Você está na página 1de 2

"Consciência nos Negócios (Como construir valor através de valores)"

Fred KOFMAN – Ed. Campus Elsevier, 2007

Tese central deste livro: conscientização é a solução! temas da educação permanente, um dos prefaciado-
Solução para quê? Para a perda de perenidade e res deste livro, sendo o outro Ken Wilber –, com quem
humanidade que as empresas vêm sofrendo, ao foca- se associou para fundar a consultoria Axialent (volta-
rem exclusiva ou prioritariamente o seu negócio em da para a formação humanista de lideranças e que
torno de estruturas egocêntricas e autofágicas. atua junto a muitas das maiores empresas mundiais)
Mas consciência de quê? Dos valores que, segun- e que tem aqui seu braço na sociedade com Ana
do Kofman, importam de fato para proteger o futuro e Maria Diniz. Palestrante contumaz no Brasil, nos últi-
dar valor persistente ao negócio, sendo que os principais mos cinco anos, é referência na questão da presença
correspondem aos capítulos fundamentais da obra: de outros valores nos negócios que ultrapassem o
Responsabilidade Incondicional, território da mera lucratividade
Integridade Essencial, Humil- ou rentabilidade.
dade Ontológica, Comunicação Qual a novidade, então, já
Autêntica, Negociação Constru- que muitos falam ou escrevem
tiva, Coordenação Impecável e sobre isso? É que Kofman dá
Competência Emocional. ao livro um caráter instrumen-
Fred Kofman? Ascen-dência tal, isto é, em vez de ficar
judaica (decisiva para a sua fazendo voleios e divagações
religiosidade entranhada), nas- exotéricas, dá exemplos con-
ceu e viveu na Argentina dos cretos, situações práticas e
“anos de chumbo” ditatoriais trajetórias passíveis de serem
mais recentes, até concluir a trilhadas. Não se trata, é claro,
faculdade e partir para o de um manual ou um vade
Mario SÉrgio Cortella

doutorado em Economia na mecum, no qual basta “seguir


Universidade da Califórnia, o mestre”; há conceituações,
em Berkeley. Essa Califórnia, reflexões, questionamentos de
impregnada de misticismos fundo, sem que se perca o
salvacionistas e alguns sérios horizonte de uma realidade
movimentos orientalistas, o que pode e deve ser transfor-
conduziu para o miolo do Zen- mada para além da boa intenção.
Budismo, desaguando nas tra- Há bastante narração na
dições orientais e em uma visão de espiritualidade primeira pessoa, feita de modo agradável e que não
que ocupou nele o terreno anterior do monoteísmo e torna o texto um exercício narcísico, nem obriga ao
da moral hebraica. “olhe para mim e veja o certo”. Sem ser piegas, há um
Convidado, foi docente durante seis anos grande encantamento em certas passagens, especial-
(1990-1996) na MIT Sloan School of Management; mente quando relata no item “O Verdadeiro Propósito
muito elogiado, escolhido pelos alunos em vários de um Negócio” (p. 268), a primeira vez que perdeu
momentos como o “Professor do Ano”. No ápice, no jogo de Palavras Cruzadas para o filho de 10 anos
abandonou o instituto voluntariamente, passando de idade, Tomás.
quase uma década no caminho do que chamou de Termina o livro com um “namaste”, a saudação
“autodescoberta e auto-aperfeiçoamento”, chegando que aprendera numa expedição ao Himalaia, e
à conclusão, durante esse tempo, de que sua vida que em sânscrito indica a reverência pela “Luz
deveria ser dedicada a “ajudar líderes a realizarem Divina, que, como Você, brilha”. E brilha mesmo...
sua verdadeira grandeza e expressá-la no trabalho”.
POR

Mais conhecido por ter refinado o conceito de


Mario Sérgio Cortella é professor convidado da Fundação Dom Cabral
metamanagement, é discípulo competente de Peter e professor titular do Departamento de Teologia e Ciências da Religião e
Senge – o grande professor do MIT especializado nos da Pós-Graduação em Educação da PUC-SP.

