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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS


DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
DISCIPLINA: HISTÓRIA DO RIO GRANDE DO NORTE I
DOCENTE: PROF. DR LEONARDO CÂNDIDO ROLIM
DISCENTES: CARLOS HENRIQUE G. SILVEIRA, ERIC SOUSA, RENÊ VIDAL

A calamidade da seca e o tráfico interprovincial de escravizados na província do Rio


Grande do Norte (1877-1885)

MOSSORÓ
2019
RESUMO: Com este artigo pretendemos analisar a relação entre a seca de 1877-79 e suas
consequências no tráfico interprovincial de escravizados sincrônico a seca até a abolição oficial
deste comércio, com a Lei do sexagenário, em 1885, Isto, dando ênfase na Província do Rio
Grande do Norte. Para isso, inicialmente investigaremos as Falas e Relatórios dos presidentes
da Província do Rio Grande do Norte, censos demográficos tanto imperial e também o
provincial. Além de consultar uma bibliografia de estudos consolidados, como os trabalhos de
Emília Viotti da Costas e Denise Mattos Monteiro, Sidney Chalhoub e outros trabalho
acadêmicos recentemente produzidos no Rio Grande do Norte, na Universidade Federal do Rio
Grande do Norte (UFRN). O intuito é encontrar balanços qualitativos e quantitativos do impacto
da seca na economia da província, as políticas que foram desenvolvidas e possíveis relações
que transparecem na documentação sobre as nuances do número de escravizados.

PALAVRAS-CHAVE: História do Rio Grande do Norte; Tráfico interprovincial;


Escravidão; História da seca.

Introdução

Os estudos acerca do tráfico de escravizados ocupam menos espaço do que a produção


acadêmica sobre a escravidão em seu aspecto geral. No caso do trabalho escravo, muitos
historiadores se debruçaram sobre os mais diversos aspectos dessa instituição, com obras e
debates variados. Desde o final da década de 1980, por ocasião do primeiro centenário da Lei
Áurea e com ampliação dos programas de pós-graduação, houve um considerável aumento do
número de pesquisas sobre a questão dos escravos no Brasil. Despontaram importantes estudos
que contribuíram para que constituíssem uma sólida linha de pesquisa demográfica,
socioeconômica e cultural. Além disso, a partir desta década, sob influências da abordagem
historiográfica inglesa, principalmente de E. P. Thompson, as pesquisas sobre a escravidão no
Brasil passaram a tratar os escravizados como agentes de sua própria história.
No que diz respeito à comercialização interna de escravizados, as produções de
pesquisas ainda são incipientes. Compreender a dinâmica deste comércio na segunda metade
do século XIX requer a análise de fontes que nos deem elementos do cotidiano dos agentes
deste tipo de instituição. Para tal intento, a possibilidade de estudos sobre este tema depende de
interpretações de fontes que até recentemente não eram bem vistas pela historiografia, como é
o caso dos anúncios de compra e venda de escravizados nos jornais ou autos de processos
criminais.
Portanto, ao cruzarmos as informações coletadas em fontes como notícias de jornais,
relatórios de presidentes de províncias, censo demográfico leis provinciais, juntamente com a
historiografia relacionada à instituição escravista, foi possível compreender como o tráfico
interprovincial impactou a estrutura da população cativa do Rio Grande do Norte na segunda
metade do século XIX.
Através desta pesquisa, percebeu-se como o mercado interno de escravizados na
província potiguar estava ligado ao contexto nacional. A compra de cativos para revenda no
Sudeste ocorreu de forma mais intensa no rio Grande do Norte durante e após a grande estiagem
que ocorreu no final da década de 1870. Diversos comerciantes locais se envolveram com este
tráfico, agindo de intermediários entre os senhores do Sudeste e do Norte.

Os trampolineiros do comércio interprovincial

Desta cidade [Assú] conduziu Felippe Maximo o escravo Joaquim para a praça de
Pernambuco, fazendo-o embarcar em outro vapor costeiro, e tocando por escala nos
portos da capital desta província, da Parahyba, e por último ao seu destino. (Brado
Conservador, 6 de abril de 1877, p. ??)

