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O rio Mondego como gerador de paisagens _ Paínel 1

O Rio Mondego, outrora Rio Munda, de origem no latim tem como significado
transparência, claridade e pureza, assim era o nome do maior rio que corre integralmente
em território português – 258 km, e que banhava a cidade romana Aeminium, hoje
conhecida como Coimbra.
Esta grande infraestrutura natural tem como nascente Corgo de Mós, concelhio de
Gouveia. Nesta primeira fase de desenvolvimento nada caracteriza melhor este corpo de
água do que o apelido ternamente atribuído pelos locais – “Mondeguinho”, sendo que no
decurso dos seus primeiros quilómetros se apresenta como um pequeno riacho, que de
forma talhada e afunilada corre entre a difícil e elevada topografia do Parque Natural da
Serra da Estrela, mais concretamente, no concelho da Guarda. Durante os próximos
quilómetros o rio Mondego livra-se da região montanhosa descendo radicalmente até Vila
Cortês do Mondego, passando dos cerca de 1400 metros de altitude até os 450 metros,
onde de forma vincada este encontra a sua direção final – Oeste, passando aí a encorpar-
se, ganhando assim a estrutura de leito de um rio largo e irregular, característico do maior
rio integralmente português. Após a Barragem Hidroelétrica da Aguieira, infraestrutura
artificialmente construída com ajuda dos enormes elementos naturais, rio Mondego e rio
Dão, este chega a Penacova, onde atravessa a fase final de uma grande região rochosa,
composta por formações de xisto e quartzo, sendo característico desta zona os vales
formados por imensos aglomerados de xisto recortados, esculpidos, para que assim se
faça passar o rio. Chega assim finalmente à paisagem mais comumente associada ao rio
Mondego, as suas margens urbanas, onde se implanta a cidade universitária de Coimbra,
é, portanto aqui, no seu último terço que o álveo assume parcialmente um caminho trilhado
artificialmente, que acompanha os campos do baixo do mondego, até Montemor-o-Velho.
De seguida, já em contacto com oceano, o Mondego encontra a cidade da Figueira da
Foz, este encontro proporciona um estuário com cerca de 25 km, e é de certa forma
marcado pela divisão do rio, nos seus últimos 7,5 km, em duas partes, sendo o braço
norte o percurso natural do rio, enquanto o restante tem como responsabilidade entregar
as águas do último afluente, estas circunscrevem um vestígio daquilo que se repetia pelo
rio a cima, uma larga ínsula artificialmente em crescente.
É também no último terço, onde apesar das suas mais valias referentes à fertilidade
das suas margens, começa a sentir-se os problemas que este acarreta devido ao seu
percurso sinuoso:
“Define-se assim um padrão de imprevisibilidade nada fácil de
controlar, devido à estreiteza do leito do chamado Alto Mondego que, em
alguns troços do curso médio, se faz através de um vale bastante encaixado,
que acelera as águas e as precipita violentamente.” 1
Sendo este um problema antigo é impossível apontar todas as intervenções que
este álveo 2 já sofreu, porém sabe-se que este atormentou várias dinastias do nosso reino,
das quais as primeiras que se debruçaram sobre este problema nada podiam fazer a não
ser pequenos esforços, planeados apenas de forma experimental, sendo que se carecia
do conhecimento técnico. Porém isto muda, quando em 1791 é chamado pelo rei D. Filipe
II o padre e engenheiro Estevão de Cabral, incumbido de resolver os problemas que
preocupavam não só os agricultores, mas também os senhores, donos particulares de
algumas quintas implantadas nas margens do rio, uma vez que o rio banhava
desgovernadamente a planície aluvial do baixo mondego desde 1783, propositadamente,
na esperança que este encontra-se nestes terrenos a cota mais baixa e por ali corresse.
Após um rápido trabalho, e umas quantas obras provisionais que cimentaram a
capacidade técnica do engenheiro, é em 28 de Março de 1791, determinado por alvará do
príncipe regente, D. João VI, o encanamento do rio, segundo o plano e a direção de
Estevão Cabral. É também realizada uma memória3 onde este explica não só o estado
atual do rio como a defesa da sua proposta, neste documento o autor evidencia aquelas
que se pensava ser as causas das últimas catástrofes, desde o aproveitamento agrícola
dos campos da beira, que muitos apontavam como sendo o principal responsável pelo
assoreamento4 do rio, até às penínsulas e ínsulas, que vinham crescendo artificialmente
com o apoio capital de senhores de poder que as adquiriam. Contudo de forma inteligível
a primeira é descartada, já a segunda volta-se mais uma vez concluir a destruição destes
elementos, 29 penínsulas e insulas que tornavam o álveo ainda mais irregular. Porém as
ideias principais e aquelas que marcam a cidade e o baixo mondego até os dias de hoje,
é o encanamento do rio num percurso mais a sul, através de um percurso em linha reta,
até Montemor-o-Velho, e, a plantação de uma grande mata – Mata Nacional do Choupal,

