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Livro eBOOK CRP-10 PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA - A4 FINAL - Compressed
Livro eBOOK CRP-10 PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA - A4 FINAL - Compressed
PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA:
a trajetória do CRP-10 e o fazer
profissional na região
Belém, Pará
2023
© 2023, Conselho Regional de Psicologia da 10ª Região – Pará e Amapá
É permitida a reprodução desta publicação, desde que sem alterações e
citada a fonte.
Ficha catalográfica
Vários autores.
Outros organizadores: Robert Damasceno Monteiro
Rodrigues, Jureuda Duarte Guerra, Letícia Maria
Soares Palheta, Dalila Clementino de Vasconcelos.
Bibliografia.
ISBN 978-65-982292-1-4
24-194400 CDD-150
Índices para catálogo sistemático:
1. Psicologia 150
Organizadoras(es)
Robert Damasceno Monteiro Rodrigues
Jureuda Duarte Guerra
Letícia Maria Soares Palheta
Dalila Clementino de Vasconcelos
DIRETORIA
Jureuda Duarte Guerra
Conselheira Presidente
CONSELHEIRAS(OS)
Apresentação ................................................................................................................ 06
Finalizaremos este volume com uma entrevista feita com a psicóloga e atual pre-
sidenta do CRP-10 Jureuda Duarte Guerra, sobre a sua atuação, o papel já desempenhado
pelo CRP-10 e os desafios para a profissão na luta por memória, verdade e justiça na
Amazônia. Com isto, reafirmamos o nosso compromisso com os princípios fundamentais
do Código de Ética da Psicologia, principalmente com a defesa intransigente dos direitos
humanos e do combate a toda e qualquer forma de exploração, opressão, discriminação,
crueldade e violência. Boa leitura!
XI Plenário do CRP-10
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
Introdução
Ao longo de seus onze plenários, o CRP-10 vem sendo construído a muitas mãos,
afinal, já foram 11 presidentas(es) e 198 conselheiras(os), diversas(os) funcionárias(os)
e incontáveis colaboradoras(es), tanto em Belém e Macapá, como em vários municípios
dos interiores dos estados. Ao mesmo tempo, a história do CRP-10, assim como aquilo
que ele é hoje, também é resultado das outras histórias que lhe atravessam e, portanto, lhe
constituem.
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
Por outro lado, a formação da Amazônia brasileira está envolvida pela presença dos
povos indígenas, que há mais de 17 mil anos já ocupavam seu território, dos povos negros
sequestrados da África e escravizados, que se refugiaram nos quilombos em processos de
resistência, de migrantes de várias partes do Brasil, especialmente nordestinos, recrutados
para as florestas como soldados da borracha, de camponeses, ribeirinhos e trabalhadores
dos centros urbanos (PORTO-GONÇALVES, 2018).
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
[...]
Como vemos, o curso de psicologia da UFPA teve sua primeira turma iniciada
em 1974, a primeira da Amazônia, tendo 23 concluintes em 1978. Na sequência, o
Conselho Nacional de Educação, através do parecer 483/80, autorizou a abertura do
curso de psicologia ofertado pelas Faculdades Integradas Colégio Moderno (FICOM),
tendo começado a funcionar no 2º semestre de 1980, com 80 vagas totais anuais, sendo a
primeira instituição privada a oferecer curso de psicologia na região amazônica (BRASIL,
1985).
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
(BRASIL, 1993) e, do mesmo modo, a UFPA concluía a sua 15ª turma de psicologia.
Nestes anos iniciais, como estas eram as únicas Instituições de Ensino Superior
(IES) com cursos de psicologia na Amazônia, era muito comum o deslocamento de
estudantes que vinham cursar psicologia em Belém, tanto dos interiores do Pará quanto
de outros estados; dessa forma, a constituição da psicologia no Pará foi decisiva para o
desenvolvimento da psicologia no conjunto da região amazônica.
O curso de psicologia da UFPA, por seu turno, foi decisivo para que os demais
viessem a se desenvolver, principalmente através da formação de professores. Segundo o
psicólogo José Guilherme, da primeira turma de psicologia da UFPA:
Quando nós formamos, o campo estava ainda muito verde, não é? Precisava
de muitos soldados, e nós fomos a primeira turma da Amazônia, não apenas
do Pará, mas também da região. Sempre diziam que a FICOM (Faculdades
Integradas Colégio Moderno) iria criar um curso de psicologia. Enquanto
estávamos fazendo o curso, um grande professor nosso, o professor Francisco
Bordin, praticamente estruturou o curso de psicologia na FICOM e convidou
alguns alunos da Universidade Federal do Pará para trabalharem com ele (CRP-
10, 2012).
Por mais de 30 anos, UFPA e UNAMA eram as únicas IES a oferecerem cursos
de psicologia no Pará. Este cenário, porém, começa a mudar em 2007, com a abertura
do curso de psicologia no Instituto Esperança de Ensino Superior (IESPES), localizado
no município de Santarém, contribuindo também para o processo de descentralização
e interiorização dos cursos de psicologia no Pará, formando psicólogas e psicólogos
das regiões do Tapajós, Baixo Amazonas e Transamazônica, e de outros estados, como
Amazonas e Roraima.
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
Atualmente, pelo balanço mais recente que temos no CRP-10, existem 27 cursos
de psicologia no Pará e 3 no Amapá. Sabemos também de outras tantas IES que estão em
vias de abrir seus cursos de psicologia, como a Universidade do Estado do Pará (UEPA),
a Universidade Federal do Amapá (UNIFAP) e mais algumas privadas. No Pará, fora da
Região Metropolitana de Belém (RMB), já existem cursos de psicologia em quase todas
as regiões do estado, em municípios como Santarém, Marabá, Parauapebas, Altamira,
Tucuruí, Paragominas, Abaetetuba e Castanhal.
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
Como nem tudo é perfeito, o rojão pesou, em 94 nova Eleição. Vieram outros
psicólogos SOMAR esforços ao ALICERCE, recompondo o plenário, arrumando
a casa, até passar em 96 a para uma trajetória SINGULAR & PLURAL. tarefa
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
No ano seguinte, em 2020, o CRP-10 encontrou um dos seus maiores desafios, junto
com o restante da sociedade: a adaptação à Pandemia da COVID-19. Com a pandemia,
o conselho precisou estabelecer o trabalho home office para seus funcionários e todas
as atividades presenciais foram suspensas. Ao mesmo tempo, as Comissões e Grupos
de Trabalho precisaram interromper as suas programações ou passá-las para o ambiente
virtual, o que levou, junto à tendência das pessoas em focar mais nos seus cuidados de
saúde e na prevenção contra o adoecimento, a uma descontinuidade nos trabalhos dos
coletivos do CRP-10. Ao mesmo tempo, a pandemia impôs grandes desafios enfrentados
pela gestão do X Plenário, como as orientações e fiscalizações aos hospitais e demais
instituições de saúde públicas e privadas, bem como no apoio às campanhas de vacinação
de psicólogas(os) e de toda sociedade.
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
A produção das referências pode ser realizada de duas formas: por uma comissão
ad hoc, formada por especialistas da área que realizam pesquisas e/ou atuam na política
pública e que são indicados pelos Conselhos Regionais; e através da investigação da
prática profissional seguindo a metodologia própria do CREPOP (2012)2 realizada em
duas etapas, uma etapa nacional, do tipo descritiva, a partir de um instrumento on-line;
e uma etapa qualitativa, realizada pelas unidades locais do CREPOP, localizadas nos
Conselhos Regionais de Psicologia.
1
Psicóloga CRP10/1440, Técnica Regional do CREPOP-CRP10 desde abril/2010.
2
Metodologia do Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas. Públicas/CREPOP. 1ª Edição. Brasília: CFP, 2012.
Conselho Regional de Psicologia da 10ª Região – Pará e Amapá (CRP-10)
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
O Trabalho do CREPOP se destaca por ser uma ação nacional do Sistema Conselhos
de Psicologia, na qual acontece de forma articulada, e ao mesmo tempo em todo país,
e dada sua capilaridade com Técnicos em todos os Conselhos Regionais favorecendo
a aproximação do Sistema Conselhos com a categoria no estabelecimento de diálogos
através das pesquisas; que inicia desde as ações de mobilização para contribuição,
reuniões para consulta pública e eventos de lançamento e em sua atuação como recurso
de gestão; realizando pesquisas locais, participando de debates, realizando palestras e
atuando em conjunto com o plenário na articulação com outras instituições nas políticas
públicas.
Histórico
Essa expansão da Psicologia para as políticas públicas fez com que a Psicologia
repensasse suas abordagens e técnicas para além da clínica, de modelo consultório,
desafiando a profissão a repensar o direcionamento teórico das abordagens individuais e
elitistas para produzir conhecimento também em abordagens coletivas, e que atendessem
demandas de populações vulneráveis, atravessadas pelas consequências das desigualdades
sociais. A Psicologia foi, portanto, demandada a dar atenção à subjetividade produzida na
fronteira das desigualdades e convocada ao enfrentamento.
3
Resolução 14/22 CFP, Cap. 2 Art. 5º Fica instituída a Rede CREPOP, espaço de articulação e operacionalização das ações do
CREPOP, composta pelas unidades regionais do CREPOP nos Conselhos Regionais de Psicologia (CRPs) e pelo CREPOP do CFP.
Conselho Regional de Psicologia da 10ª Região – Pará e Amapá (CRP-10)
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
O Estado do Amapá faz divisa com Pará e com dois países: Guiana Francesa e
Suriname, e distribui-se em 16 municípios, e é dividido em duas mesorregiões: Norte do
Amapá e Sul do Amapá.
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
aluguel de carro. Deve-se considerar também que o tempo de deslocamento vai depender
do tipo de transporte terrestre, fluvial e aéreo necessário para se realizar o percurso, o
que na Amazônia a variabilidade de transporte terrestre e fluvial é imensa, que vai desde
municípios no qual o único meio de transporte é bicicleta (Afuá) a municípios que em seu
Distrito é apenas permitido o uso de charrete (Algodoal/Maracanã).
O que poderia ser a solução para muitas situações de acesso as/os Psicólogas/os
no Pará e Amapá, o uso de tecnologia tornou-se uma variável de difícil previsibilidade
quanto ao funcionamento, nos horários e datas de disponibilidades dos profissionais que
agendavam para contribuir com as pesquisas do CREPOP/CRP10, pois as frequentes
interrupções da comunicação, seja parcial ou total na realização de entrevistas individuais
ou em grupo on line ocasionam a necessidade de novos agendamentos, sem a garantia
de que haverá funcionamento da internet na nova data, o que em alguns casos leva o
profissional a desistir de contribuir com a pesquisa.
Fato que se comprova na pesquisa realizada em 2022 pelo IBGE5, sobre o uso da
internet na região Norte:
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
Esses fatores têm colocado como prioridade no Plano de Trabalho Local, a definição
da coleta qualitativa no formato presencial, como ainda necessária no planejamento da
jurisdição do CREPOP/CRP10, porém, o custo de alcance aos profissionais na região
amazônica é um fator de debates no Sistema Conselhos no sentido de garantir a equidade
financeira com as demais regiões do país.
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
• Descrição de atividades;
• Autonomia para realizar atividades;
• Participação no planejamento das atividades;
• Interdisciplinaridade;
• Teorias e Conceitos aplicados;
• Principais problemas;
• Recursos técnicos utilizados;
• Funcionamento da rede de atendimento;
• Avaliação da política;
• Implicações éticas;
• Mudanças que realizariam na política pública em que atuam;
• Questões trabalhistas.
Clínico
Individual
Grupo
Outras
atividades da
instituição
15%
22%
Fonte: Elaborado pela autora.
Autonomia
38%
Total
Parcial
62%
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
SIM
NÃO
83%
SIM
NÃO
83%
Fonte: Elaborado pela autora.
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
Teorias e Conceitos
14%
13%
Abordagens
da Psicologia
Regulamentações
(Leis, Decretos
e Resoluções)
Abordagens +
Regulamentações
73%
Principais Problemas
31%
47%
Estruturais
Funcionais
Estruturais e
Funcionais
22%
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
Anaminese
da Psicologia
Dinâmicas de grupo
Testes Psicológicos
Palestras
Outros
13%
27%
SIM
NÃO
94%
Fonte: Elaborado pela autora.
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
Positiva
Negativa
95%
Fonte: Elaborado pela autora.
Implicações Éticas
18%
50%
Sigilo
Armazenamento
de documentos
Outros
32%
30
PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
27% 30%
Infraestrutura
Recursos Humanos
Recursos Financiros
Gestão
25% 18%
25%
40%
Vínculos Precários
Desvio de Função
Assédio Moral
35%
Fonte: Elaborado pela autora.
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
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Projeto de interiorização do CRP10, que tem como objetivo geral: Identificar demandas, organizar e articular ações com Psicólogas(os),
gestores (as), Comissões do CRP10, Grupo de Trabalho do CRP10 e colaboradores (as), promovendo seminários, rodas de conversa,
Palestras, diálogo com gestores, articulação com instâncias de controle social, realiza fiscalizações e leva serviços administrativos para
regiões e municípios do Pará e Amapá.
Conselho Regional de Psicologia da 10ª Região – Pará e Amapá (CRP-10)
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
Considerações finais
REFERÊNCIAS
CAMPOS, Edval Bernadino (Org.). Fator Amazônico e a Interface com o Sistema Único da Assistência Social. 1ª ed. Belém:
ICSA/UFPA, 2013.
CFP. Resolução 14/22 CFP: Fica instituída a Rede CREPOP, espaço de articulação e operacionalização das ações do
CREPOP, composta pelas unidades regionais do CREPOP nos Conselhos Regionais de Psicologia (CRPs) e pelo CREPOP
do CFP. Brasília: Conselho Federal de Psicologia, 2022.
CFP. Banco Social de Serviços. Relatório Final. Brasília: Conselho Federal de Psicologia, 2005.
CFP. Metodologia do Centro de Referências Técnicas em Psicologia e Políticas. Públicas/CREPOP. 1ª Edição. Brasília: CFP,
2012.
