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Sepulturas Medievais Do Marco de Canaves
Sepulturas Medievais Do Marco de Canaves
SEPULTURAS MEDIEVAIS DO
CONCELHO DO MARCO DE CANAVESES
A área concelhia tem, por outro lado, poucas áreas planas contínuas e estes pequenos
retalhos sempre foram aproveitados para a agricultura, com esta prática a implantar-se
nas encostas, através de socalcos.
a meio o actual concelho: granitos de grão mais fino entre a confluência do Douro com
o Tâmega e mais ou menos a linha da serra de Montedeiras; e granitos de grão mais
grosso até aos contrafortes da Aboboreira e na margem direita do Tâmega. Onde os
vales se alargam e os fundos planos são cobertos por aluviões argilo-arenosos
relativamente espessos (Gomes, 2009). Podem hoje ser identificadas no concelho um
total de 100 pedreiras (muitas já abandonadas), com uma grande concentração numa
zona de granito de grão médio nas freguesias de Rosém, Favões, Vila Boa do Bispo,
Penha Longa, Ariz, S. Lourenço do Douro, Paços de Gaiolo, Magrelos, Manhuncelos e
Alpendorada e Matos (com predomínio nesta freguesia). Actividade bem repercutida
nas construções contemporâneas, cuja arquitectura rústica corresponde ao tipo de
matéria-prima usada.
A conquista romana é o acontecimento de maior vulto, quer pela diuturnidade, quer pela
revolução total que operou nas condições anteriores existentes na Península Ibérica,
estendendo-se este domínio e uma influência mais marcada até 409 d.C. (Sampaio,
2008). Estes quatro séculos de romanização têm hoje grande expressão arqueológica no
centro e no sul de Portugal mas a cidade de Tongobriga acrescenta-se a Braga como um
dos grandes elementos deste período histórico-cultural a Norte da linha do Douro.
Confirmando-se também uma remota apetência para a fixação de populações por aqui…
Citando Alarcão, numa conferência realizada por este académico em Barcelos, em 1993,
Lino Tavares Dias aponta ainda a possibilidade de Tongobriga ocupar um território
geometricamente dentro de um polígono irregular cujos vértices eram ocupados pelo
vici situados em Várzea do Douro (actual concelho do Marco de Canaveses), Santa
Maria do Zêzere (Baião), Meinedo (Lousada), Lomba (Amarante) e Gatão (Amarante).
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Persiste alguma ambiguidade, por outro lado, na forma como o Paroquial Suévico
divide as paroécias em eclessiae e pagi, como ocorre nas dioceses de Braga, Porto e
Tui. Distinção que Almeida Fernandes resolve ao dissecar o sentido do termo pagus.
Para este autor, este último termo referia-se a paróquias arianas, o maior problema
social do reino germânico (Fernandes, 1997).
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A arqueologia ainda não conseguiu confirmar estas paroécias mas fica a nota quanto a
uma provável presença significativa de referências a este tipo de organizações
administrativas na área do concelho do Marco de Canaveses, confirmando-o de novo
como um território atractivo e com um contínuo populacional relevante.
Tal como acontece noutras áreas sobretudo do Norte de Portugal, as marcas da presença
muçulmana no território do Marco de Canaveses sintetizam-se numa palavra: silêncio.
Apenas as lendas importam para aqui notícias das grandes surtidas de Almançor e de
Almodáfer no final do século X. É este um dos grandes problemas de um período
(desde a desfragmentação romana à manifestação de Portugal) no qual a nossa
historiografia ainda caminha com alguma dificuldade (Almeida, 1972)
A defesa deste território era dirigida desde o pequeno esporão situado no Monte do
Coto – que se implantava no “alto da cividade”, aparentemente sem grande aparato
militar. A rede defensiva de Anegia, formada por outras pequenas fortalezas de
iniciativa local, podia estender-se-ia para Sul deste rio e também para Norte da sua
capital de civitas e para Oeste (até à cumeada da Serra Sicca, cordão montanhoso que o
Douro não fractura), numa área próxima dos 50 quilómetros quadrados, abrangendo
áreas dos actuais concelhos de Paredes, Lousada, Penafiel, Marco de Canaveses, Baião,
Amarante (uma pequena parte) – todos a Norte do Douro –, Castelo de Paiva, Arouca,
Cinfães e Resende – na margem Sul (Lima, 1993).
Anegia, tal como a sua vizinha Santa Maria, do outro lado do grande rio, representa um
renascimento do processo de encastelamento, interrompido pelo esforço de
desmilitarização da paisagem desenvolvido pela monarquia visigótica, a partir de 585
(Barroca, 1991).
sucedendo a Várzea do Douro, o que pode ser apenas uma espécie de revivalismo. É
precisamente no século XI que o conceito de paróquia começa a pressupor a existência
de um território sob a protecção e a jurisdição de um pároco, processo de
desenvolvimento que apenas cristalizou no século XIV (Mattoso, 1986).
Quadro I
FREGUESIA DOC + TIPO REF.TERRITÓRIO TOPONÍMIA
ANTIGO DOC.
Aliviada* 1258 TT Arouca Sancto Martino de
Ouelha
Alpendorada** 1059 DC p. 257 «…in ripa durio ad Ecclesia de santo
n.º 419 radice montis aratri” iohanne de iuso contra
(1065) durio
Ariz 1068 DC p. 213 “subtus mons aradrus “uilla alarizi” (1046)
nº 345 território
benuier”(1128)
Avessadas 1255 TT “ecclesia de auezadas”
Pendorada
Banho *** 1220 Inq. 61 “Sancta Vaia de
Balneo”
Carvalhosa *** 1220 Inq.61 “Sancto Romano de
Carvalosa”
Constance 1258 Inq. 598 “Sancte Ovaye de
Constansi”
Fandinhães**** 1082 DC p. 239 “discurrente riuulo “Sanctus Martinus de
n.º391 dorii terridorio Fandiaes”
anegia” (1054)
Favões 1068 DC p. 296 “arugio de “Ecclesia uocabulo
n.º474 afauones(…)território Sancti Pelagij”
anegia”
Folhada 1320 Rol. A , cfr “Ecclesiam sancti
HI II.621 iohannis de pousada”
Fornos 1064 DC p 283 “(…)benuiuer (…)
n.º 451 uilla fornos”
Freixo 1258 Corpus Foi curato de Tuías “Sancte Marie de
I.484 freixeno de Briuias”
Magrelos 1068 DC p. 296 “Sanctus saluator de
n.º 474 Magralas”
Manhuncelos 1066 DC p. 283 “Sanctus Mames de
nº 451 Manucellos”
Matos** 1258 Corpus “Sancti Michaelis de
I.472 paredinas”
Maureles 1542 Cens. Mitra Foi curato de Lever “Samta Maria das
219 Medaas”
Paredes de 1070 DC p. 304 “terra de gouuea et de “uilla mazinata (…(
Viadores n.491 bemuiuer” (1320, rol. uilla paretes, uillla
A, cfr. HI II.621) manioncellos”
Paços de Gaiolo 1103 DMP III “uilla gaudiol luxta
p.98 n.113 alueum Dorii
discurrente riuulo
Gallinas”
Penhalonga 1080 Mem. P. “uilla quo uocitant “ Poiares et Eclesie
Sousa p. lotonario mons sancte Marie Penna
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Pessoas e linhagens
A história não existe sem quem a produz, ou seja, o Homem. Embora possa parecer um
assunto que se desvia do objecto deste ensaio, não quisemos deixar de fazer uma
pequena síntese sobre as notícias relativas aos senhores – porque então só estes, como
hoje sob o título genérico de “celebridades”, eram notícia – que habitaram na área do
concelho do Marco de Canaveses. Uma área que após a fragmentação da civitas de
Anegia, fruto das razias muçulmanas e da pressão social exercida reclamando uma
divisão do poder militar e administrativo (Rosas e Pizarro, 2009), passou a ser
dominada pela terra de Benviver, aliás profusamente citada nos primeiros documentos
referentes a diversas freguesias marcoenses (quadro I).