1 -
CARDIELOS, João Paulo. “Mondego: O Surdo Murmúrio do Rio”. Imprensa da Universidade de Coimbra.
2016.
2
- Álveo: Leito de uma corrente de água.
3- CABRAL, Estevão. Memoria: Sobre os damnos do Mondego no Campo de Coimbra, e seu remédio.
(1791)
4- Assoreamento: Assoreamento é o processo pelo qual o leito de um rio ou lago se eleva em função do
acúmulo de sedimentos e detritos levados para dentro dele pela água das chuvas, que retira esse material
por erosão de regiões desmatadas, próximas ou distantes.
no lugar, outrora chamado “Quebrada Grande”, com o objetivo de delimitar o novo
percurso do rio.
Porém, as intervenções nesta bacia hidrográfica não ficam por aí, sendo que apesar
de mais controlada a imprevisibilidade desta permaneceu após a ultima intervenção,
existindo assim outras tantas cheias, pelo menos, até à década de 80, onde se acredita
ter se regularizado este álveo, isto, devido à construção de duas grandes barragens de
aproveitamento hidroelétrica, a Barragem de Aguieira e da Raiva, e, outras seis barragens
de menor dimensão de uso múltiplo em conjunto com pequenas açudes, onde se inclui a
Açude-Ponte em Coimbra, construída em 1981 com objetivo de resolver o velho problema
das enchentes, abastecimento doméstico e aproveitamento da água para fins industriais e
agrícolas.
Quanto maior é a escala de aproximação maior é a legibilidade do peso que o rio
Mondego carrega, principalmente no seu último terço, onde este deixa de ser um elemento
passivo e ganha um papel ativo no desenho de todas as artificialidades que o rodeiam,
quer seja através do respeito que este tem ganho ao longo dos últimos séculos, ou pela
sua necessidade, mais concretamente, nas mais valias que este traz para o setor primário
e secundário. Isto, fica assim esclarecido quando se sobrepõe o desenho do leito de cheias
com os limites dos aglomerados (1.2.1) onde se percebe que estes são quase delineados
por este, os aglomerados com maior densidade populacional são-lhe os mais próximos e,
de forma inerente ao ponto anterior, tudo o resto o rodeia.
A estrutura radial na definição dos aglomerados _ Paínel 2

Já a 14 km da sede de concelho, no decorrer da estrada nacional 111, importante


meio de comunicação que flanqueia praticamente durante todo o seu percurso os campos
do baixo mondego, até à Figueira da Foz, encontram-se elevados em relação a esta os
três aglomerados do presente estudo, respetivamente, de sul para norte, Sandelgas,
Ardezubre e Vila Verde, já em relação com o objeto principal de estudo, o Palácio de S.
Marcos.
Em oposição aos campos do baixo Mondego estes encontram-se elevados num
pequeno vale que se forma em torno do rio, porém é notável a sua relação no desenho da
estrutura cadastral, em ambos definidos lotes estreitos e compridos que se assentam
sobre a topografia, sendo no primeiro, naturalmente, de maior dimensão devido à
exploração agrícola em massa, esta semelhança provém da importância que o setor
primário carrega nesta região, constituída por aglomerados de pouca densidade, onde
outrora o principal meio de subsistência seria a agricultura.
É notável que estes aglomerados partilham de uma característica formal que os
aproxima, isto é, ambos contêm uma estrutura urbana radial, onde são distribuídos a partir
de um elemento central, funcionando este também como um espaço de reunião, largo,
inerente a um objeto edificado de cariz religioso, em Vila Verde a Capela de Nossa Senhora
de Fátima, em Sandelgas o Mosteiro de Nossa Senhora de Campos, para ali transferido
após as grandes cheias que afetaram Montemor-o-Velho. Já em Ardezubre esta relação é
um pouco mais frágil, porém existente, é definido assim o centro através de uma praça, de
maior escala em relação com as outras duas, e em vez de um objeto com escala de
habitabilidade é colocado um pelourinho, central a este espaço.

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