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CURRÍCULO E DECOLONIALIDADE

Cristiane Landulfo
LANDULFO, Cristiane. Currículo e decolonialidade. Suleando conceitos e linguagens:
decolonialidades e epistemologias outras. Campinas, SP: Pontes Editores, p. 95-102, 2022.
o currículo é sempre o resultado de uma
seleção: de Desse modo, o propósito “Currículo e decolonialidade” é entender que não devemos somente
Para Macedo (2013, p. 25) o o currículo é espaço de disputa, pois
um universo mais amplo de conhecimentos e
saberes,
de nos indagarmos sobre: 1) o que será ensinado, para quem será ensinado,
currículo, geralmente, é visto na educação ele parte seleciona-se aquela parte que vai constituir, um currículo elaborado a por que será ensinado, o que se espera que os alunos venham a ser ao final
como um simples documento de uma tradição seletiva e é sempre precisamente,
o currículo. As teorias do currículo, tendo partir das teorias pós- do curso? Mas, porque ensinar determinado conteúdo e não outro?” ou
“onde se expressa e se organiza a formação, resultado das escolhas de alguém,
decidido quais “por que privilegiar esse tipo de identidade e não outra?”. Fazemos, ainda,
ou seja, o arranjo, o desenho e, portanto, reflete a visão de algum conhecimentos devem ser selecionados, críticas é construir uma
organizativo dos conhecimentos, os grupo que procura legitimar o que nos sugere Kilomba (2019, p. 49): de quem é esse conhecimento?
métodos e as atividades em disciplinas,
buscam justificar
por que “esses conhecimentos” e não
sociedade democrática, na Quem se reconhece ter esse conhecimento? E quem não se reconhece?
conhecimentos específicos. Ou seja,
matérias ou áreas, competências, etc.; como
ainda que muitas e muitos de nós não
“aqueles” devem ser qual histórias esquecidas e Quem pode ensinar esse conhecimento? E quem não pode? Quem está
um artefato burocrático prescrito”. O selecionados. [...] Um currículo busca
referido autor, explica que compreender
estejamos conscientes de seu papel precisamente modificar as pessoas que vão vozes silenciadas no centro? E quem fica fora, nas margens? p101
em nossas vidas, o currículo faz parte “seguir” aquele currículo. [...]
currículo a partir dessa
de toda a nossa trajetória escolar e da sejam evidenciadas. p98
acepção é aceitar perspectivas equivocadas, P96
nossa formação como cidadã e
reducionistas e mercantilizadas P95
cidadãos P95

Segundo o referido autor Silva O currículo da escola está baseado na A decolonialidade não é um conteúdo a
(2010) , um currículo elaborado Nesse sentido, os atos de educar e de cultura dominante: ser estudado, mas um Um currículo decolonial muda, portanto, o foco e traz à tona o
a partir das chamadas teorias aprender se resumiriam apenas em ele se expressa na linguagem projeto de enfretamento a todas as grito de quem sempre foi silenciado pelo pensamento moderno europeu/
tradicionais possibilita a transmitir e receber conteúdos contidos dominante, ele é transmitido através do formas de opressão colonial que nos colonial que precisa ser confrontado por outras histórias e vivências.
em livros ou em uma cartilha. código cultural dominante. As crianças violenta quotidianamente. É preciso
formação de indivíduos As verdades universais precisam ser combatidas a fim de que possamos
Mas, o mais grave é que nessa perspectiva das classes dominantes podem compreendermos que, ao pensarmos
passivos diante dos problemas
sociais, já que na visão
tradicional, a assimilação dos
facilmente compreender um currículo, devemos pensar qual decolonizar o pensamento e, consequentemente, as nossas existências.
saberes, compreendidos como
tecnicista dominantes, não devem e não podem ser
esse código, pois durante toda sua vida sociedade queremos legitimar e Para além das teorias de currículo, pensar “currículo e decolonialidade”
elas estiveram construir. Devemos ter em mente que o
dessas teorias, uma escola deve questionados (SILVA, 2010), mas
que é inserido nos currículos dos
significa despensar, desver histórias a nós impostas como a única forma
absorvidos como uma verdade absoluta. imersas, o tempo todo, nesse código.
funcionar como uma fábrica. de percebermos e sentirmos o mundo. p101
p96 [...] Em contraste, mais diferentes contextos educacionais
p96 não deve hierarquizar os seres, os
para as crianças e jovens das classes
dominadas, esse saberes, as línguas, os gêneros e a
código é simplesmente indecifrável p97 natureza. p101
É em oposição a isso que se pauta um currículo baseado nas
teorias críticos, o qual deve ser o inverso do currículo tradicional, pois,
enquanto o segundo “naturaliza” as injustiças sociais e as reproduz a fim Castro-Gómez, (2007) explica que as universidades e, consequentemente, as escolas, majoritariamente, ainda reverberam estruturas e
de reverberar o status quo, o crítico possibilita questionamentos e a busca pensamentos coloniais, reforçando a hegemonia ocidental chamada de “hybris do ponto zero” que está relacionada à ideia de neutralidade do
por transformações. Nesse sentido, a função do currículo não é retratar conhecimento. Segundo essa teoria, a ciência moderna refuta a sexualidade, o gênero, as etnias, as classes, as línguas, as espiritualidades
uma realidade fixa, mas repensá-la, demostrando que o conhecimento e (colonialidade do ser) para garantir a objetividade do conhecimento para poder legitimar hierarquias de saber (colonialidade do saber) que se estendem às estruturas
os fatos sociais são produtos históricos construídos pelas mãos humanas departamentais, aos programas, às disciplinas com seus cânones, às escolas, etc. p99
e que, portanto, podem e devem ser diferentes. p97

Em resposta a todas essas violências e, nesse caso, específico, ao


[...] não podemos mais olhar para o currículo com a mesma genocídio epistêmico, é que precisamos promover o chamado giro decolonial e
inocência de antes. O currículo tem significados que vão
recriarmos os nossos currículos em diálogo com saberes outros,
muito além daqueles aos quais as teorias tradicionais nos
confinaram. O currículo é lugar, espaço, território. O
seja promovendo a “ecologia de saberes” (SANTOS, 2018), seja em
currículo é relação de poder. O currículo é trajetória, diálogo com uma perspectiva afrocêntrica (PINHEIRO, 2021) ou ainda,
viagem, percurso. O currículo é autobiografia, nossa vida, promovendo a diferença colonial (MIGNOLO, 2003). p100
curriculum vitae: no currículo se forja nossa identidade. O
currículo é texto, discurso, documento. O currículo é
documento de identidade. (SILVA, 2010, p.150, grifos
nossos) p98

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