A tendência para divisões administrativas cada vez menores acentuou-se com o passar
dos anos e assistiu-se ao desmembramento das terras em julgados, coutos e honras,
dando origem a muitos dos topónimos actuais e mesmo a santos patronos (Rosas e
Pizarro, 2009).
José Mattoso cita os nomes de cinco tenentes de uma Anegia que, no final do século XI,
podia já não existir: Garcia Moniz, Mónio Viegas, Paio Peres “Romeu”, Afonso Peres e
Egas Ermiges (Mattoso, 2001). Todos eles contestados como tenentes de Anegia por
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António Lima. Eis um “pormenor” que iremos tentar desenvolver em fase de tese (se lá
chegarmos).
Em Benviver, Lima identifica Mónio Viegas, Paio Peres “Romeu” (dois nomes
repetidos), Sarracino Osores, Sarracino Viegas (de alcunha Spina), Afonso Pais e Paio
Soares.
Com base nos livros de linhagens, José Mattoso colocou no lugar algumas peças de um
puzzle difícil de compor. A linhagem dos Ribadouros, uma das mais importantes da fase
que acompanha o nascimento de Portugal como nação com rei, tem claramente uma
grande influência na área que nos ocupa. Do seu ramo principal, representando por Egas
Moniz, dito o “Aio”, saíram diversas famílias mas uma das que mais destacou foi a que
levou o nome de Moço Viegas, com grande influência na segunda metade do século XII
e no século XIII e muito bem documentada em Lamiares, Resende e Alvarenga, talvez
os mais importantes domínios senhoriais do “Aio” (Mattoso, 2001). Os grandes
senhores depressa iriam estender os seus domínios para Sul.
Outros nomes, sobretudo das centúrias de trezentos e quatrocentos, podiam aqui ser
citados mas esse é um capítulo que desenvolveremos a propósito de alguns dos
moimentos relativos a essas épocas.
No seu estilo peculiar, sempre muito crítico em relação a outros autores, Almeida
Fernandes disserta sobre os diversos Gascos que constam do registo historiográfico.
Para este autor, o primeiro nome denominado “Gasco” foi o de Múnio (ou Mónio)
Viegas “O Velho”, herói da reconquista definitiva do Ribadouro ocidental (Fernandes,
2001). Este conde teve dois filhos, um dos quais Egas Moniz “o Velho”, dito também
Gasco e falecido no primeiro quartel do século XI. Este último deixou pelo menos seis
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Cartografia das terras do final do século XIII (fonte: Rosas e Pizarro, 2009)
Trabalhos de campo
A arqueologia medieval produzida no concelho do Marco de Canaveses deve muito a
três homens. João de Vasconcelos, bacharel em Direito, na transição do século XIX
para o XX, fez um honesto levantamento arqueológico no concelho. O seu filho,
Manuel de Vasconcelos, médico, deu continuidade a esse trabalho. E João Belmiro
Pinto da Silva, historiador de arte, cujos trabalhos na década de 80 foram reproduzidos
numa importante edição dedicada às sepulturas medievais do concelho de Marco de
Canaveses. Três contributos que abasteceram com alguma generosidade a nossa base de
dados antes do início do trabalho de campo, a que se acrescentam ainda os resultados de
um relativamente recente (2002) levantamento patrimonial do concelho.
Este autor deixou-nos, por outro lado, um curioso trabalho sobre costumes funerários
que, embora salvaguardando uma prudente distância, podemos enquadrar na temática do
nosso trabalho. A sua recolha etnográfica reporta-se naturalmente aos costumes e usos
vigentes no final do século XIX mas há pontos de contacto com o modo de enterrar de
um passado mais longínquo. Por exemplo, refere que na freguesia de Tuías era costume
“meter no caixão dos mortos uma moeda de cinco réis, levando ainda os mortos um
rosário de contas”. Em Constance, “os mortos levam no caixão uma moeda de dez réis,
um rosário de contas e uma agulha enfiada”. A moeda “é para dar ao diabo”. De uma
forma genérica, a tradição marcoense impunha, ainda, que os mortos deviam ir
“lavados, barbeados, limpos e bem vestidos” e que a água com que são lavados e a
respectiva bacia devem ser deitados “em sítios onde não passe ninguém”, sendo o pente
partido em três (número pernão). A cama do morto, por sua vez, deve ser queimada no
monte, ateando-se fogo com as costas golfadas enquanto se atirada uma golfada de sal
por cima do ombro, “desandando a fugir sem mais voltar o rosto para a fogueira”. Eis
aqui toda uma riqueza folclórica impossível de ponderar para a diacronia das sepulturas
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cavadas na rocha mas que por si só nos faz imaginar todo um mundo protocolar para
aquele momento…
A realidade, porém, é diferente. Para além dos moimentos registados e que entretanto
desapareceram, fruto da evolução urbana e de actos de vandalismo, os que sobraram
surgem normalmente sem contexto e espólio. O problema é comum ao estudo de todas
as sepulturas deste tipo e não pode por ora ser resolvido, restando o desafio de um
registo fidedigno e o avançar de propostas de leitura.
No mesmo lugar, para poente, Vasconcelos regista uma outra sepultura com a cabeceira
bem definida mas pouco afundada, omitindo qualquer referência a uma sepultura mais
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tarde descoberta a par da primeira. Manuel Vasconcelos deu sempre a sensação de estar
mais focado no registo de gravações e de covinhas que propriamente em sepulturas
cavadas na rocha, o que pode explicar esta omissão. Note-se quer Manuel Vasconcelos
quer o próprio Leite Vasconcelos pisavam também um solo que encobria muitos
vestígios arqueológicos, passeando-se, sem o saber, pela cidade romana de Tongobriga.
O exemplo das sepulturas que existiam numa corte de gado do Quintal da Venda, no
Freixo, é um dos resultados das prospecções e dos pequenos levantamentos realizados
por Manuel de Vasconcelos, trabalho que o seu filho continuou. Cinquenta anos mais
tarde, João Belmiro Pinto da Silva confirmou alguns moimentos e registou o
desaparecimento de outros, acrescentando bastante informação e documentando
fotograficamente todas as sepulturas que conseguiu observar. Em síntese, do seu
trabalho de campo resultaram alguns registos inéditos, dúvidas diversas e uma pequena
proposta final de leitura dos moimentos observados. Concluiu Pinto da Silva que nos
moimentos observados no concelho há tipologias mais tardias que se podem associar a
sepulturas tipo banheira (embora poucas), outras em que predominam as formas
trapezoidais, um período de “antropomorfização” de que cita como exemplo o conjunto
da Folhada e outro de “antropomorfização plena” traduzida em casos do Freixo, da
Campieira e do Eidinho (Silva, 1990).
Os problemas
Esta primeira fase do meu trabalho focou-se essencialmente na confirmação do
levantamento feito por João Belmiro Pinto da Silva durante a década de 80 do século
XX. Para uma segunda fase ficará a prospecção de áreas com sensibilidade arqueológica
para este tipo de ocorrências (sepulturas abertas na rocha) e também a realização das
suas plantas.
O morto não se faz acompanhar por qualquer espólio – quebrado o protocolo religioso
romano que aconselhava o enterramento acompanhado por um “serviço de mesa” – nem
vê o seu nome perpetuado epigraficamente. Não está, por isso, facilitado o trabalho do
arqueólogo sobre sepulturas que muitos autores situaram em períodos mais antigos até
se conseguir algum consenso, no final da década de 80 do século XX, a partir do
trabalho apresentado por Mário Jorge Barroca no âmbito de provas académicas na
Faculdade de Letras do Porto (Barroca, 1987).
