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"Adeus, Flor de Laranjeira" - Sociabilidades e Crimes Sexuais em Feira de Santana 1940-1960
"Adeus, Flor de Laranjeira" - Sociabilidades e Crimes Sexuais em Feira de Santana 1940-1960
Feira de Santana
2015
As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
Feira de Santana
2015
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As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
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As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
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As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
AGRADECIMENTOS
Seguindo a boa e velha máxima, inicio afirmando “são tantos e tão especiais que fica
realmente difícil agradecer a todos e todas que de um modo ou de outro
contribuíram...” Mas a verdade é que talvez não exista realmente outra frase que possa
significar a aflição de aqui agradecer.
Não poderia jamais deixar de mencionar os meus antigos amigos de graduação também
na UEFS. Amizades sinceras, que não mudam, passe o tempo que passar. Desde aquela
época eu sou muito feliz, pois tenho o carinho e a amizade de vocês. Agora,
infelizmente, nos vemos muito menos que antes, mas o reencontro é sempre poético,
amável e inspirador. As mesmas conversas, as mesmas piadas, os mesmo programas.
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As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
Tudo isto poderia compor um mosaico entediante, mas não é e nem nunca será. Aqui se
inserem Nayara Fernandes, Yolanda Leony, Danilo Bezerra e Aline Laurindo. Muito
obrigado! Agradeço também as queridas Tammy Assad, Lívia Andrade e ao querido
André Carvalho. Das terras de “Sergipe Del Rey”, agradeço ao meu mais puro sangue
azul: Jeferson Vidal e Cruz. Os livros doados não chegaram a tempo, mas o carinho
sim. Obrigado! Dos amigos de Serrinha, não deixaria jamais de agradecer a Carolina
Cerqueira pela mais sincera afeição.
Muito obrigado!
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As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
RESUMO
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As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
ABSTRACT
The "Descabaçadas" of the Wild: The Crime of Seduction and Sociabilities City
Princess 1940 \ 1960 is a reflection on the seduction of crime and the images of female
virginity through the eyes of the professionals of the judiciary, the accused, witnesses
and offended in Feira de Santana, Bahia. It raises questions, from the analysis of the
sociability of the girls involved in this criminal type, the speeches that mystify the
experience of modernity in this township. Unlike alarmed materials growth, progress
and development of new urbanities in the first half of the twentieth century, searched
documents permit an inquiry into the limits of this development, since the vast majority
of cases involved in such shows have sociabilities. They run counter to the stories
constructions that have consolidated certain images on urbanization then. Starting from
the theoretical perspective of gender category, this work aims to also demonstrate that
traditional images of the female virginity persisted between the working classes have
been changed as among professionals of the judiciary.
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As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.............................................................................................................11
2.2 – A Queixa-Crime..........................................................................................75
CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................117
FONTES.......................................................................................................................125
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As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
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As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
INTRODUÇÃO
A História dos Gêneros emerge assim considerando as mulheres como sujeitos ativos,
atuantes e imbuídos de consciência individual, coletiva e de subjetividades. Nesse
sentido, este campo do conhecimento histórico não atua como o mero objetivo de
descrição biográfica ou enquanto legitimação da mulher como coadjuvante ao homem.
1
PEDRO, Joana Maria. Traduzindo o debate: o uso da categoria gênero na pesquisa
histórica. História 2005, vol.24, n.1, 2p.
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As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
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disciplinas para a cidade e seu povo, especialmente tomando como princípio norteador a
necessidade de reformas físicas na malha urbana e do estabelecimento de determinados
princípios comportamentais, bem como novas sociabilidades. Elas indicam ainda que os
ideais modernizadores e de condenação às referências do passado rural faziam parte dos
muitos discursos políticos e das variadas vozes da imprensa local. Muitos indivíduos de
então acreditavam que, para que a cidade não fosse dominada pelo que era considerado
uma “degeneração”, seria fundamental que sujeitos da elite feirense se apresentassem
como os responsáveis pela nova configuração. Nesta perspectiva, a cidade de Feira de
Santana, ao menos discursivamente, ganhava novos contornos. E a transformação física
se deu a partir da atuação de segmentos dos poderes públicos, reconfigurando
fisicamente a arquitetura do centro urbano.
2
RAMOS, Cristiana Barbosa de Oliveira. Timoneiras do bem na construção da cidade princesa:
mulheres de elite, cidade e cultura 1900-1940. Dissertação (Mestrado) UNEB, 2007.
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As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
3
MEDEIROS, Darcy Campos de, MOREIRA, Aroldo. Do crime de Sedução. Rio de Janeiro: Livraria
Freitas Bastos, 1960.54p.
4
ESTEVES, Martha de Abreu. Meninas perdidas: os populares e o cotidiano do amor no Rio de
Janeiro da belle époque. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1989.
5
CAUFIELD, Sueann. Em defesa da honra: moralidades, modernidade e nação no Rio de Janeiro
(1918-1940). Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2000.
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As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
Como se davam tais questões em uma cidade interiorana? Como apareciam entre os
envolvidos em crimes sexuais em Feira de Santana, noções de honra, virgindade e
família? Esta dissertação, fruto de uma pesquisa desenvolvida no âmbito do Programa
de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual de Feira de Santana\PGH-
UEFS, intitulada “As ‘Descabaçadas’ do Sertão: O Crime de Sedução e as
Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960” objetiva, partindo da categoria teórica
gênero e da análise de processos-crime de sedução, compreender um pouco das
sociabilidades e da sexualidade de moças pobres de Feira de Santana dentro de um
contexto mais amplo de reconfiguração urbana do município e do estabelecimento de
novas sociabilidades consideradas avançadas e oriundas do crescimento material e
cultural da urbe.
A possibilidade que a trajetória das jovens envolvidas nos processos dessa natureza seja
compreendida se dá na medida em que, embora vítimas, elas eram as principais
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MEDEIROS, Darcy Campos de, MOREIRA, Aroldo. Do crime de Sedução. Rio de Janeiro: Livraria
Freitas Bastos, 1960, 30p.
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Até então, a membrana hímen era uma parte da vulva feminina cuja integridade era
entendida, dentro do crime de “defloramento”, como um item anatômico cuja avaliação
seria imprescindível na apuração do desvirginamento de mulheres. No entanto, desde a
década de 1920 calorosos debates se davam entre especialistas nacionais e estrangeiros
em torno do recém-descoberto “hímen complacente”, membrana cuja elasticidade, entre
outras coisas, resistiria à relação sexual com menor probabilidade de romper-se durante
a penetração do órgão sexual masculino. Essa descoberta admitiu que se questionasse a
tradicional concepção de rompimento da membrana himenial como prova de uma
prática sexual. Dentro do universo jurídico, esses novos saberes questionaram, então, a
operacionalidade da antiga interpretação e puseram em relevo debates em torno de
novas formas de avaliação de um desvirginamento destacando a necessidade da
conceituação da chamada “virgindade física” e da “virgindade moral” das mulheres.
Para além das discussões entre especialistas, observa-se que no senso comum muitas
das tradicionais associações entre estado anatômico da membrana hímen e a virgindade
feminina ainda eram presentes no imaginário popular. Deste modo, o presente capítulo
também problematiza o alcance desses saberes dentro da medicina legal e sua real
operacionalidade dentro das investigações empreendidas em Feira de Santana. Reflete
sobre como os entendimentos tradicionais e alheios aos novos saberes médicos se
manifestaram dentro dos processos; como homens e mulheres humildes se referiam à
virgindade feminina e quais critérios utilizavam para defini-la. Ele investiga, ainda, a
real amplitude do avanço material do município de Feira de Santana, identificado por
muitos autores como OLIVEIRA (2000 e 2011); SIMÕES (2007); SOUSA (2001);
SANTOS (2012); RAMOS (2007). Pela realidade empírica das fontes, é possível que se
problematize a afamada “modernidade” feirense, atentando para o fato de que a
seduções identificadas se deram em lugares alheios as novas artérias urbanas e distantes
das sociabilidades identificadas como possíveis corruptoras da moralidade feminina,
como será discutido na terceira e última parte desta dissertação.
Para finalizar, tece um itinerário das burocracias judiciais enfrentados por vítimas,
acusados e testemunhas diante de uma investigação de sedução. Refletindo desde o
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CAPÍTULO I
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CAPÍTULO I
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Feira de Santana - Disponível em: < https://pt.wikipedia.org/wiki/Feira_de_Santana > Acesso em 3 de
junho de 2015
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As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
Para este autor, o papel de entreposto comercial que a cidade assume - inicialmente para
o comércio bovino e posteriormente para os negócios de outras mercadorias, bem como
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POPPINO, Rollie. Feira de Santana. Editora Itapuã: Salvador, 1968, 157-159pp.
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As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
Nesta perspectiva, em que pese o tom romantizado dado a narrativa apresentada acima,
é importante destacar que OLIVEIRA (2000) e (2011), SILVA (2000) e SIMOES
(2007) afirmam que o mito de fundação deste município a partir da mencionada capela é
9
C.f. SILVA, Aldo José M. Op. Cit. 19p.
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uma versão historiográfica que tem por objetivo “silenciar a participação de outros
grupos sociais na estruturação da cidade”. Deste modo, muito antes de significar um
destino natural da urbe se consolidar como um importante entreposto comercial e
mercado de gado no estado na Bahia, a posição adquirida pela “Princesa do Sertão” ao
longo dos anos reflete um projeto de conquista de uma específica posição na economia
baiana, uma vez que, para SIMOES (2007):
10
SIMOES, Kleber José Fonseca Simões. Homens da Princesa do Sertão: Modernidade e Identidade
Masculina em Feira de Santana\1919-1938. Dissertação (Mestrado) Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas. UFBA: Salvador-BA, 2007, 24-25pp.
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11
IDEM, 25pp.
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POPPINO, Rollie. Feira de Santana. Editora Itapuã: Salvador, 1968, 56p.
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Sem sombra de dúvidas, a feira semanal deste município foi a maior beneficiada por
esse cada vez mais crescente afluxo de indivíduos. Certamente estes números cresceram
especialmente nos primeiros anos do século XX, já durante o regime republicano
brasileiro, quando a cidade começa a receber muitos investimentos na melhoria de sua
malha urbana. A respeito especificamente do crescimento material do centro urbano e
das áreas comerciais do município, nesse recorte, pode-se apontar o exponencial
aumento no número dos estabelecimentos comerciais entre as décadas finais do século
XIX e as primeiras décadas do século XX. Ainda segundo Rollie E. Poppino, em 1875
estavam registradas na cidade aproximadamente cem casas de comércio. Em 1932, por
sua vez, esse montante salta para quase quinhentos, permitindo que se entenda que há
uma estreita relação entre a afluência de pessoas forasteiras, com o consequentemente
crescimento populacional, e o avanço material e aumento do número das casas de
comércio em Feira de Santana 13.
Kleber Fonseca Simões (2007) aponta que, a partir da década de vinte do século XX o:
[...]
13
POPPINO, Rollie. Feira de Santana. Editora Itapuã: Salvador, 1968, 159pp.
14
SIMOES, Kleber José Fonseca Simões. Homens da Princesa do Sertão: Modernidade e Identidade
Masculina em Feira de Santana\1919-1938. Dissertação (Mestrado) Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas. UFBA: Salvador-BA, 2007, 28-29pp.
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Nesse ínterim, os elementos discursivos que alimentam e arrogam para a cidade de Feira
de Santana a imagem de “especialidade” e de “vocação” comercial podem ter o seu
tom romântico e de “destino manifesto” problematizados pelas evidências históricas
que contemplam experiências múltiplas em prol do fortalecimento dessa mentalidade.
Assim, não foi o movimento autônomo e involuntário da economia e comércio feirenses
que encerraram para o município uma “característica” para as atividades comerciais ou
pecuaristas, mas um devir histórico marcado pelos conflitos de interesses individuais e
coletivos.