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
Este capítulo, assim como a ideia de todo este livro, surgiu da necessidade de
escrevermos a nossa história (do CRP10), de construirmos memórias das nossas práticas,
de lançar luz sobre as nossas problemáticas e, ao pensar na atuação do Conselho Regional
de Psicologia, faz-se imprescindível abordar sobre as práticas de orientação, fiscalização
e disciplinarização que é o coração do funcionamento dos Conselhos Regionais de
Psicologia.
Desta forma, para dar cabo à função do CRP, criaram-se as Comissões permanentes
de Orientação e Fiscalização (COF) e de Ética (COE), onde sob a responsabilidade
da primeira estão as atividades de orientação e fiscalização e possui a função,
predominantemente, preventiva, enquanto sob a segunda recai a ação de apreciação e
disciplinarização diante de possíveis faltas éticas.
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
Como é sentido esse boom da Psicologia, nos últimos anos, na ação do CRP-10
e da COF e da COE? Qual o impacto, as ressonâncias e os desafios que se impõe nos
territórios do Pará e do Amapá?
Não é nossa intenção nos debruçarmos nem apresentarmos todos os dados desta
riquíssima pesquisa – recomendamos, fortemente, a leitura desta – contudo, refletiremos
sobre alguns desses dados nacionais e traremos problematizações para pensar as ações de
orientação e fiscalização no CRP10.
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
Diante deste cenário, uma das estratégias tomadas pelo CRP-10, por meio da COF
e de outras comissões, é de se aproximar dos discentes numa articulação com as IES, por
meio de participação em encontros, seminários, semana acadêmica e outros, a fim de
estreitar os laços e para que eles compreendam o funcionamento do conselho e que estão
se graduando em uma profissão que é regulamentada, isto é, tal fazer está ancorado em
normativas éticas e técnicas. Esta linha de ação da COF se insere dentro da perspectiva
preventiva, visto que, as maiores demandas de orientação, seja presencial, por e-mail
ou telefone, são aquelas a respeito da elaboração de documentos, sobre a publicidade
profissional e a laicidade.
É oneroso fazer fiscalização no Pará, para tanto, o orçamento pensado para a nossa
região não pode ser o mesmo que é destinado para as regiões do Sul, Sudeste e Nordeste do
Brasil, os quais têm condições regionais, ambientais, territoriais e econômicas distintas.
Acrescente-se à dificuldade financeira e territorial a de recursos humanos. Na COF do
Pará são apenas duas psicólogas fiscais para dar conta de fiscalizar tal território descrito
acima, com a participação da presidenta da COF e de outras/os/es conselheiras/os/es.
Outro ponto que aparece nas visitas do projeto CRP-10 Ao Seu Lado e nas
fiscalizações é a precarização das condições de trabalho as quais estão submetidas/os
as/os profissionais, em especial, nos equipamentos das políticas públicas – remuneração
aquém (e cabe ressalvar que a Psicologia é uma das categorias nas quais mais se busca
a formação continuada por meio de especializações e similares); vínculos de trabalhos
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
frágeis (processos seletivos, contratos que não asseguram alguns direitos trabalhistas);
sobrecarga de trabalho (seja pelo pouco de quantitativo de profissional contratado para
exercer a função, seja por poucos equipamentos da política pública); carga horária semanal
de 40 horas.
Em que pese muitas dessas demandas não estarem, diretamente, na alçada dos
conselhos de categoria profissional, pois dizem sobre questões trabalhistas e estruturais, tais
condições de trabalho impactam na qualidade do serviço que é prestado para a população,
bem como, reverberam na saúde da trabalhadora e do trabalhador de psicologia, portanto,
precisa ser considerado.
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
Assim, nota-se que, embora a COE tenha suas ações centradas nos aspectos já
descritos, de modo mais abrangente sua atuação também diz respeito aos conteúdos
produzidos em outras esferas de gestão, uma vez que pensar o caráter ético da profissão é
também voltar o foco para problematização de como são tecidos os fazeres da psicologia
nas esferas privadas e públicas, tendo grande relevância as produções técnicas sobre a
multiplicidade de exercício nas políticas públicas, tais como as desenvolvidas pelo Centro
de Referência Técnica em Psicologia e Políticas Públicas (CREPOP), institucionalizado
pela Resolução Nº 14/2022, na condição de ferramenta permanente de gestão no Sistema
Conselhos de Psicologia.
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
Considerações finais
REFERÊNCIAS
CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Quem faz a Psicologia Brasileira? Um olhar sobre o presente para construir o
futuro. Vol. 1, 2022.
CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Quem faz a Psicologia Brasileira? Um olhar sobre o presente para construir o
futuro. Vol. 2, 2022.
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
Max Alves1
Para tanto, realizaremos uma breve análise histórica dos processos da (não)inserção
da população negra brasileira, até o debruçar-se da psicologia junto às temáticas raciais
enquanto ciência e profissão, desenvolvendo estratégias de compreensão e enfrentamento
do racismo e das desigualdades raciais que o mesmo proporciona.
Podemos trazer como ponto de partida para a análise histórica as ideias Aristotélicas
geocêntricas datadas de aproximadamente 350 A.C., que traziam, a partir da observação
da natureza, o entendimento de que o lugar que o ser humano habita, o planeta Terra,
poderia ser considerado o centro do universo.
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
a Terra, sendo o centro do universo, teria como seu próprio centro o continente europeu,
e, portanto, a população (Branca) que ocuparia tal território se veria como merecedora de
superioridade frente aos demais povos e territórios de sua periferia.
Parada (2013, p.11) afirma que durante o final do século XVII, a “Europa
identificava em si mesma valores positivos, como civilização, evolução e liberdade,
enquanto via e representava a África e a Ásia como o seu contrário, o lugar do barbarismo,
do medo e da servidão.”
Passa-se a existir a distinção entre povos civilizados, estes sendo aqueles presentes
dentro do território europeu e considerados a si mesmos como hierarquicamente superiores,
e os demais, sendo aqueles à margem do território europeu, ou em sua periferia, tidos
como inferiores, preconceituados como bárbaros, sendo estes, portanto, considerados
passíveis de serem conquistados, dominados, explorados e subjugados em seus processos
civilizatórios. Entretanto, segundo Munanga (2009, p.23):
[...] a cor preta representa uma mancha moral e física, a morte e a corrupção,
enquanto a branca remete à vida e à pureza. Nessa ordem de ideias, a Igreja
Católica fez do preto a representação do pecado e da maldição divina [...] A única
opção de “salvar” esse povo tão corrupto era a escravidão (MUNANGA, 2009,
p.29).
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
É sobre este contexto que as ideias eugênicas, já difundidas na Europa por Francis
Galton, começam a ganhar adeptos entre a elite intelectual brasileira, acreditando que a
raça da população do país ou a mistura dela fosse o principal fator para o baixo crescimento
econômico do país, como demonstra o autor Cláudio Bertolli Filho que afirma o seguinte:
A elite intelectual acreditava que as endemias e a baixa produtividade da
população se deviam a qualidade da “raça brasileira”. Apoiados nos conceitos
de eugenia, dizia-se que a mistura de brancos, negros e índios criava um “tipo
nacional” condenado a preguiça e à debilidade física e mental [...] que pouco
poderia ser feito pelos doentes e pela saúde pública nacional a não ser esperar
o desaparecimento dos “híbridos raciais” e dos grupos humanos considerados
“biologicamente inferiores” entre os quais se incluíam os negros e os indígenas
(Bertolli Filho, 1999; p.23).
Até então, segundo Parada (2013), a Europa se posicionava de forma tão superior
que a ciência na época passou a justificar as desigualdades sociais e a necessidade da
escravidão através de quatro principais argumentos que consistiam: 1) na existência de
raças diferentes dentro da espécie humana; 2) a raça branca superior à raça negra; 3) que
existia uma relação entre raça, características físicas, valores comportamentais e índoles,
estando ambas em constante modificação; 4) e que, por fim, uma sociedade poderia atingir
um estágio superior de evolução ou regressão de acordo com a mistura dessas mesmas
raças, o que validava a supremacia de uma raça sobre outra, argumentando cientificamente
a necessidade de se embranquecer a população segundo os moldes e concepções europeus.
Dessa maneira, Parada (2013) complementa que, tendo como objetivo a conquista
dos padrões europeus vistos como ideais e entendendo que muitos escravos trabalhavam
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
nas ruas das cidades, estes passavam a ser cada vez mais observados pelos olhares do
Estado, sendo assim constantemente vigiados pela polícia.
A legislação foi farta em alvarás, cartas régias, código criminal, leis municipais
(posturas) e provinciais estabelecendo os limites de liberdade dos escravos
urbanos, definindo os espaços onde podiam circular, exercer seus ofícios,
divertir-se, jogar capoeira, frequentar tabernas e fazer batuques (Albuquerque,
2006; p.86).
Proibia-se também que os mesmos negros vigiados andassem pela rua cantando,
mostrando um esforço grandioso do estado e do restante das classes dominantes para
extinguir qualquer tipo de propagação dos costumes e da participação negra dentro da
sociedade, limitando seu tempo e criminalizando-os por andar à noite, limitando sua
intelectualidade com trabalhos penosos, castrando sua religiosidade e impossibilitando-
os de exercer seus rituais em ambientes abertos de convívio (ruas, praças, etc). Com isso,
minava-se cada vez mais a prática e o resgate de uma cultura negro-africana em território
brasileiro. Tais leis eram constantemente contrariadas como uma forma de resistência
dessa população marginalizada.
Sobre esse aspecto, Albuquerque (2006) aponta que Princesa Isabel, com a
abolição da escravidão, não objetivava a garantia de liberdade e a dignidade social dos
negros e negras escravizados pela elite nacional, mas sim a possibilidade de obter a
formação de um novo mercado de consumo. Isso faz com que possamos concluir que
os negros(as) passam a assumir um novo papel social na forma agora de “trabalhador
Conselho Regional de Psicologia da 10ª Região – Pará e Amapá (CRP-10)
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
livre”, obrigado a comercializar sua força de trabalho para garantir sua existência, porém
nas mesmas condições sociais até aqui vivenciadas. Segundo Albuquerque (2006), era
comum que negros(as) livres voltassem aos antigos engenhos nas mesmas condições de
trabalho anteriores, ou ocupando os precários cortiços dos grandes centros urbanos. O
mesmo autor comenta que “foi se estabelecendo no Brasil a ideia de raça como critério
fundamental e perverso de classificação social, fazendo das características físicas e
culturais das pessoas justificativas para a desigualdade” (Albuquerque, 2006, p.209).
Com a chegada das políticas de higienização, o objetivo dos governos era limpar
os grandes centros das cidades, sendo necessário afastar a população pobre e negra,
chamada também de ‘classes perigosas’ [grifo do autor; Albuquerque, 2006; p.214], de
maneira demográfica e socialmente para não terem acesso ao centro das decisões político-
administrativas locais e nacionais. Assim, Albuquerque (2006) aponta que centenas de
cortiços são fechados e milhares são expulsos, acreditando-se serem estes os principais
locais responsáveis pela proliferação da peste bubônica e da febre amarela, dando espaço
agora para novas avenidas, parques e outros. A camada pobre e negra da sociedade foi
afastada do centro das cidades para regiões cada vez mais periféricas, com ainda menos
estruturas de atenção social por parte do estado.
A partir dos anos 90, a psicologia concentrou-se ainda mais em estudos relacionados
aos direitos humanos. O Conselho Federal de Psicologia criou sua Comissão Nacional de
Direitos Humanos em 1997, favorecendo a criação de comissões nos conselhos regionais.
Os estudos relacionados à branquitude também se desenvolveram nos anos 90, visando
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
compreender o papel das pessoas brancas nas relações raciais na formação da sociedade
brasileira.
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
REFERÊNCIAS
ALBUQUERQUE, Wlamyra R. de/ FILHO, Walter Fraga. Uma história do negro no BrasiL. Salvador: Fundação Cultural
Palmares; Centro de Estudos Afro-Orientais, 2006.
ALMEIDA, Silvio Luiz de. Racismo Estrutural. São Paulo/SP; Ed.Pólen, 2019.
ALVES, Max; AMOEDO, Lais; PENA, Rubilene; VIANA, Ilton. Olhar de Adolescentes do Ensino Médio de Escolas
Públicas Sobre a Temática Discriminação e Preconceito. Trabalho de Pesquisa da Faculdade de Psicologia. Belém-UNAMA,
2006.
BARAVIEIRA, Verônica. A questão racial na legislação Brasileira. UNILEGIS E UFMS; Brasilia-DF; 2005
BERTOLLI FILHO, Cláudio. História em movimento: Historia da Saúde Pública no Brasil. São Paulo: Ática, 1999.
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
Por muitas vezes ouvimos sobre a Amazônia de uma perspectiva idílica, universal,
fetichizada e, sobretudo, sob um viés colonizador. As Amazônias3 estão em destaque no
cenário internacional e nacional, especialmente no que se refere à emergência climática,
as discussões sobre o ponto do não retorno e os efeitos destas mundialmente. Os olhares
estão voltados para cá, a reunião da 30ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro
das Nações Unidas sobre mudança do clima (COP30) será realizada em Belém em 2025.
No entanto, cabe questionarmos quais as continuidades e descontinuidades históricas que
esses olhares direcionam para o território amazônico. Quem são os seres não humanos e
humanos que o habitam?
Fazendo uma costura com o que foi dito por Eliane Brum no seu livro Banzeiro
Òkòtó, a Amazônia é mulher. A Amazônia como um corpo feminino que é violentada,
rasgada, esburacada, um corpo corroído pelo projeto colonial de extermínio. Porque a
violência ambiental atravessa e reflete nos corpos. Nos idos da ditadura civil-militar (1964-
1985) vivida pelo Brasil o lema era Amazônia: uma terra sem homens para homens sem-
terra. E, assim, foram desumanizando e desconsiderando os povos originários, indígenas,
comunidades tradicionais, quilombolas e ribeirinhos existentes. Eram lidos como sub
ou infra-humanos, bem como, chegaram sem pedir licença, abrindo estradas, violando,
rasgando o bioma em nome do progresso.
Como nos faz pensar o ativista pelos direitos dos povos originários, ambientalista,
filósofo e poeta indígena Aílton Krenak: “A maioria das pessoas pensa que só se vive em
terra firme e não imagina que tem uma parte da humanidade que encontra nas águas a
completude da sua existência, de sua cultura, de sua economia e experiência de pertencer”
(Krenak, 2022, p. 17-18).