Esta despersonalização da morte não tem propriamente uma explicação, embora possa
estar relacionada com uma mudança operado entre os cristãos na sua relação com o
mundo dos mortos, até aí confiados ao seu espaço oculto desde o momento do
encerramento do túmulo e de aí para a frente necessitados de quem por eles continuasse
a velar, para mais facilmente atingirem o descanso do paraíso. Indo para além do que
dizia o apóstolo Lucas: “Deixa que os mortos sepultem os seus próprios mortos”. Na
sociedades hispano-visigótica, quiçá na sociedade bem mais efémera hispano-suévica,
há já uma menor apetência para a memorização dos nomes dos mortos (Barroca, 2010).
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Em 1066, o concílio compostelano, reunido numa fase em que a igreja ibérica trocava o
seu próprio rito pelo rito recomendado por Roma, condenava cultos pagãos, incluindo o
culto das pedras e, mais especificamente, o culto das pias e covinhas (Coelho, 2009).
Esta é uma época que temos de sentir não apenas como distante mas também diferente.
Correspondendo o período entre os séculos VIII e X ao auge dos enterramentos
anónimos, significando o regresso do epitáfio um acontecimento maior para a história
da memória (Barroca, 2000).
Com a adopção do Cristianismo, o corpo do defunto deixou de ser encarado como algo
de nocivo para os vivos. Partiu-se do princípio o espírito deixou de estar junto do corpo
através da transmutação em alma (Barroca, 1987). Ascendendo esta ao céu, garantida
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Urge, aqui, ter a consciência do que é regime e do que é regimento. Como salienta José
Mattoso, a “religião popular” pode ser entendida por oposição ao culto oficial e público
promovido pelas legítimas autoridades clericais. Num ambiente em que a preservação
de práticas mágicas de origem não exclusivamente cristã advém de uma diferente forma
de dominar e compreender a natureza no seu sentido mais amplo (Mattoso, 1984).
No cruzamento do que é doutrinário e das correntes por vezes fortes que circulam nas
suas margens pode estar uma das chaves que permita abrir uma porta por onde entre
alguma luz capaz de ajudar a esclarecer a ocorrência de um fenómeno tão singular como
os das sepulturas escavadas na rocha. Iremos insistir neste ponto.
A problemática
São antigos os estudos sobre sepulturas abertas na rocha em Portugal assinados por
nomes como Leite Vasconcelos, Santos Rocha, Martins Sarmento, Félix Alves Pereira,
Simão Rodrigues Ferreira, Amorim Gião, Alberto Correia, António Cruz e Virgílio
Ferreira, entre outros. Todos eles começaram por identificar uma longa diacronia de
utilização deste tipo de moimento (Tente e Lourenço, 1998).
ser responsável por formas diferentes dos moimentos, foram assimiladas e revistas por
diversos investigadores, de que são exemplos os trabalhos de Asunción Bielsa e de
Katja Kliemann. Apontando sobretudo para uma interpretação menos fechada e
conclusiva e apresentando casos que demonstravam coexistências formais e não
propriamente uma sequência formal lógica. Mais tarde, em 1982, Bolós e Pages
recuperam algumas das teorias de Castillo e fazem recuar as sepulturas não-
antropomórficas ao século VII, assinalando a sua generalização durante os séculos IX e
X. Mas nada nos assegura que a evolução no sentido do antropomorfismo tenha sido
simultânea em toda a Península Ibérica (Tente e Lourenço, 1998).
Por cá, fez escola o trabalho de Mário Barroca sobre as sepulturas medievais de Entre-
Douro-e-Minho, no qual as relacionou com uma realidade de povoamento disperso
numa frequência intermitente, não tendo no seu trabalho inventariado grandes
necrópoles, ao contrário do que ocorre, por exemplo, nas regiões por onde andou
Alberto del Castillo. Mas foi sobretudo o resultado dos trabalhos arqueológicos que este
investigador realizou no convento de Santa Marinha da Costa, em Guimarães, que
trouxeram um dado novo à arqueologia portuguesa no estudo de sepulturas medievais
deste tipo especial. Detectando antropomorfismos muito tímidos em moimentos
relativos a níveis intermédios entre o templo suevo-visigótico e um outro classificado
por Manuel Real como galaico-astruriano. Aproveitando a sobreposição estrutural, este
investigador concluiu que a evolução a caminho do antropomorfismo “é seguramente
anterior ao século IX” e rematou a diacronia com exemplos de sepulturas do século XIII
com desenho antropomórfico bem definido e com profundos encaixes para tampas.
Jorge Adolfo Marques, em 1995, estudou a região em torno de Viseu e registou 168
ocorrências relativas a este tipo de moimentos, concluindo que a sua distribuição não é
uniforme no espaço geográfico estudado (Marques, 1995), com grandes diferenças entre
os vales encaixados de montanha e as bacias hidrográficas dos rios Paiva e Vouga.
Concentrando-se em zonas de mais baixa altitude e planas as estações registadas. É nos
vales pouco profundos e aplanados de pequenos afluentes do rio Dão e do Mondego que
se concentram a maiorias das estações inventariadas (Marques, 1995), com estas a
obedecerem a dois critérios: a implantação em locais destacados na paisagem
envolvente e a proximidade de caminhos cuja antiguidade é difícil de determinar.
Nomeadamente em pequenas elevações com boas áreas de afloramento rochoso.
Característica deste conjunto de moimentos é ainda o número reduzido de campas que
cada estação possui, tal como ocorre no Entre-Douro-e-Minho. Os locais com apenas
uma sepultura (53) representam 31,5% das estações inventariadas. Apenas 30 estações
puderam ser classificadas como pequenas necrópoles (entre quatro e dez sepulturas),
17,3% do total. Em quase metade deste grupo (14 das necrópoles), as estações têm
moimentos antropomórficos e não antropomórficos. Entre as maiores necrópoles (mais
de dez túmulos), que são cinco, Marques sublinha que apenas duas se encontram
polarizadas junto a lugares de culto.
Isabel Justo Lopes, por seu lado, desenvolveu um grande estudo sobre este tipo de
moimentos na zona do Vale do Douro Superior e na região nas terras altas da Beira
Interior com o objectivo de confrontar materialmente as estruturas funerárias nas
margens do Douro. De que resultou um extenso catálogo e uma tentativa de ligar os
diversos moimentos a caminhos, castelos e templos antigos. De um total, que
impressiona, de 465 sepulturas registadas, 396 ocorrem a Sul do Douro e 69 a Norte
deste rio. A Norte do Douro manifesta-se uma predominância de estruturas não
antropomórficas em locais de povoamento que revelam indícios de uma longa ocupação
enquanto os moimentos mais evolucionados surgem foram registados junto de
fortificações. A presença de caminhos juntos destes sítios funerários é uma evidência. A
Sul do Douro, sobe a complexidade interpretativa e das 396 sepulturas aí inventariadas,
133 possuem tipologia não antropomórfica, sempre com esta forma a ocorrer nos locais
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fortificados. Aqui, não se pode estabelecer uma nítida associação entre sepulcros não
antropomórficos e povoados abertos de longa diacronia (Lopes, 2002).
