elaborar um código de conduta111 para empresas
transnacionais em 1984, mas, ante as críticas ao texto e à ideia, as atividades foram
abandonadas em 1993, e o tema apenas tornou-se pauta da ONU ao final dos anos
1990 (BENEDETTI, 2018, p. 20-22).
Em 1999, durante o Fórum Econômico Mundial de Davos, o então Secretário-
geral da ONU, Kofi Annan, apresentou o lançamento do Pacto Global112. O Pacto tinha
objetivo estabelecer estratégias junto às empresas para que estas adotassem,
voluntariamente, aos dez princípios universais relacionados a direitos humanos,

110 Quanto momento no qual a “Comissão das Nações Unidas sobre Corporações Transnacionais” foi
criada, Karl P. Sauvant (2015, p. 13) explica que a “UNCTC became operational on 1 November 1975
on the basis of a resolution of the United Nations Economic and Social Council, adopted in 1974.1 It
was a time when the international community had just ‘discovered’ how important TNCs (fijirms that
control productive assets abroad) had become through their foreign direct investment (FDI). The trigger
was ITT’s interference in Chile’s domestic policy, which eventually contributed to the overthrow of
President Salvador Allende and politicized the issue further. President Allende drew attention to this
interference in a speech in the General Assembly of the United Nations in 1972 and galvanized the
international community to take action to address, and check, the ‘economic power, political influence
and corrupting action’ of TNCs. But the issue was broader: TNCs were seen as having a substantial
impact on individual national economies and international economic relations, and there was
widespread suspicion that – given the global profijit maximizing strategies of TNCs versus the national
development objectives of governments – this impact was negative in terms of the distribution of
benefijits and the ability of indigenous fijirms to grow and prosper. Around the same time, most
developing countries had emerged from colonialism, consolidated their independence, had become
members of the United Nations, and began to assert themselves in international fora”.
111 Acerca do Código de Conduta, Karl P. Sauvant (2015, p. 11) resume: “Many of the issues that are

today part of the discussions surrounding international investment agreements were fijirst dealt with
when governments sought to negotiate a United Nations Code of Conduct on Transnational
Corporations (and various related instruments) almost 40 years ago. The Code was meant to
establish a multilateral framework to defijine, in a balanced manner, the rights and responsibilities of
transnational corporations and host country governments in their relations with each other”.
112 O Pacto Global é, atualmente, uma das maiores iniciativas de sustentabilidade do mundo, aderido

por mais de 12.000 empresas, em mais de 160 países.


70

trabalho, inclusão, meio ambiente e anticorrupção, para orientar as atividades das


empresas.
A adoção ao Pacto dá ensejo ao dever das empresas de informar,
periodicamente, acerca dos passos e andamento da implementação dos princípios,
entretanto, ante o caráter voluntário do documento, na hipótese de descumprimento
de seus preceitos por parte da empresa que o aderiu, nenhuma sanção ser-lhe-á
imputada.
Ante o caráter voluntário do Pacto, este tornou-se alvo de críticas por possuir
eficácia reduzida:

Como pressupõem a adesão espontânea das empresas, tais códigos


abordam a observância a direitos humanos como uma escolha, que
se pode livremente fazer ou não, deixando a descoberto ampla gama
de empresas que não têm interesse em rever suas práticas. Além
disso, padecem de grave déficit de exigibilidade (“enforcement”) e
supervisão: como não há órgãos responsáveis pelo monitoramento
dos compromissos assumidos, com competência para induzir seu
cumprimento, esses documentos acabam assumindo o caráter de
meras aspirações ou tornam-se apenas ferramentas de estratégias
corporativas de “marketing”, empregadas para transmitir uma imagem
pública positiva. (BENEDETTI, 2018, p. 23-24)

A eficácia reduzida e a voluntariedade fizeram com que a Subcomissão da ONU


sobre a Promoção e Proteção dos Direitos Humanos se debruçassem sobre a questão
das transnacionais e os direitos humanos no ano de 2002. Começou-se, então, a
elaboração de um documento intitulado “Normas de Responsabilidades de
Corporações Transnacionais e Outras Empresas em Relação aos Direitos Humanos”,
mais conhecido como “Normas”, o qual foi aprovado pela Subcomissão da ONU, e
submetido perante Comissão de Direitos Humanos113 para aprovação.
As Normas foram apresentadas em 2003 para a referida Comissão, com a ideia
de impor às empresas os mesmos deveres, relativos aos direitos humanos, que os
Estados aceitaram em tratados por eles ratificados. Por isso, ativistas eram a favor
das Normas, vez que estas impunham obrigações às empresas, entretanto, de outro
lado, as empresas não eram favoráveis por acreditarem que elas iriam transferir-lhes
responsabilidades pertences ao Estado (RUGGIE, 2014, p. 19-20).
A Comissão determinou que o projeto das Normas não tivesse seguimento e,
ainda, afirmou que este carecia de valor jurídico (CARRASCO, 2017, p. 26). Contudo,

113 Órgão intergovernamental que, posteriormente, tornou-se o Conselho de Direitos Humanos.


71

apesar da não implementação das Normas, grupos ativistas e governos de diversas


partes do mundo entendiam pela necessidade de maior atenção a temática empresas
e direitos humanos, inclusive, as próprias empresas passaram a perceber que era
preciso maior clareza quanto as suas responsabilidades com os direitos humanos.
Por isso, a Comissão nomeou um especialista, por mandato especial, para ser
o representante especial sobre direitos humanos e empresas transnacionais,
nomeado pelo Secretário-geral da ONU, Kofi Annan. O mandato teria duração de dois
anos e o representante deveria deter conhecimento acerca do tema empresas e
direitos humanos, e ser uma pessoa neutra, isto é, não poderia ser parte interessada
de nenhum dos grupos que o assunto abarcava – empresas, governos e sociedade
civil- haja vista que deveria ser capaz de dialogar com todos eles.
Em 2005, o representante escolhido foi John Gerard Ruggie114 por possuir as
competências exigidas pela Comissão, com a incumbência de apresentar um relatório
por ano acerca do seu trabalho, realizar consultas para elaboração dos relatórios e,
por fim, emitir orientação sobre as próximas etapas.
O mandato de Ruggie resultou na proposta ao Conselho115 de Direitos
Humanos da ONU do marco composto por três pilares: “proteger, respeitar e
remediar”. Os pilares são descritos por Ruggie (2014, p. 23) como:

1. o dever do Estado de proteger contra abusos cometidos contra os


direitos humanos por terceiros, incluindo empresas, por meio de
políticas, regulamentação e julgamento apropriados;
2. a responsabilidade independente das empresas de respeitar os
direitos humanos, o que significa realizar processos de auditoria (due
diligence) para evitar a violação dos direitos de outros e abordar os
impactos negativos com os quais as empresas estão envolvidas;
3. a necessidade de maior acesso das vítimas à reparação efetiva, por
meio de ações judiciais e extrajudiciais.

Em síntese, os Princípios estabeleciam para os Estados o dever de proteger os


direitos humanos; para as empresas de respeitar; e para as vítimas o direito de serem
ressarcidas, determinando, ainda patamares mínimos de respeito aos direitos
humanos internacionalmente reconhecidos, tal como os expressos na Declaração
Universal dos Direitos Humanos e os estabelecidos na Declaração da Organização

114 John Gerard Ruggie foi professor na cátedra Berthold Beitz em direitos humanos e relações
internacionais, na Kennedy School of Government, da Universidade de Harvard, e foi assistente do
Secretário-geral da ONU, Kofi Annan, para planejamento estratégico, em seu primeiro mandato, de
1997 a 2001.
115 Antiga Comissão de Direitos Humanos.
72

Internacional do Trabalho (OIT), sobre os Princípios e Direitos Fundamentais do


Trabalho, como estabelece o princípio 12116.
O mandato de Ruggie foi estendido e, em 2011, seus trabalhos resultaram no
desenvolvimento dos “Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos”,
após uma longa investigação e consultas realizadas por Ruggie a governos,
empresas, especialistas e organizações da sociedade civil, aprovados pelos grupos
interessados, e por unanimidade pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU117.
Explica Carmen Márquez Carrasco (2017, p. 27), que os Princípios foram
celebrados como o “fim do começo” no sentido de ponto final de um processo que
abriu uma nova etapa em que, finalmente, alcançou-se um aparente consenso118 entre
Estados, empresas e organizações internacionais da sociedade civil. A autora ainda
aduz que a aprovação unânime dos Princípios contribuiu para consolidar sua
autoridade normativa internacional visando a prevenção e a correção dos efeitos
adversos das atividades empresariais com relação aos direitos humanos,
contribuindo, também, para tornar claro o alcance da responsabilidade das empresas
com o respeito aos direitos humanos e sua relação com a obrigação do Estado de
protegê-los:

Estabelecen un programa de acción que al mismo tempo requiere la


revisión de la legislación nacional y de los marcos normativos ya
existentes; el estabelecimento o mejora de las políticas de derechos
humanos de las empresas y mecanismos de debida diligencia, y la
apertura de nuevas vías de diálogo y la responsabilidad de los
garantes, los titulares de derechos y otras partes interesadas.
(CARRASCO, 2017, p. 28)

116Guiding Principles on Business and Human Rights: “12. The responsibility of business enterprises to
respect human rights refers to internationally recognized human rights – understood, at a minimum, as
those expressed in the International Bill of Human Rights and the principles concerning fundamental
rights set out in the International Labour Organization’s Declaration on Fundamental Principles and
Rights at Work”.
117 Para Carmen Márquez Carrasco (2017, p. 22) que “sin duda los Principios Rectores de la ONU sobre

empresas y derechos humanos suscitan em sí mismos importantes cuestiones (desde su naturaliza


jurídica entre os instrumentos jurídicos de Derecho Internacional hasta su contenido, alcance y su
interación con el marco de obligaciones de Derecho Internacional de Derechos Humanos (DIDH) y de
Derecho Internacional Humanitario (DIH) ya existentes, el alcance de las obligaciones y
responsabilidades sobre la noción de debida diligencia de derechos humanos, así como su relación
con el concepto de responsabilidade social corporativa y la formalización en procesos de naturaleza
intergubernamental de nociones próprias de la gestión de estos actores económicos, por mencionar
algunas de ellas)”.
118 Relata Carmen Márquez Carrasco (2017, p. 22) que com os Princípios Orientadores “[...] se logro

um aparente consenso entre los Estados, el sector empresarial y las organizaciones de la sociedad civil
internacional, aunque alguna de ellas haya manifestado su discrepancia sobre el verdadero alcance de
este instrumento”.
73

Apesar de sua aprovação pelos grupos interessados, os Princípios não foram


isentos de críticas119, pois, em que pese traçar parâmetros internacionais para a
atuação das empresas, apresentam um caráter de soft law120, à espera de seu
cumprimento voluntário por parte das corporações. O pleito da sociedade civil por um
mecanismo com “caráter vinculante com supervisão internacional, reinvindicação
motivada pela fragilidade dos instrumentos baseados na adesão voluntária e no auto
monitoramento” (BENEDETTI, 2018, p. 29), não foi atendido.
Por fim, em que pese as críticas, entende-se que os Princípios são, atualmente,
uma das melhores formas de ordenação do mercado, a fim de apresentar os direitos
humanos como meio de conformação com os valores do mercado, visando
estabelecer um patamar mínimo de condutas para as transnacionais121 122.