Este excerto do jornal potiguar, “Brado Conservador”, do dia 6 de abril de 1877


apresenta-nos um pouco da dinâmica comercial da prática de compra e venda de cativos que
ocorreu na Província do Rio Grande do Norte nos últimos anos do império português. Joaquim,
um jovem de 15 anos, foi comprado, no município de Assú, pelo trampolineiro Felipe Maximo
da Rocha Bezzera, e levado até Pernambuco. Porém, no percurso, Joaquim foi acometido de
doenças, fazendo com que o traficante Felipe se arrependesse da negociação voltasse para tentar
devolver o cativo para seu ex-dono, o filho do capm. Pedro Soares de Macêdo.
Tal caso foi parar na justiça, mas o que nos interessa é como esta notícia já nos dá pistas
de como ocorria este tipo de comércio interno de escravizados. A prática de compra e venda de
escravizados entre províncias vizinhas passou a ser comum, principalmente em épocas de crise.
Neste caso do escravizado Joaquim, é possível inferir que a província de Pernambuco, por não
ter sido muito afetada pela estiagem, passou a se aproveitar da demanda de cativos vendidos
pelos fazendeiros do sertão.
Além do mais, tal recorte de jornal também nos possibilita identificar que o tráfico
interprovincial colocava os escravizados em condições precárias de saúde. Outro aspecto é que,
mesmo com o tráfico atlântico proibido pela Lei Eusébio de Queiroz de 1850, a rota de Assú
até Pernambuco possuía trechos marítimos. Ou seja, tais traficantes de escravizados
conseguiam passar pelos portos e pelas vias marítimas para chegar em outras províncias do
Império brasileiro.
O ano de 1877, para o Rio Grande do Norte foi marcado por uma grande estiagem. Logo,
muitos proprietários de cativos viram que a venda destes era uma boa saída da crise. Com o
tráfico interprovincial. Este comércio aumentou, também, devido à demanda de mão de obra
cada vez maior nas lavouras de café das províncias do Sudeste.

Sudeste cafeeiro, norte açucareiro

O tráfico interprovincial surgiu como uma alternativa para os fazendeiros, em especial do


Sudeste, que começou a desenvolver a economia cafeeira. Tal comércio de escravizados foi
uma das formas que muitos proprietários das províncias do Norte saldarem as suas dívidas. É
nessa perspectiva, portanto, que este trabalho se dedicou em compreender como esta dinâmica
do tráfico interprovincial afetou a província do Rio Grande Do Norte no final do Império.
Devido à seca ocorrida entre os anos de 1877 a 1879, que afetou a agricultura da
província, houve uma elevação na venda dos escravizados potiguares, assim como em outras
províncias do Norte, para outras regiões do país. O número de cativos no Rio Grande do Norte,
portanto diminuiu bastante.

Logo, pretendemos analisar a relação entre as grandes secas ocorridas no final do século
XIX e suas possíveis consequências no tráfico interprovincial da região Norte para com a região
ao sul do país, dando ênfase na Província do Rio Grande do Norte. Para isso, inicialmente
investigaremos as Falas e Relatórios dos presidentes da Província do Rio Grande do Norte,
censos demográficos tanto imperial e também o provincial. Além de consultar uma bibliografia
de estudos consolidados, como os trabalhos de Emília Viotti da Costas e Denise Mattos
Monteiro, Sidney Chalhoub e outros trabalho acadêmicos recentemente produzidos no Rio
Grande do Norte, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). O intuito é
encontrar balanços qualitativos e quantitativos do impacto da seca na economia da província,
as políticas que foram desenvolvidas e possíveis relações que transparecem na documentação
sobre as nuances do número de escravizados.