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Uma das experiências mais conhecidas dentro desse contexto trata-se da transformação
urbanística pela qual passou a cidade do Rio de Janeiro – então capital do país - cuja
remodelação foi idealizada pelo prefeito Pereira Passos (1902-1906) que promoveu uma
transformação urbana em áreas centrais desta urbe. Seguindo o exemplo do primeiro
prefeito deste município, Barata Ribeiro (1843-1910), ele deu novo impulso a
demolição de todos os cortiços do centro urbano, alegando que os seus moradores não
respeitavam as regras de higiene exigidas pela prefeitura. Os habitantes, sem
alternativas e expulsos pela demolição determinada pelo governo municipal, mudaram-
se em sua grande maioria para os morros próximos, evidenciando que o projeto de
reforma urbana que fora empreendido por essa administração foi especialmente
segregacionista e marcou a história dessa cidade. Parte deles ergueram suas casas em
uma encosta que ficava atrás dos velhos cortiços derrubados, o Morro da Providência,
que posteriormente passou a ser considerada a primeira favela do Rio de Janeiro. A
capital fluminense, assim, ganhou novas casas, novos palacetes e novos
estabelecimentos comerciais. As ruas, anteriormente sinuosas e estreitas, foram
amplamente alargadas e urbanizadas, formando os boulevards que, na lógica de então,
facilitavam o controle moral e sanitário das multidões. (CAUFIELD, 2000;
CHALHOUB, 2001; ESTEVES, 1989).
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A ideia central que se foi construindo no imaginário social brasileiro a partir dessas
práticas discursivas representava o pobre como potencialmente perigoso, legitimando e
engendrando políticas de Estado que privilegiavam um tipo de controle social baseado
em ações policialescas, repressivas e quase nunca sociais. A partir dessa época, as
classes populares passaram a ser vistas como “classes perigosas”, especialmente
porque, para os sujeitos reformadores, a classe trabalhadora pobre não entendia a
oposição entre o espaço público e o privado da mesma forma que os médicos, juristas e
outros defensores da sociedade “higiênica”. (CAUFIELD, 2000; CHALHOUB, 2001;
ESTEVES, 1989; LEITE, 1996; FAUSTO, 2001; FERREIRA FILHO, 1999).
Essa avaliação sobre o pobre e o seu espaço de moradia, como apontado acima, não foi
uma invenção brasileira. Em Paris, na França do no início do século XIX, as
intervenções executadas pelo Barão Haussmann (1809-1981), durante o governo de
Napoleão III (1808-1873), tinham a intenção de promover uma reforma urbana não
15
CAUFIELD, Sueann. Em defesa da honra: moralidades, modernidade e nação no Rio de Janeiro
(1918-1940). Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2000, 118-119pp.
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apenas para embelezar a cidade e torná-la imponente e grandiosa, mas também para
acabar com o seu antigo desenho medieval, cujo traçado - considerado caótico, intricado
e apertado - facilitava as barricadas das insurreições populares. Para alcançar esses
objetivos foi preciso demolir construções antigas, mudar a disposição e a diagramação
das ruas, expulsando os moradores das áreas centrais, removendo-os também para a
periferia da cidade. Paris, assim, foi remodelada e reorganizada de forma geométrica e
funcional, ao menos em suas áreas centrais. (CAUFIELD, 2000).
Essa política de modernização, no Brasil, não esteve restrita apenas a então capital
federal e demais metrópoles da nação. Estendeu-se, também, a outras cidades brasileiras
que passaram por amplos e variados processos de reconfiguração urbana, bem como
medidas que tentavam controlar o comportamento e as sociabilidades das suas
respectivas populações, dando especial atenção à segregação das camadas
marginalizadas, consideradas, como mencionado, “perigosas”. (FERREIRA FILHO,
1999; LEITE, 1996; RODRIGUES, 2007). Em Salvador, capital do estado, LEITE
(1996) em “E a Bahia civiliza-se: ideais de civilização e cenas de anti-civilidade em um
contexto de modernização urbana em Salvador\1912-1916 observou que a penetração
das ideias modernizantes na sociedade soteropolitana do século XX e o seu projeto
higienizador inicialmente direcionaram suas vistas para os problemas relacionados à
estrutura física, para as infraestruturas urbanas e para a qualidade das habitações. No
entanto, também não tardou a se ocupar dos hábitos da população, assumindo uma
dimensão social com feições de processo civilizatório, que procurava promover
intervenções nos hábitos da população. Para Alberto Heráclito Ferreira Filho (1999) em
“Desafricanizar as ruas: elites letradas, mulheres pobres e cultura popular em
Salvador (1890-1937)”:
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FERREIRA FILHO, Alberto Heráclito. “Desafricanizar” as Ruas: Elites Letradas, Mulheres Pobres
e Cultura Popular em Salvador \1890-1937. Afro-Ásia, nºs 21-22, 1998, 241p.
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significou seguir as regras impostas pela modernidade observada nas grandes cidades
brasileiras e europeias.
Assim, nas primeiras décadas do século XX, emerge em Feira de Santana muitas
ambições e sonhos em torno das ideias de modernização urbanizadora, cujos ideais
giravam em torno da construção de funcionalidades citadinas e da consequente
problematização e reorganização de códigos, costumes e condutas morais de seus
moradores. Muitos trabalhos historiográficos revelam que este município viveu
intensamente inúmeros conflitos em busca de progresso e crescimento material
OLIVEIRA, (2000) e (2011); SIMÕES, (2007); SILVA, (2000); SOUSA, (2001);
SANTOS, (2012); RAMOS, (2007). Essas pesquisas evidenciam a ambição das elites
locais em normatizar e disciplinar a urbe e a população através de reformas urbanas e do
estabelecimento de padrões de comportamento e de sociabilidades.
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As práticas discursivas que davam conta de alimentar a fama de clima “ameno” para
Feira de Santana, segundo SILVA (2000) em “Natureza Sã, Civilidade e Comércio em
Feira de Santana: elementos para o estudo da construção de identidade social no
interior da Bahia (1833 - 1927)”, já estavam sendo veiculadas pelos jornais locais
desde os finais do século XIX. Para este autor essas falas eram baseadas em princípios
médicos de então, valorizando elementos como higiene e salubridade, supostamente
fáceis de serem encontrados nas características climáticas da cidade, portadora de uma
“natureza sã”, segundo se acreditava. Até as três primeiras décadas do século XX é
possível se identificar nos periódicos feirenses muitas alusões a esta cidade como a
“Petrópolis Baiana”, em referência a cidade fluminense de Petrópolis, cuja mística do
seu desenvolvimento no período imperial brasileiro esteve relacionado às ambições de
Dom Pedro II e toda a sua corte que desejavam um lugar ameno para passar os meses de
verão que eram considerados extremamente quentes na então capital Imperial, o Rio de
Janeiro. A partir desse desejo, narra-se que palácios e palacetes foram erguidos aos
montes e que este município passou a possuir várias construções desses gêneros. Essa
atmosfera imperial, aliada a deslumbrantes paisagens montanhosas, fez crescer a fama
da cidade por todo o país, servindo de forte inspiração para a construção de ambições
semelhantes em Feira de Santana que se imaginava passível de tornar-se também um
polo turístico, atraindo pessoas em busca de requinte, sossego e saúde, transformando-
se em um lócus de pousadas charmosas e gastronomia de primeira.
Outras elites locais, por sua vez, estabeleceram como elementos ideais para a construção
simbólica de Feira, aspectos subjetivos como a “civilidade” e o “progresso”,
amparados no epíteto de “Princesa do Sertão, surgido a partir da visita de Ruy Barbosa,
em 1919, quando este realizou uma conferência na cidade e em seu discurso cunhou
essa expressão que se consolidou no imaginário local. A partir de então, a urbanização
tornou-se uma ambição histórica para alguns sujeitos que recusavam os aspectos rurais e
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Além disso, ele abarcou uma série de intervenções sobre a cidade e seus habitantes,
ambicionou redimensionar os espaços urbanos, alterando muitos ambientes e buscando
modificar e regulamentar as relações sociais identificadas no cotidiano da cidade:
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SIMOES, Kleber José Fonseca Simões. Homens da Princesa do Sertão: Modernidade e Identidade
Masculina em Feira de Santana\1919-1938. Dissertação (Mestrado) Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas. UFBA: Salvador-BA, 2007, 52p.
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A despeito dessas permanências mais poderosas do que se imaginava, não são poucas as
narrativas nos discursos jornalísticos que dão conta do desejo incessante de civilizar. Se
havia a defesa constante da “civilização”, muito provavelmente havia práticas que
destoavam do idealizado, fortalecendo a necessidade de combater o considerado
20
IDEM, 111p.
21
IBIDEM, 171p.
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SANTOS, Aline Aguiar Cerqueira dos. Diversões e Civilidade na ‘Princesa do Sertão’ (1919-1946) -
Feira de Santana. Dissertação (Mestrado) Programa de Pós-Graduação e História. UEFS: Feira de
Santana-BA, 2012, 33p.
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As ressignificações não se deram apenas do ponto de vista físico e cultural, mas também
açambarcaram subjetividades. SIMÕES (2007) demonstra que, nessa busca pela
instituição de um novo modelo de cidade os conflitos em torno da construção das
identidades masculinas também tiveram palco privilegiado. Para ele, entre os anos de
1918 e 1938 as indisposições em torno das subjetividades masculinas se deram entre os
representantes de uma “identidade comercial e moderna” para o município e entre
aqueles que defendiam a manutenção da “tradição do pastoreio” na cidade. A partir da
crítica a violência na resolução dos conflitos pessoais, da defesa da etiqueta e da moda
como sinais de prestígio social entre os homens, os comerciantes sustentavam o seu
projeto de modernização no plano cultural e se autoafirmavam como os “novos donos
do poder”. Para esses, nessa nova cidade, então em construção, também haveria espaço
para a concepção de um novo homem que fosse igualmente “civilizado”.
Por sua vez, frente a esses ideais de modernização verificados nos discurso dos
comerciantes que advertiam sobre a necessidade da reconstrução da paisagem urbana e
dos hábitos culturais, os representantes da “civilização do pastoreio” lançaram mão de
mecanismos estratégicos pela defesa da tradição, associando os elementos de
modernidade e os valores culturais chamados de modernos a feições femininas e
23
OLIVEIRA, Clóvis Frederico Ramaiana Moraes. Canções da cidade amanhecente: urbanização,
memórias urbanas e silenciamentos em Feira de Santana, 1920-1960. 2011, 263. Tese (Doutorado).
UNB, Brasília-DF, 2011, 69p.
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Também nesse ínterim, Ione Celeste de Sousa (2001), estudando a vida urbana feirense
que se expandia a partir da influência da instituição de ensino Escola Normal em
“Garotas tricolores, deusas fardadas: as normalistas em Feira de Santana - 1925 a
1945” compreendeu que este colégio, com seu “arsenal civilizador” (livros,
professores, bibliotecas, livrarias, academias de letras e círculos de leituras), expressou
políticas de moralização de costumes e de expansão de determinadas urbanidades,
especialmente para o seu alunado majoritariamente feminino. Para esta autora, muitas
civilidades surgiram para as professorandas normalistas, especialmente sua participação
no cenário urbano, uma vez que precisavam transitar pelas ruas da cidade para chegar à
escola. Esse trânsito, contudo, não foi efetivado sem normas e espaços especiais de
disciplinarização, forjação e modelagem das moças estudantes, pois ser professoranda
normalista era ser uma mulher diferente: pública, mas de uma publicidade especial, já
que sua atividade era valorizada; intelectualizada; capaz, mas com moral ilibada e
religiosidade evidente.
24
SIMOES, Kleber José Fonseca Simões. Homens da Princesa do Sertão: Modernidade e Identidade
Masculina em Feira de Santana\1919-1938. Dissertação (Mestrado) Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas. UFBA: Salvador-BA, 2007, 66p.
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As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
urbe “moderna”. Como apontado acima, neste momento também ganham destaque para
a discussão acerca da moralidade dos costumes o comportamento sexual feminino e a
Justiça Pública da cidade também assumiu seu quinhão na preocupação com a
moralidade e as novas sociabilidades femininas a partir da criminalização de
determinadas práticas sexuais que pudessem por em risco a moralidade das mulheres.
Ainda nesse recorte, a nível nacional, o pensamento jurídico também se debatia sobre
questões sexuais, como virgindade, uniões consensuais e crimes passionais e sexuais,
tomando, muitas vezes, vieses e interpretações distintas, como se verá mais
profundamente adiante a respeito do crime de sedução, especificamente.