Monte Velho I: cavidade sepulcral e respectiva tampa (fonte: Nova Carta Arqueológica de Marvão, 2007)
Município com uma área de 154,85 quilómetros quadrados (Marco de Canaveses tem
mais 47,04 quilómetros quadrados), o concelho de Marvão, no distrito de Portalegre, é
pródigo em sepulturas escavadas no granito que ali domina. A nova carta arqueológica
do concelho raiano regista 101 moimentos, muitos deles agrupados. A maior necrópole
tem 13 sepulturas. Tipologicamente, 48 dos moimentos inventariados são
antropomórficos e um deles foi encontrado completo, isto é, com tampa sepulcral
(Oliveira, Pereira e Parreira, 2007). Uma sepultura completa que desmente por si só
toda uma teoria desenvolvida pelo sociólogo António Carvalho, que arrisca uma
proposta de interpretação das sepulturas escavadas na rocha ao associá-las ao culto de
Mitra, cujo culto se manteve em Roma até ao fim do século IV d. C. Para este autor,
o processo de cristianização lançou um anátema sobre todas as religiões que desde
30
logo classificou como pagãs. Carvalho sustenta a sua tese no facto de considerar
que estas sepulturas não tinham tampas e que não seriam sepulturas mas locais
para a prática de rituais de passagem (Carvalho, 2009).
Tipologias
Antropomórficas
Não
Indefinidas
Quadro II
Temos, por isso, registo in loco de sepulturas abertas na rocha em seis das 31 freguesias
a que se acrescentam notícias de moimentos deste tipo em mais cinco freguesias do
concelho do Marco de Canaveses.
36
Entre os 80 e os 100º graus, “apontando” mais claramente para Leste, temos seis
moimentos, todos na freguesia da Folhada.
37
Mória
Coordenadas geográficas: 41º 09’ 81 N 8º10’ 68 W
Altitude: 249 metros
Mória não é a cidade dos anões da obra de Tolkien “O Senhor dos Anéis”, cidade
construído no interior das Montanhas Nebulosas, onde residia o clã dos Barbas Longas.
É apenas um lugar destacado da freguesia de Avessadas e aí está o Santuário do Menino
38
Bem perto, nos anos 50, Tasso de Sousa escavou uma necrópole romana com espólio
(mais de 100 peças) datável do século IV d. C. (Torcato, 2001). A proximidade com
Tongobriga é algo que tem de se salientar sobre esta necrópole de que nada sobrevive
hoje.
Penedo do Cramol
39
Com orientação das cabeceiras para Sul, ocupando quase toda a área útil de um
afloramento granítico com 7X7 metros, estas cinco sepulturas destacam-se também pelo
seu alinhamento e ainda pela sua diversidade tipológica. Duas deste grupo de cinco
(Fichas 7/8 e 8/8) não apresentam sinais de antropomorfismo mas as três restantes do
alinhamento não oferecem qualquer dúvida quanto à sua antropomorfização (Fichas
9/8, 10/8 e 11/8), com os ombros definidos.
Por outro lado, podemos também aqui encontrar aqui argumentos para contrariar uma
certa teoria evolucionista assente na gradual antropomorfização dos moimentos.
41
As cinco sepulturas, das quais uma truncada (Ficha 5/5), encontram-se num
afloramento rochoso que foi bastante alterado aquando de obras de alargamento do
estradão realizadas há alguns anos e é provável que pelo menos uma delas tenha sido
destruída pois José Augusto Vieira, em 1887, refere a existência naquele local de seis
sepulturas, faltando apurar se viu as sepulturas ou se alguém lhe contou (Vieira, 1887).
Manuel Vasconcelos, alguns anos mais tarde (Vasconcelos, 1916), dá conta também de
seis sepulturas. Vieira de Aguiar, em 1947, refere igualmente a existência de seis
sepulturas no lugar da igreja velha, situando aí a antiga igreja paroquial da freguesia.
João Belmiro Pinto da Silva revela, contudo, que teve acesso aos manuscritos de João
Vasconcelos e da sua descendência e que aí se diz que as sepulturas eram cinco.
As memórias paroquiais de 1758 referem também que no sítio chamado Casal do Padre,
perto da igreja paroquial (não tão perto quanto isso se tomarmos como certo que a igreja
referida é a actual), foram descobertas muitas covas abertas no saibro e outras em fragas
“ao parecer de sepulturas de gente”. Provavelmente neste relato está a fazer-se
43
referência a outras sepulturas, talvez no adro da actual igreja paroquial, como alguns
anos mais tarde reportaram outros autores.
João Belmiro Pinto da Silva foi o primeiro autor a pôr em evidência alguns problemas
relativos aos relatos mais antigos que se referiam ao lugar da igreja velha por associação
com estes moimentos (Silva, 1990), salientando que a actual igreja paroquial se situa na
parte superior da freguesia, a mais de um quilómetro de distância, muito perto do lugar
da Moura. Este autor sustenta-se numa notícia de José Augusto Vieira relativa à
existência de duas igrejas em 1887 na freguesia para declarar provado que o
microtopónimo “Tapada da Igreja Velha” consagrado pela memória popular tem
sustentação.
Estas sepulturas da Tapada da Igreja Velha surgem nos escritos antigos referidas como
próximas do castro da Moura, com diversos investigadores desse tempo a localizarem
este último numa saliente crista junto à ponte do Arco, na margem esquerda do rio
Ovelha, que dista três centenas de metros do sítio das sepulturas. Ora, muito perto da
actual igreja paroquial perdura também o lugar da Moura e aí existe uma sepultura
escavada na rocha, de que daremos conta a seguir.
As cinco sepulturas do lugar consagrado como da antiga igreja da Folhada são todas não
antropomórficas e orientam-se todas de forma canónica, explorando ao máximo o
afloramento. Pelo menos uma dessas sepulturas (Ficha 3/5) denota um sinal incipiente
de antropomorfismo no sentido da definição dos ombros. Pormenor considerado por
muitos autores como uma etapa da evolução do não antropomorfismo para sepulturas
com contornos humanos bem definidos. É um moimento que iremos estudar com mais
pormenor numa fase posterior.
Neste núcleo existe ainda uma sepultura de um juvenil (Ficha 4/5) e uma outra truncada
na zona da cabeceira (Ficha 5/5).
44
Campieira
Coordenadas geográficas: 41º 10’17 N 8º09’58 W
Altitude: 231 metros
paroquial de Tuías – localizada a cerca de 500 metros – que provavelmente não seriam
nenhuma destas inventariadas por João Belmiro Pinto da Silva (Silva, 1990). Este autor
refere-se a quatro sepulturas mas só encontramos, em duas deslocações ao local, três. As
sepulturas encontram-se numa eventual zona de influência do antigo convento de Tuías,
cuja origem remonta ao século XI/II, de que não restam vestígios. João Belmiro Pinto
da Silva para além de ter identificado quatro sepulturas considera que duas delas
“nitidamente antropomórficas”. Concordarmos com ele com ele em relação à sepultura
que o próprio registou e de que resta apenas a cabeceira (Ficha 26/4), mas não tanto
quanto à outra (Ficha 23/4) pois o incipiente antropomorfismo da zona da cabeceira
pode ser de origem natural devido à erosão que se nota nessa parte do moimento
(imagem abaixo).
As duas sepulturas que fazem par (Fichas 24/ e 25/4) estão orientadas para Este e a
outra, que se destaca no afloramento, para Nordeste. Esta última (Ficha 24/3) é uma
sepultura peculiar pela forma como aproveita a parte mais destacada do afloramento
rochoso (imagem abaixo).
46
As duas sepulturas que formam um par, por seu lado, têm a eventual zona dos pés
desgastada mas é possível avaliar a sua dimensão. “Eventual” porque, realisticamente, é
impossível afirmar se de facto a cabeceira é aquela que estamos a partir do princípio que
é… Tenha-se em conta, por exemplo, que a sepultura que surge à direita na imagem
abaixo é mais larga 10 centímetros na zona dos pés.
O microtopónimo “Campieira”, ou Campeeira, merece ser relevado pois pode ter tido
origem nas “campas” que ali se vêem há muitos anos. O nome repete-se noutra bouça
daquela zona, mais perto da igreja paroquial, onde no respectivo adro também terão
existido sepulturas escavadas na rocha.
