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038 Bride
038 Bride
O PA D R I N H O DA N O I VA , O S O L , E
Noiva
Neva
TRA D U ÇÃO
D E JOÃO ROD R I G U E S
1
DAS
BY E D ITO R A WIS H
Tradução:
João Rodrigues
Preparação:
Karine Ribeiro
Revisão:
Fernanda Fedrizzi
Capa e projeto gráfico:
Marina Avila
Ilustração de capa:
Julia Macário
2023 ISBN
Copyright 2023 Editora Wish. Este material possui direitos
de tradução e publicação e, ao não divulgá-lo sem prévia
autorização da editora, você está nos ajudando a continuar
publicando raridades para os leitores. Agradecemos por isso.
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UMA RELÍQUIA DE
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Sinopse
Onde havia um homem, lá havia
também seu túmulo à espera.
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Um cavaleiro magnífico, um
amor proibido e um casamento
esperam a bela Noiva Neva. E um
padrinho poderoso e inusitado
soltará sua ira em todos aqueles
que tentarem impedir essa união.
6
Em 2023, o
ano é delas!
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Sociedade das Relíquias
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O PA D R I N H O DA N O I VA , O S O L , E
Noiva
Neva
Ivana Brlić-Mažuranić, 1916
E
ra uma vez um moleiro e sua
esposa, os dois eram mise-
ráveis e tinham o coração
feito de pedra. Quando os
serviçais do Imperador traziam mi-
lho para ser moído, o moleiro o fazia
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sem custo algum e ainda o mandava
de volta com o acréscimo de um pre-
sente, só para ganhar pontos com o
Imperador poderoso e a filha dele,
a princesa orgulhosa. No entanto,
quando pessoas pobres vinham para
moer seus milhos, como pagamento o
moleiro ficava com uma porção para
cada duas que moía, pois do contrário
nem faria o serviço.
Um dia, quando o Yuletide estava
perto de começar e a tempo do frio
congelante, uma velha veio até o moi-
nho — uma mulher de idade que era
toda remendos e trapos. O moinho
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ficava em um bosquezinho à beira do
riacho, e ninguém era capaz de dizer
de onde saíra aquela mulher.
Mas ela não era uma velha como
as outras; aquela era a Mãe Molhada.
Ela era capaz de se transformar em
qualquer coisa mortal, seja num pás-
saro ou numa cobra, seja numa velha
ou numa jovem. Além disso, também
conseguia fazer qualquer coisa, tanto
boa quanto ruim. Mas ai daquele que
pisasse em seu calo, pois ela era mui-
tíssimo vingativa. Molhada vivia no
atoleiro à beira do pântano onde o sol
de outono fazia morada. E com ela o
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sol sobrevivia à longa noite invernal;
afinal, Molhada conhecia ervas por-
retas e feitiços poderosos; portanto,
ela zelaria e prezaria o sol débil e
velho até que este voltasse a rejuve-
nescer no Yuletide e começasse sua
trajetória uma vez mais.
— Um bom dia para os senhores
— disse Mãe Molhada para o moleiro
e sua esposa. — Só moa este saco de
milho para mim.
A velha colocou o saco no chão, e
o moleiro concordou:
— Vou fazer isso para a senhora;
metade do saco fica para você e seu
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bolo, e metade fica para mim pelo
trabalho.
— Não me venha com essa, meu
filho! É capaz que eu nem tenha o
bastante para meu bolo de Yuletide,
pois tenho seis bocas, que são meus
filhos, e ainda uma sétima, meu neto,
o Sol, que nasceu hoje.
— Dê o fora daqui e pare de falar
besteira, sua velha coroca! — explo-
diu o moleiro. — Ah, sim, bem prová-
vel mesmo que a senhora seja a avó
do Sol!
E assim eles bateram boca para cá
e para lá; mas o moleiro não cederia
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o moinho por menos que a metade
do milho moído e, portanto, a velha
recolheu o saco e partiu pelo mesmo
caminho no qual viera.