92 DOM
leitura

onfesso ter começado a leitura do livro de Fred ele nos desafia a valorizar também o processo, não
Kofman com certa descrença, mas, aos poucos, fui-me somente o resultado. Com isso, somos alertados a não
envolvendo e sendo impactada em duas dimensões: a somente observar as fases dos processos que trazem
primeira, eu como profissional lidando com meus resultados, mas a guardar nossos valores. O resultado
clientes, minha equipe e a liderança da empresa. não pode vir a qualquer custo. Alinhar comportamento
Percebi meus erros e muitas das origens dos meus aos valores das pessoas conduz ao conceito de integri-
acertos. Encontrei também os argumentos para conti- dade; uma forma que nos permite enxergar o sucesso
nuar acreditando que o mundo dos negócios é mais do além do sucesso. Sem os conceitos de integridade
que uma arena em que se vence ou se perde. Nas essencial e de valorização do processo, não se aprende
relações estabelecidas, é um cenário ou uma ambiên- a ter a visão do longo prazo. Ao ler o capítulo, pensei
cia, em que nos desenvolvemos e nos realizamos, e no quanto esse princípio se aplica à consolidação da
que, no exercício de nossos valores, servimos ao outro. reputação de um negócio e da confiança nas relações
E essa é a verdadeira alma do negócio. comerciais e na importância da integridade para o
Em outra dimensão, compreendi como uma cultu- equilíbrio entre a busca por resultados de curto e de
ra de responsabilidade, integridade e humildade, con- longo prazo.
jugada com capacitações em comunicação, negociação Humildade ontológica. É a humildade de reconhe-
e coordenação, sustenta as estratégias de geração de cer que não somente o meu ponto de vista é o correto,
valor ao mercado. Sempre afirmei que marketing é, que o outro tem visões diferentes e razões distintas que
antes de tudo, a arte de entender de gente. Sem com- o fazem agir. O reconhecimento de que as pessoas têm
preendermos a dimensão humana nas relações de modelos mentais diferentes é fundamental para cons-
negócio, nenhum valor se cria. Porque valor só é criado truir valor para o outro e com o outro. O autor lembra
quando percebido pelo outro, aos olhos do outro, no a importância de os gestores saírem da posição de
contexto de uso do outro. quem sabe tudo, para uma atitude de aprendizagem
Conforme afirma o professor Cortella em sua rese- contínua. E recorda os três princípios para a aprendi-
nha, este livro tem um caráter instrumental. Por isso, zagem mútua: a racionalidade é limitada – uma pessoa
sinto-me à vontade para comentar como os princípios não consegue apreender toda a realidade; outras pers-
expostos por Fred Kofman são úteis em nosso dia-a- pectivas são complementares à nossa; finalmente, os
dia. Vou-me deter nos três primeiros (Responsabilidade erros são oportunidade para aprendizagem. Sem o
Incondicional, Integridade Essencial, Humildade princípio da humildade ontológica, não construímos
Ontológica), pois são mais vinculados aos valores. Os valor para os stakeholders e não há espaço para a
outros princípios (Comunicação Autêntica, Negociação aprendizagem sobre o outro ou com o outro. Um desas-
Construtiva e Coordenação Impecável) tratam de estra- tre, em ambientes mais competitivos e de rápidas
tégias de comunicação e relacionamento que facilitam mudanças.
o exercício dos três primeiros valores. Os outros princípios abordados por Fred Kofman
A responsabilidade incondicional. O autor nos são dicas preciosas para interações e comunicações
desafia a, quando nos depararmos com algum proble- produtivas entre as pessoas. Uma comunicação malfeita
ma, assumirmos 100% da responsabilidade. Mesmo afeta a tarefa, os relacionamentos e a auto-estima.
quando esses problemas foram causados por circuns- Para o autor, confiança e respeito mútuo é o cerne das
tâncias externas e fora do nosso controle e, portanto, interações cooperativas. Ele oferece os passos para

ÁUREA RIBEIRO
não tendo culpa, de qualquer forma temos autonomia negociações construtivas e trata das questões que
para escolher respostas responsáveis. O autor nos con- podem influenciar um processo coordenado que pro-
vida a sair da posição de vítimas para a de protagonis- duz melhores resultados. E nos convida a desenvolver
tas em busca de solução para o problema. Imagine-se competência emocional, sem a qual é impossível apli-
em situações em que as receitas ou margens estão car os princípios propostos no livro.
caindo devido à globalização e a outros fatores. Como No final, Fred Kofman adota um tom mais espiri-
as conseqüências dos problemas são nossas, não tualista. Ele compartilha com o leitor o que aprendeu
adianta lamentar, mas sim nos colocarmos na posição ao buscar “autodescoberta e auto-aperfeiçamento”.
de protagonistas e buscar alternativas. Da mesma for- Conclui que a alma dos negócios é ajudar os outros e
ma, quando uma entrega atrasa por problemas dos que o trabalho é a arena para a autodescoberta e o
outros, não adianta buscar os culpados. É fundamental aperfeiçoamento. Compartilhando suas reflexões a
nos vermos como partes do problema e analisarmos se, partir da experiência de escalar o Pico Aconcágua,
de alguma forma, ou no desempenho do processo, retoma a importância do processo, da caminhada – tão
influenciamos esse atraso e, assim, buscar uma solu- importantes quanto chegar lá. A caminhada é transfor-
ção e evitar que o problema se repita. madora!
POR

Integridade essencial. Fred Kofman é muito cau-


teloso ao nos alertar que, apesar de assumirmos a Áurea Ribeiro é professora de Marketing da Fundação Dom Cabral, doutora
responsabilidade, não ganharemos sempre. Portanto, em Administração de Empresas pela FGV/SP.

DOM 93

Você também pode gostar