42
As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
Direito passariam a criticar essas noções tradicionais que davam conta de que a
preocupação social com a virgindade das mulheres seria um sinal de superioridade
moral e de uma civilização avançada. Ao contrário, argumentavam que tal ideia
evidenciava o atraso das instituições. Embora levantassem essas discussões, de fato a
preocupação com o avanço dos costumes e seus efeitos na moralidade das mulheres era
uma constante no período.
43
As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
espaços “modernos” e o perigo a eles atribuídos podem não ter tido amplitude
significativa para atingir\alterar as sociabilidades das moças envolvidas nesse crime
sexual, que será melhor discutido no capítulo que se segue.
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CAPÍTULO II
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CAPÍTULO II
O Código Penal Brasileiro de 1940 contempla o crime de Sedução no seu artigo 217 nos
seguintes termos:
27
MEDEIROS, Darcy Campos de, MOREIRA, Aroldo. Do crime de Sedução. Rio de Janeiro: Livraria
Freitas Bastos, 1960, 30p.
28
IDEM
46
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29
FERREIRA FILHO, Alberto Heráclito. As delícias do nosso amor: comportamento feminino e
crimes sexuais em Salvador (1890-1940). In.: Revista Fazendo Gênero na Historiografia Baiana. Orgs:
Cecilia M.B. Sardenberg, Iole Macedo Vanin e Lina Mª Brandão de Aras Salvador: NEIM/UFBA, 2001,
67p.
30
CAUFIELD, Sueann. Em defesa da honra: moralidades, modernidade e nação no Rio de Janeiro
(1918-1940). Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2000, 75p.
47
As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
Muito embora várias nações modernas punissem a sedução de menores de acordo com
legislações específicas, estas geralmente não incluíam a virgindade anterior das
mulheres como uma evidência primordial nas investigações. Portugal e alguns países
latino-americanos, por exemplo, adotaram leis peculiares sobre a sedução ou o estupro
de meninas virgens, mas somente no Brasil se chegou a existir o defloramento, dando
tamanha ênfase ao chamado “elemento material do crime”, ao rompimento do hímen.
A fixação nesta membrana como sinal de pureza sexual e honestidade feminina, bem
como a insistência no rompimento dela como comprovação material de um delito
sexual, caracterizou o que muitos juristas reformadores das primeiras décadas do século
XX denominaram “himenofilia” dos brasileiros (CAUFIELD, 2000; RODRIGUES,
2007).
31
IDEM, 28p
48
As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
Entre uma restrita elite intelectual, contudo, essas tradicionais concepções começaram a
ser desmistificadas, especialmente a partir do final do século XIX e durante as primeiras
décadas do século XX, quando muita literatura médica e jurídica foi produzida no Brasil
sobre o estudo da anatomia da vulva feminina, com especial atenção à membrana
hímen. Escrevendo para o público na grande imprensa ou mais comumente dirigindo-se
aos seus colegas em revistas e periódicos especializados, os juristas e médicos-legistas
representavam-se como uma vanguarda intelectual da sociedade, cujo dever era colocar
freios ao instinto sexual da população para garantir a sobrevivência do organismo
social. Nesse ínterim, os estudiosos brasileiros tornaram-se as principais autoridades
mundiais na morfologia desta anatomia. Profissionais de renome como Nina Rodrigues,
Nascimento Silva, Agostinho J. de Souza Lima, Miguel Sales, Flamínio Favero e Oscar
Freire, por exemplo, publicaram extensos estudos visando a corrigir erros tributários de
noções científicas que eles consideravam antiquadas, não somente de profissionais
brasileiros, mas também de especialistas europeus. Esses grupos de juristas, e de outros
profissionais, iriam combater o que eles consideravam tradições retrógradas e perversas
a respeito da honra sexual que eram mantidas no direito penal do Brasil (CAUFIELD,
2000; ESTEVES, 1989; FAUSTO, 2001; FERREIRA FILHO, 2001; RODRIGUES,
2007).
32
ESTEVES, Martha de Abreu. Meninas perdidas: os populares e o cotidiano do amor no Rio de
Janeiro da belle époque. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1989, 61p.
49
As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
Contudo, foi apenas a partir da publicação do livro Sexologia Forense por Afrânio
Peixoto 33, em 1934, que o posicionamento dos profissionais do judiciário que viam na
rotura do hímen um indício do desvirginamento começou a mudar (CAUFIELD, 2000;
ESTEVES, 1989; FAUSTO, 2001; FILHO 2001; RODRIGUES, 2007). Em seus
estudos, ele confirma e aprofunda saberes sobre a existência de uma grande variedade
de hímens - especialmente o complacente – além da possibilidade de rompimento desta
membrana por outros meios que não por relação sexual, como apontado acima. Suas
investigações e descobertas eram muito mais conclusivas do que as de muitos
estudiosos europeus, uma vez que sua amostragem empírica era muito maior. Segundo
CAUFIELD (2000), enquanto Peixoto chegou a examinar pessoalmente 2170 hímens,
no período entre 1907 e 1915, os clássicos mestres europeus como Brouardel, Hofmann
ou Maschka, “num fim de vida, [com] 30 anos de médico-peritos não contariam 300”.
É importante salientar que, antes disso, a membrana complacente era conhecida
somente por pouquíssimos especialistas e que os ensinamentos da Medicina Legal em
33
Preconizador do IML - Instituto Médico Legal (antigo Serviço de Medicina Legal do Rio de Janeiro).
50
As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
34
ESTEVES, Martha de Abreu. Meninas perdidas: os populares e o cotidiano do amor no Rio de
Janeiro da belle époque. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1989, 61p.
35
CEDOC - Centro de Documentação e Pesquisa - UEFS. Processo contra H. R. C. – E.: 03; Cx.:80;
Doc.:1521 - (1948-1955). Para preservar a identidade dos indivíduos envolvidos, todos os nomes
apresentados são fictícios, inclusive nas posteriores citações.
51
As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
Na figura acima, pode-se observar uma reprodução da vulva feminina, com ênfase na
vagina e na sua anatomia. Há a representação do monte do púbis e seus pelos, dos
grandes e dos pequenos lábios vaginais, do clitóris, do orifício da uretra e,
52
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36
CEDOC – Centro de Documentação e Pesquisa - UEFS. Processo contra A.S.B. – E.: 03; Cx.: 90; Doc.:
1733 - (1958-1968.
53
As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
37
IDEM (10fls). A escrita foi atualizada, mas a pontuação original foi mantida. Seguindo a mesma lógica,
estão as demais citações ao longo do texto.
38
CEDOC - Centro de Documentação e Pesquisa - UEFS. Processo contra B.S. – E.: 04; Cx.: 109; Doc.:
2255 - (1940) - (10fls).
54
As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
Esses exemplos mostram que, para os populares, a virgindade feminina não era
concebida ou avaliada como ausência de relação sexual, mas como uma peça anatômica,
um aparato físico cuja destruição ou “ferimento”, na linguagem do primeiro envolvido
mencionado, faria da mulher inadequada e impura para o casamento, além de indigna da
proteção judicial. Para sujeitos jurídicos, contudo, essas mentalidades continuam a ser
desmistificadas pelo avanço do saber médico. A dor paulatinamente deixa de ser
considerada uma sensação inexorável às mulheres no momento da primeira relação
sexual e o sangramento, quando ocorre, tende a ser discreto. Assim, o crime de
“Defloramento” passará a ser denominado “Sedução” e, a partir do Código Penal de
1940, entendido como uma violação da liberdade sexual da mulher (CAUFIELD, 2000;
ESTEVES, 1989; FAUSTO, 2001; FERREIRA FILHO, 2000; RODRIGUES, 2007).
Acreditava-se, então, que a liberdade sexual feminina poderia ser violada pelo uso da
força – nos casos de “Estupro” - ou pela “Sedução”, na qual uma “donzela honesta”
somente cederia por “inexperiência ou justificável confiança” no homem ao qual se
relacionava. A inexperiência significava que a mulher era inocente, desconhecedora dos
segredos do sexo, o que poderia possibilitar a um homem abusar dessa ignorância e,
através de várias formas - incluindo carícias - alterar os seus sentidos, sua capacidade de
discernimento, levando-a a ceder ao ato sexual. Dentro dessa lógica, não era o desejo
feminino que impelia as mulheres consideradas honestas ao ato sexual, mas a esperteza
masculina. O homem impõe, penetra, machuca, faz sangrar. Ele domina e é o único a
satisfazer-se. As mulheres sentem, sangram e se submetem pelo amor e pela
inexperiência. Por “donzela honesta”, por sua vez, entendia-se aquela que mantinha o
resguardo dos bons costumes, recatada e que fora criada de acordo com determinadas
condutas consideradas ideais para o comportamento feminino do contexto.
55
As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
Para esses autores, a partir da instauração da República em fins do século XIX, emerge
um Brasil em processo de modernização urbanizadora, girando em torno da construção
de funcionalidades citadinas e da consequente problematização e reorganização de
códigos, costumes e condutas morais. Nesse contexto, nas décadas iniciais do século
XX, o processo de liberalização da vida conjugal e a crise da família patriarcal foram
assinalados pela transferência do poder e da autoridade paterna para as mãos do Estado.
Assim, aliado aos novos conhecimentos médicos, este último e a família mesclam-se
para edificar uma nova conotação social para as condutas morais, sexuais e a
moralização do corpo social, sendo o primeiro o principal veiculador desta
reorganização dos costumes, tutelando o corpo feminino, especialmente. Em Feira de
56
As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
Santana muitos outros trabalhos historiográficos revelam que este município também
viveu intensamente o conflito em busca de progresso e crescimento material. Essas
pesquisas evidenciam a ambição das elites locais em normatizar e disciplinar a urbe e a
população através de reformas urbanas e do estabelecimento de padrões de
comportamento e de sociabilidades, conforme discutido anteriormente. (OLIVEIRA
2000 e 2011; SANTOS, 2012; SILVA, 2000; SIMÕES 2007; SOUSA 2001; RAMOS
2007).
39
ESTEVES, Martha de Abreu. Meninas perdidas: os populares e o cotidiano do amor no Rio de
Janeiro da belle époque. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1989.
40
CAUFIELD, Sueann. Em defesa da honra: moralidades, modernidade e nação no Rio de Janeiro
(1918-1940). Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2000.
57
As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
Diante dos muitos avanços identificados, não caberia mais, portanto, enclausurar as
mulheres apenas ao espaço do lar e assim se construíram os modelos ideais das
mulheres que vivem nas sociedades que ambicionaram uma modernização. As velhas e
novas formas de lazer passavam a ser problematizadas e, principalmente, os novos
hábitos passaram a ser alvo de preocupação até mesmo dos “homens da lei”, pois estes
poderiam corromper os bons costumes e ser um meio de abalar a honra e a moral:
41
RODRIGUES, Andrea da Rocha. Honra e Sexualidade Infanto-juvenil na Cidade do Salvador,
1940-1970. 2007, 2011. Tese (Doutorado). UFBA, Salvador-BA, 2007.
58
As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
42
MEDEIROS, Darcy Campos de, MOREIRA, Aroldo. Do crime de Sedução. Rio de Janeiro: Livraria
Freitas Bastos, 1960, 35p.
43
IDEM.
59
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60
As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
Para além de uma preocupação anatômica, percebe-se no trecho acima que a urgência
na punição desta sedução partia do princípio da necessidade de proteção dos costumes e
da sexualidade de Mariana em sua dimensão ética e sua finalidade biológica de
reprodução. Assim, na leitura do juiz de direito, a sedução tem outros sentidos: pedidos,
afagos, carícias, meiguice, esperteza e vilania masculina. Não há alusões ao estado do
hímen da vítima, nem referências à situação anatômica de outras partes de seu corpo -
como seios ou lábios vaginais - muito menos a menção a sangramentos ou dores. O
44
CEDOC - Centro de Documentação e Pesquisa - UEFS. Processo contra J. C. B. – E.: 01; Cx.:10;
Doc.:196 - (1955) - Grifos e destaques com letras maiúsculas no original.
61
As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
45
CEDOC - Centro de Documentação e Pesquisa - UEFS. Processo contra H. R. C. – E.: 03; Cx.:80;
Doc.:1521 - (1948-1955).