Para além destas quatro sepulturas registadas há ainda uma intervenção feita pela mão
do homem no afloramento, embora não em conexão directa com as três sepulturas. Esta
espécie de lagareta, onde se nota abertura de um pequeno canal, é chamada pelo povo “a
cadeira do mouro” (imagem abaixo).
47
Quinta da Moura
Coordenadas geográficas: 41º 12’ 53 N 8º04’08W
Altitude: 367 metros
O afloramento onde se destaca esta sepultura tinha espaço para outros moimentos. No
entanto, tudo indica que apenas apenas foi ali construída uma sepultura, num local com
vários índicios de ocupação de ampla diacronia.
49
Alguns metros acima existe uma curiosa “gruta” que já foi identificada como um antigo
eremitério e que actualmente serve de garrafeira. Na freguesia de Soalhães há outras
estruturas semelhantes, nomeadamente na Furna do Fojo (uma) e em Vinheiros (três).
Podemos estar na presença de antigos eremitérios entretanto transformados ao longo dos
anos e com utilizações diversas.
50
Piagem
Coordenadas geográficas: 41º09’16 N 8º04’16 W
Altitude: 650 metros
51
No entanto, a sepultura surge num afloramento bem mais modesto, a cerca de 300
metros deste que se vê na imagem, numa zona já com pequeno relevo e de cariz
florestal. A sepultura não está distante dos campos de culturas mas também não se
sobrepõe a eles, como é o caso deste bloco de granito. Estará revelada a tendência para
construir este tipo de moimentos num espaço vizinho do espaço de trabalho mas
demarcado deste por factores fisiográficos?
A sepultura não parece estar, por outro lado, associada a qualquer templo, numa zona
ainda hoje de escasso povoamento e cortada por uma via rápida que liga Soalhães a
Baião.
52
A sepultura encontra-se no topo deste pequeno afloramento. Está ainda a uma centena
de metros do sítio conhecido por “Penedos de S. Francisco”, no lugar de Lavra,
pertencente ao concelho do Marco de Canaveses. O povo chama ao local onde se
encontra a sepultura “Piagem”, podendo ousar-se que a origem deste microtopónimo
tem origem na palavra “pia”. Não muito longe existe o lugar da “Bouça da Moura”.
Manuel Vasconcelos já tinha referido a existência de sepulturas rupestres neste local,
bem assim como no Monte do Pinhão, que não fica muito distante (ver mapa). João
Belmiro Pinto da Silva vez a prospecção da área do monte do Pinhão mas nada
encontrou. Iremos insistir em breve.
Fojo
Coordenadas geográficas: 41º10’06 N 8º04’39 W
Altitude: 550 metros
54
A sepultura tinha um contorno antropomórfico e uma zona dos pés bastante rectilínea.
O registo foi introduzido já numa fase em que a edição policopiada de João Belmiro
Pinto da Silva estava quase concluída. Estaria orientada para Este.
granito cuja antiguidade não conseguimos determinar e cujas calhas para canalizar a
água se encontram abandonadas (foto abaixo).
Esta sepultura (Ficha n.º 15) insere-se na área arqueológica de Tongobriga, no ponto
mais alto da freguesia do Freixo mas encontra-se num quintal privado. É um moimento
com cabeceira antropomórfica que foi talhado num destacado afloramento rochoso,
muito próxima da igreja paroquial, onde há dez anos foram descobertas mais de 20
sepulturas abertas na rocha, no adro do antigo templo.
Quintal da Venda
Coordenadas geográficas: 41º09’58 N 8º08’46 W
Altitude: 332 metros
59
Junto à Igreja paroquial de Santa Maria do Freixo, numa propriedade conhecida por
Quintal da Venda, no Freixo, muito perto da igreja paroquial, Manuel de Vasconcelos
identificou cinco sepulturas dentro de uma corte de gado, sepulturas de que resta apenas
a memória e o registo fotográfico. Num afloramento rochoso no interior da propriedade
subsistem duas curiosas sepulturas abertas na rocha (Fichas 16/2 e 17/2), ambas
antropomórficas e com cabeceiras muito peculiares, ao jeito olerdolano.
Uma das sepulturas tem a profundidade normal neste tipo de moimentos mas a outra
parece ser uma sepultura inacabada. Não é caso único mas é caso sempre para propiciar
algumas interrogações. O que estará por trás do abandono da construção de uma
sepultura que envolve um significativo investimento em mão de obra? Será que alguém
quis replicar, num tempo posterior, uma sepultura ali existente? Outras perguntas
podiam ser aqui colocadas. Fica, porém, a singularidade deste dispositivo
proporcionado por um par de sepulturas com cabeceiras com ombros rectilíneos,
situação única no concelho do Marco de Canaveses.
Portela
Coordenadas geográficas: 41º11’04 N 8º12’35 W
Altitude: 332 metros
61
Esta sepultura (Ficha n.º 30) encontra-se na parte mais alta da freguesia, numa zona de
mato bastante encerrado e a meia encosta de um outeiro onde outrora existiu o que terá
sido um santuário. Ainda hoje é possível observar uma série de cortes intencionais em
grandes pedras, a cerca de 100 metros do local da sepultura.
Num local mais baixo deste lugar, numa zona já florestal onde recentemente se abriram
alguns estradões, o sr. Carvalho, agricultor local graças ao qual conseguimos registar a
sepultura antropomórfica, levou-nos ao topo de um dos montes, onde havia uma grande
estrutura rectangular com diversos bancos exteriores e que entretanto tem sido
desmontada, com a pedra a ser aproveitada de diversas formas. O povo não tem
memória de neste segundo local ter existido qualquer grande habitação ou mesmo um
templo.
62
Passal
Coordenadas geográficas: 41º46’ 12N 8º 16’06 W
Altitude: 80 metros
64
Esta é a sepultura que encontramos a uma quota mais baixa, muito próximo do Douro,
mas ainda num local de relevo acentuado, de onde não se vislumbra o rio (Ficha n.º
27). O moimento tem 1,80 metros de comprimento e uma largura nos ombros de 55
centímetros, tendo a zona dos pés 27 centímetros de largura. A sua cabeceira
desenvolve-se na forma de um rectângulo com uma projecção de apenas 9 centímetros,
muito à semelhança de alguns sarcófagos de incipiente antropomorfismo.
A sepultura do Passal encontra-se a cerca de 200 metros, embora numa cota superior, da
antiga igreja paroquial de Várzea do Douro, de traço medieval e de onde foram retirados
diversas lajes epigrafadas.
Esta sepultura in situ está identificada na bibliografia (Barroca, 1987) como sita no
lugar do Machorro das Cavadas. Outros investigadores (Lanhas e Brandão, 1967)
referem que foi afectada por duas mutilações: uma que lhe abriu na metade inferior
direita do lateral esquerdo um “banco” e outra que destruiu a zona inferior, bem como o
início do lateral direito (imagem abaixo).
66
Curiosamente, em Julho de 2011 a mesma sepultura surge com a sua zona dos pés bem
mais definida.
Passal
Coordenadas geográficas: --
Altitude: 80 metros
Esta sepultura foi “arrancada” de um local próxima da sepultura por nós referida como
do lugar do Passal, na Várzea do Douro, e oferecida pelo reverendo Gaspar Augusto
Pinto da Silva ao Museu de Etnografia e História do Porto, onde tem como número de
registo 5501, tendo entrado naquele museu no dia 28 de Dezembro de 1950. Trata-se de
uma sepultura antropomórfica (Ficha n.º 28) com a zona dos ombros bem esquadriada
(Lanhas e Brandão, 1967).
68
Outros túmulos
Abre-se aqui um novo capítulo a propósito de outras formas de tumular medievais, num
grupo com bastantes exemplos de túmulos móveis construídos em granito, normalmente
associados a templos religiosos.