O tráfico interprovincial, observa-se que este tipo de comércio impactou


significativamente a estrutura da escravidão das províncias do Norte no final do Império
português. Tanto os senhores de escravizados das províncias do Norte quanto os do Sul viram
uma oportunidade de contornarem suas crises com a venda de escravizados aos senhores do
café do Sudeste. Como nos apresenta Emília Viotti da Costa (1999):

O rápido crescimento das plantações de café fez do trabalho o problema mais urgente.
Como podiam os fazendeiros satisfazer suas necessidades de trabalho após a
interrupção do tráfico de escravos? O tráfico interno ofereceu uma solução temporária,
mas a auto reprodução dos escravos não podia satisfazer a demanda imediata.
(COSTA, 1999, p. 364).

Para que possamos ver com mais amplitude esta questão, podemos conferir a
demografia geral do Império, realizada poucos anos antes da grande seca. Vejamos:

Tabela 2: Resumo histórico dos inquéritos censitários no Brasil

Este foi o primeiro censo demográfico realizado oficialmente pelo Governo Imperial no
início da década de 1870, em 1872. E nos é muito útil para termos uma noção quantitativa da
condição civil da população brasileira, e mais propriamente no nosso caso, a da Província do
Rio Grande do Norte. A tabela acima nos mostra que já neste contexto a população de
escravizados se concentra na região Centro-sul do país, especificamente nas Províncias Minas
Gerais (370.459 mil), Rio de Janeiro (292.637 mil) e São Paulo (156.612 mil); respectivamente.
Na região Norte, a Província do Rio Grande do Norte corresponde a quarta província com
menor número de habitantes (233.979 mil), com um percentual de 5,6% da população em
condição de pessoas escravizadas (13.020 mil). Isto, as vésperas do período em que se acentua
a maior movimentação de escravizados para o Centro-sul. Chalhoub (2011, p. 50) em sua
celebre obra Visões da liberdade nos oferece um esboço quantitativo deste fluxo demográfico,
ele afirma que

Segundo as estimativas de Robert Slenes, esse movimento de população


despejou no sudeste, a partir de 1850, cerca de 200 mil escravos. O auge desse
movimento de transferência interna de cativos ocorreu entre 1873 e 1881,
quando 90 mil negros, numa média de 10 mil por ano, entraram na região,
principalmente através do porto do Rio de Janeiro e Santos. Só a polícia do
porto do Rio registrou a entrada de quase 60 mil escravos nos nove anos de
apogeu do tráfico interprovincial.

De acordo com estas informações, é possível perceber a relação direta ao auge do tráfico
interprovincial de escravizados com a seca – além da crise econômica do Norte que
discutiremos a frente. Como coloca o autor, o auge de comercialização se da entre 1873 à 1881,
anos posteriores ao censo demográfico que apresentamos e, justamente, período que
circunscreve a ocorrência da seca. E juntamente a isto a demanda pelo emprego da mão de obra
escravizada para a produção da lavoura mercantil de exportação de café, ocasionou, como
podemos ver, uma fluxo migratório da população negra das províncias do Norte do país para a
região Centro-sul.

Dentro desta discussão, cabe a nos analisarmos, com mais clareza, os fatores
econômicos e políticos próprios da região Norte que contribuíram para tal fenômeno migratório
proporcionado por este efervescente comércio interprovincial de escravizados. Sabe-se, através
da historiografia, que o Rio Grande do Norte nunca teve um passado marcadamente
escravocrata. Sua economia, desde o período colonial, resumia-se na pequena lavoura de
subsistência, na pecuária dos Sertões e das sub-regiões do Agreste e Zona da Mata, alguma
atividade a açucareira com pouca expressividade. Dentre este e outros fatores, a concentração
de mão de obra livre, isto é não negra nem indígena escravizada, tinha um percentual
considerável logo no final século XVIII quando iniciou a lavoura de algodão. O primeiro ponto
a destacar, diz respeito a transição do escravismo para o trabalho dito livre nas províncias do
Norte, preponderantemente fomentado no interior da região devido as particularidades na
produção da lavoura mercantil do Algodão. A Província do Rio Grande do Norte foi uma das
grandes nesta atividades e foi atingida com suas consequências desde muito antes :