62
As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
custear os autos e talvez essa agilidade esteja relacionada ao caráter particular da ação
penal. Não precisando dos serviços da defensoria pública, seu advogado, obviamente
recebendo pelos seus serviços, atua com agilidade visando o solucionamento imediato
da questão. No primeiro pedido de arrolamento de testemunhas feito por seu defensor,
há uma releitura dos fatos, destacando a atuação perversa do acusado no tocante a
iniciativa da sedução da jovem:
Luciana não demonstrou interesse. Pelo contrário, ao longo das investidas indevidas de
um homem casado, ela soube muito bem demarcar o seu lugar de moça honesta,
recusando a paquera e dispensando os convites de fuga. Cedeu sob circunstâncias onde
não poderia jamais defender-se. Ao ser abordada “astuciosamente” pelo seu ofensor,
teve as emoções de seus corpos indevidamente afloradas por um sedutor contumaz,
visto que em outras ocasiões já havia também desvirginado outras meninas, como
apontam os autos. Semelhante ao caso da jovem Mariana, citado anteriormente, também
não há menção ao estado físico de determinadas partes do corpo, muito menos as
informações oriundas do exame de conjunção carnal são usadas para atestar um estado
46
IDEM (13-15 fls.).
63
As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
[...]
Admitamos que a vítima aos 15 anos que é sua idade, com instrução
rudimentar, tivesse noção de lei e soubesse mesmo que não há
divórcio no Brasil. Todavia seria fácil tarefa ao sedutor convencê-la
que ao recurso do casamento religioso ou civil com outra mulher
quando não se realizou estas duas formas com a mulher de quem se
separa, ou ainda a artimanha de falar em ‘desquite’ ‘nulidade’ e até no
64
As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
[...]
Fica bastante evidente, então, que a honestidade de Luciana era medida e avaliada a
partir de sua conduta (passada e presente), especialmente construída por trás de uma
ideia de ingenuidade e desconhecimento. Amparada num atestado emitido pelas madres
superioras do asilo católico onde esteve residindo em momento pretérito, teve
comprovação do seu comportamento recatado durante o intervalo de tempo em que lá
viveu. Seu procedimento presente também não deixa a desejar os olhos dos sujeitos
jurídicos. Morando com sua mãe em uma pensão, não deixava de auxiliá-la nos afazeres
considerados femininos da pequena hospedaria. Seja na limpeza ou servindo as
refeições dos demais hóspedes, Luciana mostrava-se dedicada, ingênua, inexperiente e
frágil. Sua abnegação ao trabalho com sua genitora foi inclusive um dos motivos pelos
quais o acusado mostrou-se enciumado em inúmeras ocasiões, pois ele incomodava-se
ao vê-la servindo almoço aos outros hóspedes homens da hospedaria. Na leitura do
advogado, esse incômodo não evidenciava uma emoção genuína ou um ciúme sincero,
mas um ardil friamente manipulado com o objetivo de alimentar na jovem a imagem de
homem apaixonado e movido por um verdadeiro desejo de anular o seu casamento e
com ela contrair matrimônio.
47
Grifo no original.
48
CEDOC - Centro de Documentação e Pesquisa - UEFS. Processo contra H. R. C. – E.: 03; Cx.:80;
Doc.:1521 - (1948-1955) \31-32 fls.
65
As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
[...]
66
As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
49
CEDOC - Centro de Documentação e Pesquisa - UEFS. Processo contra H. R. C. – E.: 03; Cx.:80;
Doc.:1521 - (1948-1955) \ 42-53 fls.
67
As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
A interpretação dos casos acima, deste modo, permite perceber que, no entendimento do
crime de “Sedução”, proteger a virgindade de meninas inexperientes significava
proteger a sociedade. Agindo como repressora, a Justiça demonstrava estar preocupada
com os fatos que atentavam a organização da família e do pudor público. Defendia
determinada moral e tradição em defesa da família, em última instância. A função dessa
lei na concepção jurídica seria forçar os indivíduos a pautarem suas condutas de acordo
com determinados princípios e ditames condizentes com determinada moralidade,
sempre um exercendo uma dominação. Todavia, há em comum entre os juristas que
divergiam em torno da nomenclatura jurídica do crime – “Defloramento” ou “Sedução”
- o consenso de que, ao punir essa prática sexual, a lei protegia um princípio moral e
não somente uma marca fisiológico-anatômica. A definição desse princípio moral, por
sua vez, foi tão difícil quanto à comprovação do elemento material a partir da perícia
ginecológica, tão preconizada no crime de “Defloramento”. É importante destacar
também que, no Código de 1940, a jurisprudência e a doutrina igualmente se
debruçaram sobre as especificidades de outras práticas sexuais consideradas desviantes,
visando do mesmo modo minimizar imprecisões e atualizar o conhecimento jurídico aos
novos saberes produzidos pela Medicina Legal. Assim, o “Estupro” passa a ser
entendido como a introdução do pênis na vagina; outros atos sexuais, como o sexo anal
ou oral, configuravam o “Atentado ao Pudor”.
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As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
Além dessas ambiguidades que poderiam ser oriundas da observação empírica do estado
material da membrana hímen, havia a possibilidade de outras imprecisões motivadas
pela subjetividade dos avaliadores da genitália de determinada jovem, construindo
olhares que poderiam beneficiar ou prejudicar acusado ou ofendida, como muito bem
observa FAUSTO (2001):
50
ESTEVES, Martha de Abreu. Meninas perdidas: os populares e o cotidiano do amor no Rio de
Janeiro da belle époque. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1989, 62-63pp.
51
FAUSTO, Boris. Crime e cotidiano: a criminalidade em São Paulo (1888-1924). São Paulo: Editora
da USP, 2001, 203p.
69
As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
moral, mantendo a exigência do controle sobre as mulheres, as quais estavam cada vez
mais invadindo os espaços públicos, libertando-se da vida doméstica dentro de seus
lares. À medida que não mais se considerava possível deduzir a honestidade de uma
moça a partir da presença ou ausência do hímen, a única forma de se averiguar se ela era
“honesta” e merecedora da proteção legal, seria demonstrando sua inexperiência sexual
ou justificável confiança no acusado. Provando um comportamento considerado lícito
ela poderia obter o perdão do Estado, o reconhecimento da sua condição de seduzida.
A jovem Isabela52, menor de 17 anos de idade, segundo narra, era empregada doméstica
na casa do seu ofensor, conhecido vulgarmente como Zeca. Em determinada noite,
enquanto dormia, conta que foi por ele surpreendida em seu quarto, amordaçada e
obrigada a realizar o ato sexual. Não havia entre ambos um namoro, nem outro tipo de
relacionamento afetivo, apenas a relação de trabalho. Apesar de minimamente pobre,
não conta nos autos desse processo um atestado de miserabilidade, sua idade foi
comprovada com a presença de um atestado de batismo expedido pelo vigário a pedido
do delegado para a comprovação da menoridade e o laudo de conjunção carnal datou o
desvirginamento aproximadamente oito meses antes da queixa em delegacia. No
desenrolar do processo, não são poucas as falas que detratavam o comportamento e a
honra da vítima. Acusada especialmente de ambiciosa, sua queixa, na leitura do acusado
e de suas testemunhas, visavam apenas extorquir e tirar algum benefício da família, em
retaliação ao fato de haver sido despedida pela esposa do acusado. Zeca, em seu
depoimento nega a denúncia de desvirginamento e de qualquer outro contato íntimo
com Isabela, utilizando um discurso desmoralizador do comportamento da vítima para
defender-se, ele afirma que:
52
CEDOC - Centro de Documentação e Pesquisa - UEFS. Processo contra J. A. E.: 01; Cx.:10; Doc.:205
- (1941).
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As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
Além dessas informações, ele apresenta três testemunhas que corroboram o seu discurso
acerca do péssimo comportamento de Isabela e seu hábito inveterado de sair de casa e
voltar tarde da noite, sem querer dar satisfações aos patrões. Essas afirmam ainda, com
veemência, que a vítima tinha um noivo e que este pusera fim ao relacionamento por
haver tomado conhecimento dessa má conduta. A testemunha mais incisiva de todas
assevera que:
[...]
[...]
Não pode citar os nomes, uma vez que era tão vergonhoso o estado em
que estava Isabela Elisa com estes homens, que ela respondente
procurava virar o rosto para o outro lado envergonhada que ficava. 54
53
IDEM 7fls.
54
IBIDEM, 11fls.
71
As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
55
FILHO, Alberto Heráclito Ferreira. As delícias do nosso amor: comportamento feminino e crimes
sexuais em Salvador (1890-1940). In.: Revista Fazendo Gênero na Historiografia Baiana. Orgs: Cecilia
M.B. Sardenberg, Iole Macedo Vanin e Lina Mª Brandão de Aras Salvador: NEIM/UFBA, 2001, 73p.
72
As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
Assim, a virgindade que a lei de 1940 protegia, não era tão só anatômica, mas moral.
Embora o exame ginecológico de Isabela tenha evidenciado o rompimento de sua
membrana hímen, essa informação não a auxiliou em sua defesa. No entendimento do
crime de “Sedução”, seduzir moça depravada e moralmente corrompida, embora
anatomicamente virgem, seria crime impossível. Para tanto, seria preciso uma análise
acurada dos seus comportamentos e do tipo de relacionamento que estabelecia com o
namorado – como se deu o início do namoro, os dias, horários e lugares dos encontros,
se a relação era autorizada e acompanhada pelos pais ou responsáveis, seus hábitos de
lazer, sua convivência familiar, suas companhias, em suma, o seu histórico amoroso e
comportamental. Portanto, para os profissionais do judiciário não teria importância
decisiva nos argumentos saber se ocorreu ou não sangramentos, se a ofendida sentiu ou
não dor no momento do desvirginamento. Importará a avaliação dos comportamentos
cotidianos das ofendidas e das opiniões que as mesmas emitiram durante os
depoimentos.
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As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
Assim, esses inúmeros conflitos se revelaram nos debates sobre honra feminina,
especialmente intensificando as discussões sobre a definição de honra sexual, o papel
das mulheres em sociedade e como deveria ser a atuação dos juristas em sua defesa.
Essas acaloradas discussões evidenciaram que os segmentos jurídicos e a sociedade em
geral não estavam tão confiantes de como defender a honra das mulheres no direito,
assegurando a tão sonhada marcha para a civilização.
56
CHALHOUB, Sidney. Trabalho, lar e botequim: o cotidiano dos trabalhadores no Rio de Janeiro
da belle époque. 2.ed. São Paulo: UNICAMP, 2001, 117p.
74
As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
II.2 – A Queixa-Crime
O procedimento usual nesse universo dos crimes de sedução era o seguinte: após
tomarem conhecimento do suposto desvirginamento de uma jovem, os pais, parentes,
vizinhos e amigos se mobilizavam em prol de uma queixa-crime que tinha uma causa
em comum: levar o sedutor a “reparar o mal feito à donzela”. Em Feira de Santana, as
moças rurais – em sua grande maioria - recorriam a Polícia e a Justiça para que essas
instituições intermediassem seus conflitos que envolviam a perda da virgindade
geralmente com esperança de que as autoridades forçassem os acusados a se casar -
final de uma história que, pelo menos na aparência, reintegraria os comportamentos
inadequados ao mundo da ordem.
Embora não seja o objetivo específico desse capítulo, convém neste momento destacar
algumas informações acerca da classe social das vítimas envolvidas nos crimes dessa
natureza em Feira. A metodologia empreendida na leitura dos processos não se deu de
forma a obter dados quantitativos acerca da vida material dessas jovens, contudo a
abordagem qualitativa desenvolvida com a análise dos discursos permitiu inferir que a
maioria das meninas envolvidas no crime de sedução, dentro do recorte proposto, eram
trabalhadoras rurais e, dentro da linguagem jurídica do período, consideradas
“miseráveis” ou “minimamente pobres”. Esse entendimento pode ser corroborado, para
além da interpretação das informações oferecidas por vítimas, testemunhas e acusados,
pela existência, dentro da grande maioria dos processos pesquisados, do “atestado de
miserabilidade”, que, para a Justiça, simbolizava que a família não podia arcar com o
custo do processo, o que justificava a intervenção do Ministério Público e a gratuidade
dos trâmites e burocracias legais.