Decidimos colocar aqui uma linha de fronteira entre duas formas diversas de sepultar.
Mas não estamos convencidos.
Sobre este tema iremos tentar outros desenvolvimentos, até aqui impossíveis de operar
pois foi algo que entrou já no fim desta primeira etapa do estudo dos túmulos medievais
do concelho do Marco de Canaveses.
69
S.Sebastião
Freguesia: Alpendorada e Matos
Localização :
70
Noticiada arqueologicamente desde o final do século XIX (Vieira, 1887), esta campa foi
desde então identificada como o local de sepultamento de um cavaleiro templário, tendo
em conta o facto de um dos seus elementos iconográficos ser uma cruz de Malta ou cruz
de S. João, símbolo associado a cavaleiros cristãos (Ficha n.º 46).
A sepultura não faz parte apenas parte do imaginário histórico local mas também, fruto
da sua divulgação, se tornou numa espécie de local de culto dos novos templários, que
em 2010 ali acrescentaram também um elemento…
A sua estela é a estrela deste moimento. Porque são raras as associações de estelas
rectangulares a sepulturas abertas na rocha (Barroca, 1987) mas também pela sua
iconografia: uma eventual cruz de Malta lançada por uma espécie de haste.
Na tampa sepulcral não é visível qualquer iconografia gravada mas João Belmiro Pinto
da Silva lançou a hipótese de ali ter sido gravada uma espada. Um registo fotográfico de
alta densidade de leitura poderá fazer também alguma luz sobre este assunto.
72
Campas
Freguesia: Vila Boa de Quires
Localização : na parte alta da aldeia de Gaia
73
Situada perto de dois lugares com topónimos muito “suspeitos” do ponto de vista do
registo arqueológico (Lagarelha e Gaia), esta sepultura (Ficha n.º43) constituída por
uma laje granítica rectangular encontra-se num lugar conhecido por “Campas”. Não é
difícil adivinhar, por isso, a origem deste nome, embora no local apenas se consiga
observar uma campa que o povo também associa à lenda dos quatro irmãos, que reporta
também a uma sepultura não muito distante, conhecida por “Dois Irmãos”. Esta
sepultura, orientada de forma canónica (80º), encontra-se à esquerda do caminho de
acesso ao Alto do Crasto, local de uma antiga povoação castreja, e foi muito difícil de
encontrar, pois estava praticamente coberta pela vegetação, a uma altitude de 370
metros.
Casa do Outeiro
Freguesia: Tuías
Localização : no jardim da Casa do Outeiro
75
Casa do Outeiro
Freguesia: Tuías
Localização : no jardim da Casa do Outeiro
77
Este arcaz da Casa do Outeiro tem as laterais decorada com arcos peraltados e outros
motivos difíceis de distinguir e que iremos tratar brevemente recorrendo a técnicas
associadas à fotografia de alta definição (uma das laterais está mais desgastada mas
percebe-se que está lá algo, conforme se pode ver na imagem abaixo).
Muito peculiar neste arcaz é também a sua cabeceira, quase esboçada e de formato
rectangular mas com cantos arredondados.
Possui ainda este sarcófago a particularidade de no fundo da sua caixa, perto da zona
dos pés, apresentar um motivo escavado num granito de grão médio.
produto ali trabalhado, tanto mais que este sarcófogo não tem qualquer perfuração entre
a caixa e o exterior, ao contrário do outro arcaz da Casa do Outeiro.
Na Casa do Outeiro existe ainda uma provável tampa de um sarcófago, situação que
iremos tentar definir numa próxima visita ao local. Está aproveitada como degrau, muito
próximo dos arcazes. A chanfratura que se pode apreciar indicia precisamente que se
trata do aproveitamento de uma tampa sepulcral (foto abaixo).
80
Embora fuja do objecto deste estudo não quisemos deixar de fazer uma referência a dois
blocos de granito preservados José Maria de Sousa Guedes. Um deles tem claramente
uma cruz gravada, dando a sensação de representar um templo (imagem abaixo).
vários jogos deste tipo que remontam à antiguidade clássica (Fernandes e Alberto,
2009).
S. Brás de Fandinhães
Freguesia: Paços de Gaiolo
Localização :
83
Num templo já referido em 1054 (DC 391) encontra-se hoje no exterior uma tampa de
sepultura fragmentada em três mas completa (Ficha n.º 48), num local onde
antigamente existia a nave de um templo de que resta apenas a capela-mor mas onde se
continuam a celebrar missas.
Esta tampa sepulcral apresenta como ornamentação uma cruz patada com o grande pé
alto. Este motivo tem um comprimento de 1,68 metros. O bloco de granito onde se
insere tem um 1,90 metros de comprimento e uma largura máxima de 60 centímetros. O
pé alto do cruciforme tem dois pequenos semi-círculos centrais, tal como ocorre noutros
casos no Entre-Douro-e- Minho (Barroca, 1987).
O templo encontra-se a 501 metros de altitude e ocuparia uma posição central num
antigo povoamento, agora deslocado para uma cota inferior. Em redor do templo são
inúmeros os vestígios de suportes de construções em afloramentos.
A tampa apresenta ainda uma sigla funerária: uma cruz linear fechada num círculo (cruz
cíclica), muito comum no imaginário medieval.
84
S. Brás de Fandinhães
Freguesia: Paços de Gaiolo
Localização :
86
Junto da tampa sepulcral partida em três partes existe uma sepultura, nos últimos anos
revelada quando se limpou a superfície do solo do adro da Capela de Fandinhães (Ficha
n.º 49).
Tem inscrita uma cruz latina com as extremidades barradas, faltando determinar se
estamos perante uma gravação contemporânea do sepulcro.
87
Penhalonga
Freguesia: Paços de Gaiolo
Localização :
88
O arcaz foi encontrado num terreno próximo da Igreja Paroquial e está há muitos anos
no seu adro. A possível caixa feral tem 1,75 metros de comprimento, sendo, como tal,
adequada ao depósito de um cadáver.
O orifício existente junto da parte mais estreita deste arcaz é de grandes dimensões e
sobre o mesmo foi escavado um canal, pormenores que indiciam que tanto podem
ajudar a desmentir o carácter funerário deste bloco de granito trabalhado como a
utilização do mesmo para outros fins numa fase posterior.
Convento de Alpendorada
Freguesia: Alpendorada e Matos
Localização :
90
Ña base da parede lateral direita tem um orifício circular com cerca de 8 centímetros de
diâmetro pelo exterior, dando a sensação de ter sido reutilizado como pia (Silva, 2001).
Este sarcófago mede 1,96 metros de comprimento e tem como largura máxima, na
cabeceira, 70 centímetros e mínima, nos pés, de 55 centímetros. Não revela qualquer
sinal de antropomorfismo e não possui sinais de perfuração.
91
Convento de Alpendorada
Freguesia: Alpendorada e Matos
Localização :
92
No mesmo claustro de Alpendorada existe outro sarcófago, ou melhor, o que resta dele,
depois de ter saído de um muro (Ficha n.º 45)
É possível perceber-se ainda o arranque da parede lateral deste arcaz, onde existem,
junto à fase da cavidade feral, dois orifícios.
É uma tradução que apresentamos com a devida reserva. De qualquer dos modos,
deveremos estar perante um grande monólito epigrafado que numa fase posterior foi em
parte aproveitado para a construção de um arcaz. Sendo, por isso, um exemplo raro de
um sarcófago “oportunista”, quebrando uma tradição de sarcófagos vistos como
“oportunidades” para quem dele quis fazer outra coisa.
93
É um arcaz com tampa de duas águas e com uma das faces da tampa gravada com altos
relevos. O mais visível dos motivos é uma cruz latina com as suas extremidades
pomiformes. João Belmiro Pinto da Silva sublinhou a giz as figuras representadas e
obteve o seguinte resultado:
Resultando da leitura deste investigador, para além da cruz latina, um crescente lunar e
uma estrela na zona da cabeceira e um zoomorfo na zona dos pés (um cavalo?).