119 Acerca das críticas aos Princípios v. BENEDETTI, 2018, p. 29 e ss.


120 Soft law pode ser entendido como vinculação jurídica “mais branda”.
121 Nesse sentido, expôs Marcelo Benacchio (2018a, p. 44): “A efetivação dos direitos humanos é o

meio para ordenação jurídica do mercado internacional impedindo atos das empresas transnacionais
com potencial violação àqueles. Essa situação já encontra previsão no âmbito das Nações Unidas por
força dos Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos aprovados pelo Conselho de
Direitos Humanos da ONU em 2011 e adotado pelo Brasil. O marco desses princípios envolve
“proteger, respeitar e reparar” e devem ser implementados pelas empresas a partir de sua atuação
diligente em matéria de direitos humanos. Assim, a proteção, o respeito e a reparação das violações
aos direitos humanos pelas empresas no mercado internacional recebem dimensão jurídica, passando
a ser um novo passo no desenvolvimento dos negócios e das atividades empresariais.”
122 Entende-se que “[...] o respeito aos Princípios Orientadores da ONU, por parte das empresas

transnacionais, pode significar um meio de promoção do direito humano ao desenvolvimento, haja vista
que ao respeitar e promover os direitos humanos, atuando em prol da sociedade e não apenas em
função da maximização de lucro, as transnacionais podem ser agentes de expansão das
potencialidades e liberdades humanas. Isso leva a crer que, por meio da atuação transnacional pautada
nos Princípios Orientadores da ONU, acredita-se que se concretizará uma das principais proposições
do Capitalismo Humanista que é o desenvolvimento humano integral, culminando na concretização
de modelo de Capitalismo Humanista tão necessário no cenário econômico e social [...]” (BANHOS;
BENACCHIO, 2021, p. 99).
74

3 A GARANTIA E AFIRMAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS A PARTIR DOS


CONTRATOS EMPRESARIAIS

3.1 OS CONTRATOS À LUZ DO HUMANISMO

Carlos Ayres Britto (2012, p. 15) afirma que o humanismo é um vocábulo com
múltiplos significados123.
De acordo com Cláudia Lima Marques e Bruno Miragem (2014, s.p.) esse
vocábulo surgiu no início do século XIX, com a finalidade de descrever uma forma de
pensar o humano, e meio de compreensão da experiência humana.
A tradição cultural do humanismo emergiu do Renascimento, que tinha como
foco o cuidado com o ser humano, ideia que foi se lapidando com o passar do tempo,
a ponto de seus ideais solidificarem os fundamentos dos direitos humanos (STAFFEN,
2016, p. 187-189).
O humanismo é a expressão de princípios de irresignação com a guerra,
minimização da dignidade humana, exploração e privação de bens jurídicos básicos
(STAFFEN, 2016, p. 187). Ele deve ser aberto e inconcluso, motivo pelo qual tem por
significado “por o foco de atenção no pensar e no atuar dos seres humanos,
verdadeiro canon regulativo, segundo o qual a dinâmica dos acontecimentos alimenta
uma espiral infinita, de modo que o projeto sempre esteja aberto e inconcluso”
(STAFFEN, 2016, p. 188), ou seja, deve ser válido e destinado a todos os seres
humanos.
Pela visão humanista então, o ser humano passou a ser o termo ou ponto de
equilíbrio da sociedade124, como demonstra Carlos Ayres Britto (2012, p. 20):

123 Para análise dos diversos significados do vocábulo humanismo vide BRITTO, 2012.
124 Vale salientar que ao se falar em humanismo nesta pesquisa, não se refere ao humanismo
antropocêntrico, ou seja, o humanismo com foco apenas em interesses individuais sem atenção aos
interesses do próximo, pois, consoante Ricardo Sayeg e Wagner Balera (2011, s.p.), a visão que
apresenta o ser humano como centro do universo, pautado no individualismo e hedonismo,
desconsiderando-se a fraternidade, não mais pode ser considerada, devendo-se adotar o humanismo
antropofilíaco, nesse sentido: “A máxima antropocêntrica de que ―o homem é a medida de todas as
coisas é atribuída a Protágoras; porém, ”na Antiguidade os homens são valorizados por suas posses,
qualidades e por seus feitos heroicos, não se incluindo nessa concepção os pobres, as mulheres
e os escravos”. Esse modo de ver, com traços humanistas, referia-se ao homem “contanto que seja
cidadão”, como ressalvou Aristóteles, dissociando da integralidade do gênero humano, em especial
dos menos favorecidos materialmente. Jesus Cristo vai além e, com sua mensagem de fraternidade
universal, instaura o humanismo antropofilíaco em face de todo o gênero humano, que é decifrado para
75

De fato, o desenrolar do tempo tem situado o gênero humano no


centro do universo. Da proclamação de que “o homem é a medida de
todas as coisas” (Protágoras) ao “cógito” de René Descartes,
passando pela máxima teológica de que todos nós fomos feitos à
imagem e semelhança de Deus, o certo é que a pessoa humana
passou a ser vista como portadora de uma dignidade inata. Por isso
que titular do “inalienável” direito de se assumir tal como é: um
microcosmo. Devendo-se-lhe assegurar todas as condições de busca
da felicidade terrena.

Nesse processo de desenvolvimento, a evolução histórica dos direitos


humanos deu ensejo a uma nova visão acerca da dignidade da pessoa humana, a
partir do processo da dinamogenesis, mencionado no tópico 2.1 dessa pesquisa, o
que refletiu no âmbito dos contratos por meio da mudança de sua compreensão e
valores, como exposto no Capítulo 1 deste trabalho.
Nesse caminho, a concepção liberal, que gerou concentração de riquezas e
falácia da igualdade entre as partes contratantes, com um sistema capitalista pautado
nas liberdades negativas de primeira dimensão, isto é, exigindo do Estado uma
abstenção e tendo como titular o indivíduo, reconhece o direito humano a propriedade,
o que abre o leque de possibilidades para uma análise do capitalismo sob os olhos
dos direitos humanos, como pressupõe a doutrina do Capitalismo Humanista.
O capitalismo deve acompanhar a evolução dos direitos humanos, uma vez que
não se pode falar em capitalismo sem a sua harmonia e observância a tais direitos e
todo sistema jurídico, exatamente como afirmam os professores Ricardo Sayeg e
Wagner Balera (2011; 2019).
Por isso, passou-se a reconhecer os direitos humanos e fundamentais dos
homens, com reflexos que irradiam nas relações contratuais, especialmente as
empresariais, pois o instrumento que formaliza essas relações deixou de servir
meramente a concretização de interesses individuais para servir, em primeiro lugar, à
dignidade da pessoa humana.
É o que, também, afirma Maria Estela Leite Gomes (2015, p. 25):

O contrato, ainda pilar do direito privado, mostra-se dos institutos


jurídicos um dos mais aptos à realização da existência digna, desde
que se lhe dê nova função. Não mais a singela função de fazer circular

o direito em sua concepção de direito natural com os ensinamentos aristotélicos de São Tomás de
Aquino” (SAYEG; BALERA, 2011, s.p.).
76

a riqueza e transferir a propriedade, função que não abandona, mas


que se lhe reconheça a força de favorecer à livre-iniciativa e à
dignidade da pessoa humana com vistas à justiça social e ao
desenvolvimento nacional, através da livre manifestação da vontade,
essa submissa, então, aos interesses fundamentais expressos nos
princípios constitucionais, e da conduta ética das partes contratantes.

Ou seja, os contratos se pautam no princípio da solidariedade que projeta seus


efeitos nas relações privadas, de forma que estas apenas alcançam seu fim se
respeitada a condição humana das partes, que tem por obrigação zelar uma pela
dignidade da outra.
Assim, entende-se que o contrato é instrumento que deve refletir os ideais
solidaristas com vistas a promover e colaborar com o desenvolvimento econômico e
social. Apesar de ser um instrumento do direito privado, hoje considera-se que é,
também, um meio social de promoção e garantia de princípios e valores consagrados
pelo ordenamento jurídico e, consequentemente, de desenvolvimento social e
econômico com a promoção do bem comum. A esse propósito, indicam Érica Barbosa
Joslin e Vladmir Oliveira da Silveira (2010, p. 48):

[...] reconhece-se atualmente a necessidade de compatibilizar a


liberdade capitalista com as necessidades humanas de segunda e de
terceira dimensões, bem como com outras que possam surgir, a fim
de alcançar-se o verdadeiro equilíbrio dos contratos pelo
reconhecimento legal dos direitos supra-individuais, como os direitos
difusos e coletivos, especialmente quando se verifica no contrato a
vulnerabilidade de uma das partes.

O contrato é um mecanismo do Direito e, portanto, “é um fenômeno jurídico


consistente em um fato jurídico social determinante de uma situação jurídica e, desse
modo, é “constitutivo, isto é, tem aptidão nata de constituir efeitos de direito””
(BENACCHIO, 2011a, p. 41).
Dessa maneira, enquanto um instrumento do Direito, o contrato serve à
realização do humanismo, afinal, é nítido o vínculo entre o humanismo e o Direito, a
fim de fornecer à humanidade a possibilidade de viver em uma sociedade melhor.
Como bem sintetizado por Carlos Ayres Britto (2012, p. 37):

O Direito enquanto meio, o humanismo enquanto fim. É como dizer: o


humanismo, alçado à condição de valor jurídico, é de ser realizado
mediante figuras de Direito. Que são os institutos e as instituições em
que ele, Direito Positivo, se decompõe e pelos quais opera.
77

E não poderia ser diferente, pois, embora o contrato seja a base do capitalismo,
igualmente, é uma forma servir a promoção da dignidade humana, afirmando os
direitos humanos no mercado capitalista e, de fato, levando o humanismo à
sociedade, com o objetivo de contribuir para a promoção do desenvolvimento e
redução das desigualdades, como infere Carlos Ayres Britto (2012, p. 51-52):

Uma decidida disposição para retrabalhar a noção de humanismo, que


já não deve ser visto apenas como o caminho que vai da humanidade
para o homem, porém, simultaneamente, do homem para a
humanidade. Equivale a dizer: o humanismo é culto ou exaltação à
humanidade, sem dúvida, contanto que tal reverência também se dê
perante cada qual das células de que essa humanidade se compõe.
Chegue até ao ser humano em carne e osso. Ser humano, ajunte-se,
tão mais fisicamente próximo de nós quanto carente de oportunidades
socioeconômicas e de igual tratamento cortês, respeitoso, fraterno.

Por fim, na atualidade, não há como se falar em globalização deixando de lado


suas consequências humanas, o humanismo deve ser considerado uma força
propulsora da vida política, econômica e social, tanto que, de acordo com Cláudia
Lima Marques e Bruno Miragem (2014, s.p.), verifica-se na Europa o nascimento de
um “segundo humanismo”125, e hoje pauta-se, especialmente nos princípios de “(a)
eleger o ser humano como valor central; (b) afirmar a igualdade de todos os seres
humanos; (c) reconhecer e considerar a diversidade (pessoal e cultural)”.