1
Psicóloga CRP-10/4240. Psicóloga clínica, docente de psicologia no IESPES e conselheira do CRP-10.
2
Este capítulo é baseado em um resumo apresentado no VII Encontro Regional Norte da ABRAPSO realizado em Santarém – Pará,
em abril de 2023.
3
Neste texto, utilizaremos o termo Amazônias, no plural, a partir do entendimento de um território composto por diversidades de
vidas, culturas e modos de habitar múltiplos, o que impacta (ou deveria impactar) diretamente na forma como a Psicologia é construída
e praticada nessas regiões.
49
PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
Nesta mesma lógica temos ainda muitos projetos desenvolvimentistas para a região
de mineração, de construção de hidrelétricas, de agronegócio, de produção de alumínio,
de garimpo ilegal que espoliam o território, o ecossistema e os sujeitos que neles vivem.
Paralelamente, tem crescido o movimento de olhar a potência criativa, cultural, de modos
de vida e de existência ancestral, e os diversos movimentos de resistência presentes nas
Amazônias.
E o que tudo tem isso tem a ver, ou pode ter a ver, com a Psicologia? Como
(re)inventar a prática da psicologia assegurando o compromisso ético-político e a
preocupação com as demandas do povo amazônida diante do racismo ambiental estrutural
direcionado para esse território? Estas foram algumas das perguntas disparadoras que
nos mobilizaram, e que não pretendemos esgotá-las nem apresentar soluções rápidas
e assépticas. São problematizações importantes para que a Psicologia se debruce e se
movimente para caminhos de reconstruções e conexões com as realidades amazônicas.
50
PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
– renegociação, nova inscrição, entrega de CIP, cadastro para nova CIP, entre outros;
visitas nas políticas públicas e realização de pesquisa para o CREPOP.
51
PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
possível reduzir tais discussões somente a campos de atuação. Conforme nos aponta
Portela (2008): “Os limites até então existentes entre as abordagens clínica e social se
dissolveram, e o profissional deve articular o local e o global em um diálogo que dê conta
do sujeito pós-moderno” (Portela, 2008, p. 137).
52
PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
devido espaço para autoras, autores amazônidas nas matrizes curriculares das nossas
formações. Dessa forma, a inquietação de duas psicólogas amazônidas surge também
como uma provocação, inclusive interna, para entendermos que essa Psicologia não está
dando conta de nossas próprias existências.
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PORTELA, M. A. A crise da psicologia clínica no mundo contemporâneo. Estudos em Psicologia, Campinas, v. 25, p. 131-
140, 2008.
54
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
Introdução
Nesse sentido, identificam-se que cada vez mais episódios de violências são
recorrentes nas relações sociais no contemporâneo, sobretudo contra crianças e adolescentes
tomando proporções ligadas à própria naturalização, o que pode produzir um outro efeito:
diminuição da atenção frente aos casos (Rolim, 2023). Destarte, no momento em que a
violência participa corriqueiramente das relações, consequentemente tais relações – que
já são desiguais – se intensificam em seus níveis de desigualdade submergindo à papeis
sociais e levando tais sujeitos ao lugar de sofrimento psíquico (Silva, 2017).
1
Psicóloga CRP-10/3735. Mestre em psicologia pela UFPA e é representante do CRP 10 no Conselho Estadual de Criança e
Adolescente de Direitos da Criança e do Adolescente – CEDCA.
2
Psicóloga CRP-10/3455. Doutor em psicologia pela UFPA, docente de psicologia e ex-conselheiro do CRP-10.
3
Psicóloga CRP-10/3404. Doutora em história cultural pela UNESP, professora da graduação em psicologia da UFPA e do PPGP.
4
Psicóloga CRP-10/4263. Doutora em psicologia pela UFPA e professora da UFRA.
Conselho Regional de Psicologia da 10ª Região – Pará e Amapá (CRP-10)
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
Anteriormente a violência sexual era vista por duas concepções: o abuso sexual e a
exploração sexual5. Respectivamente, o primeiro tipo é identificado através de contatos de
cunho sexuais entre crianças ou adolescente e um(a) adulto(a) ou até mesmo adolescente
de maior idade, onde essa criança é utilizada como objeto de prazer para outra pessoa
satisfazer seus desejos sexuais (Antoni e Koller, 2002); enquanto no segundo tipo, está
relacionado às práticas que envolvem ganhos/pagamentos/retribuições pelos atos sexuais
(Lowenkron, 2010).
Tais incidências foram alvos de grande mobilização nos últimos anos na região
norte do Brasil, sobretudo com falas polêmicas e sensacionalistas por parte de uma ex-
ministra no ano de 2019, quando se referia à implantação do denominado “Abrace o
Marajó”, tendo esta, alegado que “[...] meninas lá são exploradas por não terem calcinhas,
elas não usam calcinhas porque são pobres”6, mostrando o real desconhecimento territorial
e descompromisso com o caráter crítico de sociedade. Dessa forma, recorre-se ao conceito
de interseccionalidade enquanto lente analisadora diante das problematizações propostas.
Segundo Akotirene (2019), tal conceito propõe que as reflexões sejam demarcadas por
um sistema de opressão que seguem avizinhados, enquanto classe, raça, gênero, território
e espaço.
5
No ano de 2000 a partir da criação do denominado “Protocolo de Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas”, reverberou-
se no território brasileiro reflexões acerca da temática que desaguou na lei de nº 13.344 de 2016, onde apresenta-se um novo panorama
desta violência, caracterizando uma nova terminologia: o tráfico de pessoas para fins de exploração sexual.
6
Matéria veiculada em: < Damares e o Marajó: cronologia da relação da ex-ministra e o arquipélago com piores IDH do Brasil | Pará
| G1 (globo.com) >, com acesso em 10 de novembro de 2023.
Conselho Regional de Psicologia da 10ª Região – Pará e Amapá (CRP-10)
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
Afinal, quem são as crianças e adolescentes atingidos/as por esse tipo de violência?
Como pensar intervenções levando em consideração o fator amazônico, como conceito
que demarca a singularidade de nossas populações? Qual o papel da Psicologia diante
dessas latências? Tais questionamentos foram fios condutores para tais problematizações.
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
Vale ressaltar que há canais de denúncias criados no Brasil, por diversas esferas.
E estes têm sido uma das principais vias de acesso às denúncias desde sua criação em
2003, sob a responsabilidade da Secretaria Especial de Direitos Humanos, alterando
para o número 100, e assumindo a identificação de “Disque denúncia”, “Disque Direitos
Humanos” ou “disque 100” (Rolim, 2023). Mas, de fato, há acessibilidade por toda a
população? Sabemos que a desigualdade social produz como um de seus efeitos a
inacessibilidade aos dispositivos diversos, o que deságua em uma dimensão desconhecida
acerca de tais problemáticas.
Atualmente, muito se fala acerca do tráfico de pessoas para fins sexuais. Porém,
galgados em um caráter histórico, identifica-se que tais práticas se iniciaram diante da
própria história do Brasil, sobretudo na condição dos pactos da branquitude da população
brasileira (Bento, 2022). Um dos principais pontos desta reflexão é retomar a história como
60
PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
Outro aspecto significante para atuação diante da temática diz respeito à segurança
pública, segundo o relatório da CPI (ALEPA, 2010), quando o documento evidencia
ausência de ações efetivas, sobretudo em espaços demarcados e conhecidos pela prática
litigiosa. Para além, fora identificada que a Segurança Nacional também apresentou
fragilidades em suas estratégias de enfrentamento à problemáticas na região, segundo o
relatório da CPI.
8
Há também registros de tráfico de pessoas para fins sexuais a nível interestadual. São cerca de 76 rotas, sendo estas 31 de caráter
internacional.
Conselho Regional de Psicologia da 10ª Região – Pará e Amapá (CRP-10)
61
PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
adolescentes ou na não finalização dos casos (ALEPA, 2010). Dessa forma, pensar acerca
dessas complexidades faz-se necessário e urgente.
Andrade (2018) afirma que é desta forma que elementos direcionando aos papéis de
gênero, que são produzidos numa dicotomia e hierarquização entre o feminino-masculino.
Destarte, há uma produção da naturalização dessa desigualdade, que representa, por
muitas vezes, a impunidade do agressor, e silenciando as vítimas.
62
PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
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64
PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
As principais pessoas afetadas por este acidente são mulheres e crianças. Tal fato
se deve tanto ao comprimento longo dos cabelos (usados geralmente soltos), como às
funções usualmente por elas desempenhadas no barco, como extrair o acúmulo de água
no fundo da embarcação.
Este território apresenta extensa bacia hidrográfica, de modo que os rios compõem,
de forma significativa, não apenas o espaço geográfico, mas a vida da população,
em especial daquelas que vivem em ilhas ou municípios mais afastados das regiões
metropolitanas, cujos rios não representam apenas uma via de deslocamento, mas parte
ativa de seu cotidiano.
Oliveira (2016) considera que em nenhuma outra região do país o rio assume tanta
importância para a vida humana como na Amazônia, sendo por esta razão que milhares
de ribeirinhos fazem uso de pequenas embarcações, uma vez que o transporte fluvial
é essencial à sobrevivência da maioria dessas comunidades, configurando-se como um
instrumento de integração social, econômica e ambiental.
Sobre estas embarcações, Guimarães & Bichara (2012) analisam que elas são
feitas de modo artesanal e que desde a década de 1970 passaram a ser incrementadas
com um motor rotativo favorecendo maior agilidade nos deslocamentos e substituindo
embarcações à remo ou à vela. Contudo, esse motor “possui um eixo rotacional e gera
uma camada de vácuo ao seu redor, puxando qualquer coisa para dentro do seu campo de
rotação” (Guimarães & Bichara, 2012, p. 5).
1
Psicóloga CRP-10/1677. Psicóloga da FSCMP e Mestra em Psicologia (UFPA).
2
Psicóloga CRP-10/4578. Psicóloga da FSCMP e Mestra e doutoranda em Psicologia (UFPA).
Conselho Regional de Psicologia da 10ª Região – Pará e Amapá (CRP-10)
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
O acidente com escalpelamento tem seus principais registros nos estados do Pará
e do Amapá, uma vez que a construção desse tipo de embarcação é típica, principalmente,
nesses estados. Os dados de ocorrência do acidente apresentam algumas inconsistências,
o que denuncia a dificuldade que enfrentamos na região para lidar com um problema tão,
infelizmente, tipicamente nosso.
O Pará enquanto um
estado continental parte da
Amazônia, que tem a maior
bacia hidrográfica do mundo,
possui sua distribuição
de acidentes com maior
ocorrência no arquipélago
do Marajó, conforme
mostram as imagens abaixo
(Figuras 1 e 2).
Regiões de Integração
Ocorrência de acidentes
0-1
1-2
2-3
3-11
11-53
53-111
66
PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
•Tapajós 1%
•São Domingos
do Capim 1%
•Caeté 1%
Sobre este programa, Cruz e Lins (2021), por meio de análise do documento
inicial do PAIVES, consideram que ele foi criado diante do desafio do estado em criar
uma política pública para erradicação do acidente e também estratégias estruturadas de
assistência às vítimas. Desta forma, o PAIVES tinha como objetivos:
67
PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
Acidente
Estabilização Clínica
FSCMPA
Alta Hospitalar
Espaço Aclher
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
A partir deste ano, inaugura-se uma casa fora do âmbito hospitalar, mas vinculada
totalmente à Santa Casa do Pará, com um corpo de funcionários próprios, fornecendo
insumos, materiais e alimentação balanceada pelo serviço de Nutrição da Fundação,
primando por atender as demandas que ocorreram.
Porém, para possuir características de uma casa, seus cuidados fornecidos precisam ser
pensados considerando as peculiaridades específicas dessa população atendida, com
memórias afetivas vinculadas à culinária regional, por exemplo. A partir do fornecimento
de uma alimentação diferenciada a esta mulher ou criança, pode-se auxiliar na adaptação
ao longo tratamento destinado às pessoas afetadas pelo acidente com escalpelamento,
em que o retorno às suas cidades de origem geralmente se dá entre 90 a 120 dias, após a
primeira alta hospitalar.
Assim, sabemos que ao oferecer uma cozinha regionalizada a essas pessoas, torna-
se possível minimizar muito o impacto causado pelo longo tratamento na capital, com a
‘simples’ possibilidade de se fritar um peixe (mesmo o de escamas). Sim, no Acolher
é respeitado o saber popular. Então para acompanhar um bom açaí, se pode fritar um
charque e um peixe, tudo isso visando à qualidade da assistência prestada, favorecendo a
vivência e a adesão ao tratamento.
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
maiores políticas públicas deste país: a política do Sistema Único de Saúde (SUS) e a do
Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Isto é o que caracteriza o Espaço Acolher.
Sabemos que o acidente não atinge somente a pessoa diretamente a ele afetada,
é um acidente familiar e de uma violência transgeracional. Podemos afirmar, que o
trabalho desenvolvido pela Psicologia é estendido para além das vítimas, mas também
ao atendimento aos familiares que as acompanham no espaço Acolher, bem como para
os outros filhos que ficaram na sua cidade de origem e que em muitos casos assistiram ao
acidente.
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
moradia, adequada a realidade do pós acidente; garantir ainda às pessoas afetadas pelo
acidente o direito ao tratamento, por meio do Tratamento Fora de Domicílio (TFD); além
da mediação entre serviços como Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), pois muitas
desenvolvem transtornos mentais, tais como depressão, ansiedade e sinais e sintomas
característicos do transtorno de estresse pós-traumático (TEPT).
O acidente de motor de barco com escalpelamento tem sido uma difícil marca dos
rios da Amazônia paraense, na vida de muitas meninas e mulheres. Se apresenta também
como um grande desafio tanto para a assistência em si às pessoas afetadas, como para o
enfrentamento a esse acidente.