Ao longo desse capítulo, todavia, foram citadas as trajetórias de duas jovens que eram
naturais do perímetro urbano de Feira de Santana e não migraram de áreas rurais em
57
busca de trabalho na cidade, como é o caso da jovem Isabela que ajudava sua família
nas lavouras, quando decidiu empregar-se como doméstica na casa de um comerciante
de relativo respeito na cidade, como foi citado anteriormente. Essas meninas que
57
CEDOC - Centro de Documentação e Pesquisa - UEFS. Processo contra J. A. E.: 01; Cx.:10; Doc.:205
- (1941).
75
As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
nasceram e residiram na área citadina aparentam possuir uma vida menos sofrida,
especialmente quando se analisa que elas tiveram acesso a alguma escolarização e em
seus processos não consta a existência do atestado de miserabilidade. A primeira delas,
Mariana58, era uma estudante normalista e pode-se inferir a partir da documentação que
tivesse uma boa condição social, especialmente pelo fato de poder escolarizar-se em
uma instituição educacional de grande prestígio na cidade, a Escola Normal de Feira de
Santana, estabelecimento que expressou políticas de moralização de costumes e de
expansão de determinadas urbanidades, especialmente para o seu alunado
majoritariamente feminino de elite (SOUSA, 2001). Nas entrelinhas esta realidade já
revela que sua família possuía uma situação financeira que poderia oferecer uma vida
bastante diferenciada das outras jovens seduzidas dentro do recorte deste trabalho.
A segunda moça – Luciana59 – era filha da proprietária de uma pequena pensão. A posse
desse imóvel não parece, pelos autos, indicar uma situação financeira tão boa quanto à
da jovem anterior. Além do fato de haver permanecido internada durante alguns anos
em uma instituição assistencialista – Asilo Nossa Senhora de Lourdes onde teve acesso
a uma relativa escolarização - ela ajudava sua mãe nas atividades da hospedaria, seja na
limpeza e higienização do local ou servindo as diversas refeições dos hóspedes. Se fosse
realmente uma pousada que permitisse lucros consideráveis, muito provavelmente
haveria funcionários destinados a exercer cada uma dessas tarefas, sem a necessidade da
exposição da jovem aos instalados no local. Seu processo, como já mencionado,
também não conta com o atestado de miserabilidade e é um, dentre pouquíssimos, que
se movimenta com mais celeridade, especialmente pela atuação do advogado de defesa
que, ao menos no primeiro ano, apresenta-se bastante presente. A relação da vítima com
as testemunhas é bastante próxima, já que eram em sua maioria hóspedes e amigos de
sua genitora, dona da hospedaria. Não é possível, dentro da documentação, precisar os
limites dessa aproximação – especialmente do ponto de vista financeiro, embora em
alguns momentos tenha ficado claro que duas testemunhas homens em alguma situação
emprestaram dinheiro ou pagaram pequenos débitos da jovem. Todavia, pelo abandono
da questão meses depois - notadamente após a descoberta da gravidez – parece que ela
58
CEDOC - Centro de Documentação e Pesquisa - UEFS. Processo contra J. C. B. – E.: 01; Cx.:10;
Doc.:196 - (1955).
59
CEDOC - Centro de Documentação e Pesquisa - UEFS. Processo contra H. R. C. – E.: 03; Cx.:80;
Doc.:1521 - (1948-1955) .
76
As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
Luciana, assim, apesar de não parecer pertencer a uma elite feirense, não tinha uma
realidade tão miserável como a das demais jovens envolvidas. Possuía uma relativa
escolaridade, bem como bens materiais que asseguraram uma vida remediada e sem
dificuldades em torno de subsistência, ao contrário das demais jovens envolvidas que,
embora não explicitem profissões específicas, designavam-se como rurais. Sua
trajetória, bem como a da jovem anterior, é relativamente diferenciada e serve para que
não se incorra no erro de homogeneizar as experiências das meninas seduzidas
feirenses, inferindo erroneamente que todas eram exclusivamente originárias do mundo
rural. A respeito da grande maioria, contudo, não há informações que permitam
identificar se realmente se dedicavam ao trabalho de lavrar a terra, mas é certo que suas
famílias parecem não possuir mais do que pequenas propriedades destinadas a uma
agricultura familiar. Seus discursos e dos demais envolvidos permitem confirmar que a
subsistência delas era oriunda do trabalho rural ou do comércio de produtos originários
dessa produção. São assim, em sua maioria, meninas pobres, humildes trabalhadoras
rurais as mais envolvidas em crimes de sedução em Feira de Santana, em que se pese,
evidentemente, a realidade entre a “criminalidade real” e a “criminalidade apurada”,
problematização dos dados das queixas e processos criminais discutida por FAUSTO
(2001):
60
BORIS, Fausto. Crime e Cotidiano: A criminalidade em São Paulo (1880-1924). São Paulo: Editora
da Universidade de São Paulo, 2001, 198p.
77
As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
Segundo denúncia feita em 13 de agosto de 1958 pelo seu pai, foi desvirginada pelo seu
namorado com promessas de casamento. Em seu depoimento, narra que se manteve
61
CEDOC – Centro de Documentação e Pesquisa - UEFS. Processo contra E. V. C. – E.:03 ; Cx.:84 ;
Doc.: 1532 – (1958-1959).
78
As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
silenciosa sobre o ocorrido entre os seus familiares, pois aguardava Luis, seu namorado,
organizar-se financeiramente para contrair o matrimônio. Após sete meses de espera e
de várias outras relações sexuais, descobriu que estava Luis se relacionando com outra
jovem. Temendo ser preterida, narrou ao genitor seu desvirginamento e decidiu procurar
a justiça desejando o casamento. Como prova de sua menoridade, apresenta uma
certidão de nascimento lavrada poucos dias antes da queixa-crime. Seria um indício
questionável no momento da denúncia ainda na delegacia, especialmente pela aparência
do papel, apresentando - à época - ser recente, com tinta e caligrafias bem nítidas. No
entanto, nesse primeiro momento essa documentação é aceita e a investigação continua
com a inquirição das testemunhas. No decorrer do processo, contudo, o advogado de
defesa do réu questiona a validade deste documento, apontando o recente lavramento.
Amparado no Código Penal, solicita que se apresente outra documentação, como a
certidão de batismo. A vítima não apresenta essa outra comprovação e tem o seu
processo arquivado por falta de provas que atestem a sua menoridade.
Essa, talvez, seja uma das primeiras dificuldades encontradas por mulheres humildes na
resolução dos seus conflitos sexuais e amorosos dentro dos aparatos jurídicos. Pelo que
se observa empiricamente nas fontes, é possível inferir que o acesso a instâncias oficiais
responsáveis pelo registro civil não fosse uma realidade imediata ou um itinerário
simples para muitas dessas famílias. É comum perceber, para além do caso acima
mencionado, como muitas moças não possuem a certidão de nascimento, já que não
foram sequer registradas. Quando essa situação ocorre, também é frequente que se
recorra a documentação eclesiástica católica, através da solicitação ao pároco local que
emita um pequeno parecer atestando que se encontra nos livros de batismo a cerimônia
de determinada jovem. Em muitos casos, o batismo é encontrado, mas a data atribui à
respectiva moça uma idade maior do que os dezoito anos previsto em lei para a proteção
judicial; em outros, por sua vez, não são encontrados registros. Além disso, muitas não
se recordam precisamente da data do seu batizado, dificultando ainda mais a procura por
essas informações dentro dos gigantes livros de batismo. Amparadas apenas nos falas
das testemunhas que atestam ser a jovem “menor”, tem sua denúncia indeferida ou o
processo arquivado. Nesse ínterim, como refletiu FAUSTO (2001), a Justiça e as
instituições jurídicas com suas linguagens e especificidades eram intimidatórias para
sujeitos humildes, sem acesso a uma mínima escolarização e completamente
desconhecedores do universo legal.
79
As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
Para além das contradições acima discutidas em torno da documentação oficial que
comprovasse a menoridade das vítimas, muitos outros encaminhamentos da queixa e do
desenrolar do processo-crime causavam acanhamento e constrangimentos aos
envolvidos nesses conflitos, frequentemente prejudicando desejos particulares em torno
da punição ou absolvição de outrem. As falas das vítimas, acusados e demais
testemunhas e envolvidos, não raro, eram marcadas pela tensão e pelo medo de que
alguma informação oferecida pudesse ser mal interpretada pelos agentes oficiais da
Justiça. Sobre cada um desses sujeitos, pesava a esperança de construção de um
discurso que se adequasse a determinadas expectativas. A eles restava o dever de
elaborar linguagens que se ajustassem aos moldes de suas respectivas identidades
sociais e de gênero. Para além das palavras, é importante se levar em consideração que
o pertencimento a determinadas identidades se traduzia também pelos gestos e pelo
modo de vestir-se, por exemplo. Especialmente para as mulheres isso poderia se traduzir
pela preocupação em relação à maneira de sentar-se, de responder aos questionamentos
oferecidos ou de posicionar-se diante de sujeitos jurídicos e do corpo de jurados,
durante os sumários de culpa:
62
FAUSTO, Boris. Crime e cotidiano: a criminalidade em São Paulo (1888-1924). São Paulo: Editora
da USP, 200, 33p.
80
As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
Esse desconhecimento pode ter prejudicado, por exemplo, o resultado final do processo
envolvendo Emília, menor de 17 anos, analfabeta. A queixa-crime foi feita por sua mãe,
Maria Josefa – senhora de 60 anos de idade - em 1942. No entanto, a investigação só é
concluída e arquivada em 1949, sete anos depois. Nesse intervalo, inúmeras vezes a
genitora e denunciante foi oficialmente intimada a depor em juízo, onde ofereceria
novamente as informações prestadas outrora na delegacia. No processo consta que
várias foram as visitas dos oficiais de justiça ao longo dos anos rumo ao distrito rural de
Limoeiro - local de sua moradia - visando notificá-la acerca das intimações judiciais.
Todavia, há uma confusão em torno do seu nome. Ao delegado, ela forneceu a sua
designação de batismo, constante na certidão de nascimento da sua filha entregue como
comprovação da menoridade da ofendida. Nesse momento, ela não ofereceu um apelido
ou outra nomenclatura que pudesse identificá-la facilmente entre seus vizinhos. Na
comunidade onde vivia ela era conhecida como Maria José, mas os serventuários que
iram procurá-la mencionavam a denominação oficial oferecida por ela, porém
desconhecida entre os membros da localidade onde residia. Por conta desta confusão,
por anos ela não foi encontrada e não pode ser ouvida, impedindo que a investigação
prosseguisse a sua burocracia habitual. O promotor Cândido Cerqueira, em seu
relatório, lamenta os atrasos motivados pelo sutil equívoco:
Dentro desse intervalo de sete anos marcados por desencontros, a vítima Emília resolve
o seu conflito com rearranjos privados, desinteressando-se pela atuação judicial movida
inicialmente por sua mãe. Ela amasia-se com um segundo homem e, ao final do
63
CEDOC – Centro de Documentação e Pesquisa - UEFS. Processo contra J. C. A. – E.:02 ; Cx.:47 ;
Doc.: 794 – (1942-1947), 02 fls.
81
As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
processo, quando ela e a mãe são encontradas e ouvidas novamente em juízo, já tinha
gerado dois filhos, uma menina falecida e outro com apenas 10 meses de vida (talvez
tenha partido daí o entendimento de sua mãe de que “tudo tinha acabado”).
64
FAUSTO, Boris. Crime e cotidiano: a criminalidade em São Paulo (1888-1924). São Paulo: Editora
da USP, 200, 31-32pp.
82
As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
65
CORRÊA, Mariza, Morte em família: representações jurídicas de papéis sexuais. Rio de Janeiro,
Graal, 1983, 32p.