3.2 A FUNÇÃO REGULATÓRIA DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS

Hugh Collins (2005, p. 7-8), expõe duas formas de regulação de contratos,


completamente diferentes, quais sejam: o direito privado e a regulação de bem-estar
(welfare regulation).
Afirma Collins (2005, p. 7-8) que, ao final do século XIX, os sistemas jurídicos
modernos desenvolveram um método distinto de regulação de contratos, descrito
como parte do direito privado das obrigações. Naquela época, o direito privado dos
contratos era, na maioria das vezes, concentrado em códigos que compreendiam um

125Sobre o “segundo humanismo”, explicam Cláudia Lima Marques e Bruno Miragem (2014, s.p.):
“Note-se que na Europa nasce também um “segundo humanismo” (un nouvel âge de l’humanisme), em
especial no pensamento de Luc Ferry e Renault, sendo que este último em seu livro sobre o universal
defende que apesar da crise contemporânea de valores, um humanismo que respeite as diferenças é
possível e no seu livro sobre o indivíduo defende que a modernidade evoluiu da tradição que colocava
em primeiro plano a autonomia do sujeito (Descartes) para a independência deste (Leibniz), mas agora
deve elevá-lo para um sujeito responsável e irmão”.
78

conjunto de princípios gerais aplicáveis a maioria das relações contratuais, e tais


códigos foram concebidos pelo sistema jurídico como fundamentais para a ordem
jurídica, isto é, uma declaração pré-política de rigidez e obrigações básicas na
sociedade civil, que estava ligada à identidade cultural e política dos Estados-nação,
sem deixar de lado uma regulação mais detalhada de determinados tipos de práticas
contratuais.
O autor segue explicando que, ao mesmo tempo, no entanto, o sistema jurídico
também se engajou na regulamentação mais detalhada de tipos específicos de
práticas contratuais, com o ajuste do direito privado das obrigações para fins como
equidade e justiça distributiva, alívio de falhas de mercado, restrições ao exercício do
poder privado e outros objetivos de bem-estar. Este discurso de regulação ajustou o
direito das obrigações para fins como justiça distributiva, alívio de falhas de mercado,
restrições ao exercício do poder privado e outros objetivos de bem-estar. Contudo, ao
final do século XX, estas técnicas de regulação existentes já não forneciam uma
regulação efetiva, mormente, em razão da globalização e da nova concepção de
contrato (COLLINS, 2005, p. 7-8).
Considerando-se que as atividades empresariais são regidas pela lei, pelos
usos e costumes, práticas de mercado, condutas éticas, padrões comerciais ou
industriais, entre outros meios, no mercado globalizado a sua regulação ocorre,
especialmente, por intermédio do contrato126 e não da lei, pois seu papel vai muito
além da simples regência de trocas econômicas, daí porque, compreende-se que os
contratos são fontes regulatórias. De acordo com Hugh Collins (2003, p. 35):
In this modern perspective, however, the function of the law of contract
is to regulate markets, market practices and the social practices of
making contracts with a view to controlling the types of relationships
established through contracts and their distributive consequences127.

Assim, enquanto um instrumento jurídico à disposição do mercado globalizado,


servindo como lei entre as partes nesse âmbito, a análise da função regulatória deste
mecanismo é imprescindível às demandas atuais da sociedade.

126 Paula Forgioni (2021, p. 91-92) afirma que “quatro são os tipos de normas jurídicas que vinculam as
partes nos contratos empresariais:[i] regramento estatal; [ii] usos e costumes; [iii] texto contratual; [iv]
regras não escritas criadas pelas partes que, por sua vez, podem ser: [iv.1] complementares ao
instrumento; ou [iv.2] com ele colidentes”.
127 Tradução livre: Nesta perspectiva moderna, entretanto, a função da lei de contratos é regular os

mercados, as práticas de mercado e as práticas sociais de fazer contratos com o objetivo de controlar
os tipos de relações estabelecidas através de contratos e suas consequências distributivas.
79

Em vista disso, Enzo Roppo (2009, p. 66) afirma que “dentro de um sistema
capitalista avançado parece ser o contrato, e já não a propriedade, o instrumento
fundamental de gestão dos recursos e de propulsão da economia”.
A orientação das ações das partes contratantes a partir da imposição de
comportamentos vetados ou determinados é oriunda do Direito dos Contratos. Por
isso, os contratos empresariais muito mais do que reger trocas econômicas, servem
como um ordenamento privado, regendo as relações e comportamentos entre as
partes e, também, perante terceiros. Como ilustra Angelo Gamba Prata de Carvalho
(2019, p. 101):

[...] a perspectiva regulatória do direito contratual demonstra que a


dimensão interna dos negócios jurídicos – isto é, os interesses das
partes contratantes – e a sua dimensão externa – ou seja, a
dinâmica competitiva dos mercados em que as partes operam –
são interdependentes. Significa que, para além de disciplinar
hipóteses pontuais de aplicação do direito privado, o contrato pode
também servir para traçar o quadro normativo a ser observado pelas
partes ao longo de relação duradoura.

A evolução social dá nova roupagem ao direito contratual, e aos seus


princípios, sendo imprescindível a adaptação destes às demandas sociais128. E, nesse
ponto, a autonomia privada nas relações contratuais deve ser observada com
atenção, pois não pode ser um meio de regulação sem parâmetros, de maneira que
um ente privado sirva de controlador do outro ou, ainda, que interesses econômicos
prevaleçam sobre os direitos humanos.
Nesse sentido, Marcelo Benacchio (2011a, p. 37), com esteio em Vicenzo
Roppo, explica:

[...] o fenômeno da globalização, na medida em que efetua uma


enorme transferência de funções dos Estados aos mercados, cria uma
figura ambígua de contrato, pois, de um lado, exalta a força normativa
e por outro a deprime, sendo que as grandes companhias
multinacionais, ou transnacionais, por meio de seus braços jurídicos,
grandes law firms, criam as regras de circulação econômica em escala
planetária, o que abarca tanto as grandes transações como as
microtransações de massa, relativas a bens e serviços para consumo,
que seguiriam um modelo mundial, cabendo à referida assessoria

128 Ao falar-se em adaptação dos contratos às demandas sociais, bem como, em acompanhar a
evolução da sociedade, interessante observar que Teresa Negreiros (2006, p. 300) critica teorias que
abordem o contrato como um fenômeno monolítico, ou seja, “uma concepção abstrata e só por isso
unitária do contrato”.
80

jurídica a adaptação e prevalência dos interesses dos grandes grupos


econômicos.

Dessa maneira, ao se tratar acerca da função regulatória dos contratos


empresariais nesta pesquisa, não se defende seu uso irrestrito como meio de
autorregulação. Ao revés, entende-se que são um dos mais importantes meios de
regulação da atividade empresarial na atualidade, devendo, contudo, serem
observados os limites à autonomia privada impostos pelo ordenamento jurídico, bem
como, os princípios contratuais como a solidariedade, liberdade, ética e boa-fé no trato
das relações econômicas formalizadas por meio dos contratos.
Enfim, os contratos servem à regulação das negociações das ETNs,
assegurando-se os direitos humanos, mas, ao mesmo tempo protegendo-se a
autorregulação e a autonomia privada, permitindo sua adaptação às mudanças
ocorridas na sociedade e nas relações sociais, ou seja, deve existir um equilíbrio.

3.3 FORMAS DE GARANTIA E AFIRMAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NOS


CONTRATOS EMPRESARIAIS CELEBRADOS PELAS EMPRESAS
TRANSNACIONAIS

Conforme exposto, no Capítulo 2, verificou-se que, na atualidade, as empresas


transnacionais são os principais atores nos cenários econômico, político e social,
cujas atividades econômicas atravessam fronteiras entre países e impactam em vários
setores da sociedade. Ou seja, as transnacionais não ultrapassaram apenas barreiras
físicas entre Estados, mas, também, transcenderam a sua soberania, gerando
impactos na tomada de decisões políticas, normas ambientais, trabalhistas, tributárias
e, principalmente, na proteção aos direitos humanos.
A expansão de mercados gerada pelo processo de globalização, deu ensejo a
uma série de graves violações aos direitos humanos, como brevemente exposto no
tópico 2.3.1, o que não deixa dúvidas quanto ao domínio das transnacionais e das
consequências de suas atividades, uma vez que se instaurou, inclusive, uma
perspectiva de normalidade para essas formas de violação.
Entretanto, paralelamente, o papel das empresas mudou com a globalização,
pois, se anteriormente estas possuíam o único objetivo de gerar lucro, pode-se dizer
que, atualmente, também possuem responsabilidades e obrigações com a sociedade
81

que outrora pertenciam aos Estados, dentre as quais se destaca o dever de afirmação
e garantia dos direitos humanos.
Assim, no contexto das empresas transnacionais, os direitos humanos devem
ser o “paradigma de regulação do mercado internacional globalizado de forma a evitar
as situações desfavoráveis à implementação dos direitos humanos no exercício da
atividade das empresas transnacionais” (BENACCHIO, 2018a, p. 44).
Isso porque, a mudança de comportamento desses atores é uma urgência,
como enfatiza José Renato Nalini (2009, p. 274):

Aos poucos, desperta a mentalidade empresarial para a realidade de


que não basta ser eficiente em seu negócio. O estado de necessidade
em que se encontra o mundo exige mais de todos. A empresa tem
compromissos com o porvir vir e, se fechar os olhos para ele, poderá
colher insucessos que tolham o seu futuro.

Por esse ângulo, tendo em vista que os contratos empresariais cumprem uma
função de lei entre as partes no mercado global, não há dúvidas quanto a relevância
destes para o mundo globalizado, especialmente, para as empresas transnacionais.
O contrato empresarial, exposto no tópico 1.2, ganhou novos contornos ao
longo dos tempos, a autonomia privada foi mitigada pelos princípios contratuais,
enquanto que a pessoa humana passou a ser o centro de preocupações da sociedade,
diante da concepção de que os direitos humanos e fundamentais são aplicáveis às
relações privadas. Afinal, as necessidades humanas, a pessoa e sua dignidade
passaram a ser o centro das relações privadas, de maneira que o direito contratual
também é um mecanismo de realização da pessoa e promoção de sua dignidade a
fim de que os interesses relativos à dignidade da pessoa humana prevaleçam sobre
os patrimoniais.
Nesse cenário, o contrato pode ser um meio para atribuir obrigações relativas
aos direitos humanos, como explicam Paulo Nalin e Mariana Barsaglia Pimentel
(2019, p. 466), pois ele não é mais um “instrumento de atribuição proprietária pela
circulação de bens, passando a ser instrumento de consagração da pessoa humana,
a partir de diretivas dos mercados e dos consumidores que dele se servem”.
Isso demonstra que, embora aparente, não há contraposição entre mercado e
direitos humanos, pois sendo a pessoa humana o centro das relações sociais, cabe
ao mercado agir, por meio dos instrumentos jurídicos que possui à disposição, para
assegurar os direitos humanos e os valores de mercado.
82

Ao contrário, o uso dos contratos empresariais como meio para assegurar e


promover direitos humanos decorre de sua adequação aos anseios e mudanças da
sociedade, mormente, em relação às falhas de mercado e da necessidade de,
enquanto um instrumento do Direito, assegurar o humanismo nas relações
contratuais.
Disso se extrai que o contrato é um mecanismo do humanismo, visto que este,
enquanto valor jurídico, é concretizado por figuras de Direito, como afirmou Carlos
Ayres Britto (2012, p. 37), ou seja, o contrato empresarial é o meio de atingir o fim,
que é o humanismo.
Por isso, é possível a utilização do contrato empresarial, pelas ETNs, para
garantia e afirmação dos direitos humanos, servindo, igualmente, como forma para
promoção de um capitalismo de cunho humanista, exposto no tópico 2.4,
concretizando-se os direitos humanos, em todas as suas dimensões, satisfazendo-se
a dignidade de todos e auxiliando a viabilização do desenvolvimento integral, para
estabelecer uma sociedade livre, justa e solidária.
A esse respeito entende-se que a:

[...] atuação empresarial pautada no humanismo, ou seja, com respeito


e de modo a assegurar os direitos humanos de todos, é uma das
soluções para alcançar a sociedade livre, justa, solidária e fraterna tão
almejada, pois, apenas com o desenvolvimento humano integral, com
a inclusão de oportunidades a todos e com o mercado atuando em prol
da sociedade, e não o contrário, é que se alcançará a expansão das
capacidades humanas e qualidade de vida, além, é claro, da expansão
do lucro e riquezas. (BANHOS; BENACCHIO, 2021, p. 99)

Os contratos empresariais, como mencionado, são o principal instrumento do


capitalismo neoliberal para realização de trocas econômicas no mercado
transnacional, de maneira que ao se incorporar os direitos humanos ao seu conteúdo
pode-se estabelecê-los como vetores das atividades das ETNs, promovendo-se o
capitalismo humanista.
Nessa concepção, Ricardo Sayeg e Wagner Balera (2011, s.p.), entendem que
“[...] a melhor resposta ao capitalismo liberal se dá por meio da concretização do
capitalismo com direitos humanos, jamais pela negação do capitalismo ou, menos
ainda, ceifando as liberdades negativas [...]”, isso porque “[...] parte da essência
humana e asseguradas pelo direito subjetivo natural de propriedade que compreende,
afinal, os direitos humanos exteriores de primeira dimensão”.
83

O respeito à dignidade da pessoa humana deve ser o ponto de partida das


negociações e celebrações de contratos das ETNs, colocando-a em primeiro lugar a
fim de evitar violações aos direitos humanos, tais como as anteriormente expostas
nesta pesquisa. Isso porque, os contratos vinculam as partes e estipulam suas
obrigações, materializando-se a responsabilidade jurídica e contratual de respeito aos
direitos humanos, guardem eles relação com o objeto contratual ou não, face a
necessidade de compatibilizar o capitalismo com as exigências humanas. A este
respeito, entendem André Guilherme Lemos Jorge e Marcelo Benacchio (2020, p. 78):

Os direitos humanos são vetores conformadores do comportamento


das empresas transnacionais pela verificação de suas obrigações e
deveres guiados pelo fio condutor da dignidade humana.
A atividade econômica transnacional equilibrada com os valores
humanistas permitirá o atendimento aos interesses do mercado
capitalista pelo fio condutor da realização (não violação) dos direitos
humanos.