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71
PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
Introdução
Meu objetivo, com este trabalho, foi analisar o modo como estes e tantos outros
atingidos são produzidos pelos grandes projetos instalados em Barcarena, cidade do Pará,
localizada a 40km de Belém, a capital do estado. O lugar de onde falo é a partir da
Psicologia Social Crítica. Esta é um campo que se desenvolve na psicologia, criticando-a
e propondo uma abordagem crítica da realidade, concebendo a produção dos sujeitos na
perspectiva marxista da unidade, sem dissociar as suas dimensões subjetivas e objetivas,
individuais e coletivas, econômicas e ideológicas, macro e microestruturais (VAISMAN,
2009; CHAGAS, 2013).
No que tange à definição de atingido, de acordo com o que já foi demonstrado pela
Comissão Mundial de Barragens (CMB/ONU, 2000) e de estudos do Conselho Nacional
de Direitos da Pessoa Humana (CNDH), as violações aos direitos das populações atingidas
estão intimamente relacionadas ao conceito de atingido. Do mesmo modo, segundo Vainer
(2005) e MAB (2019) a noção de atingido é um conceito em disputa, que diz respeito à
legitimação de direitos e de seus detentores.
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
terremotos, deslizamentos de terra, etc. Por outro lado, vêm crescendo, ao longo dos anos,
as pesquisas dedicadas aos impactos na saúde mental de pessoas e comunidades atingidas
por grandes projetos, sejam por barragens hidrelétricas ou rompimentos de barragens de
rejeitos minerais, como as de Marques et al (2018), Pozzebon & Ferreira (2018) e Noal,
Rabelo & Chachamovich (2019).
Estes elementos são apenas alguns dos evidenciados a partir da experiência dos
atingidos com os grandes projetos, outros ainda serão apresentados. Desde já, contudo,
é possível afirmar que existe uma definição própria dos atingidos sobre o que são os
grandes projetos, que emana desde seus modos de vida, de como pensam e efetivam a sua
existência e, à essa definição, fruto da realidade concreta, soma-se o esforço de síntese
operado por diversos estudiosos, comprometidos em contribuir com a defesa dos direitos
dos atingidos, que se debruçam para compreender os grandes projetos na Amazônia.
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
compreensão dos grandes projetos. Em nosso país, as primeiras grandes barragens remontam
sua construção à época da ditadura miliar, momento em que o Estado brasileiro passou
a investir no setor hidrelétrico visando suprir a demanda que crescia a taxas superiores à
oferta de energia (HON, 2016). Nesse contexto, foram construídas importantes usinas e
delas se desdobraram um conjunto de estudos. Destacam-se, neste quesito, os realizados
por Sigaud (1986) sobre os efeitos sociais de grandes projetos hidrelétricos, no caso das
barragens de Sobradinho e Machadinho, bem como os de Germani (2003) e Magalhães
(2007), analisando os conflitos envolvendo a hidrelétrica de Itaipú e os deslocamentos
compulsórios provocados pela barragem de Tucuruí, respectivamente.
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
Todos estes trabalhos, contudo, são fruto de uma realidade concreta, edificada
sobre um modelo econômico voltado à produção de mercadorias, mas que tem como meio
a exploração de bases naturais altamente lucrativas e que impacta diretamente a vida de
inúmeras pessoas. Os atingidos, portanto, por vivenciarem as consequências acarretadas
pelos grandes projetos, expressam, a partir da sua realidade, todas as características que
podem ser encontradas em algumas das definições mais gerais, como sínteses teóricas do
que são os grandes projetos. Deste modo, para Becker (1997, p. 63), há que entendê-los
como uma forma espacial, caracterizada:
Cada uma dessas características, por sua vez, ganha materialidade na experiência
dos atingidos, na sua história, em suas memórias, em seus sentimentos e temores, na análise
que eles fazem da realidade. Tocantins nos dá uma noção da magnitude da construção dos
grandes projetos, ao relatar sobre a quantidade de empregos para trabalhar nos canteiros
de obra em Barcarena:
Essa situação aqui toda ela trouxe, de princípio, muitas pessoas pra Barcarena.
Tinham mais de 10.000 empregos. Eram canteiros e canteiros de obra aí pra
fazer... primeiro fazer.... hoje a Vila dos Cabanos, né? Muitos prédios; as casas
pras pessoas, pros operários que iam trabalhar nas fábricas se alojarem. Depois
precisava dos alojamentos pra essas pessoas ficarem, né? Dos alojamento, cozinha
(TOCANTINS, 2020).
As empresas trazem muito impacto negativo pra dentro das comunidades; porque
elas não respeitam a comunidade, entendeu? Tudo que a gente tinha, pra ela não
significava nada. Era uma casa humilde, uma casa bem… bem humilde. Às vezes
era de… de barro, era de palha. Então isso daí… “Olha, isso daí não é nada!
Vocês vão ter emprego, vão fazer uma casa bonita, de alvenaria”. Pra ela isso
não significava nada. Mas não era ali, a casa. Pra nós não era casa. Era a terra.
Então era isso que… era o rio. Era isso que era nossa riqueza. E hoje não tem
mais. Tem situações hoje, em relação aos território, irreversível. Não tem como
voltar mais, não tem. Eu nem acredito que esse rio, hoje, possa ser revertido
essa situação. É uma situação irreversível, porque é anos e anos aí impactado,
entendeu? (TAPAJÓS, 2021).
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
O processo que envolve, por sua vez, tanto a chegada de trabalhadores vindos
de outras regiões para se empregar nos grandes projetos, quanto as ocupações de terra
executadas por estas pessoas, por não terem onde morar, é descrito por Xingu (2020):
Vai ter várias e várias outras ocupações por aí, né? E nas ocupações a gente já
sabe. Ah, o projeto chama o povo de fora, né? Chama o povo de fora, o povo de
fora vem; vai ocupar seja onde for pra ele ficar, porque o prefeito não vai dar o
quitinete pra ele, não vai dar um domicílio pra ele. Não! Então as pessoas de fora
geralmente vem né, com aquela... com aquele anúncio de emprego; quando chega
às vezes nem sempre consegue logo, né? Muitos vem mesmo, mas não consegue;
já não tem nem como voltar; já vai ficando, né?
Fica fácil perceber a relação entre a formação de pequenos núcleos urbanos sem
planejamento e a segmentação da força de trabalho empregada nos grandes projetos, visto
que, aqueles que recorrem às ocupações são, majoritariamente, os trabalhadores menos
qualificados, que assumem os postos mais precarizados e de menor remuneração – isso
quando conseguem o emprego – principalmente na fase de construção e que, passado
o período mais operário da obra, ficam a maioria desempregados, porque, segundo
Tocantins (2020), “eles não iam morar no... dentro da Vila, pegar uma casa daquelas lá,
né?”. Nas palavras de Amazonas (2021): “Porque é trabalho que vem, por um período de
tempo; mas depois vai ficar só os técnicos de fora, os profissionais de fora. Eles vão pegar
o quê? Pedreiro, ajudante, algum técnicozinho daqui, mas não fica, tá entendendo? Não
vai ficar”. Estes profissionais de fora, considerados como mão de obra qualificada, são
os que vão morar no núcleo urbano planejado, construído por aqueles que perderam seus
empregos e não tem onde viver.
Algumas destas características dos grandes projetos, apresentadas até aqui, são
reforçadas por Castro (2019), que também parte da consideração de que eles são enclaves,
porque exploram regiões inteiras sem integrá-las efetivamente aos circuitos mais amplos
de produção da riqueza. A autora, porém, acrescenta alguns elementos que são dignos de
nota, pois remetem diretamente à realidade imediata dos atingidos. Os grandes projetos:
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
Mais uma vez, os atingidos nos ajudam a dar materialidade aos aspectos que
compõe a complexidade dos grandes projetos. Em seus modos de vida, em suas lutas
cotidianas, em seus modos de produzir os seus meios de subsistência, na apreensão ante
o imprevisível, eles, a todo momento, estão caracterizando – em seus termos, em suas
palavras e formulações – os grandes projetos não como algo abstrato, mas concreto,
porque se fazem sentir concretamente na imediaticidade de seu dia a dia. Amazonas
(2021) chama atenção para o processo de expansão, crescimento e apropriação de novos
territórios motivado pela necessidade do grande projeto produzir mais – no caso do avanço
da bacia de rejeitos DRS21 da Hydro-Alunorte – bem como as consequências associadas
à essa dinâmica expansionista:
E se tu for andar, se você for direto daqui pra lá, você vai ver… Quando a gente
foi fazer aquela movimentação lá na Hydro, tu viu que era cheio de árvore essa
beirada aqui tudinho lá. Se você for agora, você vai ver que tá tudo desmatado.
Muda, muda. Aí o tempo, “ah, quente, quente!”. Não sabe por quê. Por causa…
Tão desmatando tudo, tão acabando com tudo. DRS2, ele tá avançando pra lá.
Desmatação, acabando com nascente de rio e tudo mais. Acabando. Mas isso é o
progresso, né?
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
interesses econômicos que determinam a forma de operar dos grandes projetos. “E sabe
lá quantas vezes Deus não me livrou aqui na minha porta mesmo. Quantas vezes, porque
pela forma como eu falo, de querer o que é de direito, o que é bom” (AMAZONAS,
2021).
As externalidades referidas por Castro (2019), como efeitos sociais, econômicos
e ambientais desencadeados pelos grandes projetos, que se fazem sentir na realidade
imediata das populações locais, mas que as empresas não reconhecem como suas
responsabilidades, são descritas da seguinte forma por Tocantins (2020):
Aí isso também é.... Houve assim uma... um processo de desmatamento, né?
De se diz assim.... de poluição. Houve problemas de usuários... a droga que
chega, né? O pessoal se mete também no meio desse pessoal. Houve também a
comercialização, de muitas pessoas pegar lote de terra e vender.
Eu sinto muita preocupação, mano. Eu moro aqui, eu amo morar aqui, mas ao
mesmo tempo eu fico muito preocupada, porque esse lado aqui tá... é o acesso pra
Hydro; essas terras aqui vem daí, e o que vier daí mano, vai atingir todo mundo
pra cá; aí o nosso rio não vai prestar mais.
O rompimento de uma barragem é uma situação limite que mostra uma das faces
mais perversas dos grandes projetos; é fruto da ganância, da ânsia por lucro e da produção
desenfreada de mercadorias que só deixa a lama para os atingidos. Quando um crime
desses ocorre, saltam aos olhos todas as demais características dos grandes projetos,
sistematizadas a partir das pesquisas que os estudam, mas expressas na realidade mesma
dos atingidos. Os grandes projetos na Amazônia e em Barcarena, portanto, tal como
se constituem na atualidade, são fruto de um processo histórico inserido na formação
social e econômica da região, e que merecem ser visualizados, pois suscitam também
importantes elementos sobre algumas das principais determinações para a produção dos
atingidos, mas é fundamental, também, ouvir e sistematizar o que os atingidos pensam,
falam e fazem em seus cotidianos, compreendendo e analisando aos grandes projetos, a si
próprios e como são produzidos.
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
Considerações finais
Atingido não é uma definição abstrata, pelo contrário, o atingido é um ser social de
extrema complexidade, produzido pelas forças materiais da realidade onde está inserido;
produzido como um ser total, objetivo e subjetivo, individual e coletivo, histórico, social,
econômico e político. As atingidas e os atingidos tem nomes, idades, cores, tem religião,
diversões, trabalhos, experiências, histórias e concepções diversas. São ribeirinhos,
agricultores familiares, trabalhadores urbanos, militantes sociais, descendentes indígenas
e quilombolas. É na diversidade e na resistência, contudo, que eles e elas constroem a
unidade e se reconhecem enquanto atingidos.
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
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Sou Eliana Arara da Costa, indígena, mulher, psicóloga, pertencente a etnia Arara
do Rio Branco no noroeste de Mato Grosso. Atualmente estou na Saúde Pública, no
Distrito Sanitário Especial Indígena Amapá e Norte do Pará fazendo parte da equipe de
referência técnica da atenção psicossocial às populações indígenas do estado do Amapá e
do norte do Pará. Para conseguir a graduação em psicologia concorri a bolsas de estudo,
a bolsa deu certo, mas para pagar minhas despesas na cidade trabalhei como vendedora,
garçonete, auxiliar de dentista, e por fim, nos últimos dois anos consegui um estágio
remunerado. Minha primeira atuação foi na Educação de crianças e jovens, mas minha
vontade era atuar na saúde pública, em especial com populações das florestas e dos rios.
Em 2018 iniciei minha trajetória na Saúde Indígena.
Durante esses anos, convivi e trabalhei com vinte e sete etnias. Criei laços com
muitas dessas pessoas, relações de amizade, de compartilhamento das alegrias, das
angústias, do choro, dos desafios e conquistas de ser indígena nesse país. Tenho neste
texto a oportunidade de falar sobre minha vivência nas relações entre profissionais e
usuários de saúde indígena, no intuito de colaborar com uma atenção psicossocial pensada
e construída junto as populações e, de colocar a quem lê, algumas interrogações que
devem fazer parte da nossa atuação como psicólogas(os) sociais.
Segundo dados do IBGE 2022, a maior parte dos indígenas do país (51,25%)
vivem na Amazônia Legal. No Brasil são 305 etnias falantes de 274 línguas vivendo
em todas as regiões do país. Antes de discutir sobre a atuação da(o) psicóloga(o) com
os povos indígenas na Amazônia é necessário saber dessa imensidão da diversidade
étnica. Somente nos territórios em que atuo, são onze etnias, sendo povos falantes das
línguas Karib, Tupi- Guarani, Aruak, Patuá e Português. Povos em contato com outras
populações indígenas e não indígenas da região, outros em isolamento voluntário, outros
se dedicando a carreira acadêmica ou política. Etnias que vivem da caça, pesca, coleta,
cultivo de roça (estabelecendo ou não relação de comércio com as comunidades do
entorno), trabalhando em instituições públicas e privadas ou de forma autônoma através
das artes, dos estudos científicos, das pesquisas e outros. Estão na cidade, nas Terras
Indígenas e circulando entre estas duas. Dentro das Terras Indígenas, cada comunidade
é moradia de um número variável de pessoas, usualmente com vínculos de parentesco.
Em algumas, os vínculos de parentesco são importantes fatores de mobilidade dentro
do território indígena. A mobilidade territorial também funciona como renovação dos
recursos florestais necessários ao bem viver.