83
As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
Essas falas seriam, então, meras estratégias de defesa ou um real desconhecimento sobre
a anatomia feminina? Seriam, talvez, expressões de valores antigos? As leituras de
ESTEVES (1989), CAUFIELD (2001), FILHO (2001) e RODRIGUES (2007) indicam
que enquadrar os testemunhos dos acusados e seus entendimentos sobre o ser e o não
ser virgem somente dentro de uma estratégia de defesa ou como reflexo de uma
ignorância sobre o corpo feminino e as emoções das mulheres, não permite a
compreensão desses homens dentro de uma cultura que influenciava e constituía
mentalidades sobre o masculino e o feminino. Assim, não se tratava somente de uma
estratégia de defesa ou de desconhecimento, mas sim de valores que faziam sentido para
os homens das camadas populares envolvidos nos processos por sedução. Assim, o mais
provável é que essas atitudes de defesa por parte dos acusados tenham sido
amadurecidas e construídas como falas estratégicas à medida que os processos foram
evoluindo e os envolvidos passaram a contar com alguma assistência jurídica. No
entanto, ao falarem na dificuldade ou facilidade para introduzir o pênis, em terem ou
não percebido sangue ou dor por parte da seduzida, os homens não estariam criando
algo inédito. Talvez estivesse somente utilizando em benefício de si próprios uma
espécie de crença presente em seu grupo social. Para eles, dificuldade de penetrar,
sangue e dor eram elementos que realmente deveriam acontecer e serem perceptíveis no
momento em que uma virgem fosse desvirginada.
84
As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
de que a ausência desses elementos servia como prova de que a mulher não era mais
virgem quando da relação sexual. Nesse ínterim, são inúmeros processos onde é
possível identificar que o acusado altera o seu depoimento dado na delegacia em relação
ao que é prestado em juízo, com o objetivo de convencer o juiz de não haver encontrado
a jovem virgem quando com ela manteve relações sexuais. Esse é o caso, por exemplo,
de André 66 que afirmou:
Ao narrar o acontecido dessa forma, seu objetivo era deixar o juiz em dúvida sobre a
virgindade da ofendida no momento da primeira conjunção carnal. No caso aludido
acima, a situação da jovem complicou-se um pouco mais, uma vez que, além de tudo,
são apontados como agravantes o fato de possuir supostas amizades acostumadas a
abortos clandestinos e de haver recebido dinheiro em troca do sexo, caracterizando
prostituição.
As mulheres, por sua vez, objetivavam convencer que eram virgens e por isso houve
uma introdução difícil do pênis, com sangramento e dor. Se os elementos que
compunham essas interpretações desses homens e mulheres sobre o momento da
primeira relação sexual são idênticos, os usos que deles foram feitos, por sua vez,
diferenciaram-se. As moças envolvidas nas seduções, até mesmo pela necessidade de
66
CEDOC – Centro de Documentação e Pesquisa - UEFS. Processo contra V. M. C – E.: 03; Cx.: 63;
Doc.: 1182 - (1941).
67
IDEM.
85
As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
Apesar de revelar-se movida pela astúcia do seu suposto ofensor que soubera bem
aflorar a sua sensibilidade e demais emoções de seu corpo com carícias e promessas de
matrimônio, Naiara não narrou sentir naquele momento um mínimo prazer ou
satisfação. Pelo contrário, enfatiza o sofrimento destacando a presença do seu choro.
Atentando para o momento da penetração, quando já havia permitido que sua pudícia
fosse vencida, destaca bem a presença do sangue, anunciador do rompimento da sua
membrana hímen. Exagerando na quantidade do liquido, afirma que o mesmo chegou a
manchar farda que havia sido retirada momentos antes... Deste modo, nas falas
masculinas e femininas é perceptível que a construção do momento é similar, porém,
cada gênero se utiliza do imaginário conforme seus interesses. Ambos não inventam ou
criam um perfil tão somente com a finalidade de agradar os sujeitos jurídicos, mas
falam aquilo que existia em seu meio cultural. Fazer referências a esses elementos como
prova de virgindade só fazia sentido porque eles estavam contidos no universo cultural
dessas pessoas.
Por outro lado, também é possível encontrar declarações onde apenas um dos elementos
é apontado; declarações em que a dor e o sangramento persistiram até o dia seguinte ao
sexo; casos em que as referências a esses elementos não são encontrados. Este último é
o exemplo de Luana, menina de 17 anos de idade, doméstica natural da cidade de Monte
Alegre, mas residente em Feira de Santana na Avenida Maria Quitéria na casa de uma
viúva muito amiga de seus pais. Relatando o seu desvirginamento, conta que:
Há dois anos mais ou menos, em um dia que a viúva saiu para tratar
da matricula das filhas no colégio, ela respondente ficou só em casa
com Toni, o que reclamou a viúva dizendo que não pegava bem ela
respondente sozinha, com o irmão da viúva em casa e achou melhor
que ela respondente também saísse com a viúva [...]; que esta disse
que não quis, dizendo que ia matricular as meninas não precisava que
ela acompanhasse, pois voltava poucos minutos depois; que ela
respondente ficou e quando estava encostada na mesa da sala de
jantar, Toni fechou as janelas [...] e ela respondente disse a Toni que
86
As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
não gostava de brinquedo e virando as costas foi por ele [...] pegada de
surpresa por detrás, sendo segura pelos pulsos e encostada sobre a
mesa e apesar dos esforços que fez para livrar-se de Toni foi por este
desvirginada.68
Apesar da lenta chegada dos avanços da Medicina Legal sobre a anatomia da vulva
feminina aos sujeitos jurídicos habituados com as concepções tradicionais acerca da
“virgindade física”, experiências como a da jovem Luana podem indicar que de fato as
novas concepções em torno da virgindade das mulheres começavam a adentrar cidades
interioranas, como Feira de Santana. Em seu depoimento prestado na delegacia, ela
prestou as informações acima. Poderia ter se esquecido de mencionar a dor e o sangue,
ou, talvez, em sua relação esses elementos não tenham se evidenciado, mas o fato é que
o delegado que ouviu as suas declarações não a interrogou nesse sentido.
68
CEDOC – Centro de Documentação e Pesquisa - UEFS. Processo contra J.F. – E.: 03; Cx.: 83; Doc.:
1582.
87
As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
CAPÍTULO III
As “Descabaçadas” do Sertão
88
As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
CAPÍTULO III
As “Descabaçadas” do Sertão
Não pairam dúvidas de que a virgindade constituiu um valor caro às mulheres de Feira
de Santana, para as moças ruralizadas, mais ainda. Isso não significa, entretanto, que nas
zonas urbanas a moralidade se apresentasse de forma distinta ou não ocorresse o que se
considerava um desvio. Da forma como os conflitos em tornos das seduções chegavam
aos tribunais feirenses, fica evidente que os embates sobre os desvirginamentos nas
famílias de classe média e alta eram resolvidos no âmbito privado, no domínio do
particular. Entretanto, a partir da documentação pesquisada, é patente que nem todas as
jovens desta cidade respondiam as novas exigências da vida numa sociedade em
transformação. O crescimento da cidade, a ampliação demográfica, o desenvolvimento
do comércio, o surgimento de novas urbanidades foram potencialmente discutidos como
perigosos para a moralidade feminina. Seguindo o exemplo de grandes cidades
nacionais, a vigilância frente à chamada “mulher moderna” passou a ser a tônica dos
discursos jornalísticos e, como apontado no capítulo anterior, preocupação também de
muitos sujeitos jurídicos que ambicionavam a manutenção de valores tradicionais frente
ao que se considerava o “avanço dos costumes”.
89
As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
Assim, até meados do século XX, em que pese o ritmo relativizável dos avanços nas
cidades pequenas do interior do Brasil, como Feira de Santana, a oposição entre os
espaços públicos e privados e entre as mulheres consideradas “puras” e “impuras”
ainda era claro. A Justiça Pública, os noticiários e, especialmente, o senso comum
continuavam a associar a falta de compostura à exposição das jovens aos locais
coletivos. No entanto, pelas mais variadas interesses, muitas mulheres necessitavam
ocupar áreas cada vez maiores do espaço da rua, sejam motivadas pelo trabalho, sejam
motivadas pelas lutas pelos espaços de lazer. Segundo BARREIROS (2001),
69
RAGO, Margareth. Do cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1885, 63p.
90
As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
70
BARREIROS, Márcia Maria da Silva. As damas da caridade: Sociabilidades Femininas na Bahia
Republicana. In.: Revista Fazendo Gênero na Historiografia Baiana. Orgs: Cecilia M.B. Sardenberg, Iole
Macedo Vanin e Lina Mª Brandão de Aras Salvador: NEIM/UFBA, 2001, 90p
71
IDEM, 99p.
91
As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
Se todas essas transformações da vida urbana incitavam a uma maior visibilidade das
mulheres na esfera pública, o preço que elas pagavam era o da eterna vigilância sobre os
seus gestos e “emancipação”, “liberação” e “independência” passaram a ser palavras
utilizadas para traduzir a corrupção dos costumes e a “promiscuidade” de mulheres que
se expunham a filmes, livros, passeios públicos e salões de dança. Sob um foco trivial,
estes tipos de lazer eram considerados facilitadores do contato das meninas com o
mundo público, possibilitando situações de disponibilidade para paqueras e namoros,
facilitando o contato com sujeitos sedutores.
72
RAGO, Margareth. Do cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1885, 62p.
92
As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
A tensão existente no aspecto moral e sexual dos discursos dos reformadores feirenses
estava ligada especialmente ao aspecto físico e urbanístico da cidade, evidenciando um
choque de perspectivas entre a tradição e a modernidade. Eles propagavam que a
presença das mulheres nos espaços públicos e de lazer oriundos do progresso deveria
ser efetivada de forma discreta e controlada, sempre acompanhada de algum membro
masculino da família (de preferência pai ou irmão) e como uma extensão do ambiente
doméstico. No caso das mulheres de elite, essas regras envolviam aspectos
diferenciados daqueles das moças dos segmentos populares, já que essas últimas, por
questões ligadas ao universo do trabalho e subsistência, teriam naturalmente um trânsito
diferenciado, mais ativo, frequente e inevitável. Nesse choque de realidades, emerge a
marginalização das moças pobres e que possuíam a necessidade de trabalhar fora de
casa, consideradas vulneráveis e facilmente corruptíveis. CAUFIELD (2000),
ESTEVES (1989) E RAGO (1885) acreditam que as mulheres da classe trabalhadora
não compreendiam a dicotomia entre o público e o privado de forma semelhante aos
médicos, juristas e outros defensores da família tradicional. Elas argumentam que:
93
As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
Pela análise dos processos-crime de sedução, fica evidente que em Feira de Santana a
maioria desses delitos ocorria com moças pobres, que residiam em distritos rurais e
bairros distantes do centro. Isso não quer dizer, contudo, que as moças da elite não
cometessem o que era considerado um deslize, no entanto esses casos eram abafados e
tratados com muito mais discrição, como aponta FAUSTO (2001) ao refletir sobre a
mencionada “criminalidade real” e “criminalidade apurada”.
73
CAUFIELD, Sueann. Em defesa da honra: moralidade, modernidade e nação no Rio de Janeiro
(1918-1940). Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2000, 120-121p.
94
As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
74
FILHO, Alberto Heráclito Ferreira. As delícias do nosso amor: comportamento feminino e crimes
sexuais em Salvador (1890-1940). In.: Revista Fazendo Gênero na Historiografia Baiana. Orgs: Cecilia
M.B. Sardenberg, Iole Macedo Vanin e Lina Mª Brandão de Aras Salvador: NEIM/UFBA, 2001, 68p.
95
As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
filha e a qual somente agora passados oito meses e tantos dias é que
veio pedir providencia a autoridade. 75
Segundo a seduzida Angelita, o seu desvirginamento se deu em sua casa, dois anos
antes da denúncia. Relata que não revelou imediatamente a sua mãe o ocorrido, pois
acreditou e esperou o cumprimento da promessa de casamento de seu primo e sedutor
Pedro. Afirma que manteve com ele durante todo esse tempo inúmeras relações sexuais
e que só decidiu prestar queixa a Justiça porque o referido não mais a procurava como
fazia anteriormente. O acusado, por sua vez, traz outras versões para o fato. Na sua
narração afirma que:
Em que pese os choques entre as versões, é perceptível nas falas de ambos (acusado e
vítima) que o encontro inicial, a sedução e o relacionamento informal que se
desenvolveu ao longo de dois anos, nunca teve nenhum contato com lazeres ou espaços
modernos em Feira de Santana. A jovem, dentro do seu universo campesino, encontrava
meios de ludibriar a vigilância familiar para encontrar-se com o seu amante. Ao longo
de muitos meses, consegui transitar pelos espaços rurais, migrando da pequena
propriedade rural de sua família para a propriedade também rural de seu namorado,
despertando poucas suspeitas entre seus familiares, talvez pelo fato de que as suas
andanças não possuíam nada de anormal para quem vive no universo campestre. Apenas
quando o relacionamento passa por uma crise é que a mãe percebe alterações
75
Processo contra M.S. – E.: 04; Cx.: 117; Doc.: 2386. CEDOC – Centro de Documentação e Pesquisa -
UEFS.