Iremos, numa próxima fase, tentar confirmar a iconografia revelada por João Belmiro
Pinto da Silva através da utilização de uma nova técnica fotográfica.
Segundo o povo, este é o túmulo onde esteve sepultada Santa Clarinha, antes de ser
transladada para o Porto, em 1416, quando as franciscanas residentes no convento para
ali foram.
95
dfddd
O túmulo foi resultado de uma encomenda feita depois de 1362 e antes de 1381, tendo
este nobre encomendado o seu próprio túmulo (Barroca, 2000). O túmulo apresenta
ainda um brasão no mesmo plano da inscrição mas no bloco relativo à arca funerária. É
de deduzir, por isso, que o arcaz tenha sido concebido para ter um dos seus lados
encostado a uma parede. O escudo é do tipo gótico ou francês, esquartelado,
apresentando dois peixes (um sobre o outro) e um pé-de-milho miúdo coroado por uma
espiga (Barroca, 2000), remetendo-nos para duas linhagens do Douro Litoral: os
Milhaços e os Peixões.
D. Salvado Pires foi parente de Nicolau Martins, pior de Vila Boa do Bispo, e de D.
Júrio Geraldes, corregedor de Entre-Douro-e-Minho (Barroca, 2000). O arcaz mede
2,10 metros de comprimento e tem uma largura máxima de 80 centímetros e mínima de
60.
98
A Igreja de Santa Maria do Mosteiro de Vila do Bispo possui dois excelentes exemplos
de túmulos com figuras jacentes e de escultura da época gótica. Este tipo de moimentos
acompanha de perto a mudança de mentalidades, nos séculos XIV-XV. Concretamente,
a tomada de consciência da importância das imagens e do seu papel insubstituível como
modo de expressão dos anseios e preocupações do homem medieval face ao mistério da
passagem para o além (Ariés, 1983). A morte passa a ser encarada com maior
dramatismo, assistindo-se à apologia da individualidade e à afirmação do sujeito como
ser total e autónomo, impondo-se a necessidade de preservar o seu percurso neste
mundo (Goulão, 2009).
O túmulo de Júrio Geraldes (à dir.) foi inumado no início do século XX para aí ser
introduzido o caixão de chumbo de António Carneiro Geraldes, bem assim como os
restos mortais do cavaleiro medieval (Silva, 1990). O túmulo tem gravado dois brasões
iguais, representando as linhagens Milhaços, Martins e Cabral (Silva, 1990). Construído
num bloco de granito róseo e desenhado por mão de artista, o túmulo tem 2,17 metros
de comprimento e uma altura de 98 centímetros (0,53 centímetros correspondem ao
caixão). Mede 74 centímetros de largura (Ficha n.º 36)
O túmulo de D. Júrio Geraldes possui uma inscrição de duas linhas gravada na secção
lateral direita da tampa, com a seguinte leitura (Barroca, 2000):
100
Analisando o traço artístico, não há dúvidas que estamos perante uma peça de grande
valor que justificou a classificação de monumento nacional, à semelhança do moimento
de D. Nicolau Martins, muito provável irmão de Júrio Geraldes.
A figura jacente é representada de longos cabelos e farta comprida, à moda da Corte dos
meados do séc. XIV (Barroca, 2000). Desde o século XII que a moda importada dos
cabelos, barbas e bigodes compridos suscitou a desaprovação da Igreja, que via aí uma
aproximação pecaminosa ao infiel. Uma intenção lograda no século XIII e no início do
seguinte, quando se voltou ao hábito de rapar completamente a face. Porém, os cabelos
e barbas compridos voltaram a ser um costume, a partir de 1340 (Marques, 2010). Júrio
Geraldes, corregedor do Entre-Douro-e-Minho, do Tejo e de Riba Côa (Alarcão e
Amaral, 1986), certamente figura poderosa, faleceu em 1380, fazendo fé na inscrição
funerária. A figura jacente ostenta ainda vestes compridas civis e segura uma espada
com a mão direita colocada sobre o punho e a mão esquerda sobre a bainha. A arma é
uma espada típica do século XIV, exibindo pomos diagonais poligonais facetados
(Barroca, 2000).
101
Ao lado do túmulo com figura jacente de D. Júrio Geraldes encontra-se outro belo
túmulo com figura jacente onde jaz D. Nicolau Martins, falecido em 1348, vítima da
Peste Negra, também sob um arcossólio criado pela DGEMN nos anos 40 do século XX
(Ficha n.º 35).
Túmulo com uma inscrição ao que parece gravada posteriormente (Barroca, 2000) onde
se encontram os restos mortais de D. Múnio Viegas e dos seus filhos D. Egas Moniz e
D. Gomes Moniz. A inscrição foi publicada desde o século XVII e foi grande o debate
entretanto espoletado. Sobretudo à volta da palavra “PROLI”, muitas vezes interpretada
como “PRIOLI” e levando muitos autores a crer estar perante a presença de um túmulo
de um eclesiástico (Ficha n.º 38).
A inscrição, que se encontra na tampa, terá sido mandada executar muito para além da
data da morte de Múnio Viegas (1022?), provavelmente no século XIII (Barroca, 2000).
Ainda no claustro do convento de Vila Boa do Bispo existe um outro túmulo em tudo
idêntico ao de Múnio Viegas e seus filhos e provavelmente contemporâneo deste. É um
túmulo infelizmente anepígrafo ligeiramente mais comprido que o anterior (2,30
metros) e mais largo (75 centímetros). Encontra-se embutido também num arcossólio
(Ficha n.º 37), na parede norte de um claustro hoje utilizado em diversos eventos
(sobretudo bodas).
A tampa, abaulada, apresenta uma gravação ao que tudo indica feita próximo dos nossos
dias, lendo-se, em maiúsculas, a palavra D.R.A.O.S.
Neste mesmo claustro existe outro arcossólio, na parede oeste, onde não se vislumbra
qualquer túmulo. Sobre a moldura do túmulo vê-se um escudo semelhante ao do túmulo
de Júrio Geraldes, onde se vê um pé de milho, rosas e uma cabra – as armas dos
Geraldes (segundo Armando de Matos).
107
É um túmulo com uma arca de granito de grão fino e uma tampa de granito mais
grosseiro que exibe decoração numa das faces da arca e nas laterais da tampa chanfrada
(onde se vêem corolas florais de oito pétalas). Na lateral da arca desenvolvem-se oito
arcaturas que enquadram escudos que provavelmente seriam pintados (Silva, 1990).
A zona central da tampa é decorada por uma cruz com 1,93 metros de comprimento.
109
Classificada como monumento nacional desde 1997, esta igreja tem vindo a ser
reconhecida pelos especialistas como um dos exemplares mais notáveis que caracterizou
o estilo barroco em Portugal. Este imóvel sofreu ao longo dos tempos, vários restauros e
reparações, essencialmente a nível das portas e coberturas inicialmente pela Direcção
Geral de Edifícios e Monumentos Nacionais e, mais tarde, pela paróquia.
O Mosteiro de Santo André de Vila Boa de Quires está documentado desde 1118 e
pertenceu, no início do século XIII, à Ordem de S. Bento. É igreja paroquial desde o
início do século XIV (Rosas e Pizarro, 2009), quando já eram evidentes os seus traços
românicos (Almeida, 2001). O templo assume-se, segundo o IGESPAR, como “um dos
mais claros exemplos da qualidade e do grau de implantação a que chegou o Românico
Nacionalizado”.
Quatro Irmãos
Diz a tradição que o lugar de Quatro Irmãos deve o seu nome a precisamente quatro
irmãos que ali se envolveram numa contenda, caindo dois deles mortos neste local.