Se o trabalho livre já era predominante nos canaviais, foi muito mais presente
ainda nos algodoais, nessa expansão da década de 1860, pois, em primeiro
lugar, a cultura do algodão havia se transformado em lavoura mercantil
essencialmente com braços livres, desde o último quartel do século XVIII;
segundo, o fim do tráfico africano colocara dificuldades para o abastecimento
de escravos; e, em terceiro, a lavoura do café no Centro-sul do país havia
passado a animar um trafico interprovincial, que seria cada vez mais intenso.
(MONTEIRO, 2008, p. 100)

Assim como já foi dito, a produção de algodão emergência as áreas do interior do Norte
do país muito em função de fatores externos. Neste exato trecho, Monteiro (2008) aponta
algumas colateralidades do contexto das décadas finais da escravidão que contribuíram para a
transição antecipada para o trabalho livre. A venda de escravizados foi muito influenciada na
década seguinte, devido a “grande seca” de 1877-1879, que obrigou muitos dos proprietários a
se desfazerem deles para encarar as dificuldades da estiagem. Como foi o caso do município de
Mossoró, um dos pontos que centralizou um dos maiores números de retirantes1e que também
intermediava este negócio, como podemos conferir no relato abaixo:

“Em 1877 devastava os sertões do nordeste brasileiro, uma aterrorizadora seca


que se prolongou até 1879. A população sertaneja faminta e andrajosa
abandonava seus lares em busca do litoral. Mossoró, Aracati, Fortaleza,
Macau e Areia Branca abrigaram grupos numerosos de flagelados. Os ricos
criadores sertanejos proprietários de muitas léguas de terra e de escravos
também sofreram os efeitos desoladores da seca e, por isso, acossados pela
necessidade enviavam para aquelas cidades litorâneas, principalmente
Mossoró, os seus muitos escravos que ali eram vendidos. Estabelecia-se, deste
modo, o comércio dos escravos! Em Mossoró, diversas casas comerciais
tornaram-se compradoras de escravos, destacando-se entre elas, a Mossoró &
Cia. de propriedade do Barão de Ibiapaba. Os escravos comprados em
Mossoró eram remetidos para Fortaleza e dali para as províncias do Sul.”
(SOUZA, Apud CASCUDO, 2011, p. 222)

1 Falla com que o Exm. Sr. Doulos Rodrigo Lobato Marcondes Machado, presidente da província,
abrio a 2ª sessão da Assembléia Legislativa provincial do Rio Grande do Norte, Cidade do Natal, em
27 de outubro de 1879, p. 50
No relato memorialístico em questão, de Francisco Fausto de Souza, escrito em 1930 e
publicado em diferentes edições no livro de Cascudo (2011), intitulado Notas e documentos
para a história de Mossoró, o autor nos apresenta uma relação direta entre os efeitos da seca a
venda dos cativos na localidade circundante do município de Mossoró. Além do mais, mostra
informações preciosas sobre os agentes deste comércio, destacando o Barão de Ibiapaba.

A venda de escravos nas províncias do Rio Grande do Norte, a partir de 1860, mostra-se
em números bastante pequenos, como mostra a tabela 01, o que é de se estranhar, para uma
região de número tão alto de escravos (PEREIRA, 2014). Com a dificuldade da seca, os
senhores de escravos começam a sentir necessidades financeiras, e passar a vender seus
escravizados. Para a venda ser permitida pelo juiz, alegavam o ser escravizado ser órfão, e que
estava o colocando à venda por extremas necessidades financeiras, colocando em risco
inclusive a alimentação da sua família. Segundo Ariane Pereira (2014):

A seca [...] deixava os senhores do semiárido sem condição de plantar ou criar. A saída
encontrada era vender parte dos seus escravos tanto para adquirir verbas, como para
diminuir as bocas para alimentar, vestir e desonerar os cativos que se encontram
ociosos já que as atividades produtivas estavam paradas. Fato é que os senhores
pediam para vender os escravos fora da área afetada pela seca, na tentativa de
conseguir melhores somas (NEVES, apud PEREIRA, 2014, p.60).