Nessa seara, os benefícios que advêm da vinculação dos direitos humanos aos
contratos decorrem da mitigação de riscos, rescisão do contrato ou, ainda, uma
possível desvinculação do parceiro de negócios que viole os direitos protegidos pelo
pacto ou não atenda os princípios da empresa e comprometa sua imagem
(BONAMIGO; RODRIGUES, 2021).
Dessa maneira, considerando-se a possibilidade de materialização dos direitos
humanos nos contratos empresariais, a necessidade de adequação das atividades
das empresas transnacionais ao cumprimento de normas e adoção de medidas que
visem a efetivação de práticas de modo a respeitar esses direitos e,
consequentemente, promover o desenvolvimento129, faz-se necessário analisar

129 Ao mencionar desenvolvimento, nesse ponto, refere-se ao desenvolvimento considerado hoje um


direito humano de terceira dimensão, e ele implica pensar nos conceitos de paz, economia, meio
ambiente, justiça e democracia. Explica Guilherme Amorim Campos da Silva (2004, p. 95) que “uma
teoria de desenvolvimento, digna deste nome, deve garantir a vigência dos cinco pilares sustentáculos
da democracia, a saber: liberdade, igualdade, solidariedade, diversidade e participação”. Já na
perspectiva do economista Amartya Sen (2010, p. 16-17) “o desenvolvimento requer que se removam
as principais fontes de privação de liberdade: pobreza e tirania, carência de oportunidades econômicas
e destituição social sistemática, negligência de serviços públicos e intolerância ou interferência
excessiva de Estados repressivos”. O desenvolvimento não se limita à mera acumulação de riquezas.
Ensina Amartya Sen (2010, p. 378) que “a liberdade não pode produzir uma visão de desenvolvimento
que se traduza prontamente em alguma “fórmula” simples de acumulação de capital, abertura de
mercados, planejamento econômico eficiente (embora cada uma dessas características específicas se
insira no quadro mais amplo). O princípio organizador que monta todas as peças em um todo integrado
é a abrangente preocupação com o processo do aumento das liberdades individuais e o
comprometimento social de ajudar para que isso se concretize”.
84

possíveis formas de incorporação dos direitos humanos aos contratos empresariais,


quais sejam: forma expressa e implícita (SCHWENZER; LEISINGER, 2007).

3.3.1 A vinculação expressa dos direitos humanos nos contratos empresariais

A aproximação das empresas com os direitos humanos internamente, pode ser


efetivada por diversos mecanismos, sendo um deles a inserção de cláusulas130
protetivas dos direitos humanos em seus contratos empresariais, modalidade
expressa131 de garantia destes direitos nos contratos.
As questões abrangidas por essas cláusulas partem da proteção aos direitos
humanos, condições de trabalho dos empregados, proteção ao meio ambiente e
práticas anticorrupção, isto é, temas inerentes a sociedade, que podem abranger
terceiros que não fazem parte da relação contratual, de maneira a atribuir ao contrato
efeitos que visem minimizar, por exemplo, os efeitos de leis que sejam frágeis no que
toca a proteção dos direitos humanos132.
Nesse ponto, reafirma-se a função regulatória dos contratos, anteriormente
exposta no tópico 3.2 da presente pesquisa, pois, de acordo com Natividade (2021, p.
6), “o contrato, nesse viés, assume-se como veículo capaz de regular
comportamentos, verdadeiro centro de poder e controle, para além de veste jurídico-
formal de operações econômicas”.
Essa é, na verdade, uma das novas tendências dos contratos empresariais, ou
seja, a inserção de cláusulas que gerem obrigações relativas aos direitos humanos

130 Explica Paula A. Forgioni (2021, p. 84) que “cláusula é a estipulação que as partes fazem em seus
negócios. Há quem defina como “a unidade elementar [...] do regulamento contratual”. [É] uma
disposição homogênea, por meio da qual as partes regulam determinados aspectos da sua relação”.
Identifica-se a cláusula com a disposição contratual, assumindo valor preceptivo. A cláusula encerra
um preceito, um comando para uma ou ambas as empresas”.
131 A melhor forma de incorporar cláusulas protetivas de direitos humanos é por meio de sua estipulação

expressa, como explicam Ingeborg Schwenzer e Benjamin Leisinger (2007, p. 264): “The first way to
incorporate ethical standards into sales contracts is to stipulate that the seller, for example, has to abide
by specific standards concerning human rights, labor conditions or the environment. By so doing, such
norms become part of the contract and may be enforced, or their violation sanctioned, in the same way
as with any other terms. lt is highly advisable that the interested party insists on incorporating such
express terms into the contract, in order to circumveut any later disputes in this respect and in order to
"tailor" individual clauses to address specific human rights issues”.
132 A esse respeito, Natividade (2021, p. 6) afirma: “[...] pense-se numa cláusula exigindo que os

trabalhadores contratados pelo fabricante tenham, no mínimo, 16 anos, ou limitando a jornada de


trabalho a 60 horas semanais. Previsões como essa podem parecer estranhas num primeiro momento,
já que não dizem respeito a aspectos do produto em si. Todavia, considerando que grande parte das
multinacionais celebra contratos com fornecedores de países nos quais a legislação protetiva à pessoa,
ao trabalho ou ao meio ambiente pode ser débil ou até mesmo inexistir, as cláusulas éticas, irradiando
efeitos regulatórios indiretos, podem suplementar ou subsidiar essa fragilidade numa perspectiva
relacional, atrelando o fornecedor contratado aos standards éticos da empresa contratante”
85

para as partes contratantes, exatamente como explicam Paulo Nalin e Mariana


Barsaglia Pimentel (2019, p. 466):

Outro exemplo da nova faceta do Direito Contratual – e talvez um dos


mais significante – é a incorporação de cláusulas contratuais em
contratos celebrados entre empresas dos mais diversos locais do
globo, que visam proteger e promover os direitos humanos, a fim de
evitar violações e abusos pelas partes contratantes.

Essas cláusulas podem ser encontradas, especialmente, em contratos de


consumo133, trabalho, prestação de serviços, investidores, compra e venda,
fornecimento e ainda contratos públicos (NALIN; PIMENTEL, 2019, p. 469).Trata-se
do reflexo da tendência entre as empresas transnacionais de aproximação dos direitos
humanos, pois a sua mudança de comportamento, demandada pela sociedade, por
meio da adoção de iniciativas que não visem apenas o lucro, mas, também, o bem-
estar social teve reflexos também no direito contratual que, passou a incorporar em
seus textos cláusulas com conteúdos relacionados à ética, garantia e afirmação dos
direito humanos, nos contratos com seus fornecedores e parceiros de negócios,
visando afastar sua imagem daqueles que não prestam o devido respeito aos direitos
humanos, questões ambientais ou políticas anticorrupção.
A adoção de cláusulas que reflitam obrigações acessórias referentes aos
direitos humanos teve a jurista alemã Ingeborg Schwenzer como uma das pioneiras a
tratar sobre a temática, e a utilizar a expressão ethical standards para se referir às
cláusulas protetivas de direitos humanos em contratos empresariais (BONAMIGO;
RODRIGUES, 2021, p. 13).
As obrigações acessórias que fixam “ethical standards” ou “cláusula éticas”,
determinam obrigações excepcionais do ponto de vista econômico, pois relativas aos
direitos humanos e às políticas de emancipação social” (NALIN; PIMENTEL, 2019, p.
466), sendo um meio para regulação e materialização de obrigações relativas à
Responsabilidade Social Corporativa (RSC) (PIMENTEL, 2018, p. 101), confirmando
a relação entre empresas e direitos humanos e o uso do contrato, enquanto
instrumento do Direito, para promoção do humanismo.

133Embora mencionados, os contratos de consumo não possuem natureza empresarial, conforme


explicado na nota de rodapé nº 32.
86

A Responsabilidade Social Corporativa ou Responsabilidade Social


Empresarial (RSE)134 é um novo paradigma de comportamento das empresas no
mundo globalizado, e para José Renato Nalini (2009, p. 273) é a ética empresarial135,
que enfatiza sua importância para a manutenção dos negócios das empresas:

A empresa contemporânea ou assume a ética - denominada


responsabilidade social-ou talvez venha a colher fracassos que podem
levá-la ao desaparecimento. As reputações se constroem, mas
também podem ser demolidas. [...]
Mas o que vem a ser a responsabilidade social da empresa?
É o plus que a empresa pode oferecer à comunidade, além do legítimo
interesse de exercer uma atividade lucrativa. Ou, conforme já se
definiu, a responsabilidade social da empresa "é a integração
voluntária das preocupações sociais e ecológicas das empresas às
suas atividades comerciais e às relações com todas as partes
envolvidas interna e externamente (acionistas, funcionários, clientes,
fornecedores e parceiros, coletividades humanas), com o fim de
satisfazer plenamente as obrigações jurídicas aplicáveis e investir no
capital humano e no meio ambiente".

Katerina Peterkova Mitkidis (2014, p. 2) afirma que as cláusulas que


estabeleçam questões sociais, como os direitos humanos, ou ambientais em contratos
internacionais são ferramentas de RSC136 que receberam pouca atenção acadêmica,
apesar de serem amplamente utilizadas na prática, atribuindo a elas o nome de
sustainability contractual clauses ou cláusulas de sustentabilidade.

134 Há divergências quanto a nomenclatura a ser aplicada a esse instituto, se Responsabilidade Social
Corporativa ou Responsabilidade Social Empresarial. Nesse sentido, explica Pedro Ramiro (2009, p.
49) que “la Responsabilidad Social Corporativa se define desde ópticas diferentes según se encarguen
de hacerlo las empresas multinacionales, las escuelas de negocios, las instituciones, los sindicatos, las
ONG o los colectivos sociales. Tanto es así que ni siquiera hay acuerdo sobre el próprio nomebre:
mientras hay quienes prefieren hablar Responsabilidad Social Corporativa, porque entienden que ésta
es una cuestión que atañe fundamentalmente a las grandes corporaciones – como es nuestro caso –,
otros autores prefieren utilizar el término Responsabilidad Social Empresarial (RSE), ya que consideran
que es aplicable a empresas de cualquier tamaño”.
135 Segundo Newton de Lucca (2009, p. 340-341), “Assim, parece fora de dúvida que não se pode

pretender justificar a ética empresarial – de resto, correspondente apenas a uma das atividades do ser
humano- como o recurso a fundamento destituído de valor antropológico, isto é, que não leve em conta
o homem tomado em sua consideração suprema e integral de pessoa moral. Em suma, é a dimensão
moral que serve de fundamento às ações humanas e não o contrário, isto é, não é uma das atividades
humanas – no caso, a econômica – que haverá de dar fundamento à dimensão moral, ficando
inteiramente descartada a possibilidade de apresentar-se como justificação filosófica à ética
empresarial um elemento de natureza meramente econômica, qual seja, a rentabilidade empresarial”.
136 Katerina Peterkova Mitkidis (2014, p. 2) define RSC como medidas de negócios consistentes com

a lei e os padrões éticos sob os quais as empresas aceitam a responsabilidade pelos efeitos
de suas atividades no meio ambiente e na sociedade. No original “CSR is defined as business
measures consistent with law and ethical standards under which companies accept the responsibility
for the effects their activities have on the environment and society”.
87

A nomenclatura a atribuída a essas cláusulas (cláusulas éticas, cláusulas de


sustentabilidade ou cláusulas de proteção aos direitos humanos), não muda a sua
essência, ou seja, abranger em seu conteúdo temas de interesse social, que
impactem na relação entre as partes contratantes e terceiros, e tampouco a relevância
da temática para a relação entre as empresas e os direitos humanos.
O principal responsável pela prevenção de comportamentos antiéticos
corporativos é o Estado, segundo Ingeborg Schwenzer e Benjamin Leisinger (2007, p.
253)137, entretanto, ausentes medidas efetivas e considerando-se que o
comportamento ético se torna, diariamente, mais relevante para o ambiente
empresarial, cabe as empresas tomar iniciativas privadas nesse sentido138 139 140

(2007, p. 256).