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
que sai dos parâmetros de intervenção individual e culpabilizante do indivíduo por suas
condições de vida e passa a atuar na perspectiva de impactos relacionais e comunitários.
É certo que acessar a existência do outro não é fácil. Mas é possível fazer com que
os afetos se identifiquem e se fortaleçam na diferença para que aos poucos consigamos
nos desapegar dessa necessidade de controle da vida, dos espíritos e dos corpos.
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
nordeste, centro oeste, sul e sudeste. Cada região trouxe necessidades muito distintas
umas das outras, confirmando que não é possível fechar uma linha de cuidado, mas devem
ser gerais e que, cada região e cada povo necessita de linhas de cuidado qualificadas com
os seus próprios modos fazer saúde.
A forma como sentimos o outro é que vai nos dizer quais afetos estão sendo
produzidos. Através dos afetos podemos transformar nosso território em um lugar onde o
convívio aconteça com respeito e liberdade, reaprendendo a nos conectar, a sentir e nos
perceber como um só, com modos de existir diferentes. Um corpo isolado não é capaz
de produzir afeto, pois somos relacionais. O corpo se percebe assim, sentindo os afetos
produzidos nos encontros.
REFERÊNCIAS
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Conselho Regional de Psicologia da 10ª Região – Pará e Amapá (CRP-10)
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
INTRODUÇÃO
A Festa do Sairé, que acontece há mais de 300 anos no Distrito de Alter do Chão,
é o resultado do sincretismo religioso entre o catolicismo e a cultura indígena, dos povos
tradicionais que habitavam este território desde antes da época das missões religiosas.
Apesar de documentos e relatos ratificarem que a Festa do Sairé era realizada pelos
indígenas em outras aldeias da Amazônia, apenas o Distrito de Alter do Chão resiste na
realização desta festividade até os dias atuais (Carvalho, 2016).
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
folclóricos de Alter do Chão, Boto Tucuxi e Boto Cor de Rosa. Desde 1997, os ritos são
realizados na Praça do Sairé: o rito religioso no barracão e o profano no Lago dos Botos.
O Projeto de Lei 3009/2015, que tramita na Câmara dos Deputados, propõe reconhecer a
Festa do Sairé como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil (BRASIL, 2015).
METODOLOGIA
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
RESULTADOS E DISCUSSÕES
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Bebida de origem indígena feita a partir da fermentação da mandioca. O tarubá é servido, nas canoas, durante a busca dos mastros e
no último dia de festa, após a derrubada dos mastros e da realização da dança do macucaua e da quebra macaxeira.
Conselho Regional de Psicologia da 10ª Região – Pará e Amapá (CRP-10)
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
Outro ponto importante foi constatar que os personagens da Festa são escolhidos
dentre as pessoas que já fazem parte da equipe do Sairé, e que muitos participam desde
criança ou logo que se estabelecem em Alter do Chão. O sentimento de comunidade
é muito forte e pode ser reconhecido na alegria e no orgulho que os participantes da
Festa relatam sobre a mesma e nos momentos de partilha de alimentos durante os dias de
evento.
Por fim, para preparar o espaço que simbolizaria o barracão, foi perguntado o que
não poderia faltar para representar a Festa do Sairé. O Coordenador da Festa orientou que
fosse feita uma decoração com bandeiras nas cores do Sairé, que o espaço apresentasse os
símbolos e os personagens, que tivesse o banho de cheiro, que explicasse sobre o tarubá
e que tivesse as músicas que tocam durante os dias de Festa, e assim foi feito.
Reproduzir o mais próximo possível do real foi um pilar para não folclorizar a
vida de um povo, para evidenciar um pouco da história cultural desta comunidade, para
afirmar que Psicologia se faz primordialmente a partir do lugar no mundo que a pessoa
habita e das vivencias que ela carrega, compreendendo que o corpo-território se compõe
dos aspectos subjetivos, familiares, sociais e comunitários.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
precisa pensar primordialmente quanto as pessoas que aqui vivem e co-habitam esse
espaço território repleto de histórias e significados culturais que somente podem ser
entendidos quando sentidos na pele.
“Em Alter do Chão não se sente dor, tem um povo pobre, mas acolhedor, por
Deus foi criado, a sua beleza, suas lindas praias, são da natureza, o seu lago verde, é de
admirar, a toda essa gente, que vem visitar”. O Sairé Eté e Alter do Chão, convidam a
todas as pessoas para o visitar! Seria possível um fazer profissional e ético que não saísse
das paredes dos consultórios para pisar no solo sagrado que o outro habita?
REFERÊNCIAS
BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 3009, de 16 de setembro de 2015. Fica a Festa do Sairé, realizada no
distrito de Alter do Chão, município de Santarém, Estado do Pará, reconhecida como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil,
de acordo com o Artigo 215 e o Artigo 216 da Constituição Federal. Poder Legislativo, Brasília. Disponível em https://www.
camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=1732982 Acesso em 30 nov 2023
CANTO, Sidney Augusto (Padre). Alter do Chão e Sairé: contribuição para a história. Santarém: Gráfica Tiagão. 2014.
CARVALHO, L. G. de. Tradições Devotas, Lúdicas Inovações: O Sairé em Múltiplas Versões. Revista Sociologia e
Antropologia. Rio de Janeiro, v. 06. 0I: 237- 259. 2016.
_______ (Coord.). Festa do Sairé de Alter do Chão. Santarém: UFOPA, 2016.
FIGUEIRA, C. L. Festa popular na Amazônia: Sairé a reinvenção da tradição em Alter do Chão (PA). 2014. 204 páginas.
Dissertação. Mestrado em História Social. Pontifícia Universidade Católica. São Paulo
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
O lago da Usina Hidrelétrica de Tucuruí submergiu Breu Branco que existia desde
1900 e, em 1980, passou a existir em outro território, após a construção da Usina. Assim,
a população passou a chamar de Breu Velho a antiga vila e o novo município construído
como Breu Branco pelos moradores. Essa remoção não ocorreu sem conflitos.
Eu devia ter por volta de oito anos, quando meu pai, que até então sempre trabalhou
no ofício de caminhoneiro, foi até Tailândia-PA, a convite de um amigo próximo ao seu
irmão. Chegando na cidade, ele trabalhou em uma fazenda desse amigo, conhecendo as
áreas de abrangência, peculiaridades e riquezas da Amazônia; moramos por um tempo lá,
e quando eu tinha cerca de 10 anos, mudamo-nos para Breu Branco; foi quando meu pai,
que já estava trabalhando comprando madeira nas serrarias e enviando para a empresa do
interior de São Paulo, que o contratara para realizar esse serviço.
Lembro-me como se fosse hoje meu olhar de encantamento para a entrada principal
da cidade, na PA 263, onde nas suas laterais contam com grandes e imponentes palmeiras
imperais, começara ali a minha trajetória na cidade.
1
Psicóloga CRP-10/5440. Psicóloga do SUAS de Breu Branco e Profa. de Psicologia da UNINORTE/Tucuruí.
Conselho Regional de Psicologia da 10ª Região – Pará e Amapá (CRP-10)
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Os que ainda ficaram, são poucos, que guardam em suas memorias as angústias do
passado, enxergam que sim, o Breu como está hoje é mais evoluído que a Vila do Breu,
mas se fazem a pergunta: “e se tivéssemos tido o direito de ficar lá, lá não seria melhor?”
Uma pergunta retórica que todos tem a consciência de que não há resposta. Breu Branco
conta com uma zona rural extensa, consequentemente tornando o acesso a muitas pessoas,
penoso, a direitos universais como saúde e educação. Breu Branco, um município que
reserva dentro de si, desigualdades sociais brutais, não só em suas territorialidades rurais,
mas também na urbana. (CASTRO, 2010; MAUÊS, 2001).
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O relato que se segue traça uma linha temporal, sem preocupações extremadas com
a precisão de datas, ao longo de uma trajetória de avanços e recuos de uma experiência
de construção de apoio matricial em saúde mental na Rede de Atenção Psicossocial do
município de Parauapebas no sudeste paraense. A narrativa parte de dois atores que
ocupavam os lugares de gestão da política de saúde mental local e da supervisão técnica
do Centro de Atenção Psicossocial e analisa os conflitos de forças de várias ordens pelo
viés político, ideológico e social típicos de uma cidade onde se instalou um grande
empreendimento transnacional para exploração das riquezas escondidas no solo.
Parauapebas, no ano em que esse texto está sendo escrito (2023), encontra-se
com 35 anos de idade, supondo-se que seu nascimento tenha se dado ao emancipar-se
do município a que pertencia, Marabá. Oficialmente com 266.424 habitantes e PIB per
capita de R$ 78.841,15 (IBGE/2022), cifra esta que assusta e assombra a todos, sobretudo
aos próprios moradores da cidade. O fato é que Parauapebas é um dos municípios mais
ricos do Brasil por abrigar a Serra dos Carajás, considerada a maior província mineral do
planeta, o que resulta em uma quantidade considerável de impostos pagos pela mineradora
que explora essa riqueza.
Como se sabe, as cidades que abrigam projetos de mineração, trazem junto com
seu potencial de crescimento econômico, muitas mazelas sociais, sendo hoje as mais
preocupantes o alto índice de violência doméstica, de exploração sexual de crianças e
adolescentes e o uso abusivo ou problemático de álcool e drogas. Como consequência
desse cenário, vemos o aumento do sofrimento psíquico da população: sofrimento este
que afeta desde nossos trabalhadores “da mina” aos servidores públicos, que atuam nas
políticas públicas municipais e se veem diante de inúmeros desafios para a realização de
seu trabalho. Seja o professor que está em sala de aula e acolhe as crianças e suas famílias
mais vulneráveis, na difícil tarefa de educar para a cidadania, sejam os profissionais do
serviço social, da psicologia, da enfermagem etc., que cotidianamente tentam minimizar
o sofrimento expressado das mais variadas maneiras: das tentativas de suicídio, do
comportamento auto lesivo, até a manifestação de crises de ansiedade e surtos psicóticos.
Até o ano de 2020, as respostas disponíveis dentro das políticas públicas para as
consequências psicossociais da presença do projeto de mineração, eram a rede de atenção
primária, um Centro de Atenção Psicossocial do tipo II e um profissional de psiquiatria
que atendia na Policlínica do município as demandas encaminhadas, via regulação, pelo
CAPS e pela Atenção Primária. Após a profissional psiquiatra solicitar sua demissão e
o posto ficar desocupado na policlínica, a gestão da RAPS pôs em marcha o projeto de
Apoio Matricial em Saúde Mental com o intuito de ofertar tanto retaguarda assistencial
especializada quanto suporte técnico-pedagógico, ampliando assim o escopo de ações e a
resolutividade da atenção primária (CAMPOS, 2007).
1
Psicólogo CRP-10/1367. Psicólogo da secretaria de saúde de Parauapebas.
2
Psicóloga CRP-10/1233. Psicóloga do CAPS de Parauapebas.
Conselho Regional de Psicologia da 10ª Região – Pará e Amapá (CRP-10)
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
A forma de comunicação deveria ser feita via formulário online cujo preenchimento
solicitava informações básicas sobre o usuário, sua família e seu contexto, mas exigia
que o caso tivesse sido discutido com a equipe do Núcleo de Apoio à Saúde da Família
(NASF) e apenas após esse diálogo, e se necessário, a equipe de apoio do CAPS poderia
ser acionada. Esse tipo de comunicação mais ativa e voltada mais para o usuário e não para
as burocracias do serviço substituiu a relação fria e hierarquizada dos encaminhamentos
mediados pela regulação, resultando na produção de maiores pactuações, conversas e
compartilhamentos, mesmo antes da ação de matriciamento ocorrer.
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
Vale ressaltar, que apesar dos esforços do Conselho Federal de Psicologia (CFP),
através das referências técnicas produzidas pelo Centro de Referências Técnicas em
Psicologia e Políticas Públicas (CREPOP), que construiu diretrizes para atuação na
atenção básica do SUS, observa-se que muitos profissionais psicólogas e psicólogos ainda
se identificam e se alinham com práticas do atendimento clínico individualizado e/ou
psicoterápico, isolando o usuário de seu contexto social. Quanto ao segundo eixo, nota-
se ainda uma forte presença da lógica ambulatorial na atenção primária resultando em
agendas lotadas e pouco flexíveis, pois contam como estratégias centrais os atendimentos
individualizados e os encaminhamentos, em uma dinâmica semelhante a uma linha de
montagem: o usuário caminha de sala em sala, iniciando pela recepção, triagem, consulta
médica, farmácia, consulta com a psicóloga(o), cada um encaminhando verbalmente ou
por escrito para a “salinha ao lado”. Nessa perspectiva, sem um momento em que os
profissionais possam se reunir para pensar juntos estratégias de intervenção, o usuário só
tem a perder.
Nesse sentido, o profissional de psicologia deve estar atento a não reforçar tais
construções patologizantes, alinhando-se às diretrizes publicadas pelo Conselho de
Psicologia, bem como aos conceitos de atenção psicossocial e clínica ampliada, indo
assim na direção oposta à prática tradicional do atendimento individual exclusivo. Ou
seja, se a psicologia tem o compromisso social de garantir aos usuários o exercício pleno
de sua cidadania e autonomia, pode mesclar na sua atuação atividades coletivas que
possam oportunizar melhores condições de vida e assim minimizar o sofrimento psíquico
enfrentado: grupos de ajuda mútua, grupos de crescimento, de educação em saúde, de
autoadministração da ansiedade etc.
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
Para concluir, achamos essencial enfeixar alguns pontos de reflexão sobre a nossa
experiência até agora com o trabalho da psicologia numa lógica de apoio matricial. O
primeiro ponto diz respeito à relação do núcleo de saber da psicologia com os demais
núcleos das demais categorias e a busca de seus campos comuns. Essa relação ainda carece
de enfrentamentos que se mostram necessários para a consecução de um projeto comum
de cuidado que tenha como princípios os mesmos do SUS e da reforma psiquiátrica.
O trabalho compartilhado, essência do apoio matricial, deve ser o produto permanente
desses embates.