O moleiro, no entanto, tinha uma
filha; uma menina linda chamada
Noiva Neva. Quando nasceu, as fa-
das a banharam na água que cai da
roda-d’água, para que os males lhe
dessem as costas, assim como a água
foge de um moinho. E, além disso, as
fadas previram que, no casamento
da menina, o Sol seria padrinho da
noiva. Que chique! Ela era a noivi-
nha do Sol. E por isso a chamavam
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de Noiva Neva; e ela era muitíssimo
bonita e toda sorrisos, assim como
um dia de verão.
Noiva Neva ficou muito sentida
quando o moleiro mandou a velha
embora com tamanha grosseria.
Sendo assim, ela saiu e, no bosque, fi-
cou à espera da mulher, dizendo-lhe:
— Volte amanhã de novo, Mãe,
quando devo estar sozinha. Vou moer
o milho para a senhora sem cobrar
nada.
No dia seguinte, o moleiro e a
esposa foram para o bosque cortar
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madeira para o Yuletide, e então
Noiva Neva foi deixada sozinha.
Pouco tempo depois, a velha apa-
receu com o saco.
— Que a sorte recaia sobre você,
jovem donzela — disse a mulher.
— E sobre a senhora também —
retribuiu Noiva Neva e então acres-
centou: — Espere um pouco, Mãe, até
abrirmos o moinho.
O moinho funcionava por meio de
uma roda pequena que captava a água
através de quatro pás cruzadas na
transversal, as quais giravam como
um eixo. O moleiro tinha desativado
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a água e, por isso, Noiva Neva pre-
cisou entrar até os joelhos na água
congelante para abrir a eclusa.
O moinho rangeu, as mós giraram
e Noiva Neva moeu o milho da velha.
Ela encheu o saco com farinha e nada
aceitou por seu esforço.
— Ah, muitíssimo obrigada, don-
zela — disse Mãe Molhada. — E eu
vou ajudá-la em qualquer lugar para
onde seus pés possam te levar, já
que você não os poupou da água fria
como gelo, nem suas mãos tiveram
má vontade de semear uma labuta
sem pagamento. E digo mais, vou
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dizer ao meu neto, o Sol, a quem ele
deve seu bolo de Yuletide.
E assim a velha pegou o saco e par-
tiu.
Daquele dia em diante, nada pros-
perava no moinho sem Noiva Neva.
A não ser que ela estivesse tocando o
moinho, as pás não captariam a água;
a menos que ela estivesse olhando o
silo, não haveria farinha nele. Não
importava quanto grão caísse ali,
despejado pela comporta, pois tudo
se perdia pelo chão; o silo continuava
vazio a menos que fosse Noiva Neva
quem alimentasse o moinho. E assim
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o era com tudo que acontecia no moi-
nho e tudo que se relacionava a ele.
Essa situação perdurou por muito
tempo, de novo e de novo sem nunca
haver qualquer mudança, até que o
moleiro e a esposa começaram a ter
inveja da filha e passaram a odiá-la.
Quanto mais a menina trabalhava
pesado, e quanto mais ela ganhava,
pior ficava aos olhos dos pais, porque
para ela era fácil como cantar uma
música, já para eles não dava certo
nem mesmo com esforço e afinco.
Foi durante uma manhã, perto
do Beltane, quando o Sol, forte e
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flamejante, viaja através de uma me-
tade do céu como uma bola de ouro
puro. O Sol não mais dormia no pân-
tano, nem àquela altura Molhada
tomava conta dele; mas o Sol era o
senhor do mundo, e a ele o céu e a
terra obedeciam. No Beltane, Noiva
Neva sentou-se ao lado do moinho e
pensou consigo mesma, “Se ao menos
eu pudesse sair daqui, já que não sou
capaz de agradar a esses amargura-
dos de jeito nenhum!”
E assim que pensou isso, bem
diante dela apareceu a velha, que era
Molhada.
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— Eu vou te ajudar, mas você
deve me obedecer de todas as for-
mas, e cuidado para não me ofender
— avisou ela. — Nesta mesmíssima
manhã, a princesa orgulhosa cami-
nhou pelo prado e perdeu as chaves
de seu baú e de seu guarda-roupa, e
agora não consegue pegar sua coroa
nem suas vestes. Por conta disso, a
princesa conseguiu que proclamas-
sem que fosse lá quem encontrasse
as chaves, e, nesse caso, se tratando
de um rapaz, a princesa vai se tornar
sua alma gêmea e futura noiva, e, se
tratando de uma donzela, a princesa
vai tomá-la como primeira dama de
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companhia. Então você vem comigo,
e eu vou te mostrar onde as chaves
caíram em meio aos amarantos que
crescem por lá. Depois você vai levá-
-las para a princesa e se tornar a pri-
meira dama de companhia dela. E se
vestirá em seda e se sentará ao lado
dos joelhos da princesa.