Tabela 01 (Cunha Barreto, 1883, p.23)


A prática de venda de escravos em províncias vizinhas era algo comum, principalmente
em províncias do Sul, pois devido à seca era rotineiro fazendeiros se mudarem para outras
regiões, juntamente com todos os seus “bem-móveis”. Pois como foi dito anteriormente, a seca
acaba influenciando diretamente no comércio nas províncias do Rio Grande do Norte. Muitos
buscavam a venda de seus escravos em outras províncias, pois assim conseguiam vender por
um valor mais alto. Muitos eram vendidos por exemplo para Amazônia, devido a necessidade
de mão de obra com a borracha amazônica.

Devido à seca e os problemas que as acompanha, o tráfico de interprovincial começa a


se tornar vantajoso, pois era uma forma de vários fazendeiros escaparem das consequências
econômicas causadas devido à seca, principalmente na região do Seridó no Rio Grande do
Norte. O tráfico também facilitava a venda, já que se fugia das burocracias jurídicas.

Entretanto, é importante destacar que as produções das lavouras mercantis de


exportação de grande porte na região Norte, a de açúcar e a de algodão, já se encontravam em
crise mesmo antes da seca, e na província do Rio Grande do Norte não foi diferente. A produção
de algodão que se expandiu no Norte do país devido a Guerra de Secessão no Estados Unidos,
nos anos anteriores e posteriores a 1863-1865, começo a se retrair após o fim desta,
restabelecendo o produto norte-americano no mercado internacional; além disso, a produção de
açúcar também e em baixa por conta da concorrência do açúcar cubano e o açúcar de beterraba,
que passou a dominar o suprimento do mercado europeu (MONTEIRO, 2008, p. 99-101).
Portanto, os efeitos da seca só agravaram a complicada situação econômica da província do Rio
Grande do Norte.

Por outro lado, na região Centro-sul, a Demanda de escravizados nos cafezais só crescia,
valorizando o preço destes (COSTA, 1998, p. 252):

Os preços subiam cada vez mais depois da alta sofrida imediatamente após a
cessação do tráfico, agravada pelo fenômeno inflacionário, eles oscilaram
durante mais ou menos dez anos entre 500$000e um conto, conforme idade,
sexo e mais atributos. Mantinham-se, em regra entre 650$000 e 700$000. Foi
neste período, provavelmente, que o suprimento de mão-de-obra, nas áreas
cafeeiras, se fez de maneira mais ou menos regular através da entrada de
grande número de negros provenientes do Nordeste. Depois, passaram os
preços a varias entre 800$000 e 1:500$000, seguindo-se outra alta acentuada.
Entre 1876 e 1880, atingiam os mais altos níveis: 1:000$000 a 2:500$000 e
até, excepcionalmente, 3:000$000. (COSTA, 1998, p. 252)
Neste trecho, Costa (1998) elucida a questão do crescimento do valor de mercado do
escravizado, isto no comércio interprovincial. O interessante é que o auge de seu preço se dá
justamente em um intervalo de tempo que circunscreve o período de seca na então região Norte
do país. Os fatores são adversos, entretanto, a demanda de mão de obra dos cafezais, no Centro-
sul, e a crise econômica e humanitária, no Norte, contribuiu em primeira ordem para esta
supervalorização – fenômeno econômico entendível pelo simples princípio liberal de oferta e
demanda de mercado, o Centro-sul demandando e o Norte ofertando os escravizados. Mais a
frente em sua discussão, a autora comenta que, devido a inúmeras restrições a este comércio –
muito por conta da atuação dos abolicionistas –, é que “só a partir de de 1885 que houve uma
depreciação do escravo e os preços caíram a 1:500$000 e 1:000$000” (COSTA, 1998, p. 253).
Ficara ostensivamente caro a obtenção e a manutenção deste tipo de mão de obra com as tais
condições impostas a este mercado. E, no contexto provincial , no momento auge dos preços
dos cativos Monteiro (2008, p. ) aponta que

Em relação ao Rio Grande do Norte, o volume total desse tráfico é


desconhecido, tendo em vista a falta de dados. Sabemos, entretanto, que,
durante a seca de 1877-1879, "o imposto de 50 mil réis por exportação de
escravos" foi reduzido para 1/5 desse valor, passando para "10 mil réis", o que
indica, por um lado, que os envolvidos no tráfico interprovincial foram
favorecidos por medidas fiscais.