O segundo ponto são as pressões exercidas pela lógica manicomial que exacerbam
a fragmentação do cuidado; privilegiam o saber psiquiátrico, transformando todos os
outros saberes em auxiliares; que tem na medicação a principal (e às vezes a única)
terapêutica e, por fim, faz do ambulatório o locus das intervenções assistenciais. Como
terceiro ponto, há de se observar que a(o) profissional da psicologia tem mais facilidade
de inserir-se em ações de apoio matricial quando está vinculado a equipes de estratégia
de saúde da família que permanecem realizando atenção primária em saúde e se recusam
a aceitar a lógica ambulatorial.
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
REFERÊNCIAS
AMARANTE, Paulo. Saúde Mental e Atenção Psicossocial. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2007.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Saúde mental. Brasília:
Ministério da Saúde, 2013. (Cadernos de Atenção Básica, n. 34). Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/
cadernos_atencao_basica_34_saude_mental.pdf. Acesso em: 12/12/2023.
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BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Núcleos de Apoio à Saúde
da Família – Volume 1: Ferramentas para a gestão e para o trabalho cotidiano. Brasília: Ministério da Saúde, 2014. (Cadernos
de Atenção Básica, no. 39). Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/br/bvs/publicacoes/nucleo_apoio_saude_familia_
cab39.pdf. Acesso em: 12/12/2023.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Portaria nº 148, de 31 de janeiro de 2012. Diário Oficial
da União, 10.216. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2012/prt0148_31_01_2012.html. Acesso
em:12/12/2023.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Política Nacional de
Atenção Básica. Brasília: Ministério da Saúde, 2012. (Série E. Legislação em Saúde).
CAMPOS, G.W.S.; DOMITTI, A.C. Apoio matricial e equipe de referência: uma metodologia para gestão do trabalho
interdisciplinar em saúde. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 23, n. 2, p. 399-407, fev. 2007. Disponível em:
https://www.scielo.br/j/csp/a/VkBG59Yh4g3t6n8ydjMRCQj/. Acesso em:12/12/2023
CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Atenção Básica e Saúde Mental: caderno de referência para psicólogas(os).
Brasília: Conselho Federal de Psicologia, 2019. Disponível em: https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2019/11/CFP_
atencaoBasica-2.pdf. Acesso em: 12/12/2023.
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
A escola e a infância são temas recorrentes em relação aos estudos aos quais eu
me dedico no âmbito da psicologia e aquela garotinha e a tia da música me instigaram a
compreender mais sobre essa realidade. Este artigo é um recorte da pesquisa que estou
realizando para compreender como as enchentes de Marabá afetam as crianças dos bairros
situados na beira dos rios Itacaiúnas e Tocantins.
1
Psicóloga CRP 10/09642. Mestra em Psicologia clínica pela PUC-SP. E-mail: annaleticiagp@gmail.com.
Conselho Regional de Psicologia da 10ª Região – Pará e Amapá (CRP-10)
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
Bock e Furtado (1999), comentam que a escola é uma das principais instituições
relacionadas ao desenvolvimento infantil, é o lugar no qual ocorre a mediação entre o
sujeito e a sociedade, permitindo que a criança seja socializada e educada. Estes autores
ainda afirmam que para compreender o funcionamento do mundo interno é necessário
compreender o mundo externo. O desenvolvimento humano é compreendido numa relação
dialética entre o homem e o meio no qual ele vive. Desta maneira para compreender a
vivência de crianças em relação a escola e a aprendizagem é necessário compreender
também a comunidade na qual estas crianças estão inseridas.
Saviani (2013) é um dos autores que comentam que a classe trabalhadora tem
acesso a uma escola voltada a manutenção de mão de obra para o capital. Já os alunos, que
são oriundos das classes com condições mais favoráveis economicamente, tem acesso a
escolas com estrutura e profissionais qualificados para garantir a sua entrada nas melhores
universidades do País. Sob este aspecto a educação tem a função de reproduzir a estrutura
social vigente.
Ao refletir sobre a estrutura social é necessário destacar que o Cabelo Seco ficou
conhecido desta maneira devido a presença de mulheres negras neste espaço. Sindeaux,
Santos e Macedo (2022), comentam que apesar da presença destas mulheres não se observa
entre os moradores do bairro um discurso que dê visibilidade ao papel da mulher negra
nesta comunidade, já que atualmente só existe um evento voltado para a temática racial
na região do Cabelo Seco; este evento é percebido como um momento de festividade, não
sendo constatada a utilização do mesmo como um momento de resistência ao preconceito
e a discriminação direcionados a comunidade local.
Por outro lado, Almeida (2012) destaca a concepção de que a região amazônica
é composta somente de florestas, que pode conduzir ao desconhecimento em relação a
população local e a maneira como vivem. Este mesmo autor comenta a iniciativa do poder
público para minimizar os conflitos vivenciados na época de enchentes e chama a atenção
para a baixa efetividade das medidas que foram implementadas, relacionando este fato ao
desrespeito em relação às características culturais dos moradores do Cabelo Seco. Nestas
duas situações é possível observar um silenciamento e a não percepção dos moradores
desta localidade como participantes ativos e co-construtores da realidade do bairro.
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
crianças do Cabelo Seco, já que o tempo destas crianças é o tempo do movimento das
águas dos rios Itacaiúnas e Tocantins.
São crianças que se sentem seguras ao observar o movimento das águas, em seus
relatos realizados na escola, que constitui o lugar no qual eles podem dialogar sobre
suas vivências, não há a percepção de medo ou risco. Almeida (2012) destaca que para
alguns habitantes adultos da região do Cabelo Seco a enchente é percebida como uma
faxina natural nas áreas mais sujas e também como um evento que propicia a circulação
do dinheiro, tendo em vista por exemplo, que existem barqueiros que trabalham no
deslocamento das famílias para outros bairros. Relatos semelhantes podem ser observados
entre as crianças. Vale citar que a escola é um espaço significativo para as crianças e que
durante o período de enchentes muitas não conseguem se deslocar até a escola.
Ainda sob este aspecto, cabe citar que a existência de um estigma relacionado a
população jovem que reside no bairro do Cabelo Seco é reforçada por notícias de conflitos
entre facções rivais neste bairro e violência entre familiares. É possível destacar que no
dia 31 de julho de 2023 o portal Correio de Carajás noticiou a morte de dois irmãos na
região do Cabelo Seco e enfatizou a possibilidade de o crime ter ocorrido por conta de
brigas entre facções rivais que atuam no bairro.
Já no dia 15/10/2023 o Giro Portal noticiou que um homem morreu dois dias após
ser baleado pelo filho de 15 anos, neste caso há mais de uma explicação para a ocorrência
deste fato, pelo menos, uma delas envolve violência doméstica. No dia 18/09/2023 o portal
DOL Carajás noticiou que um corpo com marcas de bala foi encontrado boiando na orla
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na qual encontra-se situado o bairro Cabelo Seco, onde o corpo teria sido encaminhado
ao Instituto Médico Legal e aguardava o reconhecimento dos familiares.
Neste caso, observa-se uma contradição, pois, ao mesmo tempo que a escola
promove o acesso a todos, são privilegiados os estudantes que estão dentro de uma cultura
de elite. Bourdieu (1992) comenta sobre as consequências da violência simbólica e os
estudos realizados por este teórico auxiliam na compreensão sobre como as famílias
se resignam ao perceberem como verdadeiras, ideias e concepções relacionadas a
meritocracia e ao fato de que avançam e se destacam na escolarização alunos que
apresentam características individuais e intrapsíquicas promotoras deste sucesso.
Cabe destacar que a escola pode se constituir em um local que promove a reflexão
sobre a sociedade e suas contradições, inclusive no que diz respeito às desigualdades
sociais. A dificuldade de acesso das crianças do Cabelo Seco a escola nos períodos de
enchente não deve ser vista como uma realidade que não pode ser modificada e que surge
em decorrência do fenômeno das cheias e é preciso romper com as estruturas excludentes
da sociedade refletindo sobre alternativas que possam prevenir as dificuldades surgidas
no acesso à escola durante este período.
Considerações finais
Este texto está inserido no contexto de uma pesquisa que tem por finalidade
compreender como ocorre o acesso à escola durante o período de enchentes por parte das
crianças moradoras do bairro Cabelo Seco. Nota-se que muitas das dificuldades vivenciadas
por parte dos moradores neste período tem relação com a falta de conhecimento sobre
a cultura e as especificidades desta comunidade e cabe aos profissionais da psicologia
auxiliar a comunidade na compreensão de seus direitos, principalmente no que diz respeito
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
ao acesso e permanência das crianças nas escolas durante as enchentes, são escassos os
trabalhos na área de psicologia em relação a esta realidade. Assim, buscamos colaborar na
compreensão da problemática vivenciada pelos moradores do referido bairro, ainda que
se façam necessárias a realização de outras pesquisas que possam ilustrar mais os fatos
apresentados até aqui.
REFERÊNCIAS
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Históricos, [S. l.], v. 15, n. 2, p. 205–238, 2012. DOI: 10.36449/rth.v15i2.7205. Disponível em: https://e-revista.unioeste.br/
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BOCK, A. A. B.FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. L. Psicologias: uma introdução ao estudo da psicologia. São Paulo: Saraiva,
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BOURDIEU, P. PASSERON, J. A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. Petrópolis: Vozes, 1992.
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de 1991
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morre dois dias após ser baleado pelo filho de 15 anos, em Marabá - Notícias | Giro Portal. Acessado em: 26/11/2023.
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SINDEAUX, B. J; SANTOS, S.A.M. MACEDO. J. Mulheres negras do bairro Cabelo Seco (Marabá-PA): Entre o
silenciamento e a afirmação de uma identidade negra. Disponível em: MULHERES NEGRAS DO BAIRRO “CABELO
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Plataforma Espaço Digital (editorarealize.com.br). Acessado em: 26.11.2023.
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
Fui chamado (o serviço de Psicologia) para discutir com uma colega estratégias
de enfrentamento para lidar com pacientes, todos do sexo masculino, com um mesmo
problema em comum: o Traumatismo Raquimedular (TRM). A maior dificuldade
apresentada por essas pessoas parecia ser a adesão ao tratamento e o humor rebaixado
presente em todos, de imediato precisei me familiarizar com a patologia, não era algo do
meu domínio. Trabalho em um Centro Especializado em Reabilitação (CER) de porte III,
atualmente atendendo reabilitação física, intelectual e auditiva.
De acordo com o hospital Albert Einstein o TRM é uma lesão traumática que
acomete a medula espinhal, localizada no interior do canal vertebral da coluna cervical
e torácica; provocando injúria do tecido neural, resultando em algum déficit de função
motora e/ou sensitiva. 81% dos casos afetam homens e a idade média é de 42 anos,
a maioria é causada por acidente automobilístico (38%), seguido de quedas (30,5%) e
violência (principalmente arma de fogo, 13,5%); existem registro de acidentes deste tipo
em lesões provocadas por esportes (9%) e algumas complicações cirúrgicas (5%). Este tipo
de acidente pode causar um déficit neurológico, resultando em um quadro de paraplegia
(quando o paciente não consegue movimentar ou sentir as pernas) ou tretraplegia (quando
compromete os membros superiores, tronco, membros inferiores e pélvis).
O grupo foi composto por 05 (cinco) homens na faixa dos 17 a 35 anos, todos
residentes da cidade de Macapá. Os encontros aconteciam sempre às 6ª feiras com
regularidade de 90 minutos e eram divididos em 2 momentos distintos. O primeiro
momento era de orientação específica do quadro e eram trabalhadas questões específicas
como: limpeza da sonda, cuidados no banho, como passar da cadeira para outros lugares,
amparo legal trabalhista, etc. O segundo momento uma entrevista, estilo conversa informal,
com o grupo. Um dos integrantes precisou mudar de turno de tratamento, abandonando
assim o grupo logo no início, ficando apenas 4 participantes, assim descritos:
• Participante 1: casado, sem filhos, residia com a mãe e a esposa, trabalhava como
garçom em um restaurante da cidade quando testemunhou a discussão de dois outros
homens no trabalho. Os homens haviam consumido álcool e já demonstravam sinais
de alteração e embriagues. A discussão partiu para agressão física, foi quando ele
e outras pessoas próximas resolveram intervir. Sem saber explicar como, um dos
homens envolvidos na briga teria puxado uma arma de fogo e efetuado um disparo que
acidentalmente o atingiu, lesionando sua cervical;
• Participante 2: casado, com um casal de filhos, morava com a família e trabalhava com
transporte de mercadoria, dirigia uma moto (seu instrumento de trabalho), lembra de
ter sido ‘fechado’ no trânsito, o que o fez perder o equilíbrio, derrubando-o da moto,
causando o traumatismo.
1
Psicólogo CRP-10/740. Psicólogo do CER Amapá e conselheiro coordenador da Seção Amapá do CRP-10.
Conselho Regional de Psicologia da 10ª Região – Pará e Amapá (CRP-10)
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
O curioso nesse aspecto é que mesmo em uma realidade específica, num possível
recorte amazônico, percebe-se que algumas experiências não diferem de contexto.
Acredito que essa realidade seja semelhante em outros espaços. Existem aspectos que
não mudam. Assim como o fator eliciador dos acidentes se assemelha com os dados
nacionais, arrisco em dizer que as demandas trazidas possam ser as mesmas em lugares
díspares.
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
Uma das questões que mais os incomodava era a própria visão de homem, era
difícil se verem como homens, tinham uma deficiência e acreditavam que as pessoas
que estavam cuidando deles era por algum sentimento de piedade ou algum tipo de
obrigação. Para esse grupo, aprender a ver sexo, afeto, carinho, cuidado e alguns outros
termos relacionados foi meio que ser ensinado a escreverem novas histórias. Lembro
particularmente de uma narrativa que foi muito discutida no grupo devido a representação
que talvez possa ter causado em cada um e nos valores coletivos contidos no grupo.
Um dos integrantes extremamente constrangido e envergonhado, com muita dificuldade
dividiu uma experiência vivida há algumas semanas, relatou que ao ser auxiliado pela
mãe na hora do banho, teve uma ereção.
O episódio pareceu ter sido muito impactante; ereção e mãe na mesma frase, era
como se não coubesse no contexto, acredito que só nas aspirações mais intimas no contexto
edípico possa ter espaço para esse tipo de pensamento, mas não naquele grupo de homens.