76
IDEM.
96
As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
Pela leitura dos processos, de um modo geral, pode-se perceber que a jurisprudência
tendia a favorecer a defesa, caso a acusação não apresentasse testemunhas coerentes
capazes de convencer o juiz que a ofendida era moça submissa aos pais e recatada.
Fazendo parte desse ínterim, Angelita, sem apresentar sujeitos que pudessem comprovar
a oficialidade de sua relação, muito menos sua moralidade, teve a denúncia arquivada.
No entanto, sem negar os incontáveis encontros no sítio do acusado, sua trajetória vai de
encontro a uma cultura misógina de negação do desejo feminino. Enquanto muitas
meninas se colocavam na posição de passividade frente à ação dos namorados
sedutores, afirmando que foram transportadas para os locais e forçadas a levantar as
vestes contra as suas vontades, ela desafia o monopólio da excitação masculina ao
enganar por tanto tempo a sua mãe para seus encontros amorosos e sexuais.
Experiência semelhante teve a jovem, Suzana 77 brasileira, baiana, solteira, com 15 anos
de idade, descrita como “branca”, doméstica, católica pobre e residente em Pacatu,
povoado rural de Santa Bárbara, distrito da cidade de Feira de Santana. Segundo narra
em seu termo de declarações - em vinte de abril de 1956 - desde o mês de dezembro do
ano anterior a queixa ela mantinha um relacionamento público e estável com o acusado
Lucas. De acordo com sua narrativa, assegura que frequentava com muita assiduidade a
casa do mesmo e de seus familiares, contudo faz o que para ela seria uma importante
ressalva, destacando que sempre voltava para sua casa no máximo “às nove horas da
noite”. Diante dessa situação, afirma que havia entre as famílias e entre o próprio casal
o desejo de contrair matrimônio, pois Lucas, seu namorado e ofensor, trabalhava como
motorista de um caminhão de propriedade do seu genitor e já possuía condições de
manter a subsistência de ambos.
Continuando a contar a sua versão, assegura que no dia 25 de março de 1956 - pouco
menos de um mês antes da queixa-crime em delegacia - numa casa inabitada de
propriedade de amigos de seus pais (cujas chaves os donos do imóvel mantiveram em
posse da sua família) foi pelo acusado desvirginada, tendo mantido com ele dois outros
77
Processo contra S. B. E. – E.: 05; Cx.: 136; Doc.: 2639. CEDOC – Centro de Documentação e
Pesquisa - UEFS.
97
As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
congressos sexuais no mesmo local. Na sua primeira relação sangrou um pouco, tendo
esse líquido manchado a sua calça, peça do seu vestuário que ela lavou no dia seguinte,
escondida de sua mãe. Após esse episódio, conforme mencionado, mais duas vezes
pegou as chaves da casa às escondidas de seus familiares. Essa sua assiduidade à este
local para a manutenção de relações sexuais trouxe ao seu namoro e desvirginamento
grande publicidade e repercussão na localidade onde vivia. Tendo a sua mãe tomado
conhecimento por terceiros do ocorrido, resolveu procurar a ajuda policial.
78
IDEM, 6fls.
79
IBIDEM.
98
As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
80
Processo contra S. B. E. – E.: 05; Cx.: 136; Doc.: 2639. CEDOC – Centro de Documentação e
Pesquisa – UEFS, 17-18fls.
99
As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
se envolveu com muitos pretendentes. Nas rezas e quermesses familiares, nos finais de
semana passeando com suas “camaradas” pelo distrito rural onde residia, encontrou
mecanismos para burlar a vigilância de sua genitora – se é que existia - e efetivamente
encontrar-se com rapazes, inclusive com o acusado Lucas, a quem atribui a
responsabilidade pelo seu desvirginamento.
É possível pensar que, para ela e outras meninas com histórias de vida semelhantes,
esses comportamentos - namoros efêmeros, quebra da passividade feminina –
revelavam valores morais, concepções de honra, virgindade e casamento com
significados diferentes dos que os ilustres juristas e reformadores afirmavam:
Em que pese a sua trajetória, aos olhares da época considerada condenável, o seu
discurso acerca de suas experiências afetivas buscava comprovar que ela possuía algum
valor a respeito do que tange namoro, virgindade e honra, já que em relações anteriores
não se permitia algumas carícias, como beijos, por exemplo. Mas o fato é que sua
narrativa acabou revelando uma prática bem diferente da que desejou inspirar:
relacionamentos mais “livres” e curtos, uniões sem os pré-requisitos do comportamento
“recatado”. Seu processo, como o da grande maioria, arrasta-se por anos na Justiça
Pública, sendo abandonado algum tempo depois. Não há como identificar o desfecho
final desse conflito, mas pelas narrativas de algumas testemunhas no ano de 1959, três
anos após a queixa-crime, pode-se inferir que o casamento como “reparação ao mal”
idealizado por sua genitora anos antes não se efetivou. O promotor Público afirmou que
81
ESTEVES, Martha de Abreu. Meninas perdidas: os populares e o cotidiano do amor no Rio de
Janeiro da Belle Époque . Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989, 161p.
100
As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
Regina83, com 16 anos de idade, doméstica, analfabeta, preta e pobre, segundo denúncia
feita em seis de julho de 1956 por seu pai, João de Deus - lavrador, pobre, preto,
católico e com 36 anos de idade - foi seduzida e desvirginada por seu sobrinho Rosalvo.
Diante desta realidade, procurou a sua irmã, mãe do ofensor, além de seu respectivo
esposo, para resolverem a situação, recebendo uma recusa ao seu pedido de “reparação
ao mal”. Cabisbaixo e insatisfeito ele saiu em disparada nervoso, andando sem rumo
por uma estrada vicinal onde, por acaso, deparou-se com o sedutor de sua filha. Esse
encontro casual gerou um desentendimento maior onde o mesmo conseguiu apropriar-se
astuciosamente de uma espingarda até então em posse do acusado que estava no local a
“caçar passarinhos”. Ao apontar a arma ameaçando alvejar o suposto desvirginador de
sua filha, foi golpeado seriamente com uma foice por um amigo do ofensor que estava
no mesmo lugar também a caçar.
82
Processo contra S. B. E. – E.: 05; Cx.: 136; Doc.: 2639. CEDOC – Centro de Documentação e
Pesquisa – UEFS, 36fls.
83
Processo contra S. B. E. – E.: 04; Cx.: 114; Doc.: 2322. CEDOC – Centro de Documentação e
Pesquisa – UEFS, 23fls.
101
As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
namoro e manteve outras relações sexuais. Contudo, com o passar do tempo, sentiu-se
“desgostoso” com a situação e resolveu terminar a relação.
84
Processo contra S. B. E. – E.: 04; Cx.: 114; Doc.: 2322. CEDOC – Centro de Documentação e
Pesquisa – UEFS, 23fls, GRIFO MEU.
102
As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
meio de citação em jornal em duas ocasiões, alguns anos depois. Em juízo, a discussão
ainda se prende a agressão, relegado a um plano secundário o desvirginamento. Em
1960 o processo é finalizado com a absolvição do agressor, sem mencionar o
solucionamento ou não da sedução.
Natural do distrito rural de Pacatu, Francisca 85, brasileira, baiana, sem prole, doméstica,
analfabeta, mestiça, católica, com 13 anos de idade conta que:
O pai da vítima – brasileiro, baiano, casado, com quatro filhos, lavrador, pardo, católico
e com instrução primária – presta queixa-crime em delegacia no dia em 27 de setembro
1947. Segundo ele, além de desvirginada, Francisca estava grávida. Ao tomar
conhecimento dessa situação por intermédio de sua esposa, procurou o acusado que,
como de costume nos crimes dessa natureza, negou a responsabilidade.
85
Processo contra S. B. E. – E.: 02; Cx.: 42; Doc.: 686. CEDOC – Centro de Documentação e Pesquisa –
UEFS
86
IDEM, 3fls, GRIFO MEU.
103
As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
Segundo ela descreve, o seu o namoro com o acusado Vivaldo começou no ano anterior
a queixa, 1958, quando o mesmo passou a visitá-la na casa onde trabalhava como
empregada doméstica em Feira de Santana. Nessas muitas visitas, ele se opunha ao seu
emprego e sugeria que a mesma retornasse a Humildes, distrito rural da cidade de Feira,
para morar com sua a família. Embora recusasse a esse seus pedidos, narra que muitas
vezes dirigia-se a esse local para visitar seus familiares. Numa dessas visitas, no período
87
Processo contra S. B. E. – E.: 02; Cx.: 60; Doc.: 1128. CEDOC – Centro de Documentação e Pesquisa
– UEFS, 3fls.
104
As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
Segundo informações prestadas pela queixosa, a genitora da vítima – mãe solteira com
nove filhos, residente no Sítio das Flores em Humildes - o acusado possuía o costume
de frequentar sua casa acompanhado de um primo, mas deixou de fazê-lo quando a sua
filha foi morar em Feira de Santana para trabalhar como empregada, em meados do mês
de setembro do ano 1958. Essas idas a sua residência voltaram a se repetir quando a
jovem retornou ao seu distrito rural de origem, por volta de dezembro do mesmo ano.
Conta que, durante essas visitas ele mostrava-se muito solicito e interessado na relação.
Pelo fato de possuir uma “venda”, se ofereceu por várias ocasiões para vender “fiado”
a mesma. Despertada a confiança, ela começou a comprar seus víveres alimentícios no
referido local, oportunidade na qual o acusado aproveitou para seduzir sua filha, jovem
que inúmeras vezes se dirigia ao seu pequeno comércio e era por ele acompanhada no
seu regresso, ajudando-a a carregar as compras até próximo da sua residência. Este
costume foi inúmeras vezes repreendido. Segundo a mãe da vítima, o adequado seria
que ele a levasse até a “porta da casa”.
105
As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
88
IDEM, 22fls.
89
Processo contra S. B. E. – E.: 02; Cx.: 55; Doc.: 948. CEDOC – Centro de Documentação e Pesquisa –
UEFS.
106
As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
O acusado Edélcio, brasileiro, baiano, solteiro, lavrador, moreno, pobre, sabendo assinar
o nome, residente no distrito rural de Canavieras, nega a autoria do desvirginamento e
narra que manteve relações sexuais com a mesma, mas a convite dela, como muitos
outros homens do lugar: “Susinha, Feliciano, Francisco, Altino, Lídio, ‘Belisco’ e
90
Valdo” . Conta também que a mesma o convidara utilizando as seguintes palavras:
91
“Danzinho vamos fazer um bocadinho aqui, pois não sou mais moça” . Conta que se
aproveitou para manter relações com ela da mesma forma como muitos outros homens
da região. As testemunhas de acusação arroladas também reproduzem as mesmas
informações. Todas afirmam que a vítima possuía vida livre, relacionando-se com
muitos rapazes. A primeira delas assevera que: “manteve relações com a vítima na casa
de farinha da mesma a convite dela”; a segunda, por sua vez, conta que praticou sexo
também com a vítima e assombra-lhe a procura pela Justiça por parte da família de
Aurélia, pois na zona rural de onde vivem esta é publicamente conhecida como uma
menina prostituída; a terceira reitera os convites da jovem a ele e aos demais homens
mencionados, além de contar que manteve congressos sexuais no quintal da casa da
própria vítima, bem como “nos matos”, quando a mesma cortava lenha.
90
IDEM 13fls.
91
IBIDEM.