Este trecho é interessante, pois além de evidenciar um problema para os estudos


históricos sobre o tema, encontra uma luz em uma evidencia que revela um arranjo entre a
classe política e a classe comerciante de escravizados para um ajustamento fiscal conveniente
em um período critico para a economia agraria. Mesmo sem fontes que toquem cirurgicamente
nesta questão, através desta informação, sabemos ao menos que o tráfico interprovincial era
uma alternativa de negócio enquanto perdurava a crise agrária decorrente da seca - que
logicamente contribuí para a redução do trabalho escravo. Entretanto, mesmo com a referida
alteração legal, é surpreendente o montante arrecadado pela Província, como podemos
observar:

“Na renda ordinaria não está comprehendido o dizimo do gado vaccum,


cavallar e muar, que deixou de ser arrecadado, em consequencia das
difíiculdades creadas pela calamidade da sêcca, que devastou o sertão da
provinda. Este prejuizo, porem, foi compensado pelo producto do imposto de
sobre as mercadorias importadas e pelo augmento da renda proveniente da
meia siza de escravos e do imposto sobre procurações para venda dos mesmos,
como se evidencia da tabella infra comparativa da renda do exercicio de 1876-
1877 e 1877-78.” (p. 50)
Fonte: Tabela do relatório do Thesouro Provincial. (p. 50)

Neste trecho, observa-se que o Presidente de Província justifica o não pagamento do


imposto, no caso, denominado de dizimo do gado, devido à ocorrência da seca que,
consequentemente, debilitou os habitantes da província não só economicamente, com a perda
do gado pela estiagem, mas também em sua ordem social – devido a fome, as retiradas, a
mendicância. Entretanto, e o que é mais interessante, é que o Senhor Presidente de Província
destaque que, apesar da calamidade que se encontrava a produção e a situação de sobrevivência,
a Província passou a arrecadar mais sobre o imposto sobre a venda de escravizados neste
período, além de com a importação de produtos – provavelmente para suprir a falta de alimento
e outros produtos de primeiras necessidades devido a seca. Isto é claramente o indício que nos
ajuda a esclarecer a relação proposta em nossa proposta investigativa, sobre a elucidação das
relações, diretas e/ou indiretas, dos efeitos da seca no sertão da região Norte do país para com
a dita “evacuação” grandiosa dos escravizados para a região Centro-sul, mormente as áreas
produtoras de café.

Após a afirmação, o relatório apresenta dados objetivos e comparados do percentual de


arrecadação correspondente ao período sincrônico à ocorrência da estiagem e dos anos
antecedentes, o que nos permite ter parcialmente uma noção quantitativa que apresente a
diacronia entre os cenários diferentes dentro deste contexto. Logo, de acordo com os dados
fornecidos pelo relatório, verifica-se um crescimento percentual de 283, 76% na arrecadação
referente ao imposto de comercialização dos escravizados, ou seja, no contexto que se sofre
com os efeitos da seca, a província arrecadou deste negócio 283,76% a mais que nos anos
proximamente anteriores. Infelizmente estes são os únicos dados disponíveis, isto é,
apresentados nesta fonte. Logo, ainda não é possível cruzar dados nem afirmar o quanto destes
números são provenientes diretamente do tráfico interprovincial, muito menos o montante de
escravizados transportados neste período – já que os caderno de registros quase todos “se
perderam”.