De supetão, Molhada se transfor-
mou numa codorna, e Noiva Neva a
seguiu.
E assim as duas chegaram ao prado
em frente ao castelo do Imperador.
Nobres e cavaleiros galantes cami-
nhavam pelo prado, e ao redor dali
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estavam seus escudeiros segurando
corcéis cheios de espírito. Apenas um
corcel não era segurado por um escu-
deiro, e sim por um garoto descalço.
Essa montaria pertencia a Oleg, o
Guardião, e era o corcel mais impe-
tuoso de todos. Sob o sol, o próprio
Oleg, o Guardião, era o mais brilhante
cavaleiro. É possível que identificasse
Oleg, o Guardião, em meio a tantos
condes e nobres, já que seu traje era
simples e sem firulas, mas suas plu-
mas brancas, a gratificação de valor,
o distinguiam de todo o resto.
Os cava lei ros e a s d a ma s
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caminhavam pelo prado, todos atro-
pelando a grama com seus sapatos,
movidos pela ansiedade de encontrar
as chaves. Apenas Oleg, o Guardião,
fazia uma busca preguiçosa pelas
chaves, pois considerava a situação
uma mera brincadeira e um passa-
tempo. Mas, através de sua janela,
a filha do Imperador observava e
prestava atenção para ver quem se-
ria favorecido pela sorte. E de fato os
olhos bem atentos a princesa orgu-
lhosa manteve, enquanto repetia en-
cantos afortunados para que Oleg, o
Guardião, fosse a pessoa a encontrar
as chaves.
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Quando Noiva Neva veio com a co-
dorna voando logo à frente, nem uma
alma sequer no prado lhe deu alguma
atenção, exceto Oleg, o Guardião.
“Nunca na vida vi uma donzela
tão meiga”, pensou Oleg, o Guardião,
e então marchou em direção a ela.
Mas bem naquele momento a filha
do Imperador, de onde estava na ja-
nela, também notou Noiva Neva, e era
uma figura tão orgulhosa e sem co-
ração que nunca chegou a parar para
observar como a donzela era meiga;
pelo contrário, foi ficando com muita
raiva e então disse:
24
— Eu estaria em maus lençóis se
aquela meretriz vulgar encontrasse
as chaves e se tornasse minha dama
de companhia.
Com isso em mente, ela de ime-
diato mandou seus servos para dis-
persar a garota.
Para onde quer que a codorna fosse
no prado, logo atrás estava Noiva
Neva. Desse modo, elas chegaram ao
centro do prado, onde os amarantos
cresciam bem altos. A codorna partiu
duas folhas ao pé de um tufo de ama-
rantos, e lá estavam as chaves.
Noiva Neva se curvou e pegou as
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chaves; no entanto, quando olhou para
cima, para o castelo do Imperador,
e viu a princesa orgulhosa, acabou
ficando temerosa e pensou, “Como
poderia eu me tornar a dama de com-
panhia da princesa?”
TH E E N D
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O Padrinho da Noiva, o Sol, e
Noiva Neva
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E X TR A: BIOGR AFIA
Ivana Brlić-Mažuranić
Ivana Brlić-Mažuranić nasceu em
Ogulin, na Croácia, em 18 de abril de
1874. Foi autora de contos, romances,
56
poesia e, principalmente, contos de
fadas. Ivana é considerada uma das
autoras croatas mais amadas e im-
portantes na literatura infanto-juve-
nil, foi comparada a Hans Christian
Andersen por seus contemporâneos,
e a Tolkien por sua maestria em criar
histórias completamente novas ba-
seadas nos elementos da mitologia
local.