137 No mesmo sentido Katerina Peterkova Mitkidis (2014, p. 3-4) afirma: “Moreover, while states
generally have the competence to enforce compliance with national and international social and
environmental standards against companies within their jurisdictions, they lack legal tools to secure
the same compliance on their companies’ business partners abroad. On the one hand, private
parties are not subject to international law and, on the other hand, the applicability of national law is
geographically and personally limited. Thus, while governments in developed countries adopt various
regulations to limit socially and environmentally harmful activities of subjects under their jurisdiction,
they indirectly create incentives for these subjects to outsource their activities to countries with weaker
laws. The situation is further exacerbated as some developing countries do not fulfil their international
obligations, i.e. they do not enforce international law within their territory, either because they lack the
institutional capacity or because they fear an outflow of foreign investment. They may even purposefully
relax their social and environmental regulation in order to create competitive advantage for their
domestic companies. In this way a legal gap is created where private parties may escape from the legal
consequences of the fact that their cross-border activities are not aligned with globally recognized social
and environmental standards. This regulatory gap needs to be closed if we aim for effective
solutions to global challenges. Since states are not able or willing to meet their obligations in the
environmental and social area, other actors, including non-governmental organizations, industrial
associations and companies themselves, have taken on the task. They develop various types of soft
and private regulations”.
138 Explicam Ingeborg Schwenzer e Benjamin Leisinger (2007, p. 256): “As actions by governments and

the community of states often, for example, due to their vagueness, lack the necessary power to bind,
or take a considerable amount of time to actually come into force - in failing states, it is unlikely that the
necessary regulations will come into existence at all -, and since ethical behavior is becoming
increasingly more important to businesses, companies have started to take care of the problem
themselves through founding private initiatives. As Mary Robinson has put it, "business leaders don't
have to wait - indeed, increasingly they can't afford to wait - for governments to pass and enforce
legislation before they pursue 'good practices' in support of international human rights, labor and
environmental standards [ ... ]". Following her initiative, the "Business Leaders Initiative on Human
Rights" (BLIHR) was founded”.
139 As iniciativas privadas são divididas por Ingeborg Schwenzer e Benjamin Leisinger em três ramos

(2007, 257- 259): a) conhecer seus parceiros de negócios; b) adoção ao Pacto Global da ONU (United
Nations Global Compact); c) iniciativas privadas de ramos específicos de negócios, a exemplo do
Código de Conduta da Indústria Eletrônica, que segundo os autores “the Electronic Industry Code of
Conduct, for example, incorporates norms, such as setting a maximum number of working hours at 60
per week, and prescribing human treatment or non-discrimination in supplier contracts, as, according
to the introduction of this code, the participants are under an obligation to, at least, require their next tier
suppliers to acknowledge and implement the code” (2007, p. 259).
140 Seguindo o mesmo entendimento, Natividade (2021, p. 7) compreende que “desde o fim da Segunda

Guerra Mundial, grande número de tratados de direitos humanos foi celebrado, mas o direito
88

Assim, embora os direitos humanos fossem vistos como pertencentes ao


domínio de preocupações governamentais e não de empresas, e as violações a estes
direitos como questões de políticas internas com as quais as empresas não deveriam
interferir, o agir ético é economicamente mais vantajoso para as empresas
atualmente.
E, nesse contexto, como corolário da tendência global141 de inserção de
cláusulas que determinem padrões éticos ou proteção aos direitos humanos nos
contratos, muitas empresas transnacionais têm determinado auditorias de seus
parceiros de negócios antes mesmo da celebração do contrato, a fim de obter alguma
garantia de que eles seguem padrões mínimos aceitáveis de ética e respeito aos
direitos humanos (NALIN, 2016).
Isso porque, hodiernamente, descobrir que um parceiro em sua cadeia de
negócios viola os direitos humanos com, por exemplo, emprego de mão de obra
infantil ou escrava, prejudica as finanças das empresas diante da “mancha” que pode
gerar em sua reputação perante o mercado e os consumidores (NALIN, 2016).
Enfim, além da adoção expressa de cláusulas pelos contratantes, outra forma
de garantir e afirmar os direitos humanos por meio dos contratos empresarias
transnacionais, seria a adoção de medidas implícitas, conforme será analisado a
frente.

3.3.2 A vinculação implícita dos direitos humanos nos contratos empresariais

Além da inserção expressa das cláusulas de proteção aos direitos humanos,


segundo Ingeborg Schwenzer e Benjamin Leisinger (2007, p. 264-265), a sua
incorporação pode ocorrer de forma implícita.
A incorporação implícita dar-se-á, primeiramente, com a interpretação e
circunstâncias do contrato, e a segunda forma é a adesão à iniciativas voluntárias das
partes.

internacional de proteção da pessoa e ao meio ambiente ainda é dirigido essencialmente ao Estado,


não às corporações. Ou seja, a regulação da cadeia produtiva não visa a assumir o papel do Estado
ou das organizações internacionais na tutela dos direitos humanos e do meio ambiente. Apenas se
reconhece que o contrato pode ser uma figura importante para assegurar a observância de standards
éticos num cenário em que o Estado ainda é o foco prioritário da regulação tradicional”.
141 Em consonância com a tendência global, a União Europeia (UE) inclui em seus acordos bilaterais

de comércio ou acordos de associação ou cooperação celebrados com países terceiros ou


organizações regionais cláusulas que determinam o respeito aos direitos humanos.
89

Ao exercerem condutas expressas e repetidamente, com ações que expressam


valores éticos e de boa conduta pode-se criar uma expectativa para a outra parte de
que essas condutas continuarão a ser praticadas no futuro (SCHWENZER;
LEISINGER, 2007, p. 264-265).
Entendem os autores adrede citados que, por meio da interpretação do contrato
e das circunstancias que o envolvem, as cláusulas protetivas podem ser
implicitamente inseridas. Nesse sentido:

Problems may arise where such express terms regarding ethical


values are absent. Very often, particularly small and medium-sized
companies do not have the bargaining power to insist on incorporating
such express terms concerning ethical values into their contracts.
Here, however, contract interpretation and supplementation may well
lead to similar results to those According to Article 9(1) CISG, the
parties are bound by any usage to which they have agreed and by
any practice which they have established between themselves. Thus,
two situations have to be distinguished: the first one is where the
parties have repeatedly agreed on express terms setting up certain
ethical standards; in such a case, a justified expectation might
arisereached with express incorporation. that the parties will continue
to proceed accordingly in the future. Thus, although an express term is
lacking, the contract may be supplemented in accordance with the
previous conduct of the parties142. (SCHWENZER; LEISINGER, 2007,
p. 264-265)

Por essa perspectiva, com base no ordenamento jurídico brasileiro, entende-se


que se estaria diante da violação do princípio da boa-fé objetiva, que deve ser
observado em todas as fases da contratação, com a finalidade manter à atenção a
confiança e expectativas das partes. Dessa maneira, esse princípio tem por fim limitar
os comportamentos das partes que, apesar de estarem de acordo com o contrato,
frustrem uma expectativa legítima da outra parte.
Acerca da boa-fé objetiva, esclarece Marco Fábio Morsello (2018, p. 534-535):

142Tradução livre: Podem surgir problemas quando tais termos expressos relativos a valores éticos
estão ausentes. Muito frequentemente, particularmente as pequenas e médias empresas não têm o
poder de barganha para insistir na incorporação de tais termos expressos referentes a valores éticos
em seus contratos. Aqui, entretanto, a interpretação e complementação de contratos pode muito bem
levar a resultados similares aos do Artigo 9(1) da CISG, as partes estão vinculadas por qualquer uso a
que tenham concordado e por qualquer prática que tenham estabelecido entre si. Assim, duas situações
devem ser distinguidas: a primeira é quando as partes concordaram repetidamente em termos
expressos estabelecendo certos padrões éticos; em tal caso, uma expectativa justificada poderia surgir
com a incorporação expressa, que as partes continuarão a proceder de acordo no futuro. Assim,
embora falte um termo expresso, o contrato pode ser complementado de acordo com a conduta anterior
das partes.
90

[...] é uma regra de conduta que consiste no dever de agir de acordo


com os padrões (standards) socialmente reconhecidos de lisura e
lealdade escudada em deveres de lealdade, confiança, probidade e
transparência, dando azo, outrossim, ao nascedouro dos deveres
anexos ou laterais de ampla informação e esclarecimentos, com
aplicação não só na fase de execução do contrato, como também
naquela pré e pós-contratual.

A segunda forma implícita de incorporação de cláusulas protetivas aos direitos


humanos decorre da adoção a iniciativas voluntárias internas como a adoção a
códigos de conduta ou programas de conformidade, ou ainda, por iniciativas externas
a exemplo do Pacto Global da ONU ou a adoção a códigos de conduta referentes ao
setor de atuação da empresa.
Entendem Ingeborg Schwenzer e Benjamin Leisinger (2007, p. 265) que ao
aderirem iniciativas privadas como o Pacto Global da ONU, as partes concordam em
exercer padrões de conduta de forma ampla, de maneira que se pressupõe que
também utilizarão os mesmos padrões nos contratos realizados para exercício de sua
atividade empresarial.
Quanto a adoção à iniciativas voluntárias internas, consideradas por Ingeborg
Schwenzer e Benjamin Leisinger (2007) como modalidade implícita de inserção dos
direitos humanos nos contratos, como a adoção a códigos de conduta ou programas
de conformidade, entendem Bonamigo e Rodrigues (2021, p. 13):

[...] também se caracterizam como cláusulas éticas aquelas nas quais


se verifica a incorporação do código de conduta da empresa, a
remissão aos termos estabelecidos no referido código ou, ainda, a
transcrição expressa de seus conteúdos, visando à efetividade de
estratégias de responsabilidade social corporativa junto aos
fornecedores, estabelecendo regras acerca das condições de
trabalho, meio ambiente, gestão responsável e ética.

À vista disso, face o papel de destaque que envolve os “programas de


compliance” e seus códigos de conduta na atualidade, este tema será tratado adiante.