107
As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
Quiçá Aurélia tenha se relacionado com todos esses homens; com alguns deles; ou,
talvez, até mais do que eles. É possível que tivesse o comportamento acusado, da
mesma forma como tudo pode ter sido construído de forma a desmoralizá-la, já que
eram testemunhas aliadas ao acusado. De toda sorte, nenhuma delas mencionou ter
conhecido a vítima ou ao menos ter entabulado conversas no centro urbano da cidade de
Feira de Santana. Aurélia não conheceu esses homens, nem se relacionava com eles no
cinema, nos bailes ou nas festividades urbanas. Seus supostos envolvimentos se deram
com rapazes rurais, sujeitos da comunidade onde vivia. A relativa emancipação da
mulher feirense, sua livre circulação nas ruas e praças, sua entrada no mercado de
trabalho, a criação de um espaço público literário, a solicitação para que frequentasse
reuniões sociais, restaurantes da moda ou temporadas líricas não contemplaram a
experiência de Aurélia, mesmo dentre os discursos daqueles que supostamente estariam
interessados em detratá-la.
108
As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
Cássia - jovem de quatorze anos de idade, natural da Vila de Humildes, mas residente
em Feira de Santana à Rua Sete de Novembro, solteira, empregada doméstica - segundo
denúncia feita por sua madrinha em seis de julho de 1942 foi desvirginada por Lauro.
Ele, aproveitando-se de sua ausência em casa, adentrou a sua residência e seduziu a sua
afilhada, mantendo com ela relações sexuais. De acordo com a vítima, este era o seu
namorado e apenas cedeu por que o mesmo fizera promessas de casamento. Os trâmites
legais do processo trouxeram à tona alguns hábitos comportamentais controversos desta
jovem. Segundo testemunhas e o próprio acusado do crime, Cássia tivera outros
namorados, inclusive um empregado na Estrada de Rodagem Rio - Bahia com quem,
além de conversar em “lugares impróprios”, fugiu de casa “levando dias fora” por
causa da recusa da madrinha em aceitar o relacionamento. Precisou ser entregue de
volta à sua responsável pela Polícia. O advogado do réu em favor do seu cliente alegou:
“Não resta dúvida, pela prova dos autos que o exame foi procedido92
em uma mulher já poluída, cuja vida não era protegida pelo recato.
Fugiu certa feita com José, fato que foi para a polícia, e acredita que
daquela feita nada houvesse 93... apesar de [...] dormir fora de casa.
Ora, Sr. Dr. Juiz de Direito, que valor pode ter a acusação em que a
suposta queixosa, vem de revelar tais fatos, praticados por uma mulher
sem o devido recato, despida de pudícia, fugindo a noite para
encontros licenciosos, com seus amantes, a fim de satisfazer seus
desejos lúbricos, materializando a amor sem aqueles elos de
espiritualidade?
92
O exame aqui aludido é a perícia médico legal, imprescindível em qualquer processo desse tipo visando
à apuração da prática de delitos sexuais.
93
Grifo no original.
109
As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
Embora seja considerável que ele tenha fantasiado ou exagerado um perfil revelador de
uma procedimento não-honesto para vítima visando proteger o seu cliente, as palavras
do advogado possuem um eco no imaginário social e faz da mulher ofendida a
responsável pelo ato praticado pelo homem. Contudo, como o desenrolar do inquérito
indica, os conceitos morais, os padrões comportamentais de conduta, namoro e recato
não faziam parte da vida de Cássia. Gestados na elite, muitos ideais eram comumente
generalizados para todas as classes sociais, criando contrastes e estabelecendo
comportamentos desviantes, como foi considerado o desta jovem.
Em que se pese seu condenado trânsito pela cidade, mais agravado ainda pelas suas
fugas e horários noturnos com o intuito de estar fora de casa e namorar tranquilamente
sem a autorização de sua responsável, no processo de Cássia também não há menção a
presença dessa jovem nas ruas, praças e demais locais considerados adiantados no
município de Feira de Santana. A citação acima menciona o seu trânsito por “locais
ermos”, durante o “silêncio noturno”, dormindo fora com seu namorado no alojamento
dos trabalhadores da estrada de rodagem ainda em construção. Não faz alusão, como se
houvera de esperar, sobre o seu desfile solitário e descompromissado pela urbanizada
Avenida Senhor dos Passos ou sua presença nos filmes exibidos pelo Cine Íris,
sociabilidades essas consideradas modernas e alvo de constante preocupação e
vigilância.
94
Processo contra V J.L. – E.: 02; Cx.: 59; Doc.: 1124. CEDOC – Centro de Documentação e Pesquisa -
UEFS.
110
As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
A jovem Larissa95, por sua vez, residia na área urbana do município, no bairro chamado
Ponto Central. A denúncia foi feita pela irmã da vítima, sua responsável, uma vez que
os pais eram falecidos. Segundo narra a denunciante, várias vezes alertara sua irmã a
respeito do perigo da relação que se desenvolvia com Luciano, o acusado. No auto de
declarações no dia 04 de novembro de 1949, afirmou que:
Após esse episódio, relata que ambos confirmaram que o desvirginamento já havia
corrido e que a jovem estava grávida. Diante de tais informações, decide procurar a
Polícia. A vítima, Luciana, em suas declarações fala que não se lembra exatamente o dia
do desvirginamento, mas conta que estava em casa com a irmã do acusado e uma outra
amiga. Ambas saíram do cômodo onde estavam e ela ficou só com o acusado, que a
seduziu e, com força, desvirginou-a. Assegura que logo após este acontecimento a sua
irmã chegou e encontrou a casa às escuras e apenas os dois no seu interior. Repreendeu-
a, mas tudo “ficou por isso mesmo”. O depoimento do acusado nunca foi colhido, pois
o mesmo evadiu-se para um paradeiro desconhecido.
Duas testemunhas foram arroladas pela acusação e ambas são irmãs do acusado. Seus
depoimentos dão mais detalhes do que a própria vítima a respeito daquele que teria sido
o dia no qual possivelmente ocorrera o desvirginamento e a sedução. Segundo narram,
estavam todos na frente de casa da vítima conversando diante de uma fogueira, pois
seria uma semana de festas juninas. A vítima levantou-se e disse que iria a cozinha
beber um copo d’água. Sentindo a falta da mesma e estranhando a demora no seu
95
Processo contra V J.L. – E.: 04; Cx.: 91; Doc.: 1784. CEDOC – Centro de Documentação e Pesquisa -
UEFS.
96
IDEM, 5fls.
111
As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
Após o depoimento de suas irmãs, o acusado é intimado em inúmeras ocasiões, sem ser
encontrado. Há inclusive uma notificação em jornal, buscando alertá-lo, mas em vão.
Ambos, acusado e vítima, são menores de idade – 14 e 17 anos respectivamente. A
morosidade da Justiça Púbica impede a investigação satisfatória do acontecido. Dois
anos depois, quando novamente as irmãs do acusado são ouvidas em juízo, durante o
sumário de culpa, informam que a Larissa viveu amasiada apenas um mês com o
acusado e que se separaram, posteriormente. Afirmam, então, que naquele momento a
vítima encontra-se no meretrício, tendo inclusive dois filhos, um deles abandonado na
porta da casa de uma das duas.
97
ESTEVES, Martha de Abreu. Meninas perdidas: os populares e o cotidiano do amor no Rio de
Janeiro da Belle Époque . Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989, 53p.
112
As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
98
CEDOC – Centro de Documentação e Pesquisa - UEFS. Processo contra V. M. C. – E.: 03; Cx.: 63;
Doc.: 1181.
113
As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
Em seu depoimento ela deixa transparecer indícios de que houve por parte dela atitudes
que denunciam interesse no namoro. Segundo narra, ia à escola com sua irmã, que
estudava em uma unidade escolar diferente da sua. No dia em que foi desvirginada
conseguiu filar aula e retornar a escola sem que sua mana desconfiasse de nada. Poderia
até ser virgem anatomicamente, com o hímen intacto no momento do encontro com seu
sedutor, mas para a jurisprudência de então, não possuía o importante elemento da
“virgindade moral”. Considerada dissimulada, ardilosa e esperta por conseguir enganar
muitos para poder transitar a vontade pelo centro urbano, não poderia ser tida como uma
moça ingênua. Embora possivelmente anatomicamente virgem, ela era moralmente
corrompida e não poderia ser facilmente seduzida.
O seu trânsito pelas ruas e artérias da cidade, pegando transporte coletivo com
motoristas desconhecidos era o tipo de comportamento desaprovado pelos reformadores
para as moças de então. Não há menção no seu inquérito a sua presença em bailes,
cordões de micareta ou festas, todavia era uma jovem que aproveitava da sua liberdade
oriunda da possibilidade de estudar e trabalhar um turno numa movelaria no centro
comercial para divertir-se com passeios públicos e “conversinhas interessantes” com
homens desconhecidos. No cenário público, ela não se apresentava recatada e foi
seduzida pela liberdade que possuía. Sem a devida orientação, corrompeu-se.
99
GRIFO NO ORIGINAL.
100
CEDOC – Centro de Documentação e Pesquisa - UEFS. Processo contra V. M. C. – E.: 03; Cx.: 63;
Doc.: 1181.
114
As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
Ainda a respeito da citação acima, embora seja uma releitura dos fatos narrados pela
jovem feita pelo advogado de defesa do acusado, esta fala exibe elementos que
exemplificam claramente que os sujeitos jurídicos aceitavam a contraposição da
ingenuidade das moças honestas e de família ao cinismo das mulheres não submetidas à
vigilância familiar, as quais eram consideradas facilmente corruptíveis e dissimuladas.
Neste sentido, ainda acerca do momento do desvirginamento, o mesmo advogado
ironiza:
Uma moça honesta não cederia tão imediatamente aos impulsos sexuais. Não era o
desejo que a impelia de ter relações sexuais, mas sim a esperteza masculina. Ele se
impõe, ele penetra, ele machuca, ela a faz sangrar, ele domina e ele é o único a
satisfazer-se. Ela sente, sangra e se submete pelo amor e pela inexperiência. Por não
encontrar-se dentro dos padrões de sociabilidades femininas da sociedade feirense - ser
dada a filar aulas, realizar passeios furtivos de Kombi e trabalhar fora - Cacilda teve seu
101
CEDOC – Centro de Documentação e Pesquisa - UEFS. Processo contra V. M. C – E.: 03; Cx.: 63;
Doc.: 1181.
115
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namoro e sua sexualidade utilizadas de forma a retirar dela a proteção judicial. Como
diz Maria CORREA (1983): “os atos se transformam em autos, os fatos em versões” 102.
102
CORRÊA, Mariza, Morte em família: representações jurídicas de papéis sexuais. Rio de Janeiro,
Graal, 1983, 33p.
116
As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Dizer tão somente que a cidade de Feira de Santana de meados do século XX progredia
e que passava por significativas mudanças urbanísticas, arquitetônicas e no campo da
moral e das sociabilidades, seja de homens e mulheres, não explica com facilidade as
experiências de vida das muitas moças envolvidas nos processos crime de sedução. Suas
origens e suas trajetórias entram em conflito com as muitas místicas da modernidade
feirense, servindo de elemento para a problematização de muitas noções arraigadas
acerca do crescimento e transformação da cidade de Feira.
117
As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
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As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
dessa tipologia criminal eram formadas por mulheres pobres, moradoras de bairros
afastados e distritos rurais que não foram contemplados pelos avanços e transformações
materiais identificadas. A condição social dessas jovens, a sua relação com o mundo do
trabalho e mesmo a tradição familiar não permitiam que ingressassem nos avanços
identificados no período. Ao se analisar a trajetória de muitas jovens, percebe-se que
eram alheias as novas sociabilidades feirenses. Nesse sentido, pode-se depreender que o
processo de modernização em Feira de Santana pode ser problematizado a luz de novos
olhares, novas pesquisas e novos documentas. Do ponto de vista da moral sexual e do
avanço das urbanidades, a modernidade feirense foi uma concepção, representação ou
criação simbólica, produzida pelos grupos sociais para significar uma série de
comportamentos e atitudes a si próprios atribuídos.
119
As “Descabaçadas” do Sertão: O Crime de Sedução e as Sociabilidades da Cidade Princesa 1940\1960
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CEDOC – Centro de Documentação e Pesquisa - UEFS. Processo contra C.V. \ E.: 03;
Cx.:81; Doc.: 1546 - (1944);
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