Ou seja, âmbito da Província do Rio grande do Norte, o então senhor presidente Rodrigo
Lobato Marcondes Machado relatava em 1879 o contínuo estado de decadência financeira na
arrecadação de algumas atividades econômicas, mas que teve efeito em outras, devido o
fenômeno da seca:

Se a sêcca tem diminuído o imposto de 5% de exportação, se chegou quase a extinguir


o dízimo de gado e lavouras, uma das fontes mais abundantes da receita, é certo que
ella fecundou outras, como a do imposto de 3 % de expediente e a de exportação de
escravos, que produziram 150:0008$000 no exercício de 1877-1878 e 120:000$00 no
exercício de 1878 1879, ainda em liquidação (Relatório de Presidente de Províncias
do Rio Grande do Norte, 1879, p.25).

Nos períodos de seca no século XIX nas províncias do Rio Grande do Norte, ocorreu
mudanças no comércio. As províncias começam a se adaptar ao mercado internacional, que
visava a cultura da cana-de-açúcar e algodão, pois a pecuária e a agricultura acabam se tornando
não mais viável devido os ataques climáticos, causados pelas seguidas secas locais. Neste
mesmo período a mão de obra escrava começa a entrar em declínio.

Conclusão

Portanto, através de nossa incipiente pesquisa, pudemos traçar um panorama geral do


quantitativo demográfico que nos possibilita ter um esboço da realidade da escravidão nas
últimas décadas do regime imperial. Com isso, vimos que maior fluxo de comercialização que
escoava os escravizados para o Centro-sul se deu entre os ano de 1873 e 1881. Neste momento,
devido a alta demanda por mão de obra nos cafezais, os escravizados ficaram supervalorizados,
chegando a atingir o valor de 3.000$000 contos de reis. Fator este que proporcionou uma maior
envolvimento de vário senhores de escravizados da região Norte à este comércio, pois assim,
encontravam um meio de tanto pagar suas dívidas e ao mesmo tempo sobreviver à calamidade
da seca de 1877-1879. Entretanto o mais interessante é que este momento de calamidade
econômica e social, a província registra um aumento de 283, 76% na arrecadação do imposto
da comercialização dos cativo na província.

FONTES
Noticia da venda de um escravizado no Assú.

Falla com que o Exm. Sr. José Nicoláo Tolentino de Carvalho abrio a 2ª sessão da 21ª legislatura
da Assembléia Provincial do Rio Grande do Norte em 18 de outubro de 1877. Natal: Typ. do
Correio de Natal, 1878.

Falla com que o Exm. Sr. Doulos Rodrigo Lobato Marcondes Machado, presidente da
província, abrio a 2ª sessão da Assembléia Legislativa provincial do Rio Grande do Norte em
27 de outubro de 1879. Natal: Typ. do Correio de Natal, 1880.

Resumo histórico dos inquéritos censitários no Brasil. Diretoria geral de estatística. Rio de
Janeiro, 1951. Acessado: <https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/biblioteca-
catalogo?view=detalhes&id=283964>, em 08 de out. de 2019.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CASCUDO, Luís da Câmara. A Abolição da Escravatura em Mossoró. In. Notas e Documento


para a História de Mossoró. Edição Especial para o Acervo Virtual Oswaldo Lamartine de
Faria. Disponível em < site. www.colecaomossoroense.org.br>. Acessoem: 09 de out. 2019.

CHALHOUB, Sidney. Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão
na corte. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2011.

COSTA, Emília Viotti da. Da monarquia à república: momentos decisivos. Ed.7. Editora
Unesp. São Paulo, 1999.

____________ , Emília Viotti da. Da senzala a colônia. 4º Ed. São Paulo, SP: Editora Unesp,
1998.

MONTEIRO, Denise Mattos. Formação do mercado de trabalho no Nordeste: escravos e


trabalhadores livres no Rio Grande do Norte. In: MONTEIRO, Denise Mattos. Terra e
trabalho na história: estudos sobre o Rio Grande do Norte. Natal, RN: Edufrn, 2008. p. 73-
116.
____________ Introdução à história do Rio Grande do Norte / Denise Mattos Monteiro. -
Natal (RN)- EDUFRN - Editora da UFRN, 2000.
PEREIRA, Ariane de Medeiros. Escravos em ação na Comarcado Príncipe – Província do
Rio Grande do Norte (1870- 1888). Natal. 2014.

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