3.3.2.1 Programas de conformidade


91

A maior parte das empresas transnacionais possui, hoje, os programas de


compliance143 ou conformidade como um mecanismo de autorregulação da sua
atividade, sendo este um dos principais meios de autorregulação no século XXI, e de
promoção de comportamentos em prol da sociedade, direitos humanos e conceitos
da ética empresarial.
O termo “Compliance” é oriundo do verbo inglês “to comply”, e significa agir em
conformidade, ou agir conforme um conjunto de regras, quer dizer, atuar de acordo
com leis e regulamentos, inclusive políticas, regras, controles e programas internos e
externos da empresa (LAMBOY; RISEGATO; COIMBRA, 2018, p. 6).
Nesse âmbito, não apenas as pessoas que atuam na empresa devem atenção
às suas regras e programas, uma vez que estes se aplicam, de igual modo, aos seus
fornecedores e prestadores de serviços, cujas ações devem atender os valores da
companhia parceira de negócios.
É um instituto que representava uma possível resposta às infrações
econômicas, mas que, ao longo dos anos, passou a representar noções positivas no
ambiente corporativo, por meio da implementação de comportamentos pró-social e
cultura empresarial voltada para a ética144 (SAAD-DINIZ, 2019, p. 132).
Os programas de compliance ou programas de conformidade, possuem
regras que se apresentam como mecanismos para auferir resultados práticos e
efetivos com relação ao dever de respeito as normas descritas, geralmente, em seus

143 No Brasil, a concepção de programas de compliance, também chamados de programas de


conformidade ou integridade, ganhou maior destaque a partir da edição da Lei nº. 12.846, de 2013,
denominada de Lei Anticorrupção.
144 Eduardo Saad Diniz (2019, p. 131-132) propõe três momentos para determinar o conceito de

compliance que são: “1) negativo; 2) positivo; 3) integração das teses de GRC. [...] Nesse primeiro
momento, o conceito é simplesmente negativo, estruturado com base na infração econômica e
possibilidades de resposta a ela, “compliance se interpretava nos limites das estratégias de defesa ex
ante e ex post em relação ao comportamento desviante”, e juízo carregado de moralismo sobre a
“intolerância frente ao que está errado”. Até então, compliance estava na ordem do dia da defesa-
notadamente criminal-, como um custo necessário para a contenção das investigações por parte das
reguladores e fiscalizadores. Posteriormente, no momento “positivo”, foram introduzidas preocupações
com a valoração de integridade, somando ao conceito de compliance noções atinentes ao
comportamento pró-social e à “cultura empresarial”. Desse momento em diante, começou-se a difundir
nos congressos, em textos científicos e de divulgação na grande imprensa, que os programas de
compliance, para além da mera postura defensiva, poderiam promover iniciativas efetivas de
integridade e encontrar sentido prático na colaboração com reguladores e fiscalizadores.
Recentemente, começam a ser desenhados modelos internacionais que integram as funções de
governança, risco e compliance. [...] a OCGE exerce liderança na área [...]. A partir delas são projetadas
estratégias de aperfeiçoamento dos negócios em busca de oportunidades de negócio em função do
comportamento ético. [...] Ainda estão por ser demonstradas na ética negocial as estratégias de negócio
que gerem retorno em investimentos precisamente porque estão orientadas por comportamento ético
voltado a compartilhar os benefícios com os stakeholders. A partir daqui, adquirem maior protagonismo
soluções inovadoras em compliance.”
92

códigos de conduta, de maneira que, no mercado transnacional, as ETNs e seus


dirigentes, ainda que “não conheçam o cipoal de normas de determinado país,
certamente respeitarão tudo que constar nas regras de compliance” (SAYEG;
ARRUDA JUNIOR, 2016, p. 333).
O Compliance é um caminho para proteção aos direitos humanos no cenário
empresarial, na medida em que pode impor, internamente e perante os parceiros de
negócios ou stakeholders145, a padronização de processos na elaboração de contratos
como forma de assegurar a obrigatoriedade do uso expresso de cláusulas contratuais
que promovam e garantam o respeito aos direitos humanos, e ainda uma mudança
no comportamento empresarial146.
Ou seja, podem partir dos códigos de conduta empresariais disposições
acerca da necessidade de implementação de cláusulas contratuais que protejam
direitos humanos, tornando tais estipulações em obrigações, como explicam Paulo
Nalin e Mariana Barsaglia Pimentel (2019, p. 467):

A implementação das políticas de direitos humanos nas empresas por


intermédio de cláusulas contratuais decorre, em sua grande maioria,
pela incorporação das disposições previstas nos códigos de conduta
das empresas nos instrumentos contratuais, transformando-se uma
obrigação antes “voluntária” em uma obrigação legal.

Referente a forma implícita de proteção dos direitos humanos nos contratos,


por meio de códigos de conduta empresariais, esta decorre da possibilidade da
expressa referência a esses documentos quando estes possuírem disposições
relativas aos direitos humanos, de maneira que os contratantes ratifiquem, por meio
do contrato, a obrigação de respeito àquele instrumento. Isso é, por meio dos
contratos, pode-se criar a obrigação de respeito a um código de conduta que possua
orientações quanto a garantia e afirmação aos direitos humanos, fazendo com que,
indiretamente, as partes se comprometam com esses direitos.

145 O termo stakeholders pode ser entendido como as pessoas ou organizações que sofrem impactos
pelas ações da empresa, ou seja, as partes ou grupos de interesse na empresa.
146 Sobre uma necessária mudança na mentalidade empresarial, embora não se refira especificamente

a este tema, Carlos Ayres Britto (2012, p. 53-54) já afirmou: “[...] não pode haver humanismo sem
humanistas. República sem republicanos. Como impossível é praticar a democracia sem democratas.
O que nos remete para os domínios do nexo causal entre o modo habitual de agir de uma coletividade
(práxis) e a sua peculiar visão de mundo. Donde a referência a uma urgente mudança de mentalidade,
para que, na senda do verbo que se faz carne, o olimpicamente objetivo se transmute em concretos
fazeres subjetivos”.
93

Nessa perspectiva, acerca da referência aos códigos de conduta nos contratos,


afirma Ingeborg Schwenzer (2017, p. 124):

It is first and foremost up to the parties themselves to stipulate in their


contract as to which ethical standards have to be met and how these
must be proven. [...] Many companies nowadays have explicit supplier
codes of conduct that are prominently displayed on their websites and
more often than not translated into manylanguages. The question then
arises as to how terms contained on a website become part of the
contract. Usually, however, they are referenced in the contract, and,
thus, there are no questions about their incorporation. Thus, for
example, according to a 2016 survey, 84 per cent of the multinational
apparel companies—selling under 308 brands—have a code of
conduct prohibiting the use of child labour by suppliers, and 86 per cent
include their code of conduct in their supplier contracts.147

Assim, embora as disposições de códigos de conduta, geralmente, sejam


genéricas e amplas, ao fazer menção expressa a esses instrumentos em cláusulas
contratuais, ao menos não haverá dúvidas quanto aos padrões éticos mínimos a
serem seguidos pelas partes contratantes.
Essas medidas são fundamentais para promoção do Capitalismo Humanista,
nas empresas transnacionais, como forma de afirmação e garantia dos direitos
humanos, reduzindo eventuais impactos negativos de suas atividades na sociedade,
por meio do mais importante mecanismo de propulsão do capitalismo: os contratos.
Como explicam Ricardo Hasson Sayeg e Antonio Carlos Matteis Arruda Junior
(2016, p. 337-338):

[...] a inserção do capitalismo humanista dentro das regras de


compliance é o instrumento que levará a efetivação dos direitos
humanos, em todas as suas dimensões. Isso porque, na prática, os
integrantes de uma empresa transnacional se submetem as regras de
compliance e as respeitam com total força normativa interna,
norteando todas as atividades da empresa.

147Tradução livre: Primeiramente, e acima de tudo, cabe às próprias partes estipular em seu contrato
quais padrões éticos devem ser cumpridos e como eles devem ser comprovados. [...] Atualmente,
muitas empresas têm códigos de conduta explícitos de fornecedores que são exibidos de forma
proeminente em seus websites e, na maioria das vezes, traduzidos para muitas línguas. Surge então a
questão de como os termos contidos em um website se tornam parte do contrato. Normalmente, porém,
eles são referenciados no contrato e, portanto, não há dúvidas sobre sua incorporação. Assim, por
exemplo, de acordo com uma pesquisa de 2016, 84% das empresas de vestuário multinacionais - que
vendem menos de 308 marcas - possuem um código de conduta que proíbe o uso de trabalho infantil
pelos fornecedores, e 86% incluem seu código de conduta em seus contratos com fornecedores.
94

Por conseguinte, além da promoção do Capitalismo Humanista, essa medida


fortalece a reputação e credibilidade da empresa perante o mercado, além de reduzir
riscos em sua atividade e efetivar parâmetros que gerem impacto positivo da atividade
empresarial na sociedade, de maneira a satisfazer não apenas o autointeresse da
empresa, mas, igualmente, os interesses da sociedade148.

3.4 OS LIMITES PARA CONTRATAÇÃO E OS DIREITOS HUMANOS

A liberdade individual teve como uma de suas principais expressões, o


princípio da autonomia da vontade, em especial, no século XVI, face as primeiras
noções de direitos subjetivos como direitos individuais; do que emergiu as ideias de
liberdade contratual, livre arbítrio e a concepção do indivíduo como pessoa que possui
capacidade de escolha (MAILLART; SANCHES, 2011, p. 11).
A autonomia da vontade defendida pelo liberalismo a partir das ideias de que
as partes contratantes possuíam liberdade ilimitada para contratar e estabelecer
relações jurídicas, deu lugar para a autonomia privada com a nova concepção de
liberdade individual, fundada na “liberdade de as pessoas autorregularem seus
interesses por meio de negócios jurídicos, sendo, destarte, fundamento dos princípios
da liberdade contratual, do consensualismo e do efeito relativo dos contratos”
(MORSELLO, 2018, p. 531).
Tradicionalmente, no Brasil, os limites149 à autonomia privada são a ordem
pública e os bons costumes150, contudo, também lhe impõe restrições a tipicidade dos

148 Em igual sentido, enfatizam Bonamigo e Rodrigues (2021, p. 15): “Portanto, a inserção de cláusulas
contratuais que trazem em seu conteúdo a proteção e a promoção dos direitos humanos, políticas
anticorrupção, valorização do trabalho e proteção ao meio ambiente considera expressamente os
impactos da atividade na sociedade e em sua reputação, cumprindo, assim, políticas de compliance
que se materializam a partir do reconhecimento de que tanto a atividade desempenhada pela empresa
como as relações contratuais decorrentes do seu exercício afetam a sociedade e terceiros alheios às
relações estabelecidas. Com isso, a incorporação de padrões éticos aos contratos e a expectativa de
seu cumprimento, pautada na confiança e boa-fé das partes, é benéfica à sociedade e atende a função
social da atividade, figurando como mecanismo que pode garantir efetividade aos programas de
compliance implementados nas empresas.”
149 Ressaltam Adriana da Silva Maillart e Samyra Dal Farra Naspolini Sanches (2011, p. 12-13) que “a

autonomia é um instrumento do querer individual, sendo sinônimo da liberdade, mas não de arbítrio,
de uma vontade sem limites. Isso porque a autonomia evidencia a influência de princípios de natureza
social, tais como solidariedade social, boa-fé, utilidade social, paridade de tratamento, segurança,
liberdade, dignidade humana ou função social. (REZZÓNICO, 1999, p. 209). E por ter influência de
todos esses princípios sociais, deve existir na ideia de autonomia privada um contraponto entre os
desejos particulares e as necessidades gerais”.
150 Nesse sentido, entende Darcy Bessone (1987, p. 31-33): “Sendo justo o contrato, segue-se que aos

contratantes deve ser reconhecida ampla liberdade de contratar, só limitada por considerações de
ordem pública e pelos bons costumes. Assim, enquanto forem observados esses limites, podem as
95

negócios e da determinação legal de todos os efeitos do negócio típico e, ainda, os


princípios contratuais, especialmente, a boa-fé, função social do contrato e
probidade151 (GOMES, 2007, p. 19).
Quanto aos limites à autonomia privada no direito brasileiro, entende Paula A.
Forgioni (2021, p. 114):

A autonomia privada é viga mestra do sistema contratual, servindo ao


seu funcionamento.
Entretanto, ao mesmo tempo em que o mercado exige que haja
transações, o sistema jurídico cobra a legalidade do seu objeto. “O
funcionamento de um sistema econômico prende-se à sua disciplina
jurídica, variando conforme o teor e a medida das limitações impostas
à liberdade de ação dos particulares”. O limite da liberdade de
contratar é encontrado na ilicitude que as normas exógenas impõem
a certos comportamentos, especialmente por conta do art. 104, II do
Código Civil152.