Ficando a desgraça assinalada pelas duas sepulturas e por uma cruz (sinalizando mortes
violentas). Os dois irmãos que sobreviveram não aprenderam a lição e mataram-se perto
do sítio de Crasto, ainda segundo a tradição jazendo no local onde se encontra a
sepultura do lugar das Campas.
Orientada de forma canónica (140º), esta peculiar sepultura apresenta duas estelas
decoradas com uma cruz templária, muito idêntica à do moimento de S. Sebastião, em
Alpendorada. Uma das estelas está bastante fracturada no seu quarto superior direito.
Também uma das lajes exibe uma zona de fractura.
A sepultura mede 1,95 metros de comprimento. As duas lajes medem, cada uma, 36
centímetros. As estelas da zona de cabeceira não são decoradas
114
Memorial de Alpendorada
Freguesia: Alpendorada e Matos
Localização : claustro
115
Monumento nacional desde 1910, este possível de 2,50 metros de altura e 2,60 metros
de largura quase não é percebido hoje quem por ele passa na estrada nacional que
percorre a vila de Alpendorada (Ficha n.º 51)
Memoriais de Santo António do Burgo (Arouca), Odivelas (Loures), Ermida (Penafiel) e Sobrado (Castelo de Paiva)
Em três destes memoriais subentende-se que foi deixado espaço para uma arca tumular,
com a excepção do caso de Odivelas, em tudo excepcional, sobretudo na tripla arcada e
no remate em telhado de duas águas. A suposta cavidade sepulcral do monumento de
Alpendorada revela, por outro lado, um elemento pouco comum neste tipo de
manifestação artística: apresenta a gravação de uma espada de punho esférico. Note-se
que o Memorial de S. António, em Arouca, revela na base do arcossólio uma superfície
debruada por um sulco, sugerindo um leito funerário (Silva, 2004).
117
O memorial foi deslocado do seu local original, acabando ficar num plano superior ao
da própria via. A sua base foi consolidada em 1976.
A espada gravada sob a suposta arca sepulcral mede 1,20 metros de comprimento, tendo
o arcossólio uma altura máxima de 83 centímetros e a sua base 1,60 metros. Medidas
um tanto ou quanto apertadas para a colocação ali de um arcaz.
118
Entre os sarcófagos não há, por outro lado, muitas lacunas para preencher com base nas
informações bibliográficas. Mas também aqui será necessário tentar ir mais longe na
pesquisa, sobretudo na zona de Paços de Gaiolo. Embora não se reportem à diacronia
deste trabalho aqui deixámos também algumas imagens relativas a outros túmulos
associados a templos do Marco de Canaveses, com destaque para os que se encontram
junto das igrejas de Sobretâmega e de S. Nicolau, a um tiro de (bom) mosquete, cada
uma na sua margem do Tâmega.
119
Tampa sepulcral junto associada à Igreja de S. Nicolau, sepultura no adro da Igreja de Sobretâmega, calvário e
sarcófago do lugar de Moura (na Folhada) e sepultura no adro da Igreja de Vila Boa do Bispo
120
Concluíndo…
“Todos aqueles que delas se aproximam julgam descobri-las”
Podemos, por exemplo, olhar para estas sepulturas abertas na rocha como uma
reminiscência do milenar culto das pedras ainda hoje praticado e bem traduzido na
chamada mitologia nórdica, onde os mortos são conhecidos como elfos. Elfos que se
dividem em dois tipos: os brilhantes, associados à luz solar e ao solo fértil, e os
negros ou anões, habitantes das profundidades e representantes das energias
transformativas.
Face ao tema da chamada “morte anónima” que tem expressão máxima nas sepulturas
abertas na rocha (fenómeno quase exclusivo da Península Ibérica, naquele tempo), não
me parece que seja forçar a nota alargar o campo de prospecção também ao mundo
marginal das mitologias populares. Até porque muitas vezes é nas margens que
podemos encontrar os vestígios da grande corrente do tempo.
O estudo das práticas mortuárias na Europa da Alta idade Média foi, desde o século
XIX, uma forma de evidenciar a “barbarização” deste espaço. As sepulturas eram vistas
em termos de raças e religiões. Só mais tarde houve a preocupação de ver para além,
procurando-se uma interpretação com base em critérios económicos e sociais. Nos
últimos anos, estas práticas têm conhecido uma nova “agenda”, passando estes rituais a
ser olhados como um dos motores da transformação da sociedade e funcionando
também como formas de legitimação de poderes. Alargando ao mesmo tempo a
perspectiva para a análise da organização dos cemitérios, a sua monumentalidade e a
forma como se integravam na paisagem.
122
A arqueologia, neste aspecto, dá-nos mais pistas, sobretudo através de novas leituras
sobre o que ocorreu na Alta Idade Média na Península Ibérica e no actual território
francês. Revelando-nos uma curiosa sobreposição, predominante, na ocupação de
espaços da pars urbana e rústica das antigas vilas romanas por espaços de
enterramentos. Com estes a deixarem de ser realizados fora dos limites civis, junto aos
caminhos, e a passarem a ser consumados no espaço de habitat, também ele
descentralizados em função dos templos possuidores de relíquias.
O habitat rural teve uma evolução heterogénea na transição da época romana para a Alta
Idade Média, evidenciando um dinamismo e uma plasticidade maior que aquela que a
investigação clássica vem propondo mediante modelos e esquemas demasiado rígidos e
simplistas (Quiroga, 2009). Estudos realizados na Meseta Central da Península Ibérica
revelaram, por exemplo, que em 282 habitat tardo-antigos e altimedievais 31% são
criações ex nihilo. Revelando esta excelente amostra que o sistema de povoamento e a
rede de habitat rurais entre os séculos V e X não coincide plenamente com a actual.
Resultando que a origem da maioria das nossas actuais aldeias se encontram durante a
afirmação do sistema senhorial numa fase já de polarização real. É um dado muito
importante que tentaremos aplicar ao território medieval do actual Marco de Canaveses
e de que resultam já alguns indícios interessantes. Sobretudo porque muitas das
sepulturas abertas na rocha que conseguimos observar e analisar se encontram
“descentradas” em relação às povoações, de que é exemplo paradigmático a necrópole
da Tapada da Igreja Velha, na freguesia da Folhada.
Não será fácil especialmente porque o enorme dinamismo do habitat rural entre os
século V e X terá tido na construção em madeira o seu grande modelo de edificação
(Quiroga, 2009), algo bastante evidente também em estruturas militares, como é o caso
do castelo de Matos, em Baião, construído com materiais perecíveis nos meados do
século XI (Barroca, 1998).
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Portanto, a este estudo falta claramente a percepção do que foi o povoamento medieval
no território hoje englobado no concelho do Marco de Canaveses, e o respectivo
inventário de sítios de habitat, para se perceber algo mais sobre as sepulturas abertas na
rocha aqui inventariadas. O mesmo se aplicando aos outros tipos de túmulos de época
em princípio mais tardia, um período já bem mais claro e com algum suporte
documental. É o que nos propomos fazer nos próximos meses.
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Bibliografia
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Nova de Gaia
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Revista da Faculdade de Letras do Porto, História
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Círculo de Leitores
Quiroga, J. L. (2009) Arqueologia del hábitat rural en la Península Ibérica (siglos V-X).
Madrid, La Engastula ediciones
Rosas, L.; Pizarro, J. (2009) Território Senhor e Património na Idade Média. Marco de
Canaveses – Perspectivas. Câmara Municipal do Marco de Canaveses
Tente, C.; Lourenço, S. (1998) Sepulturas medievais escavadas na rocha dos concelhos
de Carregal de Sal e Gouveia: Estudo comparativo. Revista Portuguesa de Arqueologia,
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