Uma espécie de culpa invadiu o recinto, falamos sobre respostas involuntárias, reflexos e
ações involuntárias do sistema nervoso. Precisamos mostrar num encontro seguinte o que
eram as sinapses e um pouco de toda essa resposta física. Parecia ser mais um obstáculo
a ser superado, não bastava o corpo não obedecer, ele ainda iria ter vontade própria?
Aos poucos toda aquela fala técnica começava a fazer sentido, os espasmos
pelo corpo, principalmente nas pernas, as ereções involuntárias que “não” ajudavam
os momentos de intimidade dos casais, como se o corpo tivesse uma vontade própria,
principalmente no começo do tratamento. Esses homens foram apresentados a uma
sexualidade que desconheciam, aprenderam a conhecer seus próprios corpos, os das suas
parceiras, foram descobrindo outras áreas que não eram exploradas e acima de tudo a ver
o sexo de uma forma diferente de como o percebiam antes do acidente.
Sujeitos com histórias tão distintas, com condutas tão individualizadas estavam
aprendendo a ouvir os companheiros, aprendendo com a experiência alheia, aprendendo
a ser um pouco mais humanos (quiçá empáticos), não era mais o meu problema, mas o
problema que atravessava o cotidiano de tantos, até de muitos anônimos não materializados
naquele ambiente, mas que certamente sofriam as mesmas inquietações, um bálsamo que
ecoava uma certeza “não se está sozinho”.
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
Esse relato começa com uma denúncia/confissão: não tive uma única aula sobre
gênero na minha graduação de psicologia, tomada entre 1995 e 2000 na Universidade
Federal do Pará. O tema, contudo, se interpôs como central na minha prática profissional,
marcadamente quando fui atuar na maior maternidade pública do norte do Brasil, ainda
na saúde do trabalhador. Nesse contexto, ainda no início dos anos 2000, passei a atender
majoritariamente mulheres. Mulheres racializadas e sobrecarregadas por plantões extras,
dando conta de pais que envelhecem e adoecem, filhos que adolescem e engravidam
namoradas, filhas e noras dependentes de si, maridos em subempregos e de um longo e
marcante histórico de violências. Como resultado, altos índices de depressão e ansiedade
e uma necessidade pujante de escuta e validação.
Ouvia o sofrimento das mulheres esgotadas, mas era eu ainda uma “guerreira”
em início de carreira, que acumulava cargos, mas ainda não vivenciara a experiência tão
solitária da maternidade. As outras seis horas de trabalho corrido eram em uma Vara de
violência contra mulheres. Psicólogas e assistentes sociais e pedagogas recém-concursadas
testemunharam a virada da Lei Maria da Penha e a adaptação dos Tribunais para a
implementação da Lei 11.340/06 e o crescente entendimento do potencial emancipatório
de um trabalho na justiça comprometido com a equidade de gênero.
Ainda assim, embora o letramento racial tenha me dado críticas chaves de leitura
dos sistemas de opressão das mulheres racializadas, seja com o reconhecimento dos
1
Psicóloga - CRP10/1519. Psicóloga da FSCMP e do TJ-PA, mestra em teoria e pesquisa do comportamento pela UFPA e conselheira
do CRP-10 representante no CEDM-PA.
Conselho Regional de Psicologia da 10ª Região – Pará e Amapá (CRP-10)
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
Há sete anos passei a ter proximidade com o Programa Aborto Legal da Fundação
Santa Casa de Misericórdia do Pará (FSCMP), durante os atendimentos em regime
de plantão noturno. O referido Programa é resultado da articulação e mobilização dos
movimentos de mulheres paraenses e funciona, na Unidade de Urgência e Emergência
Obstétrica da FSCMP, desde 1998. Ainda hoje, contudo, mulheres em situação de violência
sexual enfrentam entraves sexistas e de ordem moral na garantia de um direito previsto
em Lei. Um destes é a declaração de objeção de consciência por parte do médico que lhe
presta atendimento. Ora, é sabido que nenhum médico será obrigado a realizar qualquer
procedimento que se oponha aos ditames de sua consciência e aos seus princípios –
religiosos ou não; contudo, se o serviço de saúde é referência no atendimento a mulheres
que sofreram violência sexual, cabe o acionamento imediato de outro profissional que
realize a Interrupção Legal da Gravidez. O que se observa é a permanência de mulheres
no Setor de Urgência e Emergência Ginecológica/Obstétrica por plantões consecutivos
ou a dispensa da usuária do serviço de saúde, para que retorne somente no plantão de
um profissional que entenda que esta modalidade de aborto é, fundamentalmente, ética e
humanitária, e realize o procedimento conforme direito da paciente.
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
de 2018, que contou também com a presença de Hélio Franco (então secretário estadual
de Saúde Pública), um importante apoiador do Programa Aborto Legal por ocasião de sua
instalação, além da Comissão de Direitos Humanos da OAB e da Comissão de Gênero do
CRP-10, na qual já estava inserida, mesmo antes de ser eleita como Conselheira para este
XI Plenário.
Passo então a me apoiar no olhar feminista decolonial de Vergés (2021), que expõe
e se contrapõe a um patriarcado neoconservador e neoliberal que sustenta e encoraja o ódio
contra minorias, trans, queer, trabalhadoras do sexo, racializades, migrantes, muçulmanos.
O feminismo decolonial se afasta de uma lógica binária, assumindo a violência como
componente estruturante do patriarcado e do capitalismo, e não como uma especificidade
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
Saudações a todas e todos. Para construir essa fala, acionei colegas da região
Norte, que atuaram e/ou atuam no SUAS ou em contextos atravessados pelo SUAS, alguns
mencionados nominalmente e outros de maneira anônima . Essa rede foi acionada por
meio da psicóloga Letícia Palheta, do CREPOP do CRP-10, e por intermédio da psicóloga
Rebeca Larissa dos Santos Marinho, da ABRAPSO Norte. A partir dessas conversações,
tomei como ponto de partida o diálogo com o psicólogo Max da Costa Alves, que atua em
Abaetetuba, no Pará, é vice-presidente do CRP-10 e membro da Comissão Especial de
Psicologia na Assistência Social.
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
muitas vezes o Estado não se faz presente, havendo uma ausência da própria psicologia
nos territórios, como pude vivenciar quando morei com o povo Ãwa na Ilha do Bananal
no Tocantins, como também em ocupações urbanas. Há uma questão geográfica, mas
também uma intencionalidade política, portanto.
Nesse sentido, não é possível falar dessa diversidade sem falar de ataques aos
direitos; dos assassinatos no campo; do trabalho escravo, cenário acirrado nos anos de
pandemia e pandemônio. No caso do Acre, isso fica muito evidente na conversa que tive
com o psicólogo socioambiental Leandro Rosa, atuante com movimentos populares. Ele
me explicou que a psicologia socioambiental tem sido construída em seu Estado a partir
da luta dos seringueiros, e o desafio que se coloca no território tem sido pensar em como
essa Psicologia pode vincular-se à questão da crise climática e que o que tem sido pensado
a partir da tradição de Chico Mendes, junto às alianças dos povos da floresta, é que a crise
climática não pode ser superada dentro do capitalismo, implicando na necessidade de
uma reestruturação social e de se pensar em uma sociedade não capitalista.
Vale dizer, é preciso falar sobre isso especialmente no contexto do SUAS, que é
uma política que, desde a concepção, trabalha diretamente com violências e violações
de direitos, como sinalizou o psicólogo e professor Robenilson Barreto, com histórico
de atuação em diferentes no Tocantins e no Pará. Ou seja, para além de uma escuta dos
territórios, se faz necessário pensar com muita seriedade e compromisso na segurança
dos profissionais, reconhecendo-lhes como “agentes de direitos humanos”, conforme o
psicólogo e professor André Benassuly trouxe em nossa conversa.
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
Outro relato, anônimo, veio de uma colega que possui experiência no Pará e no
Amapá, que partilhou sobre a precarização do serviço: “Um serviço que tem que ser
ofertado de qualquer forma, com demandas enormes; e quando a gente não faz aquilo que
eles esperam que a gente faça, nós somos taxados como maus profissionais. Já recebi de
formas absurdas situações de assédio moral, de rechaçamento, por não fazer aquilo que
eles queriam que eu fizesse. [...] Aí eu tinha que me impôr, se não as crianças não tinham
seu direito garantido [...]. Em outro município no Pará, próximo a Belém, eu recebi muitos
questionamentos do Conselho Tutelar [...], que levava a maioria dos acolhidos pra lá. E
eles queriam que a gente tratasse os acolhidos da forma que eles tratavam [de maneira
punitiva e violenta]”.
Conversando com Max da Costa Alves, refletimos que nesse território complexo, a
condição de trabalho fortalece a segurança do profissional na contramão de uma condição
sem recurso, sem estrutura e sem rede para realizar nossas práticas. Letícia Palheta, relatou
sobre encontros que tem realizado “com psis da assistência, e o que temos discutido [...]
gira em torno da rotatividade de profissionais e a precariedade dos vínculos de trabalho.
Os serviços ainda preconizam [...~] equipes mínimas, dificultando a realização [...] do
acompanhamento das famílias”, pautas que dialogam com o financiamento do SUAS.
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
as práticas conectadas com as realidades dos territórios, para defender direitos, se faz
necessário pensar atentamente sobre essa relação. Nesse sentido, para fechar minha
contribuição gostaria de fazer algumas proposições em diálogo com os colegas; quais
sejam:
• No que se refere à pauta da proteção das psicólogas, faz-se necessário criar espaços
para articulação de uma rede de proteção e prevenção das violências contra os
profissionais. Robenilson Barreto partilhou que seria interessante pensarmos em
um Observatório, ou em um Fórum, enfim, em uma pactuação entre psicologia,
defensoria, ministério público, movimentos sociais, sindicatos, universidades,
entidades da psicologia, etc, que possa realizar ações de vigilância, criar canais
de denúncias, produzir relatórios, acompanhar, etc, em relação às “violações de
direitos dos trabalhadores do suas”;
• Nesse sentido, somo forças com a professora Socorro Nina e com o professor
Robenilson Barreto na proposta de produção de uma pesquisa, portanto, acerca
das “violações de direitos dos trabalhadores do suas e de contextos atravessados
pelo SUAS”, como um conhecimento de realidade a ser produzido em caráter de
urgência pelo controle social a fim de desvelar essa realidade de trabalho para a
reconstrução do SUAS.
Por fim, agradeço ao CFP pelo convite, e a todas e todos colegas parceiras e
parceiros pela construção conjunta. Espero que esse trabalho singelo, mas coletivo
e comunitário, tenha contribuído na caminhada rumo à 13ª Conferência Nacional do
SUAS, de modo que as pautas do Projeto Social das Psicologias Amazônidas possam
somar na reconstrução não apenas do SUAS, mas do Projeto de Sociedade como um todo.
Obrigada!
REFERÊNCIAS
CFP, Conselho Federal de Psicologia. Referências Técnicas para atuação de psicólogas(os) junto aos povos indígenas.
Conselho Federal de Psicologia, Conselhos Regionais de Psicologia, Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas
Pública. — 1. ed. — Brasília: CFP, 2O22.
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
COTEC/CRP-10: Você tem uma atuação na psicologia muito ligada à pauta dos
direitos humanos, não é? O que te levou a fazer o curso de psicologia e como foi o teu
processo de formação?
Jureuda: Desde muito jovem, começo a me interessar pelas aulas de história, pela minha
formação familiar, um pai progressista, uma família onde se podia debater, e vivíamos a
minha adolescência ainda antes da ditadura. Então, eu com 13 anos, eu tive oportunidade
de assistir na Avenida 1º de Dezembro, hoje Avenida João Paulo, o discurso pelas Diretas
Já e fui levada pelo meu pai e eu tinha 13 anos. Saí dali já para criar o Grêmio Estudantil
no Colégio Moderno e minha chapa ganhou uma chapa de meninos ligados a grupos,
grandes grupos empresariais aqui no estado, grupos de televisão, e minha chapa ganhou
uma chapa que tinha o nome de Novos Passos, ganhou a chapa que se chamava Black Tie,
não por atoa, era uma compreensão ideológica já e política, Novos Passos ali se forjando
e a pequena gente ia se candidatando com uma chapa chamada Black Tie e não parei.
Então, desde a sétima série, quinta série, sexta série, sempre ligada ao Grêmio Estudantil.
Quando eu entro na universidade em 88, eu fui para o primeiro Centro Acadêmico de
Psicologia, lá ligado à Unespa, que hoje é o UNAMA e a partir de então, várias lutas
naquela época se forjavam, lutas pela meia passagem, não se tinha passe estudantil, se
tinha só um vale, tipo um vale de transporte, era só 33, a luta para que se fosse 66 passes,
ida e volta e um final de semana e a gente queria o passe livre, conseguimos a meia
passagem estudantil, com muita luta, manifestações com 10 mil estudantes na rua e eu,
nessa época, era presidente do centro acadêmico, logo depois fui presidente do centro, não
fui presidente, fui da direção, estendida da direção do Diretório Central dos Estudantes da
Unespa e já entendendo que eu tinha uma grande liderança, porém, era mulher e naquela
1
Entrevista realizada pelo coordenador técnico do CRP-10 Robert Rodrigues e transcrita pela estagiária da Coordenação Técnica
(COTEC) Dalila Clementino.