No mesmo caminho, os contratos internacionais possuem entre seus


elementos que limitam a autonomia privada as leis imperativas internas do Estado no
qual o contrato deve ser executado, e as normas de ordem pública (STRENGER,
1992, p. 114).
Sucede que, no âmbito das ETNs, em razão da ausência de soberania no seu
espaço de atuação e, considerando-se que suas atividades geram grandes impactos
na sociedade hodierna e, consequentemente, em seus negócios, é necessário
compreender se os direitos humanos são limitadores da autonomia privada nos
contratos celebrados por elas153.
As transnacionais interagem com os governos de diversos Estados, pois se
tornaram um ator não estatal do direito internacional, possuindo um poder quase

partes convencionar aquilo que lhes aprouver, o que, de resto, constitui um aspecto da liberdade
individual, consubstanciado no princípio de que é permitido tudo o que não é proibido”.
151 Segundo Paula A. Forgioni (2021, p. 115) “Com o passar do tempo, o nicho da liberdade de contratar

diminui, premido por traços provenientes de novos ramos do direito, como o consumerista, o
concorrencial, o ambiental; preocupações de índole social e políticas públicas represam-na cada vez
mais. Não obstante, a liberdade de contratar segue presente em nosso sistema, garantida pela
Constituição do Brasil, servindo à satisfação das necessidades de cada um e de todos e ao sistema de
mercado”.
152 Dispõe o Código Civil brasileiro de 2002: “Art. 104. A validade do negócio jurídico requer: I - agente

capaz; II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III - forma prescrita ou não defesa em
lei”.
153 No Brasil, a autonomia privada encontra limites no Código Civil em seus artigos 122, no parágrafo

único do art. 606 e no parágrafo único do art. 2.035.


96

político alinhado a poderes instrumental, estrutural e persuasivo154, que


estabeleceram o “aparecimento de um novo centro de poder a ser controlado pelos
direitos humanos, como ocorrera com os entes estatais no passado quando do
estabelecimento dos direitos humanos” (JORGE; BENACCHIO, 2020, p. 77).
A atuação das ETNs nos países em que se instalam não está vinculada apenas
ao desenvolvimento econômico e a geração de emprego, pois é necessário que
observem o contexto social do Estado, bem como a responsabilidade pelos impactos
que suas atividades podem gerar.
É nesse cenário que os direitos humanos se mostram hoje como a melhor forma
para ordenar o mercado transnacional, de maneira a guiar suas atividades, ações e
contratações, exatamente como explicam André Guilherme Lemos Jorge e Marcelo
Benacchio (2020, p. 79):

O instrumento jurídico com melhor aptidão para ordenar o mercado


internacional e, por conseguinte, os comportamentos vetados (ilícitos)
e autorizados (lícitos) são as normas jurídicas de direitos humanos.
Observado esse regramento, as empresas transnacionais passariam
de potenciais violadoras para atores internacionais comprometidos
com a proteção, promoção e efetivação dos direitos humanos.

Considerando-se que os direitos humanos determinam paradigmas de


comportamentos a serem exercidos pelas transnacionais, “especialmente para
impedir violações à condição humana no aspecto imanente (ratio) ou transcendente
(fides) da dignidade humana” (JORGE; BENACCHIO, 2020, p. 77), entende-se que
os direitos humanos são, também, limitadores dos contratos.
Afinal, como explicam Ricardo Hasson Sayeg e Wagner Balera (2019, p. 176):

Os Direitos Humanos são concretos e não se interpretam, mas se


concretizam – isto é, executam-se diante das realidades, com o fim
específico da consecução objetiva e tangível do Direito da Dignidade
da Pessoa Humana. Violar a Dignidade Humana é colocar o Homem
em situação desumana, ou seja, naquilo que avilta a sua condição
humana existencial biocultural.

154 “O poder instrumental se manifesta na capacidade de influenciar as finalidades da decisão política


e a da atividade regulatória. O poder estrutural consiste em um aspecto passivo no sentido de
influenciar o ingresso das decisões políticas e noutro aspecto ativo relativo à produção normativa como
ocorre com a autorregulamentação. O poder persuasivo é o poder de influenciar o processo político
dando forma a normas e ideias” (JORGE; BENACCHIO, 2020, p. 77).
97

Por isso, a partir da concepção da eficácia dos direitos humanos nas relações
privadas, nascida da constatação de que as relações privadas estão vinculadas aos
direitos humanos em razão da expansão do efeito horizontal dos direitos
fundamentais155 para a seara dos direitos humanos, como já explicado no tópico 2.1.1,
a autonomia privada, pautada na liberdade de contratar e no conteúdo contratual, é
limitada pelos direitos humanos.
Ampliado o foco dos direitos fundamentais para os direitos humanos, tem-se
que a autonomia privada permanece sendo uma forma de exteriorização da liberdade,
“contudo, esta liberdade não é simplesmente analisada do ponto de vista individual,
mas também sob o prisma da sociedade e da realização dos Direitos Fundamentais,
que constituem o ideário igualitário em âmbito social” (MAILLART; SANCHES, 2011,
p. 30).
Assim, tendo em conta que o mercado global se pauta exclusivamente em
princípios econômicos, mormente, o autointeresse e a racionalidade econômica nos
comportamentos humanos, busca-se, desse modo, que os direitos humanos
prevaleçam acima de qualquer interesse privado oriundo das empresas
transnacionais no momento da celebração de seus contratos, quando estes
instrumentos impactarem negativamente os direitos humanos.

3.5 DO INADIMPLEMENTO ÀS CLÁUSULAS DE PROTEÇÃO AOS DIREITOS


HUMANOS: A DIFICULDADE PARA EXECUÇÃO DO CONTRATO

Os Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos definem, em


seu princípio 11, que “business enterprises should respect human rights. This means
that they should avoid infringing on the human rights of others and should address
adverse human rights impacts with which they are involved”156 (UNITED NATIONS,
2011, p. 13).

155 Ensinam Adriana da Silva Maillart e Samyra Dal Farra Naspolini Sanches (2011, p. 29) que “no que
se refere ao direito privado e à autonomia privada, o principal elo entre estes e os Direitos
Fundamentais são as chamadas cláusulas gerais, de conteúdo aberto a ser definido por meio de uma
valoração do aplicador do direito, que não pode ser baseada em valores morais, extra ou supra legais,
mas sim nos valores consagrados pela Constituição. Por estas cláusulas, tais como a Ordem Pública
e a Boa-fé, vistas acima, os Direitos Fundamentais se infiltram no direito privado e produzem seus
efeitos”.
156 Tradução livre: “As empresas devem respeitar os direitos humanos. Isso significa que eles devem

evitar infringir os direitos humanos de outros e devem abordar os impactos adversos nos direitos
humanos com os quais estão envolvidas”.
98

À vista disso, tem-se que o respeito aos direitos humanos é uma conduta
esperada de qualquer empresa, não obstante o local que atue no mundo e, no caso
das transnacionais, esse dever deve existir independentemente do cumprimento de
normas e regulamentos nacionais dos países em que elas se instalem.
Ocorre que as ETNs utilizam a o mercado globalizado para acordar obrigações
com base na Lex Mercatoria, sem atenção aos ordenamentos jurídicos dos países
nos quais se instalam.
Dessa maneira, considerando-se que os direitos humanos se apresentam como
o melhor meio para ordenação do mercado globalizado, face a concepção de seu
caráter universal e valor normativo (BENACCHIO, 2018a, p. 46), o maior benefício por
meio da introdução de cláusulas que promovam os direitos humanos nos contratos,
sejam elas expressas ou implícitas, decorre do fato de torná-las uma obrigação
exigível.
Isto é, ao incorporar-se os direitos humanos aos contratos, permite-se que as
partes possam compelir o cumprimento das obrigações pactuadas, podendo,
inclusive, estabelecer penalidades em caso de descumprimento, incluindo multa e
rescisão contratual, como explicam Paulo Nalin e Mariana Barsaglia Pimentel (2019,
p. 469):

Os valores éticos preconizados e defendidos pelas empresas são


incorporados aos contratos, transformando-se em disposições
contratuais válidas e passíveis de serem executadas de modo que a
corporificação do respeito aos direitos humanos em obrigações
contratuais dá às partes contratantes inúmeras possibilidades de
“forçar” o seu cumprimento.

Nesse mesmo sentido, tratando sobre contratos de vendas e o estabelecimento


expresso de cláusulas éticas, Ingeborg Schwenzer e Benjamin Leisinger (2007, p.
264), ressaltam a importância de consignar dispositivos sobre esse tema, a fim de que
a obrigação possa ser executada ou sua violação possa ser sancionada.
Em que pese a concepção universalista dos direitos humanos, decorrente de
uma construção cultural e filosófica edificada pela sociedade durante anos, que
diverge conforme concepções regionais, considerando-se o caráter transnacional das
contratações, as eventuais violações aos direitos humanos serão observadas a partir
das peculiaridades do contrato, interno ou internacional, firmado entre as partes.
99

O mercado globalizado compreende diversos países com suas soberanias, de


maneira que, no caso das transnacionais, como já mencionado, há ausência de
soberania na sua esfera de atuação internacional. Assim, a responsabilidade jurídica
da parte que descumprir uma cláusula de proteção aos direitos humanos, bem como
a aplicação de leis, depende das disposições da legislação nacional aplicável em cada
jurisdição, e em eventual descumprimento contratual, em alguns casos, torna-se
necessário recorrer a tratados e convenções internacionais ou aos usos e costumes
que representam a Lex Mercatoria.
Inclusive, no que concerne aos princípios contratuais, pode-se citar as
interpretações diversas relativas a eles, no caso de um contrato celebrado em âmbito
internacional. O princípio da boa-fé, por exemplo, é consagrado no direito brasileiro,
mas possui aplicações diferentes nos contratos internacionais, pois o direito
consuetudinário e o direito civil enxergam a boa-fé de formas diferentes, contudo, sem
negá-la157. Nesse sentido, explica Paulo Nalin (2016) que a boa-fé é um princípio
angular do common law norte-americano, consagrado em níveis jurisprudencial,
doutrinário e até normativo, enquanto que encontra mais limitações no common law
britânico, no qual é utilizado de forma concreta e casuística.
Decorre daí as dificuldades para forçar o cumprimento e a abstenção de uma
obrigação pactuada. Isso porque, em caso de descumprimento de um contrato
celebrado entre empresas transnacionais deverão ser analisados os seguintes
aspectos: 1) a legislação aplicável ao caso; 2) se existe cláusula de foro eleito pelos
contratantes; 3) se existe tratado internacional assinado pelos países dos
contratantes; 4) o direito humano descumprido; 5) soluções alternativas como, por
exemplo, a arbitragem.
Assim, face os variados tipos de contratos e os consideráveis instrumentos
normativos aplicáveis as contratações no âmbito das transnacionais, que poderiam
dizer respeito à exigibilidade das cláusulas protetivas de direitos humanos e as
consequências do seu descumprimento, a exemplo da Convenção das Nações Unidas
para a Compra e Venda Internacional de Mercadorias (CISG)158, que regulamenta o

157 Explica Paula A. Forgioni (2021, p. 136) que “no âmbito do direito internacional, a boa-fé é vista
como o “coração comum” de vários sistemas de direito privado e, por conta disso, foi inserida em duas
das principais iniciativas para uniformização do direito contratual: os chamados Princípios Lando
[Principles of European Contract Law] e os Princípios Unidroit [Principles of international Commercial
Contracts]”.
158 A Convenção de Viena das Nações Unidas sobre Contratos de Compra e Venda Internacional de

Mercadorias (CISG, na sigla em Inglês, ou CVIM, na sigla em Francês) foi firmada pela República
100

comércio internacional ou, ainda, o Pacto Global da ONU, verifica-se, nesta análise, a
dificuldade quanto as medidas em caso de descumprimento de uma cláusula protetiva
de direitos humanos celebrada em um contrato composto por empresas
transnacionais como partes.
Para além das dificuldades decorrentes dos diferentes ordenamentos jurídicos,
pode-se esbarrar, também, em desacordos com relação ao direito humano violado,
uma vez que as definições de direitos humanos são divergentes nas sociedades
políticas, mesmo que em ambientes com culturas semelhantes159 (CABRITA, 2010, p.
171).
Esse desacordo apenas enfatiza a ausência de conformidade política, religiosa,
filosófica e moral da sociedade quanto aos direitos humanos, o que afeta as relações
econômicas e o alcance desses direitos.
Por sua vez, a partir do direito interno brasileiro é possível a responsabilização
jurídica das transnacionais, que deve ser concretizada por meio da perspectiva tratada
no tópico 2.1.1, que incorpora valores e princípios dos direitos humanos e expande
sua aplicação as relações entre entes privados (SANCHES; BENACCHIO, 2012;
SARMENTO, 2010).
O Código Civil brasileiro de 2002 trata do Inadimplemento das Obrigações no
seu Título IV e, diferentemente do Código Civil de 1916, afastou o individualismo,
passando o Direito das Obrigações a ser considerado por uma base ética160 (BIANCO,
2013, p. 103).