Ivana fez parte de uma conhecida
família croata: Mažuranić. Seu pai,
Vladimir Mažuranić, era lexicógrafo,
advogado e historiador e se tor-
nou conhecido por ter sido autor do
57
primeiro dicionário croata de História
e Direito, publicado em 1882. Seu avô,
Ivan Mažuranić, também foi uma fi-
gura política famosa. Além disso, sua
avó, Aleksandra Demeter, era irmã de
Dimitrije Demeter, famoso escritor
e uma das pessoas-chave no movi-
mento ilírio da Croácia, que buscou
defender a língua e a expressão cul-
tural do povo croata.
Toda a família teve muito acesso
à educação e proporcionou um am-
biente no qual a jovem Ivana pôde
explorar seus amplos conhecimen-
tos, tendo sido alfabetizada em casa.
58
Ela também falava alemão, francês,
russo, inglês e italiano.
Ivana se casou com um proemi-
nente político e advogado Vatroslav
Brlić, em 1892, com quem teve sete
filhos. Era uma mãe dedicada às tare-
fas da casa, mas também conseguiu
investir tempo e esforço em outras
áreas de sua vida. Como mãe, teve a
oportunidade de entender melhor
a psique das crianças e, assim, com-
preender a pureza e a ingenuidade
de seu mundo. Sua experiência se
refletiu nas narrativas que começou
a escrever.
59
Seu primeiro livro foi publicado
de forma independente em 1902,
voltado para o público infantil, pu-
blicando novamente um livro se-
melhante em 1905. Em 1916, ela
escreveu outro clássico da literatura
croata para crianças. Croatian Tales
of Long Ago é uma coletânea de con-
tos e contos de fadas, inspirados na
mitologia eslava.
Além de histórias para crianças,
Ivana também escreveu poesia, fábu-
las, artigos, ensaios para várias publi-
cações, uma autobiografia e material
histórico. Algumas de suas histórias
60
renderam adaptações para o audiovi-
sual anos depois de sua morte.
Sua contribuição literária é ine-
gável. Ivana Brlić-Mažuranić foi no-
meada duas vezes ao Prêmio Nobel,
em 1931 e 1938, e foi sugerida como
candidata outras duas vezes. Além
disso, foi a primeira mulher membro
da Yugoslav Academy of Arts and
Sciences.
Em 1933 foi diagnosticada com
Ciclotimia, um transtorno de humor
que causa altos e baixos emocionais.
Infelizmente, tirou a própria vida em
21 de setembro de 1938. Seu legado
61
continua vivo por meio das histórias
que atravessam gerações e de sua
obra que continua encantando e con-
quistando novos leitores.
O Padrinho da Noiva, o Sol, e Noiva
Neva foi publicado originalmente em
1916, na coletânea Croatian Tales of
Long Ago, e agora chega com exclu-
sividade na Sociedade das Relíquias
Literárias.
62
Profissionais
que trabalharam
neste conto
João Rodrigues
TR A DUÇÃO
63
Karine Ribeiro
PRE PA R AÇÃO
Escritora premiada,
tradutora e revisora,
graduanda em Tradução
pela UFMG.
@karineescreve
Fernanda Fedrizzi
RE V ISÃO
Ilustradora e designer
editorial apaixonada por
histórias fantasiosas e
cores vibrantes!
behance.net/juliamacario
Marina Avila
PROJE TO G R Á FICO
Produtora editorial e
fundadora da Wish. Mãe
de gatos e de livros.
@casatipografica
e @marinalivros
Valquíria Vlad
COMUNICAÇÃO E
COMUNIDA DE
Escritora, pesquisadora
e publicitária formada
pela Universidade
Federal do Ceará (UFC).
@valquiriavlad
Laura Brand
ME DIAÇÃO E
PA R ATE X TOS
Editora, coordenadora
editorial, jornalista e
criadora de conteúdo.
Formada pela PUC-MG
e Columbia Journalism
School. @nostalgiacinza
66
Muito obrigada
por apoiar este
financiamento
coletivo!
Neste mês foi possível viabilizar a curado-
ria, tradução, revisão e ilustração do conto
Bridesman Sun and Bride Bridekins! A cada mês
de assinatura, a Wish continuará resgatando
os tesouros do passado em novas edições
para os caçadores das Relíquias Literárias.
67
N O P R ÓX I M O M Ê S
Amelia Edwards
Um suspense
fantasmagórico!
68