Conselho Regional de Psicologia da 10ª Região – Pará e Amapá (CRP-10)
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
Jureuda: No ano de 92, eu estava no Centro Acadêmico, 91, 92, e comecei a participar
a convite do próprio Conselho de Psicologia, chamando o Centro Acadêmico. A gente
fazia muitas semanas da Psicologia, e nós, pelo Centro Acadêmico, também fazíamos
muitas atividades. Só que o Conselho de Psicologia, o sistema, ainda era ligado ao CRP-
01. Então, em 88, quando eu entro na Psicologia, ainda era ligado a Brasília, 88, 89,
90, 91 eu participo das primeiras reuniões para desmembramento do CRP-01 e o nosso
CRP, pela data de inscrição e solicitação para o Conselho Federal, nós fomos o décimo
Conselho a ser criado, por isso que nós somos CRP-10. Pela grandiosidade da Amazônia,
nós fomos o primeiro CRP a ser desmembrado, em 92, e nós recebemos o décimo lugar
de desmembramento, por isso CRP-10. E pela aproximação com o Estado do Amapá,
nós ficamos sede no Pará e uma Sessão no Amapá. Em 92, eu era do Centro Acadêmico,
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
O movimento Cuidar da Profissão era um movimento que foi sendo pensado e criado por
pessoas que já faziam parte do Conselho Federal de Psicologia, que era a Ana Bock, o
Marcos Vinícius, o Odair Furtado. São pessoas que, a partir da reconstrução do Brasil,
a partir do finalzinho dos anos 80, teve toda uma militância na PUC de São Paulo, de
resistência, na Bahia, Marcos Vinícius, Minas Gerais, São Paulo, porque no Rio de
Janeiro, onde eu morava, havia até intervenção do Conselho Federal, porque era um
conselho muito atrasado, um conselho confuso, depois que a Cecília Coimbra entra no
Conselho, mas em 91, 92, era bem confuso. Esse pessoal, Cecília Coimbra, vai fazer parte,
a Margareth vai fazer parte a partir de 94, 95, 96, e aí junta com o pessoal de São Paulo,
ligado ao Cuidar da Profissão, no Rio de Janeiro era o Ética e Profissão, em São Paulo
era o Cuidar da Profissão. E esse pessoal vai assumir o Conselho Federal de Psicologia e
vai possibilitar uma psicologia mais democrática, uma psicologia olhando para o Brasil,
uma psicologia com compromisso social, construindo um pensamento crítico e político
para a psicologia brasileira. Tanto que é no início dos anos 2000, efetivamente em 2005,
que a gente faz a reforma, eu já estava em Belém, já tinha voltado para o Brasil, porque
eu saio em um período, vou estudar a reforma psiquiátrica italiana, que dá origem à nossa
reforma psiquiátrica brasileira, eu saio do Brasil em um período, quando eu me formo, não
volto logo para Belém, vou fazer Saúde Pública e Saúde Mental na Fundação Oswaldo
Cruz, conheço mais aproximadamente, me torno próxima e estagiária do Paulo Amarante,
vou para fora do Brasil, e aí eu volto no início dos anos 2000 para Belém, para ajudar a
construir os serviços de saúde mental em Belém. Em 2005, por exemplo, eu participo das
reuniões para a reforma do Código de Ética, a gente fez um grande movimento nacional,
com muitas reuniões nacionais, o Código de Ética foi todo construído coletivamente,
foram movimentos belíssimos da construção.
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
Jureuda: Bom, Memória, Verdade e Justiça estão em mim desde os meus 13, 14 anos.
Eu assisti ao ato público aqui em Belém, nas campanhas das Diretas. Eu não cheguei
nem perto do palco, mas eu vi a festa. Lembro de longe a Fafá de Belém cantando o Hino
Nacional, vi muita gente na rua, vi a alegria que o meu pai tinha. Teve quando a gente
ficou com aquela confusão com a morte do Tancredo, assumiu o Sarney. Meu pai dizia
que não ia mudar muita coisa, mas já era o começo. Então ele comemorava muito essas
pequenas vitórias. Eu me lembro perfeitamente dele abrindo uma garrafa de uísque no dia
em que votou em 88 e foi ele quem me apresentou o voto a Socorro Gomes em 88, então
lembro dele comemorando. Em 89, conheço o Paulo Fonteles Filho que nasce na prisão,
filho de Ecilda e Paulo Fonteles. Paulo nasce na prisão em 72, fica afastado de Ecilda até
74, quando Ecilda é solta porque estava presa aqui em Belém, no presídio de São José,
atual Polo Joalheiro São José Liberto. Ele só vai ter contato com a mãe em 84. Quando a
gente começa a namorar em 89, o pai dele, Paulo Fonteles, tinha sido assassinado havia
dois anos. Então, a gente conversava muito sobre memórias da ditadura, sobre medos que
ele tinha do escuro, medo de baratas. E aí, depois de muitos anos, temos o relato da Ecilda
que durante a sua prisão ficou em um quarto muito escuro, cheio de baratas. A barata
andava no corpo dela, e ela teve que controlar o medo, proteger a boca e os ouvidos para
que a barata não entrasse no corpo dela, de tanta barata que tinha. Para ela poder dormir
com barata andando nela.
Acho que eu tinha uma dívida histórica, uma dívida histórica que a psicologia também
tomou para si. A partir de 2011, eu conheço a Vera Paiva, psicóloga, psicanalista, filha do
Rubem Paiva, brutalmente assassinado em 72, e só em 2012 tiveram a confirmação da
morte do pai, vivendo 40 anos com trotes e mentiras provocadas pela ditadura, uma tortura
constante. E eu achava que eu tinha um compromisso com a psicologia porque muitos
psicólogos também desenvolveram técnicas de tortura psicológica para os militantes de
direitos humanos presos, para os militantes políticos presos, e eu achava que a psicologia
tinha uma tarefa histórica.
Atendi muitos pacientes em surto psicótico provocados pela guerrilha do Araguaia. Muitos
foram barbaramente torturados no sul e sudeste do Pará, na região de Marabá, Serra das
Andorinhas. Eu conheci muitos camponeses presos e torturados. Eu achava que a psicologia
tinha uma dívida histórica aqui com o nosso estado. Eu fui a primeira pesquisadora desse
tema, com um mestrado sobre a emergência, a urgência e a emergência da Comissão
Estadual, da Comissão Nacional da Verdade. Estive representando o Conselho Regional
de Psicologia na Comissão Estadual da Verdade, que apurou os crimes da ditadura militar
aqui no estado do Pará.
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
Nessa linha, foi feito o convite para o Conselho Regional de Psicologia, e eu era vice-
presidentea do Conselho Regional de Psicologia, presidente da Comissão de Direitos
Humanos do Conselho Regional de Psicologia. Aí, eu participei da Comissão Estadual da
Verdade, que apurou os crimes da ditadura militar no estado do Pará.
Jureuda: Então, a primeira coisa que eles fazem é destituir a UAP, que era o presidente
Pedro Galvão, o João Jesus Paes Loureiro, que são presos, torturados, destituir o governador
Hélio do Carmo e a ditadura fica aqui, perseguindo os estudantes. Ela vai endurecendo,
tanto que a Ecilda e o Paulo Fonteles, que eram daqui de Belém, da legalização popular
AP, eles saem daqui de Belém e vão para Brasília para reconstruir a União Nacional dos
Estudantes. Quando são presos em Brasília, em 72, um dos piores momentos da ditadura
no Brasil. Nesse momento, está acontecendo aqui a Guerrilha do Araguaia, que é mais
ligado... Quem veio para a Guerrilha do Araguaia, quem entrou para a Guerrilha Armada,
entendendo que a revolução precisa ganhar o campo, os moldes da Guerrilha, os moldes
da China, que era o PCdoB maoísta, ligado ao Mao Tse Tung, o pensamento maoísta,
que é esse pensamento da revolução cultural, precisava sair do atraso feudal à China e o
Brasil a mesma coisa, um atraso feudal ligado ao nosso Brasil, era feudal praticamente,
feudal é um exagero, um eufemismo, mas a condição que o Brasil se encontrava ali nos
anos 70 era terrível. E aí a Guerrilha do Araguaia veio para cá, com os militantes do
PCdoB, fazer a Guerrilha do Araguaia, só a gente do sul e sudeste do Brasil, os paulistas,
como eles eram chamados. Então, a ditadura aqui no Brasil, aqui no Pará, foi muito
forte em relação à Guerrilha do Araguaia. Aqui em Belém, o movimento estudantil foi
barbaramente atingido, a sede da UAP é onde hoje um antigo hotel, o Hotel Regente, que
nem está funcionando mais como hotel, mas como o Hotel Regente compra a sede da
UAP, como destrói a sede da UAP, quem dá essa autorização? Então, são perguntas que
não se teve resposta.
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
COTEC/CRP-10: Pelo que você conhece, tem sido feito algo no sentido de encontrar
a verdade, resgatar a memória e garantir a justiça em relação a esses crimes?
Então, onde a Ecilda foi torturada e presa por dois anos lá no Polo Joalheiro tem que ter
uma placa tem que ter uma placa no 14 Bis, tem que ter uma placa lá em frente à Praça
Brasil, Comando do Norte tem que ter uma placa aqui, foi um local de tortura e serviços
de atendimento às pessoas remanescentes da Guerrilha do Araguaia, soldados. Ainda hoje,
muitos soldados jovens paraenses que foram obrigados a ir para a Guerrilha do Araguaia
não receberam nenhum tipo de indenização do Governo. Nenhum tipo de indenização.
COTEC/CRP-10: Como você observa os efeitos na saúde mental das pessoas que
sofreram com os crimes da ditadura militar?
Vivenciando de forma angustiante toda vez que este assunto torna aparece. E é assim que
os traumas da ditadura militar permanecem mesmo nos filhos, filhas, das pessoas que
sofreram, foram torturadas. Um campo importante de intervenção para a psicologia.
COTEC/CRP-10: Por fim, qual o papel da psicologia e qual a contribuição que ela
pode dar, tanto para a luta pela memória, verdade e justiça, quando para que crimes
iguais os da ditadura militar não voltem a ocorrer?
Jureuda: Nós todos temos a responsabilidade de fazer a memória, de termos, nós todos
brasileiros, temos que ter uma memória, uma memória real, coletiva, uma memória
Conselho Regional de Psicologia da 10ª Região – Pará e Amapá (CRP-10)
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
contada nos livros de história do Brasil. Não uma memória seletiva, até que a gente pode
contar. Não, precisa ser contado o fato, que é o que eu estudo na minha dissertação de
mestrado, eu faço uma análise entre a Lei de Anistia, em 79, que permitiu que muitos
brasileiros voltassem, tem até aquela música Volta do Irmão do Enfio, e tanta gente que
partiu. A volta dessas pessoas em 79 foi muito importante para que a gente retomasse a luta
interna, muita gente estava em exílio, exílio político, porém, o fato da lei de anistia votada
em 79, foi uma anistia ampla, geral e irrestrita. Irrestrita quer dizer que ela coube para os
militantes exilados e coube para os crimes impetrados pelos militares e seus torturadores.
Qual é o problema disso? Botamos para baixo do tapete a verdade sobre os crimes da
ditadura e botamos sobre o tapete as corrupções que começaram ali, por isso que a gente
chama de ditadura cívico-militar, porque muitas empresas sustentaram e bancaram a
ditadura. Não adianta só fazer uma mea-culpa e pedir desculpa como fez a Rede Globo
no ano de 2012, 2013, não vou lembrar, 2014. Não adianta só reconhecer publicamente
que as duas ditaduras. Precisa ter políticas de enfrentamento à ditadura nossa de cada dia.
Nós assistimos, em 2016, um golpe instituído e ajudado pela mesma Rede Globo, que
ajudou a fomentar o nome do Lula ligado à corrupção, tem um monte de estudo sobre
isso, comprova como isso foi embutido e incutido no imaginário popular. Então Lula
é ladrão, Lula é ladrão, criado pela Rede Globo e isso desenvolveu um fenômeno que
possibilitou a ascensão do fascismo, já era uma ascensão do fascismo na América Latina e
um dos expoentes desse fascismo, que volta de novo agora na Argentina, mas uma dessas
ascensões do fascismo chama-se Jair Messias Bolsonaro, que sem projeto de governo
e assumindo que não entende de economia, ele elegeu baseado num tripé, um tripé da
ditadura, um tripé ligado ao fundamentalismo religioso, pátria, Deus e não sei o que. E aí
ele, baseado nesse tripé da moral, ele fica solto para instituir uma perseguição ideológica
fascista, com uma série de ministros todos, alguns ligados a grupos fascistas, tanto que
teve um aumento de comportamentos nazistas, perseguição ao povo negro, perseguição
às pessoas de orientação sexual LGBTQIA+.
Então assim, teve uma autorização social para essa perseguição, também em relação às
pessoas ligadas aos movimentos sociais, também vinculada à imprensa da criminalização
dos movimentos sociais. Então tudo isso foi através dessa exceção que nós presenciamos
com a ascensão do fascismo. E aí a psicologia tem um papel de desvendar, de apontar,
de mostrar a importância da luta pela memória, da verdade como um princípio. Não
morreram e foram torturados igual para os dois lados. Então a gente está falando aí de
uma desproporcionalidade, de uma guerra. E a psicologia tem um papel transformador
porque ela é um dos poucos códigos de ética que trazem os seus princípios fundamentais.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos e vários itens e artigos e alíneas ligadas
ao Código de Ética Profissional do Psicólogo está na sustentação da defesa dos direitos
humanos. Então nós jamais podemos atribuir, o psicólogo não pode atribuir uma fala
fascista criada na ditadura, uma fala fascista criada na ditadura, que direitos humanos é
coisa de bandido. O psicólogo não pode ter esse tipo de conduta. Psicólogo, psicóloga não
pode dizer que bandido bom é bandido morto. Tudo isso são restos e resquícios da ditadura
do Brasil. Nós não podemos ter esse comportamento misógino, machista, LGBTfóbico,
enquanto profissionais de psicologia que atuamos em políticas públicas, que atendemos
no consultório, que somos baseados por resoluções como a 01 de 99, como resoluções
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PSICOLOGIA DA AMAZÔNIA: a trajetória do CRP-10 e o fazer profissional na região
como a 018 de 2002, com resoluções de 2018, a 01 de 2018, nós temos princípios, nós
temos princípios éticos que compõem a prática profissional, seja no âmbito público, seja
no âmbito privado, porque se eu incorrer em alguma questão ética, eu vou responder,
porque tem um conselho forte que fiscaliza a prática profissional e que possibilita tirar
da prática profissional o mau psicólogo, aquele que tem práticas fascistas, machistas,
LGBTfóbicas, aquele que alicia, aquele que violenta a mulher, aquele que violenta a
criança e adolescente.
Então a gente tem que ter a responsabilidade, entender que a nossa conduta pessoal e
moral tem que estar antenada, entendendo como é a minha conduta ética, ligada ao meu
código de ética, baseado num conselho, tanto regional quanto no conselho federal, num
sistema de conselhos que abrange o país inteiro, unificado no mesmo pensamento. O
pensamento da psicologia é um pensamento libertador.
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