Federativa do Brasil, em Viena, em 11 de abril de 1980, e promulgada por meio do Decreto nº 8.327
de 16 de outubro de 2014, e aplica-se aos contratos de compra e venda de mercadorias entre partes
que tenham seus estabelecimentos em Estados distintos.
159 Isabel Rute Sousa do Amaral Xavier Cabrita (2010, p. 171- 172) compreende que “[...] a definição

dos direitos humanos difere de sociedade política para sociedade política e que mesmo em ambientes
culturais relativamente semelhantes existem diferenças devido a tensões no seio da própria tradição
cultural. Mais, as diferenças na definição dos direitos humanos ou mesmo a ausência de uma
concepção de direitos humanos formam uma parte fundamental da identidade das sociedades
reflectindo escolhas sociais sobre o que é ser humano, o bem, o que tem valor na vida humana,
a justiça, o relacionamento entre o Estado e os cidadãos etc. Isto é, o desacordo em relação ao
conceito de direitos humanos reflecte a falta de unidade ao nível da religião, da filosofia e da
moral nas diversas sociedades políticas e, sobretudo, no pensamento dos homens. Daqui se conclui
que não há acordo sobre o sentido dos direitos humanos por causa do facto do pluralismo cultural. Isto
é, devido ao facto das pessoas não viverem numa cultura abstracta e universal mas sim em diversas
culturas tecidas pelos fios da sua história, religião, geografia, formas particulares de organização
familiar etc...”.
160 No Código Civil brasileiro de 2002, os princípios fundantes do Direito das Obrigações são: a

socialidade, a eticidade e a operabilidade. Segundo João Carlos Bianco “o princípio da socialidade leva
ao entendimento de que os interesses individuais, embora significativos para o ordenamento jurídico,
não podem sobrelevar os interesses sociais, por serem esses informativos” (2013, p. 94); já quanto a
eticidadde “agir com eticidade significa elevar-se como pessoa humana, procedendo de maneira proba
101

Em caso de eventual descumprimento de uma cláusula protetiva dos direitos


humanos, regido pela lei brasileira, aplicar-se-á as disposições relativas ao Título IV
do Código Civil de 2002, observado, no que couber, o disposto no artigo 9º do Decreto-
Lei nº 4.657 de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução às normas do Direito
Brasileiro - LINDB)161.
Por fim, a incorporação dos direitos humanos aos contratos empresariais é uma
medida que atribui o caráter de obrigatoriedade ao seu cumprimento, contudo, a
possibilidade de execução em caso de descumprimento, como visto, dependerá da
observância a diversos fatores, que podem gerar dificuldades para forçar o
cumprimento de uma obrigação pactuada.

e leal na consideração de valores que exigem o respeito e o apreço aos direitos e interesses alheios.
Evidente que a eticidade evoca a ética, e essa significa o “eu” reconhecer, respeitar e reverenciar o
“outro” [...]” (2013, p. 99); por fim, “o princípio da operabilidade foi inspirado no Direito alemão, e
segundo Miguel Reale: “o Direito é feito para ser executado; Direito que não se executa – já dizia
Jhering na sua imaginação criadora – é chama que não aquece, luz que não ilumina” (2013, p. 101).
161 Artigo 9º, Decreto-Lei nº 4.657 de 4 de setembro de 1942: “Art. 9o Para qualificar e reger as

obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem.


§ 1o Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de forma essencial, será esta
observada, admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato.
§ 2o A obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente”.
102

CONCLUSÃO

A pesquisa centrou sua análise nos contratos empresariais para a garantia e


afirmação dos direitos humanos no contexto das empresas transnacionais.
Levantou-se os seguintes problemas: o contrato empresarial pode servir à
realização do humanismo? É possível a utilização do contrato empresarial, pelas
empresas transnacionais, para garantia e afirmação dos direitos humanos,
promovendo-se o capitalismo humanista? Como seria feita a vinculação dos direitos
humanos aos contratos empresariais?
Os resultados obtidos no primeiro capítulo demonstraram que o contrato é um
instrumento do Direito que sofreu modificações ao longo dos anos, uma vez que não
se trata de um instituto estático. Os apontamentos da evolução histórica dos contratos,
necessários para compreensão dos passos que trilhou até chegar ao modelo atual de
contrato, demonstraram que os ideais liberalistas do século XIX o tornaram um
mecanismo da autonomia da vontade e o mais importante meio para circulação de
riquezas da época.
A crise do contrato, decorrente dos questionamentos da sociedade quanto ao
modelo oitocentista de contrato, fez nascer a concepção social ou solidária que,
também, mostrou-se insuficiente para solucionar os conflitos contratuais surgidos.
Esse fato, alinhado a expansão da globalização, resultou no pós-modernismo e
ensejou uma nova crise dos contratos.
Passou-se, então, a concepção do contrato como base para o equilíbrio entre
a sua vertente solidária, com foco na promoção da dignidade da pessoa humana, e a
eficiência econômica, pautada pelas necessidades do mercado.
Essa mudança de paradigma dos contratos é visível pela adoção de princípios
que amenizam o rigor contratual outrora vigente, por meio da socialização e dirigismo
contratual que atenuam o pacta sunt servanda, sem deixar de lado os valores de
mercado.
Hodiernamente, então, o contrato instrumentaliza a atividade empresarial, isso
porque, a empresa é atividade que é exercida por meio de contratos que, sendo de
cunho essencialmente empresarial, possui especificidades e funções inerentes a esta
modalidade de contrato, a fim de viabilizar as trocas econômicas e negociações
empresariais.
103

No segundo capítulo, verificou-se nos resultados que, tal como os contratos, a


empresa também mudou de paradigma ao longo dos anos, e passou do papel de
agente exclusivamente econômico para um dos principais agentes sociais no século
XXI, cujo agir pautado no lucro não atende mais aos anseios da sociedade.
Especial destaque na sociedade possuem as empresas transnacionais que, na
atualidade, são detentoras de maior poder econômico, social e político que os
Estados, uma vez que operam globalmente e movimentam capital além das fronteiras
dos países, sendo reguladas pela Lex Mercatoria, o que demonstrou a necessidade
de conformação dos interesses das transnacionais com os direitos humanos.
Nesse movimento, ao longo dos anos, as empresas transnacionais não
trouxeram apenas progresso e geração de emprego para os Estados nos quais se
instalaram, pois, em busca de menores custos, mão de obra mais barata e legislações
com menor rigidez, desrespeitaram e agrediram diversos direitos humanos.
Esse fato chamou a atenção da sociedade civil e organizações internacionais
que passaram a atuar em prol da existência de um sistema que viabilizasse a
conformação dos interesses das empresas e dos direitos humanos, com a criação de
mecanismos como o Pacto Global da ONU ou os Princípios Orientadores sobre
Empresas e Direitos Humanos.
Já no terceiro capítulo analisou-se os contratos à luz do humanismo,
apresentando-se como resultados que o contrato, enquanto um instrumento do
Direito, serve a realização do humanismo, promovendo a dignidade da pessoa
humana em todas as suas dimensões e de elo entre os valores de mercado e os
direitos humanos, além de ser uma forma de regulação do mercado.
Diante disso, verificou-se que os contratos empresariais podem ser usados,
pelas empresas transnacionais, para garantia e afirmação dos direitos humanos, uma
vez que é possível a vinculação dos direitos humanos a eles, sendo esta uma de suas
novas vertentes e, por consequência, um meio para promoção do capitalismo
humanista, ou seja, um capitalismo pautado nos direitos e necessidades humanas,
confirmando-se a superação da ideia de incompatibilidade entre o capitalismo liberal
e os direitos humanos.
Os direitos humanos podem, portanto, ser incorporados aos contratos
empresariais celebrados pelas ETNs, por meio de estipulação, expressa ou implícita,
das chamadas cláusulas de proteção aos direitos humanos, cláusulas éticas ou
cláusulas de sustentabilidade, isto é, cláusulas que envolvam em seu conteúdo temas
104

de interesse social, proteção dos direitos humanos, ética ou meio ambiente como, por
exemplo, a proibição de trabalho e exploração sexual infantil, proibição ao trabalho
forçado, análogo ao escravo e em condições degradantes ou perigosas.
Essas incorporações, implícitas ou explícitas, são fundamentais para a
consecução de Capitalismo Humanista pelas ETNs, pois podem levar a efetivação dos
direitos humanos em todas as suas dimensões, por meio do seu principal instrumento
de autorregulação que são os contratos empresariais.
Por essa perspectiva, concluiu-se que os direitos humanos devem ser os
limitadores às contratações pelas ETNs, já que o contexto social e os possíveis
impactos de suas atividades e a sua responsabilidade devem ser observados desde
o momento das tratativas, durante e após a extinção do contrato, por violações aos
deveres acessórios.
Tendo em vista que o contrato empresarial tem por característica sua
celebração entre empresários ou sociedades empresárias com o intuito de auferir
lucro, no caso das transnacionais, ao celebrarem contratos com empresas em países
diferentes, apesar da vinculação expressa ou implícita da proteção aos direitos
humanos nos contratos, certas dificuldades podem ser encontradas para uma possível
execução do contrato em caso de descumprimento dessas cláusulas.
Evidente que as dificuldades decorrem da particularidade de cada contrato,
mas, pode-se destacar, especialmente, a existência de cláusula de foro de eleição; a
legislação do país em que o contrato foi constituído; existência de tratado internacional
assinado pelos países dos contratantes; ou o direito descumprido e cláusula que
preveja solução alternativa de conflitos, como a arbitragem.
E, em que pese eventuais dificuldades para o cumprimento das obrigações,
pode-se dizer que a afirmação e garantia dos direitos humanos pode ser feita por meio
dos contratos. Afinal, é certo que os contratos empresariais destacam-se dentro da
teoria geral dos contratos, e devem ser lidos dentro da sua lógica e conforme suas
características, entretanto, dentro dessa lógica é necessário inserir a afirmação e
garantia dos direitos humanos, mormente, em razão do papel de destaque exercido
pelas ETNs na sociedade hodierna, e da concepção de que o Estado e as empresas
não podem ser considerados atores antagônicos.
Ademais, os direitos humanos são indispensáveis para qualquer Estado ou
área da sociedade, de maneira que apenas se pode pensar em desenvolvimento
105

integral se houver a sua plena garantia, e disso também decorre o elo entre esses
direitos e as ETNs.
Enfim, não se nega a função econômica dos contratos empresariais ou mesmo
a busca por lucro por parte das transnacionais, afinal, é isso o que move a atividade
empresarial, contudo, é necessário viabilizar o modelo capitalista de cunho humanista,
ou seja, com equilíbrio entre os valores de mercado e os valores humanos, com a
finalidade de promover o desenvolvimento de